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Resistência ao Cisalhamento Residual de Alguns Solos da Formação Serra Geral (RS) Residual Shear Strength of Some Soils from Serra Geral Formation (RS) Resistencia al Corte Residual de Algunos Suelos de la Formación Serra Geral (RS) Marcelo Luvison Rigo, Lilian Perazzolo, Rinaldo José Barbosa Pinheiro, Adriano Virgílio Damiani Bica, Luiz Antônio Bressani, Rodrigo Moraes da Silveira Resumo. Esta nota discute alguns valores muito baixos de resistência ao cisalhamento residual apresentados por solos da Formação Serra Geral (RS). Os solos investigados abrangem: (a) um solo saprolítico de basalto vesicular; (b) um colúvio de basalto; (c) uma argila de preenchimento de basalto alterado; (d) um solo saprolítico de basalto; e (e) um solo saprolítico de olivina-basalto. O estudo foi associado à investigação geotécnica de alguns taludes instáveis na região. Os solos são constituídos basicamente por argilominerais expansivos do grupo das esmectitas. Foram realizados ensaios ring shear que apresentaram 5 10 °≤ ° φr . Palavras-chave: resistência ao cisalhamento residual, ensaios ring shear, solos residuais, solos coluvionares. Abstract. This note discusses some very low values of residual shear strength shown by soils from Serra Geral Formation (RS). The investigated soils encompass (a) a saprolitic soil of vesicular basalt, (b) a colluvium of basalt, (c) a joint filling clay within weathered basalt, (d) a saprolitic soil of basalt, and (e) a saprolitic soil of olivine basalt. The study was associated to the geotechnical investigation of some unstable slopes in the region. Those soils consist basically of expansive clays of the smectite group. Ring shear tests were carried out presenting 5 10 °≤ ° φr . Keywords: residual shear strength, ring shear tests, residual soils, colluvium soils. Resumen. Esta nota discute algunos valores muy bajos de resistencia al corte residual mostrados por los suelos de la Formación Serra Geral (RS). Los suelos estudiados conprenden (a) un suelo saprolítico de basalto vesicular; (b) un colúvio de basalto; (c) una arcilla de relleno de basalto alterado; (d) un suelo saprolítico de basalto y (e) un suelo saprolítico de olivina basalto. El estúdio fue asociado a la investigación geotécnica de algunas cuestas inestables en la región. Los suelos consistian básicamente en arcillas expansivas del grupo de las esmectitas. Fueron realizados ensayos de anillos de corte (ring shear) que apresentaron 5 10 °≤ ° φr . Palabras clave: resistencia al corte residual, ensayos ring shear, suelos residuales, suelos coluvionares. 1. Introdução A Formação Serra Geral, na região nordeste do estado do Rio Grande do Sul, consiste em uma seqüência de rochas vulcânicas básicas (basaltos e andesitos) na sua porção in- ferior e de rochas vulcânicas ácidas (riolitos e riodacitos) na sua porção superior. Nesta região, a instabilização de talu- des é freqüente e ocorre geralmente em épocas de chuva intensa (Pinheiro et al., 2001). Estudos sobre os aspectos geológicos e o comportamento geotécnico desta formação, visando principalmente aplicações na área de estabilidade de taludes, foram realizados por Pinheiro (2000), Rigo (2000), Perazzolo (2003), Nummer (2003), Silveira (2003) e Rigo (2004). Em particular, a determinação da resistência ao cisalhamento residual de solos argilosos é de grande interesse, uma vez que a interface entre o solo coluvionar e o solo residual em taludes naturais está freqüentemente na condição residual de resistência ao cisalhamento do solo coluvionar, devido ao deslocamento anterior já sofrido pela massa de colúvio (Lacerda, 2002). A resistência ao cisalha- mento residual de solos tropicais do Rio Grande do Sul Solos e Rochas, São Paulo, 27, (3): 295-300, Setembro-Dezembro, 2004. 295 Marcelo Luvison Rigo, M.Sc., Doutorando, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). e-mail: [email protected]. Lilian Perazzolo, M.Sc., Doutoranda, UFRGS. e-mail: [email protected]. Rinaldo José Barbosa Pinheiro, D.Sc., Professor Adjunto, Universidade Federal de Santa Maria. e-mail: [email protected]. Adriano Virgílio Damiani Bica, Ph.D.. Professor Adjunto, UFRGS. e-mail: [email protected]. Luiz Antônio Bressani, Ph.D., Professor Adjunto, UFRGS. e-mail: [email protected]. Rodrigo Moraes da Silveira, M.Sc., Doutorando, UFRGS. e-mail: [email protected]. Recebido em 16/3/2004; Aceitação final em 24/6/2004; Discussões até 29/4/2005.

