20042007268
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CONDIES DE TRABALHO E SADE DOS
PROFISSIONAIS DA REDE BSICA DE SADE DE
BOTUCATU - SP
Autora: Ludmila Candida de Braga
Orientadora: Prof.Dra. Maria Ceclia Pereira Binder
Curso de Ps-graduao em Sade Coletiva
Faculdade de Medicina de Botucatu UNESP
Botucatu, 2007
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Ludmila Candida de Braga
CONDIES DE TRABALHO E SADE DOS
PROFISSIONAIS DA REDE BSICA DE SADE DE
BOTUCATU - SP
Dissertao apresentada Faculdade de Medicina de Botucatu
Universidade Estadual Paulista Jlio de
Mesquita Filho para obteno do ttulo de
Mestre em Sade Coletiva
Orientadora: Prof. Dra. Maria Ceclia Pereira Binder
Botucatu
2007
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA SEO TCNICA DE AQUISIO E TRATAMENTO DA INFORMAO
DIVISO TCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECRIA RESPONSVEL: Selma Maria de Jesus
Braga, Ludmila Candida de. Condies de trabalho e sade dos profissionais da rede bsica de sade de Botucatu - SP / Ludmila Candida de Braga. Botucatu : [s.n.], 2007 Dissertao (mestrado) Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Medicina de Botucatu, 2007. Orientadora: Maria Ceclia Pereira Binder Assunto CAPES: 40600009
1. Sade e trabalho 2. Sade do trabalhador 3. Sade ocupacional
CDD 616.9803
Palavras-chave: Ateno primria sade; Modelo demanda-controle; Satisfao no emprego; Sade do trabalhador; Transtornos mentais
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A meus pais, Alberto e Alexandrina, pelo amor incondicional, pela infinita generosidade, por me mostrarem o caminho do bem e por me transportarem sempre pelas nuvens do entusiasmo e da
paixo pela vida.
A meus irmos, Ingrid e Grson, companheiros de viagem, por nunca me deixarem conhecer a solido e por nossa unio
indestrutvel que permite que nossos coraes se comuniquem a universos de distncia.
Ao meu amado, Rogrio, pela oportunidade de descobrir e viver o amor verdadeiro diariamente, por iluminar o meu corao...
e pelos sonhos que ainda vamos realizar.
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AGRADECIMENTOS
minha querida professora Maria Ceclia Pereira Binder, por ter me acolhido to prontamente, pela firmeza de carter, pela grande generosidade, pela sabedoria e pacincia em me conduzir no processo de amadurecimento e resgate da minha fora interior e por no ter, em nenhum momento, desistido de mim, meu carinho, admirao e eterna gratido.
Ao professor Pierpaolo Boccalon que, gentilmente, cedeu o questionrio aplicado no Hospital Universitrio da Universit degli Studi di Firenze, utilizado em parte neste estudo.
Ao professor Ildeberto Muniz de Almeida pelo exemplo inspirador como batalhador da rea de Sade do Trabalhador.
doce Ana Maria Marchi, pela inestimvel contribuio na coleta de dados e pelas palavras amigas.
professora Ana Teresa de Abreu Ramos Cerqueira pela disponibilidade, apoio e incentivo manifestados desde o incio da elaborao desta dissertao.
professora Ldia Raquel de Carvalho pela valiosa orientao no tratamento estatstico dos dados.
Ao professor Antnio Pithon Cyrino e professora Elen Rose Lodeiro Castanheira, diretores do Centro de Sade Escola, que tanto apoiaram a execuo deste trabalho.
Aos companheiros do CSE, especialmente da rea administrativa, da sade do adulto e do programa de hansenase, que com sua competncia e amizade, permitiram que me dedicasse mais livremente concluso deste trabalho.
minha irm Ingrid Candida de Braga pela inestimvel colaborao no manejo do EXCEL.
Ao Marcos Rogrio Ballestero, pela ajuda com o EPI-INFO e pelo incentivo nos momentos de desespero.
Mnica Aparecida Silveira Kron pela ajuda com o EPI-INFO.
s bibliotecrias Luciana Pizzani e Selma Maria de Jesus pela reviso bibliogrfica e pela ficha catalogrfica.
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Ao Rogrio Ramos Ais, que com seu amor, cuidado, pacincia, incentivo trouxe paz ao meu corao e alegria aos meus dias, me permitindo chegar ao fim deste trabalho... e pela reviso final.
s minhas amigas-irms, Beatriz Franco Curcio, Fernanda Bono Fukushima, Maria Eunice Carreiro Lima e Tarcila de Almeida Santos Machado, por iluminarem meus dias e aquecerem meu corao. Vocs so minha fora vital!
Aos meus tios, por transformarem nossa famlia em uma deliciosa brincadeira, pela confiana e apoio durante toda a minha vida, em especial: tia Miriam e tio Fiza, tio Flvio e tia Valria, tia Arany e tio Nascimento, tia Cilinha e tio Antnio e tia Mirinha e tio Mrio.
Aos meus primos, com muitas saudades, especialmente Cristina, Gilberto, Carlos Alberto e Maria Lcia.
Aos meus sogros, Linda e lvaro, pelo carinho.
Ao Gabriel Ais, por tornar as cores da minha vida mais vibrantes.
Vera por cuidar to bem de ns.
s professoras Luana Carandina e Elen Rose Lodeiro Castanheira, pelos exemplos de sanitaristas e professoras comprometidas no somente com a formao profissional de seus alunos, mas sobretudo com sua felicidade.
Ao professor Antnio Luiz Caldas Junior por sempre me fazer ver alm.
professora Marli Teresinha Cassamassimo Duarte pela oportunidade de compartilharmos os mesmos ideais.
Nomia Macedo pela sensibilidade nas relaes humanas, pela grande competncia tcnica e por transformar o nosso trabalho em alegria e fonte de satisfao.
A Liliana Donatelli pelo carinho e companheirismo desde o momento em que nos conhecemos.
Dra. Renata Lemnica pela competncia, seriedade, delicadeza e disponibilidade no cuidado a seus pacientes, aliviando seu sofrimento e, sobretudo, ajudando-os a trilhar o caminho do desenvolvimento humano.
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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Aos trabalhadores do Centro de Sade Escola pela inspirao deste trabalho, pela fora e pela habilidade de vencer desafios, a
minha humilde homenagem.
A todos os trabalhadores da rede bsica de sade de Botucatu cuja colaborao possibilitou a realizao deste estudo.
Aos trabalhadores do SUS pela coragem, garra, perseverana e pelas colossais batalhas enfrentadas a cada dia na busca de um
pas melhor para todos.
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A coleta de dados desta dissertao foi realizada com
suporte financeiro do convnio Ministrio da Sade /
UNESP / Faculdade de Medicina de Botucatu /
N 3677/2004.
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Partir, andar, eis que chega
Essa velha hora to sonhada
Nas noites de velas acesas
No clarear da madrugada
S uma estrela anunciando o fim
Sobre o mar sobre a calada
E nada mais te prende aqui
Dinheiros, grades ou palavras
Partir, andar, eis que chega
No h como deter a alvorada
Pra dizer, um bilhete sobre a mesa
Para se mandar, o p na estrada (...)
(...)S uma estrela anunciando o fim
Sobre o mar sobre a calada
E nada mais te prende aqui
Agora j no falta nada...
No falta nada...
(Zlia Duncan e Herbert Vianna)
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No d mais para continuar escamoteando a verdade dos fatos. A
principal responsvel pela situao de insolvncia vivenciada pelos servios
pblicos em geral [...] o iderio neoliberal que, de novo, no tem nada.
Desde Tatcher e Reagan, na dcada de oitenta, os conservadores do
mundo todo, incluindo o Brasil, retomaram idias liberalizantes das relaes
econmicas e sociais fundadoras da sociedade capitalista, no sculo XVIII,
animados pela queda do muro e pelo que se passou a chamar de fim do
socialismo real. Aos pases da Amrica Latina destinou-se o que se conhece
como Consenso de Washington, formulado na sede do governo dos EUA revelia
dos interesses nacionais e populares dos povos latino-americanos.
Grande parte das polticas econmicas e sociais que se implantaram no
Brasil, a partir do incio dos anos noventa, fundamentou-se nas recomendaes
daquele consenso: economia regida pelas leis de mercado, controlada apenas
pelos donos dos meios de produo, circulao e troca de bens, sem a
interferncia do Estado e do interesse pblico; privatizao de empresas estatais,
de preferncia as mais eficientes e ligadas a setores estratgicos de transportes,
energia e finanas; Estado mnimo; desmonte da administrao pblica e
constrangimento dos servios pblicos essenciais de seguridade social e
educao, destacando o ensino superior, abrindo espao para explorao do
capital especulativo; responsabilidade fiscal, supervit primrio e pagamento, sem
atraso, da dvida externa, dentre outros aspectos, todos motivo de humilhao do
povo brasileiro, pela indignidade da subservincia, sobretudo, aos interesses do
capital financeiro internacional.
Deu no que deu!
Prof Dr. Luiz Roberto de Oliveira
O Prisma - 2006 Jornal de Associao dos Docentes da UNESP de Botucatu
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RESUMO
BRAGA, L. C. Condies de trabalho e sade dos profissionais da rede bsica de sade de Botucatu SP. 143p. Dissertao de Mestrado, Programa de Ps-graduao em Sade Coletiva da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista UNESP. Botucatu SP, 2007
Vrios estudos revelam que os transtornos mentais comuns (TMC) apresentam elevada
prevalncia em populaes comuns e de trabalhadores, dentre os quais, os profissionais de
sade. Trata-se de transtornos com conseqncias individuais e sociais importantes. Os
objetivos deste estudo consistiram em estimar a prevalncia de TMC em trabalhadores da
sade e investigar possveis associaes com variveis scio-demogrficas, satisfao no
trabalho e situao demanda / controle / suporte. Trata-se de estudo transversal, descritivo,
efetuado junto populao de servidores da rede bsica de sade de Botucatu SP. A
coleta de informaes, executada de abril a outubro de 2006, foi efetuada por meio de
questionrio auto-aplicvel, no identificado, composto por 92 questes. Dentre estas, havia
sub-conjuntos de perguntas, com destaque para itens abordando satisfao no trabalho,
demanda / controle / suporte e presena de sintomas de transtorno mental comum (Self
Reporting Questionnaire, SRQ-20). As informaes foram inseridas em banco de dados
construdo com o programa Excel / Office XP 2003 e as anlises estatsticas foram
efetuadas por meio do pacote estatstico SAS. Constatou-se que 42,6% dos servidores
apresentavam transtorno mental comum. Encontrou-se associao entre TMC e: (a)
atividade profissional com escolaridade mdia e com escolaridade superior; (b) unidades a
que pertenciam os servidores; (c) situao relativa demanda / controle; (d) as pontuaes
relativas s demandas psicolgicas no trabalho discriminaram melhor a ocorrncia de TMC
(mtodo da rvore de classificao e de regresso para anlise de relaes entre variveis).
