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20 ANOS DA SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO SONHO OU REALIDADE? Brasília, abril de 2009 FUNDAÇÃO ANFIP

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20 ANOS DA SEGURIDADE SOCIAL

NA CONSTITUIÇÃO

SONHO OU REALIDADE?

Brasília, abril de 2009F U N D A Ç Ã OANFIP

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Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade SocialAssociação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil - AN-FIP

Coordenador: Celecino de Carvalho FilhoColaboradores: Floriano José Martins, Ana Lucia G. Silva, Gláucio Diniz de Souza, Rosana Escudero de Almeida, Marcio Humberto Gheller, José Venícios Lira Duarte.

Permitida a divulgação dos textos contidos nesta publicação, desde que citadas as fontes.Impresso no Brasil

Normalização Bibliográfi ca: Bibliotecária com Registro CRB1-1159

Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade SocialAssociação Nacional dos Auditóres Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP)20 Anos da Seguridade Social na Constituição: Sonho ou Realidade?Coordenador: Celecino de Carvalho FilhoColaboradores: Floriano José Martins, Ana Lucia G. Silva, Gláucio Diniz de Souza, Rosana Escudero de Almeida, Marcio Humberto Gheller, José Vinícios Lira Duarte, Lena Lavinas, André Cavalcanti, Nelson Rodrigues dos Santos, Flávio Tonelli Vaz, Evilásio Salvador, Stephen Kanitz, Ivannildo de Barros e Silva Filho, José Guil-herme Ferraz da Costa, Carolina Veríssimo Barbieri, Lindemberg Cesar Simionato, Narlon Gutierre Nogueira, Tatiane Muncinelli. Brasília: Fundação ANFIP, 2009. 235 p.

ISBN 978-85-62102-00-4

1. Seguridade Social 2. Previdência Social 3. Saúde Pública 4. Assistên-cia Social.

CDU 369

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ANFIP - Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil

CONSELHO EXECUTIVOAssunta Di Dea Bergamasco - Presidente

João Laércio Gagliardi Fernandes - Vice-PresidenteFábio Galízia Ribeiro de Campos - Vice-Presidente de Assuntos Fiscais

Maria do Carmo Costa Pimentel - Vice-Presidente de Política de Classe e Relações InterassociativasMarcelo Oliveira - Vice-Presidente de Política Salarial

Sandra Tereza Paiva Miranda - Vice-Presidente de Assuntos da Seguridade SocialArmando dos Santos - Vice-Presidente de Cultura Profi ssional

Nildo Manoel de Souza - Vice-Presidente de Aposentadorias e PensõesAntônio Silvano Alencar de Almeida - Vice-Presidente de Serviços Assistenciais

Manoel Eliseu de Almeida - Vice-Presidente de Assuntos JurídicosMiguel Arcanjo Simas Nôvo - Vice-Presidente de Assuntos Tributários

João Alves Moreira - Vice-Presidente de Administração, Patrimônio e CadastroLuiz Mendes Bezerra - Vice-Presidente de Finanças

Eucélia Maria Agrizzi Mergar - Vice-Presidente de Planejamento e Controle OrçamentárioOvídio Palmeira Filho - Vice-Presidente de Comunicação Social

Maruchia Mialik - Vice-Presidente de Relações PúblicasRodrigo da Costa Possas - Vice-Presidente de Assuntos Parlamentares

Maria Bernadete Sampaio Bello - Vice-Presidente de Tecnologia da Informação

CONSELHO FISCALCarlos Roberto Bispo (MG) - Coordenador

Ary Gonzaga de Lellis (GO) - MembroJorge Cezar Costa (SE) - Relator

CONSELHO DE REPRESENTANTESDulce Wilennbring de Lima (RS) - Coordenadora

Ana Mickelina B. Carreira (MA) - Vice-CoordenadoraRozinete Bissoli Guerini (ES) - Secretária

Léa Pereira de Mattos (DF) - Secretária-AdjuntaAC – Heliomar Lunz

AL - Francisco de Carvalho Melo

AP - Emir Cavalcanti Furtado

AM - Cleide Almeida Novo

BA - Luiz Antônio Gitirana

CE - Eliezer Xavier de Almeida

GO - Nilo Sérgio de Lima

MT – Manoel de Matos Ferraz

MS - Cassia Aparecida Martins de A. Vedovatte

MG - Lúcio Avelino de Barros

PA - Maria Oneyde Santos

PB - Maria Janeide da C. Rodrigues e Silva

PR - Ademar Borges

PE - Abias Amorim Costa

PI - Guilhermano Pires F. Correa

RJ - Sérgio Wehbe Baptista

RN - Maria Aparecida F. Paes Leme

RO - Eni Paizanti de Laia Ferreira

RR - AndreLuiz Spagnuolo Andrade

SC - Pedro Dittrich Júnior

SP - Edgard dos Santos

SE - Jorge Lourenço Barros

TO - Márcio Rosal Bezerra Barros

Fundação Anfi p de Estudos da Seguridade Social

CONSELHO CURADORAssunta Di Dea Bergamasco - PRESIDENTE

Ovídio Palmeira Filho - SECRETÁRIO

Sandra Tereza Paiva MirandaMaria do Carmo Costa Pimentel

Amauri Soares de SouzaPedro Dittrich Júnior

Miguel Arcanjo Simas Novo

SUPLENTESEurico Cervo

Aloísio Jorge HolzmeierPaulo Cesar Andrade Almeida

DIRETORIA EXECUTIVAFloriano José Martins - DIRETOR PRESIDENTE

Ana Lúcia Guimarães Silva - DIRETORA ADMINISTRATIVA

Gláucio Diniz de Souza - DIRETOR FINANCEIRO

Márcio Humberto Gheller - DIRETOR DE PLANEJAMENTO E PROJETOS

Rosana Escudero de Almeida - DIRETORA DE EVENTOS E CURSOS

SUPLENTESDécio Bruno Lopes

Vanderley José MaçaneiroJosé Roberto Pimentel Teixeira

Vilson Antônio Romero

CONSELHO FISCALJosé Helio Pereira

Ennio Magalhães Soares da CâmaraJosé Geraldo de Oliveira Ferraz

SUPLENTESPaulo Freitas Radtke

José Avelino da Silva Neto

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ÍNDICE

Apresentação............................................................................................................5

Introdução..................................................................................................................7

1. A Constituição de 88 e a Previdência Social, 20 anos depois........................9Celecino de Carvalho Filho

2. O legado da Constituição de 88: é possível incluir sem universalizar?.......33Lena Lavinas e André Cavalcanti

3. Política Pública de Saúde no Brasil: encruzilhada, buscas e es-

colhas de rumos .......................................................................64Nelson Rodrigues dos Santos

4. Práticas orçamentárias a esvaziar a Seguridade Social..................................79Floriano José Martins e Flávio Tonelli Vaz

5. Quem fi nancia e qual o destino dos recursos da seguridade social no Bra-

sil? ..........................................................................................................................97Evilásio Salvador

6. Constituição amplia direitos previdenciários e assistenciais.....................124Previdência em Questão - Brasília, 1º a 15 de outubro de 2008 - nº 06/08

7. O Direito de cuidar de si..................................................................................128Stephen Kanitz

7.1. A estória que Kanitz não contou.......................................................................129Ivannildo de Barros e Silva Filho

8. A seguridade social como tecnologia jurídica para o desenvolvimento

humano......................................................................................................133José Guilherme Ferraz da Costa

9. Seguridade social e a Constituição de 1988...................................................140Carolina Veríssimo Barbieri

10. Welfare State: uma perspectiva teórico-histórica................................153 Lindemberg Cesar Simionato

11. Estudo comparativo - A Seguridade Social em alguns países........................173Narlon Gutierre Nogueira

12. Assistência Social - Critérios e requisitos para a concessão do benefício

de prestação continuada à pessoa portadora de defi ciência e ao idoso.......184 Tatiane Muncinelli

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APRESENTAÇÃO

O teste da resistência

Estamos diante do vigésimo aniversário da Seguridade Social.

Esse marco deve ser observado à luz de toda uma história geral, iniciando-se pelos

conceitos de Seguro Social, voltado exclusivamente para a pessoa do trabalhador, cujo

marco incontroverso é a Mensagem Imperial de Bismarck ao governo conservador alemão,

em 1883/1884. Seguindo pela reconstrução da Europa dizimada pela grande guerra, em

1940/1945, quando o conceito de seguro social foi revisto, capitaneado pelas idéias de Lord

Beveridge, que em 1942, estabeleceu o ideal de Seguridade, um seguro social ampliado,

desde então protegendo não mais somente o trabalhador, mas em alguma medida, também

os seus familiares, esse ideário foi amplamente acatado pelos governos inglês (Churchill )

e norte-americano (Roosevelt), e rapidamente se alastrando para vários países ocidentais,

propagando o estado do bem-estar social, ou simplesmente, como na sigla inglesa, Welfare

State.

Tal onda dos direitos sociais inclui o Brasil também.

Tanto que, devido ao grande sucesso deste conjunto de ações dos governos para uma

garantia mínima de proteção social, o Constituinte brasileiro Originário de 1988, acolheu

com o primado da seguridade, dedicando-lhe especial destaque no título VIII, da Ordem

Social, com capítulos próprios e específi cos (da seguridade, da saúde, da assistência, da

previdência).

Nesta comemoração, a Fundação ANFIP e a ANFIP apresentam alguns artigos de

colaboradores, para melhor interpretação desse conjunto de idéias. Vale ressaltar que os

textos aqui apresentados não refl etem, necessariamente, a opinião da Fundação ANFIP e

da ANFIP.

Boa leitura!!!

Brasília, abril de 2009.

Fundação ANFIP e ANFIP

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INTRODUÇÃO

Este tema não é pacífi co, tranqüilo ou acabado.

É uma discussão em uma sociedade que se transforma constantemente, produz novas

necessidades, altera seus paradigmas. Certeza só que estamos diante de difi culdades dos

homens de todos os tempos.

Preliminarmente, afi rmamos que o exercício da cidadania está imbricado com a

consolidação, garantia e acesso da população aos direitos civis, políticos e sociais. Os direitos

civis estão relacionados aos direitos individuais dos cidadãos que podem ser expressos

na liberdade de expressão, possibilidade de afi liação religiosa e/ou partidária, escolha de

ideologia. Os direitos políticos referem-se à garantia e possibilidade da participação na

organização social, e que podem ser expressos na possibilidade de eleger, ser eleito, e

na participação em movimentos sociais. Os direitos sociais reportam-se à garantia de um

padrão social mínimo a todos os cidadãos, por meio do provimento das necessidades sociais

básicas, atinentes à saúde, à previdência, à assistência social, à educação, ao trabalho, ao

lazer, entre outros.

“Seguridade Social é uma expressão que foi introduzida no Brasil pela Constituição

Federal de 1988. Essa expressão foi utilizada para defi nir um sistema de proteção social que

articularia três direitos: saúde, previdência e assistência social. Esse sistema de proteção

social tem por objetivo garantir que todos os cidadãos tenham as necessidades básicas

contempladas, permitindo o exercício da cidadania por meio do acesso a direitos sociais.

Tal expressão, elaborada pela primeira vez na ata do seguro social americano em 1935

foi utilizada na França para designar o sistema de proteção social francês, construído na

década de 1940, envolvendo três direitos que mesclam a lógica dos direitos assistenciais

(beverigdiano) e a lógica securitária (bismarkiano), com predominância desse último modelo.

A atual seguridade social francesa envolve como direitos:

Saúde (seguro saúde e ações sanitárias e sociais), previdência (aposentadorias, pensões

e salário maternidade) e assistência à família (um conjunto de 07 prestações fi nanceiras de

apoio familiar). As duas primeiras seguem a lógica do seguro contributivo, com benefícios

proporcionais à contribuição, enquanto a terceira tem caráter misto (BOSCHETTI, 2003a:

8).

A Seguridade Social brasileira, assim como a francesa, foi infl uenciada pelos modelos

bismarkiano e beverigdiano. Esses modelos possuem características diferenciadas, incluindo

duas formas de gestão e fi nanciamento. Atualmente a seguridade social brasileira “conjuga

direitos derivados do trabalho (previdência) com direitos de caráter universal (saúde) e

direitos seletivos (assistência)” (BOSCHETTI, 2004: 114), permanecendo entre a lógica

assistencial e a lógica securitária.

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A Seguridade Social brasileira foi considerada um dos grandes avanços constitucionais

de 1988, contudo esse sistema ainda não se transformou em um sistema integrado de

ações do poder público e da sociedade que visam garantir os direitos relativos à saúde, à

previdência e à assistência social”. (*)

(*) Autor Thaís Neves de Menezes Costa, Assistente Social pela UNB, participante do Concurso Nacional de Teses e Monogra-

fi as da Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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(*) Celecino de Carvalho Filho, Especialista em Seguridade Social e Educador Previdenciário. Foi Servidor da Previdência, de 1985 a

2008, tendo sido Secretário de Estudos Especiais do Ministério da Previdência, de 1986 a 1990. “[email protected]

1. A Constituição de 88 e a Previdência Social,

20 anos depois

Celecino de Carvalho Filho*

Resumo: Este artigo faz uma avaliação crítica do processo de inserção da Seguri-

dade Social na Constituição de 88 e da situação do Regime Geral de Previdência Social,

desde o momento constituinte até os dias atuais. A visão é a de quem viveu todo esse

momento histórico dentro da Instituição previdenciária, um privilégio que agora se soma

a outro, que é a possibilidade de retratar esses acontecimentos, seja em oportuno semi-

nário: A LUTA PELOS DIREITOS SOCIAIS: CONQUISTAS E NOVOS DESAFIOS, 20

anos da Constituição Cidadã, patrocinado por dois dos maiores e mais conceituados

centros de ensino e pesquisa do país: a UFRJ e a UNICAMP; seja integrando mais uma

importante iniciativa da FUNDAÇÃO ANFIP, em disponibilizar, em sua página na inter-

net, o documento SONHO OU REALIDADE? 20 ANOS DA SEGURIDADE SOCIAL NA

CONSTITUIÇÃO Destaque especial é dado aos avanços e retrocessos nessa caminha-

da, com ênfase aos desvios de recursos e de despesas perpetrados contra a Seguridade

Social, bem como às perdas dos valores dos benefícios do Regime Geral, a despeito das

garantias constitucionais de preservação de seu valor real.

Dizer sobre a Constituição de 88 e, especialmente, sobre a Previdência Social, nesses

últimos 20 anos, é falar de liberdade, de luta, de conquistas, de aprendizado e, sobretudo,

de resistência. Mas também de angústia, de decepção, pelo muito que deixou de ser feito, a

despeito de todo o arcabouço institucional vigente, garantidor de avanços na proteção social

e das condições que foram disponibilizadas para esse fi m.

A conquista mais importante tem a ver com a mudança de paradigma na adoção de

políticas públicas voltadas à proteção social: a nova Carta Política consagrou a concessão

de benefícios lastreada em direitos, e não mais na benesse, no favor, tradicional e aviltante

postura do Estado brasileiro em relação ao exercício da cidadania.

Muito importante, porque essa nova concepção, decorreu do próprio processo constituinte

que, mais do que canalizar toda a força dos movimentos sociais, reprimida durante a longa

supressão das garantias e liberdades democráticas, traduziu-a em políticas públicas de

acesso universal.

Mais ainda, porque esse processo continuou na fase de regulamentação inicial da Carta

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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Política, como refl exo daquele enriquecedor momento da vida nacional.

Por que não se avançou mais? Porque faltou decisão política comprometida com a

proteção social, mesmo reconhecendo-se a difi culdade de mudança de um paradigma, uma

cultura.

Observe-se, ainda no momento constituinte, a forte reação das forças conservadoras

em não aceitar os avanços na área social, notadamente, por meio do bloco parlamentar,

chamado de ‘centrão’.

Registre-se também, por absolutamente oportuno, o emblemático pronunciamento do

Senhor Presidente da República, José Sarney, em cadeia de rádio e televisão, em 27 julho

de 88, quando os constituintes se preparavam para o início da votação do segundo turno.

Dizia Sua Excelência: “...A situação da seguridade social é igualmente difícil.

Muitos dos seus gastos não podem ser avaliados. Mas, a parte calculável permite estimar

custos adicionais da Previ dência em mais de um trilhão de cruzados por ano (5,6 bilhões

de dólares).

Já em 1989, com a entrada em vigor dos novos benefícios, a Previdência arcará com o

déficit da ordem de 630 bilhões de cruzados, ou 3,5 bilhões de dólares.

E, ainda mais, nós não poderemos quantificar o se guinte: equivalência de benefícios ur-

banos e rurais; antecipação da idade limite para aposentadoria dos trabalhado res rurais;

aposentadoria proporcional das mulheres aos 25 anos de atividade profissional; pensão

ao marido ou com panheiro pela morte da segurada; a reformulação do cálculo do valor

das aposentadorias, tomando-se por base a mé dia dos 36 últimos salários de contribuição;

concessão do seguro-desemprego com piso equivalente a um salário mínimo, garantida a

preservação do seu valor real; ajuda para a manutenção dos dependentes dos segurados de

baixa renda. A Constituinte manda incorporar aos recursos previdenciários a arrecadação

do FINSOCIAL, retirando recursos da merenda escolar, da distribuição gratuita de leite,

dos programas habitacionais para pessoas de baixa renda; e do financiamento ao pequeno

produtor rural.

Estes programas terão que ser drasticamente reduzidos, cancelados, e será uma tragé-

dia porque atingem os que mais precisam...”

Em artigo publicado, em 931 pág. 35, afi rmei o seguinte:

“A preocupação manifestada por Sua Excelência era com o risco de serem inviabiliza-

dos programas de ‘indiscutível’ alcance social, como merenda escolar, distribuição gratuita

de leite, entre outros, que seriam reduzidos ou extintos, face à brutal pressão junto aos cof-

(1) Propostas de Reforma da Seguridade Social: uma visão crítica, artigo publicado na revista Planejamento e Políticas Públi-

cas, n.9, junho/93, IPEA e reproduzido, pela ANFIP, em publicação especial.

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res públicos, causada pela introdução do Conceito de Seguridade Social e sua repercussão

nos gastos sociais”.

E prosseguia, afi rmando: “Começa a ganhar corpo, com dimensões gigantescas,

dada a fala presidencial, o processo de tentativa de liquidação antecipada deste indiscutív-

el avanço da Carta Magna: a introdução do conceito de Seguridade Social e seus objetivos

que contemplam princípios consagradores de direitos fundamentais para o exercício da

cidadania e colocam a nossa Constituição entre as mais modernas em matéria de proteção

social”.

E desnudava a razão-maior da reação palaciana: “O que estava em jogo, na

realidade, não era apenas a provável falta de recursos, dadas as vultosas somas despendi-

das em outras rubricas, e sim a possibilidade de troca de uma prática política paternalista

e tradicional, que avilta o cidadão, mas garante a reprodução do sistema político vigente,

por outra, imposta pela nova Carta, onde cada novo benefício concedido ou ampliado fun-

damenta-se no respeito ao direito de cidadania, deixando de ser um favor do Estado”.

E, tendo vivenciado os movimentos, como agente operador do processo de

regulamentação, acrescentei: “Nessa linha de compreensão e malgrados os esforços

de bloqueio desse avanço constitucional, agarraram-se, Executivo e Legislativo, no que era

possível e previsível: a postergação deliberada no encaminhamento e apreciação dos proje-

tos de lei regulamentadores dos dispositivos da Carta Política. O resultado desse procedi-

mento é que em vez de se começar a implementação infraconstitucional já a partir de outu-

bro de 89, como o determinava a Lei Maior, somente em julho de 91 promulgaram-se

as Leis de Organização e Custeio da Seguridade Social e de Benefícios da Previdência

Social, ainda assim, com graves distorções; em setembro de 90, a Lei Orgânica da Saúde; e,

até esta data, maio/93, ainda não foi regulamentada a Assistência Social”.

De fato, a regulamentação da LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social só veio a

ocorrer no fi nal de 93, evidência irrefutável da resistência na mudança de paradigma no

reconhecimento de direitos.

O Ministério da Previdência Social, no momento constituinte, além de colaborar na ação

política para os avanços conceituais que viriam a ser consignados na Carta Política, colocou

à disposição do Relator do Título da Ordem Social, informalmente, a Secretaria de Estudos

Especiais do próprio Ministério, com o objetivo de prestar a assessoria integral à condução

dos trabalhos.

Essa colaboração foi mais efetiva na defi nição de conceitos, tendo como referências a

doutrina e a boa técnica, especialmente nas áreas de Previdência e Assistência, especifi cando

cada item negociado, bem como calculando os respectivos impactos.

Igual contribuição foi prestada na defi nição das novas fontes de fi nanciamento para a

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Seguridade, já que estava claro para a Secretaria de Estudos a absoluta insufi ciência da

Folha de Salários em atender também aos novos e necessários avanços que precisavam ser

incorporados à proteção social, por meio da Carta Constitucional em elaboração.

Sempre houve a máxima preocupação em subsidiar o momento constituinte, especialmente

no tocante aos impactos na despesa do que se pretendia aprovar, e até mesmo para os

itens de maior difi culdade de quantifi cação fazia-se uma aproximação estimativa, tudo

contemplado no novo conjunto de fontes de fi nanciamento.

Por tudo isso, o corpo técnico da Secretaria de Estudos Especiais do Ministério da

Previdência fi cou perplexo com o pronunciamento de Sua Excelência, tendo produzido

contundente Nota Técnica demonstrando exatamente o oposto, embora consciente de que

a atitude presidencial tinha claros objetivos políticos, contrários aos avanços sociais que

seriam incorporados à nova Constituição.

Aprovadas as mudanças e defi nidas as novas fontes, o fi nanciamento da Seguridade

Social fi cou assegurado pela Folha de Salários, pela incorporação do Finsocial (depois,

COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e pela instituição da

Contribuição Social sobre o Lucro Líqüido das Empresas.

Os constituintes tiveram ainda o cuidado de dar gradação na implementação das

decisões tomadas, evidenciando a responsabilidade na questão do gasto público, a despeito

da histórica e enorme dívida social do Estado para com a sociedade.

O Regime Geral de Previdência Pré-Constituição de 88

Assombrosa era a situação do Regime Geral de Previdência Social, antes da promulgação

da nova Constituição.

Descumpriam-se, praticamente, todos os princípios que devem nortear um regime de

previdência. Da forte ausência de universalização de acesso, à precariedade do atendimento,

ao cálculo de benefício e ao processo de reajuste de seus valores, tudo era desrespeitado,

vilipendiado, muito longe do respeito ao exercício do direito de cidadania.

Embora a legislação já previsse o acesso, ao Regime Geral, de empregados, empresários,

autônomos, avulsos e até de trabalhadores rurais, na prática, pela ausência de campanhas

sistemáticas de orientação, de fi scalização e de investimentos básicos em pessoas, tecnologia

e unidades de atendimento, a cobertura previdenciária era muito precária.

Infelizmente, a despeito do avanço da legislação, em possibilitar a incorporação de mais

segurados, entretanto, como as demais condições pouco se alteraram, ainda é grave o

nível de universalização da previdência brasileira, porque há cerca de 30 milhões pessoas

ocupadas, mas sem qualquer proteção.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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Cálculo de Benefícios

Crime de Estado, era como a Secretaria de Estudos defi nia o cálculo de benefício do

Regime Geral.

Para os benefícios considerados não-programáveis, como auxílio-doença, aposentadoria

por invalidez, pensão por morte e auxílio-reclusão, o cálculo contemplava apenas os 12

últimos salários-de-contribuição, sem qualquer correção dessas contribuições.

Mais ainda, como o cálculo era de 1/12 avos dos salários-de-contribuição, pesquisados

em até 18 meses, caso o segurado, por exemplo, só possuísse as seis últimas contribuições,

nenhuma era corrigida e ainda a soma dessas seis contribuições era dividida por 12.

Para as demais espécies de benefícios, os programáveis, o cálculo correspondia a

1/36 avos da soma dos últimos salários-de-contribuição, pesquisados em até 48 meses,

corrigindo-se apenas as 24 primeiras contribuições.

Na mesma linha do raciocínio anterior, também a título de exemplo, considerando um

segurado com apenas as 12 últimas contribuições, nenhuma delas era corrigida e ainda a

soma dessas contribuições era dividida por 36.

Apenas a título de lembrete, a infl ação em 88, medida pelo INPC/IBGE, foi de 993,29%.

Piso Previdenciário

O piso previdenciário urbano correspondia, em 88, a 95% do salário mínimo (até o ano

de 87, esses pisos eram de 90% para as Aposentadorias; 75% para o Auxílio-Doença e

60% para Pensão por Morte), e a 50%, para os rurais. Se o salário mínimo sempre foi

insufi ciente para atender às necessidades básicas de uma família, imagine-se a concessão

de um benefício equivalente à metade desse valor.

Reajuste de Benefícios

Perverso, igualmente, era o processo de reajuste dos benefícios do Regime Geral. A

eles, os benefícios, era aplicado o mesmo índice da política salarial.

Foi assim durante toda a ditadura militar e assim continuou na chamada Nova República,

até o advento da nova Constituição, que determinou a preservação do valor real dos

benefícios da previdência social.

Concessão de Benefícios

Para a obtenção de benefícios, além do atendimento aos requisitos estabelecidos,

bastava não ter rasura na Carteira de Trabalho ou nos Carnês apresentados.

Qualquer problema que implicasse necessidade de pesquisa para confi rmar vínculo ou

remuneração, especialmente fora da jurisdição do ‘posto’ de benefício ou do próprio Estado,

representava postergação indefi nida na concessão pretendida ou, simplesmente, a não-

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concessão desse benefício.

Vislumbravam-se aí pelo menos dois grandes problemas. De um lado, a facilidade que

era adulterar esses documentos e, portanto, fraudar a concessão de benefício. De outro, a

difi culdade de comprovação do exercício de direito, clara obrigação do Estado, que, ausente,

resultava em evidente prejuízo para a cidadania.

Cadastro de Ativos e Inativos

Cadastros, os grandes ausentes na gestão da Previdência Social. Os poucos que existiam

eram parciais, desatualizados e, mais grave, não se comunicavam.

Por iniciativa da Secretaria de Estudos Especiais do Ministério da Previdência e em

parceria com o Ministério do Trabalho e a Caixa Econômica Federal, após um ano e meio de

esforço conjunto, instituiu-se, em julho de 892, o CNT - Cadastro Nacional do Trabalhador.

Em 92, o CNT, nome dado em homenagem a antiga iniciativa cadastral do Ministério

do Trabalho, que não prosperou, passou a chamar-se, mais apropriadamente, de CNIS –

Cadastro Nacional de Informações Sociais.

Dada a alta rotatividade da gestão da Previdência e a sua conseqüente descontinuidade

administrativa, somente a partir de 2002, o CNIS passou a inverter o ônus da prova do cidadão,

ou seja, passou a caber à gestão da Previdência a responsabilidade pelas informações sobre

dados cadastrais, vínculos e remunerações de seus segurados, ainda que parcialmente.

Com isso, embora tardiamente, dava-se importante passo para a busca da desejada

efi ciência da Previdência, eliminando-se mais um crime de Estado contra a sociedade.

Além dos batimentos na concessão de benefício, inclusive fora do âmbito da gestão da

Previdência, o CNIS, que agregou e integrou-se a diversas outras bases de dados, passou a

ser fundamental também na estimativa de receitas e despesas, especialmente sobre a Folha

de Salários, bem como no subsídio a políticas de inclusão previdenciária.

Por deter informações sobre vínculos e remunerações praticamente em tempo real,

possibilita a adoção de políticas de formalização do grande contingente de assalariados

sem carteira assinada, viabilizando a implementação da eqüidade contributiva, princípio que

veio a ser contemplado pela nova Constituição.

Ademais, o CNIS também passou a ser utilizado por várias áreas de governo, em especial

as de controle, subsidiando inúmeras ações na busca da prestação de serviços a toda a

sociedade.

Financiamento da Previdência

O fi nanciamento do Regime Geral de Previdência sempre foi lastreado na Folha de

Salários, desde os seus primórdios, embora o próprio marco previdenciário brasileiro, a

(2) Decreto 97.936, de 10 de julho de 1989.

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chamada ‘Lei Eloy Chaves’ (na realidade, Decreto n. 4.682, de 24 de janeiro de 1923), nesse

aspecto, tenha sido extremamente avançada ao incluir outras formas de fi nanciamento,

somente retomadas na própria Constituição de 88.

Destarte, a Folha de Salários fi nanciava, basicamente, além do Regime Geral, cerca de

80% das despesas com a área de Saúde, a chamada parte curativa, via hospitais públicos

federais, e toda a Assistência Social, essa ainda muito incipiente.

Observe-se que o antigo Ministério da Previdência e Assistência Social, a partir da

instituição do SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, em 1977, na

realidade, já era o precursor da própria Seguridade Social que viria a ser insculpida na nova

Constituição.

Por que Seguridade Social?

Principalmente, para mudar paradigmas, instituindo políticas de proteção social lastreadas

no direito.

Dada a nossa pouca tradição institucional no trato da questão social, o que se fez, na

prática, foi consolidar e ampliar o que já vinha sendo implementado, nas três áreas que

passariam compor a Seguridade Social e que se considerou como o consenso mínimo

possível.

Na Previdência, com a proposição de adoção de princípios que ensejassem novas regras

baseadas sobretudo no respeito à dignidade das pessoas, além da busca da universalização

do acesso.

Na Assistência Social, reconceituando assistência como promoção social, como forma de

se retirar a chaga do tradicional assistencialismo até então vigente, possibilitando a proteção

a toda a família, e com determinação, no texto constitucional, de benefício de valor mínimo

às pessoas portadoras de defi ciência e aos idosos, desde que carentes.

Aqui se buscava a efetiva mudança de paradigma: direito em vez de favor. E daqui se

esperavam as maiores fontes de reação, pelo que essa mudança representaria.

Na Saúde, buscava-se o acesso universal, especialmente pelo processo de

descentralização que já estava em marcha, por meio do SUDS – Sistema Unifi cado e

Descentralizado de Saúde.

Por fi m, para fazer face a essas mudanças seria necessário dotar a proteção social, pelo

menos a vinculada à Seguridade Social, de condições mínimas que a libertasse do jugo da

área econômica.

Sim, porque novamente a tradição do Estado brasileiro foi sempre a de privilegiar com

recursos públicos apenas a acumulação de capital, por meio do fi nanciamento da infra-

estrutura econômica e de empréstimos aos detentores do capital, generosos em volume,

prazo, remuneração e até em sucessivos perdões.

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Duas questões foram colocadas como primordiais. A diversifi cação das fontes de

fi nanciamento, para dar garantia de estabilidade aos avanços pretendidos, inclusive nos

momentos de crise fi scal, e a necessidade de implementação de orçamento próprio, para

evitar a apropriação, pela área econômica, dos recursos que passariam a ser institucional e

exclusivamente destinados à Seguridade Social.

A Constituição Aprovada - Principais Avanços

Conceito de Seguridade Social, como forma de assegurar direitos primários, tendo

como fundamento a dignidade humana.

Diversifi cação das fontes de fi nanciamento, para garantir os meios sufi cientes à

adoção de políticas sociais fundamentais, inclusive e especialmente em momentos de crises,

quando os segmentos de maior poder de pressão se apropriam dos recursos disponíveis.

Orçamento Exclusivo para a Seguridade Social, para destacar, de forma sistemática e

permanente, os recursos destinados ao fi nanciamento de políticas sociais básicas, quebrando

a tradição do Estado brasileiro, que sempre assegurou recursos apenas à acumulação de

capital.

Objetivos fundamentais à proteção social, porque garantidores de políticas de direitos,

tais como:

universalidade da cobertura e do atendimento –

uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações – urbanas e

rurais

seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços –

irredutibilidade do valor dos benefícios –

eqüidade na forma de participação no custeio –

diversidade da base de fi nanciamento e –

caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a – participação da

comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.

Nova Forma de Calcular e de Reajustar Benefícios

Merecem destaque essas duas importantes mudanças registradas na Constituição, por

meio da Seguridade Social.

Primeiro, passaram a ser corrigidos todos os salários-de-contribuição utilizados no cálculo

dos novos benefícios, além da adoção da média aritmética simples, fazendo-se justiça no

momento do reconhecimento do direito do cidadão.

Para que se possa ter uma idéia da dimensão e da importância desses avanços

constitucionais, em 93, quando a infl ação atingiu o ápice, com 2.489,11%, os segurados do

Regime Geral de Previdência estavam protegidos.

Isso porque já vigorava a nova fórmula de cálculo, que considerava a correção de todos

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os 36 salários-de-contribuição (ainda não havia cadastro que viabilizasse a ampliação do

cálculo de benefício), além da adoção de média aritmética simples.

Assim, por exemplo, se o segurado possuísse apenas seis Salários-de-Contribuição,

todos eram corrigidos e a soma deles, dividida por seis.

Segundo e igualmente importante, visando à preservação, em caráter permanente, do

poder de compra dos benefícios, os seus valores passaram a ser reajustados pela infl ação

integral.

Para não deixar dúvida quanto à aplicação desse dispositivo constitucional, explicitou-se

na Lei n. 8.213/91, artigo 41, inciso II, o INPC/IBGE, considerado o índice mais adequado,

em razão de seu corte de renda e de sua abrangência nacional, como forma de assegurar

transparência aos usuários da Previdência.

Referido dispositivo vigorou apenas de 1991, data de promulgação da lei que regulamentou

o plano de benefícios do Regime Geral, até o ano de 1992, quando essa norma foi revogada,

na administração do Ministro Antônio Britto.

A partir de então, inicialmente trocado pelo Índice de Reajuste do Salário Mínimo, e até

ano 2000, o INPC, passou a ser substituído por vários outros índices aceitos como ofi ciais.

Recomeçava, a partir de então, em níveis acentuados, novo período de perdas dos

valores dos benefícios que alcançaram, nesse período, 31,33%.

Dessa forma, as perdas verifi cadas de 93 a 99 e descontados os ganhos reais pouco

expressivos, obtidos a partir de 2000 até março de 2008, resultam em perdas totais

acumuladas da ordem de 30,31%, que requerem um índice de reajuste de 43,49% para a

sua completa recomposição.

Essa recomposição é devida, em face da garantia de preservação do valor real dos

benefícios inserida na nova Constituição, e deve ser resolvida de forma negociada, evitando-

se mais sofrimento para os usuários da Previdência Social.

Expansão da Cobertura Rural.

A conjugação de objetivos como a universalidade da cobertura e do atendimento, a

uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais e a

eqüidade na forma de participação no custeio, bem como, a redução em cinco anos na idade

de aposentadoria, possibilitaram o maior avanço em matéria de inclusão previdenciária à

área rural. Essa expansão foi especialmente acentuada em relação aos segurados especiais,

assim entendidos aqueles que vivem em regime de economia familiar.

Principais Distorções

Considerado normal mesmo em qualquer processo democrático, a Constituição de 88, ao

avançar de forma insofi smável na busca da proteção social, também registrou importantes

distorções que precisam ser revistas, a fi m de melhorar ainda mais o alcance dos objetivos

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pretendidos de solidariedade e de justiça social.

Manutenção da Aposentadoria por Tempo de Serviço (hoje, tempo de contribuição)

e inclusão também da Aposentadoria por Tempo de Serviço Proporcional para a

Mulher.

Segundo os fundamentos da doutrina previdenciária, além da universalidade de acesso,

o que não ocorre com esse tipo de benefício, o segurado só deve ter direito à proteção

previdenciária quando perder a capacidade de trabalho, ou seja, quando atingido por qualquer

um dos riscos sociais universais, como doença, invalidez, idade avançada, desemprego

involuntário e morte.

A Aposentadoria por Tempo de Contribuição não se enquadra em nenhum desses riscos.

As pessoas completam as regras, mas continuam em plenas condições laborais. Embora a

contribuição seja indispensável, mas é uma exigência subsidiária, nunca condição exclusiva

para a obtenção de benefício.

Detalhamento de regras para assegurar ‘direitos’.

Na disputa para garantir proteção da Previdência, independentemente de enquadramento

na boa técnica previdenciária, os segmentos sociais mais organizados se engalfi nharam

e pressionaram para fazer constar do texto constitucional regras que lhes assegurasse

condições de obtenção de benefício, normalmente em condições vantajosas.

Assim, a Carta de 88 fi cou eivada de detalhes, próprios de leis e de decretos, que só

interessam àqueles que querem continuar merecendo certos privilégios que há muito já

deveriam ter sido extirpados.

Mesmo parâmetros que estivessem de acordo, por exemplo, com o padrão demográfi co

da época e com os níveis de contribuição não deveriam constar do texto da Constituição,

porque mutáveis e, por essa razão, ensejariam revisões constitucionais desnecessárias.

Tudo isso implica maior difi culdade para reformar a Carta Política, dadas as exigências de

duas votações em cada Casa legislativa, além de quorum qualifi cado, para que se proceda

qualquer alteração.

Previdência Complementar, de direito público.

Por absoluta falta de maturidade na compreensão do processo de gestão de Fundos de

Pensão, inseriu-se na Seção da Previdência Social a manutenção de seguro coletivo, de

caráter complementar e facultativo, mediante contribuições adicionais.

Com isso, cometeu-se o equívoco de pretender-se gerir esse indispensável instrumento

de preservação de rendas mais altas e de fi nanciamento do desenvolvimento por meio de

gestão com regras de direito público.

Isso inviabiliza a gestão dos Fundos de Pensão, porque, obedecendo às regras de direito

público, qualquer aquisição só pode ser feita, mediante licitação e as vendas, exclusivamente

via leilão.

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Esses procedimentos são incompatíveis com a indispensável agilidade do processo

decisório na gestão desses fundos, sem o que não se obtém o desempenho necessário na

rentabilidade dos recursos aplicados.

Esse engano só foi corrigido dez anos depois, por meio da Emenda Constitucional n.

20/98, que instituiu a Previdência Complementar de caráter autônomo, gestão de natureza

privada e facultativa.

Recomposição de perdas, atrelando, temporariamente, o valor dos benefícios ao

Salário Mínimo (ADCT, art. 58).

Gravíssimo equívoco foi essa opção feita pelos constituintes, baseados em posição das

Centrais Sindicais, capitaneada pela Força Sindical.

São várias as razões que não recomendavam e não recomendam a vinculação de

prestações previdenciárias ao salário mínimo, exceto o piso: é apenas a remuneração mínima

à prestação de serviços básicos não qualifi cados; não é fator de correção de coisa alguma;

ninguém ganha, enquanto ativo, em número de salários mínimos; tem comportamento

absolutamente errático, dada a ausência de política governamental nesse sentido; proibição

da própria Constituição; tempo determinado de vinculação, gerando confl ito com as regras

novas; propicia ganhos reais a todas as faixas de renda, benefi ciando de forma injusta os

detentores de rendas mais altas, que têm padrão de consumo diferenciado; inversão de

prioridades, tendo em vista problemas mais graves, como a não inclusão previdenciária,

hoje estimada em cerca de 30 milhões de pessoas ocupadas, sem qualquer proteção, etc.

A Secretaria de Estudos Especiais do Ministério da Previdência ofereceu à negociação, no

momento constituinte, outras alternativas, sugerindo a utilização do Índice da Cesta Básica,

por ser o mais antigo e o que melhor recompunha as perdas dos valores dos benefícios.

Mais ainda, alertou de forma veemente e incisiva, que a opção pela paridade com o

Salário Mínimo, embora parecesse mais transparente, por ser de fácil assimilação pelo

trabalhador, embutia duas graves implicações, além de não assegurar a recuperação das

perdas imputadas aos benefícios ao longo de sua utilização.

Primeiro, porque a decisão seria temporária e, de fato o foi, pois só vigoraria até

a implantação do plano de benefícios, por meio de lei regulamentadora dos dispositivos

constitucionais.

Ainda assim, os usuários da Previdência guardariam na memória essa paridade, já que

o valor do benefício seria transformado em número de salários mínimos.

A partir do momento em que ocorresse o desatrelamento do salário mínimo, quando os

benefícios passassem a receber, corretamente, a infl ação integral, mas, ainda assim, índice

inferior ao que seria concedido ao salário mínimo, os segurados iriam perceber claramente

esse descompasso entre a aplicação da infl ação integral e o índice concedido ao salário

mínimo.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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Em segundo lugar, a conseqüência seria culpar, como de fato têm sido feito, a instituição

previdenciária por esse descompasso em relação ao salário mínimo, mas não em relação à

infl ação.

Ademais, a justiça tem sido abarrotada de pedidos de reparação, ou seja, pela continuidade

da paridade com o salário mínimo, embora sem chance de sucesso, tendo em vista que essa

foi decisão da própria Constituição.

O resultado, antevisto pela Secretaria de Estudos e registrado no próprio Congresso

Nacional, tem sido de enorme sofrimento para os aposentados e pensionistas da Previdência

e de igual desgaste para a instituição previdenciária, além da sobrecarga desnecessária da

justiça, cuja qualidade da prestação jurisdicional continua deixando muito a desejar.

Retrocessos na Implementação da Constituição de 88

As distorções não fi caram adstritas ao momento de feitura da Constituição. As forças

conservadoras continuaram resistindo aos avanços consignados em relação à Seguridade

Social, atuando sempre e deliberadamente para não cumprir as suas determinações ou

fazê-lo de maneira distorcida.

Não Implementação do Orçamento Exclusivo da Seguridade Social.

A primeira atitude do governo foi não encaminhar a proposta orçamentária na forma

determinada pela Constituição.

O Orçamento da Seguridade deveria ser autônomo (art. 165, 5º) e sua elaboração ser

de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela Saúde, Previdência Social e Assistência

Social, assegurada a cada área a gestão de seus recursos (art. 195, 2º).

Mais lastimável tem sido a aceitação cordata dessa anomalia pelo Congresso Nacional,

em fl agrante deslealdade institucional de dois dos três poderes da República.

Para aparentemente ‘driblar’ a exigência constitucional, os orçamentos passaram a ser

apresentados juntos, mas como se fossem apenas um: Orçamento Fiscal e Seguridade

Social.

Essa simplifi cação foi tão ‘natural’ que desrespeitou-se até a regência gramatical. Não

são dois orçamentos, apenas um. O que não se percebeu ou não se quis perceber é que essa

manobra signifi caria, na prática, a transferência dos superávits orçamentários que ocorreriam

todos os anos, sistematicamente, do Orçamento da Seguridade para o Orçamento Fiscal. E

fi cou por isso mesmo.

Instituição da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF

(ECs 3/93; 12/96 e 21/99).