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Resistência ao Cisalhamento Residual de Alguns Solos daFormação Serra Geral (RS)

Residual Shear Strength of Some Soils from Serra Geral Formation (RS)

Resistencia al Corte Residual de Algunos Suelos de la Formación SerraGeral (RS)

Marcelo Luvison Rigo, Lilian Perazzolo, Rinaldo José Barbosa Pinheiro, Adriano Virgílio DamianiBica, Luiz Antônio Bressani, Rodrigo Moraes da Silveira

Resumo. Esta nota discute alguns valores muito baixos de resistência ao cisalhamento residual apresentados por solos daFormação Serra Geral (RS). Os solos investigados abrangem: (a) um solo saprolítico de basalto vesicular; (b) um colúvio debasalto; (c) uma argila de preenchimento de basalto alterado; (d) um solo saprolítico de basalto; e (e) um solo saprolítico deolivina-basalto. O estudo foi associado à investigação geotécnica de alguns taludes instáveis na região. Os solos são constituídosbasicamente por argilominerais expansivos do grupo das esmectitas. Foram realizados ensaios ring shear que apresentaram5 10°≤ ≤ °φ’r .Palavras-chave: resistência ao cisalhamento residual, ensaios ring shear, solos residuais, solos coluvionares.

Abstract. This note discusses some very low values of residual shear strength shown by soils from Serra Geral Formation (RS).The investigated soils encompass (a) a saprolitic soil of vesicular basalt, (b) a colluvium of basalt, (c) a joint filling clay withinweathered basalt, (d) a saprolitic soil of basalt, and (e) a saprolitic soil of olivine basalt. The study was associated to thegeotechnical investigation of some unstable slopes in the region. Those soils consist basically of expansive clays of the smectitegroup. Ring shear tests were carried out presenting 5 10°≤ ≤ °φ’r .Keywords: residual shear strength, ring shear tests, residual soils, colluvium soils.

Resumen. Esta nota discute algunos valores muy bajos de resistencia al corte residual mostrados por los suelos de la FormaciónSerra Geral (RS). Los suelos estudiados conprenden (a) un suelo saprolítico de basalto vesicular; (b) un colúvio de basalto; (c)una arcilla de relleno de basalto alterado; (d) un suelo saprolítico de basalto y (e) un suelo saprolítico de olivina basalto. El estúdiofue asociado a la investigación geotécnica de algunas cuestas inestables en la región. Los suelos consistian básicamente enarcillas expansivas del grupo de las esmectitas. Fueron realizados ensayos de anillos de corte (ring shear) que apresentaron5 10°≤ ≤ °φ’r .Palabras clave: resistencia al corte residual, ensayos ring shear, suelos residuales, suelos coluvionares.

1. IntroduçãoA Formação Serra Geral, na região nordeste do estado

do Rio Grande do Sul, consiste em uma seqüência de rochasvulcânicas básicas (basaltos e andesitos) na sua porção in-ferior e de rochas vulcânicas ácidas (riolitos e riodacitos) nasua porção superior. Nesta região, a instabilização de talu-des é freqüente e ocorre geralmente em épocas de chuvaintensa (Pinheiro et al., 2001). Estudos sobre os aspectosgeológicos e o comportamento geotécnico desta formação,visando principalmente aplicações na área de estabilidade

de taludes, foram realizados por Pinheiro (2000), Rigo(2000), Perazzolo (2003), Nummer (2003), Silveira (2003)e Rigo (2004). Em particular, a determinação da resistênciaao cisalhamento residual de solos argilosos é de grandeinteresse, uma vez que a interface entre o solo coluvionar eo solo residual em taludes naturais está freqüentemente nacondição residual de resistência ao cisalhamento do solocoluvionar, devido ao deslocamento anterior já sofrido pelamassa de colúvio (Lacerda, 2002). A resistência ao cisalha-mento residual de solos tropicais do Rio Grande do Sul