No tocante satisfao no trabalho, 71,2% dos servidores tiveram pontuaes que os
enquadraram em muito satisfeitos e satisfeitos com o trabalho. Observou-se associao
entre estar satisfeito com o trabalho e considerar: (a) o trabalho o perodo mais importante
do dia, (b) ser possvel continuar exercendo o mesmo trabalho nos prximos anos, (c) grau
de interferncia do trabalho na vida pessoal e familiar. Falta de respeito e agresses
verbais, falta de compreenso por pacientes / usurios dos servios e no conseguir
resolver o problema de pacientes foram os trs aspectos referidos pelos servidores como os
que mais os perturbavam. Os resultados obtidos evidenciam que, na ateno primria, o
cuidar da sade est adoecendo os trabalhadores, sendo necessrias a identificao e,
sobretudo, a adoo de estratgias visando superar esta contradio.
Palavras-chave: ateno primria sade, modelo demanda-controle, satisfao no emprego, sade do trabalhador, transtornos mentais
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ABSTRACT
BRAGA, L. C. Work and health conditions of Primary Health Care workers from Botucatu SP. 143 p. Master degree, Post graduation Programme of Collective Health of Faculty of Medicine of Botucatu, Universidade Estadual Paulista UNESP. Botucatu SP, 2007
Many studies have shown that common mental disorders (CMD) have high prevalence
among general population and workers, especially health care workers. These are mental
disorders which have important individual and social consequences. The objectives of the
present study were estimate the prevalence of CMD among primary health care workers, and
investigate possible associations with social-demographic variables, job satisfaction, and
demand / control / support situation. This transversal and descriptive study was carried out
on Primary Care workers of Botucatu SP. The data were collected, from April to October of
2006, using one anonymous autoaplicable questionnaire composed of 92 questions. Among
these questions there were a sub-group of questions related to job satisfaction, demand /
control / support situation, and presence of CMD symptoms (Self Reporting Questionnaire,
SRQ-20). The data were stored using the software Excel / Office XP 2003, and the statistical
analyses were performed in SAS system. It was observed that 42,6% of the health care
workers presented CMD symptoms. It was also noticed an association among CMD and: (a)
activities of secondary and graduation; (b) Heath care unit of work; (c) Demand / control
situation; (d) Psychological requirements at work Date-related points best discriminated the
occurrence of CMD (classification and regression tree method to analyze the relationship
among the variables). For job satisfaction 71,2% of the workers considered to be content or
very content with their work. Job satisfaction was related to: (a) the work period is the most
important period of the day; (b) possibility to continue working with the same job during next
years; (c) degree of work interference with personal and family life. The lack of respect and
verbal aggressions, lack of comprehension from patients/users of the Service, and inability to
solve problems of patients were the three referred aspects that most disturb the heath care
workers. Our results emphasize that, in primary health care, the patient care is sickening the
workers, therefore it is necessary to identify the CMD and adopt strategies to overcome this
contradiction.
Key-words: primary health care, demand-control model, job satisfaction, occupational health, mental disorders.
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SUMRIO
1. Prembulo 16
2. Introduo 19
2.1. O mundo do trabalho 20
2.2. Ateno primria sade no Brasil 25
2.3. Trabalho e sade 29
2.4. Trabalho e sade mental 31
Satisfao no trabalho 32
Cargas, exigncias e demandas no trabalho 34
2.5. Transtorno mental comum 37
2.6. Burnout em profissionais de sade 40
2.7. Trabalho e sade mental dos trabalhadores da sade no Brasil 41
3. Justificativa 46
4. Objetivos 48
4.1. Gerais 49
4.2. Especficos 49
5. Casustica e mtodos 50
5.1. Casustica 51
5.2. Mtodos 55
5.2.1. Instrumentos 55
5.2.2. Procedimentos 59
5.2.3. Anlise dos dados 61
6. Resultados e discusso 63
6.1. Os trabalhadores e o trabalho 65
6.1.1. Descrio geral da casustica 65
6.1.2. Descrio geral do trabalho 67
6.1.3. Opinio dos servidores sobre o prprio trabalho 72
6.2. Satisfao com o trabalho 84
6.2.1. Evoluo da satisfao com o trabalho 84
6.2.2. Grau de satisfao com o trabalho 89
6.3. Demanda / controle / suporte 93
6.4. Transtornos mentais comuns 96
7. Concluses e recomendaes 115
8. Referncias 119
9. Anexos 130
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo atributos scio-demogrficos.
66
Tabela 2 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, categoria profissional. 67
Tabela 3 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo a principal atividade exercida.
68
Tabela 4 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo tempo de trabalho na atividade atual.
69
Tabela 5 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo aspectos sobre a locomoo para o trabalho.
69
Tabela 6 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo realizao e retribuio de hora-extra e gozo de frias.
71
Tabela 7 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo opinio sobre horrio de trabalho conforme categoria profissional.
72
Tabela 8 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo qualidade essencial para o trabalho por categoria profissional.
76
Tabela 9 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo qualidade essencial para o trabalho por tipo de atividade exercida.
77
Tabela 10 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo valorizao das qualidades profissionais conforme categoria profissional.
79
Tabela 11 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo possibilidade de informar a chefia e tratamento dado s informaes sobre o andamento do trabalho.
80
Tabela 12 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo tratamento dado pela chefia s informaes e valorizao das qualidades profissionais.
81
Tabela 13 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo possibilidade de ascender na carreira por categoria profissional.
82
Tabela 14 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo aspectos que modificariam no trabalho.
83
Tabela 15 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, com profisses de escolaridade superior, segundo evoluo da satisfao no trabalho e categoria profissional.
85
Tabela 16 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, com profisses de escolaridade mdia, segundo evoluo da satisfao no trabalho e categoria profissional.
86
Tabela 17 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo evoluo da satisfao e tipo de atividade exercida.
86
Tabela 18 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo evoluo da satisfao e valorizao das qualidades profissionais no trabalho.
87
Tabela 19 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo evoluo da satisfao no trabalho e possibilidade de ascenso na carreira.
88
Tabela 20 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, evoluo da satisfao no trabalho e tratamento dado pela chefia s informaes.
88
Tabela 21 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo grau de satisfao atual no trabalho.
89
Tabela 22 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo grau de satisfao no trabalho por unidade bsica de sade.
90
Tabela 23 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo importncia dada ao perodo laboral e grau de satisfao no trabalho.
91
Tabela 24 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo grau de satisfao no trabalho e perspectiva de continuar trabalhando nas mesmas condies.
92
Tabela 25 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo grau de satisfao no trabalho e interferncia negativa do trabalho na vida familiar.
93
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Tabela 26 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo sexo e presena de transtornos mentais comuns.
96
Tabela 27 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo grupo etrio e presena de transtornos mentais comuns.
98
Tabela 28 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo situao conjugal e presena de transtornos mentais comuns.
99
Tabela 29 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo categoria profissional e presena de transtornos mentais comuns.
100
Tabela 30 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo principal atividade exercida e presena de transtornos mentais comuns.
102
Tabela 31 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo tempo de exerccio da atividade atual e presena de transtornos mentais comuns.
103
Tabela 32 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo presena de transtornos mentais comuns por unidade bsica de sade.
104
Tabela 33 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo intensidade da associao entre trabalho e sintomas assinalados no SRQ-20 entre portadores e no portadores de TMC
105
Tabela 34 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo grau de satisfao no trabalho e presena de transtornos mentais comuns.
106
Tabela 35 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo situao em relao s exigncias e ao controle no trabalho e presena de transtornos mentais comuns.
108
Tabela 36 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo demanda / controle / suporte social no trabalho e presena de transtorno mental comum.
108
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Opinies dos servidores da rede bsica quanto colaborao interpessoal no trabalho. 78
Grfico 2 Opinies dos servidores da rede bsica para a falta de colaborao interpessoal no trabalho 78
Grfico 3 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo evoluo da satisfao com o trabalho ao longo da vida laboral.
84
Grfico 4 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, segundo demanda / controle / suporte
95
Grfico 5 Distribuio dos servidores da rede bsica de sade de Botucatu, portadores de transtorno mental comum, segundo unidade bsica de sade a que pertencem.
104
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Esquema demanda / controle segundo Karasek. 36
Figura 2 Mapa das reas de abrangncia das unidades bsicas de sade de Botucatu. 54
Figura 3 Distribuio dos trabalhadores segundo as pontuaes nas questes demanda / controle. 94
Figura 4 Distribuio dos servidores das 17 unidades bsicas de sade segundo as pontuaes nas questes demanda / controle.
95
Figura 5 Distribuio dos servidores segundo situao em relao a demanda-controle e prevalncia de transtorno mental comum
107
Figura 6 rvore de classificao e regresso para anlise das relaes entre demanda / controle / suporte e transtorno mental comum em servidores da rede bsica de sade.
110
Figura 7 Distribuio de transtornos mentais comuns, segundo suporte e demanda (partio dos elementos com elevada demanda).
111
Figura 8 Distribuio de transtornos mentais comuns, segundo controle e demanda (partio dos elementos com baixa demanda).
112
Figura 9 Dendograma de similaridade entre unidades de sade, segundo demanda / controle/ suporte, satisfao no trabalho, escore no SRQ-20.
112
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1. PREMBULO
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Prembulo
17
Em 2003, no segundo ano de residncia em Medicina Preventiva e
Social do Departamento de Sade Pblica, permaneci no Centro de Sade Escola
Achilles Luciano Dellevedove (CSE), servio de Ateno Primria Sade da
Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
Minha tarefa era participar da equipe, acompanhando a rea tcnica de
Ateno Sade do Adulto e o gerenciamento da unidade. Passei a realizar
atividades assistenciais como clnica geral e a integrar os espaos de reunio do
servio, o que me propiciou vivenciar o cotidiano da unidade, particularmente o
gerencial.