A Seguridade Social nunca necessitou dessa nova contribuição social.

A sua criação decorreu da intenção hegemônica de ampliação do poder da União, por

meio da área econômica, em aumentar as suas receitas, em face de duas razões: não

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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repartir esses recursos com Estados e Municípios, atropelando a Federação, e desonerar

o Orçamento Fiscal, repassando à Seguridade despesas que nada tinham a ver com

Previdência, Saúde e Assistência Social.

Como se sabe, as contribuições sociais, diferentemente de impostos, não atendem a

dois princípios tributários: anualidade ou anterioridade, e sim o da noventena, porque podem

ser instituídas ou alteradas e cobradas em noventa dias; e não são repartíveis com Estados

e Municípios.

Isso quer dizer que cada real arrecadado por meio de contribuições sociais representa

um real disponível na União, enquanto cada real arrecadado com o Imposto de Renda e

o Imposto Sobre Produtos Industrializados, por exemplo, a União só dispõe de cerca de

cinqüenta centavos. A outra metade é repartida com Estados e Municípios, por meio do FPE

- Fundo de Participação dos Estados e do FPM - Fundo de Participação dos Municípios.

Vale lembrar, também, a chantagem que se fez contra a sociedade: a apelação de que

sem os recursos da CPMF a saúde iria parar, além da exploração do nome de conceituado

médico que dirigia o Ministério da Saúde, àquela época.

A evidência fi nal de que a Seguridade não necessitava dessa Contribuição decorre dos

sucessivos saldos positivos entre receitas e despesas da Seguridade, registrados todos os

anos, e mesmo com a sua extinção, ocorrida no fi nal de 2007, a Seguridade continuou a

funcionar, a despeito de todos os demais esbulhos contra ela praticados.

Desvinculação de Receitas ou Transformação de pelo menos 20% das Contribuições

Sociais em Recursos Fiscais.

Apenas mais uma manobra, dessa vez sem subterfúgios, que resultou em claro saque

das receitas da Seguridade Social.

Aproveitando mais um momento de grave crise fi scal e que perdura indefi nidamente,

contando sempre com a complacência do Congresso Nacional, vem sendo retiradas vultosas

somas de recursos da Seguridade.

Em 94 e 95, por meio do FSE - Fundo Social de Emergência (ECR 1/94); de 96 a 99, via

FEF – Fundo de Estabilização Fiscal (ECs 10/96 e 17/97) e, a partir de 2000, por meio da

DRU – Desvinculação das Receitas da União (EC 27).

Tudo isso com um só objetivo: aumentar o superávit primário, para assegurar o pagamento

do serviço das dívidas interna e externa.

Lei de Responsabilidade Fiscal – pagamento de benefícios do Regime Próprio de

Previdência da União e da Folha de Ativos dos Servidores Civis e Militares, com

Recursos da Seguridade Social.

Por meio dessa importante lei complementar, que estabeleceu conceitos básicos de

gestão de recursos públicos, executivo e legislativo concordaram em, mais uma vez, desviar

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recursos destinados à Seguridade Social.

O artigo 24 dessa lei, trata da despesa da Seguridade Social.

Nesse dispositivo, assegura condições especiais típicas de despesas relacionadas a

pagamento de benefícios, pelo seu caráter indispensável e garantidor da dignidade humana.

Porém, igualmente permite interpretação canhestra para incluir nas despesas da Seguridade

os gastos com servidores públicos e militares, ativos e inativos, e pensionistas.

Os regimes dos servidores públicos e dos militares não compõem a Seguridade Social,

por terem regras próprias, bem mais vantajosas do que as do Regime Geral.

Como compreender, então, que esses regimes, e mais do que isso, a própria folha de

pagamento de ativos, sejam bancados com recursos da Seguridade Social? É apenas mais

um esbulho.

Seria de todo desejável que integrassem o Regime Geral, por meio da unifi cação desses

regimes ou pela igualação de regras. Entretanto, antes disso, todas essas despesas serem

fi nanciadas com recursos destinados à Seguridade é, simplesmente, mais um desvio

praticado, visando à desoneração do Orçamento Fiscal.

Lei de Responsabilidade Fiscal – criação de Fundo de Previdência Social.

Há ainda algo de maior gravidade em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal no

tocante à Seguridade Social. Nas suas Disposições Finais e Transitórias, artigo 68, é criado

o Fundo do Regime Geral de Previdência Social, com a fi nalidade de prover recursos para o

pagamento dos benefícios desse regime.

Referido fundo é constituído, entre outras fontes, da Folha de Salários e de recursos

provenientes do Orçamento da União, ou seja, do Orçamento Fiscal.

Assim, garantindo apenas a Folha de Salários para fi nanciar o Regime Geral, fi ca

caracterizada a existência de défi cit desse regime, ao mais completo arrepio do que preconiza

a Constituição.

A Carta Política determina a existência do Orçamento da Seguridade Social,

separadamente, conforme já mencionado, mas essa determinação é solenemente

rejeitada.

Cria-se um fundo, por uma lei infraconstitucional, segmentando uma fonte, a Folha de

Salários, para fi nanciar o Regime Geral, quando essa receita deveria compor com as demais

fontes (CONFINS e Lucro líquido das Empresas) o Orçamento da Seguridade.

Mais ainda, a Folha de Salários já seria insufi ciente para fi nanciar o Regime Geral,

mesmo sem os avanços constitucionais, dado o seu progressivo esgotamento em face das

mudanças no perfi l do mercado de trabalho.

Como a Folha de Salários poderia continuar fi nanciando a Previdência, após a

implementação dos novos dispositivos de melhoria do cálculo e reajuste dos benefícios, do

piso de um salário mínimo, da inclusão dos rurais, entre outros?

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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Na realidade, arranjou-se uma pretensa forma jurídica de justifi cativa para o chamado

‘défi cit’ da Previdência Social, apesar de seu surrealismo, ou apenas mais uma deslealdade

institucional.

Como pode uma lei, mesmo sendo complementar, desdizer a Constituição, a Lei

Maior?

A desfaçatez ultrapassa todos os limites quando se observa que os recursos para cobrir

o ‘défi cit’ vêm das outras fontes que deveriam compor o Orçamento da Seguridade Social.

Inclusão de Despesas Alheias à Seguridade Social

Em outra frente, como se os desvios e saques de recursos destinados ao fi nanciamento

da Seguridade Social não fossem sufi cientes, passou-se a incluir todo tipo de despesa sem

qualquer ligação com a Seguridade.

Da demarcação de terras indígenas à compra de goiabada para palácios, tudo passou a

ser despesa da Seguridade, numa clara intenção de desonerar o Orçamento Fiscal e, com

isso, viabilizar a verdadeira prioridade nacional de sempre, o pagamento do serviço das

dívidas interna e externa.

Superávit acumulado das Contas da Seguridade Social

Considerando-se apenas as principais fontes de fi nanciamento em confronto com as

despesas efetivas da Seguridade Social, de forma simplifi cada, para fi ns didáticos, estima-

se que os saldos positivos acumulados nesses vinte anos, a preços de dezembro de 2007,

atinjam cerca de R$ 540,0 bilhões, o correspondente a duas vezes as despesas da própria

Seguridade, em 2007, conforme tabela anexa.

Essa a dimensão dos desvios perpetrados contra a Seguridade Social.

Atraso na Regulamentação Infraconstitucional.

No caso da Previdência, embora a Constituição tenha estabelecido prazos claros para a

regulamentação de seus dispositivos (ADCT, art. 59), nada foi atendido.

O poder executivo deveria ter apresentado os projetos de lei em até seis meses, mas não

o fez, embora o Ministério da Previdência, por meio de sua Secretaria de Estudos Especiais,

os tivesse encaminhado dentro desse prazo.

O Congresso Nacional, que tinha seis meses para apreciá-los, também não cumpriu sua

responsabilidade.

A implantação progressiva, prevista para dezoito meses, igualmente não aconteceu.

Desvirtuamento da Função do Conselho Nacional de Previdência e Extinção do

Conselho Nacional de Seguridade Social.

O poder executivo encaminhou e, novamente o legislativo aceitou, que o Conselho

Nacional de Previdência Social tivesse competências apenas consultivas, especialmente

pela composição não paritária: seis representantes do governo, três dos aposentados e

pensionistas, três dos trabalhadores e três dos empregadores. Dessa forma, os assuntos

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do mais alto interesse institucional não são apreciados pelo CNPS, que toma conhecimento

pela imprensa ou só passam pelo seu crivo apenas para o carimbo homologatório.

Fato da maior gravidade, mas sem qualquer repercussão, foi a extinção do Conselho

Nacional de Seguridade Social, em 99, órgão que deveria fi xar as diretrizes para toda a

Seguridade e, sobretudo, aplicar a eqüidade social, fi xando critérios para a expansão das

três áreas que a compõe, especialmente em relação à distribuição de recursos, por meio do

Orçamento da Seguridade.

Atrelamento do Teto do Regime Geral ao Salário Mínimo.

Como já ocorrera no passado, os setores mais organizados e de renda mais alta, têm

logrado êxito em pressionar o Regime Geral de Previdência para a obtenção de aposentadorias

de maior valor, ao obterem a elevação do teto de benefícios, periodicamente, para valores

correspondes a dez salários mínimos.

Isso apesar desse teto, desde a regulamentação dos dispositivos constitucionais, por

meio da Lei 8.213/91, receber os mesmos índices de reajustes aplicados aos benefícios do

Regime Geral.

Ainda assim, as Emendas Constitucionais de n. 20/98 e 41/93, sem qualquer base

técnica, elevaram artifi cialmente o teto do Regime Geral para valor correspondente a dez

salários mínimos das respectivas épocas de seu encaminhamento e/ou aprovação.

Com isso, além de insistir-se nesse equivocado atrelamento ao salário mínimo, mesmo

sem dizê-lo, estabeleceu-se mais um descompasso, nesse caso em relação a quem já vinha

recebendo seus benefícios pelo teto ou próximo a ele, e que, a partir dessa nova elevação

atípica, passa a ter a impressão de perda do valor de seu benefício.

Fator Previdenciário.

A adoção do fator previdenciário deveu-se, basicamente a dois fatores.

O primeiro, como se fosse uma vingança, em face da derrubada, pelo Supremo Tribunal

Federal, do tênue e equivocado limite de idade imposto à Aposentadoria por Tempo de

Contribuição na Emenda 20/98.

Registre-se, à guisa de esclarecimento, que esse limite de idade, que não encontra

respaldo na doutrina previdenciária, foi apenas uma tentava de amenizar os efeitos perversos

da manutenção dessa aposentadoria.

Isso porque ela não atende a nenhum dos princípios que devem reger um regime de

previdência, à exceção da própria contribuição.

O acesso a essa aposentadoria não é universal, tendo em vista que a maioria dos

segurados ou se aposenta por invalidez ou por idade, quando não morrem antes.

Mais grave ainda, é que as pessoas completam os requisitos para a obtenção dessa

aposentadoria, mas sem perder a sua capacidade de trabalho, negando um dos mais

importantes princípios condicionantes da retirada do mercado de trabalho, que é a perda da

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capacidade laboral.

O segundo, como esse benefício, além de injusto, é o mais caro do sistema, utilizou-se

de uma fórmula aparentemente sofi sticada, que considera tempo e alíquota de contribuição,

a idade e até a sobrevida na data da aposentadoria.

Na prática, o Fator Previdenciário funciona apenas como um violento redutor do valor

do benefício, notadamente para as mulheres, por terem idade mais reduzida na data de

concessão desse benefício.

A Aposentadoria por Tempo de Contribuição é a razão maior da concessão de

aposentadorias precoces, logo, quanto mais jovem, maior o desconto.

Em face disso, a idéia é retardar a concessão dessa aposentadoria, o que fi ca claro

quando se observa a tabela resultante da aplicação da fórmula, que só anula o efeito do

desconto causado pelo Fator Previdenciário quando o segurado possuir, além dos 35 anos

de contribuição, no caso do homem, idade superior a 60 anos.

A partir dessa condição, aumentando a idade e/ou o tempo de contribuição o Fator passa

a aumentar o valor do benefício, limitado ao teto, o que funciona como mais uma enganação,

pois essa aposentadoria é quase sempre concedida a quem contribui pelo teto, de nada

adiantando prosseguir contribuindo.

Emendas Constitucionais 41/2003 e 47/2005.

A Emenda 41, alterou algumas regras para a concessão de aposentadoria para o servidor

público.

Entre elas, a adoção da média das remunerações obtidas nas atividades privada e

pública, para o cálculo da aposentadoria, bem como o reajuste para preservar, em caráter

permanente, o valor real do benefício, embora aplicáveis somente aos que entrarem no

serviço público a partir de janeiro de 2004. Os efeitos dessas medidas só começarão a ser

sentidos, portanto, a partir de 2034/2039.

Houve também o restabelecimento da contribuição de inativos e pensionistas do setor

público, aprovada na EC 20/98 e derrubada pelo Supremo Tribunal Federal.

Fora essas mudanças, praticamente tudo o mais foram regras de transição em profusão,

para atender às mais diversas situações, com superposição de normas, gerando enorme

confusão.

Houve claro retrocesso até em relação à Previdência Complementar (bem defi nida na

Emenda 20/98), ao estabelecer gestão de natureza pública, o que inviabiliza a administração

desses fundos. Adicionalmente, só permite plano de contribuição defi nida, impedindo a

possibilidade de oferecimento de benefícios considerados não programáveis, bem como

autorizando apenas a instituição de fundos fechados.

Merece registro, pela novidade que representa, a inserção, na EC 41, de sistema especial

de inclusão previdenciária para trabalhadores de baixa renda, com garantia de benefício de

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um salário mínimo, exceto a aposentadoria por tempo de contribuição.

Dispositivo desnecessário, porque um dos princípios que regem a Previdência Social é

o da eqüidade contributiva, segundo o qual o segurado deve contribuir de acordo com suas

possibilidades. O melhor exemplo da aplicação desse princípio está na inclusão dos rurais

na Previdência, especialmente os chamados segurados especiais.

Já a Emenda 47, que decorreu de acordo para a aprovação da Emenda 41, em nada

avançou, mas aumentou o grau de complexidade das regras de transição, tornando tudo

mais confuso ainda.

Ampliou o sistema especial de inclusão previdenciária, previsto na EC 41, acrescentando

as donas de casa, sem renda própria, além de assegurar alíquotas e carências inferiores às

vigentes para os demais segurados do Regime Geral.

Como incluir pessoas na Previdência, mesmo desenvolvendo importante atividade para a

família, mas não necessariamente ligadas à atividade produtiva e ainda assim sem qualquer

rendimento e, portanto, sem possibilidade contributiva?

Como identifi car essas pessoas para evitar que outras se aproveitem dessa situação e

se apropriem dessa possibilidade de proteção?

Seria dever da Previdência ou da Assistência propiciar essa cobertura?

Outra questão é saber-se da prioridade dessa preocupação, especialmente no nível

constitucional, em face do que já se comentou, especialmente considerando o enorme

contingente de trabalhadores ocupados efetivamente em atividades produtivas, submetendo-

se a riscos sociais relevantes, e sem qualquer proteção previdenciária.

Separação das Contas.

Não implementado o Orçamento da Seguridade Social, separadamente, começaram a

surgir ‘alternativas’ para resolver o problema do ‘défi cit’ da Previdência.

Assim, em vez de se lutar para a implantação do meio fundamental que viabilizaria a

efetividade da Seguridade Social, o seu Orçamento, passou-se a tentar outras formas de

solução desse problema.

Basicamente, duas opções vêm sendo apresentadas.

Uma, é a busca por novas fontes, além da Folha de Salários, para complementar o

fi nanciamento para a Previdência.

Parece que todos se esquecem que a Previdência deixou de ter recursos próprios desde

a Constituição de 88, com o advento da Seguridade Social.

É preciso fi car claro que a diversifi cação das fontes de fi nanciamento foi exatamente

para ampliar as ações nas áreas de Previdência, Assistência e Saúde.

As mudanças na Previdência implicariam, necessária e previsivelmente, aumento de

custos, bem como nas outras áreas, que seriam cobertos pelas novas fontes que integrariam

o Orçamento da Seguridade.

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Como, agora, após a implementação desses avanços, além da necessidade de avançar

ainda mais, pretende-se retornar à situação anterior à Constituição?

Contraditoriamente, vêm sendo mantidos intactos os mesmos dispositivos constitucionais

preexistentes, como o conceito de Seguridade e a exigência de elaboração de orçamento

autônomo.

Cada governo vem desvirtuando a aplicação dos dispositivos constitucionais ligados

à Seguridade, sem, contudo, em nada alterar o desenho original que foi consignado na

Constituição, certamente para não deixar a marca de retrocesso tão vergonhoso, como o de

negar proteção mínima à população mais carente.

A outra opção que vem sendo apresentada e já em processo de implementação, é

separação das contas.

O argumento básico é o de que as contas da Previdência foram contaminadas com

despesas tipicamente assistenciais, como a inserção dos rurais (sic), entre outras.

Nessa linha de raciocínio, ter-se-á que retornar a 1971, quando se iniciou a cobertura

rural, ou mais ainda, em 1960, na primeira lei orgânica, para excluir os autônomos e outros

seguimentos que não contribuíram de forma integral para a sua aposentadoria. É o cúmulo

da mediocridade.

Confunde-se transparência, cujo melhor lugar para ser praticada é na peça orçamentária,

com miopia grave em não se querer perceber que essa separação de contas, típica

contabilidade de botequim, traz em seu bojo enorme retrocesso.

A conseqüência natural de manter vinculada à Folha de Salários apenas os benefícios

urbanos, como se não existissem assalariados rurais, é retroceder exatos 20 anos,

desprezando todo o esforço com a concepção de Seguridade, que não permite a estratifi cação

de segmentos sociais por condição de renda ou grau de formalização, o que estigmatizaria

o exercício de cidadania.

Na visão do atual governo, para sanar o inexistente ‘défi cit’ da Previdência, vale qualquer

solução, mesmo que desconectada de qualquer princípio, especialmente os que buscam a

dignidade humana, como propugnado pela Seguridade Social.

Transferir para o Orçamento Fiscal os segurados de baixa renda é condená-los a tratamento

incompatível com sua condição de trabalhadores, porque passarão a ser considerados como

benefi ciários de uma subpolítica previdenciária, já que a própria Assistência Social tem outro

escopo de proteção.

Não há dúvida de que, com o agravamento da crise fi scal, os primeiros a serem atingidos

serão os dependentes de recursos vinculados ao Orçamento Fiscal.

Para os benefícios já concedidos, dada a impossibilidade constitucional de cancelá-los,

retornar-se-á à velha prática de achatamento sistemático, via reajustamento, para reduzir

despesas.

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Para os que aguardam atendimento, surgirão regras mais exigentes que difi cultem ou

impeçam o acesso ao legítimo benefício.

Isso era o que acontecia até o advento da nova Constituição, com o conceito de

Seguridade Social. Foi até reiterado, em 94, com praticamente a proibição de acesso dos

rurais à Previdência, por meio da OS/INSS n. 447, situação revertida, porém mediante longo

e penoso processo de negociação que só resultou vitoriosa em face dos novos princípios

constitucionais.

Sobre essa separação de contas da Previdência, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega

afi rmou na imprensa, ‘mero arranjo burocrático’. Na realidade, muito mais que isso, conforme

já demonstrado.

Proposta de Emenda à Constituição PEC n. 233/2008.

A PEC n. 233, simplifi ca a administração tributária federal e extingue as seguintes fontes

de fi nanciamento da Seguridade Social: COFINS – Contribuição para o Financiamento

da Seguridade Social, a CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líqüido e desonera,

gradativamente, a Folha de Salários em 30%.

Em substituição aos recursos das fontes extintas, destinam-se 38,5% (ou 39%) de novo

Imposto, o IVA-F, para a Seguridade Social.

Não explicita a compensação pela desoneração gradativa da Folha de Salários.

Como nas vezes anteriores, não são alterados os dispositivos constitucionais relativos à

concepção de Seguridade, inclusive a elaboração de seu Orçamento, separadamente.

Fica claro, sem qualquer sombra de dúvida, o completo aniquilamento da essência

garantidora do que deveria ser o fi nanciamento da Seguridade Social: a diversifi cação de suas

receitas, via contribuições sociais e a elaboração de seu orçamento, de forma autônoma.

Até agora a discussão era em torno da não elaboração do Orçamento da Seguridade,

separadamente. Com a aprovação dessa PEC, esse debate perde sentido, porque,

defi nitivamente, não há mais chance de sua implementação, dada a concentração de

recursos em apenas impostos.

A Folha de Salários, única contribuição remanescente, mas que terá dimensão bem

menor, dada a desoneração gradativa de 30%, continuará a fi nanciar os benefícios da

Previdência urbana.

A questão imediata tem a ver com toda a maquiagem que vem sendo engendrada pelo

governo, com seu ‘mero arranjo burocrático’, nas palavras do Ministro da Fazenda, que

também cai por terra, com a redução gradativa pretendida.

Resta apenas o registro para a história de que o atual governo será lembrado, como o

que sepultou a concepção de Seguridade, ao jogar-lhe a par de cal, por meio da PEC n.

233, a despeito de importantes e ao mesmo tempo preocupantes avanços sociais, via Bolsa

Família.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

O mais lastimável é que, quando na oposição, o hoje partido do governo era o maior

defensor da Seguridade Social, pressionando, diuturnamente, os governantes da época para

que cumprissem a Constituição, especialmente na área de proteção social. Assumindo o

governo, passou à condição de algoz da Seguridade, perdendo a dignidade conquistada com

muita luta e levando junto a possibilidade de assegurar dignidade a milhões de pessoas.

Considerações Finais, Enfrentando os Novos Desafi os

A introdução do conceito de Seguridade Social, a despeito de várias distorções, de saques

e desvios de seus recursos e da não implementação autônoma de seu orçamento, representou

enorme avanço à proteção social brasileira, com a adoção de políticas públicas lastreadas no

direito.

Ademais, também representou importante mudança de paradigma: recursos públicos

ampliados passaram, também sistematicamente, a ser direcionados para a área social, além de

sua tradicional destinação para a acumulação de capital.

Como conclusão e na esperança de que se retome o caminho trilhado em 88, recomendo:

No Regime Geral, a urgente necessidade de adequação, a partir do texto constitucional,

da aposentadoria por tempo de contribuição a princípios básicos recomendados pela doutrina

previdenciária, transitando-a para a aposentadoria por idade, sem o que o Brasil continuará

campeão na concessão de aposentadorias precoces.

Nesse sentido, sugiro aproveitar, nessa transição da aposentadoria por tempo de contribuição

para a aposentadoria por idade, a inadequada proposta de simples extinção do fator previdenciário,

sob exame no Congresso Nacional.

Como, em média, as pessoas estão se aposentando por tempo de contribuição aos 53 anos de

idade, sugiro acrescentar um ano de idade durante doze anos, até transformar-se na aposentadoria

por idade, que é o benefício efetivamente adequado para atender ao risco social idade avançada.

Em sentido decrescente, utilizar-se-ia o fator previdenciário, para, gradativamente, também ao

longo de doze anos, ele auto-extinguir-se.

Ainda no Regime Geral, deve-se reconceituar pensão como razão de dependência e prosseguir

na luta pela unifi cação de regimes ou de regras entre os vários regimes existentes.

No setor público, Regimes Próprios, é imperiosa a necessidade de ajustes para reparar

as confusões resultantes das ECs n. 41 e n. 47, especialmente em relação ao cálculo das

aposentadorias, reajuste e teto.

Quanto à implementação do Orçamento da Seguridade Social, nada há a alterar na Constituição.

Depende apenas de decisão de governo comprometido com a proteção social, pois os artigos.

165, 5º e 195, 2º da Carta Magna já estão excessivamente detalhados para esse fi m.

Os artigos 24 e 68 da Lei de Responsabilidade Fiscal precisam ser extirpados, porque,

estranhamente, atropelam claras decisões constitucionais, que inviabilizam a implementação da

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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Seguridade Social.

O primeiro, pelo aumento indevido de seus gastos, ao incluir despesas de benefícios do Regime

Próprio da União e da própria folha de ativos de servidores e militares, nas contas da Seguridade,

mesmo sem a ela pertencerem.

O segundo, porque, a pretexto de criar, desnecessariamente, um Fundo para o Regime

Geral de Previdência, na prática, especializa o fi nanciamento da Seguridade, desrespeitando os

dispositivos constitucionais de elaboração de seu orçamento exclusivo, conforme o determinam os

seus artigos 165, 5º, e 195.

Mais inaceitável ainda, porque surreal, é que esse fundo é composto pela Folha de Salários

e por transferências da união, entre outras, e, no caso de necessidade de aporte de recursos ao

Regime Geral, as fontes seriam as demais receitas da própria Seguridade.

A proposta de reforma tributária, contida na PEC n. 233, não deve prosperar, porque, além de

não avançar na busca de objetivos de justiça fi scal, ao continuar a tributação em bens de consumo,

liquida, defi nitivamente, a possibilidade de adequado fi nanciamento da Seguridade Social e o seu

correspondente orçamento.

As características socioeconômicas brasileiras ainda são de extrema desigualdade, com

educação sofrível e com relações de trabalho e de produção com fortes traços escravocratas.

Diante disso e após mais de 23 anos de intensa participação na Previdência Social e, portanto,

na Seguridade, reitero, sem qualquer sombra de dúvida, que o Regime Geral de Previdência só tem

condições de cumprir sua indispensável função protetiva como política integrante da Seguridade

Social.

Exigir-se que o trabalhador de rendimento abaixo do mínimo, contínuo ou não, fi nancie

integralmente o seu benefício é o mesmo que não desejar a sua proteção.

Mesmo porque esse cidadão, estando ocupado, corre riscos que precisam ser cobertos,

não devendo o seu baixo nível de renda e/ou o seu grau de formalização ser impeditivos para a

desatenção por parte da Previdência Social, porque integrante a Seguridade Social.

Cabe a essa política-mãe, implementada nos moldes estabelecidos na Constituição, a

responsabilidade de integrar as ações políticas que envolvem toda a proteção social e suas relações

com as atividades econômicas, viabilizando os recursos necessários à garantia da dignidade da

pessoa humana.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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87.048

57.027

24.978

12.939

181.993

33.914

110.980

2.220

147.114

34.879

212.553

1999

93.600

64.904

24.185

14.700

197.390

34.053

117.371

7.462

158.886

38.503

251.056

2000

96.108

70.252

26.387

13.792

206.539

36.348

123.281

8.148

167.777

38.761

289.818

2001

97.057

69.730

27.684

17.026

211.497

34.755

126.982

8.900

170.637

40.860

330.678

2002

97.835

70.022

27.861

19.632

215.350

32.929

136.265

10.200

179.393

35.957

366.635

2003

107.411

88.881

30.229

22.423

248.944

37.770

156.029

15.880

209.679

39.265

405.900

2004

117.701

97.258

31.609

26.323

272.891

39.601

167.463

17.157

224.222

48.670

454.570

2005

130.694

97.846

32.090

33.954

294.583

42.044

189.060

22.803

253.907

40.676

495.246

2006

140.412

101.835

36.382

33.639

312.268

45.797

193.550

24.649

263.997

48.271

543.517

2007

Folha de salário

COFINS

IPMF/CPMF

CSLL

TOTAL DAS RECEITAS

Saúde

Previdência Social(2)

Assistência Social

TOTAL DA DESPESAS

SALDO DA SEGURIDADE

SALDO ACUMULADO

RECEITA

DESPESA

9.488

2.974

-

1.014

13.476

4.260

26

295

4.581

8.895

8.895

1989

13.279

12.193

-

4.743

30.214

3.770

41

787

4.599

25.616

34.510

1990

10.743

9.701

-

3.773

24.216

11.508

37

513

12.058

12.158

46.668

1991

9.339

5.851

-

3.345

18.535

11.010

31

462

11.504

7.031

53.700

1992

10.247

7.444

484

4.285

22.461

13.526

30

575

14.131

8.329

62.029

1993

46.432

12.613

10.212

4.928

74.185

21.047

51.059

1.040

73.146

1.038

63.068

1994

71.502

34.442

367

13.238

119.549

33.421

80.474

1.677

115.572

3.977

67.044

1995

83.023

36.610

-

13.500

133.133

30.119

93.447

1.845

125.412

7.721

74.765

1996(1)

113.901

37.581

13.582

15.133

180.197

35.338

96.599

1.940

133.877

46.320

121.085

1997

114.133

47.582

20.606

19.555

201.876

31.796

111.299

2.192

145.286

56.589

177.674

1998

Fonte: Fonte: STN, SRFB, MPOG, MPS1. Não houve arrecadação IPMF/CPMF2. Exceto Previdência do Regime Estatutário, extraido fluxo de caixa MPSNotas:* Resultado disposto pelas principais rubricas** Nas Receitas não incluem: correção FGTS, Concurso prognostico e receitas próprias dos órgão da Seguridade Social;

Resultado da Seguridade Social - 1989 a 2007

TABELA 1

(R$ milhões corrigidos pelo INPC/IBGE de dezembro 2007)

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

2. O legado da Constituição de 88:

é possível incluir sem universalizar ?1

Lena Lavinas*

André Cavalcanti**

Resumo2: Este artigo tem por fi nalidade demonstrar os elevados níveis de exclusão

que perduram na sociedade brasileira, apesar dos avanços da política previdenciária e das

políticas compensatórias de transferência de renda. O défi cit de inclusão de que sofremos

é conseqüência da ausência de instrumentos universais no âmbito da Seguridade, voltados

para a equalização das condições de acesso e padrão de vida da população como um

todo. O modelo contributivo continua a dominar o debate sobre a Seguridade, restringindo

o escopo, efi cácia e efetividade do perfi l redistributivo do nosso sistema de proteção

social. Neste artigo, vamos inicialmente demonstrar os défi cits de proteção que perduram

na conjuntura presente, por termos uma política social que age ex-post e não ex-ante no

combate à pobreza e à vulnerabilidade, situando os termos do debate atual seletividade

versus universalismo; em seguida, vamos resgatar a inovação institucional introduzida por

Beveridge ao demonstrar a que inclusão e universalismo são elementos indissociáveis para

atuar na prevenção e na redução do risco, escopo esse ainda ausente do nosso sistema

de proteção. Vamos ainda descrever como evoluiu o gasto público no período recente para

questionar a afi rmação lugar-comum de que garantir renda mínima por insufi ciência de renda

é um desincentivo à contribuição, estimando como se dá a contribuição indireta dos mais

pobres ao orçamento da Seguridade Social. Finalmente, faremos algumas sugestões de

como estender a cobertura da proteção social aos grupos mais fragilizados e vulneráveis da

sociedade (versão de dezembro de 2007).

1. O debate sobre exclusão: o falso embate entre clientelas

(1) Agradecemos a Igor Briguiet, estudante de Economia do IE-UFRJ, a programação e os dados relativos à PNAD e a Roberto

Loureiro Filho, economista pelo IE-UFRJ, um conjunto de tabelas sobre evolução do gasto social.

(2) As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade de seus autores e não refl etem, necessariamente, o ponto de

vista das instituições citadas.

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Desde a criação do Sistema de Seguridade Social no Brasil, em 1988, e à medida

que, ao longo da década de 90, regulamentou-se um conjunto importante de benefícios

previdenciários e assistenciais, de impacto redistributivo evidente e signifi cativo, o debate

acerca da adequação dos benefícios sem base contributiva integral (previdência rural) ou

não-contributivos (BPC) continua fortemente polarizado. Essa é uma das vertentes que toma

a disputa em torno ao grau e padrão de redistribuição que almejamos como sociedade.

A inovação institucional do nosso sistema de proteção social foi precisamente: 1)

introduzir uma dimensão mais universalista, de infl uência beveridgiana, para além do

modelo bismarkiano que prevalece para concessão de aposentadorias, pensões e outros

direitos previdenciários. Nesse sentido, é reconhecido o direito a uma renda monetária,

independentemente de contribuição prévia. Justifi ca-se pela “necessidade”3; e 2) garantir

isonomia, igualando o valor do piso dos benefícios previdenciários e assistencial.

Dois argumentos fomentam a crítica dos que se opõem ao perfi l do atual modelo de

seguridade social brasileiro, que mescla direitos não-contributivos e, outros, contributivos.

Por um lado, condena-se o direito a benefícios previdenciários por parte de indivíduos que

não contribuíram regularmente ou em base sufi ciente (caso dos trabalhadores rurais), o

que poderia gerar, no médio e longo prazo, desincentivos à contribuição (Sabóia, 2007),

instituindo outros critérios (ditos “oportunistas”) de acesso ao benefício, no caso, ser e manter-

se pobre (caso dos benefícios assistenciais). De outro, condena-se, também, a vinculação

do piso previdenciário e assistencial ao salário mínimo, tal como reza a Constituição, por

comprometer o equilíbrio das contas públicas – leia-se o orçamento da Seguridade Social,

sabidamente superavitário4 -, o que acabaria por premiar comportamentos oportunistas e

restringir a recuperação do poder de compra do salário mínimo.

Dentre as propostas para sanear os “desvios” acima identifi cados, e que recheiam

justifi cativas para uma nova rodada de reformas do Sistema de Seguridade Social, sugere-

se o fi m da aposentadoria rural, nos moldes presentes (Giambiagi, 2007), e a desvinculação

do BPC5 e dos benefícios previdenciários rurais ao salário mínimo (Paes de Barros, 2007),

atribuindo-se-lhe um outro valor bem menor, em patamar próximo à subsistência, ou mesmo

suprimindo-o. Os recursos assim disponibilizados permitiriam elevar o valor médio do Bolsa-

(3) A LOAS, Lei Orgânica da Assistência Social, promulgada em 1993, reconhece em seu artigo 1º que devem ser providos

“mínimos sociais, (...), por meio de um conjunto integrado de iniciativas pública e privada, para garantir o atendimento das

necessidades básicas”.

(4) Vamos dispensar esclarecimentos acerca do “falso” défi cit da Seguridade Social, por ser hoje reconhecido, inclusive pelo

TCU, ser o orçamento da Seguridade Social superavitário. A este respeito ler ANFIP (2007), Gentil (2007), Lavinas (2007b), e

outros autores.

(5) Além do BPC, devem ser alcançados por essa reforma as aposentadorias rurais.

(*) Lena Lavinas é Professora Associada do Instituto de Economia da UFRJ e atualmente Secretária Municipal de Monitora-

mento e Gestão na Prefeitura da Cidade de Nova Iguaçu.

(**) André Cavalcanti é doutorando do IE/UFRJ e analista da Coordenação de Contas Nacionais do IBGE.

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Família, destinado a famílias indigentes e com crianças. Neste caso, o argumento a endossar

tal mudança do quadro institucional dos direitos previdenciários e assistenciais residiria no fato

de os idosos, a despeito de não terem contribuído para a previdência, usufruírem de cobertura

previdenciária ou assistencial ampla, enquanto crianças continuariam desprotegidas, o que

estaria alimentando a pobreza intergeracional. O argumento defende a troca de público-

alvo contemplado pelos benefícios assistenciais, alegando “desperdício”6 e falta de recursos

orçamentários para gastar.

É fato incontestável que o Brasil não instituiu ainda, no âmbito do seu sistema de proteção

social, um benefício familiar de apoio à infância/adolescência, de caráter universal, tal como

existe em muitas democracias européias, destinado a compensar gastos privados com

a educação das crianças e reduzir o grau de vulnerabilidade familiar7, prevenindo contra a

pobreza. Nos países da EU-25, esse tipo de benefício representa 2,1% do PIB8 (Eurostat,

2007) e 8% do gasto vinculado à Seguridade Social9. A tabela 1 dá uma idéia da importância

dessa função no âmbito dos sistemas de proteção social de alguns países da EU-25. Trata-

se da rubrica cujo crescimento foi mais acentuado entre 2004-2005 para os 14 países que já

informaram seu gasto com a Seguridade (1,5% a.a. na média)10. O gasto da proteção social com

programas de combate à exclusão e pobreza constituem-se quase sempre em complemento

de renda às transferências fi scais às famílias cujo impacto revela-se insufi ciente na redução

efetiva da pobreza. Na comparação com as políticas de apoio às famílias e às crianças (até

19 anos), verifi ca-se, segundo a tabela 1, que esses programas representam proporção bem

menor do PIB e do gasto da Seguridade Social, respectivamente 0,4% e 1,5%. Esses números

refl etem dois padrões de proteção distintos: países onde a cobertura às famílias com crianças

é universal (BE, DK, FI, NL, FR, DE, IE) e outros, em proporção menor (ES, IT), onde parte

das transferências às famílias se faz através de programas focalizados. Mas esse padrão vem

perdendo espaço em prol do universal, no âmbito das políticas de convergência para redução

(6) No caso, dois idosos nas áreas rurais estariam recebendo dois salários mínimos, sem jamais terem contribuído, o que os

tornaria parte do universo dos “ricos” brasileiros.

(7) Na prática, apenas com as famílias tributadas pelo Imposto de Renda podem ser compensadas de alguma forma, graças à

dedução fi scal prevista por fi lho em idade escolar. No outro extremo, famílias extremamente pobres podem habilitar-se ao re-

cebimento do Bolsa-Família, enquanto perdurar tal situação de destituição aguda e receber, assim, um benefício para comple-

mentar as despesas com crianças. Esse benefício, inclusive, é pago por criança, até um máximo de três por família.

(8) Dados para 2004, consolidados.

(9) O gasto da proteção social inclui também aposentadorias e pensões, benefícios por invalidez, moradia, desemprego, as-

sistência ou exclusão e saúde. O gasto com programas assistenciais ou de combate à exclusão, não-universais, mas sim

focalizados, soma 1,4% do gasto com transferências monetárias na proteção social. A rubrica “família e crianças” que engloba

benefícios universais é a terceira em ordem de grandeza, equivalente às despesas com benefícios por invalidez. É superada

pelas despesas com aposentadorias e pensões (45,9% das transferências sociais ou 12% do PIB) e pelas despesas com

saúde (28% das transferências ou 7,4% do PIB). Dados relativos á EU-25, 2004.

(10) Ver a este respeito Eurostat, Statistique en Bref, 99/2007. Observe-se que o gasto nessa função cresce, apesar da queda

da fecundidade, em razão de ter havido valorização real, na maior parte dos países da EU-25, dos benefícios de apoio às

famílias.

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de hiatos interpaíses adotadas pela EU.

No Brasil, mínimos sociais são assegurados apenas a pessoas vivendo na indigência11/

pobreza e/ou incapacitadas para o trabalho, sejam elas portadoras de defi ciência ou idosos.

A idéia de que é obrigação do Estado reduzir o risco da pobreza e, portanto, estabelecer

políticas que possam atuar ex-ante para dirimir vulnerabilidades e seus efeitos nefastos na

perda de bem-estar, não integra a institucionalidade do sistema de proteção social brasileiro.

As políticas (LOAS) ou programas (Bolsa-Família) que transferem renda monetária são

instrumentos ex-post de alívio da pobreza, sujeitos à comprovação de insufi ciência de renda,

e não se destinam propriamente à sustentação das famílias, atenuando e notadamente

prevenindo contra eventuais riscos. Somente os comprovadamente pobres podem habilitar-

se. Essas transferências não se constituem, portanto, em direito, ainda que na prática a

concessão do BPC tome quase sempre caráter permanente. Contudo, a prevenção, que

poderia contrarrestar a pobreza intergeracional, e reduzir signifi cativamente o grau de

destituição da famílias mais pobres e de seus membros, fi cou de fora do marco regulatório

(11) Renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.

Participação Relativa do Gasto com Beneficios paraFamílias e Crianças*

BélgicaDinamarcaAlemanhaEspanhaFrançaItáliaHolandaPortugalFinlândiaSuéciaIrlandaUK

Média EU-25

Países % PIB % Gasto com SS

2,03,93,00,72,51,11,31,23,03,02,51,7

2,1

7,113,010,53,58,54,44,85,3

11,59,6

15,56,5

8,0

% PIB % Gasto com SS

0,51,00,50,20,50,01,30,30,60,70,40,2

0,4

1,73,41,70,91,60,24,91,52,12,22,40,9

1,5

Participação Relativa do Gasto com Programas de Combate à Exclusão**

Fonte: EUROSTAT (não imputadas aqui as deduções fiscais no IR)*2004**2003

TABELA 1

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da Seguridade, e, por isso mesmo, a universalidade do sistema só alcançou a saúde12. Do

ponto de vista da garantia de uma renda mínima e de uma atuação preventiva para anular

riscos e reduzir sua incidência nos grupos vulneráveis, o sistema de proteção brasileiro

continua inacabado, razão pela qual convivemos com níveis elevados de exclusão.

Esses programas de transferência de renda integram o orçamento da função “assistência”,

que conheceu no período pós-2000 um crescimento bastante expressivo – 167,5%, contra

25% do gasto anual com previdência e 8,1%, com saúde, conforme tabela 2. O valor per

capita do gasto com assistência sobe, assim, de R$ 42 em 2000 para R$ 12013 em 2006,

progressão essa que ganha força a partir de 2004. Se tomarmos como denominador apenas

os pobres, o per capita passaria de R$ 150 anuais em 2001 para R$ 564,00 em 2006. Isso

aconteceria em teoria, caso o público-alvo fosse integralmente atendido, sem que houvesse

evasão ou erro de focalização, o que não ocorre na prática.

Com isso, os programas focalizados de combate à pobreza dobraram, em seis anos, sua

participação no PIB (de 0,45% para 0,96%) e no orçamento da Seguridade Social (de 4,58%

para 9,39%), conforme tabela 3. O Brasil detém hoje os maiores percentuais de PIB com

gasto assistencial na América Latina, segundo estudo feito pela CEPAL14.

(12) As razões para a universalização da saúde com bem público são conhecidas: assimetrias de informação podem compro-

meter a saúde e a autonomia dos indivíduos, notadamente os mais velhos e os menos instruídos, elevando o gasto público;

um serviço de saúde dualizado (duplo padrão) favorece os afl uentes e aumenta externalidades negativas; barreiras discrimi-

natórias estigmatizam e excluem; seguros privados não atendem a todos ou a todas as necessidades, pois implicariam custos

proibitivos, anulando a possibilidade de haver seguro, etc...

(13) Valores constantes de setembro de 2007.

(14) CEPAL, 2006, Estudo inédito de Villatoro. México e Chile vêem em segundo lugar no que tange o gasto com programas

de renda focalizados e seu gasto chega a 0,3% do PIB.

