2007__321_setembro

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Jornal da ABI Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa 321 Barão de Itararé , O Pasquim , Latuff : o humor fora da lei O SEQÜESTRO DE ELBRICK CONTADO SEM FANTASIA DOCUMENTÁRIO EXIBIDO NO CINE ABI RELATA COMO SEQÜESTRARAM O EMBAIXADOR NORTE- AMERICANO DURANTE A DITADURA. PÁGINA 22 A VIDA CULTURAL PERDE UM GIGANTE: MÁRIO BARATA JORNALISTA, CRÍTICO DE ARTE, PROFESSOR, MUSEÓLOGO, ELE ENCARNAVA O “SOU 300, SOU 350” DE MÁRIO DE ANDRADE. PÁGINAS 38 E39 BÁRBARA HELIODORA E LÉO BATISTA SEM SEGREDOS A CRÍTICA TEMIDA E O LOCUTOR 60 ANOS NO AR FALAM DE SUAS TRAJETÓRIAS, DESDE OS PRIMEIROS PASSOS. PÁGINAS 10 A 12 E 26 A 29. L EONARDO B OFF Estamos vivendo a Idade de Ferro da globalização Aquela derrota de 50, sem patriotadas ATENTADO Amaury Ribeiro Jr., outro repórter alvo de pistoleiros Dois momentos altos do humor na imprensa, ambos submetidos à repressão política de suas épocas: o Barão de Itararé, perseguido no Estado Novo, e O Pasquim, que fez um jornalismo sem aspas e sem paletó e gravata. Páginas 30 e 32 SETEMBRO 2007 O oba-oba dos Jogos Pan-Americanos obscureceu o que ocorreu à sua sombra: a intimidação do cartunista Latuff por usar o mascote Cauê para denunciar violências contra favelados. Páginas 34 e 35 Página 15 Informado sobre a voracidade do INSS na cobrança de uma dívida que a Casa contesta, o Presidente Lula assegurou: Não tomaram a sede da ABI em outros tempos e não será agora que ela será tomada. Informado sobre a voracidade do INSS na cobrança de uma dívida que a Casa contesta, o Presidente Lula assegurou: Não tomaram a sede da ABI em outros tempos e não será agora que ela será tomada. Página 19 Página 34 Página 34 Ghiggia faz o segundo gol do Uruguai e acaba com as esperanças brasileiras. ROOSEWELT PINHEIRO/ABR AGÊNCIA O GLOBO

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Page 1: 2007__321_setembro

Jornal da ABIÓrgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

321

Barão de Itararé, O Pasquim, Latuff: o humor fora da lei

O SEQÜESTRO DE ELBRICKCONTADO SEM FANTASIA

DOCUMENTÁRIO EXIBIDO NO CINE ABI RELATACOMO SEQÜESTRARAM O EMBAIXADOR NORTE-AMERICANO DURANTE A DITADURA. PÁGINA 22

A VIDA CULTURAL PERDE UMGIGANTE: MÁRIO BARATAJORNALISTA, CRÍTICO DE ARTE, PROFESSOR,

MUSEÓLOGO, ELE ENCARNAVA O “SOU 300, SOU350” DE MÁRIO DE ANDRADE. PÁGINAS 38 E39

BÁRBARA HELIODORA ELÉO BATISTA SEM SEGREDOSA CRÍTICA TEMIDA E O LOCUTOR HÁ 60 ANOSNO AR FALAM DE SUAS TRAJETÓRIAS, DESDE OS

PRIMEIROS PASSOS. PÁGINAS 10 A 12 E 26 A 29.

LEONARDO BOFF Estamos vivendo a Idade de Ferro da globalização

Aquela derrota de50, sem patriotadas

ATENTADO Amaury Ribeiro Jr., outro repórter alvo de pistoleiros

Dois momentos altos do humor na imprensa, ambos submetidos à repressãopolítica de suas épocas: o Barão de Itararé, perseguido no Estado Novo, e O Pasquim,que fez um jornalismo sem aspas e sem paletó e gravata. Páginas 30 e 32

SETEMBRO2007

O oba-oba dos Jogos Pan-Americanos obscureceu o que ocorreuà sua sombra: a intimidação do cartunista Latuff por usar o mascoteCauê para denunciar violências contra favelados. Páginas 34 e 35

Página 15

Informado sobre a voracidade do INSS nacobrança de uma dívida que a Casa contesta,o Presidente Lula assegurou: Não tomaram

a sede da ABI em outros tempos e nãoserá agora que ela será tomada.

Informado sobre a voracidade do INSS nacobrança de uma dívida que a Casa contesta,o Presidente Lula assegurou: Não tomaram

a sede da ABI em outros tempos e nãoserá agora que ela será tomada.

Página 19

Página 34

Página 34

Ghiggia faz o segundo gol do Uruguai e acaba com as esperanças brasileiras.

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2 Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

Um jornalismo que trabalha com o sonho 3Mercado: Como (e por quê) a mídia abana artistas miliardários 8Evocação: Binômio, jornalismo e História 9Ela é bárbara - Bárbara Heliodora, a crítica mais temida 10A Academia na Comissão de Honra do Centenário 13Ninguém vai tomar a sede da ABI. Palavra de Lula. 15Associações do MP perderam a luta contra o foro privilegiado 15Leodegário, Personalidade Educacional 16Esnobaram o Pan 17Piauí cria a Medalha Carlos Castelo Branco 25O pioneiro Léo Batista, há 60 anos no ar 26Garabosky, o colecionador 29Pasquim, o jornalismo sem aspas e sem paletó e gravata 30As mutações da imprensa, anos 50 31Itararé: o Barão de uma batalha inexistente 32

Jornal da ABI

Associação Brasileira de ImprensaDIRETORIA – MANDATO 2007/2010Presidente: Maurício AzêdoVice-Presidente: Audálio DantasDiretor Administrativo: Estanislau Alves de OliveiraDiretor Econômico-Financeiro: Domingos MeirellesDiretor de Cultura e Lazer: Jesus ChediakDiretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê)Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros

CONSELHO CONSULTIVOChico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira,Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura.

CONSELHO FISCALLuiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes doNascimento, Secretário; Arthur Auto Nery Cabral, Geraldo Pereira dosSantos, Jorge Saldanha e Manolo Epelbaum.

CONSELHO DELIBERATIVO (2007-2008)Presidente: Fernando Barbosa Lima1º Secretário: Lênin Novaes2º Secretário: Zilmar Borges Basílio

Conselheiros efetivos (2005-2008)Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile,Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas,Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira (in memoriam),Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata (inmemorian), Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho.

Conselheiros efetivos (2006-2009)Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob,Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xistoda Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória SuelyAlvarez Campos, Heloneida Studart, Jorge Miranda Jordão,Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinhoe Pery de Araújo Cotta.

Conselheiros efetivos (2007-2010)Artur da Távola, Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, FernandoFoch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, JoséRezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, OrpheuSalles, Paulo Jerônimo de Sousa, Sérgio Cabral e Terezinha Santos.

Conselheiros suplentes (2005-2008)Anísio Félix dos Santos (in memoriam), Edgard Catoira, FranciscoPaula Freitas, Geraldo Lopes (in memoriam), Itamar Guerreiro,Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva,Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães.

Conselheiros suplentes (2006-2009)Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilode Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup,Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas,Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães,Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho,Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza.

Conselheiros suplentes (2007-2010)Adalberto Diniz, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, BenícioMedeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, JoséSilvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira,Maurício Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio.

COMISSÃO DE SINDICÂNCIAEly Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz,Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira.

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃOAlberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filhoe Paulo Totti.

COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSAudálio Dantas, Presidente; Arthur Cantalice, Secretário; Arcírio GouvêaNeto, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves,Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro,Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu SantosSalles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes.

INÉPCIA CRIMINOSAEditorialEditorial

Nesta EdiçãoNesta Edição

SEÇÕESACONTECEU NA ABI Ainda aquela derrota de 1950 18

“Estamos vivendo a Idade de Ferro da globalização”, adverte Leonardo Boff 19O seqüestro de Elbrick, sem ficção 22Fleury, o criador de presuntos 23O Menino Maluquinho em dvd 24

LIBERDADE DE IMPRENSA Nuzman contra Kfouri 33A nova vítima, no entorno da capital: Amaury Ribeiro Jr. 34Latuff, um caso de intimidação no Pan 34

DIREITOS HUMANOS Uma carta do professor torturado à Secretária Bené, que não responde 36A lavanderia do sistema penal 36

VIDAS Mário Barata, múltiplo e incansável 38Uma perda: Mário Carneiro, um pioneiro 39

CCCCCOMETIDOOMETIDOOMETIDOOMETIDOOMETIDO NUMANUMANUMANUMANUMA AGLOMERAÇÃOAGLOMERAÇÃOAGLOMERAÇÃOAGLOMERAÇÃOAGLOMERAÇÃO URBANAURBANAURBANAURBANAURBANAa 48 quilômetros de Brasília, portanto nasa 48 quilômetros de Brasília, portanto nasa 48 quilômetros de Brasília, portanto nasa 48 quilômetros de Brasília, portanto nasa 48 quilômetros de Brasília, portanto nasbarbas dos Pbarbas dos Pbarbas dos Pbarbas dos Pbarbas dos Poderes da República, o atenta-oderes da República, o atenta-oderes da República, o atenta-oderes da República, o atenta-oderes da República, o atenta-do contra o jornalista Amaury Ribeiro Jú-do contra o jornalista Amaury Ribeiro Jú-do contra o jornalista Amaury Ribeiro Jú-do contra o jornalista Amaury Ribeiro Jú-do contra o jornalista Amaury Ribeiro Jú-niorniorniorniornior, do , do , do , do , do CorCorCorCorCorrrrrreio Brazilienseeio Brazilienseeio Brazilienseeio Brazilienseeio Braziliense, evidenciou mais, evidenciou mais, evidenciou mais, evidenciou mais, evidenciou maisuma vez como é áspero o exercício da ati-uma vez como é áspero o exercício da ati-uma vez como é áspero o exercício da ati-uma vez como é áspero o exercício da ati-uma vez como é áspero o exercício da ati-vidade jornalística fora do principal eixo devidade jornalística fora do principal eixo devidade jornalística fora do principal eixo devidade jornalística fora do principal eixo devidade jornalística fora do principal eixo deprodução de material jorprodução de material jorprodução de material jorprodução de material jorprodução de material jornalístico no Pnalístico no Pnalístico no Pnalístico no Pnalístico no País,aís,aís,aís,aís,constituído por Brasília, Rio de Janeiro econstituído por Brasília, Rio de Janeiro econstituído por Brasília, Rio de Janeiro econstituído por Brasília, Rio de Janeiro econstituído por Brasília, Rio de Janeiro eSão PSão PSão PSão PSão Paulo.aulo.aulo.aulo.aulo.Ainda que situada nas proximidades daAinda que situada nas proximidades daAinda que situada nas proximidades daAinda que situada nas proximidades daAinda que situada nas proximidades da

capital, Cidade Ocidental não se distinguecapital, Cidade Ocidental não se distinguecapital, Cidade Ocidental não se distinguecapital, Cidade Ocidental não se distinguecapital, Cidade Ocidental não se distinguedos cenários mais longinquos e afastados dosdos cenários mais longinquos e afastados dosdos cenários mais longinquos e afastados dosdos cenários mais longinquos e afastados dosdos cenários mais longinquos e afastados dosgrandes centros, nos quais a prática do jorgrandes centros, nos quais a prática do jorgrandes centros, nos quais a prática do jorgrandes centros, nos quais a prática do jorgrandes centros, nos quais a prática do jor-----nalismo é uma empreitada temerária. Quantonalismo é uma empreitada temerária. Quantonalismo é uma empreitada temerária. Quantonalismo é uma empreitada temerária. Quantonalismo é uma empreitada temerária. Quantoà liberdade para o exercício dessa atividadeà liberdade para o exercício dessa atividadeà liberdade para o exercício dessa atividadeà liberdade para o exercício dessa atividadeà liberdade para o exercício dessa atividadeprofissional, Cidade Ocidental não difere doprofissional, Cidade Ocidental não difere doprofissional, Cidade Ocidental não difere doprofissional, Cidade Ocidental não difere doprofissional, Cidade Ocidental não difere doMunicípio de PMunicípio de PMunicípio de PMunicípio de PMunicípio de Porto Forto Forto Forto Forto Ferererererreira, no interior dereira, no interior dereira, no interior dereira, no interior dereira, no interior deSão PSão PSão PSão PSão Paulo, onde há meses foi assassinado oaulo, onde há meses foi assassinado oaulo, onde há meses foi assassinado oaulo, onde há meses foi assassinado oaulo, onde há meses foi assassinado ojornalista Luiz Carlos Barbon Filho.jornalista Luiz Carlos Barbon Filho.jornalista Luiz Carlos Barbon Filho.jornalista Luiz Carlos Barbon Filho.jornalista Luiz Carlos Barbon Filho.Nas duas cidades, o script foi o mesmo: umNas duas cidades, o script foi o mesmo: umNas duas cidades, o script foi o mesmo: umNas duas cidades, o script foi o mesmo: umNas duas cidades, o script foi o mesmo: um

repórter que denuncia mazelas, contrari-repórter que denuncia mazelas, contrari-repórter que denuncia mazelas, contrari-repórter que denuncia mazelas, contrari-repórter que denuncia mazelas, contrari-ando fortes interesses estabelecidos; umaando fortes interesses estabelecidos; umaando fortes interesses estabelecidos; umaando fortes interesses estabelecidos; umaando fortes interesses estabelecidos; umadespreocupação do jornalista, que se sentadespreocupação do jornalista, que se sentadespreocupação do jornalista, que se sentadespreocupação do jornalista, que se sentadespreocupação do jornalista, que se sentanum bar para curtir um momento de folganum bar para curtir um momento de folganum bar para curtir um momento de folganum bar para curtir um momento de folganum bar para curtir um momento de folgae de ócio; um pistoleiro empresado para,e de ócio; um pistoleiro empresado para,e de ócio; um pistoleiro empresado para,e de ócio; um pistoleiro empresado para,e de ócio; um pistoleiro empresado para,encapuzado, atentar contra a vida do proencapuzado, atentar contra a vida do proencapuzado, atentar contra a vida do proencapuzado, atentar contra a vida do proencapuzado, atentar contra a vida do pro-----fissional. Só um pormenor diferençou osfissional. Só um pormenor diferençou osfissional. Só um pormenor diferençou osfissional. Só um pormenor diferençou osfissional. Só um pormenor diferençou osdois casos: por sorte Amaury Ribeiro Júni-dois casos: por sorte Amaury Ribeiro Júni-dois casos: por sorte Amaury Ribeiro Júni-dois casos: por sorte Amaury Ribeiro Júni-dois casos: por sorte Amaury Ribeiro Júni-or sobreviveu aos três tiros que o atingi-or sobreviveu aos três tiros que o atingi-or sobreviveu aos três tiros que o atingi-or sobreviveu aos três tiros que o atingi-or sobreviveu aos três tiros que o atingi-

ram, enquanto Barbon encontrou no aten-ram, enquanto Barbon encontrou no aten-ram, enquanto Barbon encontrou no aten-ram, enquanto Barbon encontrou no aten-ram, enquanto Barbon encontrou no aten-tado seu fim trágico.tado seu fim trágico.tado seu fim trágico.tado seu fim trágico.tado seu fim trágico.Em ambos os episódios, assustam tanto oEm ambos os episódios, assustam tanto oEm ambos os episódios, assustam tanto oEm ambos os episódios, assustam tanto oEm ambos os episódios, assustam tanto o

crime comocrime comocrime comocrime comocrime como a incapacidade do Pa incapacidade do Pa incapacidade do Pa incapacidade do Pa incapacidade do Poder Públicooder Públicooder Públicooder Públicooder Públicode identificarde identificarde identificarde identificarde identificar, localizar e prender seu autor, localizar e prender seu autor, localizar e prender seu autor, localizar e prender seu autor, localizar e prender seu autor,,,,,para que a Justiça lhe imponha as penas dapara que a Justiça lhe imponha as penas dapara que a Justiça lhe imponha as penas dapara que a Justiça lhe imponha as penas dapara que a Justiça lhe imponha as penas dalei. Plei. Plei. Plei. Plei. Passados muitos meses, não se conheceassados muitos meses, não se conheceassados muitos meses, não se conheceassados muitos meses, não se conheceassados muitos meses, não se conhecequem foi o matador de aluguel que assassi-quem foi o matador de aluguel que assassi-quem foi o matador de aluguel que assassi-quem foi o matador de aluguel que assassi-quem foi o matador de aluguel que assassi-nou Barbon Filho. A mesma trilha percorrenou Barbon Filho. A mesma trilha percorrenou Barbon Filho. A mesma trilha percorrenou Barbon Filho. A mesma trilha percorrenou Barbon Filho. A mesma trilha percorreo caso Amaury Ribeiro Júnior: mais de umo caso Amaury Ribeiro Júnior: mais de umo caso Amaury Ribeiro Júnior: mais de umo caso Amaury Ribeiro Júnior: mais de umo caso Amaury Ribeiro Júnior: mais de ummês após a tentativa de liquidá-lo, não semês após a tentativa de liquidá-lo, não semês após a tentativa de liquidá-lo, não semês após a tentativa de liquidá-lo, não semês após a tentativa de liquidá-lo, não sedivulgou qualquer providência eficaz paradivulgou qualquer providência eficaz paradivulgou qualquer providência eficaz paradivulgou qualquer providência eficaz paradivulgou qualquer providência eficaz paraoesclarecimento da autoria do crime.oesclarecimento da autoria do crime.oesclarecimento da autoria do crime.oesclarecimento da autoria do crime.oesclarecimento da autoria do crime.Essa inépcia constitui uma poderosa fon-Essa inépcia constitui uma poderosa fon-Essa inépcia constitui uma poderosa fon-Essa inépcia constitui uma poderosa fon-Essa inépcia constitui uma poderosa fon-

te de alimentação da criminalidade, de es-te de alimentação da criminalidade, de es-te de alimentação da criminalidade, de es-te de alimentação da criminalidade, de es-te de alimentação da criminalidade, de es-tímulo ao crime, de difusão do costume detímulo ao crime, de difusão do costume detímulo ao crime, de difusão do costume detímulo ao crime, de difusão do costume detímulo ao crime, de difusão do costume dese empresarem sicários para a consumaçãose empresarem sicários para a consumaçãose empresarem sicários para a consumaçãose empresarem sicários para a consumaçãose empresarem sicários para a consumaçãode planos criminosos. E não se trata de umade planos criminosos. E não se trata de umade planos criminosos. E não se trata de umade planos criminosos. E não se trata de umade planos criminosos. E não se trata de umainépcia que tem como vítimas apenas jorinépcia que tem como vítimas apenas jorinépcia que tem como vítimas apenas jorinépcia que tem como vítimas apenas jorinépcia que tem como vítimas apenas jor-----nalistas. Nesse ponto os responsáveis pelanalistas. Nesse ponto os responsáveis pelanalistas. Nesse ponto os responsáveis pelanalistas. Nesse ponto os responsáveis pelanalistas. Nesse ponto os responsáveis peladesídia aliada às ações criminosas não codesídia aliada às ações criminosas não codesídia aliada às ações criminosas não codesídia aliada às ações criminosas não codesídia aliada às ações criminosas não co-----metem discriminações: eles sujeitam todosmetem discriminações: eles sujeitam todosmetem discriminações: eles sujeitam todosmetem discriminações: eles sujeitam todosmetem discriminações: eles sujeitam todosaos riscos impostos pelos seus fracassos.aos riscos impostos pelos seus fracassos.aos riscos impostos pelos seus fracassos.aos riscos impostos pelos seus fracassos.aos riscos impostos pelos seus fracassos.De nossa parte não cansaremos de clamarDe nossa parte não cansaremos de clamarDe nossa parte não cansaremos de clamarDe nossa parte não cansaremos de clamarDe nossa parte não cansaremos de clamar

contra os criminosos, quer suas ações te-contra os criminosos, quer suas ações te-contra os criminosos, quer suas ações te-contra os criminosos, quer suas ações te-contra os criminosos, quer suas ações te-nham jornalistas como alvo, quer tenhamnham jornalistas como alvo, quer tenhamnham jornalistas como alvo, quer tenhamnham jornalistas como alvo, quer tenhamnham jornalistas como alvo, quer tenhamcomo vítimas quaisquer outras pessoas, ecomo vítimas quaisquer outras pessoas, ecomo vítimas quaisquer outras pessoas, ecomo vítimas quaisquer outras pessoas, ecomo vítimas quaisquer outras pessoas, eclamar também contra aqueles que, tendoclamar também contra aqueles que, tendoclamar também contra aqueles que, tendoclamar também contra aqueles que, tendoclamar também contra aqueles que, tendoo dever de proteger a sociedade, são no fundoo dever de proteger a sociedade, são no fundoo dever de proteger a sociedade, são no fundoo dever de proteger a sociedade, são no fundoo dever de proteger a sociedade, são no fundocoadjuvantes dos agentes criminosos.coadjuvantes dos agentes criminosos.coadjuvantes dos agentes criminosos.coadjuvantes dos agentes criminosos.coadjuvantes dos agentes criminosos.

OBSERVAÇÃO - Esta edição foi finalizada e impressa na segunda quinzena de outubro de 2007, quando começou a circular nacionalmente.

Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andarTelefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 20.030-012Rio de Janeiro - RJ ([email protected])Editores: Francisco Ucha, Maurício Azêdo e Benício MedeirosProjeto gráfico, diagramaçãoe editoração eletrônica: Francisco UchaApoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar,Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna,José Ubiratan Solino, Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha.Diretor responsável: Maurício AzêdoImpressão: Taiga Gráfica Editora LtdaAvenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1808 Osasco, SP(11) 3693-8027

As reportagens e artigos assinados não refletemnecessariamente a opinião do Jornal da ABI.

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3Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

ESPECIALIZAÇÃO

Engana-se quem pensa que a vida deum repórter de Turismo é fácil. Ape-sar das constantes viagens, sua rotinaé pesada e desgastante e exige muitaatenção na hora da apuração, princi-palmente porque o seu propósito édescrever o lugar e não aproveitá-locomo turista. Além disso, a falta derecursos financeiros de alguns veícu-los para custear uma viagem faz querepórteres e editores driblem as situa-ções em que os convites são oferecidoscom algum objetivo, contornado poreles a fim de que a matéria seja infor-mativa e imparcial.

Ana Carolina Sacoman, editora docaderno Viagem & Aventura do Estadão,diz que a matéria de capa é sempre umdestino de interesse do turista brasilei-ro, mesmo que já tenha sido explorado.Nesses casos, segundo ela, a idéia é mos-

Um jornalismo quetrabalha com o sonho

Os cadernos e editoriais de viagensrevelam ou descrevem lugares,

paisagens, costumes e culturas quea maioria dos leitores não vai poderconhecer. Repórteres e fotógrafos

desenvolvem um trabalho agradável,mas também pesado e estafante.

POR RODRIGO CAIXETA

trar um lado diferente de lugares que jáforam esmiuçados em outras edições —Miami, por exemplo:

— Tentamos também equilibrar re-portagens sobre destinos nacionais comos internacionais, sobre lugares exóticoscom outros mais conhecidos dos brasi-leiros. Enfim, fazer uma mescla do quepode interessar aos leitores/turistas.

No Estadão, a maior parte das via-gens da equipe é feita a partir de convi-tes de órgãos de turismo, companhiasaéreas, hotéis e operadoras, assim comoacontece em outros suplementos doPaís, diz Ana Carolina. Ela acrescenta:

— No entanto, não deixamos que issoinfluencie a pauta. Nas matérias deapoio valem, como em todo bom jorna-lismo, o olho e o faro do repórter. Se odestino não vale a pena ser divulgado,simplesmente não o é. Se merece pou-

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4 Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

co destaque, terá pouco destaque. Equem convida já sabe dessa postura deantemão. O leitor também sabe que aviagem foi feita a convite, pois coloca-mos esta informação no fim do texto.Curiosidades como guias de turismoesquisitos rendem uma matéria engra-çada e informativa. Já um documentá-rio sobre alpinismo pode se transformarnuma bela pauta de aventura.

Os quatro repórteres do Estadão en-carregam-se de pesquisar informaçõesúteis junto a operadoras e companhiasaéreas — para oferecer ao leitor um ser-viço o mais completo possível, com op-ções de hospedagem, transporte etc. —e suas viagens podem render notas ematérias para outras editorias. De acor-do com Ana Carolina, as reportagensnormalmente são escritas quando elesvoltam à Redação — “assim podem re-fletir com calma sobre a pauta, o quevale a pena ser divulgado e o que deveser descartado”.

Quanto ao critério de escolha do re-pórter que viaja ou não, ela informa: —Depende da disponibilidade de cada um,pois a viagem também é trabalho, ape-sar de ser pouco vista como tal. É claroque os repórteres têm perfis diferentes:um prefere fazer pautas de aventura;outro, América Latina; um entende depraia; outro, de neve... Mas todos têmde estar aptos a qualquer viagem. Háum rodízio para não sobrecarregar umúnico repórter.

Ana Carolina considera que o repór-ter de Turismo tem a oportunidade deconhecer vários países, entender outrasculturas e ampliar sua visão profissional:

— Para se candidatar ao Viagem &Aventura, porém, é preciso ter bons co-nhecimentos gerais, domínio de inglêse de pelo menos mais um idioma, saberlidar com imprevistos — que não faltamem viagens — e estar antenado com oque acontece no Brasil e no mundo. Épreciso ainda ser curioso, enxergar outrasculturas sem preconceito, ter prazer emdescobrir tradições alheias às suas, per-

correr o mundo sempre com olhos deiniciante e entender que viajar, mesmoa trabalho, é sempre um prazer.

Adriana Moreira, repórter do cader-no, diz que, em reportagens especiais,“muitas vezes a pauta é dividida entrevárias pessoas da editoria”:

— Em média, demoramos de uma aduas semanas, no máximo, entre a con-cepção e produção da matéria, mas issopode variar de acordo com a complexi-dade e o tamanho da reportagem. Algu-mas são pensadas e produzidas no mes-mo dia, por exemplo.

Diz Adriana que é bom conhecer lu-gares e pessoas diferentes, “mas estarsempre viajando não é só flores, comopensa a maioria”: — É preciso lembrarque não estamos de férias. Há muitaresponsabilidade envolvida.

Adriana, que já trabalhou em outraseditorias do Estadão, entende que o re-

pórter de Turismodeve ter as mesmashabilidades que qual-quer outro:

— É preciso cor-rer atrás de pautas echecar as informa-ções, só que é preci-so também gostarde viajar e ter espíri-to de aventura. Namedida do possível,o repórter de turis-mo deve procurarcoisas diferentes, exóticas e inusitadaspara temperar as matérias, o que só seconsegue com muita disposição parabater perna e papear com os moradoreslocais. Deve-se viajar com um olhar umpouco mais aguçado do que o do sim-ples turista e ler muito. Apenas a forma-ção acadêmica não é suficiente, mas issose aplica a qualquer área do jornalismo.

O que torna atraente

esse jornalismoTambém no Jornal do Brasil, diz Bru-

no Agostini, editor do caderno Viagem,o cronograma das pautas é feito de acor-do com os convites, mas não se atém aosenfoques sugeridos pelas assessorias deimprensa:

— Há pouco tempo demos uma ma-téria sobre Fernando de Noronha. Oobjetivo de quem nos convidou eravender o cruzeiro até lá, mas nosso focoprincipal foi a ilha e o cruzeiro entrouna matéria como uma das maneiras dese chegar até lá.

Revela Bruno que há outros fatoresque influenciam na produção das pau-tas: — A época do ano sempre traz as-suntos que devemos cobrir, mas é fun-damental descobrir um lugar novo,uma nova tendência, algo pouco abor-dado ou com um enfoque diferente.Tudo o que é interessante pode fazerparte da matéria de turismo, como qual-

ESPECIALIZAÇÃO UM JORNALISMO QUE TRABALHA COM O SONHO

quer aspecto da cultura popular de umaregião. A pluralidade é incrível. A mes-ma equipe do JB que produz o Viagemfaz o Carro e Moto, também semanal. Ohorário de trabalho não é muito rígido:

— Cada um tem seu estilo e seu rit-mo. Quando eles viajam, eu os aconse-lho a imprimir na matéria um diferen-cial e escrever o texto da forma maisagradável possível.

O caderno também recebe muitasmatérias de colaboradores e de repórte-res de outras editorias quando voltamde viagem, diz Bruno:

— Na hora de escolher quem vai via-jar, às vezes direcionamos uma pautapara alguém que tem algum tipo de afi-nidade com o assunto a ser tratado, oumesmo como prêmio pelo trabalho de-senvolvido, como aconteceu recente-mente com um repórter nosso que foipara o Chile.

Diz Bruno que há uma vantagemem ser repórter dasua editoria: — Es-tamos livres do“pescoção” (nomeque se dá ao plantãodas sextas-feiras,quando a Redaçãocostuma trabalharaté mais tarde, adi-antando a edição dedomingo, após fe-char a de sábado).Além disso, umgrande benefício é aoportunidade de orepórter ir à rua, vi-ajar, conhecer no-vas pessoas.

Bruno dá umainformação curiosa: — Os candidatos atrabalhar no jornal nunca dizem quequerem trabalhar com Turismo, prefe-rem falar em outras editorias, como Po-lítica ou Economia. O repórter, na ver-dade, deve saber escrever sobre qualquercoisa. Não é preciso ser nenhum expertpara falar sobre turismo, mas o candida-to deve investir em fotografia e mostrarinteresse em gastronomia, mercado aé-reo etc. Qualquer viagem tem milhõesde possibilidades e é isso que faz o jorna-lismo de turismo ser atraente. Trabalha-mos com o sonho, falamos de locais quemuitos não podem conhecer, mostramosvários elementos culturais que dificil-mente seriam percebidos.

Renata Machado, estagiária do Via-gem, avalia positivamente as viagensque já fez: — É bacana o intercâmbioque se faz com os colegas do País intei-ro, pois normalmente essas viagens sãopara grupos de jornalistas. Apurar delonge é ruim.

A reportagem, diz, deve ser produzi-da, em média, em uma semana: — Te-mos uma boa flexibilidade de tempo eisso ajuda a elaborar mais o texto, quecostuma ser maior que o factual. Quan-do viajamos, temos um roteiro progra-mado, mas sempre é possível arrumarum tempo para visitar outros lugares,encontrar personagens interessantes edar um enfoque diferente ao assunto.

Ana Carolina Sacoman, do caderno Viagem & Aventura do Estadão(acima): A busca de um lado diferente dos lugares já conhecidos,

tarefa a que já está acostumada sua colega Adriana Moreira (à direita).