Ao longo do tempo, sensibilizaram-me as agresses aos trabalhadores
especialmente aos de nvel mdio pelos usurios do servio, o alto nmero de
doenas do trabalho e de afastamentos - por doena comum ou do trabalho. Temas
como estresse no trabalho e demanda excessiva eram o mote central das
reunies da rea de Ateno Sade do Adulto, das quais participei. Essa a maior
rea do servio em nmero de profissionais e volume de atendimentos.
E por que, se submetidos s mesmas condies de trabalho, alguns
trabalhadores adoeciam mais, outros menos e outros permaneciam saudveis?
Passei a me perguntar o que havia naquele ambiente de trabalho, ou com aqueles
servidores, que os levava ao adoecimento e como poderia colaborar para a melhoria
das condies de trabalho e de sade daquelas pessoas.
Sofrendo as tenses e conflitos da atividade gerencial, recebendo
apelos de colegas beira de um ataque de nervos e reivindicaes, por parte da
equipe do CSE, de mudanas na organizao do trabalho, que primassem pelo
cuidado sade dos trabalhadores, no sa ilesa ao final da residncia: tais presses
continuavam a me atormentar.
O longo tempo de permanncia no servio possibilitou que
acompanhasse a histria de alguns servidores. O que teria provocado a
transformao daqueles trabalhadores, antes criativos e incansveis, em pessoas
irritadas, insatisfeitas, exauridas, infelizes? Tal sofrimento relacionava-se ao trabalho?
Tratar-se-a de fenmeno exclusivo desse servio / desse tipo de servio? Haveria
influncia da organizao do SUS? As mudanas do mundo do trabalho
influenciariam tal quadro?
O desejo de encontrar respostas, mesmo que parciais, para essas
perguntas motivou a realizao deste estudo.
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2. INTRODUO
-
Introduo
20
2.1. O mundo do trabalho
Borges & Yamamoto (2004) chamam a ateno para o fato da
palavra trabalho ter origem em termos latinos associados tortura. Assinalam
tambm a ambigidade de significados condenao, sacrifcio, castigo. Para
esses autores necessrio tambm considerar-se que o trabalho pode ser
abordado sob diversos ngulos - relaes de poder, natureza (profisses /
ocupaes), existncia ou no de contrato, forma de contrato, complexidade das
tarefas, tipo de esforo exigido, tipo e qualidade da remunerao, formas de
pagamento, etc. Assim, a palavra trabalho pode referir-se a diferentes objetos,
correspondendo a diferentes constructos para a Psicologia Organizacional e do
Trabalho: motivao, comprometimento, satisfao, socializao, estresse,
qualidade de vida.
Para Borges & Yamamoto (2004)
... o trabalho e a forma de pensar sobre ele seguir as
condies scio-histricas em que cada pessoa vive
e, nesse sentido, relaciona-se estreitamente com o acesso
... tecnologia, aos recursos naturais e ao saber fazer; com a
posio na estrutura social, das condies em que executa suas
tarefas; do controle que tem sobre seu trabalho, das idias e da
cultura de seu tempo, dos exemplos de outros trabalhadores...
Para estes autores, o trabalho pode ser abordado em, pelo menos, cinco
dimenses distintas:
concreta relacionada tecnologia e s condies materiais em que
exercido;
gerencial relacionada maneira como planejado, organizado, dirigido e
controlado;
scio-econmica referente estrutura social em seus nveis econmico e
jurdico-poltico;
ideolgica - referente ao valores associados ao trabalho que predominam
na sociedade;
simblica referente aos aspectos subjetivos de cada indivduo.
-
Introduo
21
O homem, vivendo em sociedade, apresenta uma srie de
necessidades. Algumas so individuais, outras coletivas. Algumas, de satisfao
indispensvel vida, outras, estreitamente relacionadas cultura dessa
sociedade. E no trabalho que os homens obtm meios de suprir suas
necessidades. O trecho a seguir, extrado de Malvezzi (2004) resume de maneira
clara o conceito de trabalho que, pela natureza deste estudo, merece ser
explicitado nestes pargrafos iniciais.
O trabalho uma prtica transformadora da realidade que viabiliza a
sobrevivncia e a realizao do ser humano. Por meio do ato e do
produto de seu trabalho o ser humano percebe sua vida como um
projeto, reconhece sua condio ontolgica, materializa e expressa sua
dependncia e poder sobre a natureza, produzindo os recursos
materiais, culturais e institucionais que constituem seu ambiente, e
desenvolve seu padro de qualidade de vida. Do ponto de vista
emprico, o trabalho consiste na aplicao de conhecimentos e
habilidades ao desenho de processos de produo dentro de uma
sintaxe constituda por condies econmicas, tecnolgicas, sociais,
culturais e polticas. Essa aplicao de recursos pessoais no ocorre no
vcuo, mas balizada por valores, relaes de poder, significados e
conhecimentos que constituem a base de sua institucionalizao.
No desenvolvimento do trabalho, alm de modificar a natureza, o
homem modifica-se a si prprio, na medida em que o trabalho propicia - ou
cerceia - o desenvolvimento de suas potencialidades latentes. Leplat (1980),
analisando o papel do trabalho no desenvolvimento humano afirma que
... o trabalho pode contribuir para o desenvolvimento de numerosas
potencialidades humanas, mas pode tambm ser um freio a este
desenvolvimento e, mesmo, em alguns casos, conduzir a uma restrio
irreversvel dessas potencialidades.
Esse autor enfatiza a importncia da natureza do trabalho e das
condies em que exercido no desenvolvimento das capacidades dos
trabalhadores. No tocante s habilidades requeridas pelos diferentes trabalhos, o
autor assinala que, quanto mais rgidas e especficas as tarefas, mais tendero a
-
Introduo
22
tornar-se automticas e menos propiciadoras do desenvolvimento das
capacidades dos trabalhadores. Ao contrrio, quanto mais gerais e orientadas
para maior nmero de situaes, maior a tendncia para aumentar a capacitao
dos trabalhadores, no s em relao ao trabalho, mas tambm em relao
vida.
Em princpio, o trabalho deveria ser fonte de prazer, j que, atravs
dele, o homem se constitui sujeito e reconhece sua importncia para a
sobrevivncia de outros seres humanos. A Carta de Ottawa (OPAS, 1986),
elaborada em 1986, na cidade canadense de mesmo nome, durante a Primeira
Conferncia Internacional sobre Promoo da Sade reconhece que
mudar os modos de vida, de trabalho e de lazer tem um significativo
impacto sobre a sade. Trabalho e lazer deveriam ser fontes de sade
para as pessoas. A organizao social do trabalho deveria contribuir
para a constituio de uma sociedade mais saudvel. A promoo da
sade gera condies de vida e trabalho seguras, estimulantes,
satisfatrias e agradveis.
Entretanto, ao longo da Histria, o trabalho, para a maioria da
humanidade, tem representado dor, sofrimento, adoecimento e morte, fruto das
diferentes formas de explorao a que os homens tm sido submetidos ao longo
dos sculos. E, nos primrdios do sculo XXI tem-se assistido a formas de
explorao com caractersticas que merecem ser abordadas, ainda que de forma
breve, neste estudo.
Para filsofos clssicos, como Plato, o trabalho que envolvia
esforo fsico era considerado inferior, degradante, apropriado aos escravos. Com
o advento do Capitalismo, do ponto de vista ideolgico ocorrem mudanas, tanto
na concepo de trabalho, que passa a ser valorizado, como em relao ao lucro,
que passa a ser considerado legtimo, propiciando a acumulao necessria ao
desenvolvimento desse modo de produo. Para Weber (2004), a tica
protestante exerceu papel importante no desenvolvimento do Capitalismo,
contrapondo-se tica do catolicismo, que condenava o lucro e os juros.
Segundo a tica do protestantismo, o trabalho rduo e o sucesso econmico dele
-
Introduo
23
advindo, ou seja, a riqueza, eram sinais de merecimento divino, legitimando a
acumulao. Tal concepo legitima tambm a explorao dos trabalhadores.
J na viso marxista, o trabalho, tratado como mercadoria no
Capitalismo, contribui para a degradao do homem, em virtude de alienar,
explorar, inibir o desenvolvimento e diminuir a auto-estima dos trabalhadores,
dentre tantos outros efeitos. E nas crises peridicas desse modo de produo, a
taxa de explorao dos trabalhadores tende a aumentar.
Praticamente em todos os pases do mundo, vm ocorrendo
profundas transformaes no mundo do trabalho que, por um lado, guardam
estreitas relaes com a crise do capitalismo iniciada nos anos setenta e, por
outro lado, com as notveis inovaes tecnolgicas, particularmente nos campos
da informtica, da automao e das comunicaes, a ponto de ser denominada
terceira revoluo industrial (ANTUNES, 1995).
A mais recente crise do capitalismo tornou-se evidente quando os
pases capitalistas centrais comeam a ser atingidos por prolongada queda nas
taxas de acumulao, o que levou o capital a buscar alternativas para retomar os
nveis precedentes de acumulao, processo que vem sendo conhecido como
acumulao flexvel (ANTUNES, 1995). Referindo-se aos anos 1980, esse autor
assinala:
o grande salto tecnolgico, a automao, a robtica e a
microeletrnica invadiram o universo fabril, inserindo-se e
desenvolvendo-se nas relaes de trabalho e de produo do capital.
[...] O toyotismo penetra, mescla-se ou mesmo substitui o padro
fordista dominante em vrias partes do capitalismo globalizado.
Vivem-se formas transitrias de produo, cujos desdobramentos so
tambm agudos, no que diz respeito aos direitos do trabalho. Estes
so desregulamentados, so flexibilizados de modo a dotar o capital
do instrumental necessrio para adequar-se sua nova fase. Direitos
e conquistas histricas dos trabalhadores so substitudos e
eliminados do mundo da produo. Diminui-se ou mescla-se,
dependendo da intensidade, o despotismo taylorista pela participao
dentro da ordem e do universo da empresa (ANTUNES, 1995).