Evolução dos Gastos Sociais Federais por Função (2000-2007)

Assistência SocialPrevidência SocialSaúde

Função 2000 2001

8.392.208.323176.489.520.46038.299.508.053

9.070.573.148184.114.610.526

40.460.910.529

2002 2003 2004 2005 2006 2006/2000

9.823.464.609185.843.769.13438.361.812.431

10.338.295.396178.698.523.669

33.376.759.293

15.566.143.737185.839.205.208

37.022.993.534

16.748.240.289199.741.760.94438.657.923.062

22.447.346.221221.326.793.980

41.388.658.685

167,525,41

8,1

TABELA 2

Fonte: SIAFI - STN/CCONT/GEINC e IPEA (PIB)

Gasto com Assistência

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

ANO % do PIB

0,45 %

0,45 %

0,48 %

0,50 %

0,71 %

0,74 %

0,96 %

% do OSS

4,58 %

4,72 %

5,07 %

5,49 %

7,60 %

5,63 %

9,39 %

TABELA 3

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Diante da inexistência de uma política de proteção à família e às crianças, de

modo a reverter riscos decorrentes de situação de vulnerabilidade, não chega a ser

surpresa constatar que a desproteção no Brasil é mais alta entre crianças e adultos

em idade de trabalhar (seus pais) do que entre idosos. A tabela 4 indica a proporção

de crianças e adolescentes entre os pobres, e sua evolução recente, tomando como

linha de pobreza a adotada pelo Programa Bolsa-Família. Escapam à condição de

pobres entre 2001 e 2006 8,2 milhões de crianças e jovens com menos de 16 anos.

Apesar dessa retração importante, estes ainda constituem 47% dos pobres em 2006.

Isto é, permanecem pobres quase 18 milhões de crianças e adolescentes (1/3 de todas

as nossas crianças). E isso, apesar de estarmos considerando nesta redistribuição a

integralidade dos rendimentos familiares, inclusive as transferências fiscais de cunho

assistencial. Assim, apesar de ter havido uma diminuição considerável do número de

pobres em apenas 5 anos – praticamente 21 milhões de pessoas saíram da pobreza

– a destituição continua afetando e comprometendo o desenvolvimento de 1/5 da

população brasileira (contra 1/3 em 2001 e ¼ em 2004), mormente a população em

idade ativa e seus dependentes.

Não por acaso, constatamos, pela tabela 4, que pessoas com mais de 65 anos somam

apenas 1% dos pobres, o que signifi ca dizer que o modelo de proteção social vigente garante

cobertura efi caz contra a pobreza para os seniors. Esse percentual já baixo (2,5% dos pobres

eram idosos em 2001) registra queda no período observado, apesar de o número de idosos

estar aumentando no país, em razão do incremento da longevidade.

A tabela 5 traz informações complementares relevantes, pois além do decréscimo em

termos absolutos do número de pobres, sua proporção também cai signifi cativamente:

passam a representar 21% da população em 2006, contra 36% em 2001.

Fonte: PNAD 2001, 2004, 2006*Renda familiar per capita abaixo de R$100,00 (nominal) para 2001 e 2004 e R$120,00 (nominal) para 2006**Após transferências fiscais do governo e contributivas

Pobres* antes e após transferências

TABELA 4

Faixa Etária 2001 2004 20062001 20062004

De zero a 15 anos 44,65% 47,21% 47,16%26.980.356 18.770.77720.577.259

De 16 a 64 anos 52,89% 51,56% 51,78%31.963.363 20.608.96322.473.619

Maiores de 65 anos 2,45% 1,23% 1,04%1.482.164 417.420535.935

100% 100% 100%Total** 60.425.883 39.797.16043.586.813

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Ao decompor os tipos de rendimentos que constituem a renda familiar da população

pobre, observamos, pela tabela 5, que o aumento dos rendimentos do trabalho e as novas

oportunidades de emprego entre 2001 e 2006 permitiram reduzir o número de pobres (antes

das transferências fi scais) em cerca de 12,7 milhões, fazendo com que o percentual que

alcançava praticamente 50% da população recuasse para 37%. Esse recuo de 12 pontos

percentuais foi fundamental para que as transferências diretas de renda via aposentadorias

e pensões e outras transferências fi scais (tipo Bolsa-Família) fossem igualmente efetivas em

reduzir ainda mais o estoque de pobres no período.

Contudo, dentre as rendas não-diretamente provenientes de trabalho, verifi ca-se que

o impacto das aposentadorias e pensões15 em dirimir a pobreza mostra-se muito superior

ao das demais transferências de cunho assistencial16 (assimiladas como “outras fontes”).

Enquanto estas contribuem para reduzir em mais 5 pontos percentuais o número de pobres

(queda de 26% para 21% em 2006), as aposentadorias e pensões provocam queda de 11

pontos percentuais, em 2006. Em termos líquidos saem da pobreza, em 2006, por força

das transferências de valor vinculado ao piso previdenciário 21 milhões de pessoas, contra

8,3 milhões benefi ciadas com programas de transferência de renda focalizados (benefícios

cujo valor é uma fração bem menor do salário mínimo). O saldo é positivo em 30 milhões. A

conjugação desses dois tipos de transferências reduz a pobreza em 42% em 2006, contra

26% em 2001 e 39% em 2004.

Portanto, desvincular as aposentadorias ou outros benefícios como o BPC do salário

mínimo provocará fatalmente aumento da pobreza em alguns milhões, agravando também

sua intensidade. Essa constatação não é nova17, mas deve ser recorrentemente lembrada.

Embora alvissareiros, esses dados encobrem uma realidade dramática: para além

(15) Aqui assimiladas aos benefícios contributivos ou não-contributivos no valor de um salário mínimo.

(16) Assimiladas sob a rubrica “outras fontes”.

(17) Outros autores já identifi caram que a contribuição da previdência rural, das aposentadorias em geral e do o BPC (Veras et

alii, 2006; Dias, 2005; Lavinas, 2006; etc....) à redução da desigualdade e da pobreza é muito superior ao de programas como

o Bolsa-Família.

Fonte: PNAD 2001, 2004, 2006*Renda familiar per capita abaixo de R$100,00 (nominal) para 2001 e 2004 e R$120,00 (nominal) para 2006

Pobres* antes e após transferências Percentual da População

2001

36%

2004 2006

24% 21%

38% 28% 26%

49% 39% 37%

Todas as fontes de renda (trabalho, aposentadorias e outras fontes)

2001

60.425.883

2004 2006

43.586.813 39.797.160

Apenas rendimentos do trabalho e de aposentadorias/pensões

64.579.965 50.555.999 48.176.997

Apenas rendimentos do trabalho 82.527.348 69.778.31371.789.618

TABELA 5

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do fato de ainda termos 40 milhões de famílias abaixo de uma linha de pobreza de valor

relativamente baixo para o exercício de uma vida digna, temos, segundo a PNAD 2006,

1,46 milhão de famílias que vivem com renda zero, o que signifi ca dizer que não percebem

rendimentos do trabalho, nem são alcançadas pela rede mínima de proteção social. São

3,5 milhões de pessoas excluídas da rede assistencial e expostas à pobreza extrema.

Praticamente 10 % da população pobre não foi alcançada por nenhum tipo de benefício

assistencial. Quem são essas famílias? Menos de 10% são constituídas por casais sem fi lhos

e 91% registram a presença de crianças e jovens. 51% delas são famílias monoparentais18

chefi adas por mulheres com crianças menores de 14 anos. Um total aproximado de 920

mil famílias (62%) com crianças menores de 14 anos, vivem sem renda monetária regular

e no mês de referência da PNAD 2006 registraram renda zero, apesar de os gestores do

Programa Bolsa-Família considerarem já ter realizado a meta de cobertura do programa.

Deste universo de 3,5 milhões de pessoas, somente 0,84% têm mais de 65 anos. A idade

média dos adultos dessas famílias, de tamanho padrão (3 membros em média) é de 30 anos.

Trata-se, portanto, de famílias jovens que incorrem em despesas elevadas, em decorrência

da presença de crianças, e dispõem de baixas dotações.

Se retirarmos o foco exclusivamente da pobreza, e o ampliarmos para situações

de risco e vulnerabilidade que podem ferir dotações e comprometer o desenvolvimento

sadio e produtivo da população, o quadro é, no agregado, igualmente preocupante.

Estimativas19 realizadas mais uma vez com base na PNAD (2005) indicam que

32,2% das crianças brasileiras de até 15 anos vivem em famílias sem nenhum tipo

de proteção previdenciária. Isso soma cerca de 18 milhões de menores. Nem todas

vivem na pobreza, mas o risco de cair na pobreza tem probabilidade elevada para

muitas dessas crianças. Grau de desproteção semelhante foi observado para adultos

na faixa 16-64 anos, pois 36% destes não se beneficiam de nenhuma cobertura, seja

ela direta (como contribuintes) ou indireta (como dependentes). Já no caso dos idosos,

a cobertura previdenciária direta e indireta é bem mais eficaz, pois menos de 10%

estariam desprotegidos. Isso explica porque a participação de idosos (65 anos e mais)

entre os pobres, em 2006, cai para 1% após as transferências fiscais, contra perto de

2% antes da imputação.

Isso signifi ca que nem pelo lado da regra contributiva, nem pelo lado da política assistencial

logramos garantir, de facto ou de jure (em caso de risco consumado), o acesso a uma renda

monetária regular, um mínimo de sobrevivência, que possa prevenir contra a miséria e níveis

alarmantes de exclusão social.

(18) Lavinas e Nicoll (2006b) assinalaram, com base nos dados da PNAD 2004, essa falha de focalização, que gera graves

inefi ciências horizontais e muito possivelmente, verticais (recebe quem não deveria).

(19) Ver a este respeito Lavinas, Matijascic e Nicoll (2006).

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Neste artigo, pretendemos esclarecer os vieses de um debate que escamoteia a questão

redistributiva ao insistir, equivocadamente, no mérito ou, no outro extremo, na necessidade

comprovada, como fonte de acesso a um mínimo social, o que acaba por descartar a universalização

do sistema de proteção social da agenda brasileira. Em um país onde a inclusão previdenciária

é meta de alcance remoto, tal a permanência dos nossos níveis elevados de informalidade

e precariedade do emprego, insiste-se na tecla do aumento da densidade contributiva – o que

deve ser, sem dúvida, objetivo perseguido com afi nco e efi cácia -, porém, omite-se a relevância

de outros mecanismos universais na promoção da eqüidade e do bem-estar. Ou seja, insiste-

se em reconhecer tão-somente o bem-estar ocupacional (Titmuss, 1964), aquele derivado da

condição de empregado contribuinte, status ocupacional esse que alcança os dependentes dos

contribuintes, mas deixa de fora grande parte da população, sobretudo em países como o Brasil

onde a heterogeneidade estrutural do mercado de trabalho discrimina os cidadãos. O bem-estar

fi scal mostra-se dissociado, no Brasil, do enfoque da proteção social, pois o sistema tributário e

sua efetividade em redistribuir bem-estar e eliminar a destituição extrema fi ca à margem do debate.

Essa dissociação fi cará ainda mais evidente quando se demonstrar de que forma a política social

vem sendo abordada no contexto da política macroeconômica brasileira no período recente.

Essa concepção compartimentada da proteção social é francamente hostil – se considerada

isoladamente20 - à redistribuição vertical, tendendo a favorecer a distribuição horizontal ao longo

do ciclo de vida21., dentro de um viés, além de tudo, regressivo. É, portanto, avessa ao avanço e à

generalização de mecanismos universais capazes de assegurar patamares de inclusão efi cazes,

elevados e constantes, equalizando padrões de acesso e de consumo de determinados bens e

serviços e combatendo com efi cácia a desigualdade.

Este artigo vai tratar desta contradição e para tanto encontra-se estruturado em cinco seções.

Na que se segue a esta primeira parte, recordamos os grandes aportes da visão beveridgiana

revolucionária da proteção social e por que universalizar acessos e direitos tornou-se a peça-

mestre do sistema de inclusão e promoção da cidadania vigente nas democracias européias. Nesta

seção, vamos apontar a relevância da prevenção contra o risco e a incerteza no pensamento de

Beveridge e sua concepção original. A terceira seção mostra elementos deste pensamento que

geraram frutos na Constituição de 88 e como vem se comportando ao longo dos últimos anos.

O último capítulo busca novos elementos para ampliar a cobertura do que já foi proposto pela

Constituição e ir além dela.

(20) Titmuss (1964) classifi cou três tipos de fontes de bem-estar social: o bem-estar ocupacional, o bem-estar fi scal (isenções,

deduções no imposto de renda que permitam elevar a renda disponível de indivíduos e famílias em função de algumas de

suas características) e a política social propriamente dita, que se expressa através dos serviços públicos e das transferências

diretas de renda.

(21) Vale registrar que estudos realizados na Inglaterra por Glennester (2003) reconheceram que ¾ da receita previdenciária

acaba sendo apropriada pelos contribuintes ao longo do seu ciclo de vida, ¼ apenas servindo a redistribuição vertical. Ou seja,

a proteção previdenciária é sobretudo uma questão de redistribuição horizontal, transferindo renda da fase ativa para a inativa

e das fases de altos ganhos para a de ganhos menores ou despesas familiares elevadas.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

2. Beveridge, inovação institucional pela integração da política social e

econômica

Há 65 anos atrás, no fi m do ano de 1942, em meio ao cenário de devastação provocado

pela Segunda Guerra e de mobilização para a reconstrução, dava-se publicidade extensiva

a um dos documentos que teria maior impacto na estruturação e conformação dos sistemas

de proteção social dos países da Europa e que, posteriormente, iria infl uenciar de forma

defi nitiva a construção destes sistemas em outros continentes. O documento “Social

Insurance and Allied Services” ou Relatório Beveridge, que incluiria uma proposta de Plano

de Seguridade Social (Beveridge Plan), como viria a ser conhecido posteriormente, traduzia

uma visão sobre o sistema de proteção social integrada e universal, centrada no conceito

de necessidade (Want). A libertação da necessidade era o objetivo central do esquema de

proteção proposto no relatório, associado a outros quatro obstáculos gigantes no “caminho

da reconstrução”: a doença, a ignorância, a miséria e a desocupação.

Em meados de 1941, o governo britânico encarregou o “liberal” William Beveridge de

chefi ar um comitê que tinha como objetivo diagnosticar possíveis anomalias do sistema

de seguridade social construído de forma assistemática nos cinqüenta anos anteriores.

O Committee on Social Insurance and Allied Services seria formado por componentes de

diversos órgãos, inclusive do gabinete de guerra (War Cabinet Offi ce), mas manteria um perfi l

essencialmente técnico. Entre as principais atribuições do comitê estariam o diagnóstico da

situação social das famílias frente à proteção oferecida pelo sistema de proteção vigente e a

identifi cação de sobreposições entre os diferentes tipos de benefícios e atores responsáveis

pela sua administração. Como o próprio relatório indicou, havia um conjunto esparso e

desarticulado de políticas e benefícios que deixava a desejar no atendimento às famílias em

suas necessidades específi cas. Da mesma forma, o fi nanciamento das políticas, embora já

demonstrasse diversifi cação de fontes, carecia de um arranjo integrado e coerente.

Fonte: Harris, 1997.

Órgão Responsável pela Administração

Home Office

Benefício

Indenização aos trabalhadores

Seguro Desemprego

Seguro Saúde

Aposentadorias não contributivas

Aposentadorias contributivas

Aposentadorias Suplementares

Ministry of Labour

Ministry of Health e Department of Health of Scotland

Customs and Excise;

Ministry of Health;

Unemployment Assistance Board

Financiamento

Pagas pelos empregadores

Contribuição tripartite

Contribuição tripartite

Contribuinte

Contribuição tripartite

Contribuinte Individual

QUADRO 1

Tipos de Benefícios, Órgãos Responsáveis e Forma de Financiamento na Grã-Bretanha antes do Relatório Beveridge

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

A reorganização administrativa, com a criação de um Ministério da Seguridade Social

que unifi casse a administração dos benefícios para racionalizar a sua gestão, embora

fi zesse parte da encomenda governamental ao Comitê, era apenas uma derivação gerencial

de uma mudança conceitual não trivial na direção de uma concepção mais ampla de sistema

de seguridade social britânico. O conceito de seguro social - segundo o qual o princípio

contributivo se mantém não apenas pelo seu caráter compulsório (o que já se verifi cava

nos sistemas de inspiração bismarckiana), mas sob a égide do compartilhamento de riscos

(pooling risks) - deveria prevalecer sobre a lógica do seguro voluntário, isto é, de ajuste

estrito entre prêmios e riscos individuais.

Esquemas tais como o que já havia vigorado no país anteriormente, em que os seguros

eram organizados por categoria econômica ou sócio-ocupacional22, mostravam-se, sob

certas circunstâncias, menos efi cientes, tendo em vista o desemprego em massa de longo

prazo. Longos períodos de duração do desemprego em uma atividade econômica se

relacionava aos das demais: “hoje o argumento comum é que o volume de desemprego em

uma atividade não está em qualquer circunstância efetiva sob seu controle; que todas as

atividades dependem umas das outras, e que aquelas que são afortunadamente regulares

devem compartilhar os custos do desemprego com aquelas que são menos regulares”

(Beveridge, 1942). Este tipo de constatação seria sufi ciente para justifi car em grande parte

esta mudança de concepção.

Acoplada a esta mudança no conceito de seguro estava a integração à assistência

social e aos serviços nacionais de saúde, que deveria complementar o sistema para torná-

lo acessível a qualquer cidadão, independente de sua condição social específi ca ou de sua

capacidade contributiva. A abordagem universal do sistema de proteção social seria uma

das características mais marcantes do sistema proposto no relatório, visto que implicava

em um enfoque preventivo em relação à situação social dos cidadãos, em contraste com

a abordagem puramente atuarial que atuava somente sobre as conseqüências da perda

temporária de capacidade de auferir rendimentos. Ademais, o conceito de necessidade

deveria orientar as políticas de assistência e deveria responder a fatores técnicos relativos às

condições mínimas de vida digna. Estas condições, dizia Beveridge com base em diversas

pesquisas realizadas à época nos principais centros urbanos britânicos, variam de acordo

com as regiões e com o tempo. A introdução de parâmetros relativos às necessidades

mínimas e a sua generalização no território seria uma das características mais relevantes na

concepção do sistema.

O Plano consistiu, em termos de propostas práticas, na extensão, consolidação e

reestruturação de seguros já existentes bem como na proposição de novos benefícios.

Entre os benefícios abordados pelo Plano se destacam:

(22) Esse foi igualmente o modelo (CAPs e IAPS) que por cerca de 6 décadas precedeu à criação do nosso Sistema de Se-

guridade Social

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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- o seguro desemprego,

- o auxílio às famílias,

- o auxílio em caso de acidentes de trabalho,

- o auxílio funeral,

- o auxílio maternidade,

- o abono por casamento,

- benefícios para esposas abandonadas,

- assistência às donas de casa enfermas e

- auxílio-capacitação para os que trabalhavam por conta própria (trabalhadores autônomos).

A diversidade de tipos de benefícios é consistente com o princípio de classifi cação,

onde diferentes tipos de necessidades devem ser atendidas por diferentes modalidades de

benefícios, em particular no tocante às mulheres, cuja relação no âmbito dos sistemas de

proteção social sempre foi de dependência (modelo male breadwinner). O Relatório apresenta

ainda um orçamento da seguridade social, que prevê receitas e despesas específi cas para

o sistema.

Três elementos fundamentais orientaram a elaboração do Plano para a Seguridade

Social23 de Beveridge: 1) a criação de um auxílio às crianças até 15 anos de idade ou até

16, se engajadas em atividade de ensino integral; 2) um sistema integrado de saúde e 3) a

manutenção do pleno emprego. A preocupação com a assistência às crianças se relacionava

essencialmente aos diagnósticos que embasaram o Relatório e que davam conta de que, entre

as principais causas da pobreza, estava a extensão das famílias24. A pobreza das grandes

famílias não poderia ser enfrentada por um sistema de seguro privado, daí a necessidade de

se estabelecer um patamar de subsistência para os benefícios, pelo conceito de “necessidades

humanas”. O tratamento médico e de reabilitação com todos os seus requisitos deveria ser

assegurado por meio de um sistema universal administrado pelo Estado, de forma separada

do pagamento de benefícios em dinheiro, e deveria ser fi nanciado basicamente por tributos.

A manutenção do pleno emprego, embora ocupasse algum destaque no Relatório, era

vista até então mais como condição para o bom funcionamento do sistema de seguridade

do que propriamente como objeto próprio de propostas de política. A experiência vivida nos

anos trinta em decorrência da Grande Depressão faria com que o temor do desemprego

justifi casse estas preocupações. As ferramentas para atacar o problema econômico do

desemprego, entretanto, não poderiam se restringir ao sistema de seguridade e por isto não

(23) O termo original do inglês é Social Security, que na versão traduzida para o português foi utilizada a expressão Segurança

Social (Boschetti, 2003). O termo Seguridade Social só seria introduzido institucionalmente no Brasil com a Constituição de

1988.

(24) Beveridge, baseado nos estudos de Rowntree e Llwellyn Smith, citava o mito da família média como uma das razões para

a falha do sistema de proteção social em eliminar a pobreza, visto que famílias de maior tamanho teriam necessidades maiores

e a utilização da família média como referência para defi nição de benefícios poderia gerar distorções.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

foram incluídas neste documento. Havia necessidade de outros instrumentos, teóricos e

práticos, ligados à política econômica, para avançar na luta contra o desemprego.

Após o lançamento e as discussões do Relatório, Beveridge se voltaria para construção de

um novo relatório, destinado a avaliar exclusivamente o problema do desemprego. Desta nova

pesquisa resultaria o relatório “Full Empoyment in a Free Society” de 1944, cujas bases keynesianas

se mostrariam evidentes, a começar pela composição do comitê de pesquisa que incluía nomes

como Joan Robinson e Nicholas Kaldor, economistas notoriamente simpáticos às teses keynesianas

de funcionamento das economias capitalistas. A noção de que não havia tendência inerente das

economias capitalistas ao pleno emprego não foi de fácil assimilação para Beveridge, um economista

com raízes teóricas fortemente ligadas a Marshall e Jevons. Uma política ativa do governo, de acordo

com o pensamento keynesiano, poderia compensar a defi ciência do sistema capitalista em sustentar

o pleno emprego.

Além disto, o perfi l redistributivista do sistema também encontrava amparo do ponto de vista

macroeconômico no corpo teórico construído por Keynes. A concentração de renda e da riqueza

seria não apenas injusta do ponto de vista social, mas também disfuncional à efi ciência do próprio

sistema capitalista. Esta disfuncionalidade, como implicação decorrente de um corpo teórico,

estaria relacionada à teoria da demanda efetiva: “A partir de hipóteses que podem ser consideradas

realistas a respeito da propensão a consumir de indivíduos de diferentes faixas de renda, propõe-

se que o ponto de demanda efetiva tem sua posição dependente do perfi l de distribuição de renda

da economia. Alterações neste perfi l podem, assim, afetar o nível de emprego agregado tanto

quanto outros instrumentos mais imediatamente relacionados com a administração da demanda

agregada, como a política fi scal e a política monetária” (Carvalho, 2006, p.47). Não por acaso

Keynes teria recebido de forma entusiástica as propostas do Plano Beveridge, discutindo-as com

o próprio Beveridge e no âmbito do Departamento do Tesouro onde trabalhou na construção de

propostas para reconstrução no pós-guerra na direção do pleno emprego25.

A integração entre um esquema de planejamento social centrado num sistema de

seguridade social, com forte caráter redistributivo, e uma política econômica, monetária e

fi scal, voltada para a expansão da atividade econômica e manutenção do pleno emprego seria

a base fundamental que sustentaria o período de expansão do capitalismo europeu ocidental e

a universalização dos sistemas de proteção social no continente. De fato, como aponta Harris

(1997), as pretensões de Beveridge de um planejamento social mais amplo, já presentes no

Beveridge Report ao lançar os cinco gigantes na estrada da reconstrução, se materializariam

de forma mais concreta na sua integração da política econômica ativa em favor do emprego.

(25) Entre as propostas para reconstrução se destaca o documento “How to Pay for the War” na qual monta esquema de

fi nanciamento do Estado em seu contexto de guerra a partir de taxação progressiva e constituição de fundos para resgate no

período pós-guerra. Para um debate sobre esta proposta ver Carvalho (2006).

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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3. O viés beveridgiano da Constituição

Vários foram os componentes do Relatório Beveridge que podem ser identifi cados,

direta ou indiretamente, como referências relevantes para a Constituição Federal de 1988,

principalmente na elaboração do capítulo de Direitos Sociais, no capítulo das fi nanças

públicas e no título da Ordem Social, em particular no capítulo da seguridade social. Entre

os preceitos constitucionais, destacam-se, no presente contexto, os seguintes temas: 1)

o salário-mínimo não apenas como direito do trabalhador, mas tendo como referência

suas necessidades vitais básicas, e de sua família, expressas num conjunto de atributos

essenciais: moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e

previdência social, salário cujo poder aquisitivo deve ser preservado ao longo do tempo; 2)

dos princípios que regem a seguridade social, o principio da universalidade da cobertura e

do atendimento, e da diversidade de fontes de fi nanciamento, pontos que serão detalhados

no próximo capítulo; 3) um orçamento da seguridade social separado do orçamento fi scal e

das empresas estatais.

O salário-mínimo foi instituído no Brasil em 1940, tendo como referência uma cesta de

produtos alimentares. A partir de 88 se referencia a conjunto básico de despesas para uma

vida digna que dizem respeito a uma situação histórica datada já presente na década de 80

no padrão de consumo brasileiro. Estimativa do Departamento Intersindical de Estatística e

Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE) é realizada para saber qual seria o valor do salário

mínimo necessário para garantir o consumo de uma família, composta por dois adultos e

duas crianças, frente a este conjunto básico de despesas. O gráfi co 1 mostra a evolução

do valor do salário mínimo estabelecido pela legislação e aquele calculado pelo DIEESE.

O processo infl acionário crônico vivido pelo país ao longo da década de 80 e na primeira

metade dos anos 90 fez com que o valor do salário mínimo variasse ao sabor das oscilações

de preços e de regras variadas conforme a política anti-infl acionária do momento. De 1995

até os dias atuais o mínimo sofre um processo de lenta e gradual recuperação de seu poder

de compra, embora tenha se acelerado especialmente de 2000 para cá. Em todo caso, e

como é facilmente constatado a partir do gráfi co, o valor praticado só supera 20% do valor

calculado como necessário em dois pontos da série, mostrando que seu valor médio ainda

se mantém muito aquém das necessidades básicas das famílias brasileiras. Desta forma,

pode-se dizer que embora o princípio de referência às necessidades tenha sido incluído na

Constituição ele não é contemplado de fato.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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O Orçamento da Seguridade Social foi concebido no artigo 165, no capítulo das Finanças

Públicas, de forma separada do Orçamento Fiscal. Embora seja possível analisar os dois

Orçamentos nos documentos contábeis do Balanço Geral da União, a divulgação de resultados

fi scais não tem privilegiado esta forma de apresentação dos Orçamentos, priorizando os dados

da previdência social e considerando apenas parte das receitas, a despeito do conjunto completo

previsto no artigo 195, que contempla as contribuições sobre a folha de pagamento, sobre o

faturamento e sobre o lucro das empresas. As implicações desta composição de fontes do

orçamento da seguridade social e sua atual situação serão analisadas no item seguinte.

Além das infl uências mais diretas, parece ainda mais relevante ressaltar que parte importante

do esquema de planejamento social vislumbrado por Beveridge dependia da integração entre

o sistema de seguridade social e uma política econômica voltada para a expansão da atividade

produtiva e do emprego. A Constituição de 88 faz menção explícita à busca pelo pleno emprego

apenas no título sobre a Ordem Econômica e Financeira, colocando-a como princípio básico e

defi nindo o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica. De fato, o que

se assiste ao longo da década de 90 é a progressiva redução das atividades governamentais no

setor produtivo, inclusive por meio de revisões constitucionais, mas principalmente à condução de

uma política macroeconômica desfavorável ao crescimento, com redução dos investimentos do

setor público e taxas de juros elevadas, comprometendo os níveis de emprego.

A política econômica desde 88 pode ser caracterizada por três momentos que se relacionam a

mudanças institucionais distintas do sistema de planejamento social visto de forma abrangente: 1)

Razão entre Salário Mínimo Nominal e Salário Mínimo Necessário

para satisfazer preceito da constituição de 88

Fonte: DIEESE e Banco Central. Elaboração Própria.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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Até 1995: política anti-infl acionária, privatização e desregulamentação; 2) 1995-1998: estabilização

com desequilíbrio externo, desregulamentação e reformas paramétricas, com forte elevação da

taxa de desemprego; 3) sistema de metas de infl ação e nova rodada de reformas paramétricas.

O primeiro período pode ser caracterizado como aquele em que se vivencia a transição de

hegemonia da convenção de um modelo baseado no crescimento liderado pelo Estado, que

mobilizou o processo de crescimento brasileiro desde os anos 40, para a chamada convenção

neoliberal, fortemente atrelada ao decálogo prescrito pelo Consenso de Washington. A convenção

“desenvolvimentista”, que teria ocupado um espaço hegemônico no período das quatro décadas

anteriores, manteve traços importantes na Constituição de 88, ao ver no Estado uma entidade

central na condução da ordem econômica e social do País. Não por acaso, é neste período em que

se materializam as quebras dos monopólios da União nas áreas de petróleo, telecomunicações

e liberalização fi nanceira e abertura da conta de capitais, que são refl exos visíveis da mudança

de convenção.

A política macroeconômica seria fundamentalmente marcada pela obsessão em reverter

o processo infl acionário crônico que marcou a década de 80. Já no âmbito da segunda fase,

na concepção precoce do Plano Real, a política fi scal deveria se manter supostamente

contracionista, com vistas a controlar a demanda agregada e evitar pressões infl acionárias no

período de estabilização. Após um primeiro momento de ajuste fi scal, promovido pelo Plano

de Ação Imediata de 93, com a criação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira,

ampliação das privatizações e do programa de saneamento dos bancos públicos estaduais,

se implementa o Fundo Social de Emergência em fevereiro de 94, que desvincularia parte das

receitas destinadas aos Estados e Municípios e à Seguridade Social. O FSE se transformaria no

Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e teria sua vigência mantida até 1999, e posteriormente na

Desvinculação das Receitas da União (DRU), que cumpriria o mesmo papel. A política econômica,

assim, adentrava sobre a concepção do modelo de proteção social concebido pela Constituição.

Esse segundo período foi marcado por um processo de ultra-abertura da economia e ampliação

da liberalização fi nanceira, e pela desaceleração do nível de preços com a consolidação do Real.

A combinação de uma política de sobrevalorização cambial e redução tarifária promovida com o

objetivo de manter a pressão competitiva sobre preços internos, e a manutenção de taxas de juros

elevadas para atrair capitais externos para fi nanciar o défi cit em transações correntes, comporiam

a base da política macro do período. Com claros desequilíbrios no setor externo e monetário,

cresceu a pressão dos formuladores da política econômica da época para realização de reformas

na área fi scal, tendo como principal alvo o sistema de previdência social. Esta pressão levaria à

reforma paramétrica de 1998, que restringiu o acesso à concessão de benefícios e remeteu a regra

de cálculo dos benefícios de aposentadorias à legislação infra-constitucional. Como amplamente

documentado na literatura, o processo de abertura comercial teve, ainda, efeitos diretos sobre o

nível de emprego e precarização das relações de trabalho, particularmente na indústria.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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A partir de 1999 o governo abandonaria a âncora cambial e passaria a operar sob o regime

de câmbio fl utuante; paralelamente, introduz-se o sistema de metas infl acionárias, que passam

a servir como âncoras nominais do sistema e se estabelece a utilização da política monetária

como instrumento único de controle da infl ação; a política fi scal passa a ser operada com vistas

a compensar movimentos da política monetária, de forma a garantir a sustentabilidade da

relação dívida/PIB, gerando superávits primários crescentes e superiores a 3% do PIB. Estes

três componentes - câmbio fl utuante, política monetária restritiva e política fi scal subordinada -

passam a compor o quadro básico de política macroeconômica da terceira fase, que vigora até

o presente.

A política fi scal é identifi cada como a raiz dos problemas econômicos enfrentados pelo país.

Por exemplo, “Gustavo Franco considerou que a forte deterioração das contas públicas, verifi cada

entre os anos de 1995 e 1998, foi o calcanhar de Aquiles do Plano Real: ’A coisa pegou foi na

situação fi scal’” (citado em Modenesi, 2005, p.380). Após o ajuste implementado em 1999, com

forte ampliação dos resultados primários, novas modifi cações institucionais são propostas no

sentido de garantir uma mudança no padrão de condução da política fi scal, particularmente com

a Lei de Responsabilidade Fiscal que é aprovada em 2000. A partir desta são defi nidas metas

trienais de resultado primário estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias que devem ser

adequadas às metas da política monetária.

É neste contexto em que a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda,

órgão de assessoria ao Ministro da Fazenda para coordenação e formulação da política econômica

do país lança em dezembro de 2000 o documento em que procura discriminar o chamado “gasto

social” do Governo Federal para os anos de 1998 e 1999. Seu intento era “apurar o gasto social

federal, no intuito de dimensionar a magnitude dos dispêndios empreendidos pela União, direta

ou indiretamente, e a participação dos diferentes campos de atuação no gasto total” e parte do

diagnóstico prévio de que “Se o volume do gasto é signifi cativo e crescente em áreas cruciais,

não menos verdade é que a regressividade persiste como um traço marcante do gasto social no

Brasil. Nessa perspectiva, a Previdência Social surge como uma questão central, certamente

não a única, pela magnitude das transferências que se operam por seu intermédio e pela direção

regressiva que alguns de seus componentes apresentam” (Brasil, 2000, p.4-5).

Este documento inaugura uma série de outros 3 que analisam os gastos, respectivamente,

de 2000, 2001-2002, 2001-2004; os dois últimos já sob a orientação do novo governo do

presidente Lula. Suas duas primeiras abordagens consistem basicamente da discriminação dos

principais programas e políticas públicas, agrupados por grandes áreas de atuação (Previdência,

Saúde, Educação, etc.) a partir das classifi cações orçamentárias da despesa, que poderiam ser

considerados como “gastos sociais”, procurando evidenciar sempre que possível o público-alvo

e os benefi ciários dos mesmos. Em outros termos, em que pese a preocupação e empenho

legítimos com a efetividade e efi ciência do gasto público, a pressão fi scal é a base de ligação

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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entre as políticas sociais e o ordenamento macroeconômico. É neste contexto em que, para os

defensores da política econômica em vigor, abre-se o espaço necessário para o debate sobre as

chamadas “reformas de segunda geração” 26 .

O resultado conhecido desta combinação de políticas foi a manutenção de patamar elevado

de desemprego e das relações de trabalho com alta participação da informalidade na ocupação,

além de um comportamento errático da atividade da economia, com baixo investimento e carga

tributária em elevação, comportamento que pode ser observado a partir de dados da nova série

das Contas Nacionais do IBGE entre 1995 e 2005. A taxa de crescimento oscilou fortemente,

alternando picos de crescimento (2000;2004) com períodos de semi-estagnação, num clássico

movimento de stop-and-go relacionados aos movimentos cambiais. Segundo dados da PNAD,

que tem abrangência nacional, a taxa de desocupação passou de um patamar de cerca de 6%

entre 1992 e 1995 para taxas superiores a 9% entre 2000 e 2005 (e também 2006). A taxa de

investimento manteve uma média inferior a 17%, mas o que mais se destaca é a baixa capacidade

de investimento dos governos, que se situou num patamar inferior a 2% do PIB no período.

A situação não foi pior em virtude da ampliação dos gastos sociais do governo, que

contribuiu diretamente para manutenção de um piso de demanda agregada e de nível de

ocupação (Pochmann, 2007). Parte desta ampliação dos gastos encontra amparo direto nas (26) Na visão autores ligados à convenção neoliberal as reformas implementadas até o momento teriam sido insufi cientes, o

que estaria na raiz do fraco desempenho da convenção neo-liberal na América Latina; a solução seria, então, uma nova rodada

de reformas (Erber, 2006, p.15)

Indicadores Macroeconômicos (1995 - 2005)

Fonte: Sistema de Contas Nacionais e PNAD - IBGE. Elaboração Própria.(1) Série de referência 2000.

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Período

Taxa deCrescimentoReal do PIB

(1)

Taxa deDesocupação

(% da PEA)

FormaçãoBruta de

Capital Fixo(% do PIB) (1)

FormaçãoBruta de

Capital Fixoda Adm. Pública

(% do PIB) (1)

-

2,2

3,4

0,0

0,3

4,3

1,3

2,7

1,1

5,7

3,2

6,1

7,0

7,8

9,0

9,6

-

9,4

9,2

9,7

9,0

9,4

18,3

16,9

17,4

17,0

15,7

16,8

17,0

16,4

15,3

16.1

15.9

18,3

16,9

17,4

17,0

15,7

16,8

17,0

16,4

15,3

16.1

15.9

TABELA 6

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determinações constitucionais, particularmente nas áreas de saúde e educação. Embora esta

elevação tenha sido importante para manutenção de um patamar mínimo de sustentação da

demanda, ela não se deu no mesmo ritmo de elevação da carga tributária. Esta cresceu

cerca de 5,4 pontos percentuais em relação ao PIB em todo o período (tabela 7). Os dados

do Gasto Social Federal, conforme a metodologia da própria SPE/MF, estão disponíveis

apenas para o período de 1998 a 2004, mostrando um crescimento de cerca de 10,7% em

relação ao PIB; a carga tributária neste período cresceu cerca de 11,9% como proporção do

PIB. Estes resultados mostram que a carga tributária tem crescido com fi nalidades outras

que o fi nanciamento dos gastos sociais. Isto fi ca mais evidente quando se observa a série

da carga tributária líquida, que exclui as transferências, benefícios e subsídios. Entre 1995

e 2005 a carga líquida cresceu cerca de 4,4 pontos percentuais do PIB, um crescimento de

quase 30%. O comportamento da carga líquida de juros é completamente distinto, oscilando

fortemente com o pagamento de juros associados às desvalorizações cambiais, mas pode-

se observar que a média 1995-1999 é aproximadamente a mesma que entre 2000-2005,

cerca de 11%. Em outros termos, a carga tributária tem se elevado para fi nanciar outros

gastos que não os sociais ou transferências sociais, subsídios ou mesmo os investimentos

da administração pública que constam da tabela anterior.

Além disto há indícios de que a ampliação do gasto social não ocorreu na velocidade

desejada para ampliar o acesso da população aos serviços essenciais básicos. Como

mostram Pochmann (2007) e Lavinas (2007), o gasto social per capita praticamente não teria

crescido em termos reais entre 2001 e 2005, ou até mesmo decrescido em algumas funções

vitais para a redução das desigualdades como habitação e saneamento. O mesmo ocorreu

nos níveis subnacionais, onde estados e municípios registraram crescimento negativo das

despesas per capita em funções como educação, urbanismo, saneamento básico, moradia

(Lavinas, 2007). A saúde escapou relativamente ilesa dessa evolução desfavorável, em

razão da vinculação compulsória de 12% e 15% da receita corrente líquida de estados e

municípios (EC 29/2000).

Signifi ca dizer que as transferências diretas de renda tornaram-se o núcleo dominante

do sistema de proteção social brasileiro, num quadro de forte restrição fi scal, com

comprometimento da provisão de serviços públicos essenciais. Em 2006, transferências

monetárias contributivas e não contributivas somadas representam 82% de todo o orçamento

realizado da Seguridade. O peso das contributivas no âmbito de todas as transferências

monetárias de renda supera 90%, indício de que a capacidade de redistribuir da política

social brasileira continua anêmica27.

(27) A título de ilustração e comparação, cabe registrar que os dados para a Grande Bretanha(2003-4) indicam que 56% de

todas as transferências monetárias diretas são de cunho não-contributivo, portanto, têm impacto redistributivo. Distribuição

vertical.

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Em síntese, o que se observa ao longo destes anos de vigência da Constituição de 88 foi

um movimento persistente de tentativas de desconstrução das suas raízes Beveridgeanas,

e mesmo de confronto com elas quando se analisa a condução da política macroeconômica

predominante em todo o período. Não obstante, a sua estrutura relativamente consistente

mantém íntegra importante parcela do sistema de seguridade social ao garantir recursos

mínimos para áreas como saúde e assistência. A superação da incongruência entre o

arcabouço de política macroeconômica institucional atual e a promoção de um sistema de

proteção abrangente parece, entretanto, mais complexa.

4. Resgatando Beveridge em uma conjuntura de fl exibilização e incerteza

Resta, ao complementar e ir além dos preceitos constitucionais para garantir a inclusão

social, resgatar os conceitos beveridgianos de universalidade e prevenção: o primeiro, porque

garante o acesso de qualquer cidadão ao sistema de proteção social independentemente

de sua contribuição ou condição social específi ca; e o segundo, porque reduz o risco da

pobreza, da perda de dotações e da exclusão e promove a eqüidade.

Nosso intento nessa seção é demonstrar que inclusão e progressividade são as duas

dimensões ainda ausentes no nosso sistema de proteção social e que é possível consolidá-

las sem prejuízo dos contribuintes e sem irresponsabilidade. Para isso, há que proceder a

Sistema de Contas Nacionais e SPE/MF. Elaboração Própria.(1) Até 1999, inclusive, considera a série de referência 1985.(2) Inclui Serviços Financeiros Indiretamente Medidos.

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

28,4

28,6

28,6

29,3

31,1

30,4

31,9

32,4

31,9

32,8

33,8

14,9

15,3

15,3

14,4

16,1

17,0

18,2

18,3

17,3

18,7

19,3

2,5

3,1

4,3

5,5

8,8

6,3

7,2

8,3

7,6

6,2

6,7

12,3

12,2

11,0

8,9

7,3

10,7

11,1

10.0

9.7

12.5

12.6

-

-

-

11.6

11.6

11,6

12,3

12.3

12.5

12.8

-

Em % do PIB

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reformas do sistema fi scal-tributário mais do que propriamente do sistema previdenciário, se

o objetivo for elevar o grau de inclusão social e bem-estar.

Constata-se que o sistema atual não contempla nenhum benefício de acesso

universal. No que se refere ao tratamento das crianças, verifi ca-se a existência de dois

grupos sociais principais contemplados pelo Estado hoje: 1) de um lado, famílias que se

benefi ciam de créditos tributários em favor de suas crianças. No caso, trata-se de famílias

tributadas pelo IR, e benefi ciadas por deduções fi scais; 2) De outro, famílias pobres, que

são contempladas com transferências de renda diretas tipo Bolsa Família; realocação de

recursos para gastos mais progressivos. Pelas nossas estimativas, um pouco mais de 20

milhões de crianças estão fora de ambos os grupos acima citados, pois nem são alcançadas

pelos programas compensatórios, nem por crédito tributários.