“Trabalhamos com o sonho”, diz Bruno Agostini, editor no JB, explicando que os jornalistas deTurismo falam de lugares que grande parte dos leitores não tem condições de conhecer.

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Marlyana Tavares, editora do cadernoTurismo — recente ganhador do Prêmioda Comissão Européia de Jornalismo deTurismo como melhor caderno de Via-gem, dividido com O Globo —, diz queno suplemento do Estado de Minas, afo-ra o fato de viajar um pouco mais, o re-pórter faz o mesmo que os outros:

— A rotina é de apuração, entrevis-tas, redação e acompanhamento da edi-ção. Somos três na equipe: editor, repór-ter e estagiário. Para cada número, sem-pre pensamos em uma matéria interna-cional, uma nacional, uma de Minas euma de serviço.

A editoria recebe muitas sugestõesde pauta, seguidas ou não de convites,mas o jornal sempre arca com algumaajuda de custo, “quando não custeiatoda a viagem”.

— Em geral, procuramos pesquisar oroteiro e ouvir a opinião de pessoas quejá conhecem, pensando sempre no quepoderia despertar o interesse do públi-co mineiro.

Marlyana registra que o mercadopara os aspirantes a uma vaga em Turis-mo é mais restrito do que em outrasáreas, pois “geralmente trata-se de umaeditoria extremamente reduzida”.Quanto às características do candidatoideal, garante:

— A principal é a honestidade, por-que você lida com o mundo das via-gens, do sonho. É fundamental ter cui-dado para não confundir o sonho comrealidade, ter claro que o que se faz éconhecer um lugar para falar dele paraoutras pessoas e não para se divertir,tirar suas férias.

Ela dá uma dica: — Independente-mente de estar ou não no Turismo, faça

matérias sempre quehouver oportunidade eas ofereça aos editores. Éuma forma de tornarseu trabalho conhecido.Sem querer tirar merca-do de trabalho de nin-guém, é importante quese faça um curso de Fo-tografia, porque, namaioria das vezes, a co-bertura será feita semfotógrafo. E tenha pelomenos o inglês afiado,porque você lida comgente do mundo inteiro.

“Agradável, mas derotina cansativa”

Glauce Cavalcanti, repórter do BoaViagem do Globo, conta que sua rotina éigual à de outros colegas: — A diferen-ça é que nossas matérias são mais traba-lhadas, fazemos uma apuração maior.Mas também produzimos textos paraoutras editorias. Por exemplo, já fizmatéria sobre aviação para a Economia.

de rotina cansativa. Quando produzi-mos matérias de destino, trabalhamosantes, durante e depois. Precisamos con-firmar informações, apurar muito, fa-zer o serviço: preços, rotas etc.

Além de o Boa Viagem ter recebidoduas vezes consecutivas o Prêmio daComissão Européia de Jornalismo deTurismo, em 2005 a matéria sobre a Po-lônia Saborosa sopa de letrinhas, da edi-tora Carla Lencastre, venceu como me-lhor reportagem de jornal. Para mantera qualidade, Glauce avisa: — Culturageral é fundamental para o repórter. Épreciso saber do que acontece aqui e láfora, conhecer aspectos culturais e geo-gráficos, ter a curiosidade de viajar e des-cobrir novas coisas e falar línguas, poisnem sempre contamos com intérpretes.

“É preciso ler muito,fazer cursos”

No Zero Hora, Anelise Zanoni, repór-ter do caderno Viagem, produz e escre-ve matérias sobre destinos, comporta-mento e eventos, além de coletar suges-tões de leitores e fazer pesquisa em si-tes e revistas:

— Quando viajo para fazer algumamatéria, leio bastante sobre o lugar e pro-curo as matérias que já foram publicadassobre o assunto. Encontrar pontos deinteresse por meio da internet e de guiasé vital para especificar como será nossafutura matéria. Na hora de escrever, éimportante passar a sensação de que oleitor está no local quando lê o texto —por isso, gosto de usar detalhes, descre-ver sensações e encontrar diferenciais.

Informa Anelise que a equipe do ca-derno gaúcho não viaja com freqüência:

— Embora a editoria receba dezenasde convites por ano, no Zero Hora háuma cultura de dividir as viagens comoutros colegas. A editora e eu viajamosapenas duas ou três vezes por ano.

Um repórter de Turismo, em sua opi-nião, deve ter uma visão ampla do queum viajante precisa na hora de viajar:

— É preciso estar atento a detalhesque podem estragar o passeio do leitor,como uma comida muito apimentada,um gasto extra com gorjetas, um vôoque sempre atrasa ou um lugar que temmuita chuva no inverno. Além disso, épreciso saber descrever o local, transporo leitor para o destino e mostrar querealmente vale a pena embarcar naque-la viagem. Não basta gostar de viajar para

A equipe do caderno, formada por qua-tro pessoas, costuma fazer reuniões depauta às quartas-feiras e se programar parapelo menos três edições. Diz Glauce:

— Quando o verão está chegando, co-meçamos a preparar matérias especiais.Muitas pautas surgem devido à tempora-da, outras são sugestões. E muito materi-al vem dos correspondentes. Há épocas emque viajamos mais; outras, menos, como

na alta temporada. Os convi-tes são distribuídos a todos daRedação, mas a falta delesnão compromete a produ-ção editorial.

Ela afirma que o traba-lho é “pesado, sério e des-gastante”. — Em uma via-gem, costumamos fazer emum dia o que o turista fariaem uma semana. A genteacorda apurando e só páraquando vai dormir. É preci-so dedicação e atenção. Éum trabalho agradável, mas

Antes de viajar para fazer qualquer matéria, Anelise Zanoni (à esquerda), de Zero Hora e Mariana Ceratti, do Correio Braziliense,lêem muito sobre os lugares que vão visitar e procuram levantar os ângulos que terão interesse para os leitores.

Estado de Minas (à esquerda),Correio Braziliense (ao lado) e

Zero Hora (acima): qualquer queseja a latitude e sua tiragem, os

grandes jornais não podemdeixar de oferecer aos leitoresuma massa de informações de

serviço sobre turismo.

Um dos orgulhos profissionaisde Marlyana Tavares: o cadernode Turismo do Estado de Minas,que ela edita, foi premiado pelaComissão Européia deJornalismo de Turismo. Comoninguém é de ferro,aqui elacurte Ávila, na Espanha.

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escrever sobre turismo; a realidade vaimuito além. É preciso ter interesse pro-fundo por outras culturas e línguas —e, portanto, participar de seminários, lermuito, fazer cursos e, quem sabe, atéuma especialização na área. Continuarestudando e manter-se atualizado é oque faz o diferencial.

Uma boa reportagemdifere de texto de livro

No Correio Braziliense, a repórter doTurismo Mariana Ceratti também cos-tuma escrever para as editorias de Infor-mática e Veículos. Quando surge umaviagem, procura ler na internet sobre odestino:

— Isso ajuda o jornalista a se prepa-rar para fazer perguntas, nos permitecomparar eventuais mudanças que pos-sam ter ocorrido no local e possibilitajá fazer a coleta de algumas informaçõesimportantes de serviço.

De acordo com ela, grande parte dasmatérias do Correio é feita a partir deconvites, muitas vezes com um rotei-ro pré-estabelecido: — Uma vez recebe-mos um convite para ir à serra gaúchacom uma agenda apertada. No últimodia, eu e o fotógrafo verificamos que aapuração que tínhamos sobre Grama-do — principal destino do roteiro — erainsuficiente. Insistimos com a assesso-ria para cancelar nossa ida a outra cida-de e, assim, termos mais tempo em Gra-mado. Deu certo: fizemos fotos belís-simas e entrevistas incríveis e consegui-mos o diferencial de apuração em rela-ção aos outros veículos convidados paraa viagem.

Mariana considera que o fato de vi-ajar bastante torna a editoria muitoatraente:

— As pessoas sempre perguntam so-bre dicas de viagens, sobre livros espe-cializados, querem saber que passeiossão bons e quais são uma roubada. Masé importante ressaltar que, em meio aovolume de viagens, poucas delas repre-sentam descanso. Quando a gente che-ga a um determinado local, é precisosaber que a partir dali o trabalho vai ser

intenso. Fazemos os passeios, sempre decaderninho na mão, fazendo mil entre-vistas, e com a atenção redobrada paranão perder nenhuma informação e nãodeixar buracos na apuração. Um turistaconvencional pode ficar sonhando eolhando para o céu enquanto o guia dáinformações sobre o local. Nós não te-mos esse direito.

Para Mariana, é importante que nãose encare a função de repórter de Turis-mo como algo exclusivamente glamou-roso, mas sim como “uma atividade queexige boa apuração, texto de qualidade,referências culturais — literatura, mú-sica, artes, política, sociologia — sólidase constante atualização”.

— O texto é fundamental para dife-renciar uma boa reportagem de um tex-to que poderia estar em um guia turís-tico convencional ou em um livro degeografia ou história. É pelo texto e pelaqualidade das informações que vocêdemonstra se o lugar é bom ou ruim, efaz alguém ter vontade ou não de via-jar para algum destino.

Viagem a trabalhoé sempre a trabalho

Bettina Monteiro, editora da revistaViagem e Turismo, da Abril, diz que suaspautas surgem a partir de sugestões ba-seadas em vivências, pesquisas na inter-net, leitura de publicações estrangeirase observações do mercado:

— Como em toda revista, o repórtervai a campo, já que é impossível falar deum lugar sem conhecê-lo. Antes de via-jar, o repórter lê tudo sobre o destino, dereportagens já produzidas a literaturalocal e textos de referência. Ele faz asmesmas coisas que um turista, só quecom o olhar de jornalista. Não só visitao Louvre, mas tenta decifrar uma ma-neira de seu leitor aproveitá-lo ao má-ximo. Na medida do possível, vamos aosbastidores das atrações e conversamoscom diretores de museus, chefes de co-zinha, equipes dos hotéis etc.

Diz Bettina que se pode levar doismeses ou dois dias para montar umaviagem:

— Tudo depende da urgência da re-portagem. Como em jornalismo de re-vista nesta área não há muitas históri-as feitas em cima de efemérides, pode-se fazer uma boa programação. Masnão há regras.

Na Editora Abril as contas são pagaspela Redação — do transporte à alimen-tação no destino. O objetivo disso émanter a independência: — Se o desti-no estiver com problemas, estes devemser mencionados na matéria sem que setenha o constrangimento de estar falan-do mal do anfitrião. Note-se que mui-tos organismos de turismo oferecemviagens gratuitas aos veículos. E é mui-to comum elas serem aceitas e a men-ção ao convite ser feita ao final da repor-tagem. Isso, no entanto, não é uma prá-tica na Abril.

Bettina diz que há um senso comumde que um jornalista de Turismo é umfelizardo, pois conhece o mundo comas contas creditadas à sua empresa:

— O jornalista que faz reportagensfora de sua cidade acrescenta mais ex-periências à sua vida. Mas uma viagema trabalho é sempre uma viagem a tra-balho. Nunca se está desligado, relaxa-do. Raramente você consegue tomarsol na Toscana, você a investiga. Vai àDisney? Sim, mas não está à toa —anota depoimentos de outras pessoas,observa a altura do brinquedo, conver-sa com profissionais. Nunca é uma vi-agem de lazer, sem hora, sem compro-missos. A rotina, aliás, é sempre dura.Acordamos cedo, porque a luz da ma-nhã é boa para fotografias, e dormimosdepois que as boates abrem. O turno se

estende. É gostoso? É. Mas é um traba-lho gostoso, não férias.

Ponto de partida:as fotografias

Na revista Horizonte Geográfico, o edi-tor Sérgio Adeodato explica como é ofuncionamento da edição: — Nosso pri-meiro critério de escolha de destino é aqualidade das imagens enviadas pelosfotógrafos. Os destinos internacionaistêm maior prioridade porque, segundouma pesquisa, as capas de cidades es-trangeiras são mais atraentes, não só pelacuriosidade do leitor, mas pela satisfa-ção de um desejo dele que às vezes podenão se realizar.

Conta Sérgio que na revista não hárepórteres nem fotógrafos contratados,e as matérias são feitas por freelancers.

— Nosso enfoque são as belezas na-turais, o patrimônio histórico, as festaspopulares; enfim, procuramos mostraro que existe no local e como aquilo in-terage com o meio ambiente.

A maior parte das pautas surge quan-do um fotógrafo visita algum local e lheenvia as fotos:

— Como a maior parte deles não es-creve com o ponto de vista jornalísticode um repórter, precisamos comple-mentar os dados e fazemos a pesquisapela internet. Quando alguém vai espe-cialmente para algum destino, são via-gens patrocinadas em sua maioria. E nor-malmente é o fotógrafo que vai, poisdamos ênfase às imagens.

ESPECIALIZAÇÃO UM JORNALISMO QUE TRABALHA COM O SONHO

Segredo da produção de matérias, revelado por Bettina, de Viagem e Turismo: o repórter faz o que o turista faz, mas com olhar de jornalista. Adeodato, de Horizonte, vê as fotos para programar o texto.

O interesse porinformações deserviço sobre turismonão se concentraapenas nos jornais.Para atender a essademanda surgiramrevistas especializadas,como Viagem eTurismo e HorizonteGeográfico.

Esta reportagem foi produzida em novembrode 2005. As motivações, as técnicas e asrotinas nela referidas continuam atuais.

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The Economist publica que as maisimportantes casas de leilão da Inglater-ra – as rivais Sotheby’s e Christie’s –estabeleceram recordes de R$ 497 mi-lhões e R$ 750 milhões, respectivamen-te, em uma única noite, com a venda depinturas contemporâneas.

Arte contemporânea, como se sabe, éaquela que dispensa formas e cores. Qual-quer um pode reconhecê-la ao primeiroolhar. Depois virar as costas e ir emboramurmurando: “Até eu faço isso!”.

Não é bem assim. A arte contemporâ-nea, tão extensa que até Steve Spielbergse acomoda entre seus mais badaladosexpoentes, como cineasta, naturalmen-te, expressa na verdade grilos e minho-cas mentais dos tempos que correm.

E como correm!Na pintura, caracterizam-se como

contemporâneas aquelas abstratas pin-celadas, por vezes tristes e grosseiras,sobrepostas e tronchas, parecendo umsilk-screen de fundo de quintal que nãodeu certo. Podem destacar-se, nestas te-las, o preto e o cinza sobre verde-pisci-na, formando geometrias imprecisascomo as que são vistas no quadro para-digmático Green car crash do pop AndyWarthol. Um contemporâneo legítimocontemplado, aliás, com R$ 139,8 mi-lhões. Foi quanto pagaram pelo Green carcrash no primeiro dos leilões noticiados.

Há quem inclua no ritual contempo-râneo das artes os clandestinos grafitei-ros. Na verdade, estes são pichadoresmarginais que borram monumentosartísticos de valor inestimável. E achamque estão produzindo um protesto ex-plícito. Escalas pictóricas acima delesestão os autênticos grafiteiros que, em-bora discutíveis e até também abomina-dos por críticos e marchands, podemrealmente produzir arte e freqüentargalerias e museus dentro de um fenô-meno tão globalizado quanto possível.

O semanário inglês explica este fenô-meno mostrando que o mundo estácheio de novos ricos que não sabem oque fazer com tanto dinheiro fácil. Porisso inflam uma bolha que, de repente,pode abrigar até pichadores de rua. Eisque, recentemente, os pichadores ga-nharam espaço em fachadas secularesque lhes foram franqueadas em pelomenos um castelo na Escócia. A opor-tunidade, porém, ainda é uma exceção.Pois os compradores de quadros milio-nários não são exatamente os tradicio-nais herdeiros de castelos. São os novosricos. Principalmente da Rússia e daChina. Não morando obrigatoriamen-te lá. Mas vêm de lá, onde as fortunasjorram de uma cornucópia inimaginá-vel. À custa desses caras, ingleses e ame-

MERCADO

Como (e por quê) a mídiaabana artistas miliardários

ricanos estão botando muita grana nobolso, embora começando a temer queessa bolha súbita de luxo e riqueza este-ja sujeita a contaminações e desmorali-zantes prejuízos.

Diz o hebdomadário da preferênciado mega-especulador George Soros queos bilionários de última hora ganharamesse dinheiro todo com a falência daUnião Soviética. E também com o es-pantoso boom econômico da China.Agora, para comemorar e tornar públi-ca esta prosperidade, esses novos ricosdependuram em suas paredes quadrosque são autênticos certificados artísti-cos da ilimitada conquista financeiraque alcançaram depois de décadas deidealismo coletivista. A grana violentaque gastam causa mais espanto porqueparece evidente que há uma fugacida-de no investimento em uma expressãoartística que dispensaria a materialida-

de da tela ou do papel. E seria uma artetão volúvel e abrangente que, se vocêespiar o catálogo da internet, vai desco-brir que há também desenhistas do dia-a-dia promovidos – quem sabe até comjustiça – à condição de superartistas.

Mas há desenhistas e... desenhistas.Lá estão eles, lado a lado no catálogo

democrático, alguns cartunistas, para sócitar os brasileiros, como Henfil, Ziral-do, Angeli, Aroeira e Millôr, misturadosa infografistas propiciados pela desespe-rada informatização de tudo. Por duvi-dar que a posteridade venha a dar valora obras tão fugazes, o MoMA de NovaYork expõe acervos com títulos comoAltos e baixos da arte contemporânea e Oque é arte e o que não é arte.

Nem sempre, porém, são pintores,desenhistas ou apropriadores os maio-res beneficiários desta bolha miliardá-ria. A menos que um artista da moda

conheça um bilionário disposto a lhepagar diretamente, ele vai cair em mãosinescrupulosas. Como isso é muito fá-cil, porque o pintor depende de badala-ções sociais e midiáticas para aparecer eganhar dinheiro, os atravessadores fi-cam mesmo com a parte do leão.

The Economist garante – e as Bolsasestão aí para comprovar – que há di-nheiro sobrando nos mercados mundi-ais, malgrado os insucessos imobiliári-os americanos.

Em contrapartida, continuam vaziosbolsos e pratos de populações inteiras.Inclusive no Brasil do Fome Zero, em-bora o IBGE afirme que nossa linha depobreza baixou em conseqüência do as-sistencialismo do Presidente Lula. Esta-tísticas da Onu documentaram, recente-mente, no entanto, que há um aumentoglobal de comunidades abaixo da fron-teira da miserabilidade, principalmentena África e em países da América Latina.

Os artistas contemporâneos – nem erapreciso dizer – nada ou pouco têm a ha-ver com essa disparidade entre excluídose incluídos-demais. Ou melhor: eles atépodem expressar em pós-modernidadesaceitáveis e sem qualquer engajamentoespecífico as injustiças do mundo. Mas,como fazer isso, afinal, e ser imediata-mente reconhecido se a arte contempo-rânea – que é a que rende dividendos nomomento – para se apresentar critica-mente correta, tem que ser, como nenhu-ma outra em qualquer tempo, desde Pra-xísteles, uma arte pela arte genuína?

Você pode até achar um absurdo, masGuernica de Picasso e Retirantes de Por-tinari estariam absolutamente fora demoda se fossem produzidos hoje. Namoda ainda, talvez só Salvador Dalí, umdos poucos superclássicos do modernis-mo que escapou da metralhadora con-sumista e permanece como expressãocontemporânea.

Porque Dalí, com seus relógios tortos,expressa também o inverno da nossadesesperança de que falava o Nobel daliteratura americana John Steinbeckrepetindo Shakespeare. Desesperançaatualizada por José Saramago, quandose confessa um comunista empederni-do, mas sem acreditar em perspectivassocialistas para qualquer parte do plane-ta nas próximas décadas.

Dar um valor justo à arte e ao serhumano, como se vê – é de todo muitoproblemático. Os cínicos, por exemplo,falam na importância transcendental damoda – a moda corriqueira ditada pordesigners e estilistas – para justificar pin-turas duvidosas arrematadas por mi-lhões de dólares. Um desses gozadoresda ignorância nouveau riche – RichardFeigen – garante que a arte contempo-rânea, principalmente a produzida de

“O mundo está cheio de novos ricos quenão sabem o que fazer com tanto dinheiro fácil.

Por isso inflam uma bolha que, de repente,pode abrigar até pichadores de rua.”

POR PINHEIRO JÚNIOR

Um paradigma dessa arte hipervalorizada pela badalação midiática: Green car crashdo norte-americano Andy Wharol foi negociado pela fábula de R$ 139,8 milhões.

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1940 a 1970 e que teria revolucionado esubstituído a arte moderna, é a maisvalorizada agora porque combina coma decoração despojada dos lofts do Chel-sea e de Manhattan. Daí a disputa pelosquadros do russo-americano Mark Ro-thko, que alcançam a cifra de R$ 142milhões em leilões da Christie. E vejaque o fornecedor dos traficantes de arteneste caso foi nada menos do que o tri-liardário David Rockfeller.

Ficamos a pensar nos pobre-ricosimpressionistas. Eles já foram a moda.Como Van Gogh também o foi depoisde morto. Como foram os nossos cubis-tas que colaram em Portinari. Este mais

sortudo, excepcionalmente, pois empla-cou muitas vendas diretas perpetuando-se em murais bem pagos pelo governo epor bancos de burras cheias.

Pensamos também em nossos artistasmais próximos e atuais, como o cubistaSilva Filho, sincero e forte nas cores deseus retratos. Mas que não consegue se-quer expor em universidades locais por-que não é – veja só! – um contemporâ-neo. Não usa embalagens velhas, sucatade computador, nem repete fotos alto-contrastadas de Marilyn com a boca re-polhuda, nem nunca pensou em reciclartampas de refrigerantes em apropriações,vamos dizer, indébitas.

Acompanhamos, na época, por voltade 1950, que Emiliano Di Cavalcanti, ogênio das mulatas maternais eróticas,quando ainda no anonimato doava pai-néis a donos de jornais, como SamuelWainer e Roberto Marinho, Assis Cha-teaubriand e Joãozinho Dantas. A esperan-ça do Di era crescer na mídia e conseguirvender bem suas obras. Conseguiu. E con-seguiu também porque Di é realmente

um clássico espetacular do modernismo,com ou sem modismos impostos.

Os contemporâneos da preferênciabilionária, que usam embalagens de sopacomo modelo dispensando o belo e asbelas, com toda certeza são uma anoma-lia, vamos dizer, menstrual. Afinal a arteé mulher. Jovem e procriadora.

Com o seu fantástico Retirantes, Portinari é outro "fora de moda": suas telasnão combinam com a decoração dos lofts do Chelsea e de Manhattan.

Guernica (acima), de Picasso, estaria absolutamente fora de moda pelospadrões argentários atuais, nos quais somente Salvador Dali sobreviveria.

POR PETRÔNIO GONÇALVES

Petrônio Souza Gonçalves, sócio da ABI radicado emBelo Horizonte, MG, é jornalista e escritor

Pinheiro Júnior, jornalista, é sócio da ABI

EVOCAÇÃO

No começo era apenas uma brinca-deira entre estudantes que a polícia le-vou a sério. Eles também. Cansados deviver de sombra e água fresca, começa-ram a fazer jornalismo e história na ar-caica Belo Horizonte dos venturososanos 50, divisada entre Juscelinos, BiasFortes, Lucianos e tantos outros mais.O jornalismo vinha das fileiras históri-cas de Campos Gerais, no centro-oestemineiro, na figura genial de José MariaRabelo. A história vinha das frondosasárvores da Zona da Mata mineira, damusical Ubá, na figura generosa de EuroArantes. A partir das linotipos móveisde Gutenberg, criaram uma terceiraarte, apelidada de imprensa alternativa,que depois emprestaria sua fórmula eseu caminho para O Pasquim, Opinião,Movimento, entre tantos outros.

Já no primeiro número do jornal, sa-ído no domingo 17 de fevereiro de 1952,composto manualmente e rodado empapel de péssima qualidade, com quatropáginas tablóides, selou-se um caso deamor incondicional entre a capital mi-

Binômio: jornalismo e História

Esta crônica é publicada na ocasião dascomemorações dos 79 anos de vida de José MariaRabêlo e dos seus 60 anos de jornalismo.

neira e o semanário. Era amor verdadei-ro, nutrido pelos editoriais inspirados deJosé Maria Rabelo e Euro Arantes, pelasmatérias de Roberto Drummond e Pon-ce de Leon, pelas fotos de Antônio Co-cenza, pelas charges de Ziraldo, Raf,Borjalo, pelas colunas do General daBanda e General Legal, pela diagrama-ção de Oséas de Carvalho, entre tantasestrelas que ali começavam a brilhar,como José Aparecido de Oliveira, Albe-rico Souza Cruz, Orlando Vaz Filho,Fernando Gabeira, Paulo Mendes Cam-pos, Afonso Romano de Sant’Anna,Cyro Siqueira, Fábio Lucas, Mauro San-tayanna, entre tantos outros nomes, emdoze anos de jornalismo e escola.

Pioneiro, destemido, debochado, ou-sado, irônico, criativo, cívico, irreveren-te, contundente, heróico, inovador, egenial, loucamente genial... profunda-mente genial... que saudade... que sau-dade... Assim foi o Binômio, uma perfei-ta interação entre o jornalismo, o jorna-lista e o seu tempo.

Como era um caso de amor verdadei-ro entre a cidade e o jornal - e isso haviavirado Minas de cabeça para baixo - ele

teria que ser interrompido pelos medí-ocres, por aqueles que não entendemque a História se faz a partir dos sonhosdos homens. Após o dia 30 de março de1964, depois de vários Punaros Bleys, aditadura caduca impediu a circulaçãodo Binômio e passou a perseguir àquelesque o faziam. José Maria exilou-semundo afora. Euro assistia a tudo, indig-nado, lá do céu.

A minha revolta é que não ouvi falardo Binômio durante os meus quatroanos de faculdade de Jornalismo. Umprofundo desrespeito com o jornalismo,com a História do jornalismo, com aHistória da cidade de Belo Horizonte e,principalmente, com aquele que recor-

re a uma faculdade para aprender umpouco mais sobre as coisas deste mun-do e do seu tempo. Aprendi que a nossaHistória se faz mais nas ruas que nasbancadas das universidades. Pena!

Agora, depois de ler nas páginas dotempo as glórias do Binômio, sigo por aíafora pregando a boa nova que nunca seperdeu de nós. Sigo como o velho jor-naleiro anunciando aqui, ali e acolá, agrande ‘velhice que chegou’.

Na varanda, a turma do Binômio: José Maria Rabelo, José Aparecido, OséasCarvalho e Ponce de Leon, fotografados a pedido de Petrônio (à direita).

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DEPOIMENTO

Bárbara Heliodora, a crítica mais temidaConsiderada uma das maiores autoridades em Shakespeare, ela chegou a ser vaiada

pelos artistas na cerimônia de entrega de um prêmio teatral, pelo rigor com que exerce a crítica.“Foi uma reação meio infantil. Hoje em dia já não acontece”, diz Bárbara, sem mágoa.

ENTREVISTA A JOSÉ REINALDO MARQUES

onsiderada a principal críti-ca teatral da imprensa brasi-

leira, Bárbara Heliodora, aos84 anos de idade e 50 de profissão,foi uma das responsáveis pela orga-nização do ensino da matéria noBrasil, quando dirigiu o ServiçoNacional de Teatro–SNT, no iníciodos anos 60. Temida por muitos, eladiz que a crítica é a fase final do

processo criativo e que quem achaque ela é muito exigente é porquenão lê a crítica publicada fora doBrasil. E avisa: “Só externo mais in-dignação quando sinto que houvedesleixo, auto-indulgência, coisaque o público não merece”.

Primeira carioca a receber o títulode doutoramento — pela Universida-de de São Paulo,, com uma tese sobre

a obra de Shakespeare —, Barbaraafirma que no Brasil não existe polí-tica cultural e que a medida do Go-verno que unificou o teatro com o es-porte, para fins de subvenção, é equi-vocada. Diz também que o Rio de Ja-neiro, empobrecido, precisa reformarseus teatros e que o meio teatral, nomomento, carece de uma safra debons diretores.

C

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Jornal da ABI — Como se deu suaaproximação com o teatro?

Bárbara HeliodoraBárbara HeliodoraBárbara HeliodoraBárbara HeliodoraBárbara Heliodora — Todo mun-do quando criança gosta de brincar de in-terpretar. Eu, ao invés de querer ser atriz,me interessava pelo processo teatral. Atéhoje acho que o grande milagre, a coisamais inacreditável, é você transformaruma página impressa num espetáculovivo. Este é o grande fenômeno teatral.No entanto, não me lembro de ter ido ateatro quando pequena. Minha lembran-ça mais antiga de uma peça foi quandoeu tinha 15 anos. Em 1938, conheci o tra-balho da Dulcina (de Moraes) e vejo ain-da hoje, claramente, sua imagem no pal-co. Minha memória me tem servidomuito bem para preservar muitas coisasque eu vi e que de repente passam na mi-nha frente, ao vivo e em cores.

Jornal da ABI — Qual foi a suagrande descoberta?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — À medida que fui conhe-cendo mais o teatro, percebi que ele éum instrumento maravilhoso para seaproximar das pessoas e aprender sobreelas, porque se trata de uma arte quedepende exclusivamente de ações hu-manas. Através da imaginação, o teatroleva a gente a conhecer mundos, hábi-tos, temperamentos e atos que de outramaneira não conheceríamos. É isso queme fascina nessa arte.

Jornal da ABI — E o seu encontrocom Shakespeare?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — O primeiro livro dele euganhei da minha mãe, também aos 15anos, porque já sabia alguma coisa deinglês e lia pelas beiradas (risos). Depois,como sempre me interessei por teatro eliteratura inglesa, fui me apaixonandopelo autor. Quando entrei para a facul-dade de Filosofia, ganhei uma bolsa degraduação e fui estudar nos Estados Uni-dos. Meu ideal era ir para a Inglaterra, mashavia no caminho um pequeno detalhechamado Segunda Guerra Mundial. Etive uma professora maravilhosa. Estu-dei não só a obra Shakespeare como ahistória do teatro europeu antigo e mo-derno, e várias outras cadeiras ligadas aoespetáculo teatral. Como fiquei em Con-necticut, a duas horas de trem de NovaYork, fui muito ao teatro nos dois anosem que morei lá. Vi muitas coisas boas.

Jornal da ABI — A senhora é con-siderada uma das maiores autorida-des em Shakespeare e a melhor tra-dutora nacional do autor. A revela-ção de sua obra aumentou seu inte-resse pela crítica teatral?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — São duas coisas diferen-tes. A crítica veio da minha curiosidadeem desvendar os processos que fazem oteatro funcionar. Aconteceu na épocaem que eu comecei a freqüentar o Ta-

blado, no Rio, onde fui aprender o pro-cesso de ensaio vendo a atuação da óti-ma diretora Maria Clara Machado. Aestréia na crítica aconteceu no final de1958, quando ocupei a vaga na Tribunada Imprensa. Fiquei pouco tempo lá, por-que mudou o chefe de Redação e o novoqueria que eu escrevesse uma coluna defofocas teatrais. Recusei e, no início de59, me transferi para o Jornal do Brasil,onde fiquei seis anos.