-
Introduo
24
A acumulao flexvel tem significado aumento das taxas de
explorao da classe-que-vive-do-trabalho, com srias conseqncias para a
qualidade de vida e para a sade e segurana dos trabalhadores (ANTUNES,
1995).
Para Kurz (2005), a explorao da fora de trabalho pelo capital
visando elevar as taxas de acumulao, no que o autor denomina crise da terceira
revoluo industrial, caracteriza-se pela crise da mais valia relativa:
A mais valia relativa torna-se insignificante. A prova prtica disso
que o capital retorna predominncia da mais valia absoluta. O que
parece inteiramente absurdo a qualquer saudvel entendimento
humano, a "razo" da lgica capitalista: a acumulao deve ser
salva, custa do prolongamento da jornada de trabalho para a mo de
obra remanescente, de um crescente aumento da intensidade e
drstica reduo da proteo do trabalho. [...] Com o regresso do
domnio da mais-valia absoluta, o capital mostra a carantonha
destapada da barbrie, fazendo desaparecer, assim, a aparncia de
potencial civilizatrio.
Com alguns anos de defasagem, essas mudanas no mundo do
trabalho comearam a chegar ao Brasil, com efeitos mais dramticos, uma vez
que o estado de bem-estar social, atingido pelos pases desenvolvidos, no caso
brasileiro estava longe de ser conquistado. E, alm disso, o pas estava
mergulhado, h dcadas, em crise econmica crnica.
Segundo Pochmann (2001), no contexto da concorrncia
internacional no regulamentada, a concentrao da inovao tecnolgica nas
grandes corporaes agravou a excluso de muitos pases do espao econmico.
Para esse autor
Atualmente, o comrcio intrafirmas, mais precisamente entre matriz e
filiais das corporaes transnacionais supera as trocas realizadas entre
naes.
O corolrio disto tem sido o aumento do desemprego e o predomnio
da criao de empregos precrios, com baixos salrios, acarretando retrocesso
produtivo e social para o pas.
-
Introduo
25
De 1986 para 1998, o Brasil passou do 13 para 4 lugar no ranking
mundial de desemprego, com aprofundamento das incertezas e difuso da cultura
do medo entre os trabalhadores, criando condies para intensificao do
trabalho e para imposio do aumento do nmero de horas-extras pelas
empresas (POCHMANN, 1999).
Nas ltimas dcadas, tem-se observado aumento do nmero de
trabalhadores sem proteo social: empregos precrios, organizao de falsas
cooperativas, admisso em falsos estgios, exerccio de atividades como falsos
autnomos ou em situao de falsas terceirizaes (POCHMANN, 2001, 2004).
Esse quadro de aumento da explorao da fora de trabalho e de
empobrecimento da populao vem acarretando diminuio do grau de sade dos
trabalhadores e de suas famlias, o que contribui para crescimento da demanda
aos servios de sade. E as famlias pertencentes a estratos de renda mdia ou
menor passam a depender cada vez mais de servios pblicos de sade, de sorte
que, atualmente, 75% da populao brasileira quase inteiramente dependente
desses servios (BODSTEIN, 2002).
2.2. Ateno primria sade no Brasil
Avano inquestionvel, o direito universal sade no Brasil, produto
e, simultaneamente, engrenagem da Reforma Sanitria, trouxe a necessidade de
se organizar um sistema de sade capaz de garantir esse direito o Sistema
nico de Sade (SUS) -, inserido no captulo Dos Direitos Sociais da Constituio
Federal (BRASIL, 1988) e regulamentado pelas leis 8.080 (BRASIL, 1990a) e
8.142 (BRASIL, 1990b).
Com base nos princpios da hierarquizao e descentralizao do
SUS iniciou-se a reorganizao deste sistema, que culminou com a
municipalizao da sade, ou seja, com a transformao da esfera municipal em
principal gestora da maior parte dos servios e aes de sade. Um dos eixos
estruturantes desse processo foi a reorganizao da ateno bsica sade que,
segundo o Ministrio da Sade (BRASIL, 2006), constitui
o primeiro nvel de ateno sade no SUS, compreendendo um
conjunto de aes de carter individual e coletivo, que englobam a
-
Introduo
26
promoo da sade, a preveno de agravos, o tratamento, a
reabilitao e manuteno da sade.
Segundo documento do Conselho Nacional de Secretrios de Sade
(BRASIL, 2004):
a Ateno Primria um conjunto de intervenes de sade no
mbito individual e coletivo que envolve: promoo, preveno,
diagnstico, tratamento e reabilitao. desenvolvida por meio do
exerccio de prticas gerenciais e sanitrias, democrticas e
participativas, sob a forma de trabalho em equipe, dirigidas a
populaes de territrios (territrio-processo) bem delimitados, das
quais assumem responsabilidade. Utiliza tecnologias de elevada
complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas
de sade de maior freqncia e relevncia das populaes. o
contato preferencial dos usurios com o sistema de sade. Orienta-se
pelos princpios da universalidade, acessibilidade (ao sistema),
continuidade, integralidade, responsabilizao, humanizao, vnculo,
eqidade e participao social. A Ateno Primria deve considerar o
sujeito em sua singularidade, complexidade, integralidade e insero
scio-cultural e buscar a promoo de sua sade, a preveno e
tratamento de doenas e a reduo de danos ou de sofrimentos que
possam estar comprometendo suas possibilidades de viver de modo
saudvel.
Dentre seus objetivos destacam-se a extenso do acesso s aes
de sade, a busca da integralidade, a resoluo de grande parte dos problemas
de sade dos indivduos e das populaes e a contraposio ao modelo
assistencial vigente anteriormente ao SUS, baseado na excluso, na
produtividade, na assistncia mdica, hospitalar e individual e no predomnio de
aes curativas.
Alguns instrumentos foram utilizados para incentivar a reorganizao
da ateno bsica: a regulamentao das Normas Operacionais Bsicas e
Normas Operacionais de Assistncia Sade, a criao de novas instncias
colegiadas decisrias (Comisso Intergestores Bipartite e Comisso Intergestores
Tripartite), a introduo do Piso de Ateno Bsica, o surgimento dos Conselhos
-
Introduo
27
de Sade e o incentivo especfico implantao de determinadas estratgias,
como por exemplo, o Programa de Agentes Comunitrios de Sade e o Programa
de Sade da Famlia (BODSTEIN, 2002).
A estruturao da rede bsica de sade permanece como desafio
aos municpios brasileiros, em que pese a existncia de instrumentos que
possibilitaram os avanos ocorridos (elaborao de normas gerais, mudana no
modo de financiamento do setor, criao de espaos de pactuao entre os
diversos atores, participao popular de forma organizada e desenvolvimento de
estratgias especficas). E, mesmo os municpios que evoluram na estruturao,
enfrentam dificuldades para oferecer bom nvel de assistncia sade s suas
comunidades.
A pergunta-chave aqui em que medida a poltica de reorganizao
da ateno bsica e a pequena mudana na alocao de recursos
advinda da implementao da descentralizao no setor tem sido
suficiente para modificar o padro de desigualdade no acesso aos
bens e servios de sade, dado pela prpria heterogeneidade e
desigualdade social existente no pas. Questes determinantes como
o aumento dos custos e o declnio da qualidade dos servios,
caractersticas gerais (e globais) do setor sade, remetem diretamente
centralidade da discusso para a prioridade nos investimentos em
programas de promoo e de ateno bsica, tendo em vista a
necessidade de universalizao da ateno primria em sade. No
caso do Brasil, devemos ficar atentos nossa realidade: enormes
desigualdades sociais, intenso processo de urbanizao a partir das
ltimas dcadas e a limitao de recursos, onde necessidades e
demandas crescem e se tornam bastante complexas rapidamente,
tendendo ao que parece ultrapassar a capacidade de resposta das
polticas pblicas e dos sistemas de sade (BODSTEIN, 2002),
A sensao de que a capacidade de resposta do sistema pode ter
sido ultrapassada ou que, pelo menos, cresce em velocidade inferior do
surgimento dos problemas enfrentados, provavelmente atinge os trabalhadores da
sade. Estes vivenciam situaes de trabalho em servios que constituem portas
-
Introduo
28
de entrada de um sistema de sade universal, que lida com problemas
extremamente complexos e com grandes desigualdades sociais. Esse
trabalhador, freqentemente tem que mergulhar nas entranhas do processo
sade-doena e do sofrimento humano.
Os profissionais de rede bsica defrontam-se com problemas
complexos, muitos dos quais escapam capacidade de interveno no nvel
primrio de ateno sade e, mesmo, do setor sade.
Por sua vez, avanos como diversificao das aes de sade,
melhorias da qualidade do servio e do acesso da clientela, quase sempre
significam surgimento de novas demandas.
A poltica de fortalecimento da ateno bsica tem-se mostrado
insuficiente, fazendo com que haja necessidade freqente de se lidar com
restries da estrutura fsica, de acesso a meios de trabalho, de recursos
humanos, de acesso a especialistas, tornando a vivncia dos trabalhadores da
rede bsica de sade ainda mais dolorosa, na medida em que se somam a
tenses inerentes organizao do trabalho em ateno primria:
trabalho em equipe, exerccio da integralidade, constituio da
unidade bsica como espao privilegiado para a integrao do
subjetivo s prticas de sade, a incessante necessidade de se
afastar da viso ideolgica que reduz a ateno primria a um
conjunto de aes simplificadas, entre outros (SCHRAIBER &
MENDES-GONALVES, 2000);
condies de vida e desigualdades sociais no Brasil e seus reflexos
no estado de sade da populao e no consumo de servios de
sade (SZWARCWALD et al. 2005);
reconhecimento da sade como um direito do cidado nos marcos
da Constituio Federal (BRASIL, 1988) e as implicaes que este
traz para a reorganizao do sistema de sade,
problemas na estruturao da ateno bsica no pas (BODSTEIN,
2002);
insuficincias dos outros nveis de ateno do SUS;
distores na produo de necessidades e no consumo de servios
de sade, considerando-se como pressuposto que as demandas em
-
Introduo
29
sade so socialmente construdas e relacionadas e o grande
esforo que se coloca para as equipes no processo de inverso
dessas distores (FRANCO & MERHY, 2005);
A esses fatores cabe acrescentar a falta de discusso sobre planos
de cargos e salrios para os trabalhadores do SUS, abordada apenas em 2005, e
o arrocho salarial, fatos objetivos que trazem subjacentes o no reconhecimento
profissional.