Neste sentido, propõe-se um exercício considerando a implantação de um benefício

universal a famílias com crianças até 16 anos, garantido como direito de cidadania. Se

avaliado em R$ 40 por mês por criança, tomando por base os dados da PNAD 2006 para

estimativa, a concessão desse benefício de apoio às famílias totalizaria cerca de R$ 26,256

bilhões por ano, que poderiam ser fi nanciados, por exemplo, via supressão de créditos

tributários concedidos a pessoas físicas na forma de isenções para dependentes28. Em

2003, estas deduções somaram cerca de 14,7 bilhões, que, corrigidas pela variação do

Imposto de Renda de Pessoa Física no mesmo período, chegariam para algo próximo a R$

23 bilhões em 2006, mais do que sufi ciente para fi nanciar o novo benefício29, juntamente com

o dispêndio já existente com o Bolsa-Família (R$ 7,8 bilhões em 2006). Numa visão mais

conservadora, apenas defl acionando estes valores pelo IGP-DI obter-se-iam 17,3 bilhões.

Somando-os ao orçamento do Bolsa-Família, teríamos o equivalente a 95,6% do orçamento

requerido. Eliminando um benefício previdenciário de baixa incidência nas famílias mais

vulneráveis, o salário família, cujo gasto estimado em 200630 foi de R$ 2,1 bilhões, seria

igualmente possível fi nanciar integralmente um benefício universal de R$ 40,00 mensais

para 54,7 milhões de crianças e jovens.

4.1. Simulação de impacto deste benefício na redução da pobreza

A tabela 8 mostra como se dá a distribuição das crianças de até 16 anos entre décimos

da distribuição (segundo a renda familiar per capita de todas as fontes). Observa-se que

69% estão concentradas nos cinco primeiros décimos, ao passo que 31% encontram-se

(28) Há também as deduções com instrução no IR, mas essas seriam mantidas, mantendo-se o incentivo. Se se considerarem

os valores de 2003 (R$ 7,76 bilhões, segundo a Receita Federal), atualizando-os, tem-se em valores de 2006, pelo IGP-DI, R$

9,2 bilhões ou 12,1 bilhões, com base na variação do IR.

(29) Valor que não considera qualquer variação real relativa à efi ciência ou crescimento real da receita.

(30) SPE-Ministério da Fazenda, valores defl acionados pelo IGP-DI para 2006.

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na metade superior da distribuição de renda. Por isso mesmo, como é amplamente sabido,

qualquer transferência fi scal dirigida às crianças tem impacto progressivo, pois vai incidir

sobremaneira nos 50% mais pobres da população.

Na tabela 9, temos uma simulação que revela o efeito da transferência universal de

renda para crianças ao longo da curva de distribuição. Na primeira coluna, temos a renda

familiar per capita média calculada para o ano de 2006, por décimo. Esta renda considera

todas as fontes de rendimentos de cada família, inclusive as compensatórias, assimiladas a

“outras fontes”. No primeiro decil, a RFPC (renda familiar per capita) média é de R$ 34,77;

no segundo, de R$ 92,98, e assim por diante. A coluna dois da mesma tabela 9 mostra qual

o valor médio da YFPC antes da imputação dos valores declarados na PNAD no item “outras

fontes”. Constata-se, assim que a RFPC média do primeiro décimo aumenta em cerca de

97% após imputação das “outras rendas”., impacto esse extremamente signifi cativo.

Se o Estado brasileiro transferir a cada criança R$ 40/mês ou cerca de R$ 480,00

anuais, coluna 3 da referida tabela, o aumento da RFPC média do primeiro décimo será

ligeiramente maior, da ordem de 110%. Um ganho líquido de renda de 6%, o que não é

desprezível para quem vive em média mensalmente com rendimentos tão baixos. Além

disso, como se pode ver ao longo da distribuição, os ganhos seriam vantajosos para os

décimos inferiores, mostrando progressividade. O incremento da RFPC cai à medida que se

sobe na distribuição.

Distribuição das Crianças Segundo Decis da Renda Familiar Per Capita Modificada

Fonte: PNAD 2006

Renda Per Capita" Modificada" exclui os rendimentos de "outras fontes"

Decis

da R

FP

C M

odific

ada

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

9.034.516

8.867.742

7.645.765

6.277.563

5.658.176

5.019.034

3.306.241

3.347.619

2.980.038

2.557.925

54.694.619

17%

16%

14%

11%

10%

9%

6%

6%

5%

5%

100%TOTAL

TABELA 8

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Ao se comparar a coluna três com a dois (tabela 9), percebe-se que – na ausência de

outras fontes de rendimentos que não as transferências fi scais – do sexto décimo em diante

esse benefício universal, se fosse fonte exclusiva, reduziria a YFPC total das parcelas da

população situadas entre os 50% mais ricos.

Para se medir a eficácia dessa política na redução da pobreza, basta olhar a tabela

10. Ela indica que o número de pessoas que deixariam a pobreza seria muito próximo

àquele estimado como resultado do chamado “efeito Bolsa-Família”31. Ou seja, a

política universal leva o índice de pobreza a declinar para 22% em lugar de 21%, o que

significa que, em tese, permaneceriam pobres cerca de 523,8 mil pessoas. Na prática,

a conta não é essa. Primeiramente, como não haverá ineficiências horizontais, nem

risco de evasão, estar-se-á contemplando, por conseguinte, também aquele 1,4 milhão

de famílias “cegas” - 3,54 milhões de pessoas - que permaneceram com renda zero

em 2006, segundo dados da PNAD promovendo, assim, uma real inclusão. O saldo

é positivo em três milhões de pessoas incluídas no sistema de proteção social. Em

paralelo, os custos com controles e gestão de cadastros de baixíssima eficácia (Januzzi,

2006) seriam quase eliminados, utilizando-se recursos públicos para despesas fim e

não meio. Certamente, os custos da universalização seriam menores que os custos

da focalização. Só isso já geraria por si só uma melhora importante do gasto social,

tornando-o mais eficiente e sua gestão, transparente e monitorável.

(31) Designando aqui todos os mais variados programas de transferência de renda condicionada.

Valores Médios** dos Decis da Distribuição da Renda Familiar Per Capita , antes e após imputação de R$ 40,00

10º

DecisRenda Familiar

Per Capita

Fonte: PNAD 2006* Somente rendimentos do trabalho, aposentadorias e pensões**Preços de setembro, 2006

34,77

92,98

136,94

184,33

239,69

310,02

388,30

523,70

787,46

2.196,33

Renda FamiliarPer Capita modificada*

17,63

76,62

122,40

172,04

226,77

296,50

377,65

508,62

766,08

2.119,49

RFPCM após Simulação com R$ 40,00

36,83

95,85

139,24

185,68

239,51

307,65

384,91

515,96

772,65

2.125,31

TABELA 9

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Em segundo lugar, estar-se-ia resolvendo ex-ante um dilema que tende a ganhar

destaque à medida que cresça a economia, surjam novas oportunidades de trabalho e

aumentem os salários. A PNAD 2006, na tabela 11, indica que a taxa de atividade dos

pobres aumentou juntamente com a taxa média nacional: subiu para 77% em 2006,

contra 74% em 2001. Cresceu a ocupação e a procura por trabalho para os pobres e

os não-pobres. No que tange a taxa de ocupação total, embora ela tenha se mantido

em 86% no período, em média, registra um ligeiro declínio no caso da população

pobre. Ora, se o benefício compensatório é condicionado a um déficit de renda e se a

retomada do crescimento econômico tende a elevar a taxa de ocupação, é saudável

que os menos favorecidos possam recusar ocupações e remunerações indignas,

extremamente precarizadas, pois com um pouco mais de segurança econômica devem

vir a conquistar algum poder de barganha, antes inexistente. Contudo, se tiverem de

escolher entre trabalhar ou receber um benefício do governo, o desestímulo pode

instalar-se, ampliando fraudes e reduzindo oportunidades reais. O único modo de

evitar tamanha disfunção é universalizar. Só assim se reduz o desperdício (impactado

por fraudes) e controles ineficientes, e se promove a equidade, desvinculando-se o

direito à proteção básica do trabalho e da cidadania regulada). Para que um mínimo

vital não se transforme em desincentivo ao trabalho ele deve ser universalizado, já que

nossa informalidade não nos permite introduzir mecanismos do tipo imposto de renda

negativo.

Fonte: PNAD 2006* Renda Familiar Per Capita abaixo de R$120,00**Menor ou igual a 16 anos

Número dePobres*

Proporção do Total da População na Pobreza

Rendimentos do Trabalho e Aposentadorias - antes das transferências fiscais 48.176.997 26%

Após imputação da categoria "outras fontes" à RFPC de 2006 39.797.160 21%

Simulação - Após benefício de R$ 40,00 para cada criança** 40.320.976 22%

TABELA 10

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Qual o custo-equivalente entre as duas políticas, a atual, residual e restritiva,

que vai provavelmente promover desincentivos ao trabalho, nos segmentos

menos favorecidos, à medida que a retomada do crescimento econômico ampliar

oportunidades, e a que propomos, universal? Não é factível pensar que ganhos

salariais nas camadas mais pobres, decorrentes do crescimento econômica eliminem

o riso ou a vulnerabilidade, razão pela qual, seria contraproducente extinguir a

garantia de uma renda às famílias com crianças, utilizando o argumento da “porta

de saída”.

4.2. O fi nanciamento da universalidade no âmbito do OSS.

Para se ter noção do impacto de um benefício como este no Orçamento da Seguridade

Social (OSS), deve-se considerar a sua composição de receitas e despesas no nível mais

agregado e a integração entre as fontes de fi nanciamento de caráter contributivo com as

de caráter fi scal vis-à-vis benefícios contributivos e benefícios não contributivos. Com base

em Gentil (2007), a tabela 12 mostra os dados de receita das três principais contribuições

sociais fora do INSS (COFINS, CPMF e CSLL) e despesa conforme o destino para o ano de

2006. Sabe-se, tal como previsto pela própria Constituição, que as receitas de contribuições

de empregados e empregadores devem ser complementadas por outras fontes para o

pagamento integral de benefícios, inclusive aqueles do INSS de caráter contributivo. No

entanto, esta integração, no caso brasileiro, apresenta uma composição concentrada no que

diz respeito à utilização de recursos das contribuições sociais para aplicação em benefícios

não contributivos: cerca de 34% da arrecadação das três principais contribuições fora do

INSS que fi nanciam o OSS são destinadas ao fi nanciamento de benefícios contributivos,

o que caracteriza uma dupla regressividade; seguidas por 27% de livre aplicação para o

governo, inclusive para geração de resultado primário; outros 26% aplicados em outras áreas

da seguridade social, como saúde; e os 12,7% restantes em benefícios não contributivos.

Essa distribuição refl ete por si só o perfi l regressivo do gasto de baixíssimo impacto

redistributivo.

Taxa de Atividade/Ocupação

Fonte: PNAD 2001, 2004, 2006

Taxa de Atividade

Taxa de ocupação

2006

80%

86%

total pobres

77%

71%

2004

79%

86%

total pobres

76%

73%

2001

77%

85%

total pobres

74%

74%

TABELA 11

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Há indicações claras de que a tributação indireta, especialmente a COFINS que representa

mais de 60% das contribuições sociais principais, incidem de forma regressiva sobre a renda

das famílias. Estudo da FIPE32 com base na POF 2002-2003 identifi cou que para as famílias

com rendimento até 2 salários mínimos os tributos indiretos podem comprometer cerca de 45%

da renda, contra apenas 16% das famílias com renda superior a 30 salários mínimos. Outros

estudos como o de Immervoll et al. (2006), ainda com base em dados da POF 1995-1996 e

PNAD 1999, dão conta de que somente a COFINS representa mais de 6% da renda disponível

dos primeiros quatro décimos de renda, e menos de 4% da renda disponível do décimo de

renda mais elevada, e total de impostos indiretos soma cerca de um quarto do consumo das

famílias do primeiro décimo. Afonso et al. (2004) estimam, com base na mesma POF, que

a carga dos tributos indiretos (COFINS, PIS, ICMS, IPI, CPMF entre outros) das famílias do

primeiro décimo da distribuição de renda familiar seja 8 vezes maior do que a do topo.

Ou seja, parte expressiva das transferências realizadas pelos benefícios do exercício retorna

ao governo na forma de impostos. Utilizando esta participação dos impostos indiretos na renda

das famílias por décimo estimada por Afonso et al. (2004), e distribuindo o valor do benefício

proposto por décimo segundo a distribuição de crianças, chegamos a um valor estimado de R$

1,7 bilhão somente com a arrecadação de impostos indiretos, o que representa perto de 7%

do valor total do gasto com benefício. O custo total líquido de impostos indiretos seria de cerca

de R$ 24,7 bilhões, pouco mais do que 16% da arrecadação das três principais contribuições

sociais do OSS, um custo relativamente baixo considerando o potencial preventivo e distributivo

do benefício.(32) Zockun (2007)

Arrecadação das principais Contribuições Sociais e Destino em 2006

Fonte: GENTIL (2006) e ANFIP (2007). Elaboração Própria.

Arrecadação de Contribuições Sociais (COFINS, CPMF, CSLL)

DestinoCobertura de Benefícios Contributivos

Cobertura do RGPSCobertura do RPPS

Cobertura de Benefícios Não ContributivosBPC/LOASDemais Transferências de Renda (Bolsa Família)

Outras Aplicações da Seguridade Social (Saúde e outros)

Demais destinos fora da Seguridade SocialDRUNão IdentificadosOutras áreas (Educação)

Categoria

152.681

51.94223.24228.700

19.37011.570

7.800

39.785

41.58430.53710.942

105

R$ Correntes %

100,0%

34,0%15,2%18,8%

12,7%7,6%5,1%

26,1%

27,2%20,0%

7,2%0,1%

TABELA 12

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Em tese, as contribuições sociais seriam orientadas para fi ns redistributivos, provisão de

bens e serviços universais, como a saúde, e também, evidentemente, para cobrir benefícios

não contributivos. Na prática, estes recursos fi nanciam outras despesas como benefícios

contributivos e despesas de livre alocação do governo, como juros da dívida pública. No

caso dos benefícios contributivos, sabe-se que parte deles tem impacto redistributivo

progressivo signifi cativo, como as aposentadorias rurais. Mas não é o caso quando estes

recursos cobrem, por exemplo, aposentadorias e pensões do RPPS. Os juros, como se

sabe, são regressivos, de forma que se gera uma dupla pressão regressiva ao se fi nanciar

estes gastos com recursos de contribuições desta natureza que incidem sobre o conjunto da

população sem poupar os pobres. O mais curioso é a idéia lugar comum de que os idosos

pobres recebem sem contribuir e que isso seria impeditivo a um combate mais efetivo da

pobreza, por desperdício. O obstáculo para se vencer a pobreza não são os brasileiros pobres

e idosos, mas a regressividade da política fi scal, que compromete o efeito redistributivo da

política social.

4.3 É possível realocar receitas para um benefício universal a todas as crian-

ças?

O exercício abaixo busca identifi car receitas que poderiam vir a fi nanciar esse benefício

universal no âmbito do orçamento da Seguridade Social. Certamente, um aumento da

densidade contributiva, mediante redução da informalidade e da rotatividade da mão-de-

obra, poderia contribuir para reduzir a participação da receita oriunda das contribuições

sociais no fi nanciamento dos benefícios previdenciários, que somam R$ 51,9 bilhões em

2006, conforme tabela 12 acima. Ganhos de efi ciência na arrecadação, o combate contra a

evasão previdenciária são igualmente um fator importante de gestão que podem disponibilizar

recursos para aplicação em benefícios universais. Mas nem um, nem outro, são sufi cientes

para modifi car substantivamente o padrão de fi nanciamento da Seguridade Social. Desvincular

os benefícios previdenciários e assistenciais do salário mínimo na expectativa de que isso

“estimule” as camadas de baixo potencial contributivo vai antes de mais nada tornar ainda

mais regressivo o padrão de fi nanciamento da Seguridade. Como ratifi ca a tabela 7, na

coluna relativa à renda familiar per capita modifi cada, os rendimentos médios das famílias

brasileiras até o sexto décimo da distribuição são inferiores a um salário mínimo de referência

em 2006, e, portanto, quase proibitivos a uma contribuição previdenciária regular. Somente

uma recuperação massiva da massa salarial, elevando signifi cativamente a remuneração do

trabalho, poderia provocar uma infl exão importante nesta tendência à contribuição.

A tabela 12 amealha distintas fontes de fi nanciamento para garantir um benefício

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universal a todas as crianças. É possível dispor de receita para implementar um benefício como

esse, embora não seja trivial. Ainda assim, a melhora no perfi l redistributivo da orçamento

da Seguridade seria pequena: cerca de 24,6% da receita do OSS não-previdenciária teriam

destino mais universal, contra 12,7% no presente. No âmbito das transferências diretas de

renda do OSS na sua integralidade, essa participação subiria de 6,1% para 12,4%. Ou seja,

é difícil universalizar.

Portanto, a grande reforma ainda não debatida da Seguridade é menos a dita

reforma previdenciária do que uma ampla reforma do nosso sistema fi scal, que reproduz

desigualdades e inclui milhões de brasileiros apenas marginalmente. Essa reforma está

fora da pauta e aparentemente carece de representação política. Ao contrário do que

pensam alguns cientistas brasileiros, não falta proteção às crianças porque estas não são

votantes, mas porque o debate redistributivo no Brasil continua fora da agenda das nossas

prioridades.

Breves conclusões

Em síntese, o trabalho procurou evidenciar a necessidade da universalização como

instrumento da inclusão social ao resgatar as raízes Beveridgeanas da Constituição de 88,

focalizando essencialmente quatro pontos: 1) a universalização do sistema de seguridade

social, que no Brasil, em que pese o acesso aos serviços de saúde pública, ainda está longe

de se tornar uma realidade como sistema de proteção social; 2) a estrutura diversifi cada de

fontes de fi nanciamento, que embora tenha se consagrado na CF 88 freqüentemente, não

é abordada de forma adequada no debate, além do fato de o crescimento das contribuições

sociais não previdenciárias, tem apresentado viés regressivo, comprometendo a efi cácia e a

efetividade das ações de transferência direta de renda; 3) este crescimento de contribuições

Financiamento Benefício Universal para Crianças e Jovens (2006)

Fonte: Gentil (2007), Receita Federal 2007, Simulações

Eliminação Salário Família

COFINS Arrecadada*

Dispêndio Bolsa-Família

Recursos Não-identificados**

SUB-TOTAL

redução 0,5% taxa de juros

TOTAL

Fonte

2,1

1,7

7,8

10,9

22,5

3,7

26,2

Valor (R$ Bilhões )

TABELA 13

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não previdenciárias não tem se traduzido em mudança na composição de gasto na direção

de um sistema de seguridade diversifi cado e de caráter preventivo, que integra e equilibra

benefícios contributivos e não contributivos para garantir a prevenção aos diversos riscos

de vulnerabilidade frente a situações adversas; 4) conformação de um planejamento

social abrangente, que integre política econômica e política social num mesmo contexto e

potencializa suas interações, em particular na orientação da atividade econômica em direção

ao pleno emprego.

Temas que devem entrar na pauta da discussão do sistema de seguridade social: 1)

reforma fi scal ampla, incluindo revisão das fontes de fi nanciamento baseadas em impostos

indiretos, progressividade do imposto de renda e desoneração tributária integral dos alimentos

e segmentada (tarifas sociais) para os serviços consumidos pelos décimos de renda inferiores;

2) revisão da composição de benefícios, entre contributivos e não-contributivos, vis-à-vis o

padrão de fi nanciamento do sistema. Com o tratamento destes dois temas será possível

enfrentar de forma conseqüente a dupla regressividade e reduzir o escopo do seguro social

no âmbito do nosso sistema de proteção, garantindo a universalização do bem-estar.

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3. Política Pública de Saúde no Brasil: encruzilhada,

buscas e escolhas de rumos

Nelson Rodrigues dos Santos*

Resumo: Ao lado do reconhecimento dos avanços do SUS e irreversibilidade dos mesmos,

o autor identifi ca questões estruturais pendentes nos 17 anos da Lei Orgânica da Saúde,

nos modelos de gestão do sistema e dos serviços, nos modelos de atenção à saúde e

na participação democrática, desvelando pressupostamente a encruzilhada. São avaliados

cenários da conjuntura atual, do Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão, da

Regulamentação da EC-29 e do PAC - Saúde e suas intersecções. São apontados alguns

equacionamentos e ao fi nal, uma lembrança da sucessão das três conjunturas: dos anos 80,

dos 90 e dos 00, visando contribuir para as buscas e escolhas de rumos. Este texto passou por

versões anteriores que receberam importantes correções e aprimoramentos, com destaque

os de Emerson Merhy, Gastão W. de S. Campos, Gilson Carvalho, Isabela S. Santos, Jurandi

Frutuoso, Marco Antonio Teixeira e Paulo Puccini. As incorreções permanecem obviamente

por exclusiva conta do autor.

(*) Nelson Rodrigues dos Santos, Professor colaborador da Universidade Estadual de Campinas e presidente do Instituto de

Direito Sanitário Aplicado ( IDISA), atuando principalmente nas seguintes áreas: Desenvolvimento do Sus, do controle social e

das Políticas Públicas na área social.

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TÓPICOS

I - Avanços do SUSII - Os Modelos de Gestão e Atenção à Saúde: Seu DesenvolvimentoIII - Os Modelos de Gestão e Atenção à Saúde e a Participação Democrática.IV - A Questão da Regulamentação da EC-29V - A Retração Federal no Financiamento do SUSVI - O Cenário das PropostasVII - O Cenário da Vitória da Proposta dos 10% da RCB ou SimilarVIII - O Cenário da Derrota dos 10% da RCB ou SimilarIX - A Grande NegociaçãoX - Os Três Pactos que Sustentam o SUS e o Desafi o da Política Pública Referências Bibliográfi cas

SIGLAS

- ABRASCO – Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva- ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias- ABrES – Associação Brasileira de Economia em Saúde- BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social- CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde- CAS – Comissão de Assuntos Sociais (Senado)- CDU – Comissão de Desenvolvimento Urbano (Câmara)- CIB – Comissão Intergestores Bipartite- CIT – Comissão Intergestores Tripartite- CNS – Conselho Nacional de Saúde- COFINS – Contribuição sobre o Financiamento Social- CONASEMS – Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde- CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde- CPMF – Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira- CSLL – Contribuição sobre o Lucro Líquido- CSSF – Comissão de Seguridade Social e Família (Câmara)- DRU – Desvinculação de Receitas da União- EC-29 – Emenda Constitucional – 29- FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador- FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos- INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social- LDO – Lei das Diretrizes Orçamentárias- LO – Lei Orçamentária- MS – Ministério da Saúde- NOB – Norma Operacional Básica- OS – Organização Social- OSS – Orçamento da Seguridade Social- PAC – Programa de Aceleração do Crescimento- PCCS – Plano de Cargos, Carreiras e Salários- PIB – Produto Interno Bruto- PPA – Plano Pluri-Anual- RCB – Receita Corrente Bruta- SUS – Sistema Único de Saúde

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I. AVANÇOS DO SUS

O SUS transformou-se no maior projeto público de inclusão social em menos de duas

décadas: 110 milhões de pessoas atendidas por agentes comunitários, de saúde em 95% dos

municípios e 87 milhões atendidos por 27 mil equipes de saúde de família. Em 2.007: 2,7 bilhões de

procedimentos ambulatoriais, 610 milhões de consultas, 10,8 milhões de internações, 212 milhões

de atendimentos odontológicos, 403 milhões de exames laboratoriais, 2,1 milhões de partos,

13,4 milhões de Ultrasons, Tomografi as e Ressonâncias, 55 milhões de seções de fi sioterapia,

23 milhões de ações de vigilância sanitária, 150 milhões de vacinas, 12 mil transplantes, 3,1

milhões de cirurgias, 215 mil cirurgias cardíacas, 9 milhões de seções de radioquimioterapia, 9,7

milhões de seções de hemodiálise e o controle mais avançado da AIDS no terceiro mundo. Estes

avanços foram possíveis graças a profunda descentralização de competências com ênfase na

municipalização, com a criação e funcionamento das comissões Intergestores (Tripartite nacional

e Bipartites estaduais), dos fundos de saúde com repasses fundo a fundo, com a extinção do

INAMPS unifi cando a direção em cada esfera de governo, com a criação e funcionamento dos

conselhos de saúde, e fundamentalmente, com o belo contágio e a infl uência dos valores éticos

e sociais da política pública do SUS perante a população usuária, os trabalhadores de saúde,

os gestores públicos e os conselhos de saúde, levando às grandes expectativas de alcançar os

direitos sociais e decorrente força e pressão social.

Que valores são esses? – São substancialmente os princípios e diretrizes Constitucionais

da Universalidade, Igualdade/ Equidade, Integralidade, Descentralização, Regionalização

e Participação da Comunidade, todos apontando para o resgate da solidariedade e da

responsabilidade social do Estado por meio do modelo de desenvolvimento sócio – econômico

realmente republicano. Inclui aí a prática da “Equidade nivelada por cima” por meio de

investimentos estratégicos, isto é, dotação de recursos adicionais direcionados para assegurar

plena acessibilidade de todos os níveis de atenção à saúde aos grupos e pessoas excluídos e

pouco incluídos, em contraposição à atual “Equidade nivelada por baixo” que vem sub-fi nanciando

e sub-ofertando serviços aos incluídos, “gerando recursos” para transferir aos excluídos o que

leva as camadas médias e os servidores públicos à adesão aos planos privados. Se esta adesão

fosse ao SUS agregaria forças sociais e políticas capazes de vencer as gigantescas difi culdades

do fi nanciamento, da precarização das relações de trabalho e das inovações no modelo de

gestão voltadas para a qualidade, efi ciência, desempenho e resultados. No entanto, nestes 17

anos, estes e outros avanços vêm se respaldando em exaustivos esforços, permeando as graves

difi culdades e obstáculos oriundos na estrutura do modelo de gestão.

Momentos empolgantes e emocionantes dos avanços vêm sendo vividos na realização das

mostras nacionais e estaduais de experiências exitosas do SUS, concentradas ao nível local,

nos usuários, nos trabalhadores de saúde, nos conselhos e na gestão descentralizada.

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II. OS MODELOS DE GESTÃO E ATENÇÃO À SAÚDE: SEU DESENVOLVIMENTO

Os avanços do SUS sobrevivem ao modelo de gestão ainda caracterizado por:

não interação com os setores responsáveis pelos determinantes sociais da saúde. –

drástico sub-fi nanciamento público, –

participação substancial de recursos públicos no crescimento do mercado de planos e –

seguros privados e das práticas liberais de assistência à saúde.

fragmentação dos repasses federais, –

largo predomínio do pagamento de serviços por produção em regra com valores –

inferiores aos custos,

planejamento/orçamentação centralizado e hermético –

desastrosa precarização das relações e gestão do trabalho na prestação dos serviços –

do SUS,

descolamento dos hospitais do SUS das redes hierarquizadas/regionalizadas, –

baixíssima implementação dessas redes na lógica da diretriz Constitucional da –

Regionalização/Integralidade,ausência de autonomia gerencial na prestação de serviços,

ausência das práticas de metas, desempenho e resultados, –

desregulação da demanda dos planos privados de saúde aos serviços do SUS a luz –

dos princípios e diretrizes Constitucionais, (hoje com porta de entrada privilegiada),

desregulação da produção de insumos, bens e tecnologias em saúde a luz dos mesmos –

princípios e diretrizes,

o articulado e poderoso sinergismo entre essas e outras características, que mantém –

o modelo de gestão com base nos interesses da oferta de serviços, sobrepondo-se às

mudanças a serem realizadas com base nas necessidades e direitos da população.

Estas características referem-se aos “pilares” ou “vigas mestras” da construção do SUS

sob o ângulo do modelo de gestão, em outras palavras, ao “atacado” que produz e induz um

“varejo” de milhões de ações e serviços diariamente.

Nos 17 anos de vigência das Leis 8080/90 e 8142/90, o modelo de gestão ainda

hegemônico induz o modelo de atenção pouco mudado:

a atenção básica expande-se às maiorias pobres da população, mas na media nacional a)

estabiliza-se na baixa qualidade e resolutividade não consegue constituir-se na porta de

entrada preferencial do sistema, nem reunir potência transformadora na estruturação do

novo modelo de atenção preconizado pelos princípios Constitucionais,

os serviços assistenciais de media e alta complexidade cada vez mais congestionados b)

reprimem as ofertas e demandas (repressão em regra iatrogênica e freqüentemente letal),

os gestores municipais complementam valores defasados da tabela na tentativa de c)

aliviar a repressão da demanda,

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a soma dos valores da dedução no Imposto de Renda dos serviços de saúde consumidos d)

no mercado, da contrapartida pública nos planos privados dos servidores públicos, do não

ressarcimento ao SUS de serviços prestados às empresas de planos e seguros privados,

os gastos das estatais com saúde e outras, signifi cam fi nanciamento público perto de 10

bilhões anuais, próximo a 20% do faturamento do sistema privado suplementar.

com o enorme crescimento das empresas de planos privados, as camadas médias da e)

sociedade, incluindo os servidores públicos justifi cam e reforçam sua opção pelos planos

privados de saúde,

as diretrizes da Integralidade e Equidade pouco ou nada avançam,f)

a judicialização do acesso a procedimentos assistenciais de médio e alto custo às g)

camadas média-média e média-alta aprofundam a iniqüidade e a fragmentação do sistema,

o modelo de atenção à saúde vai se estabilizando em pobre aos 80% pobres e em h)

complementar e menos pobre aos 20% compradores de planos privados, e

o modo de produzir serviços e práticas de saúde permanece centrado nos procedimentos i)

médicos de diagnose e terapia, e grande parte dos avanços citados constituem elevações de

cobertura possíveis já no período “pré-SUS” nos anos 80.

Ao lado dos inestimáveis avanços da inclusão, com a expansão dos serviços públicos,

atendendo necessidades e direitos da população, permanecem enormes e inaceitáveis

porcentagens de ações e serviços evitáveis ou desnecessários, e de esperas para

procedimentos mais sofi sticados geradoras de profundos sofrimentos com agravamento de

doenças e mortes evitáveis. Só de hipertensos temos 13 milhões e de diabéticos 4,5 milhões

na espera de agravamento com insufi ciência renal, AVC, doenças vasculares e outras, mais

de 90 mil portadores de câncer sem acesso oportuno à radioterapia, 25% dos portadores

de Tuberculose, Hansenianos e de Malaria sem acesso oportuno e sistemático ao sistema,

incidências anuais de 20 mil casos novos de câncer ginecológico e 33 mil casos novos de

AIDS, entre dezenas de exemplos de repressão de demandas.

Os gestores municipais e estaduais do SUS, os trabalhadores de saúde e os prestadores

de serviços encontram-se no sufoco e angústia de atender os sofrimentos e urgências

de “hoje e ontem”, obrigados a reprimir demandas sabendo penosamente que ações

preventivas e de diagnósticos precoces impediriam o surgimento da maior parte de casos

graves e urgentes, mas obrigados a priorizar os maiores sofrimentos e urgências devido a

insufi ciência de recursos. Os casos de corporativismos anti-sociais e até de prevaricações

e corrupções encontram terreno fértil nesse sufoco. Este contexto extremamente adverso

e desgastante não justifi ca, contudo passividades e conivências com irresponsabilidades

sanitárias perante os princípios e diretrizes Constitucionais, na gestão descentralizada do

SUS nem ao nível central. O modo de fi nanciar e institucionalizar a política pública com base

no direito à igualdade e à vida é ainda marginal, e muito cuidado e dedicação devem ser

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tomados para que as imprescindíveis inovações de gestão permaneçam vinculadas à visão

e compromisso de futuro e de sociedade pautados por esse direito. É o caso das Fundações

Estatais e outros, com rico potencial de reproduzir e superar os índices de qualidade e

efi ciência das OS, ao mesmo tempo que prescinde dos entes privados para gerir hospitais

públicos e assegura o rumo da construção das redes regionalizadas de atenção integral

à saúde com plena inserção dos hospitais públicos. Contudo, o “choque de gestão” tão

desejado e inadiável requer disposições de apoio, engajamento e remanejamento, que sem

recursos adicionais para aliviar o sufoco, pouco ou nenhum efeito conseguirá, a não ser

que haja opção para casos pontuais e limitados de inovação da gestão com mais recursos

e efi ciência (“vitrines”) sem atingir a estrutura do modelo de gestão do sistema. Até o

Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão, discutido, formulado e aprovado em

todas as instâncias do SUS em 2.005 e 2.006, com notável competência e coerência com

as diretrizes Constitucionais, encontra-se hoje ameaçado pelo sub-fi nanciamento, com o

MS mantendo no espaço deixado pela ausência de aportes de recursos imprescindíveis à

implementação das pactuações regionais e locais, a mera continuidade da fragmentação

dos repasses federais, premiações e incentivos. Lembramos que esse Pacto tem signifi cado

histórico comparável à reação contra a “quebra” do SUS em 1.993 com a aprovação pelo

MS, CONASS, CONASEMS e CNS do documento “A Ousadia de Cumprir e Fazer Cumprir

a Lei”, e a criação da Tripartite e Bipartites.

As questões do fi nanciamento do SUS e regulamentação da EC-29 são expostas do IVº

ao IXº tópico não com o mero objetivo descritivo/informativo e sim, para facilitar a refl exão

sobre o sinergismo e interdependência estratégicos entre a persistência de manter o sub-

fi nanciamento, e a persistência de manter os “pilares” ou “vigas mestras”, voltados para o

modelo da oferta, agora reciclado no “SUS pobre para os pobres e complementar para os

afi liados aos planos privados.” Em outras palavras: o estímulo ofi cial ao mercado dos planos

privados, a fragmentação dos repasses federais, o predomínio do pagamento por produção,

a precarização das relações de trabalho, a não implementação das redes regionalizadas e

da Integralidade, a não implementação do planejamento e orçamentação ascendentes, etc.,

tem tudo a ver com o subfi nanciamento e vice-versa, alimentam-se mutuamente.

Em nossa observação e percepção a partir de 2.000 tornou-se inequívoca a imperiosa

necessidade do “casamento” entre signifi cativos saltos na elevação do fi nanciamento, e na

inovação no modelo de gestão para assegurar o rumo Constitucional da construção do SUS.

Hoje isto nos parece evidente, em especial, sob o ângulo da formulação de estratégias

no CNS, na CIT, nos CES e nas CIBs, tarefa inabdicável e inadiável junto à mobilização

da sociedade. Os avanços em separado, ora no fi nanciamento, ora na gestão, também

inabdicáveis no cotidiano, já não acumulam a potência necessária às transformações dos

modelos de gestão e de atenção à saúde.

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III. A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA E OS MODELOS DE GESTÃO E ATENÇÃO À SAÚDE

Nas atribuições das conferências de saúde de propor diretrizes para a formulação da

política de saúde, e dos conselhos de saúde de atuar na formulação de estratégias, quais

as prioridades, direcionalidades e forças acumuladas para a compreensão, apropriação e

mudança dos “pilares” ou “vigas mestras” anti-SUS para “pilares” ou “vigas mestras” pró-

SUS? Desde 1.993, como se desenvolvem os gestores em relação a esses pilares, em

especial, nas Bipartites e na Tripartite? Como vem se desenvolvendo as relações entre os

conselhos de saúde e os gestores frente o desafi o de identifi car e mudar esses pilares? Com

que freqüência, persistência e competência esse desafi o vem constando nas deliberações

dos conselhos de saúde, nos relatórios das conferências, e basicamente, na atuação dos

conselheiros e delegados perante as entidades e movimentos sociais que representam, com

vistas à sua informação, politização e mobilização?

Após a histórica 8ª Conferencia Nacional de Saúde, a Comissão Nacional da Reforma

Sanitária composta por representantes de todos os segmentos públicos, privados, sociais e

partidários envolvidos com a saúde e reconhecida por portaria interministerial, debateu por

mais de um ano a formulação da proposta do que viria a ser o SUS, e que transformou-se na

base da discussão e aprovação na Assembléia Nacional Constituinte. Essa formulação foi

acompanhada e monitorada pela Plenária Nacional de Saúde, fórum dinâmico integrado por

entidades sindicais, movimentos sociais, entidades da Reforma Sanitária, parlamentares e

outros. Por fi nal, o histórico Simpósio de Política Nacional de Saúde de 1.989, que superou

a resistência conservadora contra a apresentação e tramitação da Lei Orgânica da Saúde no

Congresso Nacional. Todos estes eventos dos anos 80 só foram viáveis com mobilização,

organização e força política provenientes da condução fortemente progressista da ampla

frente política pelas liberdades democráticas e democratização do Estado, que articulou o

pluralismo partidário, as diferentes matizes ideológicas e os corporativismos da época em

torno do ideário republicano (coisa pública) dos direitos sociais e papel do Estado. Houve

consciência sufi ciente de quais eram os principais interesses e setores contra a criação do

SUS, e obviamente, das alianças capazes de superá-los.

A partir dos anos 90, a complexidade da composição partidária, corporativa e mercantil

da sociedade e do Estado muito aumentou, mas será que a ponto de ofuscar ou impedir a

consciência de onde estão os principais interesses e setores contra o SUS, e quais os aliados?

Alguns avanços ou resistências ainda que pontuais foram exemplares: foi o pluralismo

“republicano” que reuniu forças sociais e políticas na 9ª Conferência de Saúde em 1.992,

capazes de impulsionar a grande descentralização com ênfase na municipalização, incluindo

fundamental aliança com a Confederação das Misericórdias do Brasil, que desembocou na

histórica NOB-93 no ano seguinte. Foi esta força plural que também pressionou a esfera

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federal durante a 10ª Conferência em 1.996, a implementar a NOB-96 já pactuada mas

retida com medo de provocar a elevação dos gastos federais. Esta mesma força plural

mobilizou o Congresso Nacional, superou o “rolo compressor” do Governo, e conquistou a

aprovação da CPMF em 1.996 e da EC-29 em 2.000, com papel determinante das entidades

representadas no CNS.

Na indeclinável busca de soluções por mais efi ciência e resultados na gestão dos serviços

públicos de saúde, além do fi nanciamento e da política de pessoal, tornam-se imperiosas,

inovações no modelo de gestão. Nessa busca, assim como nas grandes questões do sub-

fi nanciamento e da desastrosa precarização das relações de trabalho, não só o governo, mas

todos os movimentos sociais devem ser irredutíveis. Nas inovações do modelo de gestão

torna-se evidente que a busca de soluções não é circunscrita ao PLP nº92/2007 que dispõe

sobre a criação de Fundações Estatais, que é vago e vulnerável a distorções, nem mesmo

à Emenda Substitutiva do Dep. Pepe Vargas, que é voltada às diretrizes do SUS, devendo

abranger mais alternativas.

Quais são as fundamentações e atuais encaminhamentos legislativos e de gestão

pública, e os interesses e tendências em jogo, da proposta de Fundações Estatais? – Quais

as alternativas de alterações, aprimoramentos e de evolução do processo? – Inclusive com a

assimilação dos doze pontos ou condições aprovados pelo CNS para qualquer inovação de

modelo de gestão? – Quais os vícios pendentes na atual administração direta e autárquica,

antisociais, e suas raízes seculares do Estado cartorial, patrimonialista e burocratizado?

– Quais os novos parâmetros da gestão e relações de trabalho capazes de atrair e fi xar

as equipes multiprofi ssionais junto a população, com qualidade e resolutividade, sem

descontinuidade, e sem abdicar de processos seletivos e concursos públicos ágeis e PCCS? –

Quais as possibilidades da estabilidade empregatícia estatutária ser requalifi cada, adequada

e delimitada por modelos de gestão efetivamente publicizados em função da centralidade

nos direitos dos usuários? Estas e outras questões de inescapável responsabilidade

permanecem demandando o imprescindível debate democrático e participativo, tanto no

âmbito dos gestores como dos conselhos de saúde, do Legislativo, da 13ª Conferência de

Saúde e da própria Sociedade.

Se houve equivoco até o momento é o desse debate amplo e conseqüente ter sido dado

como realizado, esgotado, com posições polares cristalizadas desde já, seja entre os gestores,

seja nos conselhos de saúde, seja entre os milhares de delegados das conferências. E houve

o equívoco. Ao reconhecê-lo fi ca claro o amplo e profundo espaço político que temos pela

frente, e o dever cívico de superar estes equívocos, a começar pelo crédito de que nem se

está querendo inovações no modelo de gestão para piorar para os usuários e trabalhadores

de saúde, e nem também se está contra as pretendidas inovações para permanecer o pior

que já vem acontecendo aos usuários e trabalhadores de saúde.

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Por fi nal, o que a participação democrática na mudança dos modelos de gestão e atenção

à saúde, deve para si mesma perante os papéis e responsabilidades dos “pilares” ou “vigas

mestras” referidos, por exemplo. a) na retomada do rumo da Atenção Básica elevar sua

qualidade e resolutividade até por volta de 80/85%, com atenção integral à saúde nas realidades

e necessidades de cada região, constituir-se da porta de entrada preferencial do sistema,

estender-se às camadas médias da sociedade e estruturar o conjunto do sistema? e b) na

implantação e implementação da diretriz Constitucional da Integralidade e Regionalização/

Hierarquização, isto é, das redes regionalizadas de ações e serviços de todos os níveis

de complexidade, desde a equipe de Saúde de Família aos ambulatórios e hospitais mais

especializados, incluindo a promoção, proteção e recuperação da saúde, com acolhimento,

vínculo à população, qualidade, resolutividade e extensão às camadas médias da Sociedade?

Estamos no rumo dessa construção, ainda que lentamente, ou o rumo já é outro?

IV. A QUESTÃO DA REGULAMENTAÇÃO DA EC-29

O esforço do Senado Federal por meio do PLS nº 121/2007 do Senador Tião Viana

e do PLP nº 01/2003 do Deputado Roberto Gouveia, este, tramitado e aprovado nas três

comissões obrigatórias da Câmara dos Deputados na forma do substitutivo Guilherme

Menezes, visando a regulamentação da EC-29, assim como o marcante seminário “Saúde

e Seguridade Social” realizado na Câmara dos Deputados nos dias 8 e 9 de Maio de 2007,

organizado pela Frente Parlamentar de Saúde, pela Comissão de Seguridade Social e

Família e pelas entidades da Reforma Sanitária Brasileira, com participação relevante do

CONASS, CONASEMS, CNS e MS, revelam o potencial do Congresso Nacional assumir

suas prerrogativas Constitucionais com autonomia.

