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Maio de 2006 • Número 308 Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa Jornal da ABI As mazelas do sistema penitenci- ário, entre as quais a corrupção de agentes públicos, constituem o grande elemento de mobilização de bandos criminosos para as ações violentas que desencadearam em São Paulo. Juristas dizem como en- frentar essa crise. Páginas 10 e 21 e Editorial na página 2 Injustiças nos presídios alimentam os atentados Marcelo Monteiro: um artista de traço refinado Páginas 17, 18 e 19 MARCOS DE CASTRO E TEREZA CRUVINEL Formado em Letras Clássicas e apaixonado pela lín- gua portuguesa, Marcos de Castro adverte: os jovens jornalistas precisam ler os grandes autores, como Machado de Assis e José de Alencar. E Tereza Cruvinel chama a atenção para riscos presentes: imprensa não é delegacia. Páginas 8, 9, 10 e 11; 14, 15 e 16. Ilustrador das crônicas de Nélson Rodrigues em O Globo, Marcelo Monteiro começou a desenhar em jornal aos 17 anos, quando o teatrólogo Oduvaldo Viana, pai do Vianinha, lhe pediu um dese- nho da poetisa chilena Gabriela Mistral. Seu traço (acima) é refinado. Página 24 ATO NA ABI SALVOU RIO, 40 GRAUS O Estado do Acre não conta com liberdade de imprensa, denunciou à ABI um atuante jorna- lista local. Graças a repasses mensais aos em- presários da comunicação, o Governo dita o que pode ser publicado. Página 20 Sadi Cabral (à dir.) em Rio, 40 graus: um ato na ABI, em 1955, resultou na liberação do filme, marco do Cinema Novo. Página 3 ABI PENSA O CINEMA ANA MARIA MAGALHÃES, ROSANE SVARTMAN E JOSÉ JOFFILY NÉLSON PEREIRA DOS SANTOS “Quero me dedicar apenas à Academia” Primeiro cineasta a vestir o fardão de imortal, o diretor de Vidas secas quer deixar o cinema para traba- lhar só na Academia. Páginas 3 e 4 Os depoimentos de Ana Maria, Rosane e Joffily na série organizada pela Diretoria de Cultura e Lazer da Casa. Páginas 4 e 5 No Acre quem manda na imprensa é o Governo As guerras da mídia no mundo por sua liberdade. E XCLUSIVO E XCLUSIVO DIVULGAÇÃO JOSÉ REINALDO MARQUES MARCELO MONTEIRO REPRODUÇÃO

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Maio de 2006 • Número 308Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

Jornal da ABIAs mazelas do sistema penitenci-ário, entre as quais a corrupção deagentes públicos, constituem ogrande elemento de mobilização debandos criminosos para as açõesviolentas que desencadearam emSão Paulo. Juristas dizem como en-frentar essa crise.Páginas 10 e 21 e Editorial na página 2

Injustiças nos presídiosalimentam os atentados

Marcelo Monteiro: um artista de traço refinado

Páginas 17, 18 e 19

MARCOS DE CASTRO E TEREZA CRUVINELFormado em Letras Clássicas e apaixonado pela lín-gua portuguesa, Marcos de Castro adverte: os jovensjornalistas precisam ler os grandes autores, comoMachado de Assis e José de Alencar. E Tereza Cruvinelchama a atenção para riscos presentes: imprensa nãoé delegacia. Páginas 8, 9, 10 e 11; 14, 15 e 16.

Ilustrador das crônicas de Nélson Rodrigues em O Globo, Marcelo Monteiro começou a desenharem jornal aos 17 anos, quando o teatrólogo Oduvaldo Viana, pai do Vianinha, lhe pediu um dese-nho da poetisa chilena Gabriela Mistral. Seu traço (acima) é refinado. Página 24

ATONA ABISALVOURIO, 40GRAUS

O Estado do Acre não conta com liberdade deimprensa, denunciou à ABI um atuante jorna-lista local. Graças a repasses mensais aos em-presários da comunicação, o Governo dita oque pode ser publicado. Página 20

Sadi Cabral (à dir.)em Rio, 40 graus: umato na ABI, em 1955,resultou na liberaçãodo filme, marco doCinema Novo.

Página 3

ABI PENSA O CINEMAANA MARIA MAGALHÃES,

ROSANE SVARTMAN E JOSÉ JOFFILY

NÉLSON PEREIRA DOS SANTOS“Quero me dedicarapenas à Academia”

Primeiro cineasta a vestir o fardão deimortal, o diretor de Vidas secasquer deixar o cinema para traba-lhar só na Academia. Páginas 3 e 4

Os depoimentos de Ana Maria, Rosanee Joffily na série organizada pela

Diretoria de Cultura e Lazerda Casa. Páginas 4 e 5

No Acre quem manda naimprensa é o Governo

As guerras da mídia no mundo por sua liberdade.EXCLUSIVOEXCLUSIVO

DIVULGAÇÃO JOSÉ REIN

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TEIRO

REPRODUÇÃO

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Jornal da ABI

2 Maio de 2006

NESTA EDIÇÃO

Jornal da ABI

Associação Brasileira de Imprensa

EDITORIAL

Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andarTelefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 22.030-012Rio de Janeiro - RJ ([email protected])

Editores: Francisco Ucha, Joseti Marques e Maurício AzêdoProjeto gráfico, diagramação eeditoração eletrônica: Francisco UchaApoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar,Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna,Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha.Diretor responsável: Maurício AzêdoImpressão: Gráfica LanceRua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ.

As reportagens e artigos assinados não refletemnecessariamente a opinião do Jornal da ABI.

DIRETORIA – MANDATO 2004/2007Presidente: Maurício AzêdoVice-Presidente: Audálio DantasDiretor Administrativo: –Diretor Econômico-Financeiro: Domingos MeirellesDiretor de Cultura e Lazer: Jesus ChediakDiretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Souza (Pajê)Diretora de Jornalismo: Joseti Marques

CONSELHO CONSULTIVOChico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira,Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura

CONSELHO FISCALJesus Antunes, Presidente; Argemiro Lopes do Nascimento,Secretário; Adriano do Nascimento Barbosa, Arthur Auto NeryCabral, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha e Luiz Carlosde Oliveira Chester.

CONSELHO DELIBERATIVO (2006-2007)Presidente: Fernando Segismundo1º Secretário: Estanislau Alves de Oliveira2º Secretário: Carlos Rodrigues

Conselheiros efetivos (2006-2009)Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob,Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos AugustoXisto da Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo,

Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart, Jorge MirandaJordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif EliasHidd Sobrinho e Pery de Araújo Cotta.

Conselheiros efetivos (2005-2008)Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, AraquémMoura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, CarlosArthur Pitombeira, Conrado Pereira, Ely Moreira, FernandoBarbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata, Maurício Azêdo,Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho

Conselheiros efetivos (2004-2007)Antonieta Vieira dos Santos, Arthur da Távola, Cid Benjamin,Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Héris Arnt, Irene Cristina Gurgel doAmaral, Ivan Cavalcanti Proença, José Gomes Talarico, JoséRezende, Marceu Vieira, Paulo Jerônimo, Roberto M. Moura,Sérgio Cabral e Teresinha Santos

Conselheiros suplentes (2006-2009)Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo deAthayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup,Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, JorgeFreitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio BarrandonGuimarães, Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas deCarvalho, Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza.

Conselheiros suplentes (2005-2008)Anísio Félix dos Santos, Edgard Catoira, Francisco de PaulaFreitas, Geraldo Lopes, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz,José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone,Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro doCoutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães

Conselheiros suplentes (2004-2007)Adalberto Diniz, Aluísio Maranhão, Ancelmo Gois, André Louzeiro,Jesus Chediak, José Silvestre Gorgulho, José Louzeiro, LílianNabuco, Luarlindo Ernesto, Marcos de Castro, Mário AugustoJakobskind, Marlene Custódio, Maurílio Ferreira e Yaci Nunes

COMISSÃO DE SINDICÂNCIAEly Moreira, Presidente, Jarbas Domingos Vaz, José ErnestoVianna, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio CândidoFerreira

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃOAlberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan AlvesFilho e Paulo Totti

COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSArthur Cantalice, Arthur Nery Cabral, Daniel de Castro,Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy MaryCarneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário AugustoJakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles,Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes

Ato na ABI salvou Rio, 40 graus 3

Dines e Sodré ganham prêmio de Cidadania 6

A velha jovem guarda do JB se reencontra 6

Conselho elege Segismundo 7

Uma aula de Flávio Tavares no curso de Cecília Costa 7

Depoimento-1: Marcos de Castro 8

Depoimento-2: Tereza Cruvinel 14

As guerras da mídia no mundo 17

Brasil Terra Perigosa 18

Brasil firma Declaração de Chapultepec 20

Governo do Acre controla a mídia 20

A ABI adere à declaração contra a barbárie 21

Uff lança obra de denúncia 22

O que nos diz o DPF sobre Ivandel Godinho 22

Família busca os restos de Marcos Dias 22

Vidas: O bom Conrado partiu 23

Marcelo Monteiro: Um mestre do traço 24

A ferro e fogo, nãoEm sua reunião de maio, o Conselho Deliberativo da ABI não pôde ater-se

aos aspectos meramente institucionais dessa sessão, destinada à posse dosassociados eleitos dias antes, porque o fragor das ocorrências relacionadascom a segurança pública em São Paulo se impôs como a questão mais rele-vante nas preocupações de quantos têm interesse no bem comum.Estavam em curso naquele 15 de maio, data da reunião, e desde então

assumiram um crescendo, ações de extremada violência e irracionalidadepraticadas por bandidos obedientes a ordens partidas do próprio sistemapenitenciário, de onde um núcleo que se arroga poderes de comando emitedeterminações para a prática indiscriminada de crimes e para a contestaçãoà ordem legal e aos organismos que a representam.Tivemos, em série, um cortejo de crimes jamais vistos no País: atentados a

edificações e instalações públicas e privadas, destruição a fogo de dezenasde ônibus do transporte público e de veículos de uso oficial e particular,assassinato massivo de membros das corporações policiais e de agentes dosistema prisional. O crime por atacado fez São Paulo parar e manteve suapopulação em estado de choque e de insegurança; enfim, presa do medo.Além de manifestar seu vigoroso repúdio às ações criminosas, o Conselho

Deliberativo da ABI decidiu dar ênfase a questões que só merecem atençãoquando seus efeitos detonam crises que não se consegue ignorar, como ascondições vergonhosas do sistema penitenciário no País, que constituem agrande fonte de proselitismo e aliciamento de mentes e braços para o crimepelos que se consideram comandantes da massa carcerária. Não fossem adegradação do sistema, sua desumanidade, seu desrespeito profundo e con-tinuado à dignidade das pessoas a ele recolhidas, a pregação desses apósto-los da bestialidade não arregimentaria seguidores nem mobilizaria sicáriospara as suas investidas anti-sociais. É esse o caldo de cultura que ceva osinimigos da lei e da paz pública.O Conselho Deliberativo da ABI entende também que a Casa deve e deverá

sufragar todas as iniciativas e proposições que visem a uma reflexão serena eadequada sobre essa crise e a definição das formas de superá-la, como a decla-ração firmada naqueles mesmos dias por eminentes mestres do Direitoradicados em São Paulo e no Rio de Janeiro, entre os quais o Professor GoffredoTelles Júnior, a quem a instauração do Estado Democrático de Direito tantodeve, pela coragem com que se houve no enfrentamento da ditadura militar.Essas vozes respeitáveis advertem que estamos diante de atos de barbárie,

e esta não pode ser enfrentada a ferro e fogo, e sim com civilização, cominteligência e com competência, virtude que tem faltado ao Poder Públiconos diferentes níveis da Federação.

ERRATAS

• No Editorial O dever dos pauteiros, da edição número 307, abril de 2006,página 2, onde se lê Roraima, leia-se Rondônia, o Estado que não tem sistemapenitenciário.• Na matéria Só podia dar Prudente, da edição número 307, páginas 21 e 22, foiomitido entre os Conselheiros suplentes (2006-2009) eleitos o nome da asso-ciada Yeda Otaviano de Souza.

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Jornal da ABI

Maio de 2006

CULTURA ����� Por Rodrigo Caixeta e José Reinaldo Marques

ATO NA ABI SALVOU RIO, 40 GRAUSEm depoimento na série A ABI pensao cinema, o diretor Nélson Pereira dosSantos lembra a campanha liderada porPompeu de Sousa para liberar o filme.

Com exemplar regularidade, aDiretoria de Cultura e Lazer pros-seguiu em maio com a tomada dedepoimentos de personalidades docinema brasileiro, na série A ABIpensa o cinema, idealizada pelo Di-retor Jesus Chediak para documen-tar, em gravação em fita, dvd e,posteriormente, em vídeo, a traje-tória do cinema brasileiro contadapor seus protagonistas.

A série teve seqüência no dia 2,com o depoimento da atriz e direto-ra de cinema Ana Maria Magalhães,prosseguiu no dia 9 com a entrevis-ta da roteirista e diretora de cinemae televisão Rosane Svartman, no dia16 com o diretor José Joffily e, após

recesso na terça-feira seguinte, tevecontinuidade com o depoimento deNélson Pereira dos Santos. Antesmesmo do encerramento do blocode depoimentos de maio, JesusChediak anunciou as entrevistasprogramadas para junho; SílvioTendler, dia 6; Sandra Werneck,dia 13; Carla Camurati, dia 20;Antônio Molina, dia 27.

Em seguida, uma visão de as-pectos dos depoimentos de AnaMaria, Rosane, Jofilly e Nélsonacompanhados pelos repórteresdo ABI Online José ReinaldoMarques e Rodrigo Caixeta (oprimeiro, de Ana Maria Maga-lhães) e Rodrigo Caixeta, os demais.

Nélson Pereira dos Santos, primei-ro cineasta imortal, falou sobre sua tra-jetória detrás das câmeras, a experiên-cia como revisor de jornal nos áureostempos da imprensa fluminense e aAcademia Brasileira de Letras. Paulis-tano, Nelson contou que veio para oRio em 1952, a convite de Rui Santose Alex Viany, com quem trabalhoucomo assistente de direção em Agulhano palheiro: — Foi nessa época que es-crevi o roteiro de Rio, 40 graus. Nãoconsegui nenhum produtor que tives-se vontade de fazê-lo, mas montei umesquema de produção através de umacooperativa, em que vendia cotas paraa família e amigos e depois para algunscapitalistas. O roteiro foi inspirado noque vi quando fui assistente do filmeBalança, mas não cai, realizado num es-túdio na favela do Jacarezinho.

Sobre sua forte ligação com a ABI,Nélson contou que Rio, 40 graus ficoufamoso após a proibição de exibiçãopelo Coronel Geraldo de Menezes Cor-tes, então Chefe de Polícia do DistritoFederal no Governo Café Filho:— Gra-ças a ele, o filme foi parar na primeirapágina dos jornais. Pompeu de Sousa,então diretor do Diário Carioca, coman-dou uma campanha pela liberação dofilme. Foi organizada aqui na ABI umasessão para jornalistas e intelectuais,que repercutiu na mídia e resultou naliberação do filme para exibição.

“Quero me dedicarapenas à Academia”

NÉLSON PEREIRA DOS SANTOS

Em seguida Nélson dirigiu Rio, ZonaNorte, um fracasso de bilheteria: — Porconta disso, bati na porta do DiárioCarioca para pedir emprego. Fui revi-sor, numa época em que os salárioseram maravilhosos. Depois, fui para oJornal do Brasil, e também recebia umsalário suficiente para pagar o aluguelda minha casa e do meu escritório eainda manter meus dois filhos em es-colas particulares. Pensei que jamaisvoltaria a fazer cinema — brincou.

Em 1958, porém, Nélson participoude um encontro de cineastas da Amé-rica Latina em Montevidéu, onde Rio,40 graus e Rio, Zona Norte fizeram mui-to sucesso: — Daí tomei força nova-mente. Fiz Mandacaru vermelho, Bocade ouro, baseado em peça homônimade Nélson Rodrigues, e Vidas secas,que, baseado no livro de Graciliano Ra-mos, teve o apoio da Herbert Richers,fez sucesso em Cannes e tomou di-mensão mundial.

Nélson falou também sobre seu úl-timo filme, Brasília 18%, que tem co-mo tema os bastidores da vida políti-ca no Distrito Federal: — O filme aca-bou ficando pouco tempo em cartazporque hoje, no cinema brasileiro, seum filme não alcançar a renda previs-ta no fim de semana de estréia, na se-mana seguinte sai da sala. O proble-ma também é a falta de tempo de lei-tura. No Cinema Novo, eram lança-

Rio, 40 graus dava ao cinema brasileiro um realismo a que osatores, desde os calejados, como Sadi Cabral (à esq.), aos

calouros, como Haroldo de Oliveira, que iniciou menino longacarreira de ator, emprestavam verossimilhança.