No tocante ao financiamento, a regulamentao da Emenda
Constitucional n 29, (BRASIL, 2000a) que define os percentuais de recursos a
serem aplicados no setor sade pelas diferentes esferas de governo, ainda est
em discusso, mantendo restries oramentrias indesejveis. Por outro lado, a
Lei de Responsabilidade Fiscal (BRASIL, 2000b), que impe amarras a um setor
em que desempenho dos profissionais crucial, tem criado situaes que
configuram precarizao dos contratos de trabalho dos profissionais da sade. E,
muitas vezes, serve de subterfgio para alguns administradores justificarem a no
destinao, ou destinao insuficiente, de recursos financeiros para o setor.
Avanos tecnolgicos no compensam recursos humanos, lembra
OPAS a manchete do informativo sobre o Dia Mundial da Sade do site da
Organizao Panamericana da Sade (OPAS, 2006). Em 2006, esta organizao
homenageou os trabalhadores da sade com o tema Gente que faz sade,
deixando patente a importncia dos trabalhadores desse setor e a necessidade
de busca urgente de melhores condies de trabalho, de polticas de recursos
humanos e de injeo de recursos financeiros na Sade Pblica.
2.3. Trabalho e sade
As influncias do trabalho sobre a sade dos trabalhadores so
conhecidas desde a antiguidade, existindo papiros egpcios que relatam doenas
ocasionadas pelo trabalho, muito antes de Hipcrates. O Pai da Medicina
tambm registrou a ocorrncia de vrias doenas ocupacionais nos sculos IV e
V a.C. Mas, foi no sculo XVIII, que o italiano Ramazzini, considerado Pai da
Medicina do Trabalho, registrou de forma sistematizada no primeiro tratado de
doenas do trabalho De morbis artificum diatriba os conhecimentos acerca
das conseqncias do trabalho para a sade dos trabalhadores.
-
Introduo
30
Nos mais de trs sculos decorridos desde a morte de Ramazzini,
cresceu progressivamente a compreenso das relaes entre trabalho e processo
sade-doena. Avanos em vrios campos do conhecimento tm contribudo para
isto, particularmente os da Epidemiologia, da Psicologia Social, da Ergonomia,
dentre outras.
O mtodo epidemiolgico tem possibilitado identificar relaes entre
aspectos do trabalho com a ocorrncia de numerosas doenas, com destaque
para as doenas crnico-degenerativas, como as neoplasias e as doenas
cardiovasculares (grupo II de Schilling), bem como para as doenas mentais
(grupo III de Schilling). Assim, ultrapassaram-se os limites das doenas
profissionais ou do grupo I de Schilling, para as quais necessria a presena de
determinados agentes no ambiente de trabalho, como, por exemplo, o
saturnismo (BRASIL, 2001).
No tocante s relaes entre trabalho e doena mental, Jacques &
Codo (2002) assinalam que as grandes dificuldades existentes esto
estreitamente ligadas ao fato do trabalho constituir o modo de ser do homem
invadindo e permeando todos os nveis de sua atividade, de seus afetos, de sua
conscincia....
Esses autores chamam tambm a ateno para o fato de muitos
estudos envolverem concepes antagnicas acerca da constituio do
psiquismo, de sorte que pesquisas sobre sade / doena mental e trabalho
podem no ser conciliveis entre si.
Elo (1995) afirma que as demandas e as caractersticas do trabalho
tm sido analisadas basicamente de dois diferentes ngulos exigncias em
termos de treinamento e de remunerao, e em termos de satisfao pessoal e
de bem estar. No tocante s dimenses psquicas, alguns mtodos de anlise do
trabalho privilegiam aspectos como responsabilidade, poder de deciso, preciso,
manuteno da ateno, variedade, autonomia, exigncias de desempenho e
contatos sociais. Outros mtodos aliam investigao da percepo dos
trabalhadores acerca de aspectos do trabalho com a observao de sua
realizao, como ocorre em estudos ergonmicos.
No tocante s pesquisas sob estresse e trabalho, Elo (1995)
assinala que numerosos estudos tm sido efetuados por meio de questionrios
-
Introduo
31
que abordam os denominados fatores psicossociais ou fatores mentais de
estresse no trabalho. Alguns dos estudos restringem-se s interaes homem-
mquina, enquanto outros, mais abrangentes, envolvem o contexto social.
2.4. Trabalho e sade mental
Existem vrias abordagens acerca dos componentes e dos
processos envolvidos na sade mental. Estar mentalmente saudvel pode ser
entendido como um estado no qual o indviduo sente prazer, satisfao, conforto,
isto , encontra-se em situao positiva em relao ao humor e afetividade.
Sade mental pode tambm ser entendida como um processo no qual o indivduo
enfrenta aspectos chaves como independncia e autonomia. E, ainda, como o
resultado de um processo, ou seja, o resultado de confrontao aguda, caso da
sndrome do estresse ps-traumtico, ou de confrontao crnica com
estressores, caso do esgotamento profissional no trabalho ou burnout, da
depresso, e de outros transtornos mentais (HOUTMAN & KOMPIER, 2005).
Um conceito importante na abordagem de sade mental e trabalho
o de estresse. Em 1984, Lazarus & Folkman, apud Bruchon-Schweitzer (1994)
apresentaram concepo segundo a qual o estresse pode ser considerado como
uma verdadeira transao indivduo e ambiente, atravs da qual o primeiro avalia
a situao de ameaa (estressora) como ultrapassando seus recursos e pondo
em risco seu bem estar.
Quintard (1994) ilustra bem a diferenciao entre estresse objetivo e
percebido, por meio da estria de uma velha senhora que, consternada por perder
seu gato, hospitalizada em virtude de queda do estado geral de sade.
A percepo de perigo ou de ameaa ativa diversos mecanismos
psico-fisiolgicos. Entretanto, um mesmo evento estressor no ser igualmente
avaliado por diferentes indivduos, interessando como as pessoas o percebem.
Diante de uma ameaa (evento estressor), inicialmente o indivduo avalia sua
natureza, gravidade, urgncia e, a seguir, estima os recursos e capacidades de
que dispe para control-la, ou no. Estas percepes determinam as estratgias
de enfrentamento (coping) adotadas. Trata-se de processos que variam, no
apenas de acordo com a situao, mas tambm com o momento. E mais, a
natureza perceptiva / cognitiva, afetiva, comportamental, psicossocial e
-
Introduo
32
psicobiolgica - desses processos tambm varia. (BRUCHON-SCHWEITZER,
1994).
O sucesso das estratgias de enfrentamento influenciado por
fatores como durao e gravidade da ameaa ao bem estar, cabendo salientar
que a percepo de suporte ou apoio social constitui fator de proteo em relao
aos agravos sade. Quando o suporte ou apoio social frgil, ou quando
percebido como frgil, a vulnerabilidade aos fatores de estresse aumenta.
Satisfao no trabalho
Um dos aspectos estreitamente relacionados ao grau de sade a
satisfao obtida no exerccio do trabalho. Trata-se de conceito que comeou a
ser estudado e desenvolvido nos anos 30 do sculo passado. Um dos estudos
pioneiros abordava as influncias de aspectos do ambiente fsico e a
produtividade dos trabalhadores em empresa de eletricidade da cidade de
Chicago. Desde ento, foram efetuados numerosos estudos focalizando a
satisfao dos trabalhadores em relao a variados aspectos de seu trabalho.
Ter satisfao no trabalho significa ter prazer com o que se faz. E
este prazer est relacionado tanto com caractersticas das atividades executadas,
como com o perfil psicolgico e com as expectativas dos trabalhadores.
Satisfao no trabalho pode ser tambm entendida como o sentimento que as
pessoas tm a respeito de seu trabalho.
A satisfao no trabalho tem sido abordada por disciplinas como
psicologia, sociologia, medicina do trabalho, ergonomia, economia e
administrao, dentre outras. Isto relaciona-se, por um lado, com o papel do
trabalho na vida das pessoas e as influncias que exerce sobre as condies e a
qualidade de vida e, conseqentemente, sobre o grau de sade. E, por outro lado,
pelas influncias que exerce sobre o desempenho e a produtividade dos
trabalhadores, aspecto que interessa sobretudo s empresas.
Pode-se dizer que as pessoas avaliam e reavaliam aspectos de sua
vida, conferindo se suas necessidades materiais, cognitivas e afetivas esto
sendo atendidas. E, na medida da importncia dada ao trabalho, a avaliao
quanto a tais aspectos pode adquirir grande relevncia. Assim, sucesso
profissional, remunerao, prestgio entre os colegas, evoluo na carreira, so
aspectos, dentre outros, que as pessoas que trabalham colocam na balana para
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Introduo
33
conferir se esto recebendo ou no o que julgam merecer em funo do trabalho
que executam. Se o que avaliam estar recebendo corresponde s expectativas, a
pessoa tende a considerar-se satisfeita. A satisfao depende portanto do sujeito
e no apenas de aspectos ou caractersticas do trabalho. E o resultado desta
avaliao depende do que o sujeito mais valoriza ou valoriza menos.
Para Diaz-Serrano & Vieira (2005), a satisfao no trabalho
representa importante fator preditivo do grau de bem estar dos indivduos,
interferindo tambm com a deciso de permanecer ou deixar o emprego, assim
como com a qualidade do trabalho efetuado.
Dados de quinze pases da Europa (EU 15) revelam que, de 1995
para 2000, em nove deles, houve diminuio do grau de satisfao no trabalho,
enquanto em seis (Reino Unido, Dinamarca, Finlndia, ustria, Alemanha e
Grcia), houve discreto aumento. Considerando-se a avaliao realizada no ano
de 2000, Portugal, Espanha, Grcia e Itlia, foram os pases que registraram
menor satisfao no trabalho.
No Brasil, Martinez & Paraguay (2003), abordando aspectos
conceituais e metodolgicos da satisfao no trabalho, assinalam que apesar dos
estudos sistematizados sobre satisfao no trabalho terem se iniciado na dcada
de 30, ainda no existe consenso sobre teorias e modelos tericos acerca do
tema. As autoras fazem referncia aos vrios conceitos: satisfao como
sinnimo de motivao, como atitude, como oposio insatisfao e como
estado emocional.