No aspecto da adequação da contrapartida federal às necessidades amplamente

reconhecidas, a expectativa que empolgou e aglutinou essa participação, foi a de 10% da RCB,

a guiza dos 12% e 15% dos impostos respectivamente estaduais e municipais já contemplados

na EC-29. É fundamental ter presente que a atualização do fi nanciamento federal segundo a

variação nominal do PIB não vem sequer acompanhado o crescimento populacional, a infl ação

na saúde e a incorporação de tecnologias. Mantém o fi nanciamento público anual per-capita

(ao dólar da média anual do câmbio) abaixo do verifi cado no Uruguai, Argentina, Chile e Costa

Rica, (US$246 em 2004), e quatorze vezes menor que a média do Canadá, países europeus,

Austrália e outros (US$3.450 em 2004). Ao dólar internacional corrigido pelo poder de compra,

o per-capita brasileiro estava em 2004, quatro vezes menor que a média desses países (590

para 2.300). Os aspectos normativos da regulamentação aprovados em primeira votação na

Câmara dos Deputados no dia 31 de Outubro corresponderam à expectativa e participação

nos esforços, em especial a defi nição incontrastável do que são ações e serviços de saúde e

a dos gastos e prestação de contas transparentes.

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Um avanço recente é o “Mais Saúde” ou “PAC da Saúde”, onde o Governo Federal

assume publicamente o quadro estimado das necessidades de saúde da população

do país, assim como as metas também estimadas, das ações de prevenção e cura, de

promoção da saúde, da gestão do trabalho incluindo a formação, qualifi cação e valorização,

da qualifi cação da gestão do sistema, da participação social e cooperação internacional,

a maior parte contemplada do Plano Plurianual (PPA). Cabe aqui o destaque de que esta

iniciativa encontra-se plenamente prevista no âmbito do Pacto pela Vida, em Defesa do

SUS e de Gestão, que responsabiliza as instâncias descentralizadas da gestão do SUS,

pela adequação, formulação, planejamento e execução das metas, às realidades regionais

e locais, sob os ângulos das necessidades, custos, prioridades e etapas. Outra meta do

PAC da Saúde, esta sim, com grande potencial inovador, refere-se a intervenção positiva

do Governo no “Complexo Industrial da Saúde”, referente a produção de farmoquímicos,

medicamentos, equipamentos, materiais médico-odontológicos e outros, com vistas a

investimentos fi nanciados pelo BNDES e FINEP, à utilização estratégica do poder de compra

do Estado, ao desenvolvimento de ciência e tecnologia nacional na área e à produção

nacional, e conseqüente impacto no PIB, no modelo de desenvolvimento e no emprego na

área.

V. A RETRAÇÃO FEDERAL NO FINANCIAMENTO DO SUS

De 1.980 a 2.004: Queda federal de 75% para 49,6% e aumento da soma estadual/

municipal de 25% para 50,4%, de todos os recursos públicos de saúde.

De 2.000 a 2.006: Estabilização da contrapartida federal em relação ao PIB em 1,73% e

aumento da soma das contrapartidas estadual/municipal de 1,17 para 1,74%.

De 1.995 a 2.004: Queda federal de U$ 85,71 por habitante-ano para U$ 62,39. A soma

estadual/municipal aumentou entre 2.000 e 2.004, de U$ 44,15 para U$ 75,51.

De 1.995 a 2.004: Aumento da Receita Corrente da União perante o PIB: 19,7 para

26,7%. Queda dos gastos do Ministério da Saúde perante a Receita Corrente: 8,9% para

7,2%.

VI. O CENÁRIO DAS PROPOSTAS

A proposta dos 10% da RCB integra a lógica do Pacto pela Vida, em Defesa do SUS I-

e de Gestão, exaustivamente discutido por mais de um ano e em início de implementação

com metas, etapas e fi nanciamentos realistas. Absorve a aceitação penosa, mas realista

do descumprimento dos 30% do OSS indicados no ADCT da Constituição, que colocaria no

SUS, hoje, R$ 105,6 bilhões de origem federal e não os R$ 47,8 bilhões previstos para o

orçamento de 2008. Os 10% da RCB correspondem a aproximadamente 20% do OSS.

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Com os recursos federais correspondentes a 10% da RCB, os legisladores não II-

encontrarão resistências entre os governantes para que parte dos repasses federais aos

Estados (25% ou mais ou menos) seja rateada de modo a privilegiar mais aqueles com

menor renda per-capita, ao lado de outras medidas para redução das grandes desigualdades

sociais e regionais. A permanecer o critério da contrapartida federal ser corrigida somente

com a variação nominal do PIB, o fi nanciamento do SUS continuará nivelado por baixo

e exacerbando confl itos autofágicos entre Estados, entre Estados e Municípios, entre

Municípios e entre a União e Estados/Municípios, o que bloqueará o rateio redistributivo.

O PLP nº01/2003 da Câmara dos Deputados e o PLS nº 121/2007 do Senado III-

proporcionam passarmos da faixa de 150/200 dólares per-capita para a de 200/250, ainda

extremamente insufi ciente, mas sufi ciente para a retomada do rumo: devido aos recursos

adicionais imediatos, e principalmente à perspectiva de evoluir de acordo com a evolução da

arrecadação. O PLP 01/2.003, além do fi nanciamento, trata com conseqüência e detalhe, as

questões do que são ou não ações e serviços de saúde, das diretrizes dos

gastos e das prestações de contas. Será a retomada da esperança e segurança de

futuro, da construção das redes regionalizadas de atenção integral à saúde, com equidade.

A proposta de escalonamento da aplicação dos 10% da RCB foi apresentada pelos IV-

defensores do PLS nº 121/2007 e do PLP nº 01/2003, nas negociações, constando para

2.008 de 8,5% (59,9 bilhões), para 2.009 de 9% (69,5 bilhões), para 2.010 de 9,5% (80,5

bilhões) e para 2.011 de 10% (92,9 bilhões).

VII. O CENÁRIO DA VITÓRIA DA PROPOSTA DOS 10% DA RCB OU SIMILAR

Se forem aprovados os 10% da RCB, nada mais justo. Há alternativas com diferentes –

equivalências que podem ser consideradas, em aplicação simultânea ou não. Exemplo: 20%

do OSS.

Foi aventada também a alternativa da criação de contribuição permanente sobre a –

movimentação fi nanceira (CPMF), integrada no OSS, com alíquota inferior aos atuais 0,38%,

(por volta de 0,20%) incidente acima de determinado valor de movimentação, em caráter

permanente, que possibilite a destinação à saúde um valor mínimo com base em porcentual

do OSS, correspondente a aproximadamente R$ 93 bilhões para 2.011, com transição

escalonada de aproximadamente R$ 60 bilhões em 2.008, R$ 70 bilhões em 2.009 e R$ 80

bilhões em 2.010. (Valores similares à proposta de escalonamento dos 10% da RCB).

Outra alternativa seria estender a isenção da DRU além das partes do OSS destinadas –

à Previdência e Assistência Social, e se necessário vincular parcela da COFINS e da CSLL

para a saúde, de tal sorte que a parte destinada à Saúde será um porcentual do OSS com

as mesmas características expostas na alternativa anterior.

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Especifi camente para 2008, representações ofi ciais da ABRASCO, ABrES, CONASS, –

CONASEMS, CNS, CEBES, IDISA e CT/SIOPS trabalharam nos dias 16 e 19 de Janeiro de

2008, o valor do mínimo necessário para este ano, com base na variação nominal do PIB, no

calculo pelo CONASS e CONASEMS do adicional de 6 bilhões para serviços de média e alta

complexidade, medicamentos excepcionais, atenção pré-hospitalar de urgências e PAB fi xo,

e 4 bilhões vinculados ao “Mais Saúde” (PAC da Saúde) lançado pelo Presidente da Republica,

totalizando 58 bilhões, tudo em função da qualidade e efi ciência em situações cruciais para

a população e para a governabilidade dos gestores públicos descentralizados.

Este valor total está por coincidência muito próximo da proposta da aplicação escalonada

dos 10% da RCB.

A partir de um patamar mínimo de construção, e de esperança/confi ança para o futuro,

as representações da população usuária, dos trabalhadores de saúde, dos prestadores de

serviços, do governo, das entidades da reforma sanitária e outras, terão condições ainda que

no sufoco, de transformar em regra o que hoje é exceção: reunir a energia e a competência

necessárias para inovar modelos de gestão em prazo curto e médio, com vistas à efi ciência,

desempenho e resultados signifi cativos e sob controle social e democrático.

Garantindo, inclusive, a realização efetiva do recém lançado “Mais Saúde” ou “PAC da Saúde”.

VIII. O CENÁRIO DA DERROTA DA PROPOSTA DOS 10% RCB OU SIMILAR

O refrão “ceder anéis para não perder os dedos” já caducou de tantos anéis e dedos I-

perdidos, nas negociações da EC-29, da CPMF, do Fundo Previdenciário e dos 30% do

OSS. Que dedos restam a perder? Caso não passem os 10% da RCB ou equivalente, os

perdedores ao assumirem-se como tal perante si mesmos e a população, permanecerão no

patamar das boas lutas por políticas de Estado, junto à sociedade e fazendo história. Aos

“ganhadores” restarão os inesgotáveis sofi smas e explicações ininteligíveis inclusive para

eles mesmos, e a participação, consciente ou não, no desmanche do rumo Constitucional

do SUS, desviando-o para outro sistema.

O pacto social e federado entre 1.987 a 1.990 gerador do SUS e das Leis 8080/90 II-

e 8142/90 gerou também expectativas positivas para a evolução do fi nanciamento da nova

política pública, inclusive a contrapartida federal. Essas expectativas vêm passando nestes

17 anos por frustração cada vez mais indisfarçável, devido a persistência e conseqüência dos

atos de todos os governos, não somente de manter o baixíssimo fi nanciamento como também

propiciar desvios de rumo. Tamanha persistência e conseqüência revelam mais uma política

de Estado do que de Governo, cujo rumo está apontado mais para o “SUS pobre para os 80%

pobres, e complementar menos pobre para os 20% clientes de planos privados”, do que para o

SUS universal equitativo com adesão das camadas médias e dos servidores de saúde, tal qual

já vem ocorrendo em sociedades com maior desenvolvimento social e civilizatório.

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A Lei Orçamentária da União aprovada em Março/2008 manteve o critério da variação III-

nominal do PIB, sob a esperada e inclemente pressão da área econômica, e destinou ao

MS, R$ 48,5 bilhões, por volta de R$ 10 bilhões a menos da proposta escalonada, com o

inexorável colapso nos “gargalos” assistenciais apontados pelo CONASS e CONASEMS, mais

sofrimento da população usuária, tensão dos gestores e pressão por recursos emergenciais

a partir do segundo semestre de 2008, caso mantido esse critério na Regulamentação da

EC-29.

IX. A GRANDE NEGOCIAÇÃO

A esfera federal deveria assumir a grandeza histórica de seguir o critério de porcentual I-

sobre base orçamentária, interrompendo a retração da sua contrapartida e permitindo a

retomada do rumo da construção universalista e equitativa do SUS, ainda que essa construção

perdure por anos e mesmo décadas.

A esfera federal deveria contribuir para que o Congresso Nacional aprove a interrupção II-

da retração federal no fi nanciamento do SUS, por meio da sua vinculação à evolução da

arrecadação, tal qual já ocorre com os Estados e Municípios. Será o exercício altaneiro

das prerrogativas Constitucionais do Legislativo, e a oportunidade dos governos nas três

esferas, assumirem-se estadistas.

O PLS nº 121/2007 e o PLP nº 01/2003 permanecem no Congresso Nacional no III-

aguardo do prosseguimento de mobilizações e negociações, ainda em 2008. Preferentemente

a salvo dos sofi smas e distorções do signifi cado da extinção da CPMF e dos “humores” do

monetarismo do sistema fi nanceiro.

X. OS TRÊS PACTOS QUE SUSTENTAM O SUS E O DESAFIO DA POLÍTICA

PÚBLICA DE SAÚDE

Pacto Social – Federado: 1986/1990a)

Abrangeu a 8ª Conferência Nacional de Saúde, a Comissão Nacional da Reforma

Sanitária, a Assembléia Nacional Constituinte (CF de 1988), o Simpósio sobre Política

Nacional de Saúde na Câmara dos Deputados em 1989 e a Lei Orgânica da Saúde em 1990.

Defi niu e pactuou a política pública de Saúde e Seguridade Social, a Relevância Pública, o

Direito de Todos e Dever do Estado, os Determinantes Sociais da Saúde, e a Universalidade,

Igualdade, Integralidade, Descentralização, Hierarquização/Regionalização e Participação.

Pacto Federado-Social: 1993b)

Após a quebra do SUS com a retirada da fonte previdenciária, os gestores das três esferas

de Governo (CONASEMS, CONASS e MS) retomaram e aprofundaram o pacto federado,

criando as comissões intergestores de pactuação permanente (CIT e CIBs), aliando-se ao

Legislativo para efetivar a direção única com a extinção do INAMPS e aos conselhos de

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saúde e ao movimento da reforma sanitária com a discussão e aprovação do documento “A

Ousadia de Cumprir e Fazer Cumprir a Lei”. Esta repactuação somada ao empréstimo do

MS perante o FAT possibilitou prosseguir a construção do SUS.

Pacto Federado: 2005/2006c)

Após os revezes do caráter substitutivo da CPMF, do critério parcial de cálculo da

contrapartida federal na EC-29 e da postergação da votação da regulamentação da EC-

29 (completando mais de 5 anos), a CIT (Tripartite) atualizou os pactos anteriores à atual

conjuntura, aprofundou e avançou as pactuações na direção do modelo com base nas

necessidades e direitos da população, e lançou o “Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de

Gestão”, a seguir discutido e aprovado no Conselho Nacional de Saúde, com alto potencial

agregador e construtor do SUS.

A política pública de saúde – SUS ilustra concepção avançada de política socioeconômica d)

e de democratização do Estado, ao contrário do discurso sofi smado da corrente monetarista

de que há política econômica e há a política social separadas e autônomas entre si. Na

verdade essa corrente é portadora de um projeto socioeconômico para a sociedade incluindo

a saúde: um SUS pobre para os 80% pobres, de baixo custo e resolutividade, focalizado

nesta população, e simultaneamente complementar para os 20% que consomem planos

privados de saúde, com foco nos bens e serviços mais especializados e de maior custo,

passando por um festival de terceirizações e desvios de demanda para o mercado.

Cabe uma refl exão e discussão sobre o caráter “social-federado” do primeiro pacto,

“federado-social” do segundo e quase somente “federado” do terceiro, até o momento.

E outra refl exão acerca da secular promiscuidade da relação público-privado no Estado

brasileiro, que não reconhece, não enxerga ou distorce a prioridade e imprescindibilidade de

políticas públicas de proteção social aos direitos básicos (renda indireta) simultaneamente

à também imprescindível transferência direta de renda aos segmentos mais excluídos.

Eis aí um acerto de contas ensaiado pela sociedade civil na sua relação com o Estado

no processo Constituinte dos anos 80. Apesar de conquistar o capítulo da Ordem Social

na Constituição, ainda dessa vez não logrou potência e continuidade sufi cientes perante a

avalanche neoliberal monetarista que a partir de 1.989 retomou clara hegemonia. A história

parirá certamente a necessária repolitização e mobilização da sociedade civil, porque a luta

continua.

Referências Bibliográfi cas

1. Câmara dos Deputados – 8º Simpósio sobre Política Nacional de Saúde – 800 participantes –

“Carta de Brasília” – Rev. Saúde em Debate – v.29 – nº 70 – 2006

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2. Carvalho, G. – “Saúde: o Tudo para Todos que Sonhamos e o Tudo que nos Impigem os que com

Ela lucram” – Rev. Saúde em Debate – v.29 – nº 69 – 2.006

3. CEBES, Diretoria Nacional – Editorial: “Refundação do CEBES” – Rev. Saúde em Debate – v.30

– nº 71, 2006.

4. Fleury, S. – “Proteção Social em um Mundo Globalizado” – Rev. Saúde em Debate – v.29 – nº 71

– 2.006

5. Fórum da Reforma Sanitária Brasileira: ABRASCO – CEBES – ABrES – AMPASA – Rede UNIDA –

“O SUS pra Valer: Universalizado, Humanizado e de Qualidade” – Rev. Saúde em Debate – v.29 – nº

71 – 2.006

6. Rizzotto, M.L.F. – “As Propostas do Banco Mundial para as Reformas do Setor Saúde no Brasil nos

Anos 90” – Rev. Saúde em Debate – v.29 – nº 70 – 2.006

7. Campos, G.W.S. – “Reforma Política e Sanitária: a Sustentabilidade do SUS em Questão?” – Rev.

Ciência e Saúde Coletiva – v.12 – nº 2 – 2.007

8. CEBES, Diretoria Nacional – Editorial – Rev. Saúde em Debate – v.30 – nº 72 – 2.007

9. CEBES, Diretoria Nacional – “O CEBES na 13ª Conferência Nacional de Saúde”, Rev. Saúde em

Debate – v.30 – nº 72 – 2.007

10. Fleury, S. – “O PAC e a Saúde” – Boletim CEBES – nº 3 – 2.007

11. Santos, N. R. – “O Desenvolvimento do SUS sob o Ângulo dos Rumos Estratégicos e das

Estratégias para a Visualização dos Rumos: a Necessidade de Acompanhamento” – Rev. Ciência e

Saúde Coletiva – v.12 – nº 2 – 2.007

12. Ministério da Saúde/ Comissão Intergestores Tripartite/ Conselho Nacional de Saúde – “Pacto

pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão” – Março/2006

13. Ministério da Saúde – “Mais Saúde” (PAC da Saúde) – metas para 2008 – 2011 – Outubro/2007

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4. Práticas orçamentárias a esvaziar a Seguridade Social

Floriano José Martins*

Flávio Tonelli Vaz**

Resumo:Os defensores da reforma da previdência têm evitado muitas questões e fazem

um enfoque parcial, para se dizer o mínimo. Excluem todos os elementos políticos, eletivos,

envolvidos nesse sistemático e continuado processo de corte de direitos sociais. Apresentam

as mudanças como eminentemente técnicas e inevitáveis, para inibir a resistência dos

segmentos atingidos. Esse artigo apresenta um enfoque diferenciado: uma análise do

Orçamento da Seguridade Social para descortinar as questões políticas envolvidas nesse

temário da reforma da previdência e as opções que têm sido adotadas, seus interesses e

seus benefi ciários e, assim, contribuindo para que a sociedade possa vislumbrar a inclusão

previdenciária como saída para ampliar a cidadania num modelo de desenvolvimento

econômico e social. Esse Orçamento concentra a maior parte dos programas e ações

de cunho social desenvolvidas pelo governo federal; fi nancia ações de mesma natureza

desenvolvidas por estados e municípios e padece de um processo que o descaracteriza:

com subtração de recursos e alocação de despesas estranhas, com o objetivo de legitimar

mais os diversos cortes de direitos.

Introdução

A disputa pela apropriação da riqueza é muito mais ampla do que vislumbra o senso

comum. É fácil reconhecê-la no enfrentamento de natureza sindical, por salários e melhores

condições de trabalho. Mas, essa disputa está presente em outros palcos de luta. Está

mascarada, por exemplo, em embates de natureza política, na defi nição sobre o papel do

Estado, na garantia dos direitos sociais e dos programas de governo, em resumo, na defi nição

de quais interesses vão determinar o fl uxo do dinheiro público. A disputa pela apropriação da

riqueza também se materializa em questões tributárias e na execução do orçamento público,

na defi nição, respectivamente da origem e do destino dos recursos públicos.

É dentro do contexto dessa disputa que devemos analisar quem fi nancia o Estado, que

segmentos sociais e econômicos são efetivamente tributados, no seu patrimônio, na sua

renda e no seu consumo; e quem se benefi cia desses recursos, verifi cando o destino e a

natureza das despesas públicas.

(*) Floriano José Martins, é formado em administração pela UFSC, com especialização em gestão previdenciária pela ESAG/

SC. É Diretor-Presidente da Fundação ANFIP de Estudos da Seguridade Social;

(**) Flávio Tonelli Vaz, bacharel em Direito pela UnB e assessor técnico na Câmara dos Deputados atuando nas áreas de

orçamentos, contas públicas e seguridade social.

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Este artigo analisa o Orçamento da Seguridade Social quase vinte anos depois de estar

consagrado no texto constitucional. Se for importante identifi car na sua execução, de receitas

e de despesas, desvios que o afastam das fi nalidades para as quais foi concebido, mais

ainda é compreender os interesses que sustentam essa realidade.

Entendemos que o constante movimento de desconstrução da rede pública de proteção

social e dos mecanismos de efetivação da cidadania e dos direitos sociais e coletivos está

identifi cado com esses desvios do Orçamento da Seguridade Social. Afi nal, esse Orçamento

é uma base importante para materializar essa rede de proteção social.

Esses mesmos interesses movem essas sucessivas reformas da previdência social

que ampliam requisitos e carências e ainda assim afastam ou impedem o trabalhador dos

benefícios. Essas reformas representam interesses de classe. Está evidente que elas

integram essa disputa pela apropriação da riqueza e da renda, tendo como foco o papel

do Estado na garantia de direitos e no volume de recursos que estão a sustentar essas

transferências de recursos para o trabalhador.

A Seguridade Social e o seu Orçamento, construções históricas ainda pen-

dentes de implementação

O processo constituinte produziu grandes avanços no campo social. Mas, a não

implementação de várias dessas decisões coloca em risco a efetividade de muitos desses

direitos, especialmente os relacionados à Seguridade Social.

Pontualmente, poderíamos citar, como grandes avanços dentro da Seguridade Social, o

conceito, um conjunto de ações destinadas a assegurar direitos relativos à saúde, previdência e

assistência social; os princípios e a identifi cação com a cidadania, com uniformidade, equidade

e universalidade; e o seu Orçamento próprio, o principal instrumento de efetivação desses

direitos, com pluralidade de fontes de fi nanciamento e programações de despesas dos órgãos

responsáveis pela prestação dessas funções públicas. Nesse aspecto, a não efetivação do

Orçamento da Seguridade Social, separando-o do Orçamento Fiscal, a subtração de suas

receitas exclusivas e o inchaço com despesas estranhas à Seguridade, não refl ete o seu

conceito constitucional e põem em risco os direitos que a Seguridade deveria assegurar.

Como veremos nos capítulos seguintes, esses desvios envolvem anualmente subtração

de receitas que superam a marca de R$ 34,5 bilhões e um desvio em programações estranhas,

que estão classifi cadas como da Seguridade Social, de R$ 49 bilhões. Não é de se estranhar

que, com essa construção, esse Orçamento seja apontado como defi citário, que precise

ser complementado com recursos fi scais e, portanto, responsabilizado pela incapacidade

estatal de realizar os investimentos em infra-estrutura que o país demanda ou permitir um

maior desembolso em áreas como educação, um investimento no futuro, fundamental para

ampliar a capacidade de produção da sociedade brasileira.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

No entanto, uma análise correta dos números do Orçamento da Seguridade Social

permitiria concluir que quase a totalidade de superávit primário realizado pelo Governo

Federal (excluindo estatais) advém dessa subtração de receitas e desvio de fi nalidade nas

despesas com recursos da seguridade.

Infelizmente, esses abusos não derivam de um processo que possa ser caracterizado

como exceção – um período onde pressões sobre as contas públicas demandam um sacrifício

temporário para esses programas e para a sociedade.

A permanência da atual política econômica impõe seu preço sobre o conjunto de direitos

dos trabalhadores. As desvinculações de receitas da Seguridade Social são apenas uma

dessas exigências. Nasceram como disposição temporária em 1994, como a primeira Emenda

Constitucional de Revisão33 para durar por dois exercícios. Mas vigorará, sob as mais diversas

formas, por pelo menos vinte anos, a se confi rmar a renovação da Desvinculação das Receitas

da União pelo Senado Federal neste fi nal do ano. Essa “poderosa e perversa alquimia”,

como apontaram Ivanete Boschetti e Evilásio Salvador (BOSCHETTI e SALVADOR, 2006),

“transforma os recursos destinados ao fi nanciamento da Seguridade Social em recursos

fi scais para a composição do superávit primário”.

Além de demandar mais e mais recursos para a produção de superávits, ser um empecilho

à devida prestação de serviços públicos e determinar sucessivas reformas para desobrigar

cada vez mais o Estado da garantia de direitos ao cidadão, essa política econômica aponta

para uma direção completamente oposta à que permeia o Capítulo “Dos Direitos Sociais” da

Constituição Federal. Pelas palavras de André Azevedo Sette, está presente nesse texto, um

“solidarismo constitucional” que se contrapõe ao individualismo; há a busca de efetividade de

direitos e não apenas a sua previsão; e, na prática dos direitos sociais, uma conscientização

das exigências de um Estado de Justiça Social (SETTE, 2006).

Quando os defensores desse modelo econômico estão a exigir mais uma reforma

previdenciária, quando subtraem a capacidade estatal de efetivar direitos, estão a aprofundar

raízes de outros interesses que primam pelo individualismo, em contraposição à construção

social e coletiva dos serviços públicos. A construção desse Estado mínimo, que viabiliza a

produção de superávits primários crescentes, também tem o papel fundamental de assegurar

resultados positivos a outros segmentos do capital, pois disponibiliza vários setores sociais

para o consumo de serviços que deveriam ser prestados pelo Estado.

Na saúde, por exemplo, a qualidade dos serviços muito aquém do desejado, a falta de

pessoal, as condições de instalação e funcionamento, a incerteza decorrente das fi las etc.,

não dão outra alternativa senão a fi liação a planos de saúde suplementar. Dados da ANS34,

de junho de 2007, informam que 46,2 milhões de brasileiros são hoje consumidores desses (33) Depois do fracasso das emendas apresentadas pelo Governo Collor, o processo revisional, mesmo sem ter produzido

grandes alterações no texto, foi o início de um longo período de desconstrução dos avanços alcançados na Constituinte.

(34) www.ans.gov.br/portal/upload/informacoesss/caderno_informaca_09_2007.pdf

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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produtos. Somente a partir de 2001, foram doze milhões de novos contratados.

Na previdência, as sucessivas reformas, a falta de estabilidade das regras, o discurso

da falência, a instituição de teto para o valor dos benefícios previdenciários etc. também

reservam uma parcela grande da sociedade brasileira para os fundos privados. Dados

da Abrapp (Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Privada) e da

Fenaprev (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida) indicam que a captação

desses produtos vem crescendo a mais de 20% ao ano há vários exercícios, chegando a

26,8% no comparativo entre o primeiro semestre de 2007 com igual período de 200635.

A introdução no texto constitucional de um teto para o valor dos benefícios em valores

nominais (corrigido anualmente pela infl ação) é um fator importante a reservar mercado para a

previdência complementar privada. Quando foi proposto, no valor de R$ 1.20036, signifi cava dez

mínimos; mas, na data de promulgação da Emenda Constitucional valia tão somente 9,2 salários.

Esse valor veio caindo até dezembro de 2003, quando foi novamente alterado por outra Emenda

(EC 41) para R$ 2.400. Em novembro de 2007, já correspondia a 7,6 salários mínimos.

O salário mínimo continuará crescendo acima da infl ação até 2011 (para um crescimento

real médio do PIB muito provável de 4% entre 2006 e 2008, portanto, até 2011 o salário

mínimo crescerá em torno de 17% acima da infl ação37). Assim, No primeiro ano do mandato

do próximo presidente, o teto da previdência deve estar situado entre 6 e 6,5 salários mínimos.

Para o trabalhador resta a certeza de que, na melhor das hipóteses, mesmo que tenha

contribuído em valores mais elevados, esse será o teto do seu benefício. Para benefícios

maiores, resta tão somente contratá-los no mercado.

Esse teto somente não vem caindo também em relação à remuneração habitual paga

pelo setor privado, porque a geração de empregos formais, embora em expansão, não foi

ainda capaz de recuperar a formalização existente no começo dos anos 90, nem muito

menos os salários pagos no setor privado do período 1996/199738.

Se esse dispositivo não for alterado, em pouco tempo teremos implantado no Brasil, por

vias transversas, uma velha proposta dos organismos internacionais, e de muitos adeptos

no Brasil, de restringir a previdência social a uma cesta básica com benefícios de até

três salários mínimos, reservada toda a demanda por maiores benefícios aos regimes de

capitalização privados, com tudo o que isto representa de risco para o participante e de lucro

para o mercado fi nanceiro.

(35) respectivamente www.abrapp.org.br e Canal Executivo (19-09-2007). ‘Captação da previdência privada cresceu 31%

em julho�. Em http://www2.uol.com.br/canalexecutivo/notas07/190920075.htm

(36) Valor constante da EC 20, de dezembro de 1998.

(37) A Câmara dos Deputados aprovou o PL 01/2007, em maio deste ano. A proposição está em tramitação no Senado.

(38) Em março de 2007, a Anfi p e a Fundação Anfi p lançaram uma publicação “Previdência Social e Salário Mínimo”, disponível

em www.anfi p.org.br onde analisam, dentre outras questões, a evolução de rendimentos do trabalho, grau de formalização do

trabalho e da cobertura previdenciária e as repercussões desses dados nas contas da previdência social, bem como o papel do

salário mínimo, da previdência social e dos benefícios assistenciais na distribuição e interiorização da renda em nosso país.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

Em suma, os desvios do Orçamento da Seguridade Social cumprem importantes

papéis: para a política fi scal, viabiliza superávit; para a saúde, é o principal instrumento

de precarização dos serviços; para a previdência social, viabiliza o principal elemento do

discurso de falência do sistema e de inevitabilidade das reformas; e, para os interesses dos

mais diversos setores econômicos, oportunidade de grandes negócios.

Um dos principais instrumentos a acobertar esses desvios é a não separação dos

orçamentos Fiscal e da Seguridade Social. Essa falta de transparência esconde os fl uxos

fi nanceiros e de programações de despesas entre esses orçamentos.

Fruto inclusive dessa não separação, no Orçamento da Seguridade Social, ao

invés de atender às programações relativas à saúde, assistência e previdência social,

constam despesas de praticamente todos os órgãos e entidades do governo federal,

independentemente das suas áreas de atuação. Não é de se estranhar que também seja

reiteradamente descumprido o mandamento constitucional (art. 195, § 2º), que determina

ser de competência dos órgãos responsáveis pela saúde, previdência e assistência social a

elaboração da proposta orçamentária da Seguridade. Esse dispositivo somente foi cumprido

no breve período do governo Itamar, conforme pode ser visto pelas mensagens presidenciais

que encaminham anualmente a proposta de lei orçamentária para tramitação no Congresso

Nacional.

Outra conseqüência, já no campo das receitas, é uma grande confusão, que pode ser

vista, por exemplo, até mesmo no Balanço Geral da União39. Nele consta como receita do

Orçamento Fiscal uma parcela muito grande de recursos oriundos de contribuições sociais,

muito além do resultado das desvinculações produzidas pela DRU – Desvinculação das

Receitas da União.

Ao arrepio do disposto no art. 27, inciso I, da Lei n.º 8.212, de 199140, parte das receitas

provenientes de juros, multas, correção monetária e até mesmo da recuperação da dívida

ativa de contribuições sociais, que são fontes do Orçamento da Seguridade Social, constam

como receitas do Orçamento Fiscal. É importante ressaltar que não se trata da parcela desses

encargos moratórios que integram as receitas do Fundaf (um fundo para aparelhamento da

receita federal, composto por parcela da receita de juros e multas). As receitas do Fundaf já

estão classifi cadas em separado. Na prática, são recursos da seguridade social que acabam

sendo classifi cados junto com os recursos desvinculados pela DRU, como recursos livres (a

chamada fonte 100).

Há situações ainda mais inusitadas: no Balanço, até mesmo a parcela da CPMF

relativa ao fundo da pobreza é classifi cada como receita do Orçamento Fiscal. Também há

(39) Os Balanços Gerais da União podem ser acessados em http://www.stn.fazenda.gov.br/contabilidade_governamental/

gestao_orcamentaria.asp

(40) Lei n.º 8.212, de 1991. Art. 27. Constituem outras receitas da Seguridade Social: I - as multas, a atualização

monetária e os juros moratórios; (...)

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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confusão nas receitas derivadas das taxas por poder de política relativa a serviços e ações

do Ministério da Saúde (vigilância sanitária e saúde suplementar), cuja previsão também

consta do Orçamento Fiscal. Na mesma situação estão as receitas das contribuições sociais

instituídas para custear a correção do FGTS.

A aplicação desses recursos é feita no Orçamento da Seguridade Social, já que se dá

em despesas que integram este Orçamento, mas situações em que as receitas integram o

Orçamento Fiscal e as despesas o da Seguridade resultam em “transferências” do Orçamento

Fiscal para a Seguridade Social. A “devolução” desses recursos para a Seguridade engrossa

as estatísticas do défi cit coberto com recursos fi scais. Em sentido oposto, a parcela nada

desprezível de recursos desvinculados das contribuições sociais pela DRU não é classifi cada

enquanto transferência da Seguridade para o Orçamento Fiscal. É simplesmente tratada

como recurso próprio do Orçamento Fiscal.

Assim, as leis orçamentárias traduzem esse “retorno” como recursos fi scais a custearem

despesas do Orçamento da Seguridade Social, como podem ser visto no art. 3º, do projeto

de lei orçamentária para 2008 (PL 30/2007 – CN):

Art. 3º A despesa total fi xada nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social é de R$

1.352.543.609.047,00 (...), na forma detalhada entre os órgãos orçamentários no Anexo

II e assim distribuída:

I - Orçamento Fiscal: R$ 576.009.472.737,00 (...);

II - Orçamento da Seguridade Social: R$ 365.243.434.911,00 (...); e

III - Refi nanciamento da dívida pública federal: R$ 411.290.701.399,00 (...).

Parágrafo único. Do montante fi xado no inciso II deste artigo, a parcela de R$

23.533.642.410,00 (...) será custeada com recursos do Orçamento Fiscal. (grifamos)

Há um silêncio absoluto sobre a parcela de receitas do Orçamento Fiscal que tem como

origem recursos desvinculados do Orçamento da Seguridade Social.

Inusitada é também a receita relativa ao Fundo de Saúde Militar. Essa receita consta como

do Orçamento Fiscal, no entanto, todas as despesas relativas a essas programações estão

classifi cadas como sendo do Orçamento da Seguridade Social e, nesse caso em particular,

como será discutido em capítulos posteriores, nem deveria constar da programação da

Seguridade, posto que não é uma despesa do Sistema Único de Saúde, mas um encargo

estatal em benefício dos militares.

A tabela a seguir mostra como foram classifi cadas as receitas das contribuições sociais.

Além dos valores totais arrecadados (que inclui para cada contribuição, o valor do principal

acrescido dos acréscimos relativos a juros, multas e correções), estão discriminadas a parcela

devida ao Fundaf e o volume de recursos dessas contribuições que foram desvinculados e

classifi cados como recursos livres. Os dados mostram que essas desvinculações superaram

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até mesmo os efeitos da DRU. Os números são relativos a 2006, extraídos do SIAFI.

Dos pouco mais de R$ 301 bilhões de receitas realizadas, uma pequena parcela foi

destinada ao Fundaf. Considerando-se que há previsão legal para essa destinação e que

se aplicados, esses recursos contribuem para a melhoria da arrecadação das contribuições

sociais, deveriam ser classifi cados como recursos da seguridade R$ 300,5 bilhões. No entanto,

apenas R$ 266 bilhões estão associados a essas fontes. Foram portanto desvinculados mais

de R$ 34,5 bilhões, um valor R$ 168,8 milhões acima do que determinado pela DRU.

Diante de tamanha confusão de números e conceitos, não é de se estranhar que

sempre apareçam dados tão díspares a tumultuar os debates sobre a Seguridade Social41.

A não separação dos orçamentos e a confusão que se cria quanto à origem das fontes de

fi nanciamento da Seguridade permitem os variados discursos.

O instrumento da desvinculação, que mistura os recursos desvinculados a outros que

têm os impostos como origem, também não contribui para uma análise do fl uxo dos recursos

entre os orçamentos, nem mesmo permite identifi car o destino fi nal dos recursos que por

um dispositivo transitório foram subtraídos do Orçamento da Seguridade Social. É fato que

o governo tem autorização constitucional para retirar parcela dos recursos da seguridade

por meio da DRU. Mas, não é correto esconder esses efeitos do debate público. Não é

nada transparente, subtrair mais de R$ 34,5 bilhões de receitas que foram arrecadadas para

(41) Atém mesmo os números apresentados pelo Governo no Fórum da Previdência, em contraposição aos da Anfi p, em Aná-

lise da Seguridade Social em 2006, estão diferentes dos que constam do Siafi .

Receitas de contribuições sociais arrecadadas em 2006 e o efeitos das desvinculações da DRU e de outros desvios

Previdenciárias

COFINS

CPMF

Cont. Social Lucro

PIS/PASEP

Correção do FGTS

Conc. Prognósticos

Outras contribuições sociais

SOMA

Contribuição Social

122.466,3

90.422,7

32.019,5

27.291,1

23.890,7

2.831,3

1.533,6

627,2

301.082,3

Total Global(a)

0,0

208,7

5,6

190,8

109,8

0,0

0,0

0,0

514,9

Fundaf(b)

122.466,3

90.214,1

32.013,9

27.100,3

23.780,8

2.831,3

1.533,6

627,2

300.567,4

Líquido daSeguridade

(a) - (b)

122.466,3

72.063,8

26.938,5

21.621,8

18.942,2

2.265,1

1.227,0

497,7

266.022,4

Classificados como seguridade

(c)

0,0

18.150,2

5.075,3

5.478,5

4.838,7

566,3

306,6

129,5

34.545,0

Total desvinculado

(d) = (a)-(b)-(c)

0,0

18.084,5

5.057,0

5.458,2

4.778,1

566,3

306,7

125,4

34.376,3

DesvinculaçãoDRU(e)

0,0

65,7

18,4

20,3

60,5

0,0

-0,2

4,1

168,8

Outros desvios(d) - (e)

Notas: Total Global, inclui receita do principal, juros, multas e encargos. Fundaf: parcela de juros e multas destinadas ao aparelhamento da Receita. Total desvinculado: parcela das receitas das contribuições sociais classificada como recursos livres. Outros desvios: diferença entre o total desvinculado por fonte e o permitido pela DRUFonte: SIAFI

R$ milhões

TABELA 1

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atender a ações e programas da Seguridade Social e, ainda assim, disseminar aos quatro

ventos que há défi cits na seguridade como justifi cativa para impor mais perdas de direitos

aos trabalhadores.

O fi nanciamento da Seguridade Social

Desde o acordo com o FMI, ao fi nal de 1998, o governo federal promoveu um aumento

da carga tributária baseado nas receitas das contribuições sociais e econômicas (como a

CIDE-Combustíveis) e das mais diversas taxas. Estudos da Receita Federal42 indicam que

em 1998, a arrecadação da União situava-se em 20,73% do PIB; ao fi nal de 2006, esse valor

já representava 23,75%. Embora tenha aumentado a receita total, a parcela proveniente a

tributos (impostos e taxas) caiu de 8,28% para 7,85% e, em contrapartida, as receitas de

contribuições sociais aumentaram de 9,93% para 13,37% do PIB. A tabela abaixo mostra

essas mudanças ocorridas dentro do projeto de ajuste fi scal brasileiro.

Os números indicam que a carga tributária avançou 4,3 pontos percentuais do PIB e

que a União fi cou com dois terços desse aumento. E mais, que as receitas de contribuições

sociais cresceram relativamente mais do que o dobro do aumento verifi cado na carga

tributária total.

Como esse processo se deu diante da opção política de ampliar substantivamente as

metas de superávit primário, a ela deveria ter correspondido um aumento das receitas do

Orçamento Fiscal, responsável pelos encargos da dívida e outras despesas fi nanceiras.

Não foi essa a opção adotada pelo governo federal. A receita de impostos caiu. Então

o aumento das receitas das receitas de contribuições sociais e, portanto, do Orçamento da

Seguridade Social, não poderia corresponder a um incremento de igual monta nas despesas

(42) http://www.receita.fazenda.gov.br/Historico/EstTributarios/Estatisticas/default.htm

Evolução da carga tributária brasileira e a sua distribuição por esferaapós as transferências, em percentual do PIB

União

Impostos e taxas

Contribuições sociais

outras

Estados

Municípios

Total

20,7

8,3

9,9

2,5

7,9

1,3

29,9

1998

23,8

7,9

13,4

2,5

9,0

1,5

34,2

2006 Diferença

3,0

-0,4

3,4

0,0

1,1

0,2

4,3

14,6%

-5,2%

34,6%

0,8%

14,3%

14,1%

14,5%

Fonte: estudos tributários da SRF

% PIB

TABELA 2

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desse Orçamento. O aumento das receitas da Seguridade Social viabilizou a produção de

superávits primários porque, pela ação das desvinculações, o governo não estava obrigado

a ampliar gastos em saúde, previdência e assistência social.

Isto não signifi ca que não tenha ocorrido aumento nessas programações. Em resposta a

diversos movimentos políticos, a partir de 2000, cresceram as despesas com saúde; desde

2003, crescem despesas da assistência social; a partir de 2004, sucessivos aumentos

reais concedidos ao salário mínimo impactam a previdência e as despesas com benefícios

assistenciais. Mas, não se alterou o eixo da política econômica e das metas fi scais de

superávit primário.

Ainda assim, a pluralidade das fontes de fi nanciamento do Orçamento da Seguridade

Social garantiu recursos para todas essas ações e manteve-se superavitário durante todo

esse período mesmo com os desvios de recursos praticados pela DRU.

O Orçamento da Seguridade não foi concebido para ser superavitário, ainda mais à custa

da precarização de serviços, a sonegação de direitos e aos baixos valores disponibilizados

para as famílias de baixa renda. Mas, podemos utilizar essa situação em prol de objetivos

importantes de resgate aos direitos e à melhoria dos serviços de saúde, previdência e

assistência social.