Solos e Rochas, São Paulo, 27, (3): 295-300, Setembro-Dezembro, 2004. 295

Marcelo Luvison Rigo, M.Sc., Doutorando, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). e-mail: [email protected] Perazzolo, M.Sc., Doutoranda, UFRGS. e-mail: [email protected] José Barbosa Pinheiro, D.Sc., Professor Adjunto, Universidade Federal de Santa Maria. e-mail: [email protected] Virgílio Damiani Bica, Ph.D.. Professor Adjunto, UFRGS. e-mail: [email protected] Antônio Bressani, Ph.D., Professor Adjunto, UFRGS. e-mail: [email protected] Moraes da Silveira, M.Sc., Doutorando, UFRGS. e-mail: [email protected] em 16/3/2004; Aceitação final em 24/6/2004; Discussões até 29/4/2005.

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(incluindo solos da Formação Serra Geral) foi discutida porBressani et al. (2001). São apresentados a seguir os resul-tados de ensaios ring shear realizados em cinco solosamostrados de taludes instáveis da Formação Serra Geral(RS). Estes solos destacam-se por apresentar ângulos deatrito interno residual (φ’r) surpreendentemente baixos, en-tre 5° e 10°.

2. Solos Estudados

Foram selecionados para a realização de ensaios ringshear cinco solos amostrados em taludes da FormaçãoSerra Geral (RS), situados nos municípios de Canela, Itati eTeutônia. Estes solos consistiram de: (a) um solo saprolí-tico de basalto vesicular; (b) um colúvio de basalto; (c) umaargila de preenchimento de basalto alterado; (d) um solosaprolítico de basalto; e (e) um solo saprolítico de oli-vina-basalto.

Perazzolo (2003) investigou um colúvio sobre soloresidual situado em um talude natural na área da usinahidrelétrica de Canastra, no município de Canela. O taludeapresentou durante muitos anos movimentos intermitentesde rastejo, até romper em 2003. A declividade média dasuperfície deste talude era de 18°. A investigação geotéc-nica identificou um colúvio (~1,5 m de espessura)sobreposto a um solo saprolítico de basalto vesicular(~2,5 m de espessura). O contato entre estes materiaisapresentou-se mais argiloso, com aproximadamente 0,5 mde espessura. Por ser proveniente do material a montante, ocolúvio apresentou composição mineralógica semelhante àdo solo residual, sendo constatada a presença predominantede esmectita na fração argila, com alguma caulinita. Outracaracterística deste colúvio é a inexistência de fragmentosde rocha de grande porte, que geralmente estão presentesnos solos coluvionares da Formação Serra Geral (RS).Como parte da investigação geotécnica realizada no taludede Canela, Perazzolo (2003) apresentou resultados de en-saios ring shear realizados no solo coluvionar e no solosaprolítico.

Em Itati, problemas com taludes instáveis foram fre-qüentemente enfrentados durante a construção da rodoviaRS 486 (Rota do Sol). Pinheiro (2000) descreve algunscasos de instabilidade de taludes ocorridos nesta obra. O

mesmo autor realizou ensaios ring shear com uma argila depreenchimento de diaclases, a qual foi amostrada em umcorte aberto em um derrame de basalto que sofreu alteraçãohidrotermal. A alteração deste derrame resultou na forma-ção de um solo cinza-esverdeado, constituído essencial-mente por esmectita. Rigo (2004) realizou ensaios ringshear com um solo saprolítico de basalto da mesma rodo-via. Este solo foi amostrado em um perfil de alteração deum talude natural, em grande parte coberto por colúvio outálus. O perfil apresentou estruturas de fluxo e evidênciasde alteração hidrotermal, esta caracterizada por umaexpressiva quantidade de amígdalas, veios e fraturas preen-chidas por zeolitas. O solo amostrado é constituído basica-mente por argilominerais expansivos do grupo dasesmectitas.

A construção da rodovia RS 453, próximo à cidade deTeutônia, exigiu a abertura de um corte em um talude natu-ral com inclinação de 18°. Este corte atravessou o solocoluvionar (~4 m de espessura) e expôs o solo saprolíticode olivina-basalto subjacente. O talude rompeu em 2001,após chuvas intensas. Rigo (2004) realizou ensaios ringshear no solo saprolítico de olivina-basalto. Análises dedifração de raios-X realizadas indicaram, como principalconstituinte da fração silte e argila desses solos, os argilo-minerais expansivos do grupo das esmectitas (principal-mente montmorilonita). Argilominerais de naturezacaulinítica também estão presentes, porém em menor teor,o que é indicado pela baixa intensidade da banda de pri-meira ordem desse grupo.

3. Ensaios de Laboratório

Na Tabela 1 estão apresentados resultados de ensaiosde caracterização realizados nos solos estudados. Os valo-res de limite de liquidez (LL) e de índice de plasticidade(IP) variaram, respectivamente, entre 46% e 116% e entre25% e 75%. Os valores de fração argila (FA) variaram entre9% e 68%. Os menores valores foram devidos ao menornível de intemperismo, o que resultou em menor teor deargilominerais. A Fig. 1 apresenta a distribuição granu-lométrica de cada solo.

Para a determinação da resistência ao cisalhamentoresidual, os ensaios ring shear foram realizados no equipa-

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Rigo et al.

Tabela 1 - Dados básicos dos solos da Formação Serra Geral (RS) ensaiados.

Solo Descrição Formação Localização Principais argilominerais LL (%) IP (%) FA (%)

1 Colúvio de basalto Serra Geral Canela esmectita e caulinita 82 45 53

2 Solo saprolítico de basalto vesicular Serra Geral Canela esmectita e caulinita 46 25 13

3 Argila de preenchimento (basaltoalterado)

Serra Geral Itati esmectita 116 75 68

4 Solo saprolítico de basalto Serra Geral Itati esmectita e caulinita 71 35 9

5 Solo saprolítico de olivina-basalto Serra Geral Teutônia esmectita e caulinita 72 34 22

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mento descrito por Bromhead (1979). Este equipamentopermite ensaiar corpos de prova remoldados com diâmetroexterno de 100 mm, diâmetro interno de 70 mm e alturainicial de 5 mm. Bishop et al. (1971) mostraram que aresistência ao cisalhamento residual independe do estadoinicial da amostra, ou seja, o mesmo valor de resistênciaresidual é obtido tanto para amostras indeformadas eremoldadas quanto para amostras normalmente adensadase pré-adensadas. O mesmo vale no caso de solos estrutu-rados, pois após os grandes deslocamentos necessários paraa mobilização da resistência residual, a estrutura é comple-tamente destruída. O efeito da estrutura sobre a resistênciaresidual ocorre no âmbito do mecanismo de mobilizaçãodessa resistência. Os corpos de prova remoldados são pre-parados a partir de amostras deformadas coletadas em cam-po. Estas são inicialmente secas ao ar, destorroadas epassadas na peneira de abertura 1 mm (apenas os solos deItati foram passados na peneira de abertura 0,42 mm). Aomaterial assim preparado adiciona-se água destilada até queo mesmo atinja teor de umidade próximo ao IP. A mistura éentão revolvida com uma espátula de maneira a formar umapasta homogênea. A seguir preenche-se a célula de cisalha-mento do equipamento com essa pasta, pressionando-se omaterial com os dedos. A superfície final do corpo de provaé obtida através do rasamento da amostra com uma espá-tula.