Um dos modelos desenvolvidos para anlise da satisfao no
trabalho o modelo de Locke (LOCKE, 1976 apud MARTINEZ & PARAGUAY,
2003) que considera satisfao como resposta emocional oriunda da diferena
entre o que a pessoa percebe receber e o que deseja obter, o que implica
julgamento de valor. Este enfoque pressupe a existncia de relao entre grau
de emoo e importncia que a pessoa atribui ao que almeja conseguir.
Referindo-se aos trabalhos de Locke, Martinez & Paraguay (2003) assinalam:
A satisfao no trabalho seria, ento, um estado emocional
prazeroso, resultante da avaliao do trabalho em relao aos
valores do indivduo, relacionados ao trabalho. Insatisfao no
trabalho seria um estado emocional no prazeroso, resultante da
-
Introduo
34
avaliao do trabalho como ignorando, frustrando ou negando os
valores do indivduo, relacionados ao trabalho. Assim, a satisfao e
insatisfao no trabalho no so fenmenos distintos, mas situaes
opostas de um mesmo fenmeno, ou seja, um estado emocional que
se manifesta na forma de alegria (satisfao) ou sofrimento
(insatisfao) (LOCKE, 1969, 1976, 1984 apud MARTINEZ &
PARAGUAY, 2003).
Este enfoque terico implica considerar o trabalho como
... uma interao complexa de tarefas, papis, responsabilidades,
relaes, incentivos e recompensas em determinado contexto fsico
e social. E, por isso, o entendimento da satisfao no trabalho
requer que o trabalho seja analisado em termos de seus elementos
constituintes, e onde satisfao no trabalho global o resultado da
satisfao com diversos elementos do trabalho" (LOCKE, 1969,
1976, apud MARTINEZ & PARAGUAY, 2003).
A satisfao est estreitamente relacionada valorizao social do
trabalho exercido, s possibilidades de ascenso na carreira, ao reconhecimento,
remunerao (que tambm constitui uma forma de reconhecimento) e ao clima
social (relaes com colegas, chefias, formas de organizao). Ainda influem, o
contedo e as condies fsicas do ambiente em que o trabalho realizado.
Pesquisando as relaes entre satisfao no trabalho e doena,
Martinez & Paraguay (2004) constataram associao entre satisfao e distrbios
mentais. As autoras, que tambm pesquisaram a existncia de relaes entre
satisfao no trabalho e aspectos da sade fsica, no observaram associao.
Cargas, exigncias e demandas no trabalho
Hacker (2005), abordando as cargas mentais no trabalho, sustenta
que a anlise das atividades executadas deva considerar:
autonomia do trabalhador, ou seja, a liberdade quanto aos
procedimentos a adotar e quanto aos que antecipar ou postergar;
quantidade e a diversidade de tarefas secundrias (preparao,
organizao e verificao dos resultados) e o quanto estas etapas
esto ou no fragmentadas;
-
Introduo
35
variao dos processos (rotineiros, baseados em conhecimentos ou
experincias pregressas, necessidade de resolver problemas):
grau de cooperao necessrio;
exigncias de aprendizagem a longo prazo,
propondo procedimentos de anlise que vo da verificao de documentos
observao do trabalho.
Segundo o mesmo autor (HACKER, 2005), na literatura, a carga
mental de trabalho analisada sob dois enfoques principais:
o que considera as exigncias da tarefa independentemente dos
trabalhadores que as executam;
o que considera as interaes das exigncias da tarefa com as
capacidades ou recursos dos trabalhadores.
Trata-se de enfoques que no se excluem, mas se completam. Em
relao s capacidades dos trabalhadores, de modo geral, as cargas mentais de
trabalho podem ser classificadas como:
inferiores s capacidades, quando so potencialmente geradoras de
tdio, aborrecimento e monotonia, alm de desestimulantes;
adequadas s capacidades;
superiores s capacidades, quando podem gerar ansiedade, fadiga e
frustrao.
Nessa linha situa-se a abordagem desenvolvida na dcada de 70
por Karasek, o denominado Modelo Demanda-Controle ou Modelo de Karasek.
Em relao ao trabalho, o foco deste modelo o das relaes sociais no trabalho
e como estas funcionam como geradoras de estresse.
Segundo Karasek (2005), as demandas so as presses
psicolgicas a que os trabalhadores so submetidos no trabalho. Podem originar-
se da quantidade de trabalho a executar na unidade de tempo - no jargo da
sade do trabalhador, conhecida como presso de tempo -, no caso, de carter
quantitativo. Pode tambm originar-se no descompasso entre as capacidades do
trabalhador e o trabalho a executar, assumindo, ento, carter qualitativo.
Quanto ao controle, trata-se do grau de autonomia ou espao de
manobra que o trabalhador possui. Consiste na possibilidade que ele tem de
governar o seu trabalho, a partir de suas habilidades e conhecimentos. Por
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Introduo
36
exemplo, se pode escolher a maneira de executar o trabalho, ou o que pode
antecipar ou postergar. Trata-se de aspectos estreitamente relacionados
organizao do trabalho.
TRABALHO PASSIVO
DESGASTE ELEVADO (job strain)
DESGASTE BAIXO
TRABALHO ATIVO
DEMANDA PSICOLGICA
C O N T R O L E
FIGURA 1 - ESQUEMA DEMANDA-CONTROLE SEGUNDO KARASEK (1998, 2005) E BAKER & KARASEK (1994).
O Modelo Demanda-Controle foi representado por Karasek como
figura quadrangular (Figura 1), composta por quatro quadrantes, cada um
representando as quatro associaes possveis entre os nveis das demandas e
os graus de controle (baixo / elevado), ou seja:
demandas psicolgicas elevadas e baixo controle do trabalho situao
que Karasek (2005) denominou de job strain, que pode ser entendida como
situao geradora de desgaste psicolgico elevado para o trabalhador;
demandas psicolgicas elevadas acompanhadas de grau de controle sobre
o trabalho tambm elevado situao que Karasek considera como
potencialmente desafiadora e, nesse sentido, propiciadora de condies
para o desenvolvimento e crescimento do trabalhador (trabalho ativo);
baixas demandas psicolgicas acompanhadas de baixo controle que, para
Karasek configuram situaes desestimulantes, geradoras de tdio e de
desinteresse, e que Leplat (1980) considera emburrecedoras (trabalho
passivo);
baixas demandas psicolgicas e grau de controle elevado situao em
que haveria pouco desgaste para o trabalhador, uma vez que ele tem as
melhores condies para planejar e para executar seu trabalho.
-
Introduo
37
A esse modelo bidimensional de Karasek, formulado nos anos 70,
Johnson (1988) acrescentou uma terceira dimenso, a de suporte social.
O questionrio desenvolvido por Karasek compe-se de quarenta e
nove questes que avaliam as dimenses demanda, controle e suporte. Theorell
(1988) reduziu as questes de quarenta e nove para dezessete.
Arajo et al. (2003) utilizaram o questionrio de Karasek, composto
por quarenta e nove questes, para avaliar as condies de sade e trabalho de
professores da Universidade Estadual de Feira de Santana e de dentistas em 21
municpios da regio de Alagoinhas, na Bahia. Os autores salientam tratar-se de
investigao preliminar e no descrevem como foi realizada a traduo /
adaptao do questionrio, que no foi submetido validao para emprego no
Brasil.
Alves et al (2004) traduziram e validaram o questionrio
desenvolvido por Theorell composto por dezessete questes.
2.5. Transtorno mental comum - TMC
Segundo a OMS (2002), transtornos mentais e do comportamento
so
condies clinicamente significativas caracterizadas por alteraes
do modo de pensar e do humor (emoes) ou por comportamentos
associados com angstia pessoal e / ou deteriorao do
funcionamento,
e compreendem:
transtornos mentais orgnicos,
transtornos mentais e do comportamento devidos ao abuso de substncia
psicoativa,
esquizofrenia, transtornos esquizotpicos e transtornos delirantes,
transtornos neurticos, transtornos relacionados ao estresse e transtornos
somatoformes,
sndromes comportamentais associadas a disfunes fisiolgicas e fatores
fsicos,
transtornos da personalidade e do comportamento do adulto,
atraso mental
-
Introduo
38
transtornos do desenvolvimento psicolgico
transtornos do comportamento e transtornos emocionais que aparecem
habitualmente na infncia e na adolescncia
transtorno mental no especificado
A distribuio desses transtornos universal, ocorrendo em todo o
mundo, entre homens e mulheres, ricos e pobres e em todas as faixas etrias.
Estima-se que 10 % dos adultos esto acometidos por tais desordens e que uma
em cada quatro pessoas apresenta pelo menos um transtorno mental ao longo da
vida. Entre os usurios dos servios de ateno primria sade, 24 % apresenta
algum transtorno mental. Em estudo realizado em 14 pases do mundo, pela
Organizao Mundial de Sade, verificou-se que as prevalncias gerais de
transtornos mentais, de depresso, ansiedade e dependncia de lcool
apresentaram variao entre os pases e o Brasil foi o segundo pas com maior
prevalncia (35,5%) de transtornos mentais entre usurios de servios de ateno
primria sade (OMS, 2002).
Os efeitos dos transtornos mentais so bastante deletrios e
atingem o indivduo, sua famlia, sua comunidade, havendo perdas relativas s
relaes humanas, problemas financeiros das famlias, aumento do gasto social
com o cuidado a essas pessoas, perda da produtividade do pas, aumento da
criminalidade, maior taxa de morte prematura e maiores taxas de baixa qualidade
de vida dos doentes e familiares (OMS, 2002).
Alguns sintomas no preenchem critrios para sua caracterizao
como transtornos mentais especficos, porm no deixam de ser condies de
sofrimento psquico de carter incapacitante (LIMA, 1999). Transtorno mental
comum (TMC) foi uma expresso criada por Goldberg & Huxley (1992) apud Lima
(2004) para designar tais sintomas: insnia, fadiga, irritabilidade, esquecimento,
dificuldade de concentrao e queixas somticas.
No Brasil, vrios estudos tm revelado alta prevalncia desses
transtornos mentais comuns nas populaes. (LUDERMIR, 2000; COSTA et al.,
2002; LIMA, 2004; ARAJO et al., 2005; COSTA & LUDERMIR, 2005). As
conseqncias individuais e o impacto social desses transtornos reforam a
necessidade de identificao precoce dessas condies para interveno de
carter individual e coletivo (LIMA, 1999; OMS, 2002).
-
Introduo
39
Em vrios estudos, numerosos fatores tm sido associados
prevalncia de transtorno mental comum, dentre os quais:
atributos do indivduo
sexo feminino (LUDERMIR, 2000; COSTA et al, 2002);
idade (COSTA et al, 2002);
raa negra ou parda, no caso das mulheres (ARAJO, 2005);
baixa escolaridade (LUDERMIR & MELO FILHO, 2002);
aspectos sociais e familiares
insuficincia / ausncia de apoio social (COSTA & LUDERMIR, 2005);
ter sido vtima de violncia - agresso fsica / assalto / roubo (LOPES et
al., 2003);
ter filhos, no caso das mulheres (ARAJO, 2005);
presena de pessoa doente na famlia (LIMA, 2004);
rompimento de relao amorosa (LOPES et al. 2003);
ser divorciado ou separado (LIMA et al., 1999) ou vivo (ARAJO,
2005);
residir em rea urbana (LIMA et al., 1999);
mudana forada de moradia (LOPES et al., 2003);
bem estar espiritual como fator de proteo (VOLCAN et al., 2003)
internao hospitalar e doena grave (LOPES et al., 2003)
problemas financeiros graves (LOPES et al., 2003)
no dedicar tempo semanal ao lazer, no caso das mulheres (ARAJO,
2005)
aspectos do trabalho
baixa renda (COSTA et al, 2002; LUDERMIR & MELO FILHO, 2002);
excluso do mercado formal de trabalho (LUDERMIR, 2000;
LUDERMIR & MELO FILHO, 2002);
desemprego (LIMA et al., 1999);
trabalhadores com altas demandas psicolgicas no trabalho e baixo
controle sobre o trabalho (ARAJO et al, 2003);
ambiente fsico desfavorvel, ocupao, caractersticas da organizao
do trabalho, como alterao de escala de trabalho (SOUZA & SILVA,
1998);
-
Introduo
40
Harding et al. (1980), com incentivo da Organizao Mundial da
Sade, desenvolveu instrumento Self Reporting Questionnaire - com objetivo de
indicar a presena de transtornos mentais comuns em usurios dos servios de
Ateno Primria e na comunidade em geral. A validao do instrumento se deu
em vrios pases do mundo e tambm no Brasil (MARI & WILLIANS, 1986). A
verso mais utilizada inclusive em estudos de base populacional no Brasil e no
municpio de Botucatu - possui 20 questes - SRQ-20 (LUDERMIR & MELO
FILHO, 2002; LIMA, 2004; ARAJO et al., 2005; COSTA & LUDERMIR, 2005).
2.6. Burnout em profissionais de sade
Um dos agravos que atinge trabalhadores que se ocupam do
cuidado a outras pessoas, como professores, bombeiros, policiais e profissionais
de sade a sndrome do esgotamento profissional, ou burnout. Este termo, em
ingls popular se refere quilo que deixou de funcionar por absoluta falta de
energia (BENEVIDES-PEREIRA, 2002), possivelmente, significando o
trabalhador que chegou ao limite.
Trata-se de sndrome descrita em meados da dcada de 70
(BENEVIDES-PEREIRA, 2002) e definida como resposta a estressores
emocionais e interpessoais crnicos no trabalho, e que apresenta trs
componentes: exausto emocional, despersonalizao e realizao profissional
reduzida (MASLACH & JACKSON, 1998, MASLACH & LEITER, 1999;
FREUDENBERGER, 2005; MASLACH, 2005).
A exausto emocional significa o esgotamento fsico e mental, a
sensao de estar acabado. A despersonalizao corresponde s mudanas de
personalidade do indivduo, fazendo-o comportar-se de forma cnica, irnica com
usurios dos servios nos quais atua. Finalmente, o terceiro componente da
sndrome, a realizao profissional reduzida, caracteriza-se por insatisfao com
atividades no trabalho, sensao de fracasso profissional e desmotivao.
A maioria dos autores acredita que qualquer profissional pode
desenvolver burnout e que sua incidncia maior em indivduos que possuem
ocupaes que implicam prestao de algum tipo de assistncia, como mdicos,
enfermeiros, professores, assistentes sociais, advogados, dentistas, policiais,
agentes penitencirios, bombeiros, psiclogos.
-
Introduo
41
Para Maslach & Leiter (1999), entre os trabalhadores com riscos de
desenvolver burnout, o processo de trabalho se caracteriza pelo papel central das
relaes entre provedores e receptores. Alm disso, a realizao de cuidados
constitui experincia com elevada carga emocional, particularmente porque os
problemas dos receptores muitas vezes so de difcil soluo, o que pode
acarretar frustrao e sensao de ambigidade para o cuidador, gerando risco
de desenvolvimento de burnout. Assim, as ocupaes que implicam assistncia
tm sido consideradas como especialmente afetadas por essa sndrome.
O portador de burnout costuma apresentar sintomas:
fsicos: fadiga constante e progressiva, distrbios do sono,
imunodeficincias, transtornos cardiovasculares, alteraes menstruais,
etc;
psquicos: falta de ateno, lentificao do pensamento, impacincia,
labilidade emocional, desnimo, depresso, baixa auto-estima, etc;
comportamentais: negligncia, excesso de escrpulos, irritabilidade, perda
de iniciativa, uso de drogas, etc;
defensivos: isolamento, absentesmo, ironia, cinismo, etc.
Entre os prejuzos para o servio no qual est inserido, dentre
outros, destaca-se diminuio da qualidade, predisposio a acidentes, abandono
do emprego, absentesmo, rotatividade de profissionais e baixa produtividade.
Cabe assinalar que existem vrios instrumentos para identificar e
mensurar a sndrome de burnout. Dentre eles, o mais difundido o Maslach
Burnout Inventory (MBI), questionrio auto-aplicvel, criado pelas psiclogas
sociais Christina Maslach e Susan Jackson, e que avalia as trs dimenses da
doena - exausto emocional, despersonalizao e realizao profissional
reduzida, traduzido e validado para utilizao no Brasil (LAUTERT, 1997;
BORGES et al., 2002; CARLOTTO & CMARA, 2004).
2.7. Trabalho e sade mental dos trabalhadores da sade no Brasil
A associao de transtornos psquicos s profisses de sade tem
sido estabelecida por uma srie de estudos que, at o momento, tm privilegiado
mdicos e enfermeiros e atividades hospitalares, particularmente de urgncia /
-
Introduo
42
emergncia e centros de terapia intensiva. (BENEVIDES-PEREIRA, 2002;
SELIGMANN-SILVA, 2003).
Trata-se de estudos que mostram que, entre mdicos:
h maior consumo de lcool e drogas do que em outros grupos
profissionais;
o uso nocivo e a dependncia de opiides e benzodiazepnicos
aproximadamente cinco vezes maior do que na populao geral;
h maior incidncia de depresso e alto nmero de suicdios.
Sobrinho et al. (2006), em estudo de corte transversal realizado com
amostra de 350 mdicos da Bahia, investigaram a associao das condies de
trabalho desses profissionais (demanda-controle) e a presena de distrbios
psquicos menores (Self Reporting Questionnaire - 20). Esses autores
identificaram alta sobrecarga de trabalho na categoria, prevalncia de distrbios
psquicos menores em 26% dos mdicos. Dentre os mdicos classificados com
base no questionrio demanda controle como submetidos a altas demandas
psicolgicas acompanhadas de baixo controle sobre o trabalho, essa
porcentagem foi de 42,9%.
Em consonncia com os dados encontrados em outros estudos,
Sobrinho et al. (2006) verificaram que prevalncia de distrbios psquicos
menores estava associada, entre outros fatores, ao sexo feminino, idade menor
que 45 anos, a no praticar atividade fsica, ao fato de no trabalhar em
consultrio tpico (prestao de servios, regime de planto).
Arajo et al. (2003) conduziram estudo de corte transversal para
avaliar associao de distrbios psquicos menores (Self Reporting Questionnaire
- 20) e classificao da situao de trabalho segundo o modelo de Karasek, em
502 trabalhadoras de enfermagem de um hospital pblico de Salvador, Bahia. A
prevalncia de distrbios psquicos menores foi de 33,3%, sendo de 20% para as
enfermeiras e 36,4% para as auxiliares de enfermagem. Novamente, houve
associao da presena de distrbios psquicos menores com alta demanda
psicolgica e baixo controle sobre o trabalho. Alm disso, verificou-se a
associao a sobrecarga domstica, baixa escolaridade, situao conjugal
divorciada, separada, viva tempo de lazer, valorizao no trabalho e suporte
social.
-
Introduo
43
Em estudo qualitativo realizado entre enfermeiros da cidade de
Braslia por Stacciarinni & Trccoli (2001), com o objetivo de compreender o
estresse nas diferentes ocupaes do enfermeiro, verificou-se que entre os
grupos pesquisados (assistencial, administrativo e docente), no houve
sinalizao de que alguma das atividades pudesse gerar mais sofrimento que
outra. Os autores constataram que os trs grupos apontaram elementos
estressores dentro da atividade especfica e alguns deles foram comuns s trs
categorias.
Giglio et al. (2006), em estudo que investigou a freqncia da
sndrome de burnout entre mdicos cancerologistas filiados Sociedade
Brasileira de Cancerologia, observaram que, segundo critrios de Grunfeld et al.
(2000) apud Giglio (2006), 52,3% dos 136 indivduos que aderiram pesquisa
(21%) apresentavam burnout. Houve associao positiva entre exausto
emocional e pouca prtica de atividade fsica e no trabalhar somente em
servios pblicos. Os profissionais apontaram como meios de reduzir o estresse
no trabalho a diminuio da burocracia e o limite do nmero de pacientes
atendidos.
Feliciano et al. (2005), em pesquisa qualitativa, realizada em Recife,
acerca dos sentimentos dos profissionais de pronto-socorro infantil sobre o
trabalho com foco nos componentes do burnout, identificam a tendncia
exausto emocional.
Estudo de Facundes & Ludermir (2005) sobre a prevalncia de
transtornos mentais comuns entre estudantes de graduao de Educao Fsica,
Enfermagem, Odontologia e Medicina da Universidade de Pernambuco, revelou
que houve diferenas estatisticamente significantes nas prevalncias de
transtornos mentais comuns nos diversos cursos, em ordem decrescente:
Medicina, Odontologia, Enfermagem e Educao Fsica.
Lautert (1997), em estudo que investigou o burnout em enfermeiras
de dois hospitais universitrios de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, encontrou
nveis moderados de desgaste emocional entre essas profissionais. A autora
afirma, com base nos resultados, que o burnout foi especfico da atividade laboral
da enfermeira. Os setores de emergncia, unidade de internao clnica e
-
Introduo
44
cirrgica e unidade de terapia intensiva apresentaram as maiores mdias de
desgaste emocional.
Batista & Bianchi (2006) realizaram investigao para determinar o
nvel de estresse dos enfermeiros de unidades de emergncia de hospitais
pblicos e privados de So Paulo. Utilizaram instrumento com 57 questes
agrupadas em grupos de estressores, com escala do tipo Likert. Obtiveram
escore para cada enfermeiro e classificaram o nvel de estresse em baixo, mdio,
alerta para alto e alto. As categorias de estressores que tiveram os escores mais
altos foram: condies de trabalho para o desempenho das atividades de
enfermeiro e atividades relacionadas administrao de pessoal.
Em estudo de corte transversal, Schmidt & Dantas (2006), avaliaram
a qualidade de vida no trabalho sob a tica da satisfao de 105 profissionais de
enfermagem de unidades cirrgicas de quatro hospitais de Londrina. Identificaram
que os profissionais, em geral, esto insatisfeitos com os aspectos do trabalho
avaliados, especialmente com requisitos do trabalho, normas organizacionais e
remunerao.
Elias & Navarro (2006) em estudo qualitativo investigaram as
relaes entre trabalho, sade e condies de vida de dez profissionais de
enfermagem do sexo feminino, do Hospital de Clnicas da Universidade Federal
de Uberlndia, Minas Gerais, observando existncia de sobrecarga de trabalho.
As entrevistadas negaram problemas de sade, porm, durante as entrevistas
relataram inmeras queixas fsicas e psquicas, fato que sugere a existncia do
fenmeno da negao como estratgia de defesa. O estudo traz tona o conflito
entre o ideal da profisso e a realidade do trabalho, o tempo de descanso
insuficiente, a insatisfao no trabalho relacionada, sobretudo, no valorizao
profissional. Alm disso, os autores observaram que as trabalhadoras no
cuidavam da prpria sade regularmente.
Nota-se a escassez de estudos envolvendo outras categorias
profissionais, especialmente profissionais no universitrios, sobretudo no tocante
ateno primria sade. Verifica-se, tambm, que a maior parte dos estudos
tem como objetivo a determinao da prevalncia de agravos, sem abordar
aspectos do trabalho. Foram encontrados poucos estudo relativos interveno
-
Introduo
45
no processo de adoecimento (PEREIRA & BUENO, 1997; MURTA & TRCCOLI,
2004).
-
3. JUSTIFICATIVA
-
Justificativa
47
Este estudo justifica-se face: ao que se conhece sobre a ocorrncia de transtornos mentais relacionados
ao trabalho em profissionais do setor sade;
potencial gravidade das repercusses individuais, institucionais e sociais
desses agravos.
em virtude da maioria dos estudos enfocar trabalhadores hospitalares (no
foi encontrado nenhum estudo que abordasse trabalhadores do setor
primrio de ateno sade).
-
4. OBJETIVOS
-
Objetivos
49
4.1. Objetivo Geral
Estimar a prevalncia de transtornos mentais comuns em servidores da
rede bsica de sade de Botucatu SP e estudar a associao entre estes
transtornos e condies gerais de trabalho.
4.2. Objetivos Especficos
Descrever os servidores segundo variveis scio-demogrficas:
idade naturalidade
sexo escolaridade
situao conjugal existncia de dependentes
Descrever os servidores segundo variveis relacionadas ao trabalho:
ocupao
tipo de vnculo empregatcio
atividade exercida
tempo de trabalho na atividade
trabalho pregresso exercido
tempo de locomoo casa trabalho
meio de locomoo
caractersticas da jornada de trabalho
cursos de capacitao realizados
Avaliar a satisfao dos servidores com o trabalho.
Avaliar demandas psicolgicas, grau de controle sobre o prprio trabalho
e presena de suporte social no trabalho.
Verificar existncia de associao entre diagnstico de transtornos
mentais comuns e:
variveis scio-demogrficas
variveis relacionadas ao trabalho
satisfao com o trabalho
situao quanto demanda/controle/suporte
-
5. CASUSTICA E MTODOS
-
Casustica e Mtodos
51
Trata-se de estudo de corte transversal descritivo, em populao de
servidores da rede bsica de sade de Botucatu SP, cuja coleta de informaes
foi efetuada de abril a outubro de 2006.
O estudo foi autorizado pela Secretaria Municipal de Sade (Anexo
1) e pela Direo do Centro de Sade Escola (Anexo 2) e aprovado pelo Comit
de tica em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu UNESP (Anexo 3)
5.1. Casustica
Composta por profissionais que trabalham na rede bsica de sade
de Botucatu - SP e que, esclarecidos sobre os objetivos desse estudo,
concordaram em dele participar. Foram considerados como rede bsica os
seguintes conjuntos de servios: unidades bsicas de sade (centros de sade),
unidades de sade da famlia, unidades do Centro de Sade Escola, Centro de
Especialidades Odontolgicas e Centro de Referncia em Sade do Trabalhador.
Foram excludos do estudo profissionais vinculados a outras instituies e que
exerciam atividades pontuais nesses servios.
Caracterizao de Botucatu e de sua rede de sade
Fundada em 23 de dezembro de 1843, Botucatu - Ibytu-katu, que em
tupi significa "bons ares" - uma cidade paulista de 121 274 habitantes (IBGE,
2006) localizada a 224,8 km da capital.
Segundo o Sistema de Anlise de Dados (SEADE, 2006), a
distribuio da populao indica predominncia de populao urbana (96,39%) e
feminina (razo de sexos = 95,62%). A taxa de crescimento populacional para o
perodo de 2000 a 2005 foi de 1,64% a.a. O ndice de envelhecimento em 2005,
estava em 50,69%, porcentagem muito acima do conjunto do Estado de So
Paulo (39,17%).
Segundo a SABESP, 100% dos domiclios possuem gua tratada e
96% rede coletora de esgotos. O perfil de atividade econmica do municpio
caracteriza-se por participao nos setores de prestao de servios e industrial
(SEADE, 2006).
O ndice de desenvolvimento humano em 2000 estava em 0,822,
superior ao do Estado de So Paulo (0,814). Para o perodo de 2000 a 2004, o
coeficiente de mortalidade infantil foi de 12,8 bitos de menores de 1 ano por
-
Casustica e Mtodos
52
1000 nascidos vivos e as principais causas de morte, segundo captulos da
dcima Classificao Internacional de Doenas, foram, em ordem decrescente,
doenas do aparelho circulatrio, neoplasias e causas externas. Evidencia-se
grande heterogeneidade dos indicadores de morbimortalidade nas diferentes
reas da cidade (CARANDINA, 2005).
O sistema municipal de sade composto por:
16 unidades bsicas de sade (oito unidades de sade da famlia, seis
centros de sade, dois centros de sade sob gerncia da Faculdade de
Medicina de Botucatu UNESP)
Centro de Especialidades Odontolgicas de Botucatu
Centro de Referncia em Sade do Trabalhador (referncia para parte de
Direo Regional de Sade XI DIR XI)
Ambulatrio Regional de Especialidades da DIR XI
Centro de Ateno Psicossocial (CAPS II)
Centro de Ateno Psicossocial (CAPS AD)
Residncias Teraputicas e Lares Abrigados
Hospital da Associao Beneficente dos Hospitais Sorocabana
Hospital Psiquitrico Professor Cantdio de Moura Campos
Hospital Misericrdia Botucatuense (no conveniado com o SUS)
Laboratrio Regional da DIR-XI
Hospital de Clnicas da Faculdade de Medicina de Botucatu UNESP.
A rede bsica de Botucatu tem histria particular, mas que no foge
do contexto geral da Sade Pblica no Estado de So Paulo. Em 1972, a cidade
contava com duas unidades de sade: o Centro de Sade I e o recm inaugurado
Centro de Sade Escola da FMB UNESP. O primeiro fazia parte do conjunto de
centros de sade do Estado de So Paulo, servios com organizao vertical que
desenvolviam aes dirigidas ao combate de doenas especficas (tuberculose e
hansenase) e algumas outras relacionadas sade materno-infantil (NEMES,
1993). O segundo nasceu de um convnio entre a FMB UNESP, na poca
Faculdade de Cincias Mdicas e Biolgicas de Botucatu (FCMBB), e a
Secretaria Estadual de Sade de So Paulo (SES).
A FCMBB era uma escola mdica nova, na qual muito se discutia
sobre a necessidade de mudanas no ensino e na formao mdica. Influenciada
-
Casustica e Mtodos
53
pelos movimentos das Medicinas - Integral, Preventiva e Comunitria -, desejava
reorientar suas prticas para campos de ensino extramuros (CYRINO, 2002).
Nessa mesma poca, a Secretaria de Estado da Sade (SES), dava
andamento a uma reforma administrativa e tinha interesse em criar servios que
pudessem ampliar e diversificar as aes de sade, articular aspectos individuais
e coletivos e formar sanitaristas (CYRINO, 2002).
Assim, foi firmado um convnio entre a UNESP e a Secretaria de
Estado da Sade de So Paulo criando o Centro de Sade Escola, CSE, na Vila
dos Lavradores. Em 1982, foi criada uma segunda unidade, na Vila Ferroviria.
Em 1986, ainda antes do incio da implantao do SUS, teve incio a
expanso da rede bsica de sade, criando-se as primeiras unidades sob
gerncia direta do municpio. Embalada pela criao do SUS, pelos mecanismos
indutores da reorganizao da ateno bsica no Brasil e pelos movimentos
s