É preciso ressaltar ainda, que as receitas de contribuições sociais resultam de um processo

tributário que faz recair direta (sobre os salários) ou indiretamente (sobre a folha de salários

e o consumo) os seus efeitos sobre a população de baixa renda. Excelentes trabalhos,

como os de Ivanete Boschetti e de Evilázio Salvador (BOSCHETTI, Ivanete e SALVADOR,

Evilázio. 2006), analisando dados do IBGE sobre o orçamento familiar, apresentam números

que indicam como cresceu a tributação indireta sobre o consumo para as famílias de menor

renda. Os dados indicam que em 1996, “quem ganha até 2 salários mínimos gasta 26%

de sua renda no pagamento de tributos indiretos”. Esse percentual, em 2003 já alcançava

46%. Para as faixas de maiores rendas, o aumento foi bem menor, de 7% para 16%. Esse

crescimento não se deu exclusivamente pelo aumento das contribuições sociais, pois o

consumo, e não a propriedade e a renda é à base do nosso injusto sistema tributário. Mas,

signifi ca que devemos ter atenção especial sobre a utilização desses recursos. Agravaremos

a injustiça produzida pelo nosso sistema tributário se depois de reduzirmos a capacidade

de consumo e da qualidade de vida desses segmentos sociais para aumentarmos a fatia do

Orçamento a ser disponibilizada exatamente para os que estão a se locupletar das despesas

fi nanceiras do Estado.

Outra questão importante relativa ao fi nanciamento da seguridade diz respeito à

execução fi nanceira desse Orçamento. No texto promulgado da Lei n.º 8.212, em seu art. 19,

estava estabelecido que os recursos destinados à execução do Orçamento da Seguridade

Social seriam entregues aos órgãos responsáveis nos mesmos prazos estabelecidos para

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os repasses dos Fundos de Participação, ou seja, a cada dez dias. Partia-se do pressuposto

que esses recursos não se prestavam ao entesouramento, na prática não pertenciam ao

Tesouro, mas aos órgãos responsáveis pela Seguridade. No início do Governo FHC a MP 935

(de 07/03/1995) revogou esse dispositivo. Desde então fi cou estabelecido, genericamente,

repasses mensais. E, com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC n.º 101, de 2000), os repasses

passaram a privilegiar a consecução dos resultados primários. Cada órgão tem estabelecido

um cronograma de limites para movimentação e emprenho das dotações orçamentárias

e para execução fi nanceira. Na imensa maioria das vezes, os limites constantes desses

decretos sequer permitem aos órgãos e entidades da seguridade a execução integral dos

limites constantes da lei orçamentária anual.

Como conseqüência da involução de todo esse processo, além da desvinculação da

DRU e de outros desvios que subtraem recursos das contribuições sociais, a parcela restante

(que sobreviveu à desvinculação) arrecadada com essas contribuições passou a fi car retido

na Conta Única do Tesouro, engrossando a produção do superávit primário.

A próxima dá uma dimensão dessas retenções em 2007. Além do valor acumulado ao

longo dos exercícios anteriores, tem-se o valor médio mensal que fi cou retido ao longo

desse ano. Ao fi nal de outubro, mais de R$ 25 bilhões estavam repousando na conta única

a observar a precariedade da saúde, a exclusão previdenciária etc.

Além dessas retenções verifi cadas nas receitas de contribuições sociais, até mesmo recursos

próprios dos diversos órgãos são estocados. Somente no âmbito do Ministério da Saúde, em

novembro, havia R$ 622 milhões de disponibilidades em recursos dessa natureza.

Devem ainda merecer a atenção dos defensores da Seguridade as movimentações sobre

a reforma tributária. Se for importante melhorarmos a qualidade da política tributária em

Disponibilidades de recursos por fonte, valor existente ao final de 2006, em outubro de 2007e o valor médio mensal, para o total das disponibilidades e fontes selecionadas

Fonte: SIAFI

R$ milhões

Contribuições sobre concursos de prognósticos

Contribuições para os programas PIS/PASEP

Contr. Social sobre o Lucro das Pessoas Jurídicas

COFINS

CPMF

Fundo de combate e erradicação da pobreza

Soma dos itens acima

Valor total de disponibilidades

1.064,5

290,0

2.070,1

2.409,4

7.365,1

3.034,7

16.233,7

257.312,2

Final de 2006 Outubro 2007Fonte Selecionadas

1.486,3

986,1

11.285,8

4.442,2

1.872,3

3.394,1

23.466,8

333.707,4

Valor médiomensal

1.358,3

871,3

7.033,7

9.120,2

2.948,4

2.867,9

24.199,9

313.633,0

TABELA 3

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nosso país, equalizar a sua distribuição em relação à capacidade econômica dos agentes,

simplifi car todo o sistema, não podemos perder nem a capacidade econômica do Orçamento

da Seguridade Social nem a pluralidade de suas fontes.

A programação de despesas a cargo do Orçamento da Seguridade Social

A análise das despesas do Orçamento da Seguridade Social exige que sejam agrupadas

dentre os grandes grupos da saúde, previdência e assistência social. Assim procedido, é

preciso identifi car os gastos que não se enquadram nos limites constitucionais e legais.

As despesas previdenciárias

Os gastos previdenciários são aqueles correspondentes ao Regime Geral de Previdência

Social, pois esse é o modo de organização da previdência social, nos termos constitucionais.

Para melhor compreensão desses números, eles podem ser diferenciados em razão dos

segurados (em urbanos e rurais). É preciso ainda separar as despesas que derivam de

precatórios e requisições de pequeno valor.

A diferenciação entre urbanos e rurais é meramente acadêmica: ambos são benefícios

previdenciários, substitutivos da renda do trabalho, compreendidos no mesmo regime geral,

fi nanciados pela mesma pluralidade de fontes, respeitada, no regime de repartição, a solidariedade

entre cidade e campo. Por esse motivo, não é correto dizer que os benefícios rurais têm natureza

assistencial. Se há modelos contributivos diferenciados, é para atender à capacidade econômica

– inclusive quanto ao princípio de equidade na forma de participação de custeio - e à renda

dos diversos tipos de segurados e ainda ponderar o efeito das múltiplas renúncias, isenções e

imunidades tributárias, que afetam diretamente as receitas previdenciárias.

Diferenciar os pagamentos relativos às ações judiciais é importante, pois esses pagamentos

incluem parcelas referentes a atrasados, ou seja, a diversos exercícios anteriores. A não

diferenciação dessas parcelas difi culta a análise das contas previdenciárias. E, ainda, esses

pagamentos confundem benefícios urbanos e rurais.

É preciso ainda separar os benefícios instituídos por legislação especial. São pagos pelo

INSS, porém, designados por lei específi ca - atendem à natureza indenizatória ou meritória –

como no caso do acidente da base espacial de Alcântara e da Hemodiálise de Caruaru, dos

anistiados, dos atingidos pelo problema do Césio 137 em Goiânia, das vítimas da Talidomida,

das reclusões compulsórias da hanseníase). Esses benefícios têm o Tesouro Nacional como

fonte de fi nanciamento. Assim, é preciso, para fi ns de apuração do resultado da Seguridade,

contabilizar repasses do Orçamento Fiscal correspondentes a essas despesas.

Com relação aos pagamentos dos Encargos Previdenciários da União, é preciso explicitar

que não são despesas previdenciárias da seguridade, mas derivam de um encargo patronal

do setor público. Atendem a um público específi co, têm requisitos, critérios, contribuições,

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exigências diferenciados. É importante a análise dessas despesas, como, aliás, de todas

elas. Mas, a confusão dessas despesas com as do RGPS não se presta ao entendimento dos

problemas. Sequer é possível proceder a uma boa avaliação se não tomarmos em separado

as derivadas dos servidores, dos membros dos Poderes e do Militares. Em bom exemplo

dessa confusão pôde ser visto durante as discussões das últimas reformas, especialmente a

ocorrida no atual governo. As necessidades de fi nanciamento dos Encargos Previdenciários

da União foram apresentadas sem diferenciarmos as despesas relativas aos militares, por

exemplo. No entanto, nenhuma medida foi efetivada para abordagem dessas despesas.

Todo o alarde provocado pelo anúncio dos grandes números envolvidos foi utilizado para

promover mudanças no regime próprio dos servidores.

É legal o uso dos recursos das contribuições sociais para pagamento desses encargos?

A modifi cação introduzida durante o governo FHC no art. 17 da Lei n.º 8.212 admite essa

hipótese, desde que estejam satisfeitas todas as obrigações com a saúde e a assistência

social. O governo já é obrigado a cobrir qualquer insufi ciência de recursos da seguridade

para o pagamento dos benefícios previdenciários e os de natureza continuada (LOAS e

RMV).

Isto signifi ca que a utilização dos recursos da seguridade para o pagamento dos Encargos

Previdenciários da União é o reconhecimento, por parte do governo, de que o Orçamento da

Seguridade é superavitário.

Embora legal duas ressalvas precisam ser feitas. Primeiro, as demandas da seguridade

social não estão plenamente atendidas, há carências e precariedades a serem enfrentadas.

A utilização desses recursos não pode ser feita em detrimento das prioridades da própria

seguridade. Segundo, porque não se pode utilizar esses recursos para o atendimento

dessas despesas para concluir que o orçamento é defi citário, que são necessários cortes

nos programas, ações e serviços da Seguridade.

As despesas com assistência social

A programação assistencial da Seguridade é muito ampla e dispersa. Há ações e

programas espalhados nos diversos órgãos. Nos termos constitucionais, a assistência social

em nosso país, e inclusive seus benefícios, atendem ao pressuposto da necessidade. Há

critérios objetivos que focalizam os segmentos sociais que demandam ações específi cas do

Estado.

Com relação aos benefícios assistenciais, separamos os decorrentes da LOAS43 (Lei

(43) Os benefícios da LOAS são deferidos aos idosos e portadores de necessidades especiais que se enquadram num critério

de necessidade calculado a partir da renda familiar per capita .

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Orgânica da Seguridade Social), da Renda Mensal Vitalícia (RMV)44 e para os demais

benefícios de transferência de renda, que compõem o conjunto do Bolsa Família45.

Há ainda ações de assistência social e programações do Fome Zero, as despesas com

asilos, creches, ações de geração de emprego e renda, do programa de Erradicação do

Trabalho Infantil, há ações prestadas pelo Ministério da Justiça, a assistência ao estudante

(no MEC), as ações de defesa civil etc.

O que não pode ser computado dentro do Orçamento da Seguridade Social são as

despesas com “assistência ao servidor”. Essas despesas não derivam do critério universal

da necessidade, mas de uma relação patronal. Hoje essas despesas estão a inchar as

despesas da seguridade, consumindo quase um bilhão de reais ao ano. No limite, pode-

se considerar essas despesas quando relativas aos servidores que prestam os serviços

relativos à Seguridade Social, pois nesse caso seriam uma despesa inerente ao serviço,

uma despesa operacional dos órgãos e entidades da Seguridade.

As despesas da Saúde

As despesas com as ações e programas de saúde são as realizadas no âmbito exclusivo

do SUS - Sistema Único de Saúde – sob a coordenação do Conselho Nacional de Saúde e

compreende ainda as demais despesas de custeio e de pessoal ativo do Ministério. Essas

despesas estão abrigadas pelas determinações da EC n.º 29 e, com a regulamentação

dessa Emenda (PLP n.º 1, de 2003), já aprovada pela Câmara dos Deputados e tramita no

Senado.

Com essa regulamentação, fi cará mais uniforme o critério a distinguir o que pode ser

considerado como despesas da saúde.

Nos termos como votada, não podem ser computadas como saúde, despesas com

assistência social46, com ações de saneamento relativo a serviços tarifados etc.

Temos ainda outras ações de saúde, como as desenvolvidas nos hospitais universitários,

que por estarem vinculados ao SUS podem e devem ser consideradas como despesas da

Seguridade. No entanto, estão em situação diversa, as despesas relativas à prestação dos

serviços de saúde aos servidores e militares. Novamente, o critério dessa prestação não (44) A RMV corresponde a um salário mínimo mensal, deriva de disposição legal e visa reconhecer situação fática anterior

à Constituição de 1988, sendo hoje considerada um benefício em extinção. Seu público alvo vem sendo atendido por outros

benefícios

(45) Os benefícios da Bolsa Família são deferidos a grupos sociais como: jovens em situação de vulnerabilidade e/ou risco

social; famílias em condição de extrema pobreza, no intuito de garantir a segurança alimentar e combater as carências nutri-

cionais; crianças e adolescentes em situação de trocar a escola pelo trabalho; crianças, adolescentes e familiares vítimas de

violência, abuso e exploração sexual; além de famílias que necessitam de proteção social especial.

(46) Historicamente, foram incluídas na programação do Ministério da Saúde despesas assistenciais que subtraíam recursos

da saúde. Em 2005, por exemplo, foram mais de R$ 2 bilhões, computados para fi ns do mínimo constitucional, que verda-

deiramente não atendiam às ações de saúde. Somente a subtração dessa programação assistencial permitiu, em 2006, uma

ampliação substancial dos recursos que efetivamente fi nanciam ações de saúde pública

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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é a universalidade que caracteriza a saúde pública, mas diferentes vínculos funcionais. A

regulamentação aprovada na Câmara também considera que essa programação não deve

ser considerada como saúde pública.

Outras programações admissíveis

As despesas relativas aos programas do FAT (são custeadas com recursos do PIS/

PASEP) também integram o Orçamento da Seguridade Social. Vale lembrar que a CF

considera que a incapacidade laboral resultante do desemprego voluntário tem natureza

previdenciária (CF, art. 201, III). Em benefícios do FAT, separamos as despesas relativas a

transferências diretas às pessoas, como seguro desemprego e abono salarial (incluem também

os trabalhadores em situação de incapacidade temporal de trabalho como, por exemplo,

pescadores em período de defeso e em situações anômalas, como a dos trabalhadores

resgatados da condição semelhante a escravo). Há ainda bolsas para qualifi cação e as

despesas relacionadas a outros programas, igualmente fi nanciados com recursos do Fundo,

como capacitação, geração de emprego e renda etc. Há ainda despesas transitórias, como

as relativas à correção do FGTS, empréstimos realizados para liquidação de planos privados

de saúde e o cumprimento de sentenças relativas à Aeros-Previdência.

Outras programações não admissíveis

Além do que foi apresentado, não devem ser computadas despesas como os pagamentos

da dívida. Embora sejam encargos devidos por órgãos e entidades da seguridade, eles

não correspondem a despesas com saúde, previdência e assistência social, mesmo

quando o endividamento se prestou à execução desses serviços. Desconsiderar

essas despesas é importante para evitar dupla contagem que infla a seguridade,

sem a correspondência dos serviços públicos. Quando, por exemplo, o Ministério

da Saúde se endividou junto ao FAT ou ao BIRD para ampliar a infra-estrutura dos

serviços públicos de saúde, a compra de equipamentos, as construções realizadas

etc. constaram do Orçamento da Seguridade porque eram despesas típicas. Quando

o Ministério vai pagar essas dívidas, essas despesas também precisam constar

do Orçamento, mas esse pagamento não corresponde a um novo equipamento ou

uma nova instalação, portanto, nessa segunda vez que esses valores constam dos

Orçamentos não se trata mais de despesa típica da Seguridade, mas de um Encargo

Financeiro da União.

Há ainda programações que por erro crasso acabam incluídas na seguridade e ao

proceder à análise devemos extirpar essas despesas.

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O resultado da Seguridade Social em 2006

Como resultado de toda essa metodologia identifi cada nos capítulos anteriores, podemos

analisar o resultado da Seguridade Social em 2006.

Para fi ns de avaliação da Seguridade Social, consideramos que devam ser utilizados

os valores que incluem a receita realizada do principal das contribuições sociais, e ainda

juros, multas, correções monetárias de valores pagos em atraso, receitas de parcelamentos

e de recuperação da dívida ativa, subtraídos dos valores devidos ao Fundaf. Os números

correspondem ao que na Tabela 1 está identifi cado como “Líquido da Seguridade”.

A Tabela a seguir apresenta a contabilização do que compreende o fi nanciamento

da Seguridade Social a partir de suas fontes exclusivas, como a contribuições sociais, os

recursos próprios dos órgãos e entidades da Seguridade e a contrapartida da União para os

encargos previdenciários que não são cobertos com recursos da Seguridade Social.

Com relação aos dados anteriormente divulgados, que constaram da Análise da

Seguridade Social de 2006, há algumas diferenças que derivam de uma melhor apuração

das receitas das contribuições sociais, especialmente quanto aos acréscimos legais e as

taxas de poder de vigilância sanitária e saúde complementar que não integravam esses

Fonte: SIAFI e MPS e STN para as despesas previdenciárias

R$ milhõesReceitas exclusivas do Orçamento da Seguridade Social em 2006

Receitas de Contribuições sociais

Previdenciárias

COFINS

CPMF

Cont. Social Lucro

PIS/PASEP

Correção do FGTS

Conc. Prognósticos

Outras contribuições sociais

Receitas próprias do Órgãos

Ministério da Saúde

Ministério da Previdência Social

Ministério do Desenvolvimento Social

Taxas por poder de política

Contrapartida do Orçamento Fiscal para EPU

Receitas do Orçamento da Seguridade Social

ValoresItens de Receita

301.621,4

123.520,2

90.214,1

32.013,9

27.100,3

23.780,8

2.831,3

1.533,6

627,2

1.947,3

1.463,4

374,3

109,6

556,8

1.220,8

305.346,3

TABELA 4

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dados.

A tabela a abaixor identifi ca e agrupa as despesas da Seguridade Social.

Com relação aos dados anteriormente divulgados, a grande diferença é a subtração

das despesas relativas à saúde militar, que antes eram consideradas como despesas da

Seguridade.

Dos valores apurados, vemos que a Seguridade Social apresentou em 2006 um superávit

pouco superior a R$ 51 bilhões. Um valor superior ao resultado primário promovido pelo

governo federal, que foi de R$ 49,8 bilhões.

Somente para registro, a tabela a seguir identifi ca as programações de despesas que

foram desconsideradas nessa análise.

Fonte: SIAFI e MPS e STN para as despesas previdenciárias

Despesas do Orçamento da Seguridade Social em 2006R$ milhões

Benefícios previdenciários

previdenciários urbanos

previdenciários rurais

pagamentos judiciais

Benefícios assistenciais

assistenciais – LOAS

assistenciais – RMV

Despesas da SAÚDE

Outras despesas assistenciais

assistência social geral

transferências de renda

Outras ações da seguridade social

Pessoal ativo e outras despesas da previdência

Benefícios FAT

Outras ações do FAT

Complementação FGTS

EPU – especiais

Cumprimento de sentenças - AEROS - PREV

Total Global

ValoresItens das despesas

165.585,3

128.904,7

32.368,9

4.311,7

11.570,7

9.678,7

1.892,0

40.745,9

9.983,9

2.183,0

7.800,9

2.065,4

4.542,1

14.904,0

683,6

3.001,9

1.220,8

5,8

254.309,4

TABELA 5

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A título de conclusão

A análise do Orçamento da Seguridade Social em 2006 demonstrou a existência de

um volume considerável de superávit, superior inclusive ao que foi apurado no âmbito do

governo federal (excluídas as empresas estatais).

No entanto, a forma com que é apresentado o Orçamento da Seguridade Social, com

uma subtração de receitas de R$ 34,5 bilhões e desvio de fi nalidade em suas programações

de despesas da ordem de R$ 49 bilhões, faz parecer que esse Orçamento é altamente

defi citário, que demanda aportes bilionários de recursos, que inviabilizam outras despesas

públicas, como investimentos em infra-estrutura ou outros gastos fundamentais para o

desenvolvimento da Nação.

Transformar superávits dessa monta em gigantescos défi cits não é obra de um erro

desproposital. Há interesses que se sustentam exatamente nesse processo. É preciso

um grande esforço da sociedade organizada para desmistifi car esses números. Essa

transparência é fundamental para que a sociedade possa fazer suas escolhas.

No entanto, é preciso deixar claro que o Orçamento da Seguridade Social não foi criado

para produção de superávits dessa natureza. Ainda mais porque esses recursos que estão

a sobrar correspondem a serviços não prestados, a direitos de cidadania não assegurados.

A sociedade deve optar por ampliar a Seguridade Social, melhorar a prestação dos serviços

de saúde, assegurar ações de assistência social em volume sufi cientes para transformar

permanentemente a miséria e a pobreza em dignidade, fi nanciar programas de inclusão

Despesas constantes do Orçamento da Seguridade Social em 2006 que não envolvem programações da Seguridade

R$ milhões

Assistência ao servidor

Assistência ao militar

EPU - poderes e civis

EPU – militares

EPU – transferências

Serviços da dívida

Erros de classificação

TOTAL GLOBAL

ValoresItens de despesa constantes do

orçamento da Seguridade Social

820,0

855,5

28.604,9

16.315,8

2.066,5

305,5

4,0

48.972,3

TABELA 6

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previdenciária.

Há uma grande dívida com os trabalhadores em nosso país, ainda hoje a previdência

social, em que pese se constituir no nosso maior programa de distribuição e interiorização

da renda, não assegura direitos da maioria dos trabalhadores. Ainda está organizada numa

forma de contribuição direta, desconhecendo uma realidade onde a maioria das pessoas

não possui relações de emprego e uma imensa maioria sequer é assalariada.

Há recursos sufi cientes no Orçamento da Seguridade Social para equacionar todas

essas questões. Mas esses recursos estão em disputa. Podemos recuperar as disposições

desse Orçamento, colocá-lo a serviços dos direitos a que ele deveria assegurar e permitir

que continue a ser desvirtuado, facilitando a produção de superávits primários para garantia

dos credores fi nanceiros. Há muitos interesses que demandam reservar esses recursos para

enriquecer ainda mais os que se benefi ciam dos ganhos fi nanceiros. É importante ressaltar

que com a extinção da CPMF novos cenários serão traçados. Porém, esse é o dilema a ser

enfrentado: decidir para onde vai o dinheiro público, a que fi nalidade ele se destina, a quem

serve.

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5. Quem fi nancia e qual o destino dos recursos da

Seguridade Social no Brasil?

Evilásio Salvador*

Resumo:Este artigo tem por objetivo investigar as características do fi nanciamento da

seguridade social no Brasil do ponto de vista da avaliação dos recursos, da magnitude e da

alocação dos gastos e da natureza das fontes de fi nanciamento, problematizando relação

do orçamento do setor com as opções de política econômica e social adotadas. O texto

também resgata a origem da seguridade social e sua importância como instrumento de

desenvolvimento econômico e social. Além disso, apresenta propostas de agenda e de

possibilidades para afi rmação e ampliação dos direitos da seguridade social no Brasil.

As reivindicações e pressões organizadas pela classe trabalhadora na década de 1980,

no período de redemocratização do país, provocaram a incorporação, pela Constituição

Federal, de muitas demandas sociais de expansão dos direitos sociais e políticos. Um dos

maiores avanços em termos de política social foi a adoção do conceito de seguridade social,

englobando, em um mesmo sistema, as políticas de saúde, previdência e assistência social.

Para viabilizar as inovações propostas e permitir a efetiva implementação de um sistema

de seguridade social no Brasil, a Carta Magna estabeleceu uma ampliação das bases de

fi nanciamento para além da folha de pagamento, que passaria a ser composta também

pelos impostos pagos pela sociedade e por contribuições sociais vinculadas.

Histórico

No Brasil, o vocábulo “seguridade social” passou a integrar os dicionários da língua

portuguesa a partir de 1988. Porém, o termo é adotado, desde 1935, nos Estados Unidos e,

desde a década de 1940, na Europa capitalista para designar uma miríade de programas e

serviços sociais. A conferência de 1944 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) já

reconhecia a obrigação da instituição de apoiar todas as nações do mundo na aplicação “de

programas próprios que visem [...] a extensão de medidas de segurança social de forma a

assegurar um rendimento de base a todas as pessoas que necessitem desse tipo de proteção

bem como de cuidados médicos completos” (Organização Internacional do Trabalho, 2002,

p. 1).

A sessão de 2001 da OIT reafi rma que o momento atual é propício para a organização

lançar uma nova campanha com intuito de estender a cobertura da seguridade social a todas

as pessoas que dela necessitam.

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Segundo a OIT, a seguridade social é fundamental para a garantia do bem-estar da classe

trabalhadora e de suas famílias, assim como de toda a coletividade. Para a organização,

trata-se de um direito essencial do ser humano, importante para promover a paz e a inserção

social. Quando bem gerida, a seguridade social favorece a produtividade via política de saúde,

a garantia de renda e o acesso aos serviços sociais. Quando associada às políticas ativas

do mercado de trabalho, torna-se instrumento poderoso de desenvolvimento econômico e

social sustentável, sobretudo na atual conjuntura (Organização Internacional do Trabalho,

2002).

A rede de proteção da seguridade social permite a manutenção do padrão de renda e

protege o cidadão e a cidadã ou sua família contra as situações de incapacidade de trabalhar

ou de diminuição da capacidade laboral derivada dos ciclos vitais.

Quando a inserção no mercado de trabalho não é mais possível, são as redes de

seguridade que se confi guram como “emadeiramentos institucionais que plasmam o grau de

civilização e desenvolvimento alcançados por suas respectivas sociedades e são expoentes

do grau de solidariedade comprometida por seus cidadãos” (Moreno, 2004, p. 51).

O marco da institucionalização da seguridade social no mundo é a publicação, em 1942,

na Inglaterra, do Relatório de Beveridge, que trouxe mudanças signifi cativas no âmbito dos

seguros sociais até então predominantes. A proposta resultou em aumento das despesas

com proteção social, objetivando o combate à pobreza e tendo por fundamento os direitos

universais a todos os cidadãos e todas as cidadãs.

O fi nanciamento da seguridade social no modelo beveridgiano é proveniente dos tributos

e é estatal à gestão do sistema. Elaine Behring e Ivanete Boschetti (2006) destacam que

o Plano Beveridge padronizou os benefícios existentes na Inglaterra e incluiu novos, como

seguro de acidente de trabalho, abono familiar (salário-família), seguro-desemprego e

outros seis auxílios sociais: funeral, maternidade, abono nupcial, benefícios para esposas

abandonadas, assistência às donas de casa enfermas e auxílio-treinamento para quem

trabalhava por conta própria.

De acordo com Paul Durand (1991), o Plano Beveridge teve profunda infl uência no

continente europeu, onde diversos países reformaram seus sistemas de proteção social,

anteriormente limitados à cobertura de riscos sociais no modelo de seguro social contributivo.

O plano aponta para um modelo de seguridade social oposto à lógica de seguro social, que

entende a previdência social limitada, por exemplo, a um seguro e com funcionamento igual

a de um plano privado.

(*) Evilásio Salvador - Economista, Mestre em Política Social e doutorando em Política Social na Universidade de Brasília. As-

sessor de política fi scal e orçamentária do Instituto de Estudos Socieconômicos. e-mail: [email protected]. Divulgação do

texto autorizado pelo Autor

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No período do apogeu do Estado Social, os países capitalistas desenvolvidos coordenaram

e expandiram os sistemas de seguridade social com incremento de benefícios. A Europa

ocidental ampliou a cobertura social de forma integral e universal, enquanto nos Estados

Unidos a seguridade social foi expandida de forma gradual. Em quase todos os países, os

gastos com educação e saúde cresceram tanto em termos absolutos como em proporção do

Produto Interno Bruto (PIB). Assim, também ocorreu a expansão dos programas habitacionais,

com os governos intervindo mediante subsídios, créditos e ajuda (Johnson, 1990).

Josep Calvet (1995) destaca quatro razões econômicas para justifi car a existência e a

instituição de políticas sociais públicas: falha do mercado capitalista; distribuição de renda

pelo sistema de seguridade social; redução da fl utuação e das instabilidades econômicas;

a melhoria da efi ciência do sistema econômico. Nesse último elemento, o autor observa a

importância da proteção social para estabilização anticíclica automática em momento de

desemprego. Isso acontece porque a seguridade social permite manter elevada demanda

efetiva por meio do pagamento de pensões, aposentadorias, rendas mínimas e programas

da assistência social que promovam maior estabilidade ao sistema capitalista.

Caso brasileiro

Em que pese a infl uência do Plano Beveridge sobre os teóricos da previdência e o

aparecimento de algumas dessas idéias em documentos ofi ciais do Ministério do Trabalho

e Emprego (responsável, à época, pela previdência social), jamais essas teses foram

integralmente incorporadas no Brasil.

A perspectiva e a intencionalidade de transfi gurar a previdência em seguridade social não se

iniciaram na Constituição de 1988. Pelo contrário,essas idéias já existiam, há bastante tempo,

no debate de especialistas e técnicos(as) vinculados(as) à área previdenciária. Nesse sentido,

a infl uência das idéias de Beveridge foi parcial, lenta, gradual e limitada, permanecendo, ainda

hoje, a tensão entre consolidar uma seguridade social pública, ampla e universal ou restringir

sua função pública às camadas mais pobres da população (Boschetti, 2003; 2006).

Na Constituição brasileira, seguridade social é um conjunto integrado de ações do

Estado e da sociedade, voltadas para assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência

e à assistência social, incluindo, também, a proteção ao trabalhador e à trabalhadora

desempregada via seguro-desemprego.

Pela lei, o fi nanciamento da seguridade social compreende, além das contribuições

previdenciárias, recursos orçamentários destinados a esse fi m e organizados em um único

orçamento.

O desenho da seguridade social brasileira, ainda que de forma limitada, guarda alguma

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semelhança com o conteúdo e com a orientação das políticas do Estado Social dos países

centrais.

Porém, as características do nosso mercado de trabalho – com o predomínio de relações

informais de trabalho a partir da década de 1980 e a elevada concentração de renda –

tornaram mais difíceis a universalização dos benefícios sociais (Salvador; Boschetti, 2003).

As políticas sociais não transitaram para o âmbito de um contrato social nos moldes do

Estado Social dos países desenvolvidos, materializando os princípios e meios para assegurar

amplos direitos fundados na cidadania (Mota, 2000a).

A implementação do conceito de seguridade social, previsto no artigo 194 da Constituição

Federal, já seria um enorme desafi o em condições mais favoráveis aos movimentos da

classe trabalhadora e à sociedade organizada. A situação torna-se desfavorável para quem

defende os direitos sociais a partir da década de 1990, com nova hegemonia burguesa, de

cunho neoliberal, que potencializa novas e antigas difi culdades para consolidar a seguridade

social no Brasil.

No tocante à questão previdenciária, as alterações realizadas pela Constituição de

1988, embora tenham mantido a lógica do seguro previdenciário, representaram verdadeira

reforma da previdência, no sentido de sua ampliação e generalização para um número

maior de trabalhadores e trabalhadoras. A reforma que se materializa, em 1998, por meio da

Emenda Constitucional 20 47, pôde ser identifi cada como uma contra-reforma do movimento

consolidado na Constituição de 1988, visto que aponta um caminho inverso para a previdência

(Salvador; Boschetti, 2002).

Tal reforma foi encarada como uma necessidade de equilibrar as contas públicas e

solucionar a “crise fi scal” do Estado, limitando-se a uma visão míope de equilíbrio das contas

públicas, muito mais voltada para a realização de superávit primário. Constituiu um elemento

importante de justifi cativa da reforma da previdência social, em 1998, o fato de o governo, a

imprensa e muitos analistas apontarem o sistema previdenciário brasileiro como defi citário

e causador do défi cit público. Tais alegações se fundamentam nos valores previstos no

Orçamento Geral da União (OGU), nos últimos anos, para as despesas previdenciárias, mas

são controversos diante dos ditados constitucionais sobre o assunto.

Do ponto de vista orçamentário, 48 a Constituição brasileira defi niu, no seu artigo 165,

para as três esferas de governo, que a Lei Orçamentária Anual (LOA) será composta

pelo Orçamento Fiscal, pelo Orçamento de Investimentos das Empresas Estatais e pelo

orçamento da seguridade social – não havendo, no âmbito constitucional, qualquer referência

a um orçamento específi co para a previdência social. O que tradicionalmente os dirigentes

da previdência social brasileira divulgam é o resultado fi nanceiro do Regime Geral da (47) Emenda Constitucional 20, de 15 de dezembro de 1998, que modifi ca o sistema de previdência social, estabelece normas

de transição e dá outras providências.

(48) Sobre orçamento público no Brasil, consultar Roberto Piscitelli, Maria Timbó e Maria Rosa (2002)

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Previdência Social (RGPS), por meio do contraste entre a arrecadação líquida e as despesas

com benefícios previdenciários do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

De forma inovadora, o legislador determinou a criação de um orçamento com recursos

próprios e exclusivos para as políticas da seguridade social (saúde, previdência e assistência

social), distinto daquele que fi nancia as demais políticas de governo.

Entretanto, o orçamento da seguridade social tornou-se “letra morta” na constituição.

Todos os governos que passaram pelo Palácio do Planalto desde 1988 não transformaram o

dito constitucional em ação efetiva. Pelo contrário, apropriaram-se das contribuições sociais

destinadas para fi ns da seguridade social, utilizando-as para outras políticas de cunho fi scal,

até mesmo para o pagamento dos encargos fi nanceiros da União (amortização e juros da

dívida) e para realização de “caixa”, visando garantir o superávit primário, principalmente

nos anos recentes.

Orçamento e política fi scal

A compreensão mais ampla do orçamento da seguridade social deve considerar

o quadro tributário e fi scal constituído no país na última década. No bojo das políticas

macroeconômicas que deram sustentação ao Plano Real, a política fi scal foi determinante

e seguiu à risca as recomendações de organismos multilaterais, como o Fundo Monetário

Internacional (FMI). Em 1993, os economistas formuladores do Plano Real, com a pretensa

defesa dos equilíbrios das contas públicas brasileiras, defenderam a criação do Fundo Social

de Emergência (FSE), instituído por meio da Emenda Constitucional de Revisão 1, de 1994,

que permitiu a desvinculação de 20% dos recursos destinados às políticas da seguridade

social.

Nos exercícios fi nanceiros de 1994 e 1995, por meio do Fundo de Estabilização Fiscal

(FEF) – Emendas Constitucionais 10 e 17 e, posteriormente, Emenda Constitucional 27, que

criou a Desvinculação das Receitas da União (DRU) –, garante-se a desvinculação de 20%

da arrecadação de impostos e contribuições sociais até o fi m deste ano. Dando seqüência

à mesma política fi scal do governo anterior, a equipe econômica do governo do Presidente

Lula, sob alegação de que a “economia brasileira ainda requer cuidados”, manteve, no âmbito

da Emenda Constitucional 42 (reforma tributária), a prorrogação da DRU 49até 2007.

O orçamento da seguridade social chegou a ser elaborado nos primeiros anos após a

regulamentação das leis de custeio e de benefício da previdência social. Em 1993 e 1994,

apareceu como proposta do Conselho Nacional da Seguridade Social, mas essa orientação

(49) A DRU apresenta algumas modifi cações com relação ao FSE, pois não afeta a base de cálculo das transferências a

estados, Distrito Federal e municípios, nem a das aplicações em programa de fi nanciamento ao setor produtivo das regiões

Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Também não estão sujeitas à DRU: as contribuições sociais do empregador incidente sobre

a folha de salários; as contribuições de trabalhadores(as) e dos demais segurados(as) da previdência social; a parte da CPMF

destinada ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza; e a arrecadação do salário-educação.

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não prevaleceu. O conselho tinha a missão de articular e sistematizar um orçamento

previamente debatido com as áreas responsáveis pela previdência social, pela saúde e pela

assistência social. Porém, perdeu, paulatinamente, as atribuições e acabou sendo extinto

pela Medida Provisória (MP) 1.799-5 de 1999.

Os balanços da seguridade social vêm sendo pesquisados e divulgados pela Associação

Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias (Anfi p), pelo Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A Anfi p e o Ipea

consideram como receitas: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

(Cofi ns), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição Provisória sobre a

Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira

(CPMF), as contribuições de pessoas empregadas e empregadores sobre a folha de salários

e mais o Simples. 50

Nesse balanço, o Ipea inclui, ainda, como despesas, a parte do Programa de Integração

Social (PIS) que fi nancia o seguro-desemprego e o Plano de Seguridade Social do Servidor

Público (CSSP), considerando o pagamento dos benefícios previdenciários urbanos e rurais,

os benefícios assistenciais e as ações do Sistema Único de Saúde (SUS), saneamento

e custeio do Ministério da Saúde. Com ressalvas, considera, também, os gastos com a

previdência de inativos e pensionistas da União.

O TCU limita-se a analisar a execução orçamentária ofi cial, fazendo apenas alguns

ajustes. Salienta, porém, que se não houvesse a DRU, a seguridade social teria um resultado

positivo de (3)A DRU apresenta algumas modifi cações com relação ao FSE, pois não afeta

a base de cálculo das transferências a estados, Distrito Federal e municípios, nem a das

aplicações em programa de fi nanciamento ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e

Centro-Oeste. Também não estão sujeitas à DRU: as contribuições sociais do empregador

(50) Sistema Integrado de Imposto e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte.

Fonte: Anfip, Ipea, TCU e STN. Elaboração: Departamento de Estudos Técnicos do Unafisco Sindical. Nota: a conta do Ipea de 2005 refere-se aos valores executados até 9 de julho de 2005. Além disso, os dados do Ipea de 2004 estão deflacionados pelo IPCA. Na conta da Anfip, não estão considerados os pagamentos das aposentadorias de servidores(as) públicos.

Orçamento da seguridade social (R$ bilhões)

ANFIP

IPEA

TCU

TESOURO NACIONAL

Entidade

17,63

0,27

-18,3

-

42,53

27,73

12,2

-

2004

Saldo com DRU Saldo sem DRU

2005

Saldo com DRU Saldo sem DRU

24,7

0,49

-14,1

-14,4

56,8

13,79

19,1

17,6

TABELA 1

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incidente sobre a folha de salários; as contribuições de trabalhadores(as) e dos demais

segurados(as) da previdência social; a parte da CPMF destinada ao Fundo de Combate e

Erradicação da Pobreza; e a arrecadação do salário-educação.

R$ 19,1 bilhões, em 2005, e de R$ 5,3 bilhões em 2006. Após determinação da LDO

2005, 51 a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) passou a explicar o montante de recursos

desvinculados da seguridade social. No entanto, permanecem a falta de discriminação e

de clareza na divulgação dos dados da execução orçamentária, pois na apresentação da

execução orçamentária compilam-se impostos e recursos oriundos da DRU.

Em 2005, foram desvinculados R$ 32 bilhões da seguridade social. Em 2006, os dados

divulgados pela STN indicam que as receitas desviadas da seguridade social, por meio

da DRU, alcançaram R$ 33,8 bilhões. Portanto, em apenas dois anos de existência da

legislação, foram retirados R$ 65,8 bilhões, que entraram nos cofres públicos para serem

aplicados nas políticas de assistência social, previdência e saúde. Assim, se fossem

incluídas essas receitas desviadas, teríamos, pelos dados da STN, um saldo superavitário

da seguridade social de R$ 17,6 bilhões, em 2005, e de R$ 4,4 bilhões em 2006.

Portanto, por meio da DRU, ocorre uma perversa alquimia que transforma os recursos

destinados ao fi nanciamento da seguridade social em recursos fi scais para a composição

do superávit primário e, por conseqüência, a sua utilização em pagamento de juros da

dívida (Salvador; Boschetti, 2006). A Tabela 1 apresenta os resultados da seguridade

social. Seja qual for o critério, ao desconsiderar os recursos desviados por meio da DRU,

o saldo é positivo, variando, conforme o órgão ou a entidade, de R$ 17 bilhões a R$ 57

bilhões.

A DRU é peça-chave na estratégia da política fi scal para a composição do superávit

primário. Isso signifi ca que “por meio desse expediente, processa-se, então, uma

transferência não desprezível de recursos do lado real da economia, e mais explicitamente,

da área social, para a gestão fi nanceirizada da dívida pública” (Cardoso Jr.; Castro, 2005,

p. 14).

Na visão de Francisco de Oliveira (1998), a formação do sistema capitalista é

historicamente dependente de recursos públicos. A diferença no Welfare State é que

essa dependência deixa de ser provisória e passa a ser, no capitalismo contemporâneo

abrangente, estável e marcada por regras pactuadas pelos principais grupos sociais e

políticos. Ocorre um “deslocamento da luta de classes da esfera da produção, do chão da

fábrica ou das ofi cinas ou ainda dos escritórios, para o orçamento do Estado” (Oliveira,

Francisco, 1998, p. 53).

De acordo com Jorge Castro, Manuel Moraes, Francisco Sadeck, Bruno Duarte e

Helenne Simões (2006), a engenharia macroeconômica que permitiu o controle relativo

(51) Lei 10.934, de 11 de agosto de 2004.

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da infl ação passou pelo crescente endividamento fi nanceiro do país, pelo corte de gastos

reais e pelo incremento de receitas próprias (apropriação maior de recursos por parte do

governo central), sobretudo no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999–

2002). A estratégia é mantida no governo Lula, que aprofunda o ajuste econômico em

curso desde 1995, adotando políticas monetárias e fi scais restritivas.

Fabrício de Oliveira (2006) destaca a função realizada pelo sistema tributário brasileiro

na década de 1990, observando que, ironicamente, a brutal elevação da carga tributária

tenha acontecido exatamente em governos que aderiram às fórmulas mágicas contidas

nas recomendações do “Consenso de Washington” para “retirar” o Estado da economia. O

caso brasileiro mostra que não se tratava apenas de “retirar” o Estado da participação da

vida econômica, mas de: transformá-lo em instrumento de valorização do capital fi nanceiro,

para ele garantindo a destinação de parcela substancial e crescente da riqueza produzida,

e que, inter alia, o sistema tributário desempenharia papel fundamental nesse processo.

(Oliveira, 2006, p. 35)

A Teoria das Finanças Públicas preconiza que os tributos, em função da incidência

e do comportamento com relação à renda dos(as) contribuintes, podem ser regressivos,

progressivos e proporcionais. Um tributo é regressivo se tem relação inversa com o padrão

de renda do(a) contribuinte. A regressão ocorre porque penaliza mais os(as) contribuintes

de menor poder aquisitivo. O inverso ocorre quando o imposto é progressivo, pois aumenta

a participação do(a) contribuinte à proporção que cresce sua renda, “o que lhe imprime

o caráter de progressividade e de justiça fi scal: arcam com maior ônus da tributação os

indivíduos em melhores condições de suportá-la, ou seja, aqueles que obtêm maiores

rendimentos” (Oliveira, 2001, p. 72).

Ao analisar a evolução da Carga Tributária no Brasil (CTB), um conjunto de estudos

tem demonstrado seu forte aumento nos últimos anos, saltando de 29% para 36% do PIB52

de 1994 a 2005 – mais alta que a de muitos países centrais.