Os ensaios ring shear foram executados através datécnica de estágio único. Foram utilizadas tensões normais(σ’n) de 25, 50, 100 e 200 kPa, com o intuito de caracterizarde forma substancial a resistência residual nessa faixa detensões, que corresponde à faixa de tensões de interesseprático. Nos solos saprolíticos de basalto e olivina-basaltoforam também utilizadas tensões normais de 600 kPa, como objetivo de verificar eventual efeito da tensão normalsobre o comportamento desses solos. A velocidade de cisa-lhamento adotada foi de 0,12°/min. O deslocamento míni-mo necessário para a mobilização da resistência residual foide 250 mm. O critério para definir a resistência residual foia obtenção de uma curva horizontal no gráfico de tensão

cisalhante versus logaritmo da tensão normal efetiva. AFig. 2 mostra as curvas de variação da tensão cisalhantecom o deslocamento, obtidas para os solos estudados parauma tensão normal de 100 kPa, ilustrando o comporta-mento desses solos. Foram seguidas as recomendações danorma americana ASTM D 6467-99 (American Society forTesting and Materials, 1999) e da norma britânica BS1377-90 (British Standards Institution, 1990) para o tama-nho máximo de grãos permitido nas amostras. Os ensaiosnos solos de Itati seguiram as recomendações da normaamericana (tamanho máximo de grãos = 0,5 mm). Os en-saios nos solos de Canela e Teutônia seguiram as recomen-dações da norma britânica (tamanho máximo de grãos =1,0 mm).

A Tabela 2 apresenta a resistência ao cisalhamento re-sidual normalizada (τ/σ’n) e o ângulo de atrito interno resid-ual φ’r para cada σ’n aplicada. O valor de φ’r foi calculadopara uma coesão residual admitida nula (c’r = 0). A Fig. 3compara os valores de resistência ao cisalhamento residualobtidos nesses ensaios com uma envoltória de resistênciaao cisalhamento superior, correspondente a φ’r = 10°, eoutra inferior, correspondente a φ’r = 5°. Os cinco solos daFormação Serra Geral ensaiados apresentaram, portanto,ângulos de atrito interno residuais geralmente entre os limi-tes 5° ≤ φ’r ≤ 10°. Estes valores são considerados muitobaixos. Valores de φ’r tão baixos são citados na literaturainternacional para argilominerais da família das esmectitas(Kenney, 1967).

O solo coluvionar de Canela e a argila de preenchi-mento de diaclases de Itati apresentaram valores de φ’r

muito baixos, mas que parecem consistentes com os valorescorrespondentes de FA e IP. No entanto, os três solossaprolíticos de basalto ensaiados (Canela, Itati e Teutônia)apresentaram φ’r surpreendentemente baixos considerandoseus valores de FA < 25% e IP < 35%, além de sua texturagranular. A explicação para o comportamento desses solosestá baseada na hipótese de degradação mecânica de partí-

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Resistência ao Cisalhamento Residual de Alguns Solos da Formação Serra Geral (RS)

Figura 1 - Distribuição granulométrica dos solos da FormaçãoSerra Geral (RS) ensaiados. Figura 2 - Curvas tensão cisalhante vs. deslocamento dos solos

estudados, para σ’n = 100 kPa.

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culas durante o cisalhamento a grandes deslocamentos.Este mecanismo foi identificado por Lupini et al. (1981)para solos derivados de margas cimentadas, lamitos e fo-lhelhos. Vaughan (1989) sugeriu que o mesmo mecanismopoderia ocorrer em solos tropicais contendo minerais par-cialmente intemperizados. No caso dos solos saprolíticosde basalto da Formação Serra Geral, Rigo (2000, 2004)identificou o mecanismo de degradação de minerais e agre-gados de minerais parcialmente intemperizados durante ocisalhamento a grandes deslocamentos. Conforme eviden-ciado pelas análises mineralógicas e pelos resultados dosensaios de granulometria e ring shear, solos saprolíticos debasalto contêm partículas constituídas por minerais parcial-mente intemperizados e frágeis, cuja resistência é determi-nada pela mineralogia e pelo nível de intemperismo. Parauma determinada tensão normal, além da orientação daspartículas lamelares de argila no plano de cisalhamento, o

cisalhamento a grandes deslocamentos causa a degradaçãomecânica dessas partículas. O efeito desta degradação éaumentar a fração argila no plano de cisalhamento, o quediminui a resistência ao cisalhamento residual. A intensi-dade desta degradação determina o tipo de comportamentodo solo (mecanismo de cisalhamento) e depende principal-mente da composição mineralógica, do nível de intempe-rismo e do nível de tensões (Rigo, 2004). Este efeito estáilustrado nas microfotografias apresentadas na Fig. 4.

Conforme discutido em maior detalhe por Pinheiro etal. (2001) e Perazzolo et al. (2004), o comportamento dealguns taludes da Formação Serra Geral, principalmentequanto à mobilização da resistência ao cisalhamento resid-ual, é governado amplamente pela presença dominante deesmectita na fração argila dos solos coluvionares e dos so-los saprolíticos de rochas vulcânicas básicas. Este compor-tamento é de ocorrência mais freqüente do que inicialmentese imaginava, com implicações importantes para a práticade engenharia geotécnica regional, particularmente na áreade estabilidade de taludes. Pesquisas adicionais são neces-sárias, visando principalmente o reconhecimento e o ma-peamento da ocorrência desses solos.

4. ConclusõesEsta nota descreveu resultados de ensaios ring shear

realizados em cinco solos oriundos da Formação SerraGeral no estado do Rio Grande do Sul. Os solos apresen-taram valores de φ’r tipicamente entre 5° e 10°. Estes baixosvalores de resistência ao cisalhamento residual estão rela-cionados com a presença de argilominerais do grupo dasesmectitas na fração argila dos solos. Os materiais comelevada plasticidade e fração argila, como o colúvio de

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Rigo et al.

Figura 3 - Resultados de ensaios ring shear em solos da For-mação Serra Geral (RS).

Tabela 2 - Resultados de ensaios ring shear em solos da Formação Serra Geral (RS).

Solo Descrição Localização σn’ (kPa) τ / σn’ φr’ (°)

1 Colúvio de basalto Canela50

100200

0,0730,1690,093

4,29,65,3

2 Solo saprolítico de basalto vesicular Canela50

100200

0,1050,1190,152

6,06,88,6

3 Argila de preenchimento (basalto alterado) Itati2050

100

0,1760,1560,257

10,810,08,8

4 Solo saprolítico de basalto Itati50

100200600

0,1490,1490,1530,198

8,58,58,7

11,2

5 Solo saprolítico de olivina-basalto Teutônia

2550

100150200600

0,1890,1820,1500,1390,1340,108

10,710,38,57,97,66,2

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basalto e a argila de preenchimento de diaclases, apresen-taram comportamento conforme o modelo de Lupini et al.(1981) para solos sedimentares, com valores de φ’r consis-tentes com FA e IP. No caso dos solos saprolíticos, adegradação mecânica de partículas parcialmente intempe-rizadas e frágeis durante o cisalhamento a grandes desloca-mentos influenciou o comportamento do solo (mecanismode mobilização da resistência residual). Por este motivo,relativamente ao modelo de comportamento proposto porLupini et al. (1981), os ângulos de atrito interno residuaisforam baixos para os valores de FA e IP apresentados pelossolos saprolíticos, mas condizentes com sua mineralogia. Omecanismo de degradação mecânica das partículas dessessolos é influenciado pelo nível de intemperismo do solo epelo nível de tensões atuante.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq pelas bolsas forne-cidas e aos programas PADCT/FINEP e PRONEX/CNPqpelo apoio às atividades de pesquisa.

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Solos e Rochas, São Paulo, 27, (3): 295-300, Setembro-Dezembro, 2004. 299

Resistência ao Cisalhamento Residual de Alguns Solos da Formação Serra Geral (RS)

Figura 4 - Fotomicrografias da superfície de cisalhamento doscorpos de prova do solo Teutônia: (a) σ’n = 25 kPa e (b)σ’n = 200 kPa.

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