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DIVULGAÇÃO

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Jornal da ABI

4 Maio de 2006

— Antes, jamais havia pen-sado em fazer cinema. Acabeime unindo a uns amigos e for-mamos uma cooperativa. Fize-mos vários curtas e alternáva-mos as funções - contou JoséJoffily, relatando seu encontrocom o cinema nos anos 70. Em1980, Joffily dirigiu e fotogra-fou Até a última gota, que fala-va da comercialização de san-gue na América Latina e que eleacreditava que seria um gran-de sucesso: — Filmamos embancos de sangue da BaixadaFluminense e passamos umano só na produção. Depois dis-tribuímos convites nas ruas.Apesar de o filme ter sido ins-crito no Festival de Cannes, nãoteve audiência expressiva.

O longa seguinte foi O so-nho não acabou, escrito em co-laboração com Sérgio Rezende: — Pas-samos um mês em Brasília escrevendo,inspirados por fatos violentos da cidade.Depois, passei um tempo apenas escre-vendo roteiros, até voltar a dirigir emUrubus e papagaios.

Sobre o premiado Quem matouPixote?, filme que conta a trajetória deFernando Ramos da Silva, diz Joffily:— A história é baseada nos livros Pixotenunca mais, escrito pela mulher deFernando, Cida Venâncio, e Pixote, a leido mais fraco, de José Louzeiro. O filmefoi feito numa época de condições fa-voráveis, porque não há experiênciamais dolorosa do que parar um filme.

Com a herança de R$ 200 mil dei-xada pelo pai, Joffily pensou em pro-duzir um documentário. Daí surgiu Ochamado de Deus, sobre as influênciasreligiosas que os filhos recebem dasmães: — Depois eu percebi que fiz estefilme para a minha mãe. Talvez tenhasido este o trabalho que mais prazerme tenha dado. Como documenta-rista, você engravida, fica pleno e pas-sa a observar muito.

Sobre o recém-lançado Achados e per-didos, Joffily diz que é um filme som-brio, triste, com pouco humor, mas óti-mos desempenhos: — O Antônio Fa-gundes, a Zezé Polessa e a Juliana Knustfizeram um trabalho magnífico. Nãotivemos tempo para muitos ensaios. Eé uma obra centrada nos personagense não em ações.

Saudoso dos tempos em que as sa-las de cinema se multiplicavam pelasruas da cidade, Joffily lamenta a ocu-pação desses espaços por templos reli-giosos. E adverte:— Não é preciso en-tender um filme, mas senti-lo. E nós,cineastas, devíamos cultivar o costumede olhar em retrospectiva e ver comoestamos fazendo nossos filmes, se me-lhoramos, se caímos na mesmice, se fra-cassamos. É uma reflexão que façoconstantemente.

Com relação ao cinema nacional,

JOSÉ JOFFILY

“Filme é para sentir,não é para entender”

José Joffily, que chegou a se formarem Direito, começou no cinema poracaso, quando era fotógrafo. A estréiafoi como assistente do diretor StephanWohl, atuando como fotógrafo de stillnos bastidores de As aventuras de umdetetive português, em 1975: — Atéentão tinha sido apenas fotógrafo depublicidade e do mercado editorial. Masfui aprendendo aos poucos sobre to-das as funções no cinema e fiz de tudo.Desde 1984, quando lancei Urubus epapagaios, acumulo as atividades deprodutor e diretor.

Aos 33 anos de carreira como cine-asta, ele diz que no início mentia sobreseu tempo de experiência: — Aliás, pro-dutor vive mentindo. Mente para conse-guir recursos, sobre o orçamento, o tem-po de produção, o número de especta-dores e por aí vai. Mas tudo por bonsmotivos — brinca.

A filmografia de José Joffily incluiAchados e perdidos (2006), Vocaçãodo poder (2005), O chamado de Deus(2001), A maldição do Sanpaku (1992),Urubus e papagaios (1985), GaleriaAlaska (1980), Copa Mixta (1979), Alô,Tetéia (1978) e Praça Tiradentes (1977),entre outros.

Em 2003 ele ganhou o Troféu Can-dango de Melhor Diretor no Festival deBrasília, por Dois perdidos numa noite suja(2003) e em 1996 o Kikito de Ouro deMelhor Filme e Melhor Roteiro no Festivalde Gramado, por Quem matou Pixote?.

Nélson Pereira dos Santos entroupara o cinema como assistente de di-reção de Rodolfo Nanni em O saci, em1951. Quando se mudou para o Riode Janeiro, em 1953, trabalhou comoassistente de Alex Viany em Agulha nopalheiro e de Paulo Wanderley, em Ba-lança mas não cai. Considerado umdos precursores do Cinema Novo, emmeados dos anos 50 começou a idea-

lizar sua trilogia da cida-de, que começou comRio, 40 graus — seu pri-meiro longa —, seguiucom Rio, Zona Norte edeveria ser concluídacom Rio, Zona Sul.

Entre os principais fil-mes dirigidos por Nél-son estão Vidas secas,Boca de ouro, Fome deamor, Como era gosto-so o meu francês, Cine-ma de lágrimas, Meucompadre Zé Két i eRaízes do Brasil. Em1983, ganhou o prêmioda crítica especializadano Festival de Cannespor Memórias do cárce-re, baseado no livro ho-mônimo de GracilianoRamos, interpretado nofilme por Carlos Vereza.Raízes do Brasil, que falasobre o historiador Sér-gio Buarque de Holan-da, ganhou o PrêmioMargarida de Prata, daConferência Nacionaldos Bispos do Brasil, na

categoria de melhor documentário.Recentemente, Nelson foi o primei-

ro cineasta eleito para a Academia Bra-sileira de Letras.

55 anos de câmera

Mentir, mentir

avalia:— O cinema anda paralelamen-te ao País, acompanha-o, é um espe-lho da nação. Hoje é mais plural doque já foi antes, pois reflete as tendên-cias regionais. E a competição é ferozno mundo inteiro. No Brasil, na Ale-manha ou no Paraguai, as produçõesnorte-americanas ainda dominam amaior parte das salas.

dos uns dois filmes por ano. Atualmen-te, os lançamentos são semanais.

Sobre o convite para assumir umacadeira na Academia Brasileira de Le-tras, Nélson diz que partiu de umaproposta da própria ABL de acolherrepresentantes de outras áreas cultu-rais: — Foi um privilégio ter sido con-vidado para a ABL, o que coincide coma minha aposentadoria. Agora preten-do fazer apenas um documentário so-bre a vida de Tom Jobim, antes de mededicar exclusivamente à Academia.

As cenas de glamur, na praia, não impressionaram o coronel que interditou Rio, 40 graus.

Considerado o mais importante diretor docinema brasileiro, Nélson Pereira dos Santos

pretende dar tchau às câmeras após fazerum documentário sobre Tom Jobim para

trabalhar apenas na Academia, onde, aliás,há muita coisa para filmar.

Joffily nunca pensou em fazer cinema, mas acabouseduzido ao fotografar bastidores de filmagens.

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Jornal da ABI

Maio de 2006

ANA MARIA MAGALHÃES

ROSANE SVARTMAN

Roteirista e diretora de cinema e te-levisão, Rosane Svartman falou sobresua trajetória profissional e as dificul-dades na vida do cineasta no Brasil. Eladiz que é do tempo em que quase nãohavia escolas de Cinema no País: — Foiquando descobri o quanto era difícil in-gressar nessa área, nos anos 80, tão con-corrida quanto as cadeiras do curso deMedicina. Pensava também que só en-contraria essas escolas no exterior.

Quando entrou na Faculdade deCinema da Universidsade FederalFluminense, em 1986, Rosane costu-mava discutir com os colegas de tur-ma, nos intervalos das aulas, os filmesproduzidos: — Era o momento que tí-nhamos para avaliar as produções, tro-car idéias, etc. E cinema se faz em tur-ma. Nós tentamos formar um movi-mento, porque éramos grandes reali-zadores. E no Rio já não havia maistantos cineclubes, o que dificultava onosso acesso aos grandes filmes.

Lamentando ter-se formado na EraCollor, Rosane diz que foi o tempocomo aluna que a ajudou a ganhar ex-periência: — Quando saí da faculda-de, havia poucos filmes sendo produ-zidos no Brasil. Mas tive a sorte de terdirigido três curtas enquanto estuda-va, além de ter sido diretora de arte

“Vendi meu saxofonepara fazer cinema”

Premiada roteirista e diretora de ci-nema e televisão, Rosane Svartman hádez anos é professora do Núcleo deCinema Nós do Morro, criado no Mor-ro do Vidigal, comunidade popular daZona Sul do Rio. Formada em Cinemapela Universidade Federal Fluminense(Uff), Rosane tem entre seus principaistrabalhos os filmes Sexo, amor e trai-ção, Mais uma vez amor e Como sersolteiro (Prêmio Especial do Júri e deMelhor Ator no Festival de Brasília, em1997, e Prêmio do Público no Festivalde Cinema Brasileiro de Miami, em98). Para a televisão, fez inúmeros pro-gramas e seriados — entre eles, Comoser solteiro — A série, exibida no Multi-show e no Canal Brasil —, muitos comco-produção estrangeira.

Rosane conheceu o Nós do Morrodurante as filmagens de Como os pás-saros no Rio, produção canadense emque cuidou do elenco: — Foi muito inte-ressante esse encontro com pessoas tãotalentosas e interessadas em aprender.É um grande prazer poder ajudá-los nes-se processo e ver muitos dos meus alu-nos já atuando no mercado de trabalho,fazendo filmes. Isso é muito bom!

Prazer no morro

Convidada a falar sobre a mulherno cinema nacional, Ana Maria Maga-lhães iniciou seu depoimento abordan-do sua ligação com a política, iniciadapor causa do pai, Sérgio Magalhães, quese elegeu deputado federal nos anos 50e depois foi cassado pelo regime mili-tar: — Ele levava os filhos quando iapanfletar e essa experiência foi útil naminha profissão. Conquistei o olharque eu tenho da classe dirigente e dosmenos favorecidos com a freqüência deambientes de níveis sociais diferencia-dos. Isso me ajudou muito no cinema.

A decisão de ser atriz não foi bem-vinda na família. — Minha mãe nãoqueria de jeito nenhum. E meu pai meincentivava a me tornar economista.Mas em 65 eu entrei para o Conserva-tório Nacional de Teatro, onde conhe-ci Sadi Cabral. Logo depois, fui convi-dada por Zé Celso Martinez Corrêapara participar do Teatro Oficina. Esseconvívio foi muito rico, o Zé Celso foiuma escola.

Revelou Ana Maria que foi NélsonPereira dos Santos — que ela conheceudurante uma palestra sobre cinema na

“Nossa luta é parabotar o filme na tela”

ABI — quem lhe abriu as portas para ocinema. — Eu tinha largado a faculdadee a militância política e o Nélson come-çou a fazer a minha cabeça, dizendo queeu devia investir no cinema. Foi o mo-mento da decisão. Acabei largando tudoe indo com ele para Paraty, onde filmeiComo era gostoso o meu francês.

Além de relatar sua trajetória comoatriz e diretora, Ana Maria fa-lou também de sua grande ami-zade com Gláuber Rocha, comquem diz ter aprendido a mon-tar seus personagens. Ela encer-rou o depoimenmto fazendosua análise sobre o cinema bra-sileiro: — A história do filmeno Brasil não é de afirmação ar-tística, é muito mais do queisso. É uma conquista do pú-blico e do mercado, de lutarpara pôr o filme na tela.

do meu filme de formatura, experiên-cia de que não gostei muito — brin-cou. — No entanto, curta nunca sus-tentou nem sustenta até hoje. Ganheivários prêmios, mas nada que pagassea produção. Servia mais de aprendiza-do. Os filmes não recebiam incentivoalgum, dávamos festas para angariarfundos, arrecadávamos dinheiro emsinais de trânsito, vendi meu saxofo-ne e nunca mais comprei outro...

Embora diga que teve colegas queela acreditava serem mais bem-prepa-rados, Rosane foi a única a fazer umlonga-metragem: — Mas não gosto deser a exceção. Isso é ruim, demonstraque a regra é difícil. Além disso, hojenão vivo de cinema, mas da produçãode conteúdo para o mercado audiovi-sual de TV, publicidade, etc.

A idéia de produzir o longa Comoser solteiro partiu de um curta homô-nimo: — Convidei uma amiga e comapenas R$ 80 mil rodamos o filme. Erauma loucura, mas assumimos dívidasque fomos pagando ao longo do tem-po. Contamos também com uma equi-pe generosa, dos atores aos técnicos.O José Joffily, que tinha sido meu pro-

Ana Maria Magalhães começou no ci-nema em 1965 e viu “muita coisa acon-tecer nesse tempo”:, mudanças na formade produção de filmes, na administraçãodos recursos econômicos, etc Ela foi nãoapenas atriz no começo da carreira: tam-bém fez dublagem, montagem e roteiros.— Agora, como no Brasil diretor normal-mente produz, busco uma forma de dis-tribuição para o documentário que acabeide fazer, Lembranças do futuro, sobre oarquiteto Afonso Eduardo Reidy. E comoutras imagens e um novo viés, estou edi-tando Reidy — a construção da utopia, umavisita ao Rio por intermédio de sua obra.

“Um bom momentoda minha vida”

Rosane: Comoser solteiro só

não fez carreiramelhor porque

coincidiu com olançamento de

Titanic.

fessor, nos emprestou a moviola. Maso filme estava na Lei do Audiovisual edepois conseguimos arrecadar cerca deR$ 625 mil com patrocínios. E chega-mos à marca de 160 mil espectadores.Só não mantivemos o filme nas salasporque Titanic acabara de ser lançado.

Depois do sucesso, Rosane emendouComo ser solteiro — A série, exibida noGNT, e outras produções para os canaisFutura e Multishow: — Quando veioo segundo longa, Mais uma vez amor,de 2005, baseado numa peça que ficouanos em cartaz e rodou todo o Brasil,sabia que seria difícil, ainda que tives-se R$ 3 milhões. O primeiro filme eutinha feito com amigos, já o segundotinha mais caráter de indústria, distri-buição da Warner Bros., essas coisas.Apesar disso, tivemos audiência de cer-ca de metade dos 600 mil espectadoresesperados. O cinema brasileiro viveuma queda de público.

Sobre projetos, Rosane diz: — Estouproduzindo a série Quando éramos vir-gens, do GNT, que mostra a primeira vezsob diversos aspectos. Depois, sigo comoutras séries para o Futura, o Multishow.O próximo longa ainda pode demorar.

A atriz ficou lisonjeada com o convitedo amigo Jesus Chediak, Diretor Culturalda ABI, com quem chegou a contracenarno tempo em que eram alunos do Con-servatório Nacional: — O artista tem ne-cessidade do público, mas hoje sinto quea mídia é muito seletiva. Este encontrona ABI acontece quase que simultanea-mente ao lançamento da minha biogra-fia pela série Aplauso. São coisas que che-gam num bom momento da minha vida.

Ana Maria Magalhães acumula diversosprêmios em sua carreira. Em 1972, foi AtrizRevelação pela Associação Paulista dos Crí-ticos de Arte-APCA. Em 1975, arrebatou oKikito de Melhor Atriz por Uirá, um índioem busca de Deus, de Gustavo Dahl. Em1984, sua direção de Assaltaram a gramá-tica foi premiada no I Festival Nacional deCaxambu. Em 1992, o documentário Man-gueira do amanhã — exibido no Canal Plusfrancês — recebeu Menção Honrosa (Mar-garida de Prata) da Conferência Nacionaldos Bispos do Brasil-CNBB.

A estréia como atriz profissional foi noGrupo Oficina, um dos mais importantese revolucionários grupos teatrais do Brasil.No início dos anos 80, Ana Maria dirigiu odocumentário sobre Leila Diniz Já que nin-guém me tira pra dançar..., que se tor-nou o primeiro vídeo com produção in-dependente a ser exibido na televisão bra-sileira. Como atriz, trabalhou em Os setegatinhos; Se segura, malandro; Lúcio Flá-vio – O passageiro da agonia, além do jácitado Como era gostoso o meu francês.Além de Assaltaram a gramática e Man-gueira do amanhã, dirigiu O bebê e Lara.

Pelo gosto do pai, o DeputadoSérgio Magalhães, Ana Maria seria

economista. Uma palestra deNélson Pereira na ABI empurrou-a

para o caminho do cinema.

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6 Maio de 2006

CONFRATERNIZAÇÃO

Cerca de 200 jornalistas que atua-ram no Jornal do Brasil nas décadas de60, 70 e 80 — que muitos consideramos períodos mais importantes da his-tória do jornal — reuniram-se no es-paço musical Rio Scenarium, na Lapa,Centro do Rio, no fim de abril, numreencontro que reaproximou grandesnomes do jornalismo brasileiro, comoAlberto Dines, Jânio de Freitas, AnaArruda, Remy Gorga e Tato Taborda,cujo trabalho ajudou a fazer do JB umdos mais importantes veículos de co-municação do País. Também estiverampresentes jornalistas com atuação po-lítica institucional, como Fernando Ga-beira, Milton Temer e Ibsen Pinheiro.