Mas ao contrário dos países desenvolvidos, o Brasil tira a maior parte de sua receita

de tributos indiretos e cumulativos, que oneram mais a classe trabalhadora e a classe

média, pois têm alta carga tributária sobre o consumo – mais da metade da carga provém

de tributos que incidem sobre bens e serviços – e uma baixa tributação sobre a renda: 25%

da tributação total (Salvador, 2007).

Situação inversa é a estrutura tributária dos países da Organização para a Cooperação

Econômica e o Desenvolvimento (OCDE): os impostos sobre consumo representam 32,1%

da tributação total, em média; o imposto sobre a renda representa 35,4% da tributação

total.53

(52) Ver, nesse sentido: Secretaria da Receita Federal (2004)

(53) Dados da OCDE disponíveis em: <http://www.oedc.org>. Acesso em: 7 nov. 2007.

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Estudo de 1996, realizado com base na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do

Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), revela que, no Brasil, quem ganha

até dois salários mínimos gasta 26% de sua renda no pagamento de tributos indiretos,

enquanto o peso da carga tributária para as famílias com renda superior a 30 salários

mínimos corresponde apenas a 7% (Vianna; Magalhães; Siveira; Tomich, 2001). A POF

2002–2003 mostra que essa regressividade vem aumentando: as famílias com renda

de até dois salários mínimos passaram a ter carga tributária indireta de 46% da renda

familiar enquanto aquelas com renda superior a 30 salários mínimos gastam 16% da renda

em tributos indiretos (Zockun, 2005). Nesse sentido, merece destaque a observação de

Fernando Cardim de Carvalho no relatório 2005 do Observatório da Cidadania:

O Estado brasileiro tornou-se cada vez mais um Robin Hood às avessas, dependendo

pesadamente dos chamados impostos indiretos (sobre produtos) que incidem, também,

sobre produtos de consumo popular, utilizando uma proporção excepcionalmente alta

dessas receitas para transferir rendas às classes médias e altas sob a forma de pagamento

de juros. (Carvalho, OC 2005, p. 34) Ricardo Varsano et al (1998) e José Afonso e Érika

Araújo (2004).

O aumento da carga tributária indireta ocorreu, principalmente, por causa das

modifi cações na legislação da Cofi ns. Em 1998, diante do agravamento da crise fi nanceira

no Brasil, que nos levou a fi rmar um acordo com o FMI, o governo federal lançou um “pacote

fi scal”, incluindo um conjunto de medidas com o objetivo de aumentar a arrecadação e

assegurar superávit primário fi scal, em 1999, de R$ 31 bilhões (3,1% PIB).

Entre as muitas medidas anunciadas no “Pacote 51” – que permitiu ao governo de

Fernando Henrique Cardoso assegurar as chamadas “receitas extraordinárias” –, destaca-

se a alteração da legislação da contribuição para o PIS e a Cofi ns.

No governo Lula, a Lei 10.833/2004 instituiu a não-cumulatividade e elevou a alíquota

da contribuição de 3% para 7,6% (Salvador, 2007).

As alterações realizadas na legislação tributária após 1996 agravam a regressividade

da carga tributária brasileira. Com isso, vem aumentando a incidência tributária sobre

bens e serviços (consumo), saltando de 17,2% do PIB, em 1996, para 20,8% em 2005

(Hickmann; Salvador, 2006).

Entre os motivos do crescente aumento das contribuições sociais na carga tributária

brasileira, o principal é que as contribuições não são partilhadas com estados e municípios,

sendo uma forma de o governo produzir folga de caixa, mesmo durante períodos de

retração da atividade econômica. Assim, nos últimos anos, vem ocorrendo redução da

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participação das esferas subnacionais 54 no total da Receita Tributária Disponível (Afonso;

Araújo, 2004).

Érika Araújo (2005) destaca que o aumento da participação das contribuições sociais

na arrecadação tributária nacional – embora tenha como justifi cativa o fi nanciamento da

seguridade social – está intimamente vinculada ao ajuste fi scal a que todo o setor público

foi submetido a partir de 1999. Por meio de medidas de desvinculação tributária, parte da

receita dessas contribuições são desviadas de sua fi nalidade. Com isso, passam a auxiliar

a obtenção de metas cada vez mais elevadas de superávit fi scal. A autora questiona a

estratégia e o interesse do governo federal, diante da necessidade de recursos fi scais para

ajustar as receitas às despesas, em arrecadar contribuições sociais em vez de impostos.

Outra questão relevante é a ausência de repasse imediato e da gestão própria das

contribuições sociais destinadas à seguridade social, conferindo ao governo federal

elevada autonomia para aplicação de recursos de acordo com suas necessidades fi scais.

Nesse sentido, Érika Araújo (2005) enfatiza a utilização de dois artifícios.

O primeiro é o contingenciamento das dotações orçamentárias, possibilitado pela

centralização dos recursos na Conta Única do Tesouro Nacional. Isso assegura ao poder

Executivo a opção de que as despesas autorizadas na lei orçamentária sejam adiadas ou

simplesmente não executadas porque dependem da liberação dos recursos. Assim, em

nome da fi nalidade social, são instituídas contribuições para custear as despesas, mas

por meio do seu entesouramento nos cofres da União, as contribuições sociais terminam

servindo para elevar o superávit primário. O segundo expediente consiste em se apropriar

dos recursos da seguridade social por meio da conversão em recursos ordinários de livre

aplicação orçamentária.

Financiamento e controvérsias 55

O debate sobre as formas de fi nanciamento da seguridade social no Brasil, a partir da

Constituição de 1988, revela as divergências entre quem defende o princípio da totalidade

da Carta Magna e quem defende a separação das fontes de custeio das políticas de

previdência, assistência social e saúde.

Essas controvérsias entre especialistas sobre o fi nanciamento da seguridade social

fi caram evidentes durante os debates sobre a Revisão Constitucional (1993 e 1994). Em

defesa da totalidade, Sulamis Dain, Laura Tavares e Marta Castilho (1993) relatam que,

(54) Esse fenômeno traz implicações consideráveis para a discussão do federalismo no Brasil. Sobre essa problemática, ver

o livro, publicado em 2003, Descentralização e federalismo fi scal no Brasil, organizado por Fernando Rezende e Fabrício de

Oliveira. Os autores abordam o inadequado fi nanciamento da federação, discutindo a partilha de recursos e de distribuição de

encargos entre as unidades de governo, em seus três níveis.

(55) Essa seção reproduz partes e argumentos desenvolvidos por Ivante Boschetti e Evilásio Salvador (2006), com atualiza-

ções estatísticas para 2006.

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na experiência internacional, o fi nanciamento da seguridade social é baseado, de forma

crescente, em mix de receitas tributárias e contribuições sobre a folha de salários, com

o objetivo de contemplar uma concepção de benefícios destinados tanto a contribuintes

diretos dos programas, como também aqueles destinados a cidadãos e cidadãs, nos

casos de cobertura universal dos programas. O movimento de diversifi cação das bases

de fi nanciamento tem como corolário a vinculação dos recursos e a constituição de um

orçamento próprio para institucionalizar a precedência de seus compromissos de cobertura

sobre os demais gastos do governo.

No sentido oposto, Kaisô Beltrão, Bernardo Lustosa, Francisco de Oliveira e Maria

Pasinato (1993) defendem que o “conceito de Seguridade Social” seja mantido, mas com a

separação efetiva de seus componentes: seguro social (previdência), saúde e assistência

social – nos planos dos conceitos, de custeio e operacional. Os autores são contrários à

existência de um orçamento único para a seguridade, defendendo a separação das fontes

de custeios com três orçamentos independentes e com o fi nanciamento de cada programa

por uma lógica própria em termos de regime fi nanceiro, tipo de estrutura do plano de

benefícios, base de incidência e agente econômico. Infelizmente, essa visão foi reforçada

a partir da reforma da previdência social de 1998.

De acordo com Eduardo Fagnani (2001), o estudo sobre o fi nanciamento e os gastos

sociais traz pistas sobre o alcance, os limites e o caráter redistributivo das políticas sociais.

No plano geral, o estudo dos mecanismos de fi nanciamento e gasto revela as relações

existentes entre a política social avaliada e a política econômica geral do governo.

A natureza das fontes de fi nanciamento é importante indicador na avaliação das políticas

sociais. Os recursos fi scais que advêm das receitas de impostos e taxas apresentam maior

potencial redistributivo, mas são os menos utilizados no fi nanciamento da seguridade

social. As contribuições sociais são recursos parafi scais custeados por empresas e pela

classe trabalhadora e se constituem, no Brasil, na principal fonte de fi nanciamento da

seguridade social. Essa base de custeio não atende plenamente ao objetivo da eqüidade

e tem caráter regressivo. Quando o acesso ao benefício depende da contribuição (por

exemplo, na previdência social), uma parcela signifi cativa de pessoas fi ca excluída do

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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sistema.

Do ponto de vista metodológico, o conceito de fonte de fi nanciamento adotado neste

artigo é o mesmo utilizado na elaboração e na execução orçamentária da União, referindo-

se à destinação dos recursos durante a execução do orçamento e não especifi camente à

sua arrecadação.

Para tanto, adota-se o conceito de despesa liquidada nas funções: assistência social,

previdência social e saúde dos orçamentos fi scal e da seguridade social dos anos 2000 a

2006, que seguem classifi cação funcional defi nida na Portaria/SOF 42, de 14 de abril de

1999. 56 Cada uma dessas funções possui subfunções que abrangem diversos programas

e diversas ações, conforme a concepção assumida pelo poder Executivo para essas

políticas.

A Tabela 2 apresenta os dados referentes à importância relativa de cada fonte no

fi nanciamento dos gastos da seguridade social no período de 1999 a 2006. As fontes

de recursos que predominam nos anos estudados são as contribuições sociais, 57 em

contraste com os recursos advindos de impostos.

As contribuições obrigam o Estado a aplicar os recursos no destino estabelecido

quando da criação do tributo – sua instituição deve atender a uma fi nalidade específi ca.

Assim, as contribuições têm um caráter parafi scal no sentido de que seu objetivo

não é arrecadar para responder às despesas fi scais do governo. As contribuições

são arrecadadas pelo poder público em nome de entidades com atribuições específi cas e

que possuem orçamento próprio, destacando-se aquelas destinadas ao fi nanciamento do

sistema de seguridade social (Araújo, 2005; Revista Abop, 1998/1999).

Os recursos provenientes dos impostos representaram, na média do período analisado,

apenas a quarta fonte de custeio da seguridade social – 6,7% do total, com decréscimo

de 44,1%. Em 2006, os recursos ordinários (impostos) representaram somente 3,8% do

total das fontes de fi nanciamento das políticas de seguridade social, indicando a menor

participação no período (Tabela 2). Esse fato revela que a participação da fonte de recursos

ordinários, aqueles advindos de impostos federais – o Imposto de Renda e o Imposto sobre

Produtos Industrializados (IPI) – e dos próprios recursos desvinculados das contribuições

(56) Por causa da outra estrutura orçamentária, os dados de 1999 para as fontes de fi nanciamento da saúde referem-se ao

programa “saúde” da função saúde e saneamento e aos programas “previdência” e “assistência social” da função previdência

e assistência.

(57) Informações detalhadas sobre as contribuições sociais podem ser encontradas na edição especial da Revista Abop, da

Associação Brasileira de Orçamento Público. A Abop defi ne que, a partir da Constituição Federal (CF), as contribuições sociais

são consideradas tributos (art. 195 da CF), instituídas em lei, com base no poder fi scal do Estado. “Como espécie tributária

autônoma e específi ca, a contribuição se caracteriza por possuir um pressuposto de fato defi nido em lei, de forma típica,

consistindo-se numa atividade estatal dirigida à coletividade, que atinge determinado grupo de pessoas. Essa contribuição dis-

tingue-se dos tributos fi scais por estar vinculada e por ser delegada a um órgão público favorecido” (Revista Abop, 1998/1999,

p. 30-31).

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

sociais, está deixando de fi nanciar a seguridade social e, nesse caso, não retornando para

as fi nalidades para as quais foi arrecadada.

Em 1999, os recursos desvinculados representaram, por meio do Fundo de Estabilização

Fiscal, o custeio de apenas 4,3% dos gastos da seguridade social (Tabela 2). Somente

a desvinculação dos recursos arrecadados com a Cofi ns e a CSLL, em 1999, totalizou

o montante de R$ 7,9 bilhões, retornando para a seguridade social, por meio do FEF,

somente 56% desse valor. Com aprovação da DRU, a partir de 2000, não é mais possível

visualizar os recursos desvinculados no fi nanciamento da seguridade social. A DRU não

está vinculada a qualquer fundo, ainda que somente contábil, como era o FEF. Essa

regra impossibilita a distinção, na execução orçamentária, de qual parcela de recursos

é originária de impostos gerais e qual é referente à desvinculação de recursos, já que

ambas, agora, compõem a mesma fonte de recursos ordinários (Boletim Políticas Sociais

– acompanhamento e análise, 2004). Essa alteração fere os princípios orçamentários da

discriminação e da clareza. 58

Além disso, essa modifi cação signifi ca que os recursos desvinculados das contribuições

sociais, por meio da DRU, retornam, apenas em parte, sob a forma de recursos ordinários

(conhecido como “fonte 100” na execução orçamentária) para o fi nanciamento das

políticas que integram a seguridade social. Portanto, os recursos provenientes de impostos

apresentados na Tabela 2 podem ser, na realidade, oriundos da desvinculação orçamentária

que – graças à alquimia possibilitada pela DRU – se transformam em recursos ordinários,

reforçando a tese da insignifi cante participação do orçamento fi scal no fi nanciamento da

seguridade social no Brasil.

As contribuições sociais representaram, em média, 89,5% das fontes de fi nanciamento

da seguridade social no período de 1999 a 2006. Entre as contribuições mais signifi cativas

do período, destacam-se a Contribuição dos Empregadores e Trabalhadores para a

Seguridade Social (CETSS), 45,9%; a Cofi ns, 26,1%; e a CPMF, 8,1%.

A análise das principais fontes de fi nanciamento da previdência social no período de

1999 a 2006, revela que, em média, 58,1% dos recursos para custeio das políticas do

Sistema Previdenciário Brasileiro advêm da CETSS – da arrecadação da Contribuição

Previdenciária do Regime Geral da Previdência Social. Em 2006, esse tributo representou

46% do fi nanciamento da seguridade social (Tabela 2).

Quem recebe menos, paga mais

A contribuição do empregador corresponde a 20% sobre o total das remunerações pagas

ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, às pessoas seguradas empregadas

(58) De acordo com Roberto Piscitelli, Maria Timbó e Maria Rosa: “O princípio da discriminação [...] preconiza a identifi cação

de cada rubrica de receita e despesa, de modo que não fi gurem de forma englobada” [...]. E o princípio da clareza signifi ca o

óbvio: a evidenciação da contabilidade. “Por esse princípio, dever-se-ia priorizar o interesse dos usuários das informações,

sobretudo porque se está tratando de fi nanças públicas” (Piscitelli; Timbó; Rosa, 2002, p. 46-47).

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

que lhes prestam serviços, acrescidos de alíquota de 1% a 3% para o fi nanciamento das

prestações por acidente do trabalho, conforme o índice de risco.

Já a contribuição de trabalhadores(as) é calculada mediante a aplicação da

correspondente alíquota sobre o seu salário-de-contribuição mensal, limitado ao teto de

R$ 318,37. 59 Cerca de dois terços do montante arrecadado advêm da contribuição de

quem emprega e um terço de pessoas empregadas (Ministério da Previdência Social,

2006).

No caso de quem emprega, a contribuição previdenciária compõe os encargos sociais

das empresas que, geralmente, são repassados aos preços dos bens e serviços vendidos,

podendo-se constituir em um tributo sobre o consumo.

A regressividade existe também no lado das contribuições da classe trabalhadora, por

causa da existência do teto de contribuição, signifi cando que contribuintes que recebem

rendimentos abaixo do teto estão pagando proporcionalmente mais sobre sua renda.

A título de exemplo, em agosto de 2007, um trabalhador ou trabalhadora com renda

mensal de R$ 4.160 pagou, efetivamente, a título de contribuição previdenciária, o

equivalente a 7,65% da sua renda, ou seja, exatamente o mesmo percentual que um

trabalhador ou trabalhadora que recebeu o salário mínimo (R$ 380). Acima de R$ 4.160,

a regressividade se agrava.

O baixo crescimento das contribuições de quem emprega e de quem trabalha para

a seguridade social decorre do crescimento medíocre da economia nesse período, das

elevadas taxas de desemprego e do aumento das relações informais de trabalho.

No período de 1999 a 2006, as contribuições sociais representaram, em média, 81,4%

das fontes de fi nanciamento da saúde na esfera federal. Entre as contribuições sociais

destacam-se a CPMF, 33,6%, e a CSLL, 25,3%. Nos anos analisados, observa-se que

a CSLL, que tinha participação relativa de apenas 4,2%, em 1999, passou a representar

44%, em 2006 – um patamar superior ao fi nanciamento obtido por meio da CPMF (33,6%),

que se constituiu, até 2003, na principal fonte de fi nanciamento da saúde.

Convém fazer duas importantes observações sobre essas contribuições. A CSSL é

o único tributo a fi nanciar a seguridade social com base de cálculo no lucro líquido das

empresas, ajustado antes da provisão para o Imposto de Renda. A partir de 2005, a CSSL

vem apresentando crescimento expressivo de arrecadação. Tal crescimento não se deve a

uma tributação maior dos grandes lucros, pois a legislação não foi modifi cada. A explicação

(59) Equivale à alíquota de 11% aplicada ao salário-de-contribuição máximo, R$ 2.894,28. Em agosto de 2007, as faixas

dos salários-de-contribuição eram: até R$ 868,29, alíquota de 7,65%; de R$ 868,30 até R$ 1.140, alíquota de 8,65%; de R$

1.140,01 até R$ 1.447,14, alíquota de 9%; de R$ 1447,15 até R$ 2.894,28, alíquota de 11%.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

está na extraordinária multiplicação dos lucros das empresas nos últimos anos. 60

Com relação à CPMF, destaca-se que, a partir de 1999, deixou de ser uma fonte

de fi nanciamento exclusiva da saúde, passando, também, a compor o fi nanciamento das

despesas previdenciárias e, após 2001, do Fundo de Combate à Pobreza. Uma análise

da arrecadação da CPMF e do seu destino evidencia que, do montante de R$ 185,9

bilhões arrecadados com esse tributo, no período de 1997 a 2006, aproximadamente

18%, equivalentes a R$ 33,5 bilhões, não foram aplicados nas políticas de previdência

(60) Ver, nesse sentido, o livro 10 anos de derrama: a distribuição da carga tributária no Brasil, organizado por Clair Hickmann

e Evilásio Salvador (2006).

Fonte: Fontes: Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal / Sistema Integrado de Dados (Siafi/Sidor). Disponíveis em: <www.tesouro.fazenda.gov.br/SIAFI/index.asp> / </www.portalsof.planejamento.gov.br/portal/sidor>. Acesso em: 7 nov. 2007 Elaboração Própria.

Seguridade social: distribuição do percentual das fontes de recursos 1999–2006

Fontes

1. Recursos provenientes de impostos

2. Contribuições sociais

2.1 Contribuições dos Empregadores e dos Trabalhadores para a Seguridade Social (CETSS)

2.2 Contribuição sobre o Lucro (CSLL)

2.3 Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins)

2.4 Contribuição para o Plano de Seguridade do Servidor

2.5 Contribuição para o Custeio de Pensões Militares

2.6 Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF)

2.7 Renda de loteria e concursos de prognósticos

3. Outras fontes

3.1 Recursos próprios financeiros

3.2 Recursos próprios não-financeiros

3.3 Recursos próprios

3.4 Operação de crédito

3.5 Outros

4. Fundo de combate e erradicação à pobreza

5. Fundo de Estabilização Fiscal (FEF)

Total

Total em R$ milhões correntes

6,8%

1999

86,2%

47,9%

4,9%

23,5%

2,5%

0,0%

7,4%

0,0%

2,7%

0,3%

0,7%

1,0%

0,3%

1,3%

0,0%

4,3%

100%

102.022

3,7%

2000

91,0%

47,5%

6,1%

25,3%

2,0%

0,0%

10,1%

0,0%

5,2%

0,3%

1,0%

1,3%

0,5%

3,4%

0,0%

0,0%

100%

118.119

9,2%

2001

88,0%

46,6%

4,8%

26,1%

2,4%

0,0%

8,0%

0,0%

1,9%

0,3%

0,9%

1,2%

0,4%

0,2%

0,9%

0,0%

100%

136.476

8,9%

2002

88,4%

45,5%

6,4%

26,0%

2,3%

0,0%

8,2%

0,0%

1,7%

0,4%

0,8%

1,3%

0,4%

0,1%

1,1%

0,0%

100%

155.166

9,4%

2003

88,8%

44,6%

6,8%

27,2%

2,0%

0,0%

8,2%

0,0%

1,2%

0,2%

0,8%

0,9%

0,2%

0,1%

0,6%

0,0%

100%

181.066

6,3%

2004

90,1%

44,3%

7,0%

28,3%

2,4%

0,4%

7,6%

0,1%

1,3%

0,4%

0,7%

1,1%

0,1%

0,1%

2,3%

0,0%

100%

212.346

5,6%

2005

91,1%

44,9%

7,4%

26,7%

4,4%

0,4%

7,3%

0,0%

1,3%

0,0%

0,6%

0,7%

0,1%

0,5%

2,1%

0,0%

100%

240.089

3,8%

2006

92,5%

46,2%

8,4%

25,6%

4,3%

0,4%

7,7%

0,0%

1,3%

0,4%

0,7%

1,1%

0,1%

0,1%

2,4%

0,0%

100%

240.089

6,7%

Média sobretotal

89,5%

45,9%

6,5%

26,1%

2,8%

0,1%

8,1%

0,0%

2,1%

0,3%

0,8%

1,1%

0,3%

0,7%

1,2%

0,5%

100%

-

-44,1%

Variação99/2006

7,4%

-3,4%

69,5%

8,8%

68,4%

-

4,0%

-

-51,1%

61,1%

-8,5%

9,7%

-73,2%

-91,7%

-

-

-

-

TABELA 2

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social, saúde ou destinados ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (Hickmann;

Salvador, 2007). Esses recursos não aplicados nas políticas sociais foram desvinculados

por meio do FEF ou da DRU e não retornaram para aplicação nas políticas que justifi caram

sua arrecadação.

O fi nanciamento da política de saúde enfrenta problemas desde o início do Sistema

Único de Saúde (SUS), cujo ápice foi a crise em 1993, quando o Ministério da Saúde

teve que tomar recursos emprestados no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A

aprovação da Emenda Constitucional (EC) 29, em 2000, foi um avanço para regularizar a

aplicação de maneira estável de recursos no setor. Porém, a demora na regulamentação

tem gerado um conjunto de questões de interpretação que prejudica a implementação da

emenda. A EC 29 estabeleceu a vinculação de recursos orçamentários da União, estados

e municípios para as despesas de saúde, tendo como ponto de partida o valor executado

em 1999 acrescido de 5%.

Para os anos seguintes, o valor apurado deve ser corrigido pela variação do PIB nominal.

Rosa Marques e Áquilas Mendes (2005) destacam o não-cumprimento da EC 29, no período

de 2000 a 2005, com aporte de recursos orçamentários inferior ao dito constitucional. De

acordo com esses autores, o descumprimento da EC 29 pela União e estados alcança o

montante de R$ 5,4 bilhões (R$ 1,8 bilhão da União e R$ 3,6 bilhões dos estados).

No tocante ao fi nanciamento da política de assistência social, observa-se que, no período

de 1999 a 2006, as contribuições sociais apresentaram variação negativa de 22%.

Uma observação relevante diz respeito ao Fundo de Combate e Erradicação à Pobreza,

criado pela Lei Complementar 111/2001, responsável, em 2006, por 30,1% da função

orçamentária da assistência social.

Em que pese a classifi cação orçamentária do fundo aparecer na esfera da seguridade

social, seus recursos podem ser aplicados em políticas que não compõem o sistema de

seguridade social brasileiro, além de contrariar as determinações da Lei Orgânica da

Assistência Social (Loas) e do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) (Boschetti,

2003).

A arrecadação da Cofi ns representou 25,6% da arrecadação da seguridade social em

2006 (Tabela 2). Porém, destaca-se que as instituições fi nanceiras têm aproveitado todas as

brechas legais, fazendo até mesmo interpretações próprias da legislação,61 para escaparem

do dever tributário, mesmo que isso implique postergar o pagamento usando o expediente

do depósito em juízo, como ocorreu em 2005.

(61) Com isso, as instituições fi nanceiras reduziram a base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofi ns, deduzindo as

despesas incorridas nas operações de intermediação fi nanceira, as despesas de obrigações por empréstimos, o deságio na

colocação de títulos, as perdas com títulos de renda fi xa e variável e perdas com ativos fi nanceiros e mercadorias, entre outras

despesas. Assim sendo, a base de cálculo para incidência no recolhimento do PIS e da Cofi ns, na prática, não é o faturamento,

e sim o lucro operacional, o que implica redução da base tributável de até 80% (Luchiezi Júnior; Hickmann; Salvador, 2007).

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Os bancos usam de muita criatividade para reduzir o recolhimento da Cofi ns. O

comportamento das instituições fi nanceiras resultou em retração no recolhimento dessas

contribuições em 2006, quando comparada ao ano anterior. Em valores defl acionados pelo

Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ocorreu queda na arrecadação da

Cofi ns (13,08%). Isso signifi ca recolhimento menor para os cofres do governo, em termos

reais, de R$ 886,06 milhões, comparativamente a 2005.

O fi nanciamento da seguridade social no Brasil permanece fracionado com a separação

das fontes de recursos advindos da contribuição direta de pessoas empregadas e de quem

emprega para custear a previdência social, e as contribuições sociais incidentes sobre o

faturamento, o lucro e a movimentação fi nanceira para as políticas de saúde e assistência.

Essa conformação do fi nanciamento não fortalece o conceito de seguridade social em sua

totalidade.

A atual estrutura do fi nanciamento da seguridade social ajuda a compreender a

confi guração do fundo público no Brasil, com participação irrisória de recursos oriundos

da esfera fi scal para aplicação nas políticas de assistência social, previdência e saúde. A

análise dos recursos que fi nanciaram as políticas da seguridade social de 1999 a 2006,

revela a regressividade do seu custeio: quem sustenta é a classe trabalhadora e as pessoas

mais pobres. Não há, portanto, redistribuição de renda. Isso signifi ca que são as próprias

pessoas benefi ciárias das políticas da seguridade social que arcam com o seu fi nanciamento,

seja por meio da contribuição direta para acesso aos benefícios da previdência social, seja

no pagamento de tributos indiretos embutidos nos preços dos bens e serviços, destinados

apenas em parte para as políticas de saúde e assistência social.

Destino dos recursos

As Tabelas 3 e 4 fornecem pistas da aplicação dos recursos da seguridade social nas

políticas de assistência social, previdência e saúde. A Tabela 3 mostra o destino desses

recursos no período de 1999 a 2006 para cada uma das políticas. Os dados revelam que a

previdência social recebeu a maior parcela de recursos em todos os anos, sendo que, em

2006, essa política absorveu 77% do orçamento da seguridade social. A partir de 2001, ocorre

redução da participação proporcional da saúde no total do orçamento da seguridade social

e ampliação dos gastos com a assistência social, principalmente a partir de 2004, graças

à redução da idade da população idosa (de 67 anos para 65) para acesso ao Benefício de

Prestação Continuada (BPC).

No período, ocorreu pequeno crescimento dos recursos destinados à seguridade social

em termos de participação no PIB brasileiro, evoluindo de 9,58% (1999) para 11,18% (2006).

Isso revelou que, apesar do aumento da carga tributária, do envelhecimento populacional

e de maior demanda social, o crescimento do orçamento da seguridade social é vegetativo

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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(Behring; Boschetti, 2006).

O Boletim Políticas Sociais – acompanhamento e análise do Ipea (edição especial, n.

13), divulgado em abril de 2007, revela que os gastos da seguridade social insusceptíveis a

corte, porque correspondem a direitos sociais previstos na Constituição, e exercitáveis por

iniciativa das pessoas benefi ciárias, representam 87% do orçamento da seguridade social. A

Tabela 4 mostra o principal destino dos recursos aplicados no setor com relação ao PIB.

O principal destino dos recursos, em 2006, foi o pagamento dos benefícios do Regime

Geral da Previdência Social, que representou 58,8% dos gastos da seguridade social. Em

seguida, estão os gastos com aposentadorias e pensões de servidores(as) públicos federais

(16,3%); o programa de atendimento hospitalar do SUS (6,8%); e o pagamento do Benefício

de Prestação Continuada e da Renda Mensal Vitalícia (4,2%).

O RGPS paga benefícios a 21 milhões de brasileiros(as), entre aposentadorias, pensões

e auxílios. De 1999 a 2006, os benefícios concedidos pelo sistema evoluíram de 5,21% do

PIB para 6,96%, ou R$ 161,8 bilhões. Essa evolução é explicada, basicamente, por dois

fatores: a dinâmica de maturação do sistema, por conta do direito adquirido das pessoas

que entraram no mercado de trabalho na década de 1970, e a trajetória da evolução real do

salário mínimo acima da infl ação, uma vez que o piso previdenciário obedece ao reajuste do

salário mínimo (Boletim Políticas Sociais – acompanhamento e análise, 2007, p. 45-76).

Mais exigências para quem trabalha

Após a reforma da previdência social realizada em 1998 (Emenda Constitucional 20),

importantes e perversas modifi cações foram feitas para a classe trabalhadora vinculada

ao RGPS, entre elas, a redução dos benefícios, as restrições de acesso às aposentadorias

e a indução a maior permanência de trabalhadores(as) em atividade. Uma das primeiras

conseqüências dessa reforma é a redução drástica na concessão das aposentadorias por

tempo de contribuição, implicando aumento da idade média no momento de concessão das

aposentadorias.

Quando se analisa somente a soma das aposentadorias concedidas por idade e por

tempo de contribuição, os benefícios de aposentadoria por idade representam 75% dos

benefícios concedidos de 1999 a 2006, conforme a base de dados dos anuários estatísticos

da previdência social.62 Cerca de 66% dos benefícios concedidos nesse período equivalem

a um salário mínimo.

A idade média de aposentadoria vem aumentando – os homens estão se aposentado

com idade média de 66 anos e as mulheres com 61 anos –, acima da idade prevista na Carta

Magna (65/homem e 60/mulher). Esses dados revelam que o Brasil vem se tornado um país

de elevada exigência para o gozo de benefício de aposentadoria (Salvador, 2005). O fl uxo

de concessão dos novos benefícios previdenciários, incluindo a aposentadoria por

(62) Disponível em: <http://creme.dataprev.gov.br/infologo2005/inicio.htm>. Acesso em: 7 nov. 2007.

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tempo de contribuição (35/homem e 30/mulher) e por idade, indica que a faixa etária

média de aposentadoria no Brasil é semelhante à dos países da OCDE, apesar das condições

sociais, econômicas, demográfi cas e regionais inferiores do nosso país (Fagnani; Cardoso

Jr., 2007).

Com relação aos recursos aplicados na assistência social, a análise feita por Ivanete

Boschetti (2003), com base no estudo do fi nanciamento da assistência social de 1994 a

2002, revela que uma miríade de programas e projetos da função Assistência Social não

seguiam e nem respondiam aos preceitos da Loas. Em 2006, os dados do Siafi revelam que

dos R$ 21,9 bilhões aplicados nessa função do orçamento, somente 58,60% dos recursos

foram aplicados pelo FNAS, a menor participação desde 2000, fragilizando o controle da

sociedade civil e da assistência social como política pública. A estrutura orçamentária do

FNAS deveria contemplar as políticas e os programas anuais da assistência social, conforme

determina o art. 17 da Loas e o Decreto 1605/1995.

No âmbito da política de assistência social, a soma do pagamento do BPC e da Renda

Mensal Vitalícia (RMV) evoluiu de 0,14% do PIB (1999) para 0,50% (2006) – o equivalente

a R$ 11,5 bilhões. O BPC, que substituiu a antiga RMV,63 garantido pela Loas, tem por

objetivo assegurar renda equivalente a um salário mínimo para todas as pessoas que, por

situação de velhice ou de incapacidade, não têm como manter sua subsistência. O benefício

é pago às pessoas idosas e àquelas com defi ciência e incapacitadas para a vida autônoma,

cuja renda familiar mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo, não importando a

contribuição previdenciária.

As razões para evolução dessa despesa de 1999 a 2006 são: redução do limite de idade

para acesso ao benefício e evolução real do salário mínimo. O primeiro limite de idade para

acesso ao BPC foi fi xado em 70 anos, em 1996, sendo reduzido para 67 anos, em 1998. A

partir de 2003, com aprovação do Estatuto do Idoso, esse limite foi reduzido para 65 anos.

Com recursos da seguridade social, o governo também paga os benefícios previdenciários

de servidores(as) públicos federais que, por princípios constitucionais, não incluiriam esse

tipo de gasto.

Na opinião de Guilherme Delgado: Apesar de serem legítimas as despesas com inativos e

com pensionistas da União, como de resto são legítimos tantos outros gastos do Orçamento

da União, tais despesas devem pertencer ao Orçamento Geral, o qual é fi nanciado por

tributos e não por recursos específi cos da política de proteção do conjunto da sociedade

contra os riscos clássicos das privações humanas. (Delgado, 2002, p. 114)

(63) A RMV foi criada, em 1974, para o atendimento de pessoas com 70 anos ou mais que tivessem efetuado 12 contribuições

à previdência social ao longo de sua vida e que não tivessem acesso à aposentadoria e nem condições de garantir sua so-

brevivência. As despesas constantes na Tabela 4 referem-se ao estoque de benefi ciários existentes em 31 de dezembro de

1995.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

A Constituição de 1988 não incluiu a previdência do(a) servidor público no capítulo

específi co que trata da seguridade social. Ao contrário, o assunto encontra-se no Título III

(Da Organização do Estado), principalmente em seu Capítulo VII (Da Administração Pública),

Seção II (Dos Servidores Públicos). Com isso, a União transferiu para a responsabilidade

do orçamento da seguridade social um estoque de gastos com aposentadorias e pensões

de servidores(as) públicos federais, que deveriam ser honrados pelo caixa do orçamento

fi scal.

Saúde defi citária

A Tabela 4 revela, também, que o programa de atendimento hospitalar do SUS sofreu

declínio no recebimento de recursos orçamentários: de 1,06% do PIB, em 1999, para 0,81%,

em 2006, reduzindo a participação no montante orçamentário da seguridade social de

11,07% para 6,8%. Por outro lado, esse decréscimo foi compensado, apenas em parte, pelo

aumento dos gastos com demais programas na área de saúde que dependem de iniciativa

anual do governo. Por exemplo, o programa Atenção Básica em Saúde.

O patamar de gastos públicos em saúde no Brasil é claramente insufi ciente para cumprir

a missão que a Constituição de 1988 se propôs: estabelecer um sistema de saúde público

universal, integral e gratuito. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o

Brasil gasta apenas 3,45% do PIB com políticas públicas de saúde – patamar inferior aos

5,1% da Argentina, aos 6,9% da Inglaterra ou aos 7,2% da França. Como agravante, há o fato

de a rede privada de planos e seguros direcionados à saúde atender cerca de 43 milhões de

pessoas, movimentando recursos que, somados ao gasto das famílias com medicamentos,

alcança 4,1% do PIB (Boletim Políticas Sociais – acompanhamento e análise, 2007).

Fonte: Siafi/Sidor Elaboração própria de dados citados por Elaine Behring e Ivanete Boschetti (2006); Ivanete Boschetti e Evilásio Salvador (2006). Os dados do PIB foram revisados, em 2006, pelo IBGE. Disponível em:<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/contasnacionais/referencia2000/2005/tabsinotica05.pdf>. Acesso em: 7 nov. 2007.

Orçamento da seguridade social: distribuição dos recursos entre as políticas sociais – 1999–2006 Valores em R$ milhões correntes

Políticas

Previdência Social

Saúde

Assistência Social

Total em R$ milhões

PIB em R$ milhões

Em % do PIB

1999

83.305

15.487

3.231

102.023

1.065.000

9,58%

2000

93.408

20.270

4.442

118.120

1.179.482

10,01%

2001

107.544

23.634

5.298

136.476

1.302.136

10,48%

2002

123.218

25.435

6.513

155.166

1.477.822

10,5%

2003

145.478

27.172

8.416

181.066

1.699.948

10,65%

2004

165.509

32.973

13.863

212.345

1.941.498

10,94%

2005

187.800

36.483

15.806

240.089

2.147.944

11,18%

2006

212.965

40.577

21.555

275.097

2.322.818

11,84%

TABELA 3

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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Ainda na Tabela 4, observa-se, a partir de 2000, o crescimento de programas voluntários

de transferência de renda, como o Bolsa Família – criado em outubro de 2003, a partir da

unifi cação de programas não-constitucionais de transferência de renda até então vigentes:

Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio Gás e Cartão Alimentação. 64

Os gastos com o programa Bolsa Família sobem de 0,17% do PIB, em 2003, para 0,32%

em 2006. Equivale a uma transferência de renda diretamente às famílias em condição de

pobreza e extrema pobreza e o auxílio à família na condição de pobreza extrema, com

crianças entre 0 e 6 anos, no montante de R$ 7,4 bilhões em 2006.

Registra-se que os dados da execução orçamentária de 2006 (Siafi /Sidor) revelam

que 93% do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome foi

comprometido com o programa Bolsa Família.

A Constituição Federal, no seu art. 145, III, § 1º, diz que, sempre que possível, os

impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica da

pessoa contribuinte.

Um país que tenha como objetivos a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades

sociais e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária deve utilizar o sistema

tributário como instrumento de redistribuição de renda e riqueza, cobrando mais impostos

de quem tem mais capacidade contributiva e aliviando a carga das pessoas mais pobres.

Para isso, é importante que as bases de fi nanciamento da seguridade social sejam

reordenadas para características progressivas, via fi nanciamento por meio de tributos

(64) Uma análise do programa Bolsa Família, partindo da discussão sobre pobreza e desigualdade, pode ser lida em texto de

Amélia Cohn, intitulado “Para além da justiça distributiva”, publicado no Observatório da Cidadania: relatório 2005. Boschetti,

Teixeira e Tomazelli (2004) relevam que os programas de transferência de renda com ênfase nas ações focalizadas no com-

bate à fome e à pobreza absoluta, a exemplo do Bolsa Família, mostram a direção e a concepção da política de assistência

social do governo do Presidente Lula, em detrimento a outras ações previstas na Loas.

Fonte: Boletim Polítcas Sociais – acompanhamento e análise, 2007, e Siafi/Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Elaboração própria Nota: os dados do Boletim Políticas Sociais – acompanhamento e análise, abril de 2007, para o período de 1999 a 2005, foram reagrupados e recalculados com base na nova série do IBGE das Contas Nacionais (PIB).

Despesas da seguridade social em % do PIB

Ano

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

RGPS

5,21%

5,40%

5,20%

5,54%

5,95%

6,13%

6,44%

6,96%

BPC e RMV

0,14%

0,29%

0,29%

0,37%

0,36%

0,38%

0,42%

0,50%

Atendimento hospitalar SUS

1,06%

0,89%

0,87%

0,83%

0,79%

0,81%

0,78%

0,81%

Inativos e pensionistas

da União

2,10%

1,76%

2,19%

2,17%

1,99%

1,97%

1,93%

1,93%

Programa Voluntário Transferência de

Renda

-

0,01%

0,04%

0,12%

0,17%

0,29%

0,30%

0,32%

Outros

1,07%

1,67%

1,88%

1,47%

1,57%

1,36%

1,30%

1,32%

Total

9,58%

10,01%

10,48%

10,50%

10,84%

10,94%

11,18%|

11,84%

TABELA 4

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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diretos incidentes sobre todas as rendas (lucros, juros, renda fundiária e salários) e sobre o

patrimônio.

Uma Agenda para a Seguridade

Diante da análise realizada, apresenta-se, a seguir, uma agenda de possibilidades para

afi rmação e ampliação dos direitos da seguridade social no Brasil.

Fontes de fi nanciamento – São regressivas, com base na tributação da classe

trabalhadora e das pessoas mais pobres, não fazendo, portanto, redistribuição de renda.

Devem ser substituídas por tributos progressivos, observando os princípios constitucionais

da capacidade contributiva e da isonomia.Hoje, as principais fontes de fi nanciamento da

seguridade social têm como incidência o faturamento das empresas e a contribuição sobre a

folha de pagamento. Na prática, esses tributos compõem os custos das empresas repassados

ao público consumidor nos preços de bens de serviços.

Essas fontes guardam uma relação inversa ao patamar de renda da pessoa contribuinte.

A regressão ocorre porque penaliza mais contribuintes de menor poder aquisitivo. O inverso

ocorre quando o tributo é progressivo, aumentando a participação da pessoa contribuinte à

medida que cresce sua renda, assegurando a progressividade e a justiça fi scal, pois arcam

com maior ônus da tributação os indivíduos em melhores condições de suportá-lo, ou seja,

quem tem maior renda.

Integração entre as políticas – De assistência social, previdência e saúde, não

separando as fontes de fi nanciamento e estabelecendo complementaridade por meio da

defi nição de funções e benefícios.

As políticas que compõem a seguridade social brasileira não podem ser pensadas de forma

isolada, como ocorre hoje. Historicamente, as políticas de previdência, saúde e assistência

social estiveram imbricadas na construção do sistema de previdência social brasileiro. Mas no

passado, fi cavam restritas à classe trabalhadora do mercado formal de trabalho.

Com os avanços registrados na Constituição de 1988 – entre eles, o reconhecimento da

saúde como direito universal e da assistência social como um direito –, a maior integração

entre as políticas deveria começar pela integração das fontes de fi nanciamento, com um único

orçamento, contrariamente ao fracionamento hoje existente, com tributos específi cos para

cada política. A integração do fi nanciamento poderá fortalecer e possibilitar a universalização

da seguridade social, evitando a disputa de recursos entre os três setores.

Questão orçamentária – Estabelecer um orçamento com os recursos canalizados

para um fundo específi co que servirá para o pagamento de benefícios, serviços, ações e

programas no âmbito das políticas que integram a seguridade social.

A conseqüência de estruturar o fi nanciamento de forma totalizadora visa garantir um

orçamento próprio como forma de institucionalização da precedência de seus compromissos

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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de cobertura sobre os demais gastos do governo.