Jornal da ABI — E no JB, como foi?BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — O jornalista Geraldo

Queirós ia sair do Suplemento Domini-cal do jornal e me perguntou se eu nãoqueria ocupar seu lugar. Aceitei o convi-te e comecei a escrever minhas críticas,até que surgiu um fato desagradável. OMário Nunes, que também escrevia crí-ticas para o noticiário diário do jornal, re-clamou com a Condessa Pereira Carnei-ro, então proprietária do JB. Eu não sabiaque o Queirós só escrevia sobre peças emcartaz fora do País. Eu disse à Condessaque ia parar, mas o Reinaldo Jardim, queeditava o Caderno B, publicou uma nota,dizendo que enquanto eu não voltassenão haveria coluna de teatro no jornal.Acabou com o Mário Nunes concordan-do que eu fizesse a crítica do Suplemen-to Dominical, de onde saí para assumir adireção do Serviço Nacional de Teatro.

Jornal da ABI — O cargo lhe per-mitiu fazer alguma coisa pelo teatrobrasileiro?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Havia o caso das subven-ções, que eram decididas por uma comis-são de 17 pessoas de vários segmentosculturais, como teatro, circo etc. Era umprocesso de cotas pulverizado, em quecada um defendia a sua área. Minha pri-meira medida foi acabar com esse conse-lho, criar um novo, previsto para funci-onar com cinco membros, e nomearCarlos Drummond de Andrade, Décio deAlmeida Prado, Adonias Filho, GustavoDória e Agostinho Olavo. Passamos a exa-minar as subvenções com muito maiscuidado, a estimular o que era mais inte-ressante, e estabelecemos que a verbaseria repassada em dois semestres, comprazos estipulados para as solicitações, deacordo com a data de estréia das peças. Amedida deu mais equilíbrio à questão.Antes a distribuição das cotas era feita noinício do ano; quem estreava no segun-do semestre não recebia nada.

Jornal da ABI — Houve outras mu-danças?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Fizemos também a refor-ma do Conservatório Brasileiro de Tea-tro, que estava erroneamente subordi-nado ao SNT, contrariando o que deter-mina a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-cação, da mesma forma que a EscolaNacional de Biblioteconomia era liga-

tório ter titulação. Então, quem estáensinando são professores novos, quenunca pisaram num palco, não têm aexperiência viva que permite ser bommestre em disciplinas como Direção eInterpretação. Isso está prejudicandomuito o ensino teatral.

Jornal da ABI — Temos alguma uni-versidade com essa preocupação?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — A vantagem da Usp é teragregada a ela a Escola de Arte Dramá-tica, em nível de segundo grau. As pes-soas passam por lá e só depois vão fazera Escola de Comunicações e Artes–Eca.

Jornal da ABI — Como foi recebero primeiro doutoramento do Rio, coma tese “A expressão dramática do ho-mem político em Shakespeare”, de-fendida na Usp?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Foi importante para eupoder continuar na carreira acadêmica,iniciada com as aulas de História do Te-atro no antigo Conservatório. A tese ga-nhou esse título complicado porque, seeu só a chamasse O homem político emShakespeare, me poriam diante de umabanca formada por cientistas políticos.Foquei o trabalho nas peças históricas,para mostrar a preocupação constante doautor com o bom governante, aquelepreocupado com o bem-estar da comu-nidade, não o que quer o Estado para si.Shakespeare, porém, não faz sermão, nãodá aula: todas as suas convicções se ma-nifestam de maneira dramática.

Jornal da ABI — Quais foram as me-lhores montagens de Shakespeare aque a senhora assistiu no Brasil?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Há uma de Hamlet ines-quecível, de 1948, com Sérgio Cardoso.Era extremamente romântica, seguindouma linha muito comum na Alemanha,um pouco inspirada em Goethe. O espe-táculo foi um sucesso, as pessoas urra-vam de entusiasmo, tinha gente que iatodos os dias. Mais recentemente, foi ma-ravilhoso ver Romeu e Julieta com o Gru-po Galpão. Apesar dos cortes e alterações,é extremamente fiel ao espírito da peça.

Jornal da ABI — O Brasil já tevealguma proposta de dramaturgiapopular como a de Shakespeare?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Os dois últimos perío-dos do teatro realmente popular, queserviram a toda a sociedade, foram o eli-zabetano, na Inglaterra, e o século deouro, na Espanha. No Brasil, o Auto dacompadecida — por não haver brasilei-ro que não entenda essa peça — é o quemais representa o teatro popular, que,no entanto, acaba sendo feito para aclasse média. Aqui a transformaçãoque considero mais importante é quede 1950 para cá começamos a ter umteatro brasileiro.

“A crítica veio da minha curiosidade em desvendar os processos que fazem o teatro funcionar”

da à Biblioteca Nacional. Esses órgãosforam unidos na Federação das EscolasFederais Isoladas da Guanabara–Fefieg.Quando a Guanabara virou Rio de Ja-neiro, nasceu a Fefierj, depois UniRio.

Jornal da ABI — Qual foi impactodas reformas?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — A distribuição de recur-sos, que hoje está com a Funarte, ficoumais organizada e mais transparente.Também, de um conselho com mem-bros como Drummond e Décio Prado,ninguém podia duvidar da lisura nojulgamento das cotas de subvenção. Oteatro tornou-se um produto mais res-peitável, com estrutura mais reconhe-cível. Atualmente, tenho algumas res-trições a fazer ao seu ensino e até me ar-rependo de tê-lo levado para a universi-dade. Ele devia ter ficado como Conser-vatório, porque o Conselho Federal deEducação não vê que as artes são dife-rentes das ciências exatas.

Jornal da ABI — Como? BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Antigamente era possí-

vel aproveitar atores e diretores experi-mentados para dar aula. Hoje, é obriga-

“Há uma montageminesquecível de Hamlet,

com Sérgio Cardoso,em 1948. As pessoas

urravam de entusiasmo,tinha gente que ia

todos os dias.”

Sérgio Cardoso numa de suas inesquecíveisadaptações de Hamlet, como esta de 1953

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12 Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

Jornal da ABI — Como o teatronacional se impôs ao estrangeiro?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Em princípios da décadade 60 existia a lei do dois por um, ou seja,para cada dois textos estrangeiros tinhaque se produzir um nacional — e todomundo dava cambalhota para escapardessa legislação. Hoje, é só abrir o jor-nal e verificar que cerca de 80% do queestá em cartaz é nacional. O Brasil final-mente parou de brincar de fazer teatro,que para mim é o melhor documentá-rio da História do mundo desde a Gré-cia. Essa nova apresentação de textosbrasileiros reflete que o País está mais in-teressado na própria brasilidade e se co-nhecendo melhor.

Jornal da ABI — Já temos uma tra-dição teatral?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Com Nelson Rodrigueso Brasil começou a ter um teatro seu. Ti-vemos o Silveira Sampaio, o Teatro deArena. E temos o Millôr Fernandes e opróprio Ariano Suassuna.

Jornal da ABI — Ao mesmo tempoem que recebe elogios, a senhora é acrítica teatral mais temida pela mai-oria dos atores. Foi sempre assim?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — A crítica é a fase final doprocesso criativo. Todo mundo que fazalguma coisa quer que alguém diga comoé que ficou. A crítica jornalística tem umdever duplo: informar quem fez até queponto ele foi bem-sucedido e informar opúblico sobre o que ele vai assistir. Quemdiz que sou muito exigente não lê o quese publica fora do Brasil: é arrasador. Aqui,somos uns anjos, mas não podemos di-zer que o ruim é bom, não seria desones-to. Eu brigava muito com Paschoal Car-los Magno por causa disso. Ele tinha ou-tra visão e me dizia: “É preciso estimu-lar esses moços.” Eu retrucava afirman-do que não se pode estimular o que estáerrado, porque é levar a pessoa a fazer opior. O crítico tem de contribuir para quese encontre o caminho certo.

Jornal da ABI — O que deve ser en-tendido sobre suas críticas?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Eu não critico o ator, falodo trabalho que pode não estar bom hojee amanhã vai estar maravilhoso. Asúnicas críticas que faço com mais indig-nação ocorrem quando sinto que hou-ve desleixo, auto-indulgência, coisa queo público não merece. Muitas vezes umerro é extremamente digno, porque setentou fazer alguma coisa, houve a in-tenção de acertar. O bom às vezes é maisdifícil de analisar do que o ruim. A fun-ção do crítico é encarar a realidade e sero mais isento possível, mas dizer quesomos assim totalmente não é verdade.

Jornal da ABI — Por quê?BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Cada um traz para a crí-

nesse ponto o teatro sai prejudicado, por-que a lei devia prever que o setor é dife-rente e necessita de um estímulo especi-al. Não há política cultural no Brasil.

Jornal da ABI — Que modelo se-ria interessante adotar para desen-volver a produção teatral?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — No País, o teatro ficoumuito habituado a ser subvencionado.Não temos o hábito de ver o espetáculocomo qualquer outro investimento,como ocorre nos Estados Unidos. Paraeles, subvenção não existe, cada inves-tidor participa como uma sociedadeanônima comprando uma cota do espe-táculo. Se a peça faz sucesso, ele ganhauma fortuna; caso contrário, deduz suaperda do imposto de renda.

Jornal da ABI — Do ponto de vis-ta físico, o Brasil tem bons teatros?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — No Rio, não. O João Cae-tano, por exemplo, não tem boa acústi-ca; o Carlos Gomes precisa de poltronasmais confortáveis... Agora estão anun-ciando a construção da Cidade da Mú-sica, para a qual já existem o Municipale a Sala Cecília Meireles. Mas ninguémconstrói um bom espaço para o teatro,com bons recursos técnicos.

Jornal da ABI — A senhora já disseque está havendo aqui “uma certa de-ficiência de direção”. O que acha doteatro experimental lançado por JoséCelso Martinez Corrêa, nos anos 60?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Sou a favor, mas nin-guém pode achar que o teatro experi-mental é para o grande público. Só vairealmente ter curiosidade pela experi-mentação teatral quem já viu muitoteatro. Muitos jovens, por exemplo, ain-da não entendem bem o que é teatroexperimental. Então, é preciso explicarantes de fazer a experimentação.

Jornal da ABI — Qual é a sua espe-rança em relação ao teatro brasileiro?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Que ele fique mais nacio-nal, mas não tacanhamente brasileiro. Acuriosidade pelo Brasil é fundamental e oteatro tem que cada vez mais conhecer oPaís e expressá-lo de forma interessante.

Jornal da ABI — Como se formaum bom crítico teatral?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Vendo e estudando mui-to teatro. Por isso fico muito preocupa-da, porque no momento, no Rio, o pa-norama está muito pobre. A falta de di-nheiro está limitando muito o gênerode espetáculo que se apresenta e, parapoder encontrar seus referenciais, o crí-tico precisa ver produções diversifica-das. Para ser um bom profissional é pre-ciso também, acima de tudo, ter muitapaixão pelo teatro, para poder assistir aoque é ruim e ainda ter esperança.

tica a sua formação, e isso pesa. Temosreferenciais. As pessoas que dizem quelêem somente as minhas críticas desco-briram, de algum modo, que eu geral-mente concordo com elas — por issoacham minha crítica boa. O crítico temque assumir seus critérios, não vejooutra maneira de desempenhar a fun-ção. Se eu não puder agir segundo o queparece ser claro, tenho que parar.

Jornal da ABI — Ulysses Cruz,Marília Pera e Gerald Thomas, quechegou a desejar sua morte, aindasão seus desafetos?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Não tenho contato como Ulysses Cruz e com a Marília Pera hojeme dou muito bem. Tenho o maior res-peito pelo talento dela. Quando falei mal,era porque o espetáculo era ruim, estavaerrado. Já o Gerald Thomas, depois, veiome pedir perdão, foi muito engraçado.

Jornal da ABI — Em 93, na entre-ga do Prêmio Esso de Teatro, a se-nhora, que estava ausente por pro-blemas de saúde, foi vaiada pelosartistas. Qual foi sua reação ao sa-ber do episódio?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Acho melancólico, poisfoi uma reação meio infantil. Só isso.Hoje em dia já não acontece.

Jornal da ABI — O que prevaleceem seu baú de críticas até o momen-to: as positivas ou as negativas?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Provavelmente, as nega-tivas. Em compensação, eu só me lem-bro das positivas. (risos)

Jornal da ABI — A qualidade donosso teatro vai mal?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Infelizmente, há muitoautor que usa a chanchada com pala-vrão, a apelação barata etc., porque sabeque existe um público despreparado quevai achar aquilo muito engraçado. Eesse é um teatro que deseduca, que, ao

invés de tirar o melhor do público, ex-plora o pior. Acho isso terrível. Mas hágente tentando fazer o melhor.

Jornal da ABI — As novelas brasi-leiras sofreram alguma influênciado teatro e vice-versa?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — Na minha opinião, os me-lhores atores de novelas saíram do teatro,e há na tv muitas pessoas que passam poruma, duas produções teatrais e desapare-cem, porque não têm talento. Houveuma diminuição de público nos teatrospor causa das novelas, que oferecem en-tretenimento gratuito para quem nãopode sair de casa. Mas a tv podia ofereceruma programação de melhor qualidade.Essa história de que o teatro é caro é ummito. Sua não tradição aqui é que fazcom que as pessoas à vezes prefiram pa-gar muito mais para ver algo que já co-nhecem. Isso acontece por causa dosmaus espetáculos: se uma pessoa vai aoteatro e assiste a um desastre, fica semvoltar uns dois ou três anos.

Jornal da ABI — O que a senhorapensa sobre as políticas públicas deincentivo à cultura no Brasil?

BárbaraBárbaraBárbaraBárbaraBárbara — E elas existem? Agora en-tão que misturaram com o esporte, o queo teatro vai ganhar? Nada, apesar de darum retorno em publicidade que o espor-te não dá. O público do futebol é enor-me num determinado momento — e

“Com Nelson Rodrigueso Brasil começou a ter

um teatro seu. Tivemos oSilveira Sampaio, o

Arena. Temos o Millôr eo próprio Suassuna”

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Os acadêmicos Marcos Vilaça, Arnaldo Niskier,Cícero Sandroni,Ivan Junqueira, MoacirScliar,Murilo Melo Filho e Paulo Coelho aceitam integrar a Comissão de Honra do

Centenário da ABI e se declaram honrados com o convite feito pela Casa.

ADESÃO

A ACADEMIA NA COMISSÃODE HONRA DO CENTENÁRIO

A Academia Brasileira de Letras começou a respon-der afirmativamente ao convite feito a vários de seus

integrantes, principalmente os es-critores que são também jornalistas,para integrar a Comissão de Honrado Centenário da ABI. O primeiro aexpressar a aceitação ao convite foio próprio Presidente de Academia,Marcos Vinícios Vilaça, que se apres-sou em dirigir telegrama à Casa, as-sim que recebeu o ofício da ABI, di-zendo sim. Em ordem alfabética, enão cronológica, responderam ime-diatamente ao convite os acadêmi-cos Arnaldo Niskier, Cícero Sandro-ni, Ivan Junqueira, Moacir Scliar,

Murilo Melo Filho e Paulo Coelho.Presidida por Oscar Niemeyer, sócio da Casa desde

1953, época em que dirigia e editava a revista de arqui-tetura e cultura Módulo, a Comissão de Honra, comoa designação indica, tem caráter honorífico, sem quais-

IVAN JUNQUEIRA“““““É com muito gosto e honra ainda

maior que aceito o convite do ilustreconfrade para integrar Comissão deHonra do Centenário da instituiçãoque com tato brilho e competência oamigo preside. Em 2008, ano em quea Academia Brasileira de Letras estarácomemorando o centenário de mortede seu grande patrono Machado deAssis, será de todo desejável que estasduas agremiações possam estar juntasna celebração de suas datas máximas.Cordialmente (a) Ivan Junqueira.”

MURILO MELO FILHO“““““Fiquei muito feliz e honrado com o

seu amável convite para integrar aComissão de Honra das homenagensao centenário da nossa querida ABI.

Essa comemoração vai coincidir como centenário da morte do nossoinesquecível Machado de Assis, quetambém será devidamente registrado.

Falam os acadêmicos

Em sensível mensagem à ABI, a artista plástica To-mie Ohtake não só aceitou o convite para integrar aComissão de Honra como, com modéstia, agradeceupor sua inclusão na Comissão. Eis sua carta:

“A comemoração do centenário de uma entidadecomo a ABI-Associação Brasileira de Imprensa é mo-tivo de grande orgulho para o País, tendo em vista aexcepcional atuação que teve em prol da livre mani-festação, condição fundamental para a democracia.

Portanto, ser convidada para fazer parte da Comis-são de Honra, alem de se constituirnuma surpresa, é uma generosidademuito grande, pois, apesar de hojetodos utilizarem o computador in-diferentemente, o meu instrumen-to original é o pincel, não a canetados jornalistas.

Quero dizer que aceito com todaa honra e agradeço fazer parte destaComissão para a comemoração docentenário da ABI-Associação Brasi-leira de Imprensa. Atenciosamente(a) Tomie Ohtake.”

quer encargos de natureza administrativa ou finan-ceira. Como a ABI assinala na mensagem que dirige apersonalidades com atuação nos diferentes campos davida social – a literatura, o teatro, o cinema, as artesplásticas, a música, a educação, a engenharia e a arqui-tetura, o mundo jurídico, o setor empresarial, o jorna-lismo —, com a formação dessa Comissão a Casa “ex-pressa a sua homenagem tanto a cada convidadocomo ao segmento da vida nacional que ele integra”.

“Esta Casa – diz a ABI – considera que assim enalte-cerá quantos, nessas áreas, contribuíram para qe a im-prensa do País, que a ABI defende desde seu surgimen-to, refletisse ao longo do século decorrido o que de maissignificativo marcou nossa existência como ser coleti-vo como uma comunidade singular entre as nações.”

Além da Comissão de Honra, a ABI constituiu aComissão Executiva do Centenário, formada por di-retores e associados, a qual já se encontra em ativida-de definindo a programação a ser implantada desdelogo e no decorrer de 2008 e adotando as providênci-as necessárias.

Quer isto dizer que no mesmo anoem que morria o nosso Machadoestava nascendo a nossa ABI.

Tenho o orgulho de ser seu sóciohá muitos anos e de ter pertencidodurante algum tempo ao seuConselho Deliberativo. Estes são títulosque, com bastante orgulho, carregopara o resto da minha vida comomuito honrosos e gratificantes.

Aqui fico ao seu inteiro dispor paraajudá-lo no que for necessário paraque essa comemoração se revista domaior brilhantismo possível, como anossa Associação tanto merece.

Com todo o meu respeito e estima(a) Murilo Melo Filho.”

ARNALDO NISKIER“Considero grande homenagem ao

seu velho amigo pertencer àComissão de Honra do Centenário danossa ABI. Conte comigo. O grandeabraço do (a) Arnaldo Niskier.”

“Tomie Ohtake:É uma generosidade

muito grande”

O Governador de São Paulo, José Serra, aceitouparticipar da Comissão de Honra do Centenário. Oconvite foi formalizado pelo Vice-Presidente da ABI,Audálio Dantas, em audiência realizada no dia 6 noPalácio dos Bandeirantes.

Além de integrar a Comissão do Centenário da ABI,Serra garantiu presença na inauguração do I SalãoNacional do Jornalista Escritor, que integra as comemo-rações dos cem anos e será realizado de 14 a 18 de no-vembro no Memorial da América Latina, em São Paulo.

Estiveram presentes ao encontro com o Governa-dor o Secretário de Comunicação de São Paulo, Hu-bert Alquéres; os Conselheiros da Representação daABI em São Paulo Carlos Chaparro, Eduardo Ribei-ro, Leandro Buarque e Gioconda Bordon; e o Dire-tor-Executivo do Salão do Jornalista Escritor, JoséAlberto Lovetro.

O I Salão Nacional do Jornalista Escritor temcomo proposta possibilitar que estudantes, pesqui-sadores, professores e a sociedade, de maneira geral,tenham acesso a obras escritas por profissionais dojornalismo, que se encontram cada vez mais presen-tes no universo dos best-sellers.

Uma das atrações do Salão, idealizado por AudálioDantas, será a exposição de capas e ilustrações de livroscriadas por Elifas Andreato. O cartaz de divulgação doevento também é uma obra do artista, que se notabili-zou, entre muitos outros trabalhos, pelas capas queproduziu para os discos de Paulinho da Viola.

Serra também diz sim

MOACIR SCLIAR“Prezado Presidente Maurício Azêdo:

em primeiro lugar minhas escusas pelademora em responder, mas só agorarecebi seu amável ofício convidandopara participar da Comissão de Honrado centenário da ABI. Honra é pramim integrar essa Comissão. Contepois comigo e receba oscumprimentos do Moacir Scliar.”

PAULO COELHO“Como brasileiro que – infelizmente

– viveu parte de sua juventude sob arepressão severa do regime militar, fuitestemunha em muitas ocasiões daimportância e da relevância da ABIdurante este período.

Portanto, agradeço o convite quemuito me alegra, e com muita honraaceito fazer parte da Comissão deHonra que celebrará os 100 anos deluta desta instituição.

Um forte abraço (a) Paulo Coelho.”

Formada por associados e diretores, a Comissão Exe-cutiva do Centenário tem a seguinte composição: Al-berto Dines, Ancelmo Góis, Artur da Távola, AudálioDantas, Aziz Ahmed, Benício Medeiros, Cecília Costa,Domingos Meirelles, Estanislau Oliveira, Fernando Bar-bosa Lima, Francisco Paula Freitas, Jesus Chediak, JoséGomes Talarico, Marcelo Tognozzi, Maria Inês DuqueEstrada Bastos, Mário Barata (in memoriam), Marle-ne da Silva, Milton Coelho, Miro Teixeira, Paulo Jerô-nimo de Souza, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Sér-gio Cabral, Silvestre Gorgulho, Tarcísio Holanda e Te-rezinha Santos, sob a presidência de Maurício Azêdo.

A COMISSÃO EXECUTIVA

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O Presidente Luiz Inácio Lula da Sil-va garantiu à ABI que ninguém tomaráa sua sede, o Edifício Herbert Moses, noRio, como ameaça o Instituto Nacionaldo Seguro Social-INSS, no âmbito deuma ação executiva fiscal ajuizada noTribunal Regional Federal do Estado doRio, para cobrança de uma dívida que aABI não reconhece nem como proceden-te, nem como legítima, nem comojusta.A declaração do Presidente foi fei-ta na noite de 28 de setembro, na Acade-mia Brasileira de Letras, onde ele partici-pou da sessão solene comemorativa dos110 anos da Casa de Machado de Assis.

Ao cumprimentar o Presidente assimque este deixou a mesa diretora da sole-nidade, o Presidente da ABI, MaurícioAzêdo, expôs-lhe a preocupação da Casadiante dessa ação executiva fiscal, emface do risco de que o INSS pretenda to-mar a sede da entidade para cobrir o dé-bito imputado à ABI. Embora assediadopor dezenas de pessoas que desejavamcumprimentá-lo, Lula ouviu o relatocom extremo interesse e foi incisivo:

– Ninguém vai tomar a sede da ABI.Não conseguiram tomar em outros mo-

Sarney, “em cima”Designado orador oficial da Acade-

mia na cerimônia dos 110 anos de fun-dação da Casa, na qual discursaram tam-bém o Presidente da ABL, acadêmicoMarcos Vinicios Vilaça, o GovernadorSérgio Cabral e o Presidente Luiz Iná-cio da Lula da Silva, o Senador e acadê-mico José Sarney expressou otimismoquanto à aprovação do Projeto de Lei do

A resistência das entidades representa-tivas dos membros do Ministério Públi-co, que pleitearam e obtiveram para a cau-sa o apoio de instituições da sociedade ci-vil, entre as quais a ABI, não foi suficien-te para derrubar o foro privilegiado con-cedido aos ocupantes do Poder por umalei da Assembléia Legislativa de Minas Ge-rais. A luta conseguiu uma vitória impor-tante, com o veto do Governador AécioNeves ao projeto, mas a Assembléia der-rubou o veto e o transformou em lei.

A ABI enviou telegrama ao Governa-dor Aécio Neves, pedindo que vetasse oProjeto de Lei Complementar nº 17/2007,que foi aprovado pela Assembléia Legis-lativa de Minas Gerais e altera a Lei Orgâ-nica Estadual (LC 34/94). A manifestaçãoda ABI atendeu a um pedido da Associa-ção Nacional dos Membros do Ministé-

Associações do MP perderam a luta contra o foro privilegiado

DERROTA

rio Público-Conamp, que solicitou apoiopara o ato que se realizaria em Belo Hori-zonte, no dia 23 de julho, com o objetivode “chamar a atenção da sociedade brasi-leira sobre a gravidade da situação e osreflexos negativos decorrentes da aprova-ção do Projeto de Lei 17/2007”. O ato foirealizado na sede do Conselho Regionalde Engenharia e Arquitetura e Agrono-mia de Minas Gerais-CREA-MG e teve oapoio da Associação Mineira do Ministé-rio Público-AMMP e do Sindi-MP.

Na mensagem a Aécio Neves, a ABIpediu-lhe que vetasse integralmente aproposição, porque o Projeto de Lei ins-titui, como informa a Conamp, foro pri-vilegiado para autoridades locais, alémde outras disposições que criam entravesà livre atuação do Ministério Público emMinas, favorecendo a impunidade dos

O Governador Aécio atendeu àsassociações do MP, mas a Assembléia

manteve o foro privilegiado.

que fazem negócios escusos no âmbitoda administração pública. O Governadorvetou o projeto, acolhendo os apelos quelhe foram feitos, mas a Assembléia Legis-lativa rejeitou o veto, mantendo o foroespecial que privilegia as autoridades lo-cais. Esta é a íntegra do telegrama da ABI:

“Minas Gerais não pode ser exemplode estímulo à impunidade dos que fa-zem negócios na administração públi-ca, como admitido no Projeto de LeiComplementar nº 17/2007, objeto deemendas que adulteram a proposiçãooriginária da Procuradoria-Geral de Jus-tiça desse Estado. Apelamos à sua cons-ciência cívica e senso ético para que veteintegralmente essa proposição tão nefas-ta à moralidade na vida pública. Cordi-almente (a) Maurício Azêdo, Presidenteda Associação Brasileira de Imprensa.”

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S: ACERVO

ABL/C

EL LISBO

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O Presidente ouve relato sobre a ameaça que pesa sobreo Edifício Herbert Moses e garante que em seu Governo

a sede da Casa não muda de dono.

COMPROMISSO

NINGUÉM VAI TOMARA SEDE DA ABI.

PALAVRA DE LULA.

mentos, em outras épocas, e não seráagora que vão privar a ABI de sua sede.

O Presidente recomendou à ABI quebuscasse um contato com o Ministroda Previdência Social, Luiz Marinho,para expor o problema e discutir solu-ções. Ele pôs no bolso o cartão de visitaque o Presidente da ABI lhe estendeu einformou que iria determinar ao Mi-nistro Luiz Marinho que tome a inici-ativa de promover uma reunião com aDiretoria da ABI.

Senado nº 191 de 2006, de sua autoria,que concede isenção tributária e fiscalà Academia Brasileira de Letras, à ABI eao Instituto Histórico e Geográfico Bra-sileiro e cancela débitos imputados aesse título às três instituições.

Informado pelo Presidente da ABI danecessidade de emissão de parecer aoprojeto pela Senadora Ideli Salvati ( PT-SC) na Comissão da Assuntos Econômi-

cos do Senado, a fimde que a proposiçãopossa finalmente tra-mitar, Sarney se mos-trou confiante, oti-mista. “Fiquem tran-qüilos. Estou em ci-ma”, disse, repetindocom ênfase a mesmafrase: “Estou em cima,estou em cima”.

Sarney, orador oficial,prendeu a atenção deSandroni e doGovernador Cabral.

À vontade entre os imortais, o Presidente Lula foi informal com Vilaça, Presidente da Academia.

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Uma palestra do jornalista SérgioCabral com o sabor de papo informal re-abriu em 12 de setembro a programaçãodo projeto Quarta às 4, realizado pela Bi-blioteca Nacional, idealizado e condu-zido pelo também jornalista Vitor Iório.A série, que em 2007 se chama Narrati-vas do cotidiano brasileiro, tem comoobjetivo colher depoimentos, de manei-ra informal, de personalidades que con-tribuem para o desenvolvimento nosmais diversos setores da vida nacional.

Cabral falou de sua longa passagemna imprensa como repórter e cronistade diversos veículos, da experiência deco-fundador do semanário Pasquim e deseus livros sobre a história das escolas desamba e grandes figuras da música po-

PALESTRA

Cabral fala do cotidiano,na Biblioteca Nacional

pular brasileira, como Pixinguinha, AriBarroso, Elisete Cardoso e Almirante.Ele contou que atualmente se dedica acontar a vida de Ataulfo Alves, “de cer-ta forma um injustiçado pela crônicamusical, que não o colocou no lugarque merece”.

Quanto ao filho Governador, Cabralafirmou que prefere se manter afasta-do das lides políticas, até para não des-gastar a relação que eles mantêm e daqual ele tem muito orgulho. Mesmoassim, lastimou a situação de “cidadepartida”, usando termo lançado porZuenir Ventura, que vive o Rio de Janei-ro, embora acredite que o Estado seja“maior, mais forte, bonito e criativo doque a violência”.

O mais tradicional jornal esportivoportuguês, A Bola, fará sua estréia nocontinente africano, primeiramente naÁfrica do Sul e depois em Moçambique eAngola. Em entrevista ao DiárioEconômico, de Portugal, no começo desetembro, o empresário Mário Arga eLima, proprietário de A Bola, informouque os lançamentos deveriam ocorrerdentro de um mês, seguindo modelo deedição já usado na Ilha da Madeira: aoconteúdo geral do jornal são acrescidasduas páginas de matérias regionais.

Revelou o empresário que só olançamento em Angola deve atrasar umpouco, devido a problemas técnicos deimpressão, mas “logo que sejam criadasas condições, ele (o projeto) prosseguirá”.

Lançado em 29 de janeiro de 1945, ABola tem ótima aceitação entre osangolanos, que compram 2,5 milexemplares diários do jornal. Com aedição local, a expectativa é de que essenúmero seja rapidamente superado.

Mário Arga e Lima falou também deoutro projeto de expansão de A Bola:uma publicação semanal resultante deparceria com o jornal Público, um dosprincipais diários de Portugal.

VEÍCULOS

A Bola, de Portugal,rumo à África do Sul

Cabral na série organizada por Vítor Iório: A crítica não fez a Ataulfo Alves a justiça que ele merece.

O professor e filólogo LeodegárioAmarante de Azevedo Filho, sócio daABI, é um dos agraciados com o PrêmioPersonalidade Educacional 2007, confor-me divulgou a Comissão de Apuração doevento, uma iniciativa do Grupo FolhaDirigida, com apoio da Associação Brasi-leira de Educação-ABE e da ABI. A pre-miação foi criada em 1999, com o obje-tivo de contemplar dez pessoas e trêsinstituições cujo trabalho proporcionarelevantes contribuições aos segmentosda Educação e da Cultura.

Além de Leodegário Amarante deAzevedo Filho, os eleitos deste ano fo-ram Antônio Rodrigues da Silva, EdgarFlexa Ribeiro, Edson Nunes, Hermínio

Leodegário,PersonalidadeEducacional

PRÊMIO

da Silveira, Maria Lúcia Sardenberg,Nelson Maculan Filho, Secretário deEducação do Estado do Rio de Janeiro,Nival Nunes de Almeida, Padre JesusHortal Sanchez e Vera Costa Gissoni.Eleitos Personalidades Educacionaispela terceira vez, o Padre Jesus Hortale Maria Lúcia Sardenberg passam a fa-zer parte da Galeria dos Grandes Edu-cadores, tornando-se hors concours.

Entre as instituições educacionais eculturais, as mais votadas foram a Aca-demia Brasileira de Educação, a Socie-dade Propagadora de Belas Artes (Liceude Artes e Ofícios) e a TV Educativa(TVE Brasil).

A comissão apuradora recebeu 6.432votos dos membros do colégio eleito-ral, do qual fazem parte diretores de es-colas e membros de entidades como aAcademia Brasileira de Letras, a ABI, aABE, a Associação Brasileira de Filolo-gia e os Conselhos de Cultura e de Edu-cação do Estado do Rio de Janeiro.

Leodegário Azevedo Filho recebeu placa das mãos de sua esposa, Ilka Souza de Azevedo

Medalha do Pacificadorpara Nahum, lá em Israel

Mesmo afastado do Brasil há muitosanos, o jornalista Nahum Sirotsky (foto)recebeu em Israel, no dia 24 de agosto, aMedalha do Pacificador, oferecida peloComando Militar do Exército Brasileiro. Esta

foi a primeira vez quea comenda foientregue em Israel e aum brasileiro radicadonaquele país.

A Medalha doPacificador foi criadapela Portaria nº 345,de 25 de agosto de1953, comoevocação às

homenagens prestadas a Luiz Alves deLima e Silva, o Duque de Caxias, porocasião do sesquicentenário de seunascimento. Em 1954, o Governo daRepública autorizou o uso dacondecoração nos uniformes militares.

A partir de 1955, transformou-se emhonraria a ser conferida a militares ecivis, brasileiros ou estrangeiros, quetivessem prestado assinalados serviçosao Exército, elevando o prestígio dainstituição ou desenvolvendo as relaçõesde amizade entre o Exército Brasileiro eos de outras nações.

HONRARIA

Adolfo Martins, Presidente do Grupo Folha Dirigida e criador do Personalidade Educacional, e JesusChediak, Diretor de Cultura e Lazer da ABI, discursam na cerimônia de entrega das honrarias.

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Do pontode vista nu-mérico, o Pan

do Rio contou comuma das maiores

coberturas jornalís-ticas da história dos Jogos.Credenciaram-se para essaempreitada 1.394 profissi-

onais de mídia impressa e internet e4.116 jornalistas de rádio e tv, segundodados divulgados pela Coordenação deRelações com a Imprensa do CO-Rio.Todo esse esforço, porém, não chegou àgrande maioria da população dos EstadosUnidos e da Europa, de acordo com depo-imento de jornalistas brasileiros e estran-geiros que participaram da cobertura.

Desde que a cidade venceu a disputapelo direito de sediar os XV Jogos Pan-Americanos, havia enorme expectativade que o evento despertasse o interesseda mídia internacional, servindo de vi-trina para uma imagem positiva do Bra-sil no exterior.

A animação aumentou quando a ESPNcomprou direitos de transmissão do even-to — a última vez que uma rede de tv nor-te-americana (a ABC) tomou essa inicia-tiva no Pan foi em 1991, em Havana. Aestrutura da emissora proporcionou aoCO-Rio a geração de 850 horas de trans-missão dos Jogos, em alta definição, paracerca de 150 países, superando o compro-misso do Comitê de gerar 700 horas.

Porém, ao se contabilizar o índice denotícias sobre o Pan nos principais ve-ículos norte-americanos e europeus,chega-se à conclusão de que os Jogosforam manchete apenas na mídia lati-no-americana.

Na derrota, silêncioO repórter José Meirelles Passos, cor-

respondente de O Globo em Washing-ton, não acredita que os norte-america-nos venham a se interessar pelos Jogos:

— Aqui nos Estados Unidos as pesso-as e a mídia não dão ao Pan a relevânciade uma Olimpíada ou de uma competi-ção pré-olímpica, nem os atletas se im-portam muito. O Pan é um campeona-to como o Brasileiro da Segunda Divi-são: só dá grande matéria se o Flamen-go cair. Durante os Jogos, os jornais da-qui que informaram alguma coisa fo-ram o New York Times e o Post, mas as no-tícias apareciam em um colunão, pu-xando, é claro, para as equipes dos Esta-dos Unidos. No dia seguinte à vitória da

Seleção Brasileira Feminina de Vôlei so-bre a norte-americana, não saiu uma li-nha sequer nos dois jornais. O noticiá-rio sobre o Pan na imprensa norte-ame-ricana foi um retalho, muito pequeno.

Mesmo assim, o Prefeito Cesar Maiase diz satisfeito com os resultados alcan-çados e minimiza o fato:

— Isso não surpreende pelo interes-se do público norte-americano. Mas apresença dos meios de comunicação dosEUA e a cobertura focalizada, mostran-do a preocupação com Chicago em re-lação ao Rio para 2016, foram suficien-tes para mostrar a importância do Pancom sua qualidade olímpica.

Carlos Roberto Osório, Secretário-Geral do Comitê Organizador dos XVJogos (CO-Rio), acha que cobertura foia maior da história do Pan:

— O Rio 2007 elevou o patamar doPan-americano tanto no que diz respei-to à cobertura nacional quanto à inter-nacional. Estamos satisfeitos com osresultados. Tivemos mais de 150 veícu-los estrangeiros cobrindo os Jogos.

O azar do beisebolO New York Times convocou para a

cobertura o repórter Larry Rother, seuex-correspondente no Brasil. De acordocom Mery Galanternick, Chefe do Es-critório do NYT no Rio, o jornal tinhaprogramado uma boa pauta para acom-panhar o torneio de beisebol, único es-porte, nos EUA, a enviar ao Brasil atle-tas de primeira linha. Mas a desorgani-zação nessa modalidade fez que elesdesistissem das matérias:

— Era o esporte mais interessante dacompetição para os norte-americanos,mas, por uma dessas desgraças que acon-tecem de vez em quando, o beisebol foio fracasso do Pan. O que aconteceu nocampo, instalado num terreno panta-noso e não preparado adequadamente,foi caótico. As partidas viviam sendoadiadas, por falta de condições.

Mery, porém, acredita que a longo

prazo os Jogos possam dar visibilidadeao Brasil no exterior, “porque os jorna-listas nacionais e internacionais aposta-vam que o Pan seria um tremendo fra-casso e, à exceção do beisebol, tudo deucerto, surpreendendo todo mundo”.

Atração: os escândalosJorge Luiz Rodrigues, da coluna Pa-

norama esportivo de O Globo, diz que ob-servou poucos norte-americanos na co-bertura do Pan. Lembra dos colegas doSan Jose Mercury News, do Chicago Tri-bune e do Sports Ilustrate e dos profissio-nais das agências Associated Press, Reu-ters e DPA, que enviou ao Brasil o chefedo escritório de Madri, Sebastián Fest,para atender seus clientes de língua es-panhola. O jornalista — que já cobriucinco Copas, quatro Pans e quatro Olim-píadas — diz que eles não dão muitaimportância aos Jogos:

— Até porque não são classificatóri-os para as Olimpíadas. Para os norte-americanos, o Pan serve apenas para re-velar novos talentos — por isso, inclu-sive, não enviaram os principais atletasde basquete, vôlei, atletismo e natação.Já os europeus encaram o Pan como umacompetição regional, então, ela não in-teressa a seu público. É como se O Glo-bo enviasse uma equipe para cobrir osJogos Asiáticos.

Giuseppe Bizzarri, do italiano Euro-pa Jornal, diz que, como outros corres-pondentes europeus, tentou venderpautas esportivas para seu veículo e nãoconseguiu: — Em primeiro lugar, o Pané um evento super-regional. Na Euro-pa, julho e agosto são tempo de férias, ointeresse da população muda, as pesso-as se ligam em outras coisas. Na Itália,nem o futebol dá ibope nesse período.

Marcelo Llubera, da France Presse,também acha lógico o pouco interesseeuropeu numa competição de que nãoparticipa: — Além disso, o Pan não atraiatletas renomados, algumas delegaçõesnão mandam suas principais figuras.

Também não há recordes mundiais e ocalendário coincide com muitas compe-tições européias. Resta então publicarfatos como casos de doping, desertorescubanos, brigas, irregularidades econô-micas e violência, entre outros. As em-presas não vão pagar para jornalistas fi-carem no Rio três semanas. É mais fácilcontratar agências como a nossa.

Sem recordes, nadaNo caso da AFP, a cobertura foi dividi-

da em três áreas: a regional — para servi-ço espanhol e português na América La-tina —, a de inglês e a de francês: — Paraa demanda latino-americana, a equipe daagência foi a maior da história dos Jogos,com dez pessoas, entre repórteres, fotó-grafos e técnicos. Já o material produzi-do em francês privilegiou os pódios, ovôlei — com especial interesse no Brasil,campeão da Liga Mundial — e os casosde doping etc. Em inglês, as matérias fo-ram centradas nos atletas dos EUA e ou-tros países de língua inglesa.

Brian Homewood, da Reuters, tam-bém diz que o fato de o Pan raramenteter atletas recordistas e com títulosolímpicos esfria o interesse da mídiaeuropéia e norte-americana: — Para ela,o Pan não é um grande evento. No Rio,por exemplo, não houve recordes mun-diais, como aconteceu com o atletismoem San Juan (1979) e na natação emWinnipeg (1999). Fiz muitas reporta-gens em inglês para assinantes da Euro-pa, Ásia e Oceania, mas sei que o mate-rial não foi muito lido fora da Américado Sul. A Copa América na Venezuelateve mais repercussão internacional —garante o correspondente.

A China de olhoSe europeus e norte-americanos esno-

baram o Pan, o mesmo não aconteceucom os chineses. Para os Jogos, a agênciaNova China enviou grande reforço parao correspondente brasileiro, Ricardo deBittencourt: — A agência deu muitaimportância ao Pan. Além de mim, queestou baseado no Rio, credenciou os cor-respondentes de Buenos Aires e Monte-vidéu e enviou um grupo de dez jorna-listas chineses. Vale lembrar que em2008 a China vai sediar pela primeira vezos Jogos Olímpicos. Então, o Pan-Ame-ricano foi uma excelente oportunidadepara treinar o pessoal em uma competi-ção esportiva de nível internacional,com muitas competições simultâneas.

DESINTERESSE

ESNOBARAM O PANA mídia norte-americana e européia não

deu a mínima bola para a grande competição queo Rio sediou. Quando seus melhores atletas e suas

equipes não participam, europeus e norte-americanosconsideram que tudo o mais é desimportante.

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18 Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

Luís Mendes e Teixeira Heizer, doisgrandes ases do jornalismo esportivobrasileiro, deram na ABI a palestra Datragédia de 1950 às grandes epopéias dofutebol brasileiro, promovida pelo Cen-tro Histórico-Esportivo da Casa, apre-sentando um panorama da participaçãodo Brasil nas Copas do Mundo de 1950aos dias de hoje.

Luís Mendes ressaltou a importânciade se falar do que considera o principalevento do esporte brasileiro: — A Copado Mundo é o único momento em queo povo brasileiro se reúne em torno deuma mesma causa. Em todos os outrosaspectos, como política e religião, cadaum segue de acordo com sua individua-lidade. Para se ter uma idéia, eu semprevotei em um partido, enquanto minhaesposa era afiliada de outro — brincou ojornalista, dirigindo-se à mulher, a atrizDaisy Lúcidi, que estava na platéia.

A opção de retratar o futebol brasilei-ro a partir da Copa realizada no País de-veu-se ao fato de ela ser um marco divi-sório da posição de destaque do Brasil nocenário esportivo mundial, segundoTeixeira Heizer: — A final dessa Copatambém foi envolta por mitos e lendas.Muitos disseram que o Uruguai venceucom base na violência. É verdade que aseleção deles tinha muita raça, mas, ana-lisando as súmulas da partida, vemosque ela cometeu metade das faltas doBrasil. Os uruguaios jogaram muito de-centemente, na defensiva. A imprensada época tentou criar um clima de caosque, na verdade, não ocorreu. Na Copade 50, o Brasil chegou bem perto de um

FUTEBOL

Ainda aquela derrota de 1950Dois ases do jornalismo esportivo, Luís Mendes e Teixeira Heizer, falam sobre a evolução dofutebol brasileiro a partir da Copa do Mundo de 50. Como sempre, ganhou relevo especial

o fracasso diante da Seleção Uruguaia comandada pelo capitão Obdúlio Varela.

só foi possível graças à entrada de ZezéMoreira como técnico. Mas nem tudoera perfeito, pois ainda se percebia umcerto bairrismo, um “clubismo” na es-calação. Garrincha, um dos maiores jo-gadores da época, não foi convocado e oBrasil acabou sendo derrotado pelaHungria, cujo time se articulava de for-ma mais flexível que o nosso.

Para Mendes, a melhor Seleção Bra-sileira da História foi a de 1958, pois sócom a primeira vitória em Copas o Paísfoi definitivamente projetado para ocenário internacional: — A Seleção de58 contou com dois dos maiores joga-dores de todos os tempos, no auge da ju-ventude e da forma física: Pelé e Garrin-cha. Antes, muito pouco se falava doPaís no exterior. Um sueco chegou a meperguntar se o Brasil ficava na África.

Questionado se o futebol-arte estariadesaparecendo atualmente, Mendes dis-se acreditar que hoje o esporte está maiscalcado na preparação física, o que temfeito que a criatividade dos jogadoresapareça cada vez menos em jogo.

— Não significa que o futebol-artenão exista mais, e sim que ele está per-dendo um pouco o seu espaço para umfutebol mais violento. Os dirigentes es-tão privilegiando cada vez mais a formafísica do que a técnica. E não se percebeeste fato apenas no futebol brasileiro,mas no futebol de toda a América do Sul.Mas, graças a Deus, o futebol-arte persis-te em alguns jogadores. (Igor Waltz)

Mendes e Teixeira Heizer: uma exposição sem patriotadas sobre a perda da Copa do Mundo de 50.

O Coordenador do Centro Históri-co-Esportivo da ABI, José Rezende,membro do Conselho Deliberativo dacasa, contou que antigamente os jorna-listas eram chamados para discutir a ta-bela dos jogos, o que ocorreu na épocacom Luís Mendes:

— Bem que o Luís tentou fazer queo Brasil enfrentasse logo o Uruguai,uma vez que as duas seleções que fazi-am parte do grupo daquele país, as doEquador e do Peru, desistiram de dispu-tar a Copa. Mas ele foi voto vencido.Com isso, a Seleção Uruguaia teve tem-po de se preparar e se entrosar melhorpara disputar a final com o Brasil.

O primeiro emprego do gaúcho LuísMendes foi numa estação de alto-falan-tes em sua cidade, Palmeira das Missões.Já na capital, Porto Alegre, fez teste naRádio Farroupilha e foi contratadocomo locutor. Chegou ao Rio de Janei-ro com 19 anos e ingressou na RádioGlobo, em 1944, como locutor comer-cial. A ida para o esporte aconteceuquando Gagliano Neto, o titular, faltoua uma transmissão e ele se ofereceu parasubstituir o colega. O sucesso foi tãogrande que no dia seguinte o Presiden-te das Organizações Globo, RobertoMarinho, ofereceu-lhe uma vaga de lo-cutor esportivo na emissora.

Depois de se dedicar 15 anos exclusi-vamente à TV Rio, Luís Mendes voltouao rádio como comentarista esportivoda Globo AM, onde permanece até hoje.

Seu companheiro na palestra, Teixei-ra Heizer, participou do ABI pensa o jor-nalismo esportivo, do Projeto EstaçãoABI, em que falou de sua carreira, inici-ada há 53 anos no Correio Fluminense.(Márcia Martins)

resultado positivo, como nunca antes,pois havia terminado há pouco tempoa Segunda Guerra Mundial e as princi-pais seleções não vieram, ou chegaramaqui com uma incrível perda de uma ge-ração inteira de craques.

Mendes recordou que o favoritismodo Brasil era enorme, já que nossa sele-ção vinha de duas vitórias em três jogosrecentes contra o Uruguai, além de terfeito uma campanha melhor na Copa.Os brasileiros entraram em campo seautoproclamando vencedores. TeixeiraHeizer exemplificou com o caso de ANoite: — Um dia antes do jogo, o jornaljá havia publicado que o Brasil seria cam-peão. Este fato serviu para os uruguaiosentrarem em campo com uma vontade

grande de vencer. A seleção de 1950 eraótima, mas o Uruguai tinha um timesuperior.

Uma série de fatores teria levado àderrota do Brasil diante da equipe coman-dada pelo centro-médio e capitão Obdú-lio Varela, entre eles o clima de “já ga-nhou” e o movimento de políticos, emcampanha eleitoral, dentro da concen-tração. Heizer aponta ainda como umdos principais a desorganização tática danossa seleção. A partir da Copa de 1954,porém, percebe-se uma transformaçãoque viraria marca brasileira em campo:

— Depois de 50, percebemos a neces-sidade de usar as marcações à distânciae por zona, mais flexíveis que as utili-zadas anteriormente. A transformação

Uma derrota de Mendes

A tragédia do 16 de julho de 1950é muito nítida na memória dos

que a presenciaram, mas o mesmonão se pode dizer dos registros

fotográficos que sobraram.

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A primeira imagem que nos vem àcabeça quando surge o nome de Leonar-do Boff é a de um dos maiores expoen-tes da Teologia da Libertação, correnteque busca congregar o pensamentomarxista à filosofia católica. Muito pou-co de religião, porém, foi discutido napalestra Ética no mundo globalizado,ministrada pelo teólogo na ABI em 18de setembro, a convite da Coordenaçãode Cursos Livres de Jornalismo, a cargode Cecília Costa. Durante o evento, elediscutiu a crise social, ambiental e éticaque a sociedade mundial enfrenta atu-almente e a necessidade emergencial denovos valores.

Leonardo Boff idsse que estamos vi-venciando uma situação de caos nomundo. Estaria em curso uma crise daglobalização, abandonada aos poucospara se tentar compreender o processode integração, tendo em vista a emer-gência de nacionalismos na Europa enos Estados Unidos. Boff acredita mui-to mais em processo de mundialização:

— A atual fase do processo de globali-zação é um fenômeno financeiro e eco-nômico que produz uma devastação fan-tástica, pois é altamente excludente. Es-tamos vivendo a Idade do Ferro, uma fase“pré-histórica” deste processo. Quandopensamos em mundialização, devemospensar em adaptação, em um processo deresolução de todos os problemas gerados.

Para o teólogo, a crise ética atual estárelacionada ao eclipse da figura do pai eà desestruturação da família: — A figu-ra do pai representa a norma, as regras,a lei. Vemos diversos casos de jovens queatropelam, matam, ou até morrem. Háconceitos que estão se perdendo nasculturas mundiais. Precisamos resgatara família no seu sentido de jogo de rela-ções de afeto, e não na sua concepçãomoralista tradicional.

A ética não é questãoteórica, e sim prática

Boff demonstrou também profundapreocupação com as questões ambien-tais. A situação teria chegado ao pontoatual devido ao modelo desregrado dedesenvolvimento econômico, com séri-as implicações para o meio ambiente ea sociedade em geral. As conseqüênciasdo processo de aquecimento global, diz,já são catastróficas.

AULA MAGNA

“ESTAMOS VIVENDO A IDADE DE FERRO DAGLOBALIZAÇÃO”, ADVERTE LEONARDO BOFFTeólogo abre os Cursos Livres de Jornalismo com uma palestra sobre a ética no mundo globalizado, que vive uma situação de caos.

— A ética não tem a ver com teoria, esim com prática. Chegamos a este pon-to devido a práticas danosas à naturezae ao próprio ser humano. Trata-se deuma agressão sistemática à natureza

nos últimos 300 anos, quando o mode-lo capitalista se consolidou com a Revo-lução Industrial. Nesse período, nós lan-çamos na atmosfera uma montanha dedióxido de carbono (CO

2), com mais de

um quilômetro de altura. É possívelcompararmos a nossa situação com ametáfora de um avião que precisar le-vantar vôo antes que acabe a área de es-cape da pista do aeroporto. A nossa pis-ta já acabou, já estamos na área de esca-pe. Se não levantarmos vôo agora, ondeiremos parar?

Boff, que é professor de Sociologia,acredita que não é mais possível susten-tar-se nas éticas hoje vigentes numa so-ciedade regida por valores como indivi-dualismo e materialismo:

— A globalização seria mais um pro-cesso de ocidentalização, e esses ideaispregados por ela já não são capazes degerar um discurso de esperança. Ou mu-damos, ou morremos. Seria muito im-portante se revisitássemos as sociedadesprimordiais, como as dos povos indíge-nas, que, apesar de terem um carátermais regional, se relacionavam melhorcom a natureza. Estamos à beira de umabismo sem retorno, destruindo a capa-cidade de reprodução da vida. Para se teruma idéia, a fertilidade dos homens estácaindo sensivelmente, devido ao proces-so de “quimicalização” dos alimentos.

Para superar tal situação em que nosencontramos, seria preciso repensar osvalores éticos e criar uma ética de fácilassimilação por parte de todos – disseBoff, que propõe que essa ética seja base-ada no sentimento e em pilares como“cuidado”, “respeito”, “solidariedade” e“responsabilidade”, valores transcultu-rais e inerentes a todos os seres humanos:

— O ser humano é um ser de senti-mento. A primeira resposta do homemà natureza é o sentimento, depois vema razão. A base do ser humano é o afeto.O cuidado deve ser a primeira ética queprecisamos desenvolver em escala pla-netária. Hoje, a natureza e grande parteda humanidade estão no mais comple-to desamparo. Betinho (o sociólogo Her-bert de Souza) uma vez disse que a mai-or crise da atualidade não é política, eco-nômica ou social, e sim a da sensibilida-de. Além disso, o ser humano precisareaprender a ter compaixão. Nós nãovivemos, nós convivemos; nós não exis-timos, nós coexistimos. Nós somos se-res cooperativos, mas a sociedade atualé regida pela competição. O mercado éapenas uma guerra de todos contra to-dos — concluiu.

POR IGOR WALTZ

Igor Waltz é estagiário da Diretoria de Jornalismo da ABI.

Boff: Estamos à beira de um abismo sem retorno, destruindo a capacidade de reprodução davida. A fertilidade dos homens está caindo em virtude da quimicalização dos alimentos.

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22 Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

Os bastidores do seqüestrodo Embaixador CharlesBurke Elbrick, em 1969,contados em Hércules 56,

de Silvio Da-Rin, foram aúltima atração de setembro do CineABI, no dia 24. Os jovens que estiveramno Auditório Oscar Guanabarino pude-ram conhecer o episódio e os mais ve-lhos, relembrar parte de um momentohistórico da ditadura militar.

O curador do Projeto Cine ABI, Sér-gio Santeiro, lembrou que no Recine,duas semanas antes, o documentário foiconsagrado com vários prêmios, entreeles o de melhor filme e melhor diretor.Santeiro ressaltou ainda a importânciade Da-Rin como um dos melhores emais procurados engenheiros de som doPaís e lembrou a diferença entre docu-mentário e ficção:

— No filme O que é isso, companhei-ro?, de Bruno Barreto, também baseadono seqüestro do Embaixador, temos umfato real rodeado de toda uma ficção. NoHércules 56, a história é baseada no fatocomo ele aconteceu. Se algo estiver forado contexto, o Da-Rin será cobrado pelainfidelidade.

Silvio Da-Rin, que estava na platéiajuntamente com a diretora-assistenteJoana Nin, limitou-se a concordar comas palavras de Santeiro. No filme, o ci-neasta reúne o grupo que pensou o se-qüestro num papo informal que foi gra-vado em apenas um dia. Todos os deta-lhes da ação, do período em que o Em-baixador foi mantido preso à sua liber-tação, foram discutidos pelos ex-revolu-cionários. O filme também traz relatosatuais dos presos que foram libertadosem troca do diplomata: — Eu quis nes-te momento mostrar o que eles, os doisgrupos, pensavam hoje desta ação —conta Da-Rin.

O longa traz ainda imagens dos mo-mentos que se seguiram à libertação dospresos no México, para onde foram leva-dos em um avião Hércules 56 da ForçaAérea Brasileira — daí o nome do docu-mentário. Cenas do encontro de partedos exilados políticos com Fidel Castrotambém são mostradas no doumentário.

Após a exibição do filme, Da-Rin con-versou com a platéia. O cineasta contouque levou dois anos para reunir todo oacervo mostrado no documentário. Omaterial foi buscado no México, em

O seqüestro deElbrick, sem ficção

Filme de Sílvio Da-Rin mostra emHércules 56 como foi o seqüestro do

diplomata norte-americano, em 1969.

CineABI

POR MÁRCIA MARTINS

Atualmente técnico desom para cinema muito

requisitado, Sílvio Da-Rin(acima) conta que foi

muito trabalhosa aprodução de Hércules 56,

mas o esforço foirecompensado pela boa

acolhida à obra. Alémde recolher materialfilmado na época do

seqüestro doEmbaixador, como a

chegada ao México dospresos libertados e

deportados (à direita, noalto) e o encontro de

parte deles, em Havana,com o Presidente Fidel

Castro (abaixo), Da-Rinfilmou-os mais de 30

anos depois (à direita).

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23Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

Na segunda-feira, 17, umasemana antes da sessão deHércules 56, o Cine ABIapresentou cenas da vida

real, contadas no filme Vocêpode dar um presunto legal, do cineastaSérgio Muniz. A apresentação do docu-mentário foi feita pelo Diretor Cultu-ral Jesus Chediak, que ressaltou a im-portância das exibições, afirmando queo projeto pode transformar-se num su-cesso como o antigo Cineclube Macu-naíma, também da Associação Brasilei-ra de Imprensa.

O curador do Cine ABI, Sérgio San-teiro, definiu o filme de Sérgio Munizcomo um documentário que retrata apassagem da repressão civil para a políti-ca. Ele também acre-dita que o filme seenquadra perfeita-mente nos dias atu-ais: — Ver a atuaçãodo Esquadrão daMorte em São Paulome faz lembrar asmilícias que hoje as-solam o Rio de Janei-ro. Do mesmo modoque existia uma or-ganização paramili-tar no fim da décadade 60, hoje nova-mente uma organi-zação semelhante seinstala no Rio.

O filme de SérgioMuniz conta a his-tória do Esquadrão da Morte, um grupoparamilitar chefiado pelo Delegado Sér-gio Fleury, que torturou e matou emSão Paulo, durante a ditadura. Os poli-ciais resolveram montar a organizaçãoa partir do assassinato de um agentemilitar. Durante os anos de atuação dogrupo, Muniz recolheu reportagens detv e jornais para compor o filme. Algunsdepoimentos sobre tortura e cenas depeças teatrais e da condecoração de Fleu-ry pela Marinha também fazem partedo documentário.

Depois de concluído, o filme foi guar-dado por motivos de segurança e somen-te reeditado em 2005, após um pedido damulher de Muniz, que queria exibi-lopara alunos da universidade onde davaaulas, em Araraquara, no interior paulis-ta. Muitos trechos dos originais do filmeforam perdidos com o passar do tempo.O que conseguiu salvar Muniz juntouem 40 minutos de cenas em preto-e-branco. Para o curador Sérgio Santeiro, otrabalho de recomposição do documen-tário foi muito cuidadoso e é precioso.

O título do filme foi retirado da pró-pria expressão usada por Sérgio Fleury

Fleury, o criador de “presuntos”Matador impiedoso, ele assinava a sentença de morte de presos dizendo-lhes:

“Você pode dar um ‘presunto’ legal”, título do filme de Sérgio Muniz.

Todo o material produzido foi leva-do para Cuba, onde foi feita a edição.Depois de o filme ficar pronto, amigosde Muniz o aconselharam a não exibi-lo naquele momento. Somente em 2005o documentário foi apresentado pelaprimeira vez, na faculdade onde a mu-lher de Muniz dava aulas, como partede um debate sobre o cinema e a tv du-rante a ditadura militar: — Eu só tinhauma cópia em VHS, que estava muitoruim. Levei algum tempo para localizaros originais em Cuba, mas um terço doque gravei tinha sido perdido. Mesmoassim, reeditei o documentário e em2006 comecei a mandar algumas cópi-as para amigos — conta o cineasta.

Mesmo levando tanto tempo paraexibir seu trabalho, Muniz acredita queo documentário continua tendo gran-de valor, principalmente para os maisjovens, que não viveram os anos dechumbo da ditadura militar: — É im-portante que esta geração saiba quehouve tortura no País, para que issonunca mais volte a acontecer.

Sérgio Muniz realizou em 1965 seuprimeiro filme, Roda e outras estórias,que ganhou vários prêmios. Depois,atuou como produtor executivo da Ca-ravana Farkas, em incursão pelo Nordes-te, em 1969. Com parte do material des-sa viagem, fez o filme De raízes a rezas.

Muniz também montou diversasobras de diretores amigos e desempe-nhou tarefas acadêmicas e de pesquisa.O envolvimento com o argentino Fer-nando Birri levou-o a ser o primeiro di-retor docente da Escola de Cinema e TVde San Antonio de los Baños, em Cuba.Desenvolveu projetos de memória cine-matográfica para o Museu da Imagem edo Som, de São Paulo e foi assessor decinema do Memorial da América Latinae um dos curadores do I Festival de Ci-nema Latino-americano de São Paulo.(Márcia Martins)

Cuba e nos Estados Unidos. Sobre a au-sência de Fernando Gabeira no filme,respondeu que os próprios integrantesda ação contaram que a participação doatual deputado federal no seqüestro doEmbaixador foi muito pequena; ele ape-nas cedeu a casa que serviu de cativeiro.

Da-Rin disse que pretendeu estimu-lar as pessoas a tirar suas próprias con-clusões sobre um dos fatos mais mar-cantes da ditadura. O cineasta disse es-tar feliz com o documentário.

— Foi trabalhoso, mas gostei muitodo resultado. Primeiro, porque todas aspessoas envolvidas que ainda estão vivasparticiparam do filme. Depois, porque acrítica foi favorável — concluiu Da-Rin.

O longa-metragem de Da-Rin é foca-do no seqüestro ocorrido na Semana daIndependência de 1969. Em troca do di-plomata, foi exigida a divulgação de ummanifesto revolucionário e a libertaçãode 15 presos políticos. Banidos do terri-tório brasileiro e com a nacionalidadecassada, eles foram conduzidos ao Mé-xico no avião da FAB Hércules 56.

Os personagens principais do filmesão os remanescentes daquele grupo:Agonalto Pacheco, Flávio Tavares, JoséDirceu, José Ibrahim, Maria AugustaCarneiro Ribeiro, Mário Zanconato, Ri-cardo Vilas, Ricardo Zarattini e VladimirPalmeira. Os já falecidos Luís Travassos,Onofre Pinto, Rolando Frati, João Leo-nardo Rocha, Ivens Marchetti e Gregó-rio Bezerra estão presentes no documen-tário por meio de material de arquivo.

Em entrevistas individuais, os perso-nagens relatam as condições da atuaçãopolítica no fim dos anos 60, a prisão, alibertação, a curta permanência noMéxico e o período vivido em Cuba. Elesterminam por avaliar a experiência daluta armada no Brasil.

Hércules 56 participou de festivais em2006 e este ano entrou em cartaz emvárias salas do País. Silvio Da-Rin acre-dita que o mercado para a realização dedocumentários está em alta. Ainda fa-lando do mercado cinematográfico, elediz que um fator que preocupa é a pira-taria: — Mas esta é uma questão com-plexa. A pirataria é um problema para oqual não há solução simplista.

Quem é, o que fezO carioca Silvio Da-Rin formou-se

em Comunicação Visual pela Escola Su-perior de Desenho Industrial da Univer-sidade Estadual do Rio de Janeiro-Uerj eparticipou de um workshop de som paracinema na Ucla, na Califórnia, em 1981.Um dos primeiros presidentes da Fede-ração dos Cineclubes do Estado do Rio deJaneiro, é hoje um requisitado técnico desom. Seu nome está presente nos crédi-tos de diversos filmes realizados na dé-cada de 90, entre eles Pequeno dicionárioamoroso, de Sandra Werneck, Amores eSeparações, de Domingos Oliveira, Cruze Souza, o poeta do desterro, de SylvioBack, Mauá — O Imperador e o Rei, deSérgio Rezende, Amores possíveis, deSandra Werneck, Villa-Lobos, uma vidade paixão, de Zelito Viana, e Bellini e aesfinge, de Roberto Santucci.

CineABI

durante a escolha dos presos que seri-am assassinados. Era com a frase “vocêpode dar um presunto legal” que o De-legado assinava a sentença de morte deum detido.

Você pode dar um presunto legal foirealizado por Sérgio Muniz em 1973,durante a ditadura militar, e permane-ceu inédito até 2006. O documentárioaborda a atuação do Esquadrão da Mor-te, organização paramilitar que, no fimdos anos 60 e início dos 70, praticou as-sassinatos regularmente. Em preto-e-branco e com 40 minutos de duração, ofilme tem participação dos atores Gian-francesco Guarnieri e Othon Bastos.

Realizado clandestinamente entre1970 e 1971, Você pode dar um presuntolegal defende a tese de que o Esquadrãoda Morte, chefiado em São Paulo peloDelegado Sérgio Paranhos Fleury, foium ensaio geral para a violenta repres-são política que veio a seguir. Fazemparte do documentário notícias de jor-nal, fotos de execuções e transcrição dedepoimentos sobre tortura, além de ce-nas de peças teatrais e da condecoraçãode Fleury pela Marinha.

Uma simulaçãofotográfica feitana época poruma revista (àdireita, no alto)mostra abrutalidade daturma de Fleury,que nãodiscriminavasuas vítimas:agia igual contrapresos comuns epresos políticos.A aparência dele(ao lado) nãodenunciava omatador frio ecruel que era.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

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24 Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

Aconteceu na ABIAconteceu na ABI

Um encontro de confraternizaçãomarcou a seleção para o VI Cursode Informação sobre Jornalismoem Situações de Conflito Armado,módulo do Projeto Repórter doFuturo, promovido em São Paulopelo Comitê Internacional da CruzVermelha, a Associação Brasileirade Jornalismo Investigativo-Abraji e a ong Oboré-ProjetosEspeciais de Comunicação e Artes,com o apoio da Representação daABI em São Paulo.

Os 20 escolhidos na seleção serãochamados a participar do curso, queserá realizado nos dias 6, 13, 20 e 27de outubro. Um dos palestrantesserá o jornalista português CarlosFino, que ficou mundialmenteconhecido por seu trabalho comocorrespondente da Rede deTelevisão Portuguesa–RTP noOriente Médio, quando deu o furode reportagem sobre a invasãonorte-americana ao Iraque, emmarço de 2003. Fino ministrou emjulho na ABI um curso organizadopela Faculdade de Comunicação daUniversidade Federal Fluminense..

Na seqüência, haverá palestrados jornalistas Vinícius Souza eMaria Eugênia Sá, que lançam noBrasil seu mais recente ensaiofotográfico, o livro Américaminada, que é acompanhado porum documentário em vídeo. Amboscontêm imagens e depoimentossobre a questão das minas terrestrese suas vítimas em todo o continentelatino-americano.

Com 51 fotos em 64 páginas, olivro é uma edição trilíngüe daEditora Photos, prefaciado pelofamoso fotógrafo de guerra TimPage, ele próprio vítima de umamina no Vietnã, e textos de AndyWheatley, delegado do ComitêInternacional da Cruz Vermelhapara a Ação Contra as Minas.

O vídeo, co-produzido pela TVBrasil Canal Integración (canalinternacional do Estado brasileiro),faz uma análise mais profunda daquestão das minas na Colômbia eno Peru, por meio de entrevistascom especialistas e depoimentoscomoventes das vítimas dessesexplosivos proibidos há dez anos,mas ainda amplamente utilizados.

Mais informações sobre o temaestão disponíveis no sitewww.obore.com.br.

CURSO

Como cobrirconflito armadoCruz Vermelha, Abraji e Oboré

mostram como atuar emsituações de guerra e guerrilhas.

A ABI não faltou com suahomenagem ao cartunistae escritor Ziraldo, membrode seu Conselho Consul-

tivo, que completa 75 anosem outubro. Na noite de 11 de setem-bro, foi exibido no Cine ABI o documen-tário Ziraldo — O Eterno Menino Malu-quinho, com direção de Sônia Garcia esupervisão de Fernando Barbosa Lima.

A apresentação ficou a cargo do Di-retor Cultural Jesus Chediak, que res-saltou que o Projeto Cine ABI foi cria-do para que se faça uma reflexão sobreo cinema brasileiro. Fernando BarbosaLima, por sua vez, contou que ao verpela primeira vez o documentário o car-tunista ficou muito feliz.

— Ziraldo disse que este talvez sejao melhor depoimento da vida dele —declarou.

Sônia Garcia, que já dirigiu mais decem documentários pela TV Educativa,disse que a intenção do filme era exal-tar o lado educador do cartunista. —Lembro que o Ziraldo disse uma vez que“ler é mais importante que estudar”.Com base nesta afirmação, tentamosmostrar esta face dele.

Na platéia, amigos, como o cartunis-ta Chico Caruso, e fãs de Ziraldo — quenão pôde comparecer devido a proble-mas de saúde — conheceram um pou-co mais da vida do mineiro de Caratin-ga que conquistou o mundo com seuspersonagens.

O Menino Maluquinho em dvd

Com uma hora e meia de duração, ofilme fala sobre a vida do mineiro deCaratinga que conquistou o País com ashistórias do menino que anda com umapanela na cabeça e foi apresentado pelaprimeira vez, no Rio de Janeiro, emmaio deste ano, durante uma mostra emhomenagem aos 75 anos de Ziraldo e os25 de criação do Menino Maluquinho.

Fernando Barbosa Lima vibra com otrabalho que produziu: — O Ziraldo éo desenhista brasileiro mais divulgadono exterior. O documentário é muitointeressante e imperdível. Muita gentedeve ir assistir.

Narrado pelo ator José Mayer, o fil-me foi dividido em três partes: Memó-rias, trecho em que o Ziraldo fala desi; Cronobiografias, em que amigoscomo Zuenir Ventura, Miguel Paiva,Chico Caruso e Ana Maria Machadodão depoimentos; e Releituras, queaborda as obras do artista no teatro, nocinema e na tv.

Para Sônia Garcia, trabalhar com Zi-raldo não foi tarefa difícil. Além de seramiga do cartunista há mais de 40 anos,ela produziu para a televisão a adaptaçãode duas obras do escritor, para veiculaçãona TVE: em 91, o filme A professora ma-luquinha; e em 2001, 20 episódios daTurma do Pererê. A diretora também jáhavia feito outro documentário sobreZiraldo, quando ele completou 60 anos:— Minha relação com ele é afetiva.Acompanhei a vida de Ziraldo como au-

A convite do associado Carlos Augus-to Lima França, os turistas franceses Bri-ce Poirier e Antoine Pierre visitaram natarde de 19 de setembro o Edifício Her-bert Moses, sede da ABI, no Centro doRio. Arriscando algumas palavras emportuguês, Brice, que estuda Direito naUniversidade de Rennes, a 300 quilôme-tros de Paris, contou que essa era primei-ra vez que os dois vêm ao Brasil, onde pri-meiro conheceram Belo Horizonte:

— Fomos a Minas Gerais visitar umamigo que conhecemos na França. NoRio, onde chegamos há uma semana, es-tivemos nas praias de Ipanema e Copa-cabana, assistimos a um jogo de futebolno Maracanã (Fla x Flu), visitamos oMuseu de Arte Moderna e o Pão de Açú-car. Nosso interesse em visitar a ABI foipara saber um pouco da história do jor-nalismo brasileiro.

Brice e Pierre foram categóricos aoafirmar que não se deixaram influenci-ar pelas notícias negativas que têm sido

tor infantil. Ele é tão plural, beira a ge-nialidade. Tudo o que faz dá certo.

Sônia trabalhou mais de 40 anos naTV. Nesse período, fez mais de cem do-cumentários — “nunca trabalhei comficção”, diz. Um dos documentários demaior expressão foi Aquarela do Brasil,sobre o movimento cultural brasileiro,que acabou sendo solicitado pela Presi-dência da República para ser exibido du-rante comemorações do 7 de Setembro.Para a telona, Sônia finalizou o longa Astranças de Maria, filme de Pedro Rónaique conta a vida de Cora Coralina, e foiconsultora do roteiro de Tainá 2 —A aven-tura continua.

CineABI

Documentário de hora e meia revela Ziraldo desde a infância em Caratinga.

VISITA

Franceses conhecem asede da ABI

veiculadas na imprensa francesa sobreo Brasil: — Não queremos saber dos es-tereótipos relacionados a futebol, fave-la, biquíni, samba e violência. O Brasilé uma nação de dimensões continentais,por isso estamos mais interessados nas

diferenças culturais regionais do que naimagem negativa que se faz do País —disse Brice. — Não damos muita aten-ção à “cultura do medo”. É claro que an-damos com precaução, mas seguramen-te voltaremos aqui outras vezes.

Antoine Pierre e Brice Poirier: interesse em conhecer a história do jornalismo brasileiro, semse deixar impressionar pelas notícias de violências divulgadas na imprensa francesa.

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25Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

A Assembléia Legislativa do Piauí estácriando uma comenda em homenagemao jornalista Carlos Castelo Branco, re-conhecido como o mais respeitado co-lunista político do País no percurso de31 anos de atividades no Jornal do Bra-sil. Entre as figuras que deverão recebera Medalha Carlos Castello Branco, oPresidente da Assembléia Legislativa,Deputado Themístocles de SampaioPereira Filho, confirma o nome do Mi-nistro das Comunicações, Hélio Costa,que conheceu Castelo ainda em MinasGerais e manteve com ele uma amiza-de de mais de 20 anos, em Belo Horizon-te e Brasília.

Filho de um dos mais destacados in-telectuais do Piauí, o DesembargadorCristino Castelo Branco, Castelo nas-ceu em Teresina no dia 25 de junho de1920. Estudou o primário no Grupo Es-colar Teodoro Pacheco e ingressou noLiceu Piauiense, onde fez o ginásio.Com o objetivo de cursar o pré-jurídi-co, transferiu-se para Belo Horizonte,em 1939, e ingressou na Faculdade deDireito de Minas Gerais. Começou atrabalhar como repórter de polícia nojornal Estado de Minas e se ligou à gera-ção de escritores e intelectuais mineiros,entre os quais Fernando Sabino, AutranDourado, Paulo Mendes Campos, OtoLara Resende, Hélio Pelegrino e um con-terrâneo de Angical, Francelino Pereira.Bacharelou-se em 1943, abriu escritóriode advocacia, mas não continuou, dedi-cando-se ao jornalismo.

Convidado por Carlos Lacerda, em1945 transferiu-se para o Rio de Janei-ro para trabalhar no Diário Carioca. La-cerda deixou a direção do jornal dias de-pois, inviabilizando o emprego. A con-vite de Neiva Moreira Castelo foi con-tratado como subsecretário de O Jor-nal, órgão dos Diários Associados. Con-vocado por Assis Chateaubriand, trans-feriu-se para Belém para chefiar a equi-pe de jornalistas de A Província do Pará.

De retorno ao Rio de Janeiro, deixouo cargo de secretário de O Jornal paracuidar apenas de textos e análises domomento político. Nascia aí o mais no-tável intérprete da vida política brasilei-ra dos últimos 40 anos. Em 1960, foi no-meado, por influência de AutranDourado, então secretário de Imprensade Juscelino Kubitscheck, procuradordo DNER. No mês seguinte acompa-nhou Jânio Quadros, candidato a presi-dente da República, numa viagem aCuba. Com a eleição de Jânio, tornou-se Secretário de Imprensa do Governo.Em novembro de 1961 recebeu convitede Manoel Francisco do NascimentoBrito para assinar coluna no jornal Tri-

HOMENAGEM

Piauí cria a Medalha Carlos Castelo BrancoA comenda reverencia o mais respeitado

cronista político do País, falecido em 1993.

buna da Imprensa. A primeira colunapolítica começou a ser publicada em 2de janeiro de 1962, mas a Tribuna foivendida para Hélio Fernandes e a colu-na desapareceu.

Chamado por Nascimento Brito parachefiar a sucursal do JB em Brasília, acoluna retornou então diariamente epermaneceu como referência do jorna-lismo político brasileiro por mais de 30anos. Em novembro de 1982 CasteloBranco foi eleito para a Academia Bra-sileira de Letras, ocupando a vaga deoutro notável jornalista, R. MagalhãesJúnior. Foi também eleito para a Acade-mia Piauiense de Letras, onde ocupou acadeira que pertenceu ao pai. Era casa-do com Élvia Lordello Castello Branco,antiga colega de redação de O Jornal eque veio a ser ministra do Tribunal deContas da União. Do consórcio nasce-ram três filhos. Aos 72 anos de idade,Carlos Castelo Branco morreu no dia 1°de junho de 1993, comovendo a impren-sa de todo o País.

Quando o Presidente Ernesto Geiseldecidiu envolver a sociedade brasileirano seu projeto de abertura política, o re-gime demonstrava cansaço e o própriogeneral não dispunha de credibilidade,pois havia fechado o Congresso quan-do este se recusou a aprovar a Lei Orgâ-nica da Magistratura.

Conversando com o Petrônio Porte-lla sobre a possibilidade de abrir as cor-tinas do País para que entrasse o sol daredemocratização, ouviu do senadorpiauiense a seguinte opinião: “Se o se-nhor quer mesmo fazer a abertura polí-tica e espera que os políticos e a socieda-de brasileira acreditem no seu propósi-to, só um homem poderá abrir esse ca-nal entre o Governo e a opinião públi-ca. Esse homem é Carlos Castelo Bran-co”. Autorizado por Geisel, Petrônio foiconversar com Castelo e este repassouseu otimismo em relação à vontade doPresidente, e a abertura saiu: “lenta, se-gura e gradual.” A Coluna do Casteloantecipava fatos e fornecia pistas.

Na época o Piauí possuía um elencode bons piauienses em posições estraté-gicas no País. Francelino Pereira em Mi-nas, Flávio Marcílio, no Ceará; MoreiraFranco, no Rio de Janeiro; Petrônio Por-tella e Carlos Castelo Branco em Brasí-lia; Valdir Arcoverde, no Rio Grande do

Castelinho, o faro pelo essencialPOR HERCULANO MORAES

Herculano Moraes é jornalista e escritor. Membrotitular da Academia Piauiense de Letras, é Presidenteda Academia de Ciências do Piauí.

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Sul; Stanley Fortes Batista, João Paulodos Reis Velloso, entre outros, davamnotoriedade ao Estado, tornando-o res-peitado perante a nação.

No jornalismo político, além de Cas-telo, pontificavam três grandes expoen-tes: Lucídio Castello Branco (irmão deCarlos, em Porto Alegre); Abdias Silvae José Carlos Bardawil, em Brasília. Nacultura, na música popular, no artesa-nato, na literatura, na diplomação, nofutebol o Piauí era referência.

Castelo apaixonou-se pelo comentá-rio político porque este lhe dava chan-ce de escrever a História contemporâ-nea com as cores de sua arguta observa-ção. Quando o jornalista “alcança ou ul-trapassa a dimensão dos seus persona-gens é que ele, também protagonista,por mais discreto que seja, percebe queo seu testemunho é essencial ao conhe-cimento isento dos fatos”, como de-monstra Francelino Pereira no belo tra-balho que escreveu sobre Castelo.

Dois fatores devem orientar o jornalis-ta político: a intimidade com os fatos, sa-ber quem é realmente importante no ta-buleiro político; e eleger, pela ótica da se-leção de prioridades, fatos e acontecimen-tos que se tornarão elementos fundamen-tais da História que está sendo escrita.

Castelo tinha “o faro” pelo essencial.E esta qualidade cresceu durante o regi-me militar, exigindo dele o necessário

equilíbrio para expor fatos que deveri-am ser emitidos, numa linguagem que,sem prejuízo da liberdade de expressão,pudesse chegar ao leitor sem qualquersintoma de capitulação.

Mais respeitado do que ministro deEstado, Castelo tornou-se uma espéciede oráculo de todos os que gravitavamem torno do regime e dos Poderes daRepública oprimida, não que fosse ou-vido para opinar sobre os rumos doGoverno e as crises que se sucederamno plano ideológico, mas porque suacoluna se tornou leitura obrigatóriapara quem desejasse medir a tempera-tura dos quartéis e o humor dos gene-rais que governavam o País.

Construtor de uma nova era na his-tória da Assembléia Legislativa do Piauí,a que vem dando uma fisionomia cultu-ral sem precedentes na memória parla-mentar, o Presidente Themístocles deSampaio Pereira Filho, se soube construiro teatro, instalar a TV, abrir biblioteca eautorizar a publicação de um livro, coma criação da medalha em homenagem aCarlos Castelo Branco pode perfeita-mente encerrar o ciclo, reconfortado porhaver tatuado na memória do tempouma obra monumental e imperecível,como nunca se fez naquele Poder.

Castelo encontrouno jornalismo

político umaforma de escrever

a Históriacontemporânea.

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26 Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

DEPOIMENTO LÉO BATISTA

O PIONEIRO LÉO BATISTA,HÁ 60 ANOS NO AR

Na TV Globo ele sónão é mais antigo do

que o Cid Moreira.Entre as suas primazias

estão a narração do jogode estréia de Garrincha,em 1953, e a notícia, na

Rádio Globo, da morte doPresidente Getúlio Vargas,em 1954, furo atribuído a

Heron Domingues,no Repórter Esso.

“Eles só deram a notícia15 minutos depois daGlobo, mas o Brasil só

tomou conhecimento damorte do Getúlio atravésda Nacional”, conta essepaulista de Cordeirópolis,

há 60 anos no ar.

ENTREVISTA AJOSÉ REINALDO MARQUES

os 75 anos de idade e 60 deprofissão recém-festejados,Léo Batista é um dos mais

antigos locutores esportivos ematividade. Começou a trabalhar naadolescência, no serviço de alto-fa-lantes de Cordeirópolis, interior deSão Paulo, onde nasceu em 22 dejulho de 1932, e estreou como re-dator na Rádio Globo, no Rio, paraonde se mudou no início da déca-da de 50. Mais tarde transferiu-separa a extinta TV Rio, onde duran-te 13 anos comandou o TelejornalPirelli, à época um dos mais pres-tigiados do País.

Em 1970, ingressou na TV Globo,onde está há 37 anos e só não é maisantigo que o colega Cid Moreira. Naemissora, inaugurou o Hoje, parti-cipou do Jornal Nacional, narrouos gols da rodada no Fantástico, etem microfone cativo no Globo Es-porte e no Esporte espetacular.

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27Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

Jornal da ABI — Você começou atrabalhar muito cedo.

Léo BatistaLéo BatistaLéo BatistaLéo BatistaLéo Batista — Sim, para ajudar a fa-mília, mas primeiramente de garçom,numa pequena pensão que meu pai ha-via montado.

Jornal da ABI — Quando surgiuo interesse pelo rádio?

LéoLéoLéoLéoLéo — Sempre gostei do veículo. Em1947, estreei ao microfone a convite deum primo, Antônio Beraldo, que inaugu-rou em Cordeirópolis um serviço de alto-falante, muito comum nas cidades peque-nas. O estúdio ficava numa praça perto doprédio da pensão e eu fui o último a fazero teste. Li um anúncio, anunciei umamúsica e, quando vi, estava dando as no-tícias. Meu primo gostou e disse que euseria o seu locutor. Achei que ele estavamaluco só de pensar em apresentar essaidéia ao meu pai, um italiano queixo-duroque já estava contrariado por eu haverdeixado a escola para ser garçom.

Jornal da ABI — Qual foi a rea-ção dele?

LéoLéoLéoLéoLéo — A que se esperava, principal-mente porque naquela época gente derádio, artista, músico, compositor e can-tor eram todos malvistos, por causa davida boêmia. A sociedade tinha deles opior conceito possível. Mas o Beraldodisse ao meu pai as palavras mágicas:“Seu Antônio, ele vai trabalhar, mas nãoé de graça. Vou dar 200 mil réis só paracomeçar. E se ele conseguir algum anún-cio, ainda ganha uma comissão.” Semdinheiro, meu pai na hora mudou o dis-curso: “Ah, ele vai ganhar um dinheiri-nho? Aí está bem, mas tem que ser de-pois do horário do trabalho na pensão.”

Jornal da ABI — Quanto tempodurou essa experiência?

LéoLéoLéoLéoLéo — Uns seis meses, até que apare-ceu em Cordeirópolis um senhor, Do-mingos Lote Neto. Ele gostou da minhavoz e insistiu em me levar para fazer umteste na recém-inaugurada Rádio Clu-be de Birigui, A Pérola do Noroeste. Fiz efui contratado. Lá, transmiti futebol,parada de 7 de Setembro e programas deauditório como o Clube da Alegria, emque tive o privilégio de apresentar aHebe Camargo na festa do primeiroaniversário da emissora.

Jornal da ABI — De lá você veiodireto pro Rio?

LéoLéoLéoLéoLéo — Andei por mil lugares, até queum tio me mandou procurar um ami-go dele, Aristides Figueiredo, que tinhaacabado de comprar a Rádio Difusora dePiracicaba. Na época, o XV de Novem-bro, time local, tinha subido para a Pri-meira Divisão do Paulistão e ele busca-va um locutor esportivo. Passei a acom-panhar e narrar os jogos do antigo cam-po da Rua Regente — ainda não existiao Estádio Barão da Serra Negra. Depois,comecei a ir para o Pacaembu, a VilaBelmiro... Eu era atrevido. Vim até parao Rio transmitir a Copa de 50.

Jornal da ABI — Como foi traba-

lhar no Maracanã na final da Copa?LéoLéoLéoLéoLéo — Naquele tempo não havia as

facilidades de comunicação de hoje. Asrádios eram obrigadas a pedir as linhastelefônicas com muita antecedência.Na Copa, cerca de 300 emissoras dispu-tavam essas linhas e a prioridade era dasgrandes emissoras do País e do exterior.Ou seja, a minha radiozinha lá do inte-rior ficou pra escanteio, e eu não pudetransmitir a partida.

Jornal da ABI — Deve ter sidocomo ficar no banco de reservas.

Léo Léo Léo Léo Léo — É, mas depois participei de to-das as Copas. Ao vivo ou na retaguarda,atuei também em Olimpíadas, JogosPan-Americanos... Não perdi mais nada.

Jornal da ABI — E como aconte-ceu a mudança para o Rio?

LéoLéoLéoLéoLéo — Vim em 1951 com WalterGoulart, o Santo Cristo, que jogou noXV de Piracicaba e, mais tarde, em qua-se todos os times cariocas. Ele era umgrande artilheiro e garantiu que me ar-ranjava um emprego aqui.

Jornal da ABI — A promessa seconcretizou?

LéoLéoLéoLéoLéo — Quando chegamos, ele me le-vou à antiga Mayrink Veiga. Só que eunão gostei, a coisa não deu certo. Com

pouco dinheiro no bolso, entrei no len-dário Café Nice pensando em ir à RádioClube do Brasil, falar com o Raul Lon-gras, que me havia sido recomendado.Encontrei o Airton Vieira de Morais, oSansão, ex-juiz de futebol, que era ami-go do Santo Cristo e me incentivou a irà Rádio Globo, que estava começando aincrementar o noticiário esportivo, comLuís Mendes, Benjamim Wright, Doal-cei Camargo e Geraldo Borges. Fui àemissora e me lembrei que lá trabalha-va o Raul Brunini, que eu conhecia denome. Quando me dirigia à recepção,ele apareceu. Eu me apresentei, disseque era locutor e pedi uma chance. Eleperguntou como eu me chamava e res-pondi “Belinaso Neto” — meu sobreno-me verdadeiro, que eu usava na época.Ele então comentou: “Vem cá, domin-go passado eu estava em Rio Claro. Foivocê que transmitiu XV de Piracicaba ePalmeiras, pelo Campeonato Paulista?Cara, você torce demais pro XV, mas émuito bom.”

Jornal da ABI — Seu ingresso naGlobo foi imediato?

LéoLéoLéoLéoLéo — Não. O Brunini me levou àeditoria de Esportes, onde o Luiz Men-des estava fazendo um concurso que jáhavia selecionado dois locutores, Otá-vio Nami e o Braga Júnior. Sobrara ape-

nas uma vaga de redator no noticiárioO Globo no ar. Mendes então me apre-sentou ao Oto Schneider, Diretor deBroadcasting, que me mandou escreveruma edição do jornal e chamou o reda-tor encarregado do programa, RubensSantos. Ele viu o meu trabalho e apro-vou minha contratação.

Jornal da ABI — Com um bomsalário?

LéoLéoLéoLéoLéo — O Oto Schneider disse que sópodia me pagar 1.500 cruzeiros, o que sódava para uma refeição por dia, almoçoou jantar. Condução, nem pensar. ORubens Santos ouviu, se levantou e dis-se a ele: “Você não tem vergonha de ofe-recer uma miséria ao rapaz? Ele tem ta-lento, é bom. Me disseram que tambémé locutor, de repente pode até apresentaro noticiário. Dá um aumento pra ele.”

Jornal da ABI — Isso é inédito: sercontratado e receber aumento ime-diato de salário.

Léo Léo Léo Léo Léo — Eu nem tinha sido contrata-do! O Schneider olhou de um lado aoutro, pensou, e me ofereceu 2 mil cru-zeiros. Acho que é um caso único nahistória: ser aumentado antes de come-çar a trabalhar.

Jornal da ABI — Como você ingres-

Admirado e querido pelos companheiros de trabalho, Léo ganhou bolo e uma placa ao completar 60 anos de atividade jornalística.

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sou na equipe de Esportes da rádio?LéoLéoLéoLéoLéo — Consegui convencer o José

Brasil Campio, que era o braço-direitodo Luís Mendes, a ouvir uma gravaçãoque eu tinha feito em acetato — naque-le tempo não havia fitas como as de hoje— de uma narração minha de um jogode futebol. Enquanto ele ouvia, o Doal-cei se aproximou e elogiou a narração.O José Campio, então, me escalou paraum jogo de domingo, no Maracanã.

Jornal da ABI — Algum fato mar-cou esta sua estréia?

LéoLéoLéoLéoLéo — Transmiti o jogo preliminare, ao final, anunciei: “Daqui a pouco,sensacional Fla x Flu, sob o comando deLuís Mendes.” Entreguei o microfone aele, que entrou no ar dizendo: “Vocêsouviram a narração brilhante do maisjovem locutor contratado da Rádio Glo-bo, Bee, Beni, Beli...” Foram algumastentativas sem conseguir pronunciarmeu nome. O Mendes engasgou váriasvezes, olhava para mim com cara feia, eeu soprando no ouvido dele: “BelinasoNeto, Belinaso Neto...” (risos)

Jornal da ABI — O que aconte-ceu depois?

LéoLéoLéoLéoLéo — À noite, na rádio, um poucoantes de ir para o estúdio e começar a re-senha esportiva, o Mendes virou-se parae mim e disse: “Paulistinha, com essenome aí você está fora. Tem que trocar.”Reclamei, mas não teve jeito. Lembrei daminha irmã, que tem horror ao nomedela, Leonilda, e que a gente só chama deNilda. Peguei o “Léo” dela, deixei de ladoo João Belinaso Neto, e virei Léo Batista.

Jornal da ABI — Você teve o pri-vilégio de transmitir o primeiro jogodo Garrincha. Lembra da partida?

LéoLéoLéoLéoLéo — Foi em 1953, no antigo cam-po do Botafogo, entre o time da casa e oBonsucesso. Quase na hora da transmis-são, havia uma dúvida em relação aonome do jogador: Gualicho — que eracomo se chamava um cavalo que tinhacorrido o Grande Prêmio Brasil ou Gar-rincha? Para tirar a dúvida, atravessei ocampo, fui ao vestiário, onde ele estavase vestindo, e perguntei: “Rapaz, comoé o seu nome, é Gualicho ou Garrin-cha?” E ele respondeu: “Pergunta proSeu Santos.” O Nilton Santos, que vi-nha se aproximando, confirmou: “ÉGarrincha.” Naquele dia, apenas umlocutor da Rádio Nacional, que era bommas muito teimoso, fez a transmissãousando Gualicho. Eu dizia para ele onome certo, mas não adiantou.

Jornal da ABI — Você foi tambémo primeiro locutor a anunciar amorte do Getúlio?

LéoLéoLéoLéoLéo — Fui e provo isso com reporta-gens da época. Na manhã em que o Ge-túlio se matou, o Lacerda, como era decostume, usava o microfone da RádioGlobo para desancar o Presidente. Derepente, nosso plantonista no Palácioligou para a Redação e começou a gri-tar: “Manda o Lacerda parar, o GetúlioVargas deu um tiro no peito, se suici-

dou!” Foi aquele rebuliço. Cortaram oLacerda e eu entrei com uma ediçãoextraordinária de O Globo no ar, anun-ciando a morte do Presidente.

Jornal da ABI — Por que dizemque o Repórter Esso, com Heron Do-mingues, deu a notícia primeiro?

LéoLéoLéoLéoLéo — O Repórter Esso, da Nacional,era o grande noticiário do rádio na épo-ca, mas eles só deram a notícia 15 mi-nutos depois da Globo. O furo foi nos-so, mas o Brasil realmente só tomouconhecimento da morte do Getúlio atra-vés da Nacional, que naquele tempo jáera uma potência, enquanto a nossafreqüência ainda era pequena, só ia atéNova Iguaçu (risos). A Globo era umarádio atrevida, mas não era a emissorapoderosa de hoje.

Jornal da ABI — Em 1955, vocêtrocou o rádio pela televisão.

LéoLéoLéoLéoLéo — A TV Rio ia ser inaugurada. OLuís Mendes foi convidado para formaruma equipe esportiva e me chamou parair com ele. Quando anunciei na RádioGlobo que ia sair, o Luiz Brunini disseque me liberava desde que eu arranjassepara a minha vaga um locutor que fossebom e inteligente e não tivesse vícios.Treinei bastante um colega de colégio;quando senti que ele estava pronto, dei-xei-o fazer uma edição de O Globo no ar.Esse locutor era o Áureo Ameno, quedepois ficou uns 40 anos na emissora.

Jornal da ABI — Que recordaçõesvocê guarda da TV Rio, onde co-mandou o Telejornal Pirelli?

LéoLéoLéoLéoLéo — Entrei para o canal para cobriresportes e fui apresentador do programa

de boxe, do qual o Mendes era locutor.Mas a minha paixão era fazer um noti-ciário. O primeiro horário que me deramforam cinco minutos. Nem máquina deescrever eu tinha. Consegui uma Olivet-ti com um japonês que tinha um negó-cio perto da minha casa, no Catete, e atéhoje guardo essa máquina como um tro-féu. Para usar um telefone e apurar asmatérias, pedi ao Mendes para puxar uma

extensão do ramal dele. Assim, sozinho,comecei a fazer o Informativo 13, que erapatrocinado pela Panair do Brasil.

Jornal da ABI — Quanto tempodurou o programa?

LéoLéoLéoLéoLéo — A Panair acabou, mas acharamque eu devia continuar, porque estáva-mos ganhando audiência. Então apare-ceu o Vinho Castelo e o jornal passoupara sete minutos. Depois, esse patroci-nador saiu, entrou o Rum Montilla e oprograma passou para dez minutos. NoGlobo, a Coluna do Swan deu uma notaelogiando, mas chamou o Informativo de“o noticiário etílico da TV Rio”. A coisacresceu e eu lancei o Telejornal Pirelli,que fez frente ao Repórter Esso. No fi-nal, ainda levamos o Heron Dominguespara fazer dupla comigo.

Jornal da ABI — Depois você in-gressou na TV Globo.

LéoLéoLéoLéoLéo — Antes, após sair da TV Rio,passei pela Excelsior. Mas já estava deolho na Globo e resolvi procurar o Wal-ter Clark, com quem eu tinha trabalha-do na TV Rio e então era Diretor-Geralda nova emissora. Quando cheguei lá,ainda não havia uma equipe esportivaformada. O primeiro programa que oWalter me chamou pra fazer, Escaladacultural, nunca foi ao ar. A Copa de 70tinha começado e, no segundo dia dosjogos, ele entrou correndo na sala e mepediu para quebrar o galho numa trans-missão, pois havia um problema técnicoe a locução teria que ser feita do estúdio.Na partida, saiu o primeiro gol daquelaCopa e a narração foi minha. No mesmodia aconteceram o seqüestro do Presiden-te da Argentina e um terremoto e o Jor-

DEPOIMENTO LÉO BATISTA

Ao microfone, diante das câmeras ouem uma Olivetti de carro comprido, Léo

deu notícias importantes, como o furoda notícia do suicídio do Presidente

Vargas, atribuído a Heron Domingues.

Léo transmitiu a estréia de Garrincha noBotafogo e pediu a Nilton Santos que

esclarecesse: o nome dele era esse ouGualicho, como anunciado?

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a aparecer para falar de esportes, mascuriosamente, nos últimos tempos,apresentava também o noticiário inter-nacional, enquanto o Cid Moreira e oSérgio Chapelin liam o futebol. Achoque a emissora lembrou que eu era lo-cutor de notícias gerais desde a TV Rio,jogando nas onze.

Jornal da ABI — Muita gente jádeve ter lhe perguntado quando oseu repertório de histórias seráreunido em um livro.

LéoLéoLéoLéoLéo — É difícil o dia em que pelomenos uma dez pessoas não falam so-bre isso. Eu sempre respondo do mesmojeito: “Dá dinheiro? Se não dá, eu nãoescrevo.” (risos) Quem sabe, uma horadessas eu escrevo algumas dessas histó-rias. Mas são muitas.

Jornal da ABI — Conte uma. LéoLéoLéoLéoLéo — Aconteceu no lançamento do

Jornal Hoje, em 21 de abril de 1973.Contrataram o Luiz Jatobá para ser o

apresentador. Ele entrou no estúdio, e,com aquele vozeirão, anunciou: “Mui-to boa tarde. A TV Globo inicia hoje umnovo capítulo na sua história e lança umtelejornal vespertino. Hoje, 21 de abril,dia de lembrar Joaquim José da SilvaTiradentes.” Na hora ele mesmo se as-sustou e emendou: “Joaquim José daSilva Tiradentes, o Xavier.” (risos) Aí oBorjalo entrou correndo no estúdio,gritando: “Segue você, Léo, seguevocê!” Romperam o contrato do Jatobáe eu fiquei um tempo como apresenta-dor do programa.

Jornal da ABI — O que provocousua saída do Fantástico?

LéoLéoLéoLéoLéo — Fiz o programa muitos anose me tiraram para dar lugar ao TadeuSchmidt, que é irmão do ex-jogador debasquete Oscar Schmidt. As mudançasacontecem e a TV Globo quis inovar emudar de estilo, com um apresentadormais jovem. Sinto falta das narraçõesnas noites de domingo, porque eu gos-

nal Nacional ia dar uma edição extraor-dinária. O Walter me mandou novamen-te para o estúdio e eu li o noticiário.Quando saí, ele estava conversando como Boni, que resolveu me contratar.

Jornal da ABI — De lá para cá, são37 anos de TV Globo, com destaquena programação esportiva.

LéoLéoLéoLéoLéo — Pois é. Depois da transmissãodo torneio Copa Brasil, atual Copa doBrasil, resolvemos manter o horário eampliar o leque. Decidimos que, em vezde fazer somente futebol, passaríamosa falar de todas as modalidades esporti-vas. Aí o Boni sugeriu o Globo Esporte,que até hoje é o nome do programa.Depois veio o Esporte Espetacular, quefoi sofrendo modificações e continuabrilhando até hoje.

Jornal da ABI — Você tem parti-cipação em quase todos os telejor-nais da emissora.

LéoLéoLéoLéoLéo — No Jornal Nacional, comecei

tava muito do que fazia. Mas não vouchorar por isso. A Direção do Fantásti-co inaugurou uma fórmula nova. Sevai dar certo ou não, foge da minhacompetência.

Jornal da ABI — Você pensa empendurar as chuteiras?

LéoLéoLéoLéoLéo — Olha, se arranjarem uma me-tralhadora, com bala de verdade mes-mo, que não falhe, para me dar umarajada, de repente eu paro de trabalhar.Mas, se não for assim, não paro, não.Estou com 75 anos de idade, completei60 de profissão — e não encontro nemo termo apropriado para descrever oque sinto por ela. Outro dia fiquei ima-ginando a hora em que eu não pudermais entrar na emissora e falar com osamigos. Evito pensar nisso. Desejo con-tinuar fazendo o meu trabalho. A nãoser que achem que fiquei velho demais,que já estou gagá. (risos) EnquantoDeus me der voz e saúde e a TV Globoquiser, eu continuo.

DOCUMENTAÇÃO

GARABOSKY, O COLECIONADOR“A História do Brasil está em livros e revistas”, diz Moysés Garabosky,

sócio da ABI desde 1954, que está fazendo preciosas doações à nossa Biblioteca Bastos Tigre.

Garabosky vem doandopreciosos periódicos àBiblioteca da ABI, comoa raridade RepórterFilatélico, de 1958.

“Não é propriamente uma coleçãode jornais, é um aglomerado de ediçõescomemorativas e fatos relevantes dejornais que marcaram história em nos-so País.” Assim Moysés Garabosky de-fine sua coleção de jornais e revistas,que registra parte da trajetória de al-guns dos mais importantes veículos daimprensa nacional. Também filatelis-ta, Garabosky diz que o que o levou ase tornar um colecionador foi o fato dea História do Brasil estar documenta-da nas notícias publicadas em jornais erevistas:

— Comecei a guardá-los quandoainda era ginasiano no Colégio Estadu-al de Sergipe, em 1947. Como estuda-va História do Brasil e Geral, comeceia juntar os principais acontecimentospublicados. Logo surgiu também o in-teresse pelos selos.

O primeiro exemplar de jornal con-siderado histórico que chegou às mãosde Garabosky foi a edição comemora-tiva do centenário de Castro Alves deA Tarde, de Salvador, que circulou em14 de março de 1947: — O poeta bai-ano sempre foi o meu predileto e oscem anos de seu nascimento foramcomemorados com grande pompa emseu Estado.

Algumas das peças da coleção de Ga-rabosky agora fazem parte do acervo daBiblioteca Bastos Tigre, para a qual fo-ram doados o exemplar nº 1 do extinto

ção da Fundação Getúlio Vargas,Moysés Garabosky nasceu emAracaju, em 18 de fevereiro de1929, e ingressou no jornalismoem 1953, no antigo Diário de No-tícias, do Rio. Antes, porém, já es-crevia na imprensa sobre filatelia.

— Entre 46 e 47, o Diário deSergipe e o Sergipe Jornal me deramessa oportunidade. Quando fuipara o Rio, também estreei com acoluna Nos domínios da filatelia.Ao me mudar para São Paulo, se-gui escrevendo sobre o assunto naFolha de S. Paulo e, depois, na Fo-lha da Tarde e A Gazeta.

Fundador e Vice-Presidente daAssociação Brasileira de Jornalis-tas Filatelistas, membro da Asso-

ciação Sergipana de Imprensa e sócio daABI desde 1954, Garabosky continua vi-vendo em São Paulo e tem hoje uma va-liosa coleção de cerca de 100 mil selos.

— Comecei a colecionar por causade uma professora do ginásio. Um anodepois, em 48, já estava participandoda primeira exposição filatélica deAracaju.

Garabosky diz que o espaço em suacasa se tornou pequeno para os jornaise revistas: — Eles foram dando espaçopara as coleções de selos, principalmen-te as temáticas, como “Forças Armadasdo Brasil”, “Maçonaria na História doBrasil” e “Postais do Brasil”.

jornal fluminense Luta Democrática, ajá citada edição de A Tarde e o livro quereúne os atos de cooperação mútua fir-mados entre Brasil e Bolívia, em 29 demarço de 1958 — “a Biblioteca da ABI éo local adequado para guardar a memó-ria do Brasil”, afirma Garabosky.

Recentemente, Garabosky já haviadoado à ABI a edição nº 1.054 do SãoLourenço-Jornal, de 21 de fevereiro de

1954; as quatro primeiras edições da re-vista Repórter Filatélico, cujos dois pri-meiros números circularam em janei-ro e fevereiro de 1958; e um exemplardo jornal História do Correio, lançadopela Comissão Estadual de Filatelia daSecretaria de Estado para os Negócios doGoverno, em 26 de setembro de 1967.

Formado em Administração de Em-presas pela antiga Escola de Administra-

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LIVROS

Chamar as duas antologias do Pas-quim publicadas pela Editora Desidera-ta de “edições históricas” seria trair umpouco o espírito irreverente, e em geralautodepreciativo, do famoso “hebdo-madário”. Melhor dizer mesmo comoo jornalista Sérgio Augus-to, que, parafraseandoMarx na apresentação doprimeiro volume, refere-se ao Pasquim como umafarsa que se repete agoracomo história. Farsa, se-gundo o dicionário, podeser uma “comédia de bai-xo nível” ou uma “narra-ção que provoca o riso”. O“jornaleco”, como os edi-tores carinhosamente ochamavam, era de fatoum pouco isso. Só que muito mais.

Segundo Ivan Lessa, um de seus maisgeniais colaboradores, o Pasquim “tirouas aspas” do jornalismo. Para Sérgio Au-gusto, tirou-lhe também “o paletó e agravata”. Depois dele, a imprensa jamaisseria a mesma. Lançado em junho de1969 — seis meses, portanto, depois doAI-5 — o Pasquim revolucionou os mei-os de comunicação brasileiros. Por causada censura imposta pela ditadura militar,devia durar pouco, segundo a previsãopessimista de Millôr Fernandes. Modes-tos, os editores fizeram uma tiragem ini-cial de 15 mil exemplares. Em algunsmeses, estava vendendo 200 mil exem-plares por semana, o que configuraria umfenômeno editorial até nos dias de hoje.

Não existe receita, é claro, para se fa-zer um jornal assim. O Pasquim deu cer-to porque foi publicado no lugar certo, oRio de Janeiro, e no momento certo —que o bom senso, no entanto, dizia ser oerrado. Empresários morriam de medo deanunciar, temendo represálias do Gover-no. Em compensação o semanário con-tava com uma equipe de colaboradoresespecialmente talentosa, que em condi-ções normais seria muito difícil reunirnuma única redação. A diferença entreo Pasquim e outros órgãos da imprensada época é que encarnava um certo sen-timento libertário, de resistência ao “sis-tema”, como se dizia, e por isso todos osinsatisfeitos queriam colaborar.

Foi um mutirão de talentos. É im-

Pasquim, o jornalismo sem aspase sem paletó e gravata

POR BENÍCIO MEDEIROS

Tenório Cavalcânti, com o cantor bregaWaldick Soriano e muitas e muitas outras.

O Pasquim era antes um jornal anár-quico do que uma publicação “de esquer-da”: entre os dois Marx, afinava-se maiscom Groucho. Mesmo assim, o Gover-no preferia vê-lo como um “antro de co-munistas, bêbados, pervertidos e droga-dos”, nas palavras de Sérgio Augusto. Emnovembro de 1970, quase toda a equipepassou um mês incomunicável, na VilaMilitar, sem processo ou qualquer expli-

cação. Já outros episódios,nessa relação com a dita-

dura, pareciam purascriações de Ivan Les-sa. Uma bomba, colo-cada no quintal da

casa onde funcionava oPasquim, não explodiupor incompetência dos

terroristas. A primeira cen-sora, Dona Marina, gostava de uísque eficou amiga da turma. Por isso, relaxouno trabalho e acabou afastada. Manda-

ram, para substituí-la, um generalda reserva que não era outro se-

não o pai de Helô Pinheiro, aGarota de Ipanema. Nãoparece piada do Pasquim?

Às vezes a censura cor-tava tanto que não sobrava

material para encher o jornal.Mas também podia servir de

pretexto para encobrir as falhasdos próprios editores. Uma vez

Tarso de Castro não entregou sua ma-Benício Medeiros é Diretor de Jornalismo da ABI.Divulgado originalmente no Site da ABI sob o títulode A volta do “jornaleco”.

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pressionante a lista de jornalistas, escri-tores e artistas de várias gerações que es-creveram ou desenharam para o Pas-quim — de Vinicius de Moraes a ChicoBuarque, de Nássara a Gláuber Rocha.O humorista Jaguar contribuiu compersonagens inesquecíveis, como o ra-

tinho filósofo Sig; Gastão,o vomitador; e Bóris, o ho-mem-tronco. Henfil in-ventou o Cabôco Mama-dô, que chupava o cérebrodos infiéis, e o fradinho sá-dico com seus procedi-mentos escatológicos.Ivan Lessa criou a Sra. Edel-mar Barbosa e o LeitãoDondinho (3 anos, 48 kg).Paulo Francis, para debo-char dos clichês acadêmi-

cos, consagrou expressõescomo “inserido no contexto” e “racio-cinando em bloco”. Eufemismos feitospara driblar a censura — “duca”, “sifu”,“paca”, “putzgrila” — entraram de vezno repertório das nossas gírias.

Um dos segredos do Pasquim foi semdúvida a falta total de preconceitos, naverdade nem tão total assim, pois gosta-va de espezinhar os “reacionários” Gusta-vo Corção, David Nasser, Roberto Cam-pos e Nélson Rodrigues. Num tempo emque as “patrulhas ideológicas” denuncia-das por Cacá Diegues agiam a toda força,por sugestão de Tarso de Castro o entre-vistado do primeiro número foi o colunis-ta social Ibrahim Sued, que gostava de ba-jular os militares. Seguiram-se muitas ou-tras entrevistas antológicas, feitas numestilo coloquial muito peculiar de “jorna-lismo-verdade”: com a atriz Leila Diniz eseus famosos palavrões,com o lendário malan-dro da Lapa MadameSatã — uma redescober-ta do Pasquim, poisnem se sabia que eleainda existia —, como folclórico político

téria a tempo. Jaguar teve a idéia de ocu-par todo o espaço que estava reservadopara o artigo, duas páginas, só com aspalavras “blá-blá-blá-blá”. Saiu assim,devidamente assinada por Tarso, e os lei-tores acharam “genial”.

O Pasquim foi, enfim, uma experiên-cia rara, ou melhor, raríssima, na histó-ria da imprensa brasileira. O último nú-mero é de novembro de 1991, mas, pa-radoxalmente, sua fase áurea coincidecom a vigência da censura prévia, queacabou em 1975. Quem sabe a luta diu-turna contra os censores fizesse parte daquímica do sucesso? O fato é que algodo seu estilo impregnou, de uma formaou outra, todo o jornalismo, com umalinguagem menos formal, menos pom-posa, e decerto mais acessível ao leitor.

A Editora Desiderata anuncia, parabreve, mais duas antologias do Pasquim.É uma ótima notícia. Passado tanto tem-po, continua sendo um prazer ler ou re-ler o bravo “jornaleco”.

Já em seu número 1O Pasquim causousurpresa, pelacoragem de dar comomatéria principallonga entrevista como cronista socialIbrahim Sued, amigoe admirador dosmilitares. Jaguar,chargista, criou parao jornal o irreverenteratinho Sig.

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LIVROS

As grandes reformas gráficas, edito-riais e empresariais que mudaram o per-fil do jornalismo do Rio de Janeiro nadécada de 1950 — com reflexos na im-prensa em todo o Brasil — são o temacentral do recém-lançado Imprensa ehistória no Rio de Janeiro dos anos 50 (Edi-tora e-Papers), de Ana Paula GoulartRibeiro, professora da Escola de Comu-nicação da Universidade Federal do Riode Janeiro–Eco-UFRJ.

Com base nas inovações do DiárioCarioca, Tribuna da Imprensa, Jornal doBrasil e Última Hora, a autora apresen-ta no livro, didaticamente, uma análisebem construída de modelo editorial,conjuntura política e empresarial, infra-estrutura gráfica, produção de textos emercado profissional dos veículos cari-ocas que viraram um marco na Histó-ria da mídia impressa do País.

Até à década de 50, o padrão da im-prensa no Brasil seguia o estilo europeu,principalmente no texto, diz Ana Gou-lart: — Em termos gerais, a maioria dosnossos periódicos seguia o modelo fran-cês de jornalismo, cuja técnica de escri-ta era mais próxima da literária. Os gê-neros mais valorizados eram os mais li-vres e opinativos, como a crônica, o ar-tigo polêmico e o artigo de fundo.

Naquela época, a oferta de jornais eramuito grande. Como lembrou LuizGarcia em entrevista ao ABI OnlineABI OnlineABI OnlineABI OnlineABI Online,somente no Rio de Janeiro circulavamcerca de 20 periódicos — muitos com acredibilidade e a qualidade comprome-tidas por seus interesses políticos eeconômicos. “Os jornais eram muitomais veículos de projetos políticos doque de outra coisa e funcionavam compoucas pessoas”, diz Garcia, apontandooutro problema: a falta de organizaçãoempresarial nos meios de comunicação.Apesar da improvisação, “naquele perí-odo já começava a se desenvolver a téc-nica de lead, que foi trazida ao Brasil pordois jornalistas brasileiros: o Lacerda naTribuna da Imprensa, e o Pompeu deSouza, no Diário Carioca”.

As mudançasAna Goulart diz que só não concor-

da plenamente com Garcia no tocanteà credibilidade da maioria dos veículosque circulavam no período:

— Poucos foram aqueles de que agente pode se orgulhar de terem dadouma grande contribuição à imprensa.Antes dos anos 1950, a credibilidade daimprensa não estava associada direta-mente à idéia de imparcialidade, nin-guém esperava, realmente, que jornaisfossem neutros e objetivos. Sua funçãoera comentar os acontecimentos e, nes-se sentido, era considerado normal queexpressassem pontos de vista e interes-ses particulares. As reformas naqueladécada é que consolidaram a idéia de ob-jetividade jornalística.

O conjunto de mudanças implemen-tado pelos jornais nos anos 50 foi am-plo e contemplou todos os aspectos daprodução jornalística: — Começou a seestabelecer um padrão empresarial degestão, caracterizado por formas de ge-rência mais impessoais. Do ponto devista da produção do texto, o jornalis-

mo passou a adotar técnicas norte-ame-ricanas, como o lead e a pirâmide inver-tida. Surgiram os copidesques e os pri-meiros manuais de redação. O aspectográfico dos diários se transformou, como desenvolvimento de modelos de dia-gramação mais funcionais.

O contexto visual também foi alte-rado, com uniformidade na tipologiadas letras e lógica na hierarquia dos ele-mentos nas páginas — antes, a pagina-ção das matérias era feita na base da im-provisação. Estabeleceu-se ainda umnovo conceito de fotojornalismo:

— A fotografia deixou de ser mera-mente ilustrativa e passou a ser tambéminformativa. Outra novidade foi o pro-cesso de profissionalização: o aumentodos salários permitiu que o jornalismodeixasse de ser um bico, uma ocupaçãoprovisória. Aos poucos foi desaparecen-do a figura do aventureiro, que fazia dojornalismo apenas um lugar de reconhe-cimento ou que buscava no jornal a pos-sibilidade de ascensão social através denegociatas, suborno e chantagem. Aolongo desse período, os jornalistas fo-ram adquirindo um sentido de catego-ria profissional diferenciada da dos lite-ratos e da dos políticos.

Não houve, porém, um rompimen-to radical com o antigo modelo de jor-nalismo, diz Ana:

— A nova orientação do jornalismobrasileiro não impediu que os jornaiscontinuassem a exercer uma funçãonitidamente política, marcada aqui porrenitente tensão entre modernidade earcaísmo. Como todo período de tran-sição, os anos 50 foram marcados porambigüidades. Também nas empresasjornalísticas conviviam, ao lado de ummodelo de gestão e administração maisracional, outro mais personalista. Alémdisso, devido às características do mer-cado interno, o apoio a determinadosgrupos ou ao Estado ainda era essencialpara garantir a sobrevivência de algu-mas empresas, através de créditos, em-préstimos, incentivos fiscais ou mesmopublicidade.

Os renovadoresConsidera Ana Goulart que a van-

guarda nos projetos jornalísticos foi aÚltima Hora de Samuel Wainer:

— A apresentação gráfica de UH, de-senvolvida pelo argentino Andrés Gue-vara, estabeleceu um novo padrão visu-al para a imprensa brasileira, sobretudopara aquela mais popular. UH tambémteve um papel importante na valoriza-ção da fotografia. Não só o jornal lhedeu um destaque especial, utilizandomuitas fotos e em grandes proporções,como também modificou suas caracte-rísticas. Até então, as fotos usadas pelaimprensa diária eram geralmente está-ticas, lembrando álbuns.

O jornal também se destacou no usoda cor e privilegiou o desenho de humorde artistas como Lan, Augusto Rodri-gues e Nássara: — Edito-rialmente, o jornal tam-bém foi extremamenteinovador ao ressuscitar afórmula do folhetim edar novo impulso ao co-lunismo, através de no-mes como Nelson Rodri-gues, Sérgio Porto e An-tônio Maria. Pagando al-tos salários, cerca de dezvezes mais que a médiada época, Wainer conse-guiu atrair para a sua re-dação o que havia de me-lhor no jornalismo naci-onal. Outras reformaseditoriais e gráficas impactantes foramas do Diário Carioca e do Jornal do Bra-sil — o primeiro pela inovação do textojornalístico, criação da função de copi-desque e de um manual de redação, pro-duzido por Pompeu de Souza.

— O DC foi pioneiro na adoção dastécnicas norte-americanas e era consi-derado uma verdadeira de escola de jor-nalismo. Por lá passaram quase todos os

bons profissionais da época, alguns jo-vens que se tornariam célebres jornalis-tas, como Armando Nogueira, Jânio deFreitas, Zuenir Ventura, Hélio Fernan-des, Evandro Carlos de Andrade, JoséRamos Tinhorão, Maurício Azêdo, Nil-son Lage, Paulo Francis, Sérgio Cabral eSérgio Porto.

Já o JB se destacou com o projeto grá-fico de Amílcar de Castro, que seguiaprincípios estéticos opostos aos de UH:— O Guevara apostou na utilizaçãomaciça de ornamentos. A paginação eramovimentada por setas, fios, grisés emuitos outros recursos gráficos. Amíl-car eliminou todos os elementos orna-mentais da página, investindo na leve-za visual, através do uso do branco e dojogo de espaços e volumes.

Um novo papelAna Goulart defende no livro a idéia

de que, com as mudanças, a imprensa setransformou num dos principais camposdiscursivos da atualidade: — A moderni-zação da década de 50 representou para aimprensa a construção de um lugar ins-titucional que lhe permitiu, a partir deentão, se constituir como o registro fac-tual por excelência. Os enunciados jor-nalísticos são aceitos pelo consenso da so-ciedade como relevantes e verdadeiros. Oque passa ao largo da mídia é considera-do, pelo conjunto da sociedade, comosem importância. O discurso jornalísti-co passou a se revestir de uma aura defidelidade aos fatos, que lhe conferiuconsiderável poder social.

Nesse contexto a autora chama aatenção para o fato de que, mesmo quea objetividade da imprensa venha a serquestionada “como um efeito ilusó-rio”, há fatos concretos como nomes,datas etc. que não são deformados ouinventados: — Os leitores, num certosentido, ainda que critiquem a impren-sa, confiam nas suas narrativas, atéporque raramente podem verificar inloco a veracidade dos acontecimentosrelatados. A objetividade passa a ser ele-mento de credibilidade.

Da década de 50 paracá, a imprensa já sofreudiversas reformas, tantodo ponto de vista edito-rial quanto do aperfeiço-amento profissional etécnico-industrial.

Na opinião de AnaGoulart, o paradigmaimplantado naquele perí-odo tem dado evidentesmostras de esgotamento:— O fazer profissionalguia-se atualmente porregras diferenciadas da-quelas. Muitos dos méto-dos e formas de se fazer

notícia foram abandonados. Mas acre-dito que a idéia de objetividade ainda éuma das grandes responsáveis pela aco-lhida que o jornalismo tem e acreditoque a imprensa ainda resguarda a legi-timidade da representação objetiva, pormais que essa idéia já tenha sido exaus-tivamente criticada pelos estudiosos dacomunicação e pelos próprios jornalis-tas. (José Reinaldo Marques)

AS MUTAÇÕES DAIMPRENSA, ANOS 50Professora da UFRJ, Ana Paula Goulart Ribeiro mostra como oDiário Carioca,a Tribuna da Imprensa,a Última Hora e o Jornaldo Brasil mudaram a forma de se fazer jornal no Rio e no País.

Ana Paula Goulart: uma radiografia daimprensa do Rio nos anos 50, desde o modeloeditorial à conjuntura política e empresarial.

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32 Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

Revolução de 1930. As forçaspolíticas reunidas em tornoda chamada Aliança Liberalse sublevaram, sob a lide-rança de um baixinho gaú-cho invocado chamado Ge-túlio Vargas. Uma grande ba-talha estava prometida e deveriaocorrer em Itararé. Mas não houve ba-talha nenhuma, pois o Presidente Wa-shington Luís fora deposto por seuspróprios auxiliares, bem à moda bra-sileira. Foi o bastante para outrobaixinho gaúcho invocado, di-retor de um combativo e de-bochado jornaleco de hu-mor, autoproclamar-seDuque da batalha quenão aconteceu, “pe-los relevantes servi-ços prestados nofront”. Modesto,o aloprado jorna-lista rebaixou de-pois o título paraBarão de Itararé.

O jornal era AManha e seu dire-tor o humorista, fra-sista, poeta, político e saca-na inveterado Aparício Tore-lly, que também assinavaAporelly.

Nosso herói nasceu no dia 29 dejaneiro de 1895 e foi batizado com opomposo nome de Fernando AparícioBrinkerhoff Torelly, em São Leopoldo,Rio Grande do Sul. Era filho de uma ín-dia charrua que sentiu as contrações du-rante uma viagem de carroça pelo inte-rior do Estado.

“De repente, a carroça quebrou e euresolvi botar a cabeça para fora pra ver oque estava acontecendo.” Foi sua pri-meira gracinha. Antes de deixar os pam-pas para tentar a vida no Rio de Janeiro,onde descobriu sua verdadeira vocação,Aparício cursou períodos na Faculdadede Medicina de Porto Alegre. Desta épo-ca já despontam alguns exemplos do seuhumor rápido e mordaz. Durante umaprova oral, o seriíssimo professor de ana-tomia fez a pergunta:

– Quantos rins nós temos?– Quatro – respondeu o aluno.– Quatro? O senhor está maluco?– Dois meus e dois seus. Isto se o se-

nhor for um indivíduo normal.

POR LUÍS PIMENTEL estava sempre a serviço das mudanças,vale dizer, da esperança, o que fazia des-sa palavra um surto permanente de sor-riso, e de riso, pois que (malgrado tudo!)de esperança. Pois até o fim Aporelly nãodescreu que o mal residia necessaria-mente no social de nossa vida de classesantagônicas”, escreveu o acadêmico efilósofo Antonio Houaiss, em 1986, naspáginas de As Duas Vidas de AparícioTorelly – o Barão de Itararé, livro do jor-nalista Cláudio Figueiredo.

A Manha,,,,, autocaracterizada como“hebdomadário’, fazia basicamente umhumor político, concentrando suas ba-terias sobre os figurões da República. “Oentão Presidente Washington Luís foitransformado em redator-chefe de AManha e aparecia em todos os números,assinando longos bestialógicos (era oVaz Antão Luís, nosso companheiroque acumula as funções de Presidenteda República)”, segundo informaçõesdo filósofo Leandro Konder, em peque-na biografia do Barão produzida em1983 para a Editora Brasiliense. E mais:“impressionado com a cuidada elegân-cia das botinas lustrosas do tristonhoministro Félix Pacheco, Aporelly apeli-dou-o de Infélix Pé Chic”.

A Manha resistiu até o começo dadécada de 1930. O Barão assinou cola-borações em alguns jornais e em 1934tentou dirigir um veículo “sério”, o Jor-nal do Povo. . . . . Carregou nas tintas políti-cas e recebeu logo o troco: foi seqües-trado e espancado por oficiais da Mari-nha, influenciados pelos integralistas.No ano seguinte relançou A Manha,,,,,quando colocou na porta o famoso le-treiro “Entre sem bater”. Não adiantou.

Entraram, bateram muito e aindacarregaram o Barão para o presídio daIlha Grande, onde puxou um ano e meiode cadeia. Lá conheceu quase todos osmembros do Partido Comunista e tam-bém o escritor Graciliano Ramos, vin-do a tornar-se depois personagem do an-tológico Memórias do Cárcere.

Durante o interrogatório, travou oseguinte diálogo com o oficial de plan-tão na Vila Militar:

– Nome?– Aparício Torelly.– Sabe ler e escrever?– Sim.– Profissão?– Jornalista– Participa do movimento?– Sim.– Pode dar mais detalhes?

HISTÓRIA

Itararé: o Barão deuma batalha inexistente

A acidentada e irreverente trajetória de Aparício Torelly, precursor dos atuais humoristas da imprensa.

Durante outra argüição, ouviu o mes-tre irritado com suas respostas cretinasberrar para o bedel:

– Traz aí um pouco de alfafa!A reação brilhante do Barão:– E para mim, um cafezinho.Depois de publicar alguns poemas

cínicos e satíricos nos jornais e revistasde Porto Alegre, reunindo-os em segui-da no livro Pontas de Cigarro, Aparícioarrumou as malas e se mandou para oRio de Janeiro, onde desembarcou aos21 anos de idade e com o endereço dojornal O Globo no bolso. Procurou o di-

retor do jornal, Irineu Marinho, e avi-sou que era o profissional de que O Glo-bo estava precisando.

– O que o senhor sabe fazer? – per-guntou Irineu.

– Tudo. Desde varrer a redação atédirigir o jornal.

Diante do espanto causado, provocou:– Mesmo porque, não há muita dife-

rença entre uma atividade e outra.Mostrou algumas crônicas humorís-

ticas e foi contratado imediatamente.A primeira dessas crônicas foi publi-cada já no dia seguinte, assinada, na

primeira página.Estava bom, mas era pou-

co. O Barão queria e mere-cia muito mais. Em1926,lançou seu próprio jornalsemanal, A Manha,,,,, pe-quena sacanagem emcima do matutino A Ma-nhã,,,,, um dos jornais maisinfluentes da época.Bem abaixo do logotipo,a frase explicativa: “Quem

não chora não mama”. Aredação ficava na Rua 13 de

Maio, onde tempos depois,prisões depois e pescoções de-pois o Barão de Itararé afixouuma placa destinada aos poli-ciais que freqüentemente vi-

sitavam a Redação e seu res-ponsável:ENTRE SEM BATER!

O lançamento do jornal A Manha– onde dirigiu, colaborou sob diversospseudônimos, escrevendo o materialeditorial inteiramente sozinho – veioa comprovar a imensa capacidade detrabalho e a imaginação fértil de Apa-rício Torelly. Era “um self-made-man,feito por si próprio, pois se fosse espe-rar por essa canalha que aí está jamaiso seria”, explicava ele, quase sempre sor-ridente. “Desse senhor Barão de Itara-ré, de seu riso claro e irresistível, nas-ceram os atuais humoristas brasileiros,os que desenham, os que escrevem, osque desenham e escrevem”, afirmouJorge Amado, em 1985, em texto parao livro Máximas e Mínimas do Barão deItararé, edição da Agência MPM e Edi-tora Record.

“O Estado Novo é o estado a que che-gamos”, foi como Aporelly definiu asituação de desmandos, pressões e pri-sões do período mais sombrio do Gover-no Vargas. “Sua palavra, revestida de co-ragem exemplar e de doce humildade,

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Luís Pimentel, jornalista e escritor, é autor do livroEntre sem bater – o humor na imprensa, do Barãode Itararé ao Pasquim 21, edição Ediouro.

– Participo do movimento como osenhor também participa. Afinal,como prova a física, tudo no mundo émovimento.

Saindo da cadeia, em 1937, o incan-sável Barão tentou mais uma vez colo-car A Manha nas bancas. Foi “aconse-lhado” pela ditadura do Estado Novo adesistir do projeto suicida. Só em 1945,com a abertura política, conseguiu re-lançar o jornal. Mais uma vez foi umsucesso, tanto que dois anos depois seudiretor foi eleito vereador da então ca-pital da República pelo momentanea-mente “legal” Partido Comunista Bra-sileiro, o Partidão. Na ocasião, denunci-ava-se na imprensa a ação criminosa dealguns comerciantes que estavam “ba-tizando” o leite (misturando com águapara aumentar a quantidade). Aporellypegou o mote e fez sua campanha vito-riosa com o seguinte slogan:

“Mais água e mais leite. Mas menoságua no leite.”

Não conseguindo mais manter oseu jornal, por falta de dinheiro e saú-de (já tinha sido vítima de dois derra-mes), Aparício Torelly publicou trêsAlmanaques dA Manha, entre 1949 e1955. O terceiro volume destas obrasfoi relançado em 1995 pela editorapaulista Studioma, como parte das co-memorações do centenário do humo-rista. Doente e desanimado, Aparíciopraticamente se trancou em seu peque-no apartamento na Praça São Salvador,no Rio de Janeiro, para estudar mate-mática e dedicar-se a uma ciência novaque ele chamava de Biônica – relacio-nando a biologia à eletrônica.

Aporelly viveu sozinho os seus úl-timos anos de vida: o pai do filósofo Le-andro, o escritor Valério Konder, foraamigo pessoal do Barão. E contou quecerta vez, ao atravessarem juntos a Ave-nida Rio Branco, o humorista enxer-gou um ônibus que se aproximava e ad-vertiu: “Cuidado, Valério. Aquele ali jános viu”. A doença deixara o Barão me-droso e assustado. Noutra ocasião, ten-do que escapar de um carro que quaseo atropelou, comentou com amigos:“Era um belo carro. No mínimo, centoe vinte cavalos, sem contar o que esta-va no volante”.

Afastou-se do humorismo profissi-onal, mas não deixou de praticá-lo nodia-a-dia até o fim da vida. Autor damáxima “o que se leva dessa vida é avida que a gente leva”, Aparício Tore-lly conseguia fazer piada com qual-quer assunto. Já nas últimas, respon-deu à pergunta do médico se estava sealimentando com os cuidados que suasaúde exigia:

– Minha alimentação é frugal, dou-tor, consta só de dois pratos. Um fundoe outro raso.

Morreu no dia 27 de novembro de1971, em seu apartamento na Praça SãoSalvador, no Rio de Janeiro. Um dia,naturalmente, nublado e sem graça ne-nhuma.

A revista IstoÉ e o jornalista RicardoMiranda, do Correio Braziliense, estãosendo processados pelo DesembargadorEtério Ramos Galvão, ex-Presidente doTribunal de Justiça do Estado de Per-nambuco, o qual pleiteia uma indeni-zação por dano moral que chega nosdois casos a cerca de R$ 1 milhão.

Em e-mail à ABI, revelou Ricardo Mi-randa que o litígio foi originado pelasdenúncias feitas a órgãos de imprensapor uma amiga de Etério, a médica Ma-ria Soraia Elias Pereira, que o acusou depráticas que levaram o Subprocurador-Geral da República em Pernambuco Ei-tel Santiago de Brito Pereira a ofereceruma notícia-crime contra ele. Além daIstoÉ, também a TV Globo acolheu asdenúncias de Maria Soraia, tanto quefez um Linha Direta sobre o caso. DizRicardo Miranda:

“O caso subiu para o Superior Tribu-nal de Justiça, onde o Ministro CésarAsfor Rocha transformou-o em inqué-rito, acusando o desembargador porsuspeita de crimes como aborto sem

O Presidente do Comitê OlímpicoBrasileiro-Cob, Carlos Arthur Nuzman,entrou com uma ação na Justiça contraJuca Kfouri. O motivo foi a publicação,no blog e na coluna do jornalista na Fo-lha de S.Paulo, de uma carta-aberta, emque o professor de Educação Física Ho-mero Blota faz pesadas críticas ao dirigen-te do Comitê, apontando supostas irre-gularidades em sua administração, prin-cipalmente na organização dos JogosPan-Americanos 2007. A ação está trami-tando na 34ª Vara Criminal do Rio, que jáintimou Kfouri para prestar depoimento.

A carta de Homero Blota foi envia-da por e-mail a diversos jornalistas e pu-blicada, sem o nome do autor, no ende-reço averdadedopan2007.blogspot.com.Ao recebê-la, Kfouri diz que contatou oprofessor:

— O documento já tinha sido enca-minhado a um bando de jornalistas,mas, por e-mail, eu disse ao professorque, se ele não me autorizasse publicá-lo com a sua assinatura, eu entenderia.Ele me respondeu que não haveria pro-blema e que tudo o que dizia na cartaera a expressão da verdade.

Kfouri acha que a repercussão da nota

PROCESSOS

Nuzman contra KfouriPresidente do Comitê Olímpico

considerou-se ofendido por umacarta-aberta reproduzida pelo

colunista da Folha.

sobre a carta em sua coluna na Folha éque está motivando o processo. Ele con-ta que, quando recebeu a notícia da açãode Nuzman, escreveu novamente aHomero Blota, propondo entrevistá-lo.O professor, no entanto, respondeu quenão podia aparecer, por ser avesso a pu-blicidade e temer represálias, já que édocente da rede municipal.

Kfouri admite a hipótese de Home-ro Blota ser um pseudônimo, mas estra-nha o fato de o a verdade do pan2007.blogspot. com ter deixado de funcionar

temporariamente: — Tiraram do ar oendereço, que depois voltou com outramatéria, de uma ong que incentiva o es-porte. Uma pessoa ligada a essa organi-zação foi chamada a prestar depoimen-to sobre a carta-aberta. No meu caso, fizapenas uma clipagem jornalística do quejá tinha sido veiculado com um comen-tário crítico de uma pessoa anônima,com quem tentei me comunicar. Mi-nha sensação é de que estão querendome intimidar na tentativa de que eudiga quem é esse Homero Blota.

Desembargador aciona revista e jornalistaAlegando dano moral, magistrado aposentado pleiteia de ambos uma indenização de R$ 1 milhão.

consentimento da gestante, lesão cor-poral, ameaça de morte, cárcere priva-do, roubo qualificado e subtração deincapaz (rapto de criança). As acusaçõesde Maria Soraia foram apuradas peloDelegado federal Victor da Silva Aran-tes Júnior, que remeteu os autos aoMinistério Público Federal, dando ori-gem à notícia-crime. Além dele o JuizEleitoral Mário Gil Rodrigues, quehoje, curiosamente, é o advogado deleno caso, foi indiciado por envolvimen-to no caso.”

Informa Ricardo Miranda que a par-tir daí “o caso sofreu vários desdobra-mentos”, “dentro da lógica da nossaboa e velha Justiça”.

“O desembargador tem tentado serreintegrado, mas continua afastado. Ofato, como se percebe, era público e no-tório. E meu papel foi estritamente umtrabalho jornalístico, como o que se ob-serva hoje na cobertura de tantos casosrumorosos. Só que o desembargador,depois de muitas manobras, está pres-tes a ganhar os processos, com valores

astronômicos, e está usando de todos osmétodos possíveis para me liquidar, in-cluindo agora a tentativa – em curso –de penhorar o apartamento onde vivocom minha mulher e meu filho dedois anos e meio (diga-se, um evidentebem de família, meu único patrimô-nio, comprado depois de quase 20 anosde trabalho, inclusive com recursos doFGTS, e que também está em nome deminha mulher, que também usou re-cursos do FGTS).”

Conta Ricardo Miranda que a IstoÉcontinua a defendê-lo, dentro do possí-vel, mas ele considera que tem “razõespara acreditar que a luta está desigual”:“Do lado de lá, advogados caríssimos, dolado de cá um corpo jurídico pequeno,mal pago e recentemente enxugado.Não posso simplesmente destituir a Is-toÉ da função porque aí aumenta o ris-co de não poder exigir que, em caso deperda do processo, eles paguem a minhaparte. Tenho tentado que amigos advo-gados monitorem o processo, mas tudomuito eventual e precário. É isso.”s

Carlos ArthurNuzman, o

comandante doPan: repercussãoda coluna de Juca

Kfouri gerouprocesso criminal.

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34 Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

O crime organizado fez mais umavítima na imprensa. Desta vez o alvofoi o repórter Amaury Ribeiro Jr., doCorreio Braziliense, baleado na noite de19 de setembro, em Brasília, quandoassistia a um noticiário no televisor deum bar da Cidade Ocidental, a 48 qui-lômetros da Praça dos Três Poderes, DF.

O jornalista, de 44 anos, estava fazen-do uma reportagem sobre a escalada daviolência no entorno do Distrito Fede-ral e, segundo o Correio Braziliense, foiferido por um jovem encapuzado, queapontou um revólver calibre 38 e dispa-

ATENTADO

A nova vítima, no entorno da capital:Amaury Ribeiro Jr., do Correio Braziliense

Após o assassinato do repórter Barbon Filho, no interior de São Paulo, a violência atinge um jornalista a48 quilômetros da sede dos Poderes da República. Amaury sobreviveu ao ataque de um pistoleiro encapuzado, ainda à solta.

de Goiás, Minas Gerais e do DistritoFederal a enfrentar o banditismo noentorno da capital”. “Só uma ação ins-titucional integrada será capaz de pôrfim à ousadia do narcotráfico. O Cor-reio, que assumiu a vanguarda do jorna-lismo investigativo na região, não sedeixará intimidar”, disse o jornal.

Após a divulgação do atentado, o Mi-nistro da Justiça, Tarso Genro, determi-nou que a Polícia Federal participe dasinvestigações da tentativa de assassina-to do jornalista. A intervenção da PF foipedida pelo Governador do Distrito Fe-

deral, José Roberto Arruda. O Secretáriode Segurança Pública de Goiás, ErnestoRolle, também se manifestou, classifi-cando de absurdo o ocorrido. O Secretá-rio Nacional de Segurança Pública, An-tônio Carlos Biscaia, garantiu que o cri-me terá tratamento prioritário.

Em declarações à imprensa, a ABIexpressou sua solidariedade a AmauryRibeiro Jr. e ao Correio Braziliense e re-clamou o empenho do Governo do Dis-trito Federal para identificação, prisãoe punição do autor do atentado e seusmandantes.

rou três vezes. Um dos tiros atingiu-oabaixo da cintura, perto da virilha.Amaury foi operado e sobreviveu.

Há mais de um mês Amaury RibeiroJr. visitava Cidade Ocidental em buscade informações para a série de reporta-gens Tráfico, extermínio e medo, publica-da desde o dia 4 de setembro no Correio.Ele teria recebido telefonemas ameaça-dores por causa das matérias.

Na edição de 20 de setembro, em edi-torial de primeira página, o Correio Bra-ziliense disse que “já passou da hora de oPalácio do Planalto ajudar os Governos

No ano passado, o artista gráfico Car-los Latuff, do jornal Movimento — publi-cação oficial do Sindicato dos Trabalha-dores no Serviço Público Federal no Rio(Sintrasef) — fez um desenho do mas-cote dos Jogos Pan-Americanos 2007,Cauê, empunhando um fuzil, ao lado docarro blindado da Polícia Militar conhe-cido como Caveirão.

Por iniciativa da ongRede contra a Violêncianas Comunidades deFavelas, a charge foi pa-rar em roupas, cartazese grafites espalhados nacidade. E virou matériado repórter André Zahar,de O Dia, publicada em12 de julho com o títu-lo Pandemônio: sem-tetoespalham imagens deCauê de fuzil e vendemcamisetas. O fato irri-tou o Governador Sér-gio Cabral e o PrefeitoCesar Maia e no dia 23,uma semana depois daabertura do Pan, Latufffoi intimado a prestardepoimento na Delegacia de Repressãoaos Crimes contra a Propriedade Imate-rial, cuja titular é a Delegada Valéria deAragão Sadio:

— Não cheguei a ser maltratado pelaPolícia. Fui intimado e resolvi compa-recer à Delegacia no mesmo dia em queos policiais foram à minha casa. Masduas pessoas da ong foram presas e in-diciadas por uso indevido de marca. Parao Poder Público, quem luta por direitos

Por sugestão do Conselheiro Mário Au-gusto Jakibskind, a Comissão de Liberda-de de Imprensa e Direitos Humanos da ABIaprovou em sua reunião de agosto moçãode solidariedade com Latuff. Esta é a ínte-gra do texto:

“A Comissão de Liberdade de Imprensae Direitos Humanos solidariza-se com o car-tunista Carlos Latuff, que foi intimado pelaDelegada Valeria de Aragão Sádio, da De-legacia de Repressão aos Crimes contra aPropriedade Imaterial. A policial intimou La-tuff não propriamente por ter feito umacharge do mascote do Pan, como constade uma investigação, mas, na verdade, porusar sua habilidade para denunciar as vio-lências cometidas pelo Estado em nomedos Jogos Pan-Americanos.

A charge da mascote do Pan foi utiliza-da em manifestações e atos públicos, oque foi duramente criticado pelo Gover-nador Sergio Cabral e pelo Prefeito CesarMaia. Vendedores de camisas reproduzin-

Latuff, um caso de intimidação no PanCartunista foi intimado a comparecer a uma delegacia

de polícia para explicar por que desenhou Cauê,o símbolo e mascote dos Jogos, empunhando um fuzil.

A ABI SOLIDÁRIA

A charge polêmica: umato de discriminação,

segundo o autor.

Latuff com o manto que identificasua lealdade aos palestinos.

humanos nas favelas está a serviço dotráfico — conta o chargista.

Latuff vê discriminação no episódioda prisão dos membros da ong e na mo-tivação da intimação que sofreu e dizque o princípio usado para censurar suacharge não foi o mesmo quando o car-tunista Aroeira, de O Dia, publicou de-

senhos de Cauê com ascaras do Governador edo Prefeito:

— Na minha opi-nião, o fato se desenro-lou baseado em doismotivos: o primeiro,porque eu não trabalhopara jornalões; o segun-do porque se trata derepressão a uma ongque denuncia violên-cia contra moradoresde favelas. Fica entãoevidenciado que a liber-dade de expressão estáligada à conta bancáriade quem se expressa.

Esta foi a terceira vezque Latuff teve proble-mas devido a desenhos

que criticavam a violência policial. Aprimeira foi em 1999, com a exposiçãoA polícia mata. Em 2000, com autoriza-ção do proprietário, o desenhista fez umgrafite no muro de um imóvel no Cen-tro do Rio, sobre a atuação da chamadabanda podre da Polícia fluminense:

— Em nenhuma das vezes ficou pro-vado que eu cometi crime real. O queaconteceu na verdade é porque se tratade críticas às políticas de segurança.

do a charge do mascote foram detidos eenquadrados por uso indevido de marca,o que também é condenável.

A intimação a Latuff se dá sob o falso ar-gumento de que ele usou o mascote doPan em seus desenhos, o que não resisteà menor análise, pois outros cartunistas, in-clusive em O Dia, também fizeram gozaçãocom o mesmo mascote e nada aconteceu.Mas Latuff, cujos desenhos foram utilizadospelo movimento social para denunciar a vi-olência policial em áreas carentes, recebeua intimação em sua casa por policiais quelá chegaram em um camburão, num visí-vel intento de intimidar o cartunista.

A Comissão de Liberdade de Imprensae Direitos Humanos não poderia silenciardiante deste fato e recomenda a Direto-ria da ABI a não apenas se solidarizar, comotambém a dar toda a assistência de quevenha a necessitar o cartunista Latuff, paraenfrentar o que entendemos ser uma ar-bitrariedade do Estado.”

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35Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

A contundência ideológica ultra-esquer-dista é um dos principais traços do chargis-ta Carlos Latuff, nascido no Rio de Janeiro,no bairro de São Cristóvão, em 30 de no-vembro de 1968, em plena ditadura mili-tar. Apontado pelos colegas como um char-gista militante, ele se autodefine como ra-dical e diz que não faz concessões políticas.Só não gosta quando o classificam como in-cendiário — ficou furioso com o comentá-rio de Chico Caruso, de O Globo, que o cha-mou de “um ativista que quer botar fogono mundo”, durante um debate na UFRJsobre a charge no Brasil. Suas maiores críti-cas são dirigidas aos jornais de grande cir-culação, que, “por causa dos interesses cor-porativos”, “limitam a criatividade do de-senhista em relação à crítica social”.

Como quase toda criança, Latuff se apai-xonou pelos cartuns a partir dos gibis e de-senhos animados: — Sempre gostei muitode ver os desenhos da TV Tupi. Apesar de omeu estilo hoje não ser nada infantil, lem-bro que os meus prediletos eram os da Han-na-Barbera. Gostava também do CapitãoAsa, de Jambo e Ruivão e de Matraca-Trica eFofoquinha (risos). Mas o que me ajudoumesmo foi o curso quefiz com o Molica, naEscola de Artes Visu-ais do Parque Lage.

Diz Latuff queo maior desafioenfrentado porum desenhista éa falta de oportu-nidade de con-quistar espaço nagrande imprensa,especialmente paraquem está começan-do: — Tive grande di-ficuldade para ingressarno mercado de trabalho,porque existe uma ilusão declasse. O profissional achaque vai poder começar trabalhando numjornalão ou na tv, ou fazer quadrinhos paragrandes editoras. Mas não é assim que abanda toca. Quem não é apadrinhado nãodecola — garante.

Latuff começou a desenhar profissio-nalmente em 1989, numa pequena agên-cia de propaganda no Centro do Rio. Con-seguiu a vaga por indicação de um amigo— e por isso acredita que “se o chargistanão tiver um bom QI (quem indica),principalmente no início de carreira, nãotem chance no mercado”. Justifica suaposição lembrando que até se tornar de-senhista de verdade foi obrigado a fazercoisas que nada tinham a ver com o dese-nho: foi bancário, vendedor de lojas deaparelhos ortopédicos e mensageiro daEditora Globo: — Tinha a ilusão de quepoderia me tornar um dos desenhistas daequipe da editora. Cheguei a fazer algunstrabalhos, mas, por falta de perspectiva,depois de um ano pedi demissão.

Finalmente, o tal amigo, que trabalhavano jornal Balcão, o indicou para a agência:

— Como venho de família humilde enão conhecia pessoas influentes, ia baten-do nas portas, mas elas acabavam se fe-chando. Ninguém sabia quem eu era. A

experiência que tive na Editora Globo cor-robora a minha posição. Não tive oportu-nidade porque originalmente lá eu traba-lhava como mensageiro.

Um ano depois de deixar a agência, La-tuff publicou sua primeira charge no bole-tim do Sindicato dos Estivadores do Rio deJaneiro. A partir de então, engrenou comofrila de outros veículos sindicais, segmen-to com que mais se identifica: — Minhasaída foi a imprensa sindical. Eu não tinhatelefone em casa, mas vasculhava o catálo-go telefônico à procura de entidades que ti-vessem publicação. Comprava várias fichas,

ia para o orelhão e li-gava perguntandose podia marcar

uma reunião paraapresentar o meuportfólio. Foi assimmeu contato com oSindicato dos Esti-vadores. Logo de-pois, conheci o Pau-

lo Lopes, que era Pre-sidente do Sindicato

dos Radialistas do Rio,para o qual também traba-lhei. Aí começou minhacarreira como cartunistasindical.As charges de Latuff, que

abordam a política nacional equestões ligadas às categorias

profissionais, ilustram as páginas dos jor-nais dos Sindicatos dos Servidores da Jus-tiça Federal e dos Servidores da Justiça doEstado do Rio de Janeiro, dos Trabalhado-res do Serviço Federal e das Associações dosServidores do Proderj, dosDocentes da UFF e dos Do-centes da UFRJ.

Hoje, diz ele, esse en-trosamento deixou de serunicamente comercial:

— Comecei a trabalharpara essa mídia por falta de espaço na gran-de imprensa. Depois, minha relação com ossindicalistas passou a ser ideológica, em fun-ção de tudo o que me era apresentado. Foium processo contagiante. Comecei a terconsciência de que ali era o meu lugar e pa-rei de procurar espaço em jornalões. Hoje,nem que me fosse oferecido eu aceitaria. An-tigamente eu pensava que era possível sepa-rar o ativista político do profissional. Não dá,e não vejo incoerência no meu procedimen-to atual. Incoerente é quem se diz comunis-ta, combate a injustiça do capitalismo e acei-ta trabalhar numa empresa que defende essesistema. Só trabalho para jornais de esquer-da. Se não tivesse outra alternativa, abando-

O rebelde quecriou seu espaço

PERFIL naria a profissão e ia virar camelô.Em 99, Latuff fez uma viagem à Cisjor-

dânia, tornou-se simpatizante da causapalestina e passou a dedicar grande partede seus desenhos ao tema. Foi também oprimeiro chargista brasileiro a participardo concurso de charges sobre o Holocaus-to, promovido pela Casa da Caricatura doIrã, com o desenho de um palestino cho-rando diante de um muro erguido por Is-rael, vestido com um uniforme de prisio-neiro de campo de concentração com oCrescente Vermelho no peito:

— Recentemente, recebi por e-mailuma foto de um campo de refugiados pa-lestinos no Líbano, onde meu desenhoaparece grafitado — conta. — O mais im-portante para um chargista é conseguirpassar sua mensagem. A charge é um de-senho absolutamente ideológico que deveestar disponível para qualquer pessoa, emqualquer lugar do mundo.

Por acreditar nisso, ele usa a internet paradifundir seus trabalhos sem cobrança de di-reitos autorais (copyleft) para quem quiserusar: — Quero ver meu trabalho sendoapropriado não pelas Organizações Globo,mas pelos palestinos, os sem-teto, os sem-terra, ou organizações do movimento so-cial como aquela que se apropriou da char-ge do mascote do Pan com um fuzil.

Latuff enfatiza que o papel social dochargista é “abrir as cortinas da ignorân-cia” e não reproduzir os discursos da grandeimprensa: — É isso que motiva todas asminhas charges. Quando eu desenhei oCauê armado, quis mostrar a falácia do Go-verno em torno do Pan, durante o qual ocomportamento da imprensa foi absolu-tamente cretino. Antes dos Jogos, a notí-cia era a violência no Complexo do Ale-mão. Começou o torneio e a violência ce-deu lugar ao esporte no noticiário. Só nãoencobriram a queda do avião da TAM por-que não foi possível.

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A Comissão de Turismo eDesporto da Câmara dosDeputados encaminhouofício à ABI apresentandosua solidariedade com osprofissionais do Lance!, quevêm sofrendo ameaças dastorcidas organizadas doClube de Regatas Vascoda Gama.

O primeiro episódioaconteceu quando repórterese fotógrafos do jornal foramameaçados pela torcida ForçaJovem vascaína, durante acobertura do jogo Vasco XNáutico, em 30 de agosto, noestádio do clube, em SãoJanuário, no Rio. No dia 1º desetembro, outro profissionaldo Lance! quase foi agredidopor torcedores do Vascoenquanto fotografava otreino do time.

Noticiário da imprensainformou que as ameaças aosjornalistas do Lance!ocorreram após a publicaçãode uma reportagem, em 28 deagosto, sobre um possívelleilão do estádio de SãoJanuário para pagamento dedívidas do Vasco com oCofins, um tributo federal. Naépoca, o Presidente do clube,Eurico Miranda, acusou ojornal de mentir e anunciouque estavam proibidasentrevistas ao veículo.

SOLIDARIEDADE

Ameaças a Lance!no Vasco chegam

à Câmara

Eurico Miranda, Presidente doVasco: uma relação com osrepórteres esportivosmarcada pela hostilidade.

Para Latuff, opapel social do

chargista é “abriras cortinas da

ignorância”.

Palestino com o rosto de Che Guevara: Latuffaderiu de corpo e alma à causa palestina.

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36 Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

Em extensa carta dirigida à Secretá-ria de Estado de Ação Social e DireitosHumanos, o Professor Emir Amed soli-citou o restabelecimento dos pagamen-tos da indenização de reparação moralinstituída pela Lei n° 3.744/2001, inter-rompidos pelo Governo do Estado des-de junho de 2005.

Datada de 21 de agosto, a carta deAmed renova apelos que ele dirigira emtelegramas em 3 de fevereiro à Secretá-ria Benedita e em 15 de junho ao Gover-nador Sérgio Cabral, que determinou oenvio da mensagem à Secretária, comoele informou a Amed em cata datada de28 de junho. Passados mais de dois me-ses, a Secretária não se manifestou so-bre o assunto.

A reparação moral às vítimas de pri-são e torturas em dependências do Go-verno do Estado do Rio teve seu valorfixado em R$ 20 mil pela regulamenta-ção da Lei n° 3.744, de 21 de dezembrode 2001, de autoria dos Deputados esta-duais Carlos Minc, Chico Alencar eEdmilson Valentim, os dois últimosatualmente Deputados federais.

Mais de 1.100 requerimentos foramapresentados à Comissão Especial deReparação, que deferiu cerca de 900. Atéjunho de 2005 o Estado pagou apenas140 indenizações.

Da Comissão Especial da Reparação,cujas atividades foram encerradas em14 de dezembro de 2006, participaraminstituições da sociedade civil ¬— ABI,Ordem dos Advogados do Brasil-RJ,Grupo Tortura Nunca Mais, ConselhoRegional de Medicina do Estado (Cre-merj) — e órgãos do Governo estadual— Secretaria de Ação Social e Procura-doria-Geral do Estado.

”Momentos de muito sofrimento”Na carta encaminhada à sua antiga

aluna Benedita, o Professor Emir Amed,que foi Vereador no Rio e seu companhei-ro na Câmara Municipal, historia as pri-sões e torturas de que foi vítima e os da-nos que sofreu em conseqüência de per-seguições políticas. Diz sua mensagem:

“Escrevo a Vossa Excelência, não ape-nas como ex-professor e ex-colega daCâmara Municipal do Rio de Janeiro,mas como ex-preso político em duasocasiões: a primeira em 1964, quandoera dirigente sindical dos professores erealizamos o 4° Congresso de Educado-res Americanos com o apoio do Profes-sor Darci Ribeiro, então Ministro daEducação do Governo trabalhista deJoão Goulart, derrubado pela horda

UMA CARTA DO PROFESSOR TORTURADOÀ SECRETÁRIA BENÉ, QUE NÃO RESPONDE

Festejado mestre de História, Emir Amed pede o restabelecimento do pagamentodas indenizações de reparação moral às vítimas de prisões e torturas, mas fica sem resposta.

Direitos humanosDireitos humanos

neo-fascista militar-empresarial pelo peca-do de ter nacionalizadotodo o ramo do petró-leo e de preconizar asverdadeiras Reformasde Base não ditadas peloFMI, Banco Mundial,Bid, Consenso de Wa-shington, etc.; a segun-da prisão em 1970 pelasaulas que dávamos, porcerto apoio indireto aoMR-8 e por termos aju-dado a organizar aGrande Marcha dos100 mil em 1968 (aRevista do Século poracaso, mostra este pro-fessor, entre muitosoutros, estudantes, jor-nalistas, etc. na Cine-lândia). Foi a grandeluta pela (re) democra-tização do Brasil.

Foram momentos demuito sofrimento pelasvárias famílias dos pre-sos políticos, muitosmortos e lançados deavião na Amazônia e naRestinga de Marambaiaem nosso Rio de Janei-ro. Foi a época das tortu-ras com mortes de Má-rio Alves (jornalista, es-critor e dirigente comu-nista) — (na mesmacela com colchão ensan-güentado onde depoiseu ficaria encarcerado)—, Stuart Angel (cujaheróica mãe, na busca incessante do cor-po do filho, acabou assassinada no início— entrada da Barra da Tijuca, próximoao Túnel que hoje leva seu nome), de Ru-bens Paiva, Deputado progressista, tortu-rado e morto pelos agentes criminososdo Doi-Codi e assessores da CIA norte-americana no Quartel da Polícia doExército (PE) na Rua Barão de Mesqui-ta, Tijuca, Rio de Janeiro. Além de Ja-cob Gorender (filósofo marxista) e dedezenas de operários, estudantes, inte-lectuais, professores, etc.

Além das torturas físicas, morais epsicológicas, muitos como eu perdemosnossos empregos e ficamos estigmatiza-dos na rede de ensino privado do Rio deJaneiro. Nossas famílias ficaram à mín-gua dependendo de familiares e amigospara seu abrigo e sustento.

Esta ingente luta pela (re) democrati-zação do Brasil transformou-nos em ‘exi-lados internos’ e resultou então em duasopções: a luta armada urbana e rural (Ara-guaia e Serra da Canastra) efetuada porgrupos como MR-8, VAR-Palmares, Co-lina, PCBR, etc., que tiveram dirigentesheróicos como Marighela, Carlos Lamar-ca, Bayard Boiteux e dezenas de outros;ou a luta nas classes (aulas), logo, tam-bém luta de classes (casos de ManoelMaurício, Júlio Rosas, Aquino, Robespi-erre, Maria Cerqueira, Iber Reis, Luís Sér-gio, Alberto Braga, Afonso Saldanha,Hélio Marques, Maria Yedda Linhares,Professor Werneck, grupo no qual meincluo modestamente, e centenas de ou-tros colegas professores em todo o terri-tório nacional). O Professor José de Al-meida Barreto, comunista, líder sindical

e grande patriota, fora preso comigonas dependências do Quartel da Polí-cia Militar no Méier.

Devo dizer com orgulho que alémde Vossa Excelência, Secretária de Es-tado, Silvio Tendler e Luiz Rosenberg(cineastas), Nélson Mota (jornalista),o filho de Jacó do Bandolim tambémautor-compositor como o pai, SérgioBittencourt, e vários economistas hojede renome foram meus alunos. O de-putado federal professor de HistóriaChico Alencar foi praticamente meualuno e, depois, colega de magistério.

Tudo isto fruto de intensa ativida-de e militância no magistério públicoe privado. Muita perseguição, muitosofrimento para a família, muito de-semprego, muitas perdas materiais emorais. Também muita satisfação pelodever cumprido, posto que, como po-deríamos ter tido a nossa Bené comoVereadora, Deputada, Senadora, Minis-tra, Governadora, e agora Secretária deEstado, sem todo o conjunto dessa lutapolítica anterior?

Por todas essas razões expostas acre-dito que a caríssima Secretária de AçãoSocial e Direitos Humanos determina-rá o cumprimento da Lei n° 3.744, de21 de dezembro de 2001, de autoriaconjunta dos Deputados Chico Alen-car, Edmilson Valentim (hoje Deputa-dos federais) e Carlos Minc, Deputa-do estadual e Secretário de Estado doMeio Ambiente.

“Nada poderá pagartanta perda de vidas”

Vários processos já foram julgadose liberados pela Comissão de Repara-ção dos Presos Políticos desde o ano de2005. Esta Comissão era constituídapor ilustres membros da OAB, ABI,Procuradoria-Geral do Estado, GrupoTortura Nunca Mais e por um repre-sentante da própria Secretaria do Esta-do de Ação Social e Direitos Humanos.Vários advogados foram relatores dosprocessos individuais. Fizeram inúme-ras ‘oitivas’ e concluíram para a vota-ção dos membros da referida Comis-são, entre eles o ex-Presidente da Câ-mara dos Vereadores, ex-ConselheiroMunicipal de Contas e atual Presiden-te da Associação Brasileira de Impren-sa, Professor Maurício Azêdo, tam-bém preso e hostilizado física e moral-mente pelos sargentos e oficiais (lou-cos) de nossas Forças Armadas à épocados ‘anos de chumbo’.

Em assim sendo, os patriotas defen-

Ex-aluna do Professor Emir Amed, de quem depois foi colega comovereadora à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a Secretária

Benedita da Silva parece não saber o que dizer ao seu antigo mestre.

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sores do retorno à democracia, já idosos,aguardam o cumprimento da citada Lei,com o pagamento da indenização sim-bólica preconizada pelas autoridades dopróprio Estado. Se até os Presidentes Fer-nando Henrique Cardoso e Luiz InácioLula da Silva (atual) e várias personali-dades já fizeram jus a suas indenizaçõesmuito mais vultosas, por que a nossaBené, sempre eleita com um refrão me-ritório e digno, se furtará de cumpriruma lei humanitária e justa? Esta inde-nização é realmente simbólica, poisnada poderá pagar — materialmente —tanta perda de vidas, de oportunidadese inclusive de famílias destroçadas pe-las prisões, desaparecimentos, exílios,torturas e mortes.

Acredito que nesta oportunidade aSenhora Secretária possa dar uma res-posta positiva de forma urgente, atéporque os ex-presos políticos assinaramum documento na Comissão dos PresosPolíticos de vossa Secretaria renuncian-do a qualquer ação judicial paralela. Foieste o acordo aceito e assinado pelas par-tes. Falta o cumprimento da parte devossa Secretaria, da parte das autorida-des estaduais.

Senhora Secretária, um mundo me-lhor é possível e cabe a nós tornar o im-possível possível. Socialismo sempre! Fra-ternalmente, (a)Professor Emir Amed.”

EU, SE FOSSE PINTOR DE CARROS, ESTARIAPRESO. MAS, SE FOSSE UM ASSASSINO, TALVEZESTIVESSE SOLTO. Como nem sou um nem outro— nada contra o ofício, porém um tanto contra acondição de homicida — escrevo aqui sobre arevolta que, às vezes velada, toma conta de mim,do cidadão, do jornalista, do homem e do filho.

Questionar a lei, condenar ofato de profissionaisadvogarem para monstros-assassinos (aliás, uma minoria,pois percebo que são sempre osmesmos advogados, o queprova que a maioria dessesprofissionais do País é genteséria. E por que não apergunta: como são pagos seushonorários? Como um pintorde carros pode arcar com umadefesa teoricamente tãodispendiosa?) ou ainda debatersobre os benefícios que aJustiça concede a assassinos,traz à tona mais um assuntopolêmico: pra que punir? Paraque serve a punição paraassassinos condenados por umjúri popular? Aliás, para queum julgamento se, no fim das contas, a leiprotege o criminoso? Aliás, este deve seperguntar a mesma coisa, mas prefere nãoopinar, porque em time que ganha não se mexe.

E se eu fosse um mero ladrão de carros, oude bancos, sem o status de ser chefe de tráficode drogas ou dono de morro, eu veria nosistema penal a minha redenção, a minhachance de me lavar e sair limpo, novo,amparado pelos braços da Justiça. Eu prefeririadeixar o anonimato do crime para ser “famoso”,seria mais ousado e poderia pagar os melhores(?) advogados para minha defesa. Seria comoem uma banca de apostas: se é pra apostar,vamos para o tudo ou nada. Porque perder éganhar, segundo as regras desse jogo.

Ou seja: por que eu iria me expor paraassaltar uma agência bancária, como tantos

A lavanderia do sistema penalfazem por aí, correndo risco de ser preso ecumprir pena de dez anos, e sem condições definanciar minha defesa, se a lei me permitecumprir cinco por matar um ser humanocovardemente, depois de espancá-lo e queimá-lovivo, isso noticiado por meses, tornando-se essauma das maiores coberturas jornalísticas doPaís? Ora, para o criminoso é jogo! Se umjornalista, em exercício de seu trabalho, é

assassinado nas barbas doGoverno e seus algozes estãoprestes a sair porquecumpriram parte da pena,qualquer ladrão de galinhas vaise encorajar a se especializarno mundo do crime, porque alei não é temida. A mão quebate é a mão que afaga. Alavanderia do sistema penal ébiodegradável: tira manchas ejá vem com amaciante.

Elias Maluco, pintor decarros e assassino, e seuscomparsas foram presos porum crime e podem ser soltospor esse mesmo crime. Osjornais denunciam, a Políciaprende, a Justiça condena, aJustiça solta, os jornaisnoticiam e cobram, a Polícia

recaptura... Isso porque se trata da morte de umgrande jornalista, de uma grande emissora detelevisão. Quantos anônimos morreram dessaforma e agora suas famílias convivem com osalgozes de seus entes queridos? Mesmo morto,Tim Lopes ainda faz matéria, no anonimato esem mostrar o rosto.

Há seis anos, o Alemão era notícia: feirão dedrogas. Há cinco, muito mais: morte de umjornalista, de um homem, de um pai e de umfilho. De um brasileiro. Mas e hoje em dia?Alguma coisa mudou? Como em 2002, asnotícias são as mesmas: caça ao assassino de TimLopes e Complexo do Alemão, a dor-de-cabeçadas autoridades policiais.

Bruno Quintela, jornalista, é filho de Tim Lopes, o repórter da TV Globoassassinado na favela Vila Cruzeiro, no chamado Complexo do Alemão, naPenha, em junho de 2002.

O Vereador Otávio Falcão, de Guara-tinguetá-SP, pediu o apoio da ABI para adivulgação de reivindicação da Associa-ção dos Funcionários da Fundação Insti-tuto de Terras do Estado de São Paulo–Itesp. Por meio de abaixo-assinado, a en-tidade da categoria pede a aplicação doprincípio constitucional de ampla defe-sa no caso da ação civil pública ajuizadapelo Ministério Público estadual, ques-

Em São Paulo, 12 mil famílias dependem de 700 sob ameaça

POR BRUNO QUINTELA

tionando a validade do concurso públi-co realizado pela Fundação, em 2001, quese encontra em fase de recurso.

De acordo com a associação, o moti-vo do abaixo-assinado é “evitar umgrande desastre social”. Segundo o ofí-cio enviado à ABI pelo Vereador OtávioFalcão, caso a ação se concretize, atin-girá diretamente as 700 pessoas que fo-ram contratadas após a realização do

concurso e as cerca de 12 mil famíliasque dependem da ação do órgão estadu-al de reforma agrária.

Vinculado à Secretaria de Justiça e daDefesa da Cidadania, o Itesp é o órgãoresponsável pelo planejamento e a exe-cução das políticas agrária e fundiáriade São Paulo e pelo reconhecimento dasComunidades de Remanescentes deQuilombos no Estado.

Além de escrever ao Governador e àSecretária de Ação Social, Emir Ameddirigiu mensagens aos autores da Lei n°3.744/2001, Deputados Carlos Minc,Chico Alencar e Edmilson Valentim, aosquais enviou o texto da carta encami-nhada à Bené e do artigo Uma demoraperversa, do jornalista e sócio da ABICristino Costa, divulgado no ABI On-ABI On-ABI On-ABI On-ABI On-linelinelinelineline e publicado na edição número 319/ maio-junho de 2007 do Jornal daJornal daJornal daJornal daJornal daABIABIABIABIABI. Amed divulgou também o teor dacarta que lhe foi dirigida pelo Governa-dor Sérgio Cabral:

“Prezado Sr. Emir,Agradeço a confiança depositada em

meu trabalho. Temos cerca de seis mesesà frente do Governo do Estado do Rio deJaneiro, já realizamos diversas ações nasáreas de Educação, Saúde e Segurança.Sabemos que temos um árduo trabalhopela frente, mas estamos confiantes deque com o apoio da população, do Gover-no Federal e das instâncias municipais al-cançaremos bons resultados.

Em resposta à sua carta determineiencaminhamento do Ofício SEGOV/AAD OF. n° 0851/2007 à Secretária deEstado de Assistência Social e DireitosHumanos, cuja cópia segue em anexopara o seu conhecimento.

Aproveito a oportunidade para ex-pressar os meus votos de estima e con-sideração, permanecendo à sua disposi-ção para o que estiver ao meu alcance.Um grande abraço. (a) Sérgio Cabral,Governador do Estado do Rio de Janeiro.”

Apelo aos autorese ao Governador

Tim Lopes: Mesmo morto, diz seu filho Bruno,ele ainda faz matérias, sem mostrar o rosto.

Direitos humanosDireitos humanos

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VidasVidas

embro da Comissão Executivado Centenário da ABI, que serácomemorado em 7 de abril de

2008, o associado Mário Barata tinha opressentimento ou a premonição de quetalvez não pudesse testemunhar essemomento para o qual estava a trabalhar.Neste 2007, ele estivera internado duasvezes, a primeira delas por um períodoprolongado, de cerca de dois meses, emvirtude de uma doença que os médicoscustaram a diagnosticar – uma infec-ção afinal identificada e que pôde serdebelada com poderosos antibióticosde última geração. A segunda durouapenas 72 horas.mas suficiente, em seusúltimos dias, para fazê-lo questionar,com uma interrogação a que os compa-nheiros da Comissão tratavam de res-ponder negativamente:— Será que euchego lá no Centenário?

Dias antes de seu passamento, na pri-meira reunião da Comissão Executivado Centenário, Mário Barata havia fei-to fundamentada e objetiva intervençãoem defesa do restabelecimento da RuaGustavo de Lacerda, fundador da ABI, aqual foi riscada do mapa da cidade pelaconstrução da Avenida República doParaguai, que liga os Arcos da Lapa àPraça Tiradentes. Situada há muito nasproximidades da Praça Tiradentes, aGustavo de Lacerda sumiu, desapareceu.Quase o mesmo destino teve a Rua Sil-va Jardim, outro jornalista, campeão daslutas republicanas, da qual sobrou pelomenos um pedaço. Com apoio do asso-ciado Milton Coelho, que aduziu aoexemplo do fim da Gustavo de Lacerdao da Rua Silva Jardim, Mário Barata pro-pôs que se oficiasse ao Prefeito CésarMaia pedindo o restabelecimento dosdois logradouros.

Crítico de artes plásticas com longamilitância numa coluna especializadado Diário de Notícias de Orlando Dan-tas, Mário Barata tinha a preocupaçãode propor nomes de artistas importan-tes para compor a Comissão de Honrado Centenário, com a qual a ABI preten-de homenagear tanto as personalidadesconvidadas como os setores em que atu-am, os quais contribuíram para que aimprensa do País, com suas virtudes eseus defeitos, alcançasse ao longo doséculo decorrido o padrão que agora os-tenta. Ele sugeriu nomes, como os deAdir Botelho e Carlos Zíllio, e levantouseus endereços, para envio dos convites.No dia 10 de setembro, poucos dias an-tes do seu falecimento,esteve na Presi-dência da ABI para informar, num bi-lhete do próprio punho, o endereço daartista plástica Maria Bonomi, radicadaem São Paulo.

Mário Barata,múltiplo eincansável

Jornalista, crítico de arte, professor de História da Arte,museólogo, formado em Ciências Sociais e História, eleencarnava como poucos o verso de Mário de Andrade

“sou 300, sou 350”. Era um dos mais atuantes membros daComissão Executiva do Centenário da ABI.

POR MAURÍCIO AZÊDO

Artes plásticas constituíram o temade alguns dos seus muitos livros, entreos quais A escultura de origem negra noBrasil, de 1957, e Razões de ser e a im-portância da arte moderna, de 1958, quese somaram a centenas de textos dedi-cados a artistas brasileiros. Além da co-luna no Diário de Notícias, Mário crioue apresentou na antiga Rádio Ministé-rio da Educação e Cultura, atual RádioMec, o pioneiro programa Crítica deArte. Ele era colaborador efetivo doHand-book of Latin American Studies eda Biblioteca do Congresso dos Estados

Unidos, de Washington.Natural da cidade do Rio de Janeiro,

onde nasceu em 20 de setembro de 1920,Mário Barata teve uma iniciação preco-ce no magistério e na administração pú-blica. Ele se formou em Museologia em1940, na sétima turma do curso criadono Museu Nacional pelo escritor e his-toriador Gustavo Barroso, e em 1939,antes mesmo da diplomação, se tornouprofessor do Museu, onde passou a leci-onar Artes Menores, disciplina voltadapara o estudo e a compreensão de técni-cas em que a forma estética se alia ao sen-

tido prático, como a cerâmica, a encader-nação, o bordado, como esclarece o Di-cionário Aurélio. Findo o curso de Mu-seologia, bacharelou-se e se licenciou em1942 em Ciências Sociais na antiga Fa-culdade Nacional de Filosofia, na qualem 1944 fez o curso de Didática Geral eEspecial de Geografia e História. Comodisciplina avulsa, cursou na FNFi, nomesmo ano, História Antiga e Medieval.

No Museu Nacional, como relatouem recente depoimento ao Jornal daABI,fez uma troça que Gustavo Barro-so levou a sério: dizendo-se especialistanos sortilégios dos ciganos, leu a mão domestre e vaticinou que este enfrentariaproblemas no serviço público se manti-vesse ostensiva militância integralista,como até então. Vivia-se o Estado Novo,a ditadura implantada pelo PresidenteGetúlio Vargas entre 1937 e 1945, e Bar-roso tratou de se afastar do movimen-to, que fora proscrito após a tentativa deassassinato de Vargas no assalto dos in-tegralistas ao Palácio Guanabara emmaio de 1938

Foi também muito jovem, com 24anos, que Mário Barata participou em1945, como assessor para as artes, da IConferência Geral da Unesco (Organi-zação das Nações Unidas para aEduca-ção, a Ciência e a Cultura). Na Europa,mais especialmente na França, amplioue consolidou sua formação, licencian-do-se em Letras e História da Arte naSorbonne e diplomando-se em Ciênci-as Políticas no Instituto de Estudos Po-líticos da mesma Sorbonne em 1948.Em seguida, cursou a Escola do Louvre,em 1947-48, e estudou Etnologia noMuseu do Homem, em Paris, em 1948.No Louvre, em 1946, foi um dos funda-dores, em 1946, do International Coun-cil of Museus, conhecido mundialmen-te pela sigla Icom.Em 1949, organizouno Rio e em São Paulo a Seção Brasileirada Association Internationale des Cri-tiques d’Art.

olígrafo e poliglota, fazia palestrascom fluência em espanhol, fran-cês e inglês. Catedrático por con-

curso, em 1955, de História da Arte daEscola Nacional de Belas-Artes da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro, le-cionou em diversas universidades noBrasil e no exterior. Por sua alta qualifi-cação, foi chamado a integrar o júri in-ternacional da II Bienal de Paris e dos jú-ris nacionais da Bienal de São Paulo e doSalão Nacional de Arte Moderna do Riode Janeiro. Sua fecunda trajetória uni-versitária inclui, entre muitos títulos,o de conservador, por primeiro lugar emconcurso público, do Museu Nacional

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39Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABI I I I I 321 Setembro de 2007

O Instituto Histórico e GeográficoBrasileiro cobre-se de luto, nesta tarde,ao despedir-se de um de seus mais dile-tos membros.

Mário Barata não era apenas um denossos grandes nomes. Era o compa-nheiro dedicado, solícito e fraterno, que,há sete mandatos, honrava a Diretoriacomo Vice-presidente.

Aqui chegara em 1961, pelas mãos deuma plêiade em que se alinhavam, entreoutros, Macedo Soares, Araújo Pinho,Pedro Calmon, Arthur César FerreiraReis e Rodrigo Octávio, trazendo-nos aexperiência do museólogo, os conheci-mentos do historiador da Arte, a sensibi-lidade do crítico, a vocação do pesquisa-dor e as luzes da cátedra. Era também ocultor da história e da memória paraen-ses — epígono de um outro beneméritodesta Casa, o historiador, seu tio, Manu-el de Mello Cardoso Barata.

Atingido pelo arbítrio, nos anos darepressão, não se deixou consumir peloódio ou pelo desânimo. Sofreu, sim, mas

ADEUS, MÁRIO BARATAPOR VICTORINO CHERMONT DE MIRANDA

Discurso proferido pelo Vice-Presidente do IHGB,em 15 de setembro de 2007, no saimento do corpode Mário Barata da sede do Instituto para ocrematório do Caju

O documentário de Mário Carnei-ro sobre a vida de Joaquim Pedro An-drade, que abriria a programação desetembro do projeto Cine ABI e seriaseguido de uma homenagem a ele, foiadiado devido à morte do cineasta.Mário, que estava com 77 anos, fale-ceu em casa, no dia 2, véspera da ses-são, vítima de câncer.

A presença de Mário Carneiro naexibição do documentário Joaquim.docjá não estava prevista, devido ao está-gio avançado da doença. Para que o ci-neasta não perdesse sequer um deta-lhe da homenagem a ele, seria grava-do um vídeo com o depoimento demuitos amigos, que já tinham confir-mado presença.

O Diretor de Cultura e Lazer daABI, Jesus Chediak, apontou a mortede Mário como uma grande perda paraa cultura brasileira: — É uma mortemuito triste e dolorosa. O Mário tinhaum papel muito importante no cine-ma nacional. E era um ser humanoalegre e que gostava muito da vida.

O cineasta Noilton Nunes disse queMário era uma pessoa especial: —Além de ser excelente profissional, erauma pessoa afável, reservada, e nãohavia quem não gostasse dele.

Diretor de fotografia, realizador deum longa — Gordos e magros — e di-versos curtas, montador e roteirista,esse francês de nascimento e brasilei-ro por opção era figura importante nocenário cultural brasileiro. Começoua carreira na década de 50 e se firmoucomo cineasta ao trabalhar como co-diretor, fotógrafo, câmera e montadorde Arraial do Cabo, de Paulo César Sa-raceni, em 1958, um dos filmes inau-gurais do fecundo ciclo do CinemaNovo, de que ele foi um dos pioneiros.

Uma perda:Mário Carneiro,

um pioneiro

Filho de um jornalista paraense, Hamilton Barata, que editou jornais de com-bate como O Homem Livre, Mário Barata foi colaborador de inúmeros jornais erevistas, como o Diário de Notícias do Rio, de que foi crítico de arte, Última Hora,Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, e da revista Colóquio Artes, além de OHomem Livre, tanto por dever filial como por adesão às idéias libertárias do pai.

Presidente em 1989, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Con-gresso de História da República, comemorativo do centenário da proclamação darepública, Mário Barata produziu uma obra densa em pesquisa, revelações e con-ceitos inovadores. Entre outros títulos sua bibliografia inclui:

de Belas-Artes e do Patrimônio Históri-co e Artístico Nacional, de 1943 a 1954;professor adjunto de Artes Menores noMuseu Histórico Nacional e na Uni-Rio, de 1943 a 1989, e do mestrado emHistória da UFRJ de 1981 a 1990. Perse-guido por suas idéias e demitido domagistério público com base no Ato Ins-titucional nº 5-AI-5, de 13 de dezembrode 1968, Mário Barata foi proibido delecionar mesmo em faculdades priva-das, mas deu a volta por cima: além dereintegrado pela Lei da Anistia de 1979,em 1992 foi agraciado com o título deProfessor Emérito da UFRJ por indica-ção daEscola de Filosofia e Ciências So-ciais-Ifcs e pela Escola de Belas-Artes.

Em suas andanças universitárias eculturais pela Europa Mário Barata co-nheceu o amor de sua vida, a hoje pin-tora Tiziana Bonazzola, com quem secasou em 1948, teve três filhos – Paulo,Branca Maria e Flávio – e que foi suacompanheira a vida inteira. Eles se co-nheceram em 1947 num cenário de idí-lios, Veneza, onde Mário foi atraído tan-to pela beleza de Tiziana como por seuperfil de heroína. Irmã do comandantepartiggiani Quinto Bonazzola, chefe doFront de la Gioventù da resistência aonazifascismo, pouco mais que adoles-cente Tiziana executava missões de in-formação na Milão e na Varese de 1940,sob o auge do fascismo e da repressão deMussolini. Ela lembra com emoção essetempo (“Tínhamos então a esperança deconstrução de um mundo mais justo,que não aconteceu”) e com saudade afigura do irmão Quinto, cuja mulher,Varese Bonazzola, mais tarde foi sena-dora pelo Partido Comunista Italiano dePalmiro Togliatti.

ário viveu seus últimos mo-mentos junto à sua Tiziana.Ele cumprira nos dias anterio-

res a sua rotina de presença nas entida-des a que estava vinculado. Seus hábi-tos não sofriam alterações no dia-a-da.Almoçava em casa, no meio da tardepegava um táxi para o trajeto entre aRua Uruguai, onde morava, e a PraçaSaens Peña, onde tomava o metrô norumo da cidade, da Cinelândia. No Cen-tro, duas vezes por semana, visitava aRedação Rio de O Estado de S.Paulo e doJornal da Tarde, de que fora colaborador,e saía sobraçando os exemplares do diaou dos dias. Dependendo do dia da se-mana, seu périplo compreendia o Insti-tuto Histórico e Geográfico Brasileiro,de que era vice-presidente há muitosmandatos, o Instituto Cultural Brasil-Alemanha, uma loja da Tap-TransportesAéreos Portugueses, onde consultava re-centes publicações estrangeiras, e a ABI,para a qual trazia sempre uma revista ouum jornal e anotações sobre questõesrelevantes,como o endereço da pintorae escultora Maria Bonomi.

No dia 12 de setembro, Mário maisuma vez se comportou como o eternoenamorado, acompanhando Tizianaaté um jardim próximo de casa, ondeela queria recolher um pedaço de pai-sagem para um desenho. O passeio a

dois não se completou: pouco apóschegarem, Mário teve uma queda sú-bita, que lhe foi fatal, embora não de-morasse o socorro, prestado pela ambu-lância do Grupo de Socorro de Emer-gência-GSE do Corpo de Bombeiros epor outra do Hospital Silvestre, do pla-no de saúde que ele mantinha e no qualfora internado este ano. Mais rápidos,os bombeiros o levaram para o Hospi-tal do Andaraí, um dos muitos hospi-tais públicos do Rio sucateado pelocontinuado desdém pela saúde na cida-de que já teve a melhor rede hospitalarpública do Brasil.

– Se ele tivesse sido levado para oHospital Silvestre, que tem mais recur-sos – lamentou um dos seus amigos –,talvez tivesse sobrevivido.

Mário sofrera um choque neurogê-nico e um acidente vascular-cerebral.Morreu 48 horas depois, no dia 14. Seucorpo foi velado no Instituto Históri-co e Geográfico Brasileiro e cremado nodia seguinte.

Além de integrar a Comissão Execu-tiva do Centenário, era membro do Con-selho Deliberativo da ABI, para o qualfora reeleito em abril passado. Ele erasócio da ABI desde 31 de agosto de 1950.

OBRAS

Jornalista, crítico de arte, historiador

1946 ENSAIOS DE NUMISMÁTICA E OURIVESARIA.1952 CONCEITO ATUAL DA NATUREZA DA ESCULTURA.1955 AZULEJOS NO BRASIL – SÉCULOS XVII, XVIII E XIX.1971 PRESENÇA DE ASSIS CHATEAUBRIAND NA VIDA BRASILEIRA.1973 ESCOLA POLITÉCNICA DO LARGO DE SÃO FRANCISCO, BERÇO DA

ENGENHARIA BRASILEIRA.1975 IGREJA DA ORDEM TERCEIRA DA PENITÊNCIA DO RIO DE JANEIRO.1975 PODER E INDEPENDÊNCIA NO GRÃO-PARÁ.1983 ARTE MODERNA NO SALÃO NACIONAL.1983 DJANIRA: ACERVO DO MNBA.1986 R. BURLE MARX.

soube ser maior que a própria dor e pros-seguiu, sereno, seu caminho ao lado dacompanheira admirável, com que parti-lhava a emoção pelo Belo, e cercado peloapreço de alunos, colegas e confrades.

Esta Casa, que hoje o recebe para oderradeiro adeus, era a sua casa. Identifi-cava-se com ela, orgulhava-se dela e comela soube sempre repartir os títulos rece-bidos em sua trajetória. Era membro doInstituto, fazia questão de dizê-lo e pre-zava ser reconhecido como tal.

O Instituto Histórico deplora a suapartida, mas consola-nos a todos a Fé tãobem expressada pelo poeta Augusto Fre-derico Schmidt; ‘Quando o tempo des-faz as formas perecíveis, [...] Deus reco-lhe a música das fisionomias que o tem-po escurece e silencia’.”

Mário Barata — Mestre e Amigo —vá em paz!M

Diretor, co-diretor, fotógrafo, câmera, MárioCarneiro fez de tudo no Cinema Novo

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