A comissão encarregada de locali-zar os convidados foi formada por VeraPerfeito, Carlos Lemos, Sérgio Fleury,Altair Thury Filho, Fichel Davit Char-gel, Margarida Autran, Joëlle Rouchou,José Silveira, Romildo Guerrante, Bea-triz Bonfim e Armando Strozenberg.Contou Vera Perfeito que a idéia nas-ceu num almoço de 30 ex-colegas daGeral, em que Carlos Lemos sugeriu umevento maior, com a participação decompanheiros de todas as editorias eaté de outras áreas — foram chama-dos, por exemplo, os compositoresMonarco, ex-guardador de carros noestacionamento do jornal, e Tantinhoda Mangueira, ex-contínuo.

Zilda Ferreira — que trabalhou noDepartamento de Pesquisa e na sucur-sal do JB no Recife de 1974 a 1980 eatualmente dá aulas na ABI — achouo evento importante e lamentou a fal-

A VELHA JOVEM GUARDADO JB SE REENCONTRAUma festa para o coração reúne repórteres, revisores, redatores,editores, guardador de carros e contínuo das décadas de ouro do jornal

ta de alguns colegas.— Gostaria de terreencontrado o Mário Pontes e o JoãoMáximo. Senti também a falta doMaurício Azêdo. Foi bom relembraresse período importante de nossas vi-das e do jornalismo, que não sei se umdia conseguiremos retomar.

do Ramos, Alberto Ferreira, AlbertoDines, Alice Burlá, Altair Thury Filho,Ana Arruda, Ana Maria Funke, ÂngelaSantângelo, Ângela Saraiva, AntônioAugusto Dunshee de Abranches, Antô-nio Maria, Arthur Aymoré, AtenéiaFeijó, Beatriz Chargel, Beatriz Horta,Belisa Ribeiro, Bia Bomfim, Borges Neto,Bruno Cartier-Bresson, Carlos Leonam,Carlos Lemos, Célia Abend, CláudiaBoechat, Clecy Ribeiro, Cristina Autran,Cristina Borges, Cristina Calmon,Christine Ajuz, Denise Assis, DavitChargel, Diane Lisbona, Elizabeth Car-valho, Emília Silveira, Fernanda Pedrosa,Fernando Gabeira, Fernando Zerlotini,Ferreira Gullar, Franca di Sabato, FredSutter, Fritz Utzeri, Geisa Mello, GilseCampos, Glória Alvarez, Glória Noguei-ra, Guilherme Duncan, HamiltonCorrêa, Helena Duque, Heloisa Nasci-mento Brito, Hudson de Carvalho eHumberto Borges.

E mais: Ibsen Pinheiro, Ivanir Yasbek,Jamille Attié, Jânio de Freitas, João Batis-ta de Freitas, João Berrêdo, J.Arruda, Jo-aquim Campelo, Joëlle Rouchou, JomarPereira da Silva, José Silveira, J. Paulo, Joséde La Peña, Laerte Gomes, Lan, LiègeQuintão, Liliane Schwab, Luciana Conti,Lucila de Beaurepaire, Luiz EduardoRezende, Lutero Mota Soares, Luiz Lobo,Luiz Carlos Mello, Luiz Orlando Carnei-ro, Lula David, Lywall Sales, MabelArthou, Márcia Pena Firme, MariaCristina Brasil, Maria do Céu, Margari-da Autran, Maria Helena Malta, MariaIgnez Duque Estrada Bastos, Maria Ali-ce Paes Barreto e Maria Teresa Ottoni.

E ainda: Marta Alencar, Monarco,Mônica Cotta, Mônica Horta, Nani,Norma Couri, Pimba, Regina Rito, Re-gina Zappa, Ricardo Kotscho, Rita Luz,Rogério Reis, Romildo Guerrante,Ronaldo Braga, Sandra Chaves, SérgioFleury, Sônia Beatriz, Suzana Schild,Tamar de Castro, Thais de Mendonça,Trajano de Moraes, Tereza Cristina Levy,Vasni Frota, Venerando Carlos Martins,Vera Cavaliéri, Vera Perfeito, Vera Sastre,Walder de Góis, Walter Diogo, WilsonCosta, Wilson Figueiredo e Yacy Nunes.

Fritz Utzeri, ex-editor-chefe do JB ecolunista do ABI Online, disse que oencontro deveria repetir-se anualmen-te: — Foi muito bom relembrar um pe-ríodo áureo do jornal. Foi a redaçãomais unida que em que eu já trabalhei.

Entre os presentes estiveram Agnal-

Com alegria eirreverência,

antigoscolaboradores

do JBformaram

grupos, emdiferentes

momentos,para a

histórica fotodo reencontro.

O jornalistaFritz Utzeri, quefoi editor-chefedo jornal, disse

que foi no JBque encontrou

a redação maisunida com que

já trabalhou.

Em concorrida solenidade realizada em 4 demaio, a Folha Dirigida promoveu no Jockey Clu-be Brasileiro, no Centro do Rio, a entrega doprêmio Personalidades Cidadania 2006, inicia-tiva do jornal co-patrocinada pela Organiza-ção das Nações Unidas para a Educação, Ciên-cia e Cultura-Unesco e a ABI.

Foi esta a segunda edição do prêmio, desti-nado a contemplar anualmente, dez personali-dades por seu trabalho em defesa das conquis-tas sociais e em busca da valorização do serhumano. Além disso, também são eleitas trêsinstituições que trabalhem pela inclusão social.A escolha das personalidades é feita por votodireto e secreto de um colégio eleitoral integra-do por 2.500 pessoas representativas de diver-sos segmentos da comunidade fluminense.

HOMENAGEM

Dines e Sodré ganham prêmio de CidadaniaDines e Sodré ganham prêmio de CidadaniaDines e Sodré ganham prêmio de CidadaniaDines e Sodré ganham prêmio de CidadaniaDines e Sodré ganham prêmio de CidadaniaEste ano, foram eleitos os jornalistas Alberto

Dines, editor do Observatório da Imprensa, eMuniz Sodré, Presidente da Biblioteca Nacional.Também foram premiados Rosiska Darci de Oli-veira, escritora e Presidente do Centro de Lide-rança da Mulher-Celim; João Batista Berthier,Procurador do Ministério Público do Trabalhodo Rio de Janeiro; Lucinha Araújo, Presidenteda Fundação Viva Cazuza; Nilcéa Freire, Minis-tra da Secretaria Especial de Políticas para asMulheres; Rubem César Fernandes, antropólo-go e Presidente do Movimento Viva Rio; YvonneBezerra de Mello, Presidente da ong Uerê; ZildaArns, médica e fundadora da Pastoral da Crian-ça; e o Senador Saturnino Braga.

As três instituições eleitas em 2006 foram o Ban-co da Providência, a Pró-Matre e o Sebrae-RJ.Muniz Sodré: eleito por um colégio com 2.500 eleitores.

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O jornalista e escritor Flávio Tava-res foi o convidado especial do CursoLivre de Jornalismo Cultural da ABI,que o chamou para falar no dia 8 demaio sobre o tema Jornalismo e Lite-ratura. Ao comentar a condição atualdo jornalismo cultural, Flávio disseque os cadernos especializados têmque se reestruturar e buscar aborda-gens mais cotidianas: — Cultura évida e temos que buscar para esses ca-dernos justamente o que está relacio-nado à nossa vida. Os jornalistas de-vem sair da redação e parar de serpautados somente pelas assessoriasde imprensa. Devemos tratar da es-sência humana.

Cecília Costa concordou e acres-centou que a publicidade passou apautar a imprensa: — Antigamente,nós, jornalistas, tínhamos horror aosanúncios invadindo as páginas dosjornais. Hoje, no entanto, há um fas-cínio por fazer tudo rápido e em gran-de escala para satisfazer o mercadocapitalista em que estamos inseridos.

Na conclusão de sua aula, FlávioTavares falou sobre as conseqüênci-as de sua militância política e seuexílio na época da ditadura militartanto em sua vida pessoal quanto nacarreira: — O saldo é que hoje souuma pessoa mais aberta, pronta paraaprender o tempo todo. Por outrolado, me tornei muito exigente e essenível de exigência que adquiri me aju-dou bastante na vida profissional,porque me tornei um jornalista maisaguçado, com mais senso crítico. Naminha opinião, é disso que os meiosde comunicação precisam, porque, aomesmo tempo que não podemos es-quecer que é o capitalismo que moveo mundo, não devemos achar que aimprensa é só isso. (Débora Giordano)

POSSEACONTECEU NA ABI

Uma aula deFlávio Tavaresno curso deCecília Costa

Em sessão solene em 15 de maio, aABI empossou um terço do seu Conse-lho Deliberativo — 15 membros efeti-vos e 15 suplentes, para o mandato2006-2009 — e a totalidade do Conse-lho Fiscal —para o período 2006-2007.No mesmo ato foram eleitos, por acla-mação, o novo Presidente da Mesa Di-retora do Conselho, Fernando Segis-mundo, e os membros das três Comis-sões que integram a Direção da Casa: ade Sindicância, a de Ética dos Meios deComunicação e a de Liberdade de Im-prensa e Direitos Humanos.

Para a Mesa do Conselho foram em-possados com Fernando Segismundo osasslociados Estanislau Alves de Olivei-ra, 1º Secretário, e Carlos Rodrigues, 2ºSecretário. Os três ocuparão as vagasdeixadas por Ivan Cavalcanti Proença,Domingos Xisto da Cunha e CarlosArthur Pitombeira, respectivamente.

A sessão de posse aconteceu na SalaHeitor Beltrão,no 7º andar do EdifícioHerbert Moses, e foi presidida pela Mesaformada pelo ex-Presidente do Conse-lho Deliberativo, Ivan Cavalcânti Pro-ença, o Presidente da ABI, MaurícioAzêdo, os Conselheiros Domingos Xistoe Carlos Arthur Pitombeira e a Diretorade Jornalismo, Joseti Marques.

Antes de declarar empossados oscomponentes do terço do ConselhoDeliberativo, Ivan Proença, que nãoconcorreu à reeleição, declarou: —Agradeço o convívio fraterno que tivecom os colegas e as intervenções demuitos de meus companheiros paraque eu concorresse à permanência nocargo, mas tenho meus motivos parame afastar.

Em seguida, Maurício Azêdo elo-giou a atuação de Ivan Proença à fren-te do Conselho: — Seu desempenho

Novo Presidenteé escolhido poraclamação.

CONSELHO ELEGE SEGISMUNDOelevou os interesses da ABI, peloestreitamento de relações que ele con-seguiu promover entre os companhei-ros e as relações de confiança que fo-ram estabelecidas.

Na seqüência de sua intervenção,Maurício justificou a indicação deFernando Segismundo para o cargo quevinha sendo ocupado por Ivan e infor-mou que a indicação coube à Presi-dência da ABI, após consultas à Dire-toria, a associados e membros do pró-prio Conselho Deliberativo: — Para nósda Diretoria da ABI corresponde a umdever de justiça conduzir à Presidênciado Conselho Deliberativo da CasaFernando Segismundo, associado que

merece todo o nosso respeito. Apresen-tamos seu nome por sua projeção inte-lectual e no quadro da ABI. Segismundocontribuiu para manter a ABI no pata-mar de dignidade que ocupa, pelos ser-viços que tem prestado à entidade.

O Presidente da ABI elogiou a atu-ação de Segismundo como membro daCasa e como intelectual e jornalistaque teve também papel destacado naconstituição do Sindicato dos Jorna-listas Profissionais do Rio de Janeiro eda Federação Nacional de Jornalis-tas:— Ele fez um trabalho valorosopara que os jornalistas do País tives-sem uma instituição que expusesse, noplano federal, as reivindicações da ca-tegoria dos profissionais de imprensa.

Por isso impõe-se ao nosso respeito eadmiração.

Já empossado na Presidência doConselho, Fernando Segismundo agra-deceu as palavras de apoio, cumpri-mentou seu antecessor e falou sobresua gestão: — Como antigo militantedesta Casa, aceito o trabalho que voudesempenhar com a certeza da respon-sabilidade que me espera. E antecipoque farei isso ouvindo regularmentemeus companheiros, pois sou uma pes-soa que luta pelo ambiente democráti-co e o convívio fraternal. Vamos con-jugar nossas esperanças e experiênciaspara o bem da Casa e do nosso País.

Antes do encerramento da solenida-de de posse, AudálioDantas, Vice-Presi-dente da ABI e Presi-dente da Comissãode Defesa da Liber-dade de Imprensa eDireitos Humanos,propôs um voto delouvor a Ivan Ca-valcânti Proença: —Eu só o conhecia dereferência, mas de-pois de conhecê-lomais de perto façoesta proposta, base-

ado na competência da sua atuação. Eleé merecedor de todo o nosso aplauso.

Juntamente com o ConselheiroMário Augusto Jakobskind, membro daComissão, Audálio também apresen-tou uma moção para que a ABI se ma-nifestasse em relação aos atos de vio-lência que estavam ocorrendo em SãoPaulo: — Quero lembrar a importân-cia de um pronunciamento da ABI so-bre a situação que ocorre em São Pau-lo, que tem a ver com a questão dosdireitos humanos, fruto da seqüênciade longos anos de desrespeito a essesdireitos e à incapacidade de diversosgovernos de resolver a violência.

Além de apoiar a proposta, Maurí-cio Azêdo manifestou sua preocupação

com “a insegurança queameaça estender-se aoutros Estados”:

— Devemos mos-trar a falência do siste-ma prisional ao falarsobre as condições de-sumanas e brutais dospresídios do País — e,em especial, do Rio deJaneiro — que caracte-rizam a responsabilida-de do Governo Federalcom a política nacionalde segurança pública.Até mesmo nos Esta-dos que dispõem de re-cursos a segurança pú-blica carece de investi-mentos sem teor mera-mente repressivo.Estanislau de Oliveira (à esq., com Segismundo e Domingos Xisto) é o 1º Secretário da Mesa do Conselho.

Fernando Segismundo (à dir.), com Audálio Dantas: Vamosconjugar nossas esperanças para o bem da Casa e do nosso País.

Os jornalistas da área cultural devem sairmais da redação, disse Flávio Tavares

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8 Maio de 2006

����� Entrevista a José Reinaldo MarquesDEPOIMENTO-1

MARCOS DE CASTRO

“OS JOVENS JORNALISTASPRECISAM LER OS GRANDES

MESTRES DA LÍNGUA”Ninguém escreve bem se não lê os bons autores de seu idioma,

diz ele, um jornalista licenciado em Letras Clássicas.

Apaixonado pela língua portuguesa,

escritor, tradutor e jornalista há mais de

40 anos, Marcos de Castro — licenciado

em Letras Clássicas pela Faculdade

Nacional de Filosofia da antiga

Universidade do Brasil — considera a

leitura um hábito essencial. Seu grande

sonho, diz, é ver a maioria dos jovens

brasileiros interessada nas obras dos

grandes autores nacionais.

Pensando nisso — e atendendo a um

apelo do amigo Moacir Japiassu, também

jornalista e escritor —, Marcos lançou

recentemente o livro Caminhos para a

leitura, que reúne 25 artigos com

biografias e antologias de autores como

Machado de Assis, Lima Barreto,

Guimarães Rosa, Carlos Drummond de

Andrade e Aluísio Azevedo.

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Jornal da ABI — Desde quando a lei-tura é um item básico na sua vida?Marcos de Castro —Marcos de Castro —Marcos de Castro —Marcos de Castro —Marcos de Castro — Nasci numacasa que tinha estantes espalhadaspor todos os cômodos e livros dochão até o teto. Então, eu me habi-tuei a ler desde pequeno. Nessa oca-sião, morávamos em São Paulo. Meupai era carioca, mas formou-se emEngenharia e foi trabalhar em ferro-vias. Ao longo da linha, foram nas-cendo os filhos: eu em Uberaba, ou-tro em Campinas, outro em Franca.

Jornal da ABI — Quando foi sua apro-ximação com o jornalismo?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Eu estudava Letras Clás-sicas, na velha Faculdade Nacional deFilosofia, e precisava ganhar um di-nheirinho. Na época, não pensava emser jornalista, mas pedi a um cunha-do, que trabalhava na Tribuna da Im-prensa, que me conseguisse um lu-gar de revisor. Embora não soubesseaqueles sinais e convenções, tinhacondições de fazer o trabalho.

Jornal da ABI — Então a revisão foi asua porta de entrada na imprensa?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Sim. Meu primo me apre-sentou ao Gabriel Chaves de Melo,que era o chefe da Revisão da Tribu-na e estava também assumindo aDireção de Redação (naquele temponão se usava o termo editor) da re-vista Maqui, do Amaral Neto. Eleestava com um arquivo fotográficobagunçado e perguntou se eu nãoqueria ajudá-lo. Não havia salário,mas teria um pró-laborezinho, oucoisa assim. Quando comecei a tra-balhar, em 1958, o Amaral Neto lan-çou O Brasil em Jornal, sobre Histó-ria, em que a gentepublicava o fato comose estivesse ocorrendonaquele momento,algo como “Frota deCabral avista novasterras e o MontePascoal”. Era uma imi-tação do francês LeJournal de Monde. Fezmuito sucesso e tinhauma Redação de elite.

Jornal da ABI — Quemeram seus colegas?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Lá estavamcraques como Cláudio Soares, queera professor de História e jornalistade altíssimo nível; Rubem AzevedoLima, que tinha acabado de ganhar400 mil cruzeiros num programa detelevisão famoso da época, O céu é olimite, respondendo sobre História doRio de Janeiro; e o Zuenir Ventura,que foi meu colega de faculdade. Tra-balhei lá por uns cinco ou seis me-ses, até que um dia apareceu o CarlosLemos, no início de 1959. Ele estavacompletando a grande reforma grá-fica e editorial do Jornal do Brasil, quefoi — acho eu — o passo mais im-portante da imprensa brasileira no

século XX, com Odylo Costa, filho àfrente. Lemos fora nomeado chefe deEsportes e foi lá buscar Cláudio Soa-res, com quem eu tinha trabalhadona Tribuna.

Jornal da ABI — Eles o levaram parao JB?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — O Cláudio recusou o con-vite. Era professor de História emdois ou três colégios e à tarde aindatinha o trabalho na Tribuna da Im-prensa. Então, virou-se para o Lemose disse: “Eu não posso trabalhar de

noite, mas, se vocêquiser, leva esse garo-to aqui, o Marcos, queestá começando. Achoque ele tem condiçõespara o cargo.” Acabeifazendo o caminho in-verso da grande maio-ria dos jornalistas: emvez de repórter, vireilogo copidesque, quetinha a função de rees-crever toda a matéria.

O Jornal do Brasiltinha o padrão gráficodeterminado pelo

Amílcar de Castro — grande artista ediagramador maravilhoso —, que nosobrigava a fazer lead e sublead. O JBcriou também o sublead porque anteseram dois blocos de cinco linhas, umadiagramação horrível, totalmenteverticalizada. Reescrevíamos inteira-mente os textos, em primeiro lugar,para adaptá-los ao projeto gráfico; de-pois, porque os repórteres, realmen-te, não eram de alto nível. As matéri-as chegavam cheias de erros, precisan-do de muito mais do que o que hojese chama de uma “copidescada”.

Jornal da ABI — E como foi a sua pas-

sagem pela Redação da revista Reali-dade?MarcosMarcosMarcosMarcosMarcos — — — — — O período de dois anos(1967-1969) em que trabalhei na Re-alidade foi o melhor de minha carrei-ra, se é que se pode dizer que tenhouma carreira. Lá, era dignamente re-munerado para fazer apenas uma re-portagem por mês, trabalhei com gen-te como José Hamílton Ribeiro e LuizFernando Mercadante e ganhei umdos meus Prêmios Esso, na categoriaInformação Científica (1969). O ou-tro, de Reportagem Esportiva, ganheino JB (1963), numa parceria com meusaudoso companheiro Dácio deAlmeida. Pela Realidade, viajei muitoe fui o único repórter brasileiro a en-trevistar Chiang Kai-Chek, ditador deFormosa — que hoje os jornais cha-mam colonialisticamente de Taiwan,quebrando uma tradição de mais de400 anos na língua portuguesa.

Jornal da ABI — No seu mais recentelivro, Caminhos para a leitura, vocêdiz que pretende ajudar os jovens jor-nalistas a conhecer os clássicos da li-teratura brasileira. Como espera alcan-çar este objetivo?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Acho a leitura essencialpara o jornalista, que, afinal, vive daspalavras. Ninguém escreve bem senão lê os bons autores de sua língua.E um bom redator não pode deixarde ler os grandes mestres, como Ma-chado de Assis e José de Alencar. Sevocê pegar Machado, por exemplo, vaiter toda a vida do Rio antigo econhecê-lo muito melhor do que numchato livro de História. Com escrito-res como ele, o cidadão mergulha fun-do na história da cidade e do País.

Jornal da ABI — O que considera maisinteressante em seu livro?

Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Ele tem um pequeno es-tudo — não é crítica, que eu não soucrítico literário — sobre cada autor.A esse pequeno estudo acrescentouma antologia, um trecho de cada es-critor. Acho que isso pode levar osjovens a se reencontrarem com a lei-tura. Sobretudo, também, porque oscríticos literários acham que a obraliterária é uma coisa inteiramente àparte, que não tem nada a ver com abiografia do autor.

Acho muito importante, porexemplo, o sujeito que lê o nossogrande Lima Barreto saber que ele eranegro, suburbano, pobre, bêbado elouco, duas vezes internado no hos-pício onde seu pai já tinha estado, naPraia Vermelha, diante do que é, hoje,o Iate Clube Brasileiro.

Jornal da ABI — A idéia foi mesmo dojornalista e romancista Moacir Japiassu?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Ele é culpado pela existên-cia do livro porque tinha uma boni-ta e crítica revista chamada Jornal dosJornais. Quando foi lançar o nº 1 dapublicação, o Japiassu me telefonou,dizendo: “Marcos, eu quero que vocêfaça um artigo por mês sobre um es-critor de língua portuguesa. Sabe porquê?” — e aí ele repetia o que sem-pre digo — “Porque os jovens nãoestão lendo nada. Eu quero que, atra-vés da nossa revista, eles comecem apenetrar no espírito do autor, paraque, a partir daí, se interessem peloslivros desses autores.” Escrevi duran-te quase dois anos para a revista.Quando ela fechou, falei com aLuciana Vilas-Boas, da Record, e ofe-reci os artigos. Ela disse: “Tem 21artigos. Faz mais quatro que a gentepublica esse livro”.

Jornal da ABI — Seu penúltimo livro,

Um momento de dupla emoção: Marcos de Castro recebe o Prêmio Esso de Informação Científica das mãos de Carlos Lemos,que fora o responsável por sua ida para o Jornal do Brasil, dez anos antes, em 1959. Lemos completava então a célebre reforma do JB.

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10 Maio de 2006

A imprensa e o caos na ortografia,sugere que os textos jornalísticos tam-bém estão ruins.Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Além de ruins, estão coa-lhados de erros. Por exemplo, acabode ler uma matéria em que a repór-ter se refere à Roda dos Expostos,onde as mulheres pobres abandona-vam crianças. A repórter diz que esserecurso já existia no século XIX,como está — segundo ela — escritono conto Relíquias de casa velha, deMachado de Assis. Ora, Relíquias decasa velha não é um conto, é um li-vro de contos.

Jornal da ABI — Quais são, como vocêdiz, as principais batatadas da impren-sa com o idioma?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Em A imprensa e o caos naortografia, apresento uma coleção de70 a 80 batatadas. Como a expres-são “vítima fatal”. Fatal é um adjeti-vo que significa “que mata”. Assim,uma doença fatal é uma doença quemata. Ora, a vítima não mata, fatalé o acidente.

Jornal da ABI — O que acha de se in-corporar à língua vocábulos de outrosidiomas?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Quando necessários, vo-cábulos de outros idiomas enrique-cem uma língua. Por exemplo, quan-do o abajur chegou aqui, não tínha-mos uma palavra para ele. A palavracriada em função da tecnologia quevem de fora é aceitável. Agora, achoabsolutamente desnecessária a ex-pressão delivery, uma vez que temosa tão comum entrega em domicílio.

Jornal da ABI — O que isso traz de ruim?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — É ruim por ser absoluta-mente inútil. Outro dia chegou aquium rapazinho fazendo entrega de su-permercado e dizendo que era o“delivéri”, deturpando a pronúncia.Ele não tem obrigação de saber in-glês. Estamos por aí com essa estu-pidez de delivery, um termo absolu-tamente inútil forçado pelo comér-cio, que quer ser copiador dos ame-ricanos. A imprensa contribui pornão fazer uma triagem, não usar ape-nas os termos essenciais. A Econo-mia importou muitos vocábulos es-trangeiros.

Jornal da ABI — Você assinaa coluna Boca-de-cuia noJornal dos Sports. Desdequando tem atração pelacrônica esportiva?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Na grande im-prensa, eu comecei naeditoria de Esportes, traba-lhando com uma equipe deprimeiríssimo nível: o edi-tor era Carlos Lemos, o sub-editor era Jânio de Freitas eo time de copidesques tinhao Sérgio Noronha e o Fer-nando Horácio da Mata, in-felizmente falecido. Em se-

guida, incorporou-se àequipe o Armando No-gueira. Quando ele en-trava em férias, eu erachamado para interinoda coluna, que se chama-va Na grande área. Des-de então tenho essa que-dinha pelo esporte emgeral, particularmentepelo Flamengo.

Jornal da ABI — Qual é ocronista esportivo cujotexto você mais admira?Por quê?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Gosto muitodo Armando Nogueira,que acabo de citar e quetem um texto primoro-so, e também do Fernan-do Calazans, que é umsujeito que você logopercebe que conhece oidioma, que lê e sabe es-crever. Isto é muito im-portante para mim.

Jornal da ABI— No arti-go Carrinhos e malas,para o JS, você critica ofato de os comentaristasesportivos abusarem determos impróprios, prin-cipalmente na TV. A im-prensa esportiva cometemuitas batatadas?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Tanto quan-to as outras editorias. Elanão é nem melhor nempior do que a imprensada área policial ou de po-lítica. Acho que ela tema mania de repetir velhascoisas, como pelota e ár-bitro, quando é muitomais fácil você falar bolae juiz. E há os que que-rem seguir uma coisa rí-gida, a denominação téc-nica oficial; então, dizem“o assistente”. Por que, seé mais simples transmitir para o lei-tor ou para o telespectador a expres-são “bandeirinha”?

Jornal da ABI — Como você avalia aparticipação do jovem brasileiro napolítica?

tura. Acho que a nossa crônica polí-tica caiu um pouco de lá para cá.Castelinho era tão hábil que, mesmono auge da ditadura, conseguia usaras entrelinhas de sua coluna.

Jornal da ABI — O que você acha queprovocou essa queda de qualidadenas colunas políticas?MarcosMarcosMarcosMarcosMarcos — — — — — Acho que é a falta de lei-tura. Hoje, você não tem um colu-nista do nível do Castelinho ou doHeráclio. Ou ainda, antes deles, dovelho Prudente de Morais, neto, quefoi Presidente da nossa ABI e se assi-nava Pedro Dantas. Ele era um cro-nista político finíssimo, de altíssimonível. Posso juntar a Heráclio Sales eCastelinho o nome de Pedro Dantas,seria uma injustiça se não juntasse onome dele.

Jornal da ABI — O multiculturalismoé um tema que vem sendo muito de-batido atualmente. Você acha que osveículos de comunicação dão a devi-da atenção ao assunto?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Nós temos hoje nos jor-nais os segundos cadernos, coisa quea reforma do Jornal do Brasil fundouna imprensa. O Caderno B foi o pri-meiro deles, até então não existiaisso. A partir dele, todo grande jor-nal do País tem o primeiro caderno— com notícias de política, econo-mia, polícia, esportes etc. — e o se-gundo — com lazer e cultura. Essacriação do Reinaldo Jardim é umacriação do Jornal do Brasil na épocada reforma. Acho que os assuntosculturais estão, razoavelmente, bemtratados nesses cadernos. Além dis-so, os jornalões têm também suple-mentos literários que tratam quaseque exclusivamente de livros.

Jornal da ABI — Em que medida ojornalista deve respeitar as diferençasculturais?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Na medida mais amplapossível. Acho que diferenças cultu-rais têm que ser respeitadas sob qual-quer hipótese. O respeito a uma di-ferença cultural indígena, negra ouqualquer outra é uma coisa impor-tantíssima, fundamental. Mas hácoisas que acho uma perda de tem-po, como o que fez um ex-Secretáriode Cultura do Município do Rio —com grande boa vontade, tenho cer-teza —, que mudou o nome de Se-cretaria de Cultura para Secretariadas Culturas.

Jornal da ABI — Que tipo de lição aimprensa vai tirar de um episódiocomo o das charges sobre Maomé?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Acho que a lição básica éque tudo tem seu limite. Há um li-mite muito delicado quando vocêagride a crença das pessoas, desres-peita sua fé. Você está atingindo umcampo perigoso, e é injusto mexercom esse tipo de sensibilidade, quetem de ser respeitado.

MarcosMarcosMarcosMarcosMarcos — A ditadura deixou, atéhoje, seqüelas muito graves nessesentido. Acho que o jovem brasileironão participa como no tempo dacampanha O petróleo é nosso e demuitas outras que surgiram. Pouco apouco, porém, com a democraciaestabelecida e estratificada no País,acho que a tendência é melhorar cadavez mais, cada vez o jovem partici-par mais.

Jornal da ABI — Você gosta do jorna-lismo político nacional?Marcos —Marcos —Marcos —Marcos —Marcos — Gosto. Não sei se é sau-dosismo ou um pouco de velhice,mas lembro que o Jornal do Brasil ti-nha colunistas como o Castelinho(Carlos Castelo Branco) e o HeráclioSales, que eram não só homens degrande saber, como amavam seu idio-ma, conheciam profundamente sualíngua; enfim, eram homens de cul-

Um missionário da causa do idioma: em dois dos várioslivros que escreveu, Marcos estimula a leitura e combate

a poluição da língua portuguesa.

“Acho a leitura essencialpara o jornalista, que, afinal,vive das palavras. Ninguémescreve bem se não lê osbons autores de sua língua.”

JOSÉ REIN

ALDO

MARQ

UES

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Maio de 2006

No salão de festas do Hotel Gló-ria, os tiras destoavam, embora nãofossem propriamente uma rarida-de naquele tempo. Era o dia 11 dedezembro de 1969, almoço de en-trega do Prêmio Esso, as mesas flo-ridas. Luís Edgar de Andrade era ogrande premiado, com uma série dereportagens na Última Hora. Entreos outros ganhadores estava eu,prêmio de Informação Científicacom uma reportagem sobre umnovo método de terapia para crian-ças nascidas com lesão cerebral,publicada na revista Realidade.

A nos unir, um drama recente,que também não era coisa rara na-queles dias: ambos tínhamos sidopresos pela ditadura, conhecêramosas masmorras do Doi-Codi na RuaBarão de Mesquita, na Tijuca, nosfundos do quartel da PE. Desen-contro: Luís Edgar saíra da prisãona tarde de 9 de setembro, eu en-trara poucas horas depois, à noite.

Não darei aos leitores o incômo-do de me alongar quanto àquela su-cursal do inferno. Bastem, quantoa ela, as palavras de Luís Edgar noseu discurso ao receber o prêmio.Voltemos por ora às mesas e a suasflores. E também aos tiras, estrate-

Marcos de Castro

Um Prêmio Esso inesquecível

gicamente espalhados pelos cantosdo salão. Como ficou dito, a pre-sença deles não era raridade, ondequer que fosse, naqueles dias de vi-olência (eram os primeiros meses doGoverno Médici, os tempos maissombrios da ditadura). Mas talvezo fato de haver dois “subversivos”entre os premiados tenha aumen-tado o número daquela gente incon-fundível, sempre de terno escuro,sempre de gravata, sempre com umjeito típico a denunciá-los. Chega-vam aos locais em carros pretos (fi-cou famoso o Opala preto), complaca particular.

Pois Luís Edgar ignorou os tiras,ignorou a ditadura, ignorou seu pe-ríodo mais brutal, no discurso quetinha de fazer como principal pre-miado – era a praxe. Poucas vezespude sentir tão de perto a vivênciadaquilo a que o filósofo Paul Tillichchama “a coragem de ser”. LuísEdgar a teve. Lembrou, na sua fala,que, repórter cobrindo a guerra doVietnã, tinha estado no cerco deKhe Sanh, o inferno de Khe Sanh,em fevereiro e março do ano ante-rior, 1968. Eis o trecho de seu dis-curso que desafiava o arbítrio (nãoum desafio gratuito, mas o desa-fio da dignidade): “Khe Sanh eu jáesqueci. Mas, 100 anos que eu viva,jamais esquecerei os gritos deses-perados que cortavam a noite vin-dos das câmaras de tortura do Doi-Codi, num quartel brasileiro, hápoucos meses.”

Talvez não sejam essas as pala-vras exatas, mas foi isso o que eledisse, com toda a carga de emoção.Não resisti, não pude resistir, tra-tava-se de um rasgo de coragem quetinha de ser reconhecido no ato.Comecei a tremer, levantei e atra-vessei o salão correndo, foi uma for-ça interior que me levou até meucompanheiro de infortúnio no Doi-Codi. Quando subi ao palco, o sa-lão todo aplaudia de pé aquelatransgressão totalmente fora doprograma de uma cerimônia atéentão bem comportada. O abraçoque dei em Luís Edgar há de ter sidoum dos momentos mais comovidosda minha vida (foi foto de primeirapágina no tablóide Zero Hora, dePorto Alegre, no dia seguinte).

Os tiras tiveram de engolir oconstrangimento que certamentesentiram. Por um minuto a dita-dura fora vencida, um minuto ines-quecível. A única conseqüência fi-cou para o ano seguinte: não hou-ve mais discurso nas cerimônias doPrêmio Esso até o fim da ditadura.

“Por um minuto a ditadura fora vencida, um minuto inesquecível.”

Quando Luís Edgar,ganhador do

principal PrêmioEsso de 1969,

comparou o infernode Khe Sanh, noVietnã, aos gritosdos torturados noDoi-Codi, Marcos,

que também estiverano Doi-Codi, correu

para o palco e oabraçou comovido.A platéia aplaudiu

de pé.

ACERVO

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M A L Á S I A

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E S P A N H A

E U A

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A G A S O L I N A D A E Q U I P E W I L L I A M S F 1 .

A U S T R Á L I A

M Ô N A C O

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A L E M A N H A

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C O M G A S O L I N A P E T R O B R A S , T O D O C I R C U I T O F I C A M A I S F Á C I L .

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Jornal da ABI

14 Maio de 2006

DEPOIMENTO-2 ����� Entrevista a José Reinaldo Marques

TEREZACRUVINEL

“IMPRENSANÃO É DELEGACIA”

Analista política deO Globo e da GloboNews

acha que a imprensadeve investigar, mas nãopode atribuir-se o papelde outras instituições.

ormada em Jornalismo em 1981

pela Universidade de Brasília e

mestre em Comunicação Social,

com orientação para Mídia e

Política, pela mesma universidade, Tereza

Cruvinel é uma das mais respeitadas

analistas políticas da imprensa brasileira.

Além da coluna Panorama político, que

assina diariamente em O Globo, há dez

anos faz comentários políticos na

GloboNews. Mais recentemente, passou a

aparecer também no Programa do Jô, na

TV Globo, ao lado de outras renomadas

colegas. Premiada, Tereza passou ainda

pelas redações da TV Brasília, do Jornal de

Brasília, do Correio Braziliense e do Jornal

do Brasil e participou como repórter de

importantes coberturas, como a

campanha pelas diretas e a eleição de

Tancredo Neves.

F

SERGIO

MARQ

UES/ O

GLO

BO

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Maio de 2006

Jornal da ABI — Como foi seu iní-cio na carreira?TTTTTereza Crereza Crereza Crereza Crereza Cruvinel —uvinel —uvinel —uvinel —uvinel — Antes de meformar, mais como militante do quecomo jornalista, atuei em algunsjornais alternativos, como Versus eCidade Livre, nos anos 70. Mas mi-nha carreira profissional para valerteve início no Jornal de Brasília, as-sim que concluí a faculdade.

Jornal da ABI — O jornalismo po-lítico sempre foi sua paixão?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Praticamente foi só o quefiz em minha vida. Sou um ser po-lítico, fui líder estudantil, militei emorganizações de esquerda nos anos70, mas acabei optando pelo jorna-lismo como atividade profissional.No Jornal de Brasília, fiz Cidade du-rante alguns meses, mas logo fui pu-xada para a Política pelo então edi-tor, Leonardo Motta Neto.

Jornal da ABI — Como você avaliao desempenho da imprensa dian-te dos escândalos que estouraramem Brasília, envolvendo o Gover-no e o Legislativo?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Certamente foi impor-tantíssima a contribuição do jor-nalismo investigativo para o escla-recimento de muitas questões,bem como a cobertura das CPIs. AGloboNews transmitiu ao vivoquase todos os depoimentos im-portantes. E tudo foi detonado,não nos esqueçamos, pela divulga-ção da fita sobre extorsão nos Cor-reios, pela Veja, e depois pela en-

trevista de Roberto Jefferson à Re-nata Lo Prete, da Folha de S. Paulo.

Jornal da ABI — Foi um bom mo-mento para a cobertura política?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Sem dúvida. Veja o casodos repórteres Bernardo de La Peñae Gerson Camarotti, de O Globo,que acabaram de lançar o livroMemorial do escândalo. Foi um bommomento para o jornalismo polí-tico, mas é preciso tomar cuidadocom o salto alto, com a confusãode papéis. O da imprensa é infor-mar, e para isso é necessário tam-bém investigar. Mas a imprensanão deve ser delegacia, nem o jor-nalista, um policial inescrupuloso— e muito menos avocar-se o pa-pel político que cabe a outras ins-tituições.

Jornal da ABI — Qual a coberturaque mais a marcou?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Certamente, a campanhadas diretas e a eleição de TancredoNeves, quando éramos também ci-dadãos empenhados em garantir ofim da ditadura. Duvido que al-guém diga, honestamente, que par-ticipou de tais coberturas sememoção, com absoluta indiferençaou extrema objetividade. Os jovensjornalistas de hoje não sabem o quefoi a ditadura, não podem entenderaqueles tempos.

Jornal da ABI — Escrever o Pano-rama Político é o ponto mais altode sua carreira?TTTTTereza — ereza — ereza — ereza — ereza — Escrever uma coluna di-ária é um privilégio e uma respon-sabilidade, mas é também uma for-ma de prisão, nossos movimentosprofissionais ficam mais limitados.Não há um mercado para colunis-tas. Esta é uma posição a que sechega pelas mais diferentes cir-cunstâncias. Mas O Globo é umaexcelente casa, tanto no aspecto daindependência e do respeito pro-fissional como do ambiente e dascondições de trabalho.

Jornal da ABI — Você acha que foiguindada à função prematuramente?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — No início dos anos 80 nãohavia essa profusão de colunas dehoje. O grande e quase solitáriocolunista político era Carlos Caste-lo Branco, o Castelinho, um mons-tro sagrado, no JB. O Globo tinha

uma coluna de notas na página 4, ecom o afastamento do titular, An-tônio Martins, fui indicada peloEvandro Carlos de Andrade e oCarlos Lemos para ocupá-la por al-guns dias. Insisti em que fosse sópor alguns dias. Achava uma res-ponsabilidade imensa, era quaseuma foca, com pouco tempo de es-trada. E depois, estava gostando deser repórter, cobria o Palácio do Pla-nalto, onde o Governo Sarney davaos primeiros passos. Era um mo-mento importante da transição, deremoção do entulho autoritário.Estes poucos dias, entretanto,transformaram-se em 20 anos.

Jornal da ABI — Citando GabrielGarcía Márquez, para quem o jor-nalismo é “a mais formidável das

profissões”, você escreveu certa vezque acha o jornalismo a maisincompreendida das profissões.Por quê?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — O nível de exigência égrande e a qualidade de vida, pre-cária, por conta do estresse e dodesafio de matar um leão por dia.Uma falha significativa pode anu-lar todos os méritos acumuladosem anos. E do outro lado há umleitor ou telespectador que estásempre a esquadrinhar o seu tra-balho, em busca de falhas. Na mi-nha área, há aquela coisa de que-rer descobrir suas verdadeiras po-sições políticas, como se o jorna-lista fosse proibido de ter uma. Eletem; não pode é sujeitar o traba-lho às suas preferências políticas,porque aí estaria faltando ao de-ver essencial de garantir a ofertade boa informação.

Jornal da ABI — Você também jáchamou a profissão deantiintelectual.TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Há uma máxima batidasegundo a qual o jornalista é sem-pre um gênio da superficialidade.Ocorre que temos uma rotina tres-loucada, sobretudo em Brasília.Com isso o jornalista tem limita-do seu tempo para consumir cul-tura e crescer intelectualmente.Ficamos quase todos, basicamen-te, com a bagagem acumulada an-tes de nos profissionalizarmos.

Jornal da ABI — Em síntese, o que

faz um repórter de Política emBrasília?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Cobre as sessões do Con-gresso, que varam madrugadas,acompanha medidas provisórias,que são baixadas tarde da noite, ehá sempre uma vida social que, nofundo, é profissional. Ainda tem oque é preciso ler sempre: váriosjornais por dia e umas tantas re-vistas semanais.

Jornal da ABI — A Associação Bra-sileira de Jornalismo Investigativo-Abraji tem chamado a atençãopara o grande número de açõesjudiciais contra jornalistas. Qualsua opinião sobre o assunto?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Em parte porque se forta-leceu muito nos últimos anos, o jor-nalismo investigativo enfrentou for-

ças poderosas, sempre prontas a re-agir. Ainda bem que na Justiça, e nãoa bala. Em alguns casos isolados,houve má apuração dos fatos e pu-blicação de inverdades — a compe-tição hoje é maior, novos meios sur-giram e, em momentos de crise, aansiedade para mostrar trabalho égrande; todos querem dar seu tiro ealguns erram o alvo. No geral, po-rém, acho que isso é um bom sinalde que a imprensa está cumprindoseu papel. Infelizmente, muitas des-sas ações traduzem tentativas de in-timidação, ou seja, de limitação daliberdade de imprensa.

Jornal da ABI — Onde os erros sãomais graves: nos jornais ou nas re-vistas semanais?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Embora os jornais sejammais suscetíveis ao erro de apura-ção, devido ao tempo mais exíguode produção industrial, acho queas revistas pecam mais.

Jornal da ABI — Você já foi obri-gada a se retratar por alguma notaconsiderada caluniosa?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Sim, e não tenho proble-ma em corrigir minhas falhas, ge-ralmente ligeiras. É impossível serperfeito escrevendo todo santo dia.Vez ou outra escorregamos numaindução ou apuração apressada.Grave mesmo foi um episódio emque a História me deu razão.

Jornal da ABI — Qual?TTTTTerezaerezaerezaerezaereza — — — — — Durante a Constituinte,

no auge do enfrentamento entre oPresidente José Sarney e os consti-tuintes pela duração do mandato,noticiei que ele tivera um mal-es-tar cardíaco, chegando a ser aten-dido pelo Dr. Adib Jatene, chama-do de São Paulo a Brasília. O Pla-nalto, obviamente, soltou um so-noro desmentido e os outros jornaisderam destaque. No aperto, abriminha fonte, o Deputado SarneyFilho. Anos depois, José Sarney ad-mitiu, em diversas entrevistas, queteve três crises cardíacas naqueleperíodo. Fui criticada e incom-preendida, mas O Globo foi muitocorreto e sustentou minha matéria.

Jornal da ABI — Em qual dos trêsPoderes estão as principais fontesdo jornalismo político?

“Na minha área, há aquela coisa de querer descobrir suas verdadeiras“Na minha área, há aquela coisa de querer descobrir suas verdadeiras“Na minha área, há aquela coisa de querer descobrir suas verdadeiras“Na minha área, há aquela coisa de querer descobrir suas verdadeiras“Na minha área, há aquela coisa de querer descobrir suas verdadeiras

posições políticas, como se o jornalista fosse proibido de ter uma. Ele tem;posições políticas, como se o jornalista fosse proibido de ter uma. Ele tem;posições políticas, como se o jornalista fosse proibido de ter uma. Ele tem;posições políticas, como se o jornalista fosse proibido de ter uma. Ele tem;posições políticas, como se o jornalista fosse proibido de ter uma. Ele tem;

não pode é sujeitar o trabalho às suas preferências políticas, porque aínão pode é sujeitar o trabalho às suas preferências políticas, porque aínão pode é sujeitar o trabalho às suas preferências políticas, porque aínão pode é sujeitar o trabalho às suas preferências políticas, porque aínão pode é sujeitar o trabalho às suas preferências políticas, porque aí

estaria faltando ao dever essencial de garantir a oferta de bestaria faltando ao dever essencial de garantir a oferta de bestaria faltando ao dever essencial de garantir a oferta de bestaria faltando ao dever essencial de garantir a oferta de bestaria faltando ao dever essencial de garantir a oferta de boa informação.oa informação.oa informação.oa informação.oa informação.”””””

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TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — O Legislativo sempre foiacessível e mais democrático, e porisso a informação circula mais li-vremente por lá. O Executivo guar-da interesses poderosos — e infor-mação é poder, administrado se-gundo os mais diferentes critérios,que variam também degoverno para governo. Jáo Judiciário é sabidamen-te mais fechado e amea-çador. Por tudo isso, a im-prensa sempre bate maisno Congresso, que não éretaliativo.

Jornal da ABI — Comoavalia a relação da im-prensa com o poder?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Sempre me baticontra certa visão distor-cida de que os jornalistasque atuam em Brasíliacurtem a sombra do Po-der — já se disse até quecomemos as sobras damesa deixadas por ele.Isso é uma indignidade euma ignorância. É claroque para ter informação épreciso ter acesso, o quenão significa, necessaria-mente, sinal de promis-cuidade. Já vi muita vestalchegar do Rio ou de SãoPaulo evitando contatospessoais com os ocupan-tes do poder. Em poucotempo se rendem.

Cabe a nós ter o bom

senso de distinguir as coisas. Se meconvidam para um almoço noItamarati em função de uma visitaestrangeira e no qual estarão pes-soas com quem desejo conversar,aceito. Se sou convidada para ochurrasco familiar de uma autori-dade, é claro que isso é uma tenta-tiva de me envolver e não vou, a nãoser que tal evento vá me propiciaralgum contato muito importante.O acesso não quer dizer intimida-de. Intimidade a gente tem comamigos e parentes. Com as fontes,devemos ter uma relação de lealda-de, mas não um pacto de proteçãorecíproca, do tipo “eu informo evocê me garante só boas notícias”.

Jornal da ABI — O Presidente Lula

tas. Fernando Henrique fazia issocom maestria. Com freqüência,recebia em grupos ou individual-mente apenas para conversar, nãopara dar entrevista.

Jornal da ABI — Você disse umavez que a internet transformou osleitores em “ministério público daimprensa”. O que isso significa?TTTTTereza — ereza — ereza — ereza — ereza — Eu me referia à demo-cratização do acesso dos leitores econsumidores de informação emgeral aos veículos e aos própriosjornalistas. Tal acesso tem produ-zido uma vigilância permanente,às vezes cobranças e julgamentosseveros por parte dos leitores etelespectadores, sempre prontos ajulgar nosso trabalho. Eles escre-vem para as seções de cartas dosleitores e para nós, muitas vezesde forma grosseira ou agressiva.Tenho um blog no Globo Onlineem que sempre veiculo as críticasa meu trabalho, algumas ofensivase injustas. Mas faz parte e é bomque isso esteja acontecendo, é si-nal de vitalidade de nossa demo-cracia. Nos Estados Unidos, a so-ciedade reagiu fortemente quandoa imprensa, num arroubo patrio-ta, fez o jogo do Presidente Bushem relação à invasão do Iraque. Foibom porque a imprensa norte-americana se corrigiu.

Jornal da ABI — Sua participação noPrograma do Jô, que tem grandeaudiência e é dirigido também ao

público formador de opinião, mu-dou alguma coisa na sua carreira?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Acredito que não. Con-tinuo no mesmo lugar e fazendoas mesmas coisas. Além da colu-na, faço comentários políticos noJornal das Dez, da GloboNews, háuma década e gosto desta atuaçãoparalela na televisão, embora a TVpaga ainda tenha um público mui-to restrito neste País de renda tãoconcentrada.

Jornal da ABI — Você trocaria ojornal pela televisão?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Ainda não tive que fazeresta opção. Gosto muito de escre-ver e espero poder me dedicar maisa criar contos, coisa que faço mui-to marginalmente.

o Presidente conseguirá melhorarsua relação com a imprensa?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Acho difícil. Vem aí umacampanha que promete ser san-grenta e, como candidato, nãocreio que ele supere sua dificulda-de em lidar com jornalistas.

Jornal da ABI — Qual tem sido omaior erro do Presidente em suarelação com a mídia?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Primeiro, não ter com-preendido a importância das entre-vistas coletivas, dando prioridadeaos que cobrem o Palácio, acom-panham suas viagens, enfim, ralamno dia-a-dia do Governo. Segundo,não ter estabelecido uma rotina decontatos informais com jornalis-tas, sobretudo analistas e colunis-

foi muito criticado por ter aceitadojantar com jornalistas em sua casa,em fevereiro de 2004.TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Conheço Lula desde o fi-nal dos anos 70, mesma época emque conheci Fernando HenriqueCardoso, então muito próximo do

sindicalismo do ABC. Se o Presi-dente amanhã for o Serra, tambémpoderei dizer que o conheço háquase duas décadas. É da vida.Quanto ao jantar na minha casa,quem foi mais criticada fui eu mes-ma. Este episódio guarda lances deuma mesquinhez impressionante.

Jornal da ABI — Como assim?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — A relação do Governo Lulacom a imprensa, um ano depois daposse, continuava péssima. O Presi-dente se recusava a dar uma entre-vista coletiva, mas por sugestão doRicardo Kotscho, na época Secretá-rio de Imprensa, aceitou ter umaconversa informal com jornalistaspolíticos. Ele queria ir ao encontrodeles em lugar neutro, e não cha-

mar alguns ao Palácio da Alvoradaou do Planalto, pois a seleção dosnomes sempre geraria problemas.

O Kotscho me pediu que organi-zasse o jantar e eu aceitei, na me-lhor das intenções, acreditando quecolaborava para o estabelecimento

de uma relação melhor,que facilitaria o acesso detodos ao Presidente. Aconversa foi ótima, ele fa-lou sobre todos os assun-tos levantados com muitanaturalidade, e terminoudizendo que poderíamosrepetir encontros daquelanatureza. Todos publica-ram tudo com destaque,mas alguns criticaram oformato do encontro,como se o Lula tivesseexplicitado uma preferên-cia por mim e pelas Orga-nizações Globo.

Jornal da ABI — Comovocê reagiu?TTTTTereza —ereza —ereza —ereza —ereza — Fiquei chateada.Depois da crise, este jan-tar voltou a ser muito re-cordado, como se embu-tisse um delito profissio-nal de minha parte. Umleitor chegou a dizer queouviu dizer que eu ofere-ci uma festa de arrombaao Lula logo depois daposse, veja só.Jornal da ABI — Você achaque até o fim do mandato

“T“T“T“T“Tenho um blog no Globenho um blog no Globenho um blog no Globenho um blog no Globenho um blog no Globooooo

Online em que sempre veiculoOnline em que sempre veiculoOnline em que sempre veiculoOnline em que sempre veiculoOnline em que sempre veiculo

aas críticas a meu trabalho,aas críticas a meu trabalho,aas críticas a meu trabalho,aas críticas a meu trabalho,aas críticas a meu trabalho,

algumas ofensivas e injustas. Mas faz parte e é balgumas ofensivas e injustas. Mas faz parte e é balgumas ofensivas e injustas. Mas faz parte e é balgumas ofensivas e injustas. Mas faz parte e é balgumas ofensivas e injustas. Mas faz parte e é bom que isso estejaom que isso estejaom que isso estejaom que isso estejaom que isso esteja

acontecendo, é sinal de vitalidade de nossa democracia.acontecendo, é sinal de vitalidade de nossa democracia.acontecendo, é sinal de vitalidade de nossa democracia.acontecendo, é sinal de vitalidade de nossa democracia.acontecendo, é sinal de vitalidade de nossa democracia.”””””

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Jornal da ABI

Maio de 2006

LIBERDADE DE IMPRENSA

elevada taxa de morte dejornalistas continuou em2005 com 65 jornalistasassassinados. O Iraque,onde 23 jornalistas forammortos, ainda é o paísmais perigoso do mundopara a mídia. Jornalistas

também foram vitimados em outros21 países, entre eles Bangladesh,Haiti, Rússia e Somália.

Quatro jornalistas foram mor-tos na Europa oriental, mas o even-to mais significativo na Europa oci-dental foram os bombardeios de 7de julho em Londres. O ataque feza Inglaterra adaptar a legislaçãoproibindo a “glorificação” do ter-rorismo. Em setembro, a UniãoEuropéia discutiu em um policypaper¹ o envolvimento da mídia na“radicalização” do terrorismo e in-dicou códigos voluntários de con-duta como solução. Esses gestossugeriram uma mudança na rela-ção entre liberdade e segurança etambém formaram o debate polí-tico acerca das controvertidas ca-ricaturas de Maomé, publicadas

AS GUERRAS DAMÍDIA NO MUNDO

pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten em 30 de setembro.

Na Ásia, onde 20 jornalistas fo-ram mortos, a China está adotan-do o capitalismo sem que as liber-dades necessárias sejam introduzi-das. Políticos europeus procuraramfazer acordos comerciais, empresasde computação americanas censura-ram seus softwares de internet emuitos jornalistas e ativistas dainternet permaneceram nas prisõeschinesas. Nove jornalistas foram as-sassinados nas Filipinas, fazendoque este se tornasse o país fora deuma zona de conflito mais arrisca-do para as práticas do jornalismo;enquanto isso, no Sri Lanka houvenovos assassinatos de jornalistasdevido às suas convicções políticas.Jornalistas no Nepal estão engajadosem uma batalha vocal, porém desi-gual, pela liberdade de imprensa.

Com 26 jornalistas assassina-dos, o Oriente Médio e o Norte daÁfrica formam a região uniforme-mente mais restrita do planeta.Com poucas exceções, os governos

O texto que reproduzimos, intitulado originalmen-te Guerras da mídia: ano zero, constitui a apresenta-ção da Revista da Liberdade de Imprensa no Mundo(World Press Freedom Review) relativa a 2005, edita-da pelo Instituto Internacional de Imprensa(International Press Institute-IPI), instituição sediada emViena, Áustria, que reúne jornalistas, editores e direto-res de órgãos de comunicação de 120 países. O volu-me reúne informações sobre a situação da liberdadede imprensa no ano passado e é uma edição especialdo IPI Report (Relatório IPI), publicação periódica dainstituição. Firmado pelo Presidente do IPI, Wilfred D.Kiboro, e pelo Diretor e Editor da Revista, Johann P.Fritz, o texto é publicado integralmente no Brasil pelaprimeira vez nesta edição do Jornal da ABI.

����� Tradução de Maria Ilka Azêdo

¹ Documento com uma proposta política claraque pode servir de base para concepção deuma nova legislação.

² No original, insult laws.

O Relatório de2005 do InstitutoInternacional deImprensa (IPI, nasigla em inglês)mostra que nomundo inteiro amídia está engajadaem batalhas paragarantir seu direitofundamental: o dedar informação.

mantêm uma dura contenção ao li-vre fluxo da informação. No Iraque,a insurreição alvejou a mídia, for-çando jornalistas estrangeiros apermanecer em zonas protegidas.Como resultado, os jornalistasiraquianos foram as maiores víti-mas. No Líbano, o assassinato dedois jornalistas intimidou a mídiamais enérgica da região.

Quatro jornalistas foram mortosna África em 2005: dois na Somália,um em Serra Leoa e outro na Repú-

blica Democrática do Congo. OGoverno da Etiópia atacou a mídiaindependente do país e prendeujornalistas por traição, enquantono Zimbábue a mídia ainda é con-trolada pela legislação repressiva.A região da Áustrália e das ilhasdo Pacífico testemunhou algunsavanços, mas também a falta decapital e uma fraca infra-estru-tura de comunicação trazem dú-vidas quanto a seu futuro.

Nas Américas, onde 11 jorna-listas morreram, houve um pro-gresso em 2005 com a revoga-ção de algumas leis restritivas²– no Chile, Guatemala, Hondu-ras e Panamá – e a redução dosataques violentos a jornalistasvenezuelanos; no entanto, aautocensura aumentou na re-

gião, e atentados contra jornalistascontinuam na Colômbia e no Méxi-co. O Haiti se tornou o país maisperigoso da área, com três jorna-listas mortos. Nos Estados Unidos,restrições no acesso à informaçãoe perseguições judiciais a fontesjornalísticas contribuiram para umano difícil para a mídia.A

REPRODUÇÃO

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Jornal da ABI

18 Maio de 2006

LIBERDADE DE IMPRENSA

om centenas de jornais ecanais de televisão e mi-lhares de estações de rádio,o Brasil é o maior merca-do de mídia da América doSul. A mídia independen-te do país reporta vigo-rosamente a performance

do governo e outras questões polí-ticas e sociais. No entanto, jorna-listas que trabalham no interior dopaís que tentam investigar o tráfi-co de drogas, a corrupção e outrasatividades ilegais continuam a en-frentar ameaças, agressões físicase até mesmo a morte nas mãos doscriminosos e detentores do poderlocal, fazendo que o Brasil seja umdos países mais perigosos do he-misfério ocidental para a prática dojornalismo.

Quando não se deparam comameaças e violência física, os jor-nalistas brasileiros têm de lidarcom tentativas de censura e pro-cessos intimidatórios, que incluemações judiciais criminais e civis pordifamação baseadas na Lei de Im-prensa de 1967, um remanescenteda ditadura militar.

O uso excessivo da força pela po-lícia também foi um problema paraos repórteres.

Dois jornalistas foram assassi-nados no Brasil em 2005.

Em 31 de março, Ricardo Gon-çalves Rocha, dono do Jornal Vicen-tino na cidade de São Vicente, SãoPaulo, foi assassinado em seu car-ro por um assaltante em uma motonão identificado. Figura controver-sa, Gonçalves Rocha foi vereadorda cidade por muitos anos. A Polí-cia afastou a hipótese de assalto,pois os pertences do jornalista nãoforam levados.

José Cândido Amorim Pinto, jor-nalista investigativo da Rádio Co-munitária Alternativa de Carpina,Pernambuco, foi morto em 1º dejulho. Ele foi assassinado por doishomens em uma motocicleta en-quanto estacionava seu carro dolado de fora da estação de rádio.Amorim produzia e apresentavaum programa investigativo no qualfreqüentemente denunciava casos

de corrupção. Os recentes alvos desuas investigações incluíam os po-líticos locais Mandel Botafogo eAntônio Moraes. Amorim já haviarecebido ameaças, e foi ferido em21 de maio quando dois homensem uma motocicleta atiraram emseu carro.

Em uma tentativa de acabar coma impunidade no Brasil, alguns en-volvidos na morte de jornalistas re-ceberam longas sentenças de prisão.

Em 25 de maio, um júri conde-nou o chefe do tráfico local EliasPereira da Silva pelo assassinato dorepórter investigativo Tim Lopesem 2002, e o sentenciou a 28 anose 6 meses de prisão. Em outros jul-gamentos, mais seis homens foramdeclarados culpados e pegaramlongas sentenças pelo assassinatode Tim Lopes.

Os brasileiros ficaram chocadoscom a morte brutal de Tim, repór-ter investigativo premiado, em ju-nho de 2002. O jornalista havia idoà Vila Cruzeiro, um dos subúrbiosmais empobrecidos do Rio de Ja-neiro, para investigar festas ban-cadas por traficantes de drogasonde acontecia a exploração se-xual de menores. De acordo comos dois suspeitos presos em 9 dejunho, alguns homens próximos aPereira da Silva seqüestraram Lo-pes na Vila Cruzeiro por volta dameia-noite de 2 de junho. Depoisque Lopes lhes contou que traba-lhava para a TV Globo, eles o leva-ram a Elias Pereira da Silva, que es-tava em uma favela próxima. Ostraficantes agrediram Tim e atira-ram em seus pés, e após isso fize-ram com zombaria um julgamen-to que o sentenciava à morte. EliasPereira da Silva matou o repórtercom uma espada, e seu corpo foiqueimado e enterrado.

Em dois julgamentos, em 3 demaio e 16 de junho, Célio Alves dosSantos e João Leite foram conde-nados a cumprir 17 anos e 6 mesesde prisão e 15 anos e 2 meses, res-pectivamente, pelo assassinato dojornalista Domingos Sávio BrandãoLima Júnior, em 2002. O dono eeditor do jornal Folha do Estado em

Ao expor a situação da liberdade de imprensa entre nós, o Relatório do Instituto Internacional deImprensa diz que o País é um dos mais perigosos do Ocidente para o exercício do jornalismo.

BRASILTERRA

PERIGOSAC

Lúcio Flávio Pinto, do Pará: vários processos por dizer verdades.

REP

ROD

ÃO

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Jornal da ABI

Maio de 2006

Cuiabá, Mato Grosso, foi baleadono peito pelo menos cinco vezesenquanto supervisionava a cons-trução de um novo escritório dojornal.

No decorrer do ano, a Associa-ção Brasileira de JornalismoInvestigativo-Abraji, a AssociaçãoInteramericana de Imprensa (InterAmerican Press Association, IAPA)e o Instituto de Imprensa e Socie-dade (Instituto Prensa y Sociedad,no Peru), entre outros, reportaramnumerosas violações da liberdadede imprensa e ataques contra jor-nalistas brasileiros.

Em 21 de janeiro, Lúcio FlávioPinto, editor do periódico bimensalJornal Pessoal, sofreu agressões físi-cas de Ricardo Maiorana, homemde negócios e político, em Belém,no Pará. Lúcio Flávio Pinto foi porvárias vezes socado e chutado porMaiorana e dois seguranças em umrestaurante em Belém, onde estavaalmoçando com alguns amigos.Maiorana, diretor do jornal diárioO Liberal e do canal TV Liberal,ainda o ameaçou de morte, dizLúcio Flávio, que enfrenta diversosprocessos devido às suas reporta-gens críticas a respeito de variadosassuntos, e já havia recebido ame-aças de morte no passado.

Em 23 de março, MaurícioMelato Barth, editor do jornal bi-mensal Info-Bairros, levou dois ti-ros nas pernas de dois homens nãoidentificados em frente à sua casaem Itapema, Santa Catarina. Oataque aconteceu após a publica-ção no jornal de uma série de arti-gos falando sobre corrupção entrepolíticos locais. Barth, que já so-frera ameaças anônimas, ficoumeses em recuperação até poderandar novamente. Ele e sua famí-lia foram obrigados a se esconder.

Em 4 de maio, o juiz Jeová Sar-dinha de Morais, da 7ª Vara Cívelde Goiânia, Goiás, impôs um man-

País NúmeroIraque 23Filipinas 9Bangladesh 3Haiti 3Brasil 2Colômbia 2Líbano 2México 2Nepal 2Paquistão 2Rússia 2Sri Lanka 2Somália 2Afeganistão 1Azerbaijão 1Belarus 1Equador 1Líbia 1Nicarágua 1Rep. Democrática do Congo 1Serra Leoa 1Tailândia 1Total: 65

Maurício Melato Barth,editor do jornal bimensalInfo-Bairros, levou doistiros nas pernas.

dado judicial que ordenava a apre-ensão de todas as cópias do livroNa Toca dos Leões, que circulava noBrasil. O mandado foi concedidoem benefício do ex-candidato à Pre-sidência da República Ronaldo Cai-ado, que entrou com uma ação cri-minal de difamação e uma ação ci-vil, recriminando o autor do livro,o jornalista Fernando Morais, euma ação civil contra a Editora Pla-neta do Brasil.

O livro de Morais, que foi publi-cado no começo de abril, conta ahistória da agência de publicidadeW/Brasil, no qual sócios da empre-sa falam das declarações de Caiadona campanha presidencial de 1989,

o qual teria afirmado que a soluçãopara o problema de superpopulaçãono Nordeste brasileiro era a esteri-lização das mulheres.

Em abril, o comentarista espor-tivo Jorge Kajuru foi acusado de di-famação e sentenciado a 18 mesesde prisão. Kajuru, cujo nome realé Jorge Reis da Costa, foi conde-nado a permanecer no dormitórioda prisão em Goiânia toda noite, apartir do dia 28 de maio. O pro-cesso contra Kajuru decorreu dedeclarações que ele fez no ar, emjaneiro de 2001, alegando que a TVAnhangüera, afiliada da Rede Glo-bo, haveria recebido a concessãopara transmitir o campeonato es-tadual de futebol de Goiás graçasà sua relação próxima com o Go-verno do Estado. As OrganizaçõesJaime Câmara Júnior moveram di-versas ações contra Kajuru. O juiz

Alvarino Egídio da Silva Primo, da12ª Vara Criminal de Goiânia, de-clarou Kajuru culpado por difama-ção em junho de 2003. Kajuru en-trou com alguns recursos no Tri-bunal de Justiça do Estado de Goiáse no Supremo Tribunal Federal,mas sua condenação foi mantida.

Em 15 de maio, um juiz proibiua Rede Amazônica de Televisão,afiliada da Rede Globo emRondônia, de transmitir uma re-portagem sobre a corrupção local.Minutos antes da transmissão doprograma Fantástico, que iria colo-car no ar a reportagem com o su-posto envolvimento de legislado-res estaduais com a corrupção, ofi-ciais de Justiça adentraram os es-túdios da Rede Amazônica de Te-levisão com um mandado judicialimpedindo sua veiculação.

Em 17 de maio, pessoas nãoidentificadas incendiaram a casa da

Em uma tentativa de acabar com a impunidadeno Brasil, alguns envolvidos na morte dejornalistas receberam longas sentenças de prisão.

Uma atividadede alto risco:os jornalistasmortos em 2005

Em 8 de setembro, foram incendiadas emMarília, São Paulo, a sede do jornal Diáriode Marília e duas estações de rádio.

Esta parte do Relatório do IPI repe-te o título adotado para descrever a si-tuação da liberdade de imprensa noBrasil em 2004: Morte vigia o País, ago-ra com o algarismo 2, indicando quese trata de segunda parte do trabalho.Também este texto é publicado inte-gralmente no Brasil pela primeira vez.

jornalista Sandra Miranda em Pal-mas, Tocantins. Miranda, editorado jornal independente PrimeiraPágina, acredita que o ataque te-nha conexão com sua reportagemsobre a corrupção entre políticoslocais e oficiais da Polícia militar.

Em 1º de setembro, o juiz JoséAlonso Beltrame Júnior, da 10ªVara Cível de Santos, São Paulo,concedeu liminar proibindo o jor-nal A Tribuna de noticiar inquéritosobre mau uso de finanças públi-cas. Em agosto, A Tribuna haviafeito diversas reportagens acerca deinvestigações sobre a suposta apro-priação indébita de fundos come-tida por Sônia Maria Precioso deMoura, funcionária pública da Pre-feitura de Santos.

Em 8 de setembro, foram incen-diadas em Marília, São Paulo, a sededo jornal Diário de Marília e duasestações de rádio, Diário FM e Dir-ceu AM. De acordo com um segu-rança, que estava sozinho na hora,três homens encapuzados forçarama entrada no prédio, ameaçando-ocom suas armas, e tocaram fogo noedifício, destruindo cerca de 80% desuas instalações. O editor-chefe doDiário de Marília, José Ursílio deSouza, achou que o ataque consti-tuiu uma retaliação à linha editori-al crítica do jornal, principalmentea políticos locais.

Em dezembro, o Comitê para aProteção deJornalistas(Committeeto ProtectJournalists,CPJ, sedia-do em NovaYork), con-denou om a n d a d o

judicial em São Paulo que impediuo jornal diário Folha de S. Paulo depublicar reportagens sobre umaação judicial. A Folha de S. Paulo re-cebeu a ordem judicial, assinadapela juiza federal MargareteSacristan, em 9 de dezembro. Aordem instruía o jornal a não pu-blicar qualquer reportagem sobreo caso de espionagem na batalhapelo controle da Brasil Telecom. OCPJ classificou a ordem como “oexemplo mais recente da ditadurajudicial no Brasil”.

Tradução de Maria Ilka Azêdo

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Jornal da ABI

20 Maio de 2006

Na tarde da quarta-feira, 3 de maio,o Presidente Lula assinou, no Palácio doPlanalto, a Declaração de Chapultepec,que reafirma o compromisso e o apoiodo Governo brasileiro à liberdade de ex-pressão e de imprensa. Lançada em 1994pela Sociedade Interamericana de Im-prensa (SIP, em espanhol), a declaraçãopretende valorizar a liberdade de infor-mação, expressão e opinião em todo ocontinente americano.

Em 1996, Fernando Henrique Car-doso foi o primeiro Presidente brasi-leiro a assinar o compromisso. Esteano, foi a Associação Nacional de Jor-nais (ANJ) que tomou a iniciativa depropor a Lula a adesão ao documento,seguindo o exemplo de outros 45 che-fes de Estado do hemisfério, além dejuristas, jornalistas, organizações e ci-dadãos.

De acordo com informações do siteda ANJ, ao assinar a declaração Lulareafirmou seu compromisso com oprincípio maior da liberdade, exaltan-do que todos sempre estarão “subor-dinados à compreensão daqueles quelêem, assistem e ouvem, e os gover-nantes estarão à mercê do julgamen-to dos que votam no País”.

Ainda segundo o site da ANJ, a Pre-sidente da SIP, Diana Daniels, desta-cou que a assinatura do Presidente naDeclaração de Chapultepec “é umcompromisso com a liberdade, a tole-rância, o respeito aos Direitos Huma-nos e aos direitos dos cidadãos de re-ceber informação”.

O jornalista Archibaldo Antunes,de Rio Branco, capital do Acre, quei-xou-se à ABI de que o Estado não dis-põe de liberdade de imprensa, porqueo Governador Jorge Viana tem coopta-do os empresários da comunicação, osquais recebem repasses mensais doGoverno para divulgar as informaçõesde interesse de Viana e seu grupo polí-tico. Antunes fez a afirmação em ex-tenso e-mail enviado ao Presidente daABI, do seguinte teor:

“A liberdade de imprensa está amor-daçada no Acre. Desde que assumiu opoder no Estado em 1999, o GovernoJorge Viana tem cooptado os empresá-rios da comunicação. Rádios, emisso-ras de TV e jornais impressos recebemrepasses mensais do Governo para di-vulgar as informações que interessamaos políticos ligados a Jorge Viana. A

LIBERDADE DE IMPRENSA

Brasil firma Declaração de Chapultepec

Governo do Acre controla a mídiaEm e-mail à ABI, jornalista denuncia que o Governo doEstado cooptou empresários da comunicação comrepasses mensais que os mantêm vassalos do poder.

A íntegra da Declaração de Chapultepec

manipulação das informações é feita apartir da Secretaria de Comunicação doAcre. O Governo interfere no conteú-do jornalístico das empresas, determi-nando o que pode ou não ser divulga-do e quais os assuntos a receberem des-taque nas edições diárias.

Emissoras públicas de rádio e TV,ligadas ao sistema Cultura de Comuni-cação, não abrem espaço a políticos deoposição ou lideranças comunitáriascontrárias às ações do Governo. A pro-gramação da TV Aldeia é dedicada adivulgar apenas o ideário político dogrupo atualmente no poder.

O mais grave é que o orçamento damídia local atende aos interesses dessegrupo, além de ferir a Lei de Licitações(Lei n° 8.666). Segundo matéria do jor-nal Folha de S. Paulo, edição do dia 4 dejulho de 2005, o Governo acreano au-

mentou em 585% o valor de um contra-to de publicidade, que saltou de R$ 4milhões para R$ 27,4 milhões. Fez issoatravés de 13 termos aditivos.

De acordo ainda com a Folha, o con-trato fora assinado em abril de 2001entre o então secretário de Comunica-ção do Acre, Aníbal Diniz, e o sócio daAsa, Paulo Vasconcelos do Rosário Neto.Este último dirigiu a empresa de publi-cidade DNA, ligada à SMPB de MarcosValério Fernandes de Souza, acusado deser o operador do “mensalão”.

O Ministério Público estadual, apósdenúncia da Folha, chegou a ‘recomen-dar’ que o contrato fosse anulado. Oórgão, porém, não aprofundou inves-tigações ou apontou culpados.

Essa proximidade entre Governo eempresas de comunicação, sob as vistasdo Ministério Público estadual e fede-ral, tem favorecido a impunidade. Gra-ves denúncias de superfaturamento dediversas obras sequer são noticiadas. OTribunal de Contas da União (TCU)detectou, por exemplo, superfatura-mento de uma ponte entre o Município

de Assis Brasil e Ñapari, na Bolívia. Osjornais, com exceção daqueles perten-centes à empresa de comunicação O RioBranco, não informaram os leitores dosresultados da averiguação do TCU.

Outra fonte de escândalos no Esta-do tem sido a BR-364, na qual o Go-verno chegou a gastar R$ 2,2 milhõespor quilômetro de asfalto. Em menosde dois anos a obra se desfaz com aschuvas, o que revela a precariedadetécnica dos serviços.

Alguns jornalistas são escalados peloGoverno para ocupar cargos nos jornaiscomo comentaristas políticos. Isso sócontribuiu ainda mais para a manipula-ção das informações, sempre favoráveisao grupo político do Governador Viana.

Nas eleições de 2004, nem todos osjornais foram imparciais na destinaçãode espaços aos candidatos. Os quemantiveram o critério da igualdadeacabaram tomados pelas campanhaspublicitárias do Governo, cujo candi-dato a prefeito venceu as eleições sobsuspeita de favorecimento do esque-ma de caixa 2 do PT federal.”

II – Toda pessoa tem o direito de bus-car e receber informação, expressar opi-niões e divulgá-las livremente. Ninguémpode restringir ou negar esses direitos.

III – As autoridades devem estar legal-mente obrigadas a pôr à disposição doscidadãos, de forma oportuna e eqüitativa,a informação gerada pelo setor público.Nenhum jornalista poderá ser compelidoa revelar suas fontes de informação.

IV – O assassinato, o terrorismo, o se-qüestro, as pressões, a intimidação, a pri-são injusta dos jornalistas, a destruiçãomaterial dos meios de comunicação, qual-quer tipo de violência e impunidade dosagressores, afetam seriamente a liberda-de de expressão e de imprensa. Esses atos

Uma imprensa livre é condição funda-mental para que as sociedades resolvamseus conflitos, promovam o bem-estar eprotejam sua liberdade. Não deve existirnenhuma lei ou ato de poder que restrin-ja a liberdade de expressão ou de impren-sa, seja qual for o meio de comunicação.Porque temos consciência dessa realida-de e a sentimos com profunda convic-ção, firmemente comprometidos com aliberdade, subscrevemos esta declaraçãocom os seguintes princípios:

I – Não há pessoas nem sociedadeslivres sem liberdade de expressão e deimprensa. O exercício dessa não é umaconcessão das autoridades, é um direitoinalienável do povo.

devem ser investigados com presteza epunidos severamente.

V – A censura prévia, as restrições àcirculação dos meios ou à divulgação desuas mensagens, a imposição arbitrária deinformação, a criação de obstáculos ao li-vre fluxo informativo e as limitações aolivre exercício e movimentação dos jorna-listas se opõem diretamente à liberdadede imprensa.

VI – Os meios de comunicação e osjornalistas não devem ser objeto de dis-criminações ou favores em função do queescrevam ou digam.

VII – As políticas tarifárias e cambiais,as licenças de importação de papel ouequipamento jornalístico, a concessão defreqüências de rádio e televisão e aveiculação ou supressão da publicidadeestatal não devem ser utilizadas para pre-miar ou castigar os meios de comunica-ção ou os jornalistas.

VIII – A incorporação de jornalistas aassociações profissionais ou sindicais e afiliação de meios de comunicação a câ-maras empresariais devem ser estritamen-te voluntárias.

IX – A credibilidade da imprensa estáligada ao compromisso com a verdade, àbusca de precisão, imparcialidade e eqüi-dade e à clara diferenciação entre as men-sagens jornalísticas e as comerciais. A con-quista desses fins e a observância dessesvalores éticos e profissionais não devemser impostos. São responsabilidades ex-clusivas dos jornalistas e dos meios decomunicação. Em uma sociedade livre, aopinião pública premia ou castiga.

X – Nenhum meio de comunicação oujornalista deve ser sancionado por difun-dir a verdade, criticar ou fazer denúnciascontra o poder público.

JOSÉ C

RU

Z/ABR.

O Presidente Lula exibe a Declaração de Chapultepec ao lado de Diana Daniels, Presidenteda Sociedade Interamericana de Imprensa-Sip, e Nélson Sirotsky, Presidente da ANJ.

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Jornal da ABI

Maio de 2006

Em consonância com a decisão ado-tada por seu Conselho Deliberativo nasessão extraordinária de posse dos seusnovos membros, no dia 15 de maio, aABI manifestou hoje sua adesão à de-claração sob o título “Civilização, sim;barbárie, não”, firmada por eminen-tes juristas de São Paulo e do Rio, osquais sustentam que a recente ondade violência em dezenas de localida-des do Estado de São Paulo tem de serenfrentada com “medidas compatíveiscom o Estado de Direito consagradoem nossa Constituição”.

A declaração, publicada na ediçãode 18 de maio da Folha de S. Paulo, con-dena as “vozes tonitroantes” que pre-gam “a barbárie contra barbárie, tru-culência contra truculência, poder defogo contra poder de fogo!” e adverteque “o que a cidadania não pode é dei-xar-se levar pela insolência e pelaagressividade dos que advogam a bar-bárie e abdicar dos princípios do direi-to”, porque “o que pode derrotar a bar-bárie é mais civilização — não atruculência”.

Firmam a declaração, que a ABIpassou a subscrever, os juristas Antô-nio Visconti, Celso Antônio Bandeirade Mello, Fábio Konder Comparato,Goffredo Telles Júnior, Hermann As-sis Baeta, João Luiz Duboc Pinaud,José Osório de Azevedo Júnior, MariaEugênia Raposo da Silva Telles, Plíniode Arruda Sampaio e Weida Zancaner.

A ABI adere à declaraçãocontra a barbárie

Conselho da ABIempresta a suaadesão aoentendimento de queo que pode derrotara barbárie, comoa verificada emSão Paulo, é maiscivilização, e não atruculência. O textodo manifesto dejuristas de São Pauloe do Rio de Janeiro.

O teor da declaração é o seguinte:“Não é fácil apelar para o bom senso quando os ânimos

estão exaltados e, sobretudo, quando a exaltação é plena-mente justificável. Nenhuma pessoa de sentimentos podedeixar de solidarizar-se com as famílias dos policiais e doscivis inocentes assassinados nem de condenar, da forma maisveemente, a truculência dos bandidos que deflagraram a re-cente onda de violência em dezenas de cidades do Estadode São Paulo.

Mas é justamente nessas horas que se torna imprescindívelalertar a população para o risco da exploração política do episó-dio. No rádio, na televisão, nos jornais e nas revistas, vozestonitroantes reclamam penas mais rigorosas, mais armamentopara os policiais, mais restrições aos presos, mais limites à li-berdade dos cidadãos. Senadores da República procuram as-sociar o episódio com o terrorismo e prometem votar umalegislação penal, processual e penitenciária mais repressiva emapenas 15 dias! É barbárie contra barbárie, truculência contratruculência, poder de fogo contra poder de fogo!

Por esse caminho, semeia-se, única e exclusivamente, o caos.Quem está, de fato, interessado em enfrentar o gravíssimo

problema da violência precisa fazer uma análise objetiva doepisódio e propor medidas compatíveis com o Estado de Di-reito consagrado em nossa Constituição.

Estamos, antes de mais nada, diante de uma tragédia social.Os atentados desta semana são a explosão de um proces-

so cumulativo, cujo combustível é a extrema desigualdadesocial do País. Enquanto esse problema não for atacado seri-amente pela sociedade brasileira, será impossível livrar o nos-so quotidiano da violência.

Embora não haja clima para discutir as medidas de longoprazo destinadas a combater a desigualdade, enquanto ban-didos queimam ônibus e metralham a esmo prédios públi-cos e privados, torna-se indispensável denunciar que o dis-curso da truculência estatal visa precisamente esconder essaquestão de fundo, porque ela afeta privilégios e interesses degente muito poderosa.

Fiquemos, pois, por ora, apenas nas providências que po-dem coibir imediatamente o surto de violência. A primeira

TRUCULÊNCIA SEMEIA O CAOSdelas é a reestruturação completa — de cima a baixo — doaparelho repressivo do Estado, pois todos sabem que, sem aconivência de uma rede de funcionários venais, com ramifi-cações até nas altas cúpulas, o crime organizado não temcondições de acumular a assustadora força que demonstrou.

Junto com isto — e a contrário do que propõem os porta-vozes do atraso — é indispensável estabelecer penas nãoprisionais para os crimes de menor gravidade; impedir o con-tato entre presos de diferentes graus de periculosidade; criarmecanismos eficazes para ouvir queixas das vítimas de vio-lência de agentes públicos; organizar um sistema de reabilita-ção de presos, fazer funcionar a defensoria pública; constituirconselhos e outras formas de participação popular no plane-jamento da segurança dos bairros.

Base não falta, portanto, para ações imediatas e eficazesdos Poderes da República. O que a cidadania não pode édeixar-se levar pela insolência e pela agressividade dos queadvogam a barbárie e abdicar dos princípios do direito. Oque pode derrotar a barbárie é mais civilização — não atruculência.”

(a) Antonio Visconti, 66,Procurador de Justiça do Estado de São Paulo(a) Celso Antônio Bandeira de Mello, 69,professor titular de Direito Administrativo da Puc-SP(a) Fábio Konder Comparato, 69,professor titular da Faculdade de Direito da USP(a) Goffredo Telles Júnior, 91,professor emérito da Faculdade de Direito da USP(a) Hermann Assis Baeta, 73,Presidente nacional da OAB de 1985 a 1987(a) João Luiz Duboc Pinaud, Conselheiro da OAB(a) José Osório de Azevedo Júnior, 72,professor de Direito Civil da Puc-SP(a) Maria Eugênia Raposo da Silva Telles, advogada pela USP(a) Plínio de Arruda Sampaio, 75,advogado, Deputado federal pelo PT-SP de 1985 a 1991(a) Weida Zancaner,professora de Direito Administrativo da Puc-SP.

DIREITOS HUMANOS

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Jornal da ABI

22 Maio de 2006

A Universidade Federal Fluminensepromoveu em 11 de maio o lançamen-to do livro Afasta de mim estecale-se — um encontro de me-mórias e histórias sobre o re-gime militar, seguido de umdebate sobre as questõesque envolveram a repressãoe as violências que ocorre-ram sob o regime militar.

O livro é uma coletâneade 11 trabalhos resultantesde um projeto realizadocom estudantes do curso deJornalismo e produzido apartir de relatos sobre a repressão e aresistência durante a ditadura. A pu-blicação foi coordenada e produzidapelo Professor João Batista de Abreu,chefe do Departamento de Comuni-cação Social da Uff, auxiliado por Ma-ria Luiza Muniz e Renata Cunha.

Durante o ato, o Professor AntônioAmaral Serra, Diretor do Instituto deArtes e Comunicação Social da Univer-sidade, comunicou que a Pró-Reitoriade Assuntos Acadêmicos constituiuuma comissão com a finalidade de es-tabelecer as normas para consulta à do-cumentação existente na Uff acerca depunições de estudantes e de professo-res, a fim de colocar esse material à dis-posição de pesquisadores e de outrosinteressados, como os próprios estu-dantes alcançados pelas punições.

Essas punições foram instituídaspelo Decreto nº 227, na gestão do Mi-nistro da Educação Flávio Suplicy deLacerda, que foi o primeiro Ministro daditadura sob o Governo Castelo Bran-co. O Decreto nº 227 disciplinava, comcaráter restritivo, as eleições para os

centros e diretórios acadêmicos e im-pedia a constituição de entidades cen-

trais de estudantes, como asuniões estaduais de estudan-tes e, depois, a União Naci-onal dos Estudantes-Une.

Em seguida, o Decreto nº477 instituiu e generalizou osistema de punições de estu-dantes e professores no ensi-no superior e instituiu comomedida de repressão a expul-são de estudantes, que aindaficavam impedidos de se ma-tricular em qualquer curso

superior durante três anos. Sob o impé-rio do Decreto n° 477, implantaram-seas Assessorias de Informação e Seguran-ça, que sistematizaram a vigilância so-bre estudantes e professores, para pu-nir o que eles consideravam subversão.As Assessorias foram instituídas no en-sino superior, no âmbito do Ministérioda Educação e nas unidades a ele vincu-ladas e subordinadas.

É a documentação gerada pela ati-vidade desses órgãos de repressão quea Uff decidiu franquear à consulta depesquisadores e demais interessados,conforme foi anunciado pelo Profes-sor Serra ao longo do debate em tornodas questões relacionadas com a re-pressão do regime militar, no qual in-tervieram na Mesa, coordenada pelaPró-Reitora de Assuntos Acadêmicosda Uff, Esther Hermes Lück, os jorna-listas Antônio Theodoro de Barros,Professor Emérito da Uff; MaurícioAzêdo, Presidente da ABI; João Batis-ta de Abreu; e Victória Grabois, Pro-fessora da UFRJ e representante doGrupo Tortura Nunca Mais.

UFF LANÇA OBRADE DENÚNCIA

O Departamento de Polícia Federalencaminhou à ABI relatório em que oChefe de Gabinete do órgão, Delega-do Ivo Valério dos Santos, presta es-clarecimentos sobre o desaparecimen-to do jornalista Ivandel GodinhoJúnior, seqüestrado em outubro de2003, em São Paulo.

Em expediente encaminhado à Po-lícia Federal, em 5 de abril de 2005, aABI pedira “o esforço das autoridadespoliciais nas investigações do paradei-ro do jornalista”. O caso foi apuradopor meio do Inquérito Policial nº 0107/03, instaurado na Divisão Anti-Seqües-tro, relatado em 16 de fevereiro do anopassado. Apesar de o corpo de IvandelGodinho não ter sido localizado, o in-quérito concluiu que o jornalista foimorto por integrantes da quadrilha deseqüestradores enquanto se encontra-va no cativeiro.

A PF conseguiu localizar e prenderdois dos cinco bandidos envolvidos noseqüestro: Fabiano Pavan do Prado eWilson de Moraes da Silva. Os outrostrês — Sidney Correia, Miguel José dosSantos Junior e Wellington Ricardo daSilva — tiveram prisão preventiva de-

O que nos diz o DPFsobre Ivandel Godinho

cretada, mas ainda estavam foragidos.Com a prisão posterior de Miguel

José dos Santos Júnior, o Juninho, a Polí-cia de São Paulo esperava esclarecer maisrapidamente a morte do jornalista. Juni-nho, que teria comandado o grupo res-ponsável pelo seqüestro do jornalista em22 de outubro de 2003, era um dos crimi-nosos mais procurados de São Paulo. Suaprisão foi feita pela Divisão Anti-Seqües-tro da Polícia Civil de São Paulo, em Ita-nhaém, no litoral do Estado. De acordocom o Delegado Wagner Giudice, o ban-dido confirmou o depoimento dos ou-tros integrantes do bando que estão pre-sos, de que Ivandel Godinho foi mortodepois que tentou fugir do cativeiro, cer-ca de três a quatro dias depois de seqües-trado. Juninho confessou também quefoi ele quem negociou com a família deIvandel o pagamento do resgate, em 10de janeiro de 2004.

Os dois primeiros bandidos envol-vidos no seqüestro a serem presos fo-ram Fabiano Pavan do Prado e Wilsonde Moraes da Silva. Sidney Correia eWellington Ricardo da Silva tiveramprisão preventiva decretada, mas con-tinuavam foragidos.

Por meio da Portaria nº 35.041, de11 de maio, o Reitor da UniversidadeFederal Fluminense, Cícero MauroFialho Rodrigues, desclassificou comosigilosos os documentos da Assesso-ria de Segurança e Informação no pe-ríodo de 1960 a 1988. A medida per-mite que sejam estabelecidas normaspara consulta à documentação existen-te na Uff acerca de punições de estu-dantes e de professores e põe esse ma-terial à disposição deles e de pesquisa-dores. As punições foram instituídaspelo Decreto nº 227, que disciplinava,com caráter restritivo, as eleições paraos centros e diretórios acadêmicos eimpedia a constituição de entidadescentrais de estudantes.

A Portaria decreta a quebra do sigi-lo sobre o acervo documental produ-zido pela ASI, mas determina que asinformações só poderão ser reveladas

“desde que as pessoas mencionadasnaquele acervo tenham resguardadasas suas imagens e privacidade”. O do-cumento determina também ao Nú-cleo de Documentação da Universi-dade que “estabeleça procedimentosde acesso aos documentos e informa-ções integrantes do precitado acervo”.

Diz o Reitor Cícero Mauro FialhoRodrigues, ao fundamentar o ato, quetomou a iniciativa com base “na ne-cessidade de ampliar a democratiza-ção e a visibilidade das informaçõesproduzidas no âmbito da Uff” e noque foi sugerido em relatório pela Co-missão Permanente de Documentosde Natureza Sigilosa, instituída pelasPortarias 27.247, de 3 de março de1999; 28.681, de 22 de dezembro de2000; e 33.916, de 7 de junho de 2005,de acordo com a legislação vigente so-bre o assunto.

O ATO LIBERTADOR

DIREITOS HUMANOS

Alunos do curso de Jornalismo recolheramdepoimentos sobre a repressão da ditadura.

O jornalista Pinheiro Salles — tam-bém bacharel em Direito, membro doDiretório Nacional do PT, ex-presopolítico e autor de dois livros sobre aditadura militar — enviou à ABI có-pia de carta que encaminhou ao Presi-dente Luiz Inácio Lula da Silva, naqual pede que se cumpra a promessade colocar o Governo à disposição dafamília da Sra. Maria de Campos Ba-tista (Dona Santa), “para continuar aluta até encontrar os restos mortaisde seu filho Marcos Antônio Dias Ba-

FAMÍLIA BUSCA OSRESTOS DE MARCOS DIAS

tista”, desaparecido em 1970, duran-te o Governo Médici.

Na carta, o jornalista diz a Lula quesua manifestação de condolências aosparentes de Marcos Antônio devetransformar-se num compromisso,para que seu Governo fique na Histó-ria como o primeiro, desde Sarney, quenão aceitou a cumplicidade com o re-gime implantado em 1964, que intro-duziu no País um terrorismo de Esta-do a partir da edição do AI-5, em 13de dezembro de 1968.

Dono de umaempresa de

comunicação, Ivandelera um homem de

bem com a vida. Foimorto dias após o

seqüestro, ao tentarfugir do cativeiro.

DIVU

LGAÇ

ÃO

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Jornal da ABI

Maio de 2006

VIDAS

Faltava um dia para José Con-rado Pereira da Silva, ou sim-plesmente Conrado Pereira,completar 35 anos de vin-

culação à ABI, a 25 de maio. Ele nãoviu esse dia tão grato para ele: namadrugada da véspera, aos 72 anos,Conrado sucumbiu a uma insufi-ciência renal, contra a qual seu or-ganismo lutara durante três meses.

Conrado começou no jornalis-mo em 1960, como estagiário daagência de notícias UPI. Passou de-pois pelas redações da TV Excelsiore da Rádio Tupi. Em 1963, foi parao Jornal do Brasil e três anos depoispara O Globo. Trabalhou 21 anoscomo repórter político de O Dia,do qual saiu para ingressar na Tri-buna da Imprensa e no Monitor Mer-cantil. Foi um dos primeiros pro-fissionais formados pelo Curso deJornalismo da Faculdade Nacionalde Filosofia, da antiga Universida-de do Brasil. Participava intensa-mente da vida da ABI, à qual se as-sociou em 1971 e na qual foi Se-cretário da Mesa Diretora, do Con-selho Administrativo, antes de as-sumir a Secretaria da Diretoria deAssistência Social-Das.

Baiano da fronteira com o Piauí,filho de lavradores, Conrado inte-ressou-se pela leitura ainda meni-no e foi morar com o padrinho, queprometera ajudá-lo nos estudos.No Rio de Janeiro, destacou-se pelaatuação como repórter de O Dia,revolucionando a filosofia editori-al do jornal ao implantar o notici-ário de Economia em um diário quedava ênfase às matérias de Polícia.Seus problemas de saúde come-çaram em fevereiro deste ano.Após seguidas internações, foi di-agnosticado um câncer no esôfagoe insuficiência renal. Depois de unspoucos dias em casa, uma pneu-monia o levou de volta ao hospi-tal, onde permaneceu até falecer.

Nos anos em que se dedicou àCasa do Jornalista, Conrado fezmuitos amigos, entre eles a funci-onária Maria Helena ModestoVieira, que começou a trabalhar nainstituição um ano após a chega-da de Conrado: — Quando ele en-

O bom Conrado partiuO bom Conrado partiuO bom Conrado partiuO bom Conrado partiuO bom Conrado partiuDepois de longa atividade como repórter e editor de jornais, ele se dedicava

como um samaritano à Diretoria de Assistência Social da ABI.

trou na ABI, trabalhava em três jor-nais. Então, não podia vir aqui di-ariamente, como fez nos últimosanos de vida. Conrado era tranqüi-lo, bonachão, tolerante e compre-ensivo.

Outras características marcantesde Conrado,diz Maria Helena, erama serenidade e a grande capacida-de armazenar informações na me-mória: — Conrado tinha um tem-peramento tão pacífico que nemmesmo nas vezes em que se abor-recia era possível perceber. Soubepouquíssimas vezes de seus estres-ses porque ele mesmo me contou.E ainda assim mantinha a voz se-rena, não se exaltava.

Hélio Fernandes Filho, Diretorda Tribuna da Imprensa, trabalhoucom Conrado quando este era re-pórter de Economia do jornal: —Aqui ele fez de tudo, Geral, Políti-ca, etc. Era um profissional que ja-mais se atrasava ou se recusava afazer matérias. Era uma excelentepessoa, com quem tive ótimo con-vívio, e que jamais vi levantar a voz.

Jorge Reis, fotógrafo da Tribunada Imprensa que costumava acom-panhar Conrado em suas reporta-gens, era amigo pessoal dele: — Eleera um colega sensacional, compa-nheiro, trabalhador. Eu o conheciade longa data, desde os tempos deO Dia. Costumávamos nos encon-trar com freqüência.

O professor Flávio Ramos, edi-tor do portal www.mensageiro.com.br, disse que Conrado foi oresponsável em O Dia pelo suces-so das matérias de Economia, “umdos assuntos mais importantes,por levar o trabalhador a entendero desenvolvimento do País”.“Conrado era um arquiteto queconstruía no terreno do espírito,cujo discurso douto e fácil era co-mo um bisturi na mão do cirurgiãotreinado, cortava o tecido doentee deixava à mostra a verdade clarae precisa”.

A Diretoria da ABI aprovou umamoção de pesar lamentando a per-da do grande companheiro, deten-tor de múltiplos talentos. Conradodeixou um casal de filhos.

HONRA EMÉRITOAdail José de Paula

Nos deixou o caroConrado PereiraHonrado companheiroque a sua maneiraDesenvolveu bem seulado assistencialistaParalelamente à funçãode jornalista...Era maneiro o nossosaudoso Conrado

Presente na ComissãoInterna da Prevenção deAcidentesDe O Dia, Diário, Última Hora ou Tribuna da ImprensaCobrindo a Bolsa de Valores era um bocadoDedicado, correto, comprovando que decência compensaPassando por sérios problemas ultimamenteMas se doando ao Departamento Social da ABISe auto-superando de forma pungenteConrado deixou seu simpático exemplo aqui!...

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Jornal da ABI

ARTE ����� Entrevista a Carlos Rodrigues

MARCELO MONTEIRO

UM MESTRE DOTRAÇO DESDEA MOCIDADEEle começou aos 17 anos fazendo um retrato dapoetisa chilena Gabriela Mistral, a convite doteatrólogo Oduvaldo Viana, pai do Vianinha.

carinhosa que usava para brincarcom os mais íntimos). O que é queacha disso?” Debrucei-me sobre otexto e li: “Não se dá um passo emÁlvaro Chaves sem tropeçar numaglória.” Respondi: “Genial. É a defi-nição lapidar de um tricolor ”.

Quantos anos já se passaramdepois disso, meu Deus!

Jornal da ABI — Como foi suaida para O Globo?Marcelo —Marcelo —Marcelo —Marcelo —Marcelo — Fiz de tudo — car-tazes, cenografia, publicidade,

histórias em quadrinhos e desenhode produção para o cinema— até 1962, quando, tra-balhando na EditoraOzon e fazendo o cursode Arquitetura, conhe-ci Paulo Rodrigues, ir-mão do Nélson. Ele ia lançar um li-vro pela editora e me chamou parafazer a capa. Paulo também manti-nha uma coluna diária no Globo e umdia me disse que o Dr. Roberto Mari-nho estava procurando um ilustradorpara ela. No ato, me propôs ilustrarumas das historinhas que sairiam nodia seguinte. Fiz, ele levou para o jor-

nal e uma hora depoisme ligou, mandando eu

ir pra lá também. Quan-do cheguei, o Dr. Rober-to me perguntou: “Você

pode começar hoje?”Como naquela época

era possível traba-lhar em dois jor-nais simultanea-mente, desde quenão fossem con-correntes, em 63aceitei também oconvite para cola-borar no Jornal dos

Marcelo Monteiro nasceu emcasa, num apartamento da

Rua Mayrink Veiga, Centro do Rio,na semana do Carnaval de 1935. Jáa vocação para o desenho nasceu aopé da prancheta do pai, o pintor, ce-nógrafo, arquiteto, carnavalesco eilustrador Monteiro Filho. Aos 17anos — sua idade atual vista peloespelho, como diz —, Marcelo fezseu primeiro trabalho profissional aconvite do autor teatral OduvaldoViana, amigo da família: - Ele diri-gia o jornal do PCB, Imprensa Popu-lar, e um dia me perguntou se que-ria fazer um retrato da poetisa chi-lena Gabriela Mistral. Topei na hora.

Jornal da ABI — Você não se consi-dera um chargista e diz que cria pa-ralelamente ao texto. Explique me-lhor seu trabalho.Marcelo Monteiro —Marcelo Monteiro —Marcelo Monteiro —Marcelo Monteiro —Marcelo Monteiro — Sempre fuiilustrador, isto é, meu trabalho estásempre cingido a um texto. É umacriação paralela, nunca independen-te, por mais tênue que seja o liameentre trabalho gráfico e texto.

Jornal da ABI — Como foram as duasdécadas em que você ilustrou ostextos de Nélson Rodrigues em OGlobo e no Jornal dos Sports?Marcelo —Marcelo —Marcelo —Marcelo —Marcelo — Criei em desenho váriosde seus inesquecíveispersonagens, como So-brenatural de Almeida,Gravatinha e A Grã-fina das Narinas de Ca-dáver. Tenho muita sau-dade de Nélson e de nos-sas conversas. Lembrodo dia, no Globo, emque eu estava ao seulado, esperando eleacabar de escrever acrônica, quando eleme perguntou: “Ó,ridículo (maneira

Sports, feito por Mário Júlio Rodri-gues — seu pai, Mário Filho, aindaera vivo na época — e que acabou setornando um grande amigo.

Jornal da ABI — Qual a diferençaentre a charge e a arte que você faz?Marcelo —Marcelo —Marcelo —Marcelo —Marcelo — Embora possa ter umaspecto caricatural, a ilustração di-fere da charge, pois esta raramenteestá ligada a um texto, é uma obraindependente. Como a ilustraçãotrata da interpretação de um texto— que pode ser literal, simbólica ouconceitual — e como as interpreta-ções variam com os indivíduos, é co-mum editores fazerem sugestõesque algumas vezes demandam ne-gociações e, em outras, matam acharada. No meu trabalho não fun-ciona — nem poderia — a “lei” daobra de arte irretocável.

Jornal da ABI — Os autores tambéminterferem?Marcelo —Marcelo —Marcelo —Marcelo —Marcelo — Ilustrei muitos cronistasao longo da carreira e nenhum in-terferiu no meu trabalho. Minto.Uma vez o bom João Saldanha mealertou que a posição de um boneco

que ia chutar a bola estava errada.Corrigi na hora. Hoje, velhote, ilus-tro no Globo e na Revista Globo umaverdadeira seleção de craques: JoãoUbaldo Ribeiro, Luiz Garcia, Veríssi-mo, Zuenir Ventura, Martha Me-deiros, Paulo Coelho, Alberto Goldine B. Piropo.

Jornal da ABI — Qual o lado maisgratificante do seu trabalho?MarceloMarceloMarceloMarceloMarcelo — — — — — Apesar de todas as limita-ções inevitáveis, decorrentes da pró-pria natureza do trabalho em impren-sa, minhas tarefas incluem uma boadose de criação. E que atividade podeser mais prazerosa para o ser humanodo que aquela que exige um esforço,por mínimo que seja, de criatividade?

Marcelo no departamento de arte, a redação já vazia, adiantando as ilustrações para o fimde semana: são três para a página 7, de Opinião, e outras três para a Revista Globo.

1

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4 5

Identificação das ilustrações: 1 - Desenho que ilus-trou a coluna do Nélson Rodrigues, na década de 70;2 - Coluna do Veríssimo no Caderno Especial da Copado Mundo de 2006, por ocasião da derrota da SeleçãoBrasileira para a França; 3 - Revista Globo; 4 e 5 - Dese-nhos para a página de Opinião do jornal O Globo paraas colunas do Veríssimo e do João Ubaldo Ribeiro.

CAVALCANTI