Para tanto, é importante a formação de um fundo único da seguridade social, não

sujeito à política fi scal restritiva de qualquer governo, garantindo a seguridade como política

relevante e prioritária do Estado brasileiro. Além disso, os recursos canalizados para esse

fundo seriam usados exclusivamente para o pagamento de benefícios, serviços, ações e

programas da previdência, da saúde e da assistência social, sendo proibido o desvio para

orçamento fi scal.

Reformulação das leis orgânicas – Da previdência social, da saúde e da assistência

social, com o intuito de assegurar a universalidade dos direitos da seguridade social,

garantindo a todas as pessoas o acesso aos benefícios da previdência social, o livre acesso

à saúde e aos serviços sociais.

A concretização dos direitos da seguridade social previstos na Carta Magna deveria

ser materializada nas leis orgânicas em cada setor (previdência, saúde, assistência social). Porém,

as condições políticas que permitiram os avanços constitucionais mudaram, no início da década de

1990, com o ideário neoliberal. A começar ainda no governo do Presidente José Sarney, com o não

envio ao Congresso Nacional dos projetos de lei de regulamentação da seguridade social.

A título de exemplo, a Loas foi aprovada somente em dezembro de 1993, no governo do

Presidente Itamar Franco.

Assim, a previdência, a saúde e a assistência social foram regulamentadas por diferentes

leis e institucionalizadas em diferentes órgãos ministeriais. Torna-se necessário retomar o

princípio universalista que inspirou a Constituição de 1988, reformando as leis orgânicas das

três políticas que integram a seguridade social brasileira.

Cons. Nacional da Seguridade Social – Extinto pelas Medidas Provisórias (MP)

1.799/1999 e 2.216-37/2001 (art. 33), o Conselho Nacional de Seguridade Social deve ter

composição paritária – governo, trabalhadores(as), aposentados(as) e empresários(as) –

e a missão de articular e sistematizar um orçamento previamente debatido com as áreas

responsáveis pela previdência social, saúde e assistência social.

O conselho deve ser recriado com a fi nalidade principal de articular as políticas sociais

nas áreas envolvidas. Deve ter representação quadripartite, com representantes do governo

federal da área de saúde, previdência social e assistencial social, além da representação

dos governos estaduais e municipais. A representação da sociedade civil seria garantida

com o assento de aposentados(as), trabalhadores(as), empresários(as) e usuários(as).

Além disso, seriam mantidos os conselhos setoriais das áreas de saúde, previdência social

e assistência social.

O conselho teria entre suas atribuições:estabelecer as diretrizes gerais e as políticas de

integração entre as áreas; acompanhar e avaliar a gestão econômica, fi nanceira e social

dos recursos e o desempenho dos programas realizados, exigindo prestação de contas;

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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apreciar e aprovar os termos dos convênios fi rmados entre a seguridade social e a rede

bancária para a prestação dos serviços; aprovar e submeter ao presidente da República os

programas anuais e plurianuais da seguridade social; aprovar e submeter ao órgão central

do Sistema de Planejamento Federal e de Orçamentos a proposta orçamentária anual da

seguridade social.

Não-renovação da DRU – Assegurando que todas as fontes de fi nanciamento das

políticas de saúde, previdência e assistencial sejam integralmente destinadas para essas

políticas.

Desde 1993, os governos criam mecanismos de desvinculação de receitas no orçamento

que, na prática, implicaram retirada de recursos da seguridade social, transferindo-os para o

orçamento fi scal, particularmente após 1999, para composição do superávit primário.

As fontes da seguridade social estabelecidas no art. 195 da Constituição Federal são

um importante arranjo institucional e fi nanceiro de sustentabilidade das três políticas.

Somente em 2006, quase R$ 34 bilhões das contribuições sociais para a seguridade social

foram canalizados para o orçamento fi scal. Dessa forma, as principais políticas sociais do

governo fi cam penalizadas com ausência de recursos. A DRU, prevista para acabar em 31

de dezembro de 2007, não deveria ser renovada, assegurando, assim, o repasse integral

dos recursos para as áreas de saúde, previdência e assistência social.

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6. Constituição amplia direitos previdenciários e assistenciais*

Previdência em Questão - Brasília, 1º a 15 de outubro de 2008 - nº 06/08*

Há 20 anos, a Constituição Federal garantiu direitos e defi niu deveres em todas as áreas,

principalmente na social. A Previdência Social recebeu especial atenção em quatro artigos:

40, 195, 201 e 202, que, somados, totalizam 53 parágrafos.

A Constituição defi ne a Previdência Social como um direito da cidadania e que exige um

sistema de solidariedade, no qual a geração que está hoje no mercado de trabalho fi nancia

a aposentadoria de quem já contribuiu com o desenvolvimento do país. É a equidade, não

apenas na distribuição de benefícios, mas também no fi nanciamento.

A partir de 1988, foi determinado que o Regime Geral da Previdência Social deveria

observar o equilíbrio fi nanceiro e atuarial, ou seja, que não se pode criar benefício, aumentar

valores ou isentar contribuintes sem levar em consideração o impacto no regime.

Outra conquista do trabalhador foi a mudança na correção dos salários-de-contribuições

utilizados na apuração do valor do benefício. Antes da Constituição, só se corrigia os primeiros

24 salários-de-contribuição, entre os últimos 36 meses. Depois de 1988, a correção é feita

sobre todos os salários envolvidos no cálculo. Após 1999, passou-se a considerar os 80%

melhores salários de contribuição existentes desde julho de 1994.

A Constituição também estabeleceu igualdade de gênero, assegurando o direito à pensão

por morte tanto à mulher como ao marido.

Rurais se equiparam aos trabalhadores urbanos

O maior ganho na área da Previdência foi para o trabalhador rural. Antes não havia uma

previdência para essa categoria. Muitos eram benefi ciados pelo extinto Funrural, que não

conseguia abranger a totalidade de trabalhadores rurais, pois só era devido aos chefes de

família e seu benefício não passava de meio salário mínimo.

Com a nova Carta, houve a equiparação dos direitos entre trabalhadores urbanos e rurais.

A partir de então, os rurais dobraram o valor do benefício passando a receber, pelo menos, um

salário mínimo. Além disso, passaram a ter direito a auxílio-doença previdenciário e acidentário,

salário maternidade, aposentadoria por idade e invalidez, pensão por morte e auxílio reclusão.

A Constituição também determinou que nenhum benefício pode ser menor que um salário mínimo e

que o reajuste não poderia ficar atrelado a ele, mas a cada ano deveria ser reposto o seu poder de compra.

A Carta não permitiu a indexação de nenhum benefício ao salário mínimo para não afetar toda a economia.

Outra modificação importante que a Constituição estabeleceu foi a alteração do benefício assistencial.

(*) Previdência em Questão - Brasília, 1º a 15 de outubro de 2008 - nº 06/08, Informativo Eletrônico do Ministério da Previdência

Social - Editado pela Assessoria de Comunicação Social - email: [email protected]

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Antes, a Previdência concedia, a partir de 1971, renda mensal vitalícia para o idoso

acima de 70 anos de idade ou à pessoa inválida. Porém, era necessário ter contribuído

por, no mínimo, 12 meses ou ter exercido atividade vinculada à Previdência Social por pelo

menos cinco anos, o que excluía todas as pessoas que nunca tinham conseguido ingressar

formalmente no mercado de trabalho.

A Constituição previu a substituição da renda mensal vitalícia por um benefício assistencial

mais amplo, sem a necessidade de contabilizar tempo de contribuição e incluindo as pessoas

com defi ciência congênita e de baixa renda.

Reformas impõem limites aos Regimes Próprios

A grande mudança nos Regimes Próprios dos Servidores (RPPS) ocorreu dez anos

depois da promulgação da Constituição. E foi justamente para acabar com a dependência

fi nanceira dos institutos de previdência, em relação aos orçamentos dos entes federados

– União, Estados, Distrito Federal e Municípios –, que arcavam com todos os custos de

Principais conquistas para as mulheres

- Com a Constituição, todas as trabalhadoras rurais passaram a contar com aposentadoria e com todos os benefícios previdenciários, como a licença maternidade.

TABELA 1

- A duração do salário maternidade, que antes da Constituição de 1988 era de 84 dias (menos de três meses), passou a ser de 120 dias.

- Os direitos das domésticas foram ampliados, com a irredutibilidade do salário, 13º salário, repouso semanal remunerado, férias remuneradas, licença maternidade, aviso prévio proporcional ao tempo de serviço e aposentadoria.

Fonte: Ministério da Previdência Social

TABELA 2

Servidores do RPPS da União, Estados e Municípios em 2008

União

Estados

Municípios

Total

Ente Ativos

1.118,360

2.793,050

2.156,676

6.068.086

Inativos

529.563

1.144,698

401.793

2.076,054

448.376

384.509

151.111

983.996

Pensionistas

2.096,299

4.322,257

2.709.580

9.128,136

Total

Fonte: Ministério da Previdência Social

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seus respectivos sistemas previdenciários. O RPPS está instituído nos 26 Estados, Distrito

Federal e em 1.900 municípios.

Servidores do RPPS da União, Estados e Municípios em 2008A primeira modifi cação no artigo 40 da Constituição, que detalha os direitos dos

servidores, foi por meio da Emenda Constitucional n° 20, de 1998. Esta emenda introduziu

uma mudança fundamental no Regime Próprio: o caráter contributivo e solidário, a exemplo

do que já acontecia com o Regime Geral da Previdência Social desde a promulgação da

Carta. Os servidores passaram a contribuir com 11% do seu salário para a aposentadoria.

Foi o primeiro passo para a sustentabilidade do Regime Próprio.

A Previdência Complementar do Regime Próprio será fechada, sem fi ns lucrativos e com gestão

paritária para aposentadorias acima do teto. Até a instituição do fundo, está garantido o pagamento

do benefício de aposentadoria com base no último salário do servidor e a paridade dos reajustes.

Carta abre oportunidade para Previdência Complementar

Ao ser promulgada, a Constituição de 1988 não fazia referência à Previdência

Complementar. Sua inclusão no texto da Carta só ocorreria 10 anos depois, por meio da

Emenda Constitucional n° 20, regulamentada pelas leis complementares nº 108 e 109, que

estabeleceram as regras básicas do sistema.

O segmento se divide fundamentalmente em três categorias: a previdência complementar

fechada, na qual o trabalhador e a empresa contribuem igualmente para um fundo, gerido por

uma entidade sem fi ns lucrativos e fi scalizada pela Secretaria de Previdência Complementar

(SPC) do Ministério da Previdência Social; a previdência aberta, comercializada por

instituições fi nanceiras privadas e seguradoras e fi scalizada pela Superintendência de

Seguros Privados (Susep), do Ministério da Fazenda; e a previdência associativa, também

de caráter fechado.

A previdência associativa é a novidade mais recente da previdência complementar.

Também funciona em regime fechado e é dirigida às entidades de caráter classista,

profi ssional ou setorial, e fi scalizada pela SPC.

O ingresso nos fundos de pensão ocorre por meio de organizações com as quais os

trabalhadores têm vínculos, como sindicatos, cooperativas, associações, órgãos de classe e

de profi ssões regulamentadas.

Números dos fundos de pensão

371 entidades fechadas de Previdência Complementar →

1.021 planos de previdência →

2.209 empresas patrocinadoras →

R$ 472 bilhões de ativos garantidores de benefícios →

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1,95 milhão de participantes ativos →

632 mil assistidos e benefi ciários →

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7. O Direito de cuidar de si

Stephen Kanitz*

“Por que somos obrigados a nos fi liar e permanecer associados ao INSS, se a livre

associação é uma garantia fundamental do brasileiro, assegurada pela Constituição?”

Por que 50% das pessoas estão preferindo trabalhar sem carteira assinada? Por que

tantas pessoas preferem trabalhar no mercado informal? Leia este artigo se você tem entre

15 e 25 anos e está prestes a iniciar uma carreira. Sua aposentadoria com dignidade está

em jogo.

O mercado sem carteira assinada pode signifi car 30% a mais em seu salário, os 30%

do INSS não recolhidos ao Estado, mas acrescentados a sua nota fi scal de serviços.

Vejamos um exemplo concreto, usando alíquotas de uma empresa média. Paulo ganha no

mercado informal 1.200 reais por mês. Os 100 reais que seriam descontados de INSS de

seu salário, mais a contribuição do empregador de 200 reais, ele aplica todo mês num fundo

de investimento. Depois de vinte anos, aplicando a 12% de juros ao ano, ele terá acumulado

314.725 reais, o sufi ciente para se aposentar com uma renda de 3.147 reais por mês. Quase

o triplo do que ele ganha hoje.

Como Paulo pretende trabalhar até os 60 anos, sua poupança acumulada deverá

chegar a impressionantes 3,35 milhões de reais. Inacreditável, mas é só fazer as contas,

não esquecendo o décimo terceiro salário. Doze por cento é uma taxa de juros bem inferior

à média de 25% ao ano que vigorou nos últimos cinco anos e aos 125% ao ano cobrados

pelos bancos para desconto de duplicatas. Doze por cento tem sido a média de retorno em

ações no Brasil, e é também a taxa que se usa para alugar imóveis.

O “erro” desse cálculo é outro. Se tivéssemos o direito de aplicar pessoalmente nosso

INSS, o volume de investimentos novos seria tão colossal que reduziria rapidamente a

taxa de juros para 3% ao ano, nível dos países desenvolvidos. Desenvolvidos justamente

porque os juros são baixos. E os juros são baixos justamente porque as aposentadorias são

administradas pelo povo, não por economistas do Estado.

Ao contrário de Paulo, Raimundo acredita no Estado. Acredita em nossa Previdência por

Repartição Social, em que os inativos recebem dos ativos, em que todos pagam para que

outros possam aposentar-se. Ganha 1.000 reais com carteira assinada, só que descontam

em torno de 10% de INSS. O patrão contribui com mais 20%, só que seu saldo acumulado

no decorrer dos anos é zero. Difi cilmente Raimundo se aposentará com 1.000 reais por mês.

Meu palpite é que sua aposentadoria será mais próxima dos 650 reais.

(*) Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br), Ponto de vista (Revista Veja – Edição nº 1674/2000)

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Essa negação do direito inalienável do brasileiro de poupar por si é, em minha opinião,

a questão número 1 na agenda econômica deste país. Muito mais importante que a reforma

tributária ou a lei das SAs. Será a única capaz de entusiasmar 70 milhões de jovens eleitores

na campanha de 2002, garantindo a eleição e a reeleição.

Essa proibição de criar uma poupança para a velhice, mais o rombo anual da Previdência,

explica a falta de recursos para investimentos e geração de empregos neste país. Explica

também à desnacionalização da economia, os juros altos, o baixo crescimento, a falta de

empregos, os sem-terra, a violência urbana, a crescente pobreza.

Nosso problema é que a maioria das pessoas não faz as contas de quanto esse dinheiro

renderia se fosse aplicado pessoalmente. Trinta por cento do salário, mais o equivalente em

termos de défi cit da Previdência, ainda não faz falta para a maioria das pessoas. Mas, no dia

da aposentadoria, fará.

Nos Direitos e Garantias Fundamentais da nossa Constituição, o título II, artigo 5,

parágrafo 20 reza explicitamente: “Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a

permanecer associado”. Por que somos obrigados a nos fi liar e a permanecer associados

ao INSS, se é uma garantia fundamental do brasileiro a livre associação? Associa-se quem

quiser, como na economia informal.

Se você tem entre 15 e 45 anos e pretende aposentar-se um dia com uma renda digna,

sem depender dos outros, terá de lutar, com certa urgência, pelo direito fundamental que

todo brasileiro deveria ter: o de cuidar de si.

No contraponto, observe o mesmo tema desenvolvido por outro ângulo.

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7.1.A estória que o Kanitz não contou

Ivannildo de Barros e Silva Filho **

Esta é a estória de dois Jovens, Paulo e Raimundo, ambos com aproximadamente 23

anos. Chegam ao Departamento de Pessoal da Visionários e Realistas Entregas Rápidas

- ME, para preencher suas fi chas de cadastro, onde poderiam optar por “associar-se” à

Previdência Social ou não. A remuneração dependeria desta opção: se “sócio” do INSS

receberia R$ 1.000,00 (já descontada a Contribuição Previdenciária), e, no caso contrário,

R$ 1.300,00. Está pronto o cenário para a nossa estória.

Paulo, um jovem dinâmico e inteligente, daqueles que não perdem tempo nem dinheiro,

e não deixa passar uma boa oportunidade tinha acabado de ler a edição nº 1674 de VEJA,

lembrou-se dos conselhos de um famoso consultor e não teve dúvidas, foi logo dizendo

“deixe que da minha aposentadoria cuide eu”, e não optou pelo INSS. Quando recebeu o

seu primeiro salário, a “galera” foi unânime: “hoje quem paga a conta é o Paulo”. Ele hesitou

afi nal todo o seu orçamento já estava comprometido, mas lembrou dos R$ 300,00 que

seriam poupados para a velhice e disse “ah! também sou fi lho de Deus, e afi nal de contas

este momento realmente merece uma comemoração, além do mais eu tenho toda uma vida

pela frente, sou jovem e vou curtir um pouco; este mês vou poupar apenas R$ 150,00 e no

próximo eu compenso”.

Cinco meses se passaram e Paulo já tinha R$ 1.450,00 na poupança. Por volta das

06h45min horas, cansado após ter saído de casa às 05h00min horas e já ter tomado dois

ônibus para chegar à sede da empresa às 07h00min horas, passa em frente a uma loja

de motos usadas e vê a “menina dos seus sonhos”, uma CG 125 seminova por apenas

R$ 1.900,00. Passados alguns dias aquela idéia não saia da sua cabeça: “quando eu

tiver a minha própria moto vai chover mulher!”. Ele hesitou, afi nal todo o seu orçamento já

estava comprometido, mas lembrou dos R$ 1.450,00 que estavam sendo poupados para a

velhice e disse “ah!! também sou fi lho de Deus, e afi nal de contas este será o meu primeiro

“patrimônio”, além do mais eu tenho toda uma vida pela frente, sou jovem e vou curtir um

pouco”. Comprou a moto pagando R$ 1.300,00 de entrada e mais dois cheques de R$

300,00 para 30 e 60 dias.

Já o Raimundo preferiu ser um “associado” do INSS e ia levando a sua vida normal,

recebendo R$ 1.000,00/mês e fazendo as suas aquisições em um ritmo mais lento que o

amigo Paulo.

(**) Ivannildo de Barros e Silva Filho é Auditor da SRFB, Ponto de vista (Revista Veja – Edição nº 1674/2000)

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É, eram muito amigos e faziam tudo juntos, iam às mesmas festas, e até conheceram

duas lindas irmãs com quem estavam se preparando para casar. Paulo, que já tinha uns R$

10.000,00 na poupança, desta vez não hesitou, e foi logo comprando um terreno e começando

a construir, e durante alguns meses a construção consumia todo o seu orçamento, inclusive

os “R$ 300,00”, mas ele estava convicto e dizia à sua noiva “vale o esforço, pois esta será a

nossa casa”. E ninguém duvidava que o Paulo fosse um jovem de futuro. Já Raimundo, mais

tímido em seus empreendimentos, comprou um terreno e construiu apenas uma “meia-água”

de início, e disse à sua noiva “tenha paciência, aos poucos ampliaremos a nossa casa”.

Tudo estava perfeito como em um conto de fadas, já tinham fi lhos e o Paulo tinha trocado

a moto por outra mais nova, até que no domingo à tarde, quando Paulo e Raimundo voltavam

do futebol, um trágico acidente de trânsito ceifou a vida de ambos.

A viúva do Paulo gastou os R$ 8.000,00 que tinham na poupança para sobreviver alguns

meses após a morte do seu esposo, mas agora está desesperada pensando em vender até

a casa que construíram com tanto orgulho. Só ainda não passou fome porque sua irmã, a

viúva do Raimundo, está recebendo uma pensão de R$ 1.000,00, paga pelo INSS, e tem

ajudado.

Senhores Editores de Veja, a aposentadoria do trabalhador brasileiro, aliás, de qualquer

trabalhador, especialmente aqueles menos privilegiados, é algo sério e muito complexo para

ser tratado da forma simplista e poética como foi feita na seção Ponto de Vista da edição nº

1674.

O texto acima é funesto e improvável? Não! Ele contempla apenas uma de muitas

situações que poderiam ocorrer com qualquer pessoa, especialmente nesta faixa de renda,

que difi cilmente alcançariam a trajetória utópica do exemplo dado no artigo “O direito de

cuidar de si” (Stephen Kanitz), onde o próprio autor, ao projetar uma provável aposentadoria

de R$ 650,00 (paga pelo INSS), já admite que o trabalhador não tenha emprego por tanto

tempo, sem intervalos, tão pouco sem variação de sua remuneração. Poderíamos mencionar

vários prováveis desfechos para esta estória, onde o fl uxo de caixa destes trabalhadores

seria alterado, de forma tal que diminuiria o nível de poupança, ou até mesmo geraria o

saque desta. Acidentes, doenças e até mesmo a tão esperada maternidade, para as

trabalhadoras, são eventos que são cobertos pela Previdência Social independentemente

do pecúlio formado.

É, no mínimo, ingenuidade acreditarmos que uma vez acabando a obrigatoriedade da

fi liação ao INSS, o trabalhador não seria obrigado a optar pela não fi liação, e pior, sem

nenhum repasse da economia tributária para o seu bolso.

Causou-me espanto que um consultor, profi ssional que deve ter como direção do seu

trabalho a previsão de situações as mais diversas às quais o seu cliente poderá estar exposto,

e desta forma orientar-lhe com toda prudência, tenha tratado a aposentadoria de milhões de

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trabalhadores de forma tão simplória. Digo isto, imaginando que o autor do artigo em pauta

tinha em mente como seu cliente o trabalhador.

Bem, talvez o seu cliente seja outra classe de investidores, como por exemplo, aqueles

que pretendem fazer “MARKETING SOCIAL ou FILANTROPIA ESTRATÉGICA”. Afi nal de

contas como ele diz em seu site “Sua empresa nunca terá uma segunda chance para causar

uma boa primeira impressão. Como causar uma boa impressão para os consumidores que

sequer compraram um produto de sua empresa? A solução é investir num bom projeto

social.” (www.kanitz.com.br)

É..., infelizmente, para se fazer Filantropia Estratégica e Marketing Social não poderá

faltar matéria-prima: a miséria.

Não podemos nos olvidar que poupança é uma questão mais cultural que econômica, e

antes de incentivar o enfraquecimento da Previdência Social deveríamos estar empenhados

em fortalecer a Educação Pública e Gratuita. Antes de falar na urgência em pleitear o

direito de cuidar de si, deveríamos falar da urgência em aprender a cuidar de si.

A propósito, em se falando de “cuidar de si”, creio que o fi m precípuo do Estado é o

de cuidar do cidadão. E partindo deste ponto de vista devemos sim lutar pelos “direitos

sociais: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência

social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma

desta Constituição.” (Art. 6º da CF, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 26 de

14/02/2000), melhorando assim o que já conquistamos, e não abrindo mão do pouco que

temos.

Observação: Este texto foi elaborado pelo à época Auditor Fiscal da Previdência Social

(AFPS) Ivannildo de Barros e Silva Filho, em 07 de novembro de 2000, como réplica ao

artigo “O direito de cuidar de si”, do articulista Stephen Kanitz, publicado na seção Ponto de

Vista da revista Veja, edição nº 1674. A mensagem fi nal que este nosso colega deixou foi

“juntos podemos melhorar este país”.

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8. A Seguridade Social como tecnologia jurídica para o

desenvolvimento humano

José Guilherme Ferraz da Costa*

No momento atual, um dos temas de maior destaque na agenda de discussões

da comunidade internacional é justamente a necessidade de se erradicar a pobreza

extrema que assola diversos agrupamentos humanos em todo o mundo, bem como de

se fomentar o desenvolvimento humano equilibrado numa economia irreversivelmente

globalizada (vide metas do milênio estabelecidas pela Assembléia Geral das Nações

Unidas, visando erradicar a pobreza extrema e a fome no mundo).

Admite-se que o enfrentamento de tais desafios constitui um pressuposto para

a estabilidade nacional e internacional, favorecendo o desenvolvimento e a paz

mundiais.

Restam superadas, portanto as falácias, largamente difundidas em período histórico

recente, de que o modelo de Estado fornecedor de prestações sociais estaria esgotado

e de que o crescimento econômico em um ambiente de livre mercado seriam suficientes

para garantir o bem estar de todos. Ao contrário, constata-se hoje que as medidas

estatais de proteção social são essenciais para a coesão econômica das sociedades

modernas.

Nesse contexto, cada vez mais prevalece o entendimento de que a implementação

paulatina do conceito de seguridade social em todo o mundo, a partir de uma plataforma

de consenso e solidariedade internacionais, constitui a forma mais concreta e viável

para se atingir aquele objetivo de modo eficaz e duradouro.

Com efeito, a seguridade social trata-se do produto mais avançado desenvolvido

pela tecnologia jurídica em todo o mundo para ordenação econômica e social, com

vistas a garantir um ambiente de bem–estar em que cada indivíduo possa contar com

os meios indispensáveis ao atendimento de suas necessidades materiais básicas.

Referido conceito resulta da conjugação de diversas experiências para tratamento

das situações de vulnerabilidade material vivenciadas pelo ser humano, assumindo,

por vezes, uma feição aparentemente complexa em razão da multiplicidade de técnicas

e variantes, assumidas em cada país que se propõe a seguir o respectivo receituário.

Entretanto, a despeito dessa heterogeneidade, é possível se inferir da análise da

sua evolução histórica e do conteúdo de diversos documentos internacionais produzidos

(*) José Guilherme Ferraz da Costa, Procurador da Republica, participante do Concurso Nacional de Teses e Monografi as da

Fundação Anfi p de Estudos da Seguridade Social.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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ao longo do último século, que o conceito de seguridade social no plano internacional

atualmente implica a busca por um padrão mundial igualitário de sobrevivência digna

para o ser humano, a ser almejado em cada recanto do globo (“global social floor”).

A atuação da Organização Internacional do Trabalho1 desponta atualmente como

o ponto de convergência para a busca daquele padrão, razão pela qual seus estudos,

recomendações e normas constituem o parâmetro mais objetivo para análise da

adequação dos sistemas jurídicos de cada país ao emergente modelo que poderíamos

chamar de “seguridade social global”.

Por esse ângulo, podemos afirmar que, desde fins do século XX, a Constituição

Federal Brasileira de 1988 já instituiu um protótipo de sistema de seguridade social

profundamente inspirado nas idéias mais modernas desenvolvidas no plano internacional

acerca da proteção social em face da ausência ou deficiência dos meios e condições

de subsistência.

Contudo, a literatura técnica nacional especializada ainda se ressente de estudos

mais aprofundados que ponham em destaque essa realidade, ou seja, apontando a

adequação das linhas mestras do sistema de seguridade social brasileiro às conclusões

de vanguarda dos estudos internacionais acerca dos temas correlatos, bem como as

tendências que podem ser seguidas para seu contínuo aperfeiçoamento.

É evidente a alta relevância dessa visão do ordenamento jurídico nacional no contexto

internacional, seja para consolidar a interpretação de seus conceitos e princípios

fundamentais (prevenindo-se a proliferação de idéias que tendem ao retrocesso) seja

para lançar luzes sobre alternativas para o futuro (afinal, a experiência internacional, a

despeito das peculiaridades nacionais, constitui sempre uma valiosa referência).

Neste trabalho, pretendemos introduzir aludida análise teórica da organização do

sistema de seguridade social brasileiro, em cotejo com o parâmetro de seguridade social

global atualmente almejado pela comunidade internacional organizada, identificando

desafios e tendências. Obviamente, em face da complexidade dessa tarefa e dos

limites metodológicos aqui adotados, restringiremos nosso enfoque às diretrizes gerais

do sistema, nas suas três vertentes, quais sejam: atendimento à saúde, previdência e

(1) The ILO is the only ‘tripartite’ United Nations agency in that it brings together representatives of governments, employers and

workers to jointly shape policies and programmes. (...) The ILO is the global body responsible for drawing up and overseeing

international labour standards. Working with its Member States, the ILO seeks to ensure that labour standards are respected

in practice as well as principle. The International Labour Organization (ILO) is devoted to advancing opportunities for women

and men to obtain decent and productive work in conditions of freedom, equity, security and human dignity. Its main aims are to

promote rights at work, encourage decent employment opportunities, enhance social protection and strengthen dialogue in han-

dling work-related issues. In promoting social justice and internationally recognized human and labour rights, the organization

continues to pursue its founding mission that labour peace is essential to prosperity. Today, the ILO helps advance the creation

of decent jobs and the kinds of economic and working conditions that give working people and business people a stake in lasting

peace, prosperity and progress.(Auto-conceituação extraída do site http://www.ilo.org, Acesso em 29/12/2007).

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

assistência sociais.

Evolução da proteção estatal em face dos riscos sociais

A História da Humanidade revela concomitantemente à evolução das forças

produtivas, sob impulso das inovações científicas, o desenvolvimento de modos de

organização econômica e de gerenciamento dos meios de produção que, a despeito

de suas freqüentes distorções, almejam como finalidade última, atingir um determinado

nível de bem estar e estabilidade sociais.

O atingimento desse objetivo, por outro lado, pressupõe primordialmente mecanismos

que promovam a libertação dos indivíduos em relação às suas necessidades básicas de

ordem material. Para a esmagadora maioria dos indivíduos, tal libertação é alcançada

pelo uso de sua força de trabalho e, para alguns, pelo acúmulo de riquezas. Impõe-se,

entretanto, assegurar o atendimento daquelas necessidades quando o indivíduo não

dispõe, por qualquer razão, de meios próprios para tanto.

Trata-se de uma tarefa com crescente grau de complexidade, que passou a exigir, ao

longo dos séculos, a criação e mobilização de estruturas cada vez mais especializadas

e sofisticadas.

Assim, superada a fase primária de assistência puramente familiar ou comunitária,

o indivíduo passou a recorrer à conhecida técnica securitária privatística, inserindo-

se em organismos criados para auxílio mútuo, tudo isto visando proteger-se contra

possíveis situações futuras de vulnerabilidade econômica. Por outro lado, a caridade

diante dos menos afortunados também constitui fenômeno imemorial.

O maior salto evolutivo ocorre quando o Estado deixa a postura de mero ordenador

de relações privadas e passa a assumir o papel de fornecedor e gestor de prestações

de caráter social, dentre as quais se sobressaem aquelas que visam garantir a

sobrevivência do indivíduo em situações de adversidade.

Assume, portanto o Estado à assistência aos necessitados (assistência pública ou

social), ao lado das tradicionais iniciativas privadas de caridade, e implanta seu próprio

plano de seguro, este adaptado para uma extrema coletivização e socialização dos

riscos individuais tidos como relevantes para a sociedade (seguro social)2.

No âmbito do seguro social, o custeio das prestações faz-se então por meio de

contribuições que lembrariam prêmios de seguro privado, uma vez que, sendo indexadas

aos ganhos normais dos beneficiários, mantêm certa correlação sinalagmática com a

cobertura do risco de perda de rendimentos.

(2) O “act for the relief of the poor”, de 1601, na Inglaterra constitui um marco jurídico da assistência social no mundo, enquanto

as leis alemãs de seguro doença, seguro de acidentes do trabalho e de seguro de invalidez e velhice, respectivamente de

1883, 1884 e 1889 criam um modelo de seguro social de base profi ssionalista com fundamento nas idéias sustentadas pelo

chanceler alemão Otto Von Bismarck .

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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Embora inspirado na técnica securitária privatista, o seguro social apresenta

diversas peculiaridades que lhe conferem uma feição própria, mitigando-se a relação

entre risco, prêmio e benefício, própria do Direito Privado. Ora, no seguro social pode-

se imaginar, por exemplo, situações em que o trabalhador é amparado sem haver

despendido qualquer contribuição, ou havendo contribuído em níveis bastante reduzidos

e desproporcionais ao benefício auferido.

Por outro lado, as medidas de assistência social alcançam indivíduos em situações

de necessidade já implementadas, sem qualquer exigência de engajamento prévio

mediante contribuições, o que também não se coaduna com as tradicionais categorias

do seguro privado.

Enfim, o elemento solidariedade ganha maior intensidade dentro da rede estatal de

proteção, exigindo-se para tanto uma maior participação de receitas gerais do Estado

ao lado das tradicionais quotizações emuladas do modelo securitário privatístico, as

quais, de qualquer forma, permanecem como fonte de custeio básica para fins de

garantir independência orçamentária e de permitir uma visão mais clara, por parte de

gestores e beneficiários, acerca dos custos das medidas protetivas.

Todavia, tais medidas estatais de proteção social revelam-se, no princípio, limitadas

a um universo restrito de beneficiários, já que o seguro social assume, de início, uma

vinculação a determinadas espécies de relações de trabalho, sendo que as políticas

públicas de assistência social surgem pontuais e assistemáticas.

Surgimento do conceito moderno de Seguridade Social

Desde então, as técnicas de assistência e seguro sociais evoluíram e experimentaram

uma tendência de fusão em busca da ampliação da cobertura da proteção para

indivíduos de outros segmentos da sociedade, ao passo que foram introduzidos novos

tipos de “risco” a serem protegidos (não apenas eventos futuros incertos e indesejáveis,

mas também situações como a maternidade e o nascimento de filhos), além de se

incorporarem métodos preventivos na conformação desses sistemas3.

Nessa linha de raciocínio, a assistência social estruturada como política pública

passa a suprir as lacunas deixadas pela rede protetiva previdenciária, justamente em

favor daqueles que não dispõem de capacidade contributiva para se integrar àquela

rede securitária. Desse modo, busca-se a ampliação do âmbito da cobertura da

proteção pública, de modo a se difundir um padrão mínimo de bem-estar para toda a

população.

Temos aí o surgimento do embrião do conceito jurídico atual de seguridade social, (3) O social security act editado nos Estados Unidos em 1935 já refl ete um esboço da idéia de seguridade social, posterior-

mente desenvolvido pelo Relatório Beveridge, editado na Inglaterra em 1942, para inspirar diversas mudança legislativas

naquele país.

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sendo que, a despeito das variadas e complexas peculiaridades dos sistemas ditos

de “seguridade social” ao redor do mundo até mesmo quanto às denominações

adotadas na legislação de cada pais (lembre-se que há divergências terminológicas

entre tais sistemas, especialmente em torno da utilização dos termos seguridade,

seguro, previdência e assistência social), é possível se extrair da evolução histórica

das pertinentes medidas de proteção social nos vários países e nos documentos

internacionais editados durante o século XX, subsídios para identificação do conteúdo

genérico daquele conceito.

Corresponderia então a um conjunto de medidas juridicamente estruturadas pelo

Estado para garantir a segurança econômica do ser humano, considerado como

membro da sociedade organizada, diante dos mais variados riscos existenciais que

possam excluí-lo do saudável convívio social, comprometendo a sua sobrevivência

digna.

Os chamados “riscos sociais” abrangeriam situações de necessidade (mesmo que

não futuras e incertas) consideradas relevantes pela sociedade para o seu próprio

equilíbrio, podendo ser enquadrados nas seguintes categorias básicas (sem prejuízo

de ampliações e redefinições ao longo do tempo): desemprego involuntário, doença,

idade avançada, invalidez, morte do provedor do lar, acidente do trabalho e doenças

profissionais, maternidade e elevação de encargos domésticos.

Esse conceito moderno de seguridade social tem como nota característica a

estruturação integrada de medidas de proteção, de modo a permitir, ao mesmo tempo,

o amparo ao indivíduo em situação de necessidade e a preparação de seu retorno à

vida produtiva, bem como o foco na prevenção de situações de necessidade.

Nessa linha de raciocínio, a Associação Internacional de Seguridade Social4

(Organismo internacional que congrega instituições de seguridade social de todo o

mundo) vem propugnando pela adoção de um modelo dinâmico de Seguridade Social,

em que são privilegiadas abordagens inovadoras e proativas com vistas à redução de

riscos e reinserção no mercado de trabalho5.

(4) The International Social Security Association (ISSA) is an international organization which essentially brings together institu-

tions and administrative bodies dealing with one or more aspects of social security in different countries of the world, namely all

forms of compulsory social protection which, by virtue of legislation or national practice, are an integral part of the social security

system of these countries (Auto-conceituação da AISS extraída do site http://www.issa.int, acesso em 27/12/2007)

(5) The universal trend is towards a broader concept of social security and what it should comprise. Social security has changed radically

in recente years; ists role is no longer limited to income redistribution and to providing adequate benefi ts for minium well-being and de

fulfi lment of basic needs. The concept of social security has widened and become more proactive, and is now aimed at better providing

prevention measures and protection for individuals against life-course risks, while ate the same time maximizing their productive potential

and capacities in order to make them less vulnerable to these risks and to facilitate their social integration. This innovative approach

illustrates what the ISSA calls “Dynamic social Security” (Mckinnon, 2007) (Sigg, Roland. Supporting Dynamic Social Security. In Interna-

tional Social Security Association. Developments and trends: Supporting Dynamic social Security. Geneva: ISSA, 2007, p. 02)

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Exemplificando esse tipo de abordagem, vale destacar a ênfase dada ao novo

conceito de “case management” como política pública de reinserção ao mercado de

trabalho, a ser implantada em conjunto com medidas de amparo aos desempregados

e assistência social. De acordo com esse conceito, recomenda-se a atuação estatal

proativa no sentido de inserir o indivíduo marginalizado ou realocar o trabalhador

desempregado no mercado local, valendo-se para tanto de uma estrutura de atendimento

individualizado com interfaces em diversos segmentos do mundo do trabalho6.

Assim, fecha-se o ciclo da reintegração social, a partir do momento em que

o indivíduo, privado de seus meios de subsistência, percebe benefício financeiro

previdenciário ou assistencial apenas enquanto não seja possível a sua reinserção

na força produtiva, admitindo-se inclusive o oferecimento direto de postos de trabalho

pelo próprio Estado nos casos de dificuldades crônicas de emprego.

Também a ênfase em políticas públicas de saúde preventiva constitui ponto central

da estratégia de seguridade social dinâmica apresentada pela referida Associação,

além da necessidade de controle qualitativo sobre os serviços de cuidados médicos

oferecidos pelo Estado, por meio de instrumentos de medição de desempenho e grau

de acessibilidade dos beneficiários.

Nas recentes décadas de 80 e 90, tornou-se comum o discurso acerca de um

suposto esgotamento do modelo de estado intervencionista no tocante às prestações

de seguridade social, pregando-se então a restrição dos investimentos estatais

nessa seara, com reflexos sobre condições de elegibilidade para diversos benefícios.

Para os defensores dessa idéia, a concorrência na economia globalizada impunha

necessariamente a redução de gastos sociais do Estado.

Contudo, as pesquisas econômicas mais atuais encaminham-se na direção

exatamente oposta àquelas idéias, destacando-se agora o efeito positivo dos

investimentos em seguridade social sobre a produtividade e nível geral de bem estar da

população, revelando-se como uma ferramenta indispensável para o desenvolvimento

humano em uma economia globalizada.

(6) As an instrument of employment promotion case manegement is innovative in that it focuses on resources rather than defi -

ciencies, even with people who were and are traditionally diffi cult to reach using “conventional” integration instruments as part of

employment promotion. This is not just true of individual countries, but is recognizable trend internationally. Politically and eco-

nomically the bar is set high: does it increase the proportion of the population who are in active employment, even if the people

concerned face severe problems in becoming integrated into the labour market? (...) The aim is always to integrate people in the

formal labour market no matter how remote they are from it. In other words, the case-management approach is applied strictly

in order to try to improve people’s suitability for active employment, so that there comes a point when they are actually ready

to enter the formal labour market. Only a few countries specifi cally accept subsidized employment in the longer term here. (...)

Case managers operate in close networks. At local level these involve the employment service and the local authorities, which

usually provide social integration services. Other network partners include further training providers, private service-providers

and businesses. (Poetzsch, Johanna. Case management: The magic bullet for labour integration? An international comparative

study. Geneva: ISSA, 2007, pp.01e 03)

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Nesse sentido, apontam a Declaração da 28ª Assembléia Geral da Associação

Internacional de Seguridade Social, editada em Pequim7 (2004), a partir dos resultados dos

estudos defl agrados por aquela Associação na Iniciativa de Estocolmo (1996), assim como,

mais recentemente, as conclusões do primeiro Fórum Mundial de Seguridade Social)8,

as quais se harmonizam com as premissas da atual campanha da OIT visando propiciar

cobertura para todos (“Global Campaign on Social Security and Coverage for All”).

Com base nessa perspectiva, a evolução do conceito de seguridade social assume

agora uma nova dimensão fundada na solidariedade entre os países, propugnando-se por

formas de cooperação técnica, uniformização e intercâmbio entre regimes e mesmo ajuda

internacional para implantação de medidas emergenciais de seguridade social em países

de mais baixo nível de desenvolvimento sócio-econômico. Essa nova conformação, a nosso

ver, consubstancia rudimentos da idéia de um padrão mundial de proteção social a ser

implementado, quiçá por um sistema de seguridade social global.

(7) La seguridad social desempeña un papel esencial al estimular el desarrolo econômico y social, respaldando el crecimiento

econômico y fomentando la cohesión social. El desarrollo económico y el desarrollo social deben ir a la par, siendo la seguri-

dad social un factor crucial que permite alcanzarlos. (...) Para reducir a pobreza y lograr la inclusión social, la cobertura debe

extenderse a las categorias de la población que no gozan de ninguna protección formal de seguridad social. La seguridad

social constituye el núcleo de toda estrategia de reducción de la pobreza, y deben buscarse nuevos enfoques para extender la

cobertura. (Declaración de la 28ª Asamblea General de la Asociación Internacional de la Seguridad Social) in Balera, Wagner.

Direito Internacional da Seguridade Social, disponível em www.ultimainstancia.uol.com.br, acesso em 21/12/2007.

(8) Social Security is now increasingly implicated in discussions on how to eliminate povety in the world, whether through the

defi nition of a “global social fl oor”, as suggested by the Internacional Labour Organization, or through implementation of the

United Nations Millenium Development Goals. This confers a new legitimacy on teh activities of social security institutions at

the dawn of this 21th century. (...) Social Security is a prerequisite for more equitable and sustainable development. It is a vital

element in enabling societies to rise to meet future challenges. In a context of globalization and demographic ageing, it is also

na essential factor for the development of more equitable national economies as well as being a vital component of social cohe-

sion and national and international stability (Sigg, Roland. Supporting Dