2011 documento final oficina seminario sobre consulta previa

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1 Documento Final Oficina-seminário sobre conteúdo e regras de aplicação do direito de consulta livre, prévia e informada no Brasil A Rede de Cooperação Alternativa (RCA), juntamente com a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), o Ministério Público Federal (MPF), o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e o Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (Ceppac), da Universidade de Brasília, promoveram, entre os dias 9 e 12 de outubro de 2011, uma oficina-seminário sobre a aplicação do Direito de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) dos povos indígenas e comunidades tradicionais no Brasil. Congregando cerca de 40 participantes, entre representantes das organizações indígenas Atix, Apina, Arpinsul, CIR, Foirn, Hutukara, Opiac, Oprimt, Wyty-Catë, Comissão Yvy Rupa, bem como das organizações indigenistas CPI-AC, CTI, Iepé, Inesc, ISA e especialistas na matéria, o objetivo do evento foi debater o conteúdo e o alcance do Direito de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) dos povos indígenas previsto na legislação nacional e internacional, assim como trabalhar na elaboração de uma proposta preliminar de diretrizes que orientem a regulamentação e aplicação deste direito no Brasil. Para as organizações participantes do evento o Direito de Consulta Livre, Prévia e Informada é compreendido como um instrumento de dialogo entre os povos indígenas e o Estado, que visa garantir o direito à participação efetiva no processo de tomada de decisões legislativas e administrativas que envolvam direitos coletivos dos povos indígenas. Portanto, sua natureza é estritamente instrumental é acessória ao conjunto de direitos substantivos reconhecidos aos povos indígenas, tanto na Constituição Federal como nas demais normas e instrumentos nacionais e internacionais sobre povos indígenas vigentes no país. A seguir são apresentadas recomendações referentes ao processo de regulamentação do Direito de Consulta Livre, Prévia e Informada, bem como ao conteúdo e alcance do mesmo, debatidos e deliberados no evento. Princípios e regras gerais de aplicação: Diálogo. A Consulta Livre, Prévia e Informada deve ser entendida como um processo e não como um evento, como um instrumento de diálogo entre o Estado e os povos indígenas.

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Oficina Seminário Sobre Consulta Previa. A Rede de Cooperação Alternativa (RCA), juntamente com a AssociaçãoBrasileira de Antropologia (ABA), o Ministério Público Federal (MPF), o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e o Centro de Pesquisa e Pós-Graduaçãosobre as Américas (Ceppac), da Universidade de Brasília, promoveram, entre os dias 9 e 12 de outubro de 2011, uma oficina-seminário sobre a aplicação doDireito de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) dos povos indígenas e comunidades tradicionais no Brasil.

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    Documento Final Oficina-seminrio sobre contedo e regras de aplicao do

    direito de consulta livre, prvia e informada no Brasil

    A Rede de Cooperao Alternativa (RCA), juntamente com a Associao

    Brasileira de Antropologia (ABA), o Ministrio Pblico Federal (MPF), o Instituto

    de Estudos Socioeconmicos (Inesc) e o Centro de Pesquisa e Ps-Graduao

    sobre as Amricas (Ceppac), da Universidade de Braslia, promoveram, entre

    os dias 9 e 12 de outubro de 2011, uma oficina-seminrio sobre a aplicao do

    Direito de Consulta Livre, Prvia e Informada (CLPI) dos povos indgenas e

    comunidades tradicionais no Brasil.

    Congregando cerca de 40 participantes, entre representantes das

    organizaes indgenas Atix, Apina, Arpinsul, CIR, Foirn, Hutukara, Opiac,

    Oprimt, Wyty-Cat, Comisso Yvy Rupa, bem como das organizaes

    indigenistas CPI-AC, CTI, Iep, Inesc, ISA e especialistas na matria, o objetivo

    do evento foi debater o contedo e o alcance do Direito de Consulta Livre,

    Prvia e Informada (CLPI) dos povos indgenas previsto na legislao nacional

    e internacional, assim como trabalhar na elaborao de uma proposta

    preliminar de diretrizes que orientem a regulamentao e aplicao deste

    direito no Brasil.

    Para as organizaes participantes do evento o Direito de Consulta

    Livre, Prvia e Informada compreendido como um instrumento de dialogo

    entre os povos indgenas e o Estado, que visa garantir o direito

    participao efetiva no processo de tomada de decises legislativas e

    administrativas que envolvam direitos coletivos dos povos indgenas. Portanto,

    sua natureza estritamente instrumental acessria ao conjunto de direitos

    substantivos reconhecidos aos povos indgenas, tanto na Constituio Federal

    como nas demais normas e instrumentos nacionais e internacionais sobre

    povos indgenas vigentes no pas.

    A seguir so apresentadas recomendaes referentes ao processo de

    regulamentao do Direito de Consulta Livre, Prvia e Informada, bem como ao

    contedo e alcance do mesmo, debatidos e deliberados no evento.

    Princpios e regras gerais de aplicao:

    Dilogo. A Consulta Livre, Prvia e Informada deve ser entendida como um processo e no como um evento, como um instrumento de dilogo entre o Estado e os povos indgenas.

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    Flexibilidade. A aplicao deste direito deve atender a diversidade tnica existente no pas, sendo flexvel tanto nos procedimentos para cada consulta como no tempo necessrio para sua execuo.

    Boa f. Os processos de consulta devem ser realizados de boa f, com apresentao de informao verdica, completa e oportuna. A boa f deve tambm se manifestar na vontade do Estado de chegar a um acordo ou obter o consentimento dos povos indgenas.

    Transparente. Os processos de consulta devem ser pblicos e divulgados de forma adequada aos povos indgenas.

    Livre. Os processos de consulta devem ser livres de qualquer tipo de presso poltica, econmica ou moral.

    Representatividade indgena. Os processos de consulta devem respeitar as formas prprias de representao e de tomada de deciso dos povos indgenas participantes da consulta.

    Vinculante. O resultado do processo de consulta deve incorporar e respeitar a deciso dos povos indgenas.

    Responsabilidade pblica. Os processos de consultas somente devero ser realizados pelo Estado. O Estado deve garantir os recursos necessrios para a execuo de todo o processo, includa a articulao e a preparao dos povos indgenas.

    Participativo. As regras do processo de consulta devero ser decididas conjuntamente entre os povos indgenas afetados e o Estado.

    I. Recomendaes sobre o processo de regulamentao do direito de consulta prvia:

    A regulamentao deste direito dever ser feita por meio de um processo amplamente participativo, segundo regras e procedimentos previamente acordados com os prprios povos indgenas e suas organizaes representativas.

    O Estado dever garantir aos povos indgenas tempo suficiente para a discusso, reflexo e deliberao sobre o assunto.

    O Estado dever garantir informao suficiente, adequada e oportuna para o processo de consulta.

    O Estado dever garantir os recursos necessrios para o processo de consulta.

    O Estado no deve fracionar a regulamentao setorial dos procedimentos de consulta. Recomenda-se a unificao de procedimentos em um instrumento para medidas administrativas e outro para medidas legislativas.

    II. Recomendaes sobre o contedo da regulamentao do direito de consulta prvia:

    II.1. Com relao s decises que devem ser consultadas:

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    Todas aquelas decises, administrativas e legislativas, que afetem os direitos coletivos dos povos indgenas, independentemente deles estarem dentro ou fora das terras indgenas.

    Decises administrativas de nvel federal, municipal e estadual que afetem os direitos coletivos dos povos indgenas.

    Decises administrativas de carter geral para toda a populao, mas que afetem especificamente direitos coletivos dos povos indgenas.

    Planos, programas e projeto de desenvolvimento nacional, regional, estadual e municipal que afetem povos indgenas.

    Projetos de Decretos Legislativos que autorizam a explorao de recursos hdricos e minerais em determinadas terras indgenas ou em seu entorno.

    Decises legislativas das Assemblias Legislativas e Cmaras Municipais de carter geral que afetem os direitos dos povos indgenas.

    As decises legislativas e administrativas sobre polticas transfronteirias que afetem direitos coletivos dos povos indgenas de fronteira devero ser consultadas.

    O poder executivo deve consultar os povos indgenas sobre suas iniciativas legislativas, bem como sobre medidas provisrias que afetem direitos coletivos dos povos indgenas.

    II.2. Com relao ao momento oportuno de realizar a consulta:

    O processo de consulta deve ser prvio deciso administrativa ou legislativa emitida pelo Estado ainda no incio dos processos de planejamento.

    O processo de consulta deve ser iniciado pelo Estado, e os povos indgenas tm o direito de solicitar sua realizao.

    No caso de medidas legislativas, o processo de consulta deve ocorrer antes da aprovao do relatrio final na Cmara dos Deputados e no Senado Federal.

    O Congresso Nacional deve consultar os povos indgenas afetados antes de emitir autorizaes para aproveitamento de recursos hdricos ou explorao mineral em terras indgenas. Tais autorizaes no podem ser condicionadas realizao posterior de consultas com os povos indgenas.

    II.3. Com relao a quem deve realizar a consulta:

    O processo de consulta deve ser feito pelo rgo do Estado com competncia para decidir sobre a matria objeto de consulta, bem seja o Congresso Nacional para o caso de decises legislativas ou, os rgos do poder executivo, em todos seus nveis, para os casos de decises administrativas.

    O Estado deve garantir uma interlocuo articulada e coordenada com os povos indgenas envolvendo todos os setores responsveis pelo contedo e execuo das decises objeto da consulta.

    Durante os processos de consulta, alm dos povos indgenas e o Estado deve participar um terceiro ator responsvel por velar pelo cumprimento

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    das leis. Recomenda-se que o Ministrio Pblico Federal participe de todos os processos de consulta.

    II.4. Com relao a quem deve ser consultado:

    Os sujeitos do direito de consulta so os povos indgenas diretamente afetados.

    Os processos de consulta devero ser realizados com as comunidades indgenas e suas organizaes representativas, dependendo do escopo da medida objeto da consulta.

    Quando determinada deciso impacta mais de um povo ou comunidade, o processo de consulta dever ser executado de forma conjunta por todos os povos e comunidades envolvidas.

    No processo de consulta, a Funai no pode tomar decises em nome dos povos indgenas.

    II.5. Com relao aos procedimentos dos processos de consulta:

    A consulta deve ser compreendida como um processo de vrias etapas a serem definidas conjuntamente entre o Estado e os povos indgenas, dependendo do escopo e do contedo da medida objeto de consulta.

    As regras do processo de consulta devem ser definidas conjuntamente entre os povos indgenas e o Estado. Tais regras acordadas sero expressas em um Plano de Consulta, que conter como mnimo:

    - Os interlocutores por parte do Estado e dos povos indgenas. - Os procedimentos adequados (prazo, assessoria tcnica e modos de tomada de deciso). - O cronograma, que deve contemplar o tempo do processo de compreenso e deliberao interna dos povos indgenas. - A forma em que a informao ser disponibilizada, bem como os recursos necessrios para sua compreenso. - Traduo nas lnguas dos povos indgenas envolvidos no processo, quando houver necessidade. - A informao completa, independente e oportuna.

    Informao prvia, em tempo adequado, e que seja garantida as condies para que as comunidades recebam informao de fontes independentes, com assessoria tcnica e jurdica escolhida pelos prprios povos indgenas.

    A consulta prvia especfica sobre cada deciso administrativa ou legislativa e no se confunde com os espaos de participao cidad e de controle social do quais participam representantes dos povos indgenas.

    Todo o processo de consulta dever estar devidamente documentado, disponvel a todos os participantes e amplamente divulgado.

    II.6. Sobre os efeitos jurdicos do processo de consulta:

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    A consulta tem como objetivo chegar a um acordo ou obter o consentimento dos povos indgenas. Todo acordo produto do processo de consulta vinculante.

    Nos casos de no acordo, o Estado dever incorporar na motivao da deciso as razes tcnicas e polticas pelas quais no h acordo com os povos indgenas.

    Os resultados e produtos das consultas devem estar refletidos na deciso final, sendo este elemento o principal para qualificar o processo de consulta prvia e diferenci-lo de qualquer outro tipo de reunio.

    Organizaes participantes: Apina - Conselho das Aldeias Wajpi Arpinsul Articulao dos Povos Indgenas da Regio Sul Associao Wyty-Cat dos Povos Timbira do Maranho e Tocantins CEPPAC Centro de Pesquisa e Ps-Graduao sobre as Amricas Comisso Yvy Rupa CPI-AC Comisso Pr-ndio do Acre CIR Conselho Indgena de Roraima CTI Centro de Trabalho Indigenista Foirn Federao das Organizaes Indgenas do Rio Negro HAY Hutukara Associao Yanomami Iep Instituto de Pesquisa e Formao Indgena Inesc Instituto de Estudos Socioeconmicos ISA Instituto Socioambiental Opiac Organizao dos Professores Indgenas do Acre Oprimt Organizao dos Profissionais Indgenas de Mato Grosso RCA Rede de Cooperao Alternativa Organizaes convidadas: CPPDI Centro de Polticas Pblicas y Derechos Indgenas, Chile Ciudadania, Bolvia DAR Derechos Ambiente y Recursos Naturales, Peru IEB Instituto de Educao do Brasil Fundacion Gaia Amaznica, Colmbia PUC-PR Pontifcia Universidade Catlica do Paran RAMA Red Jurdica Amaznica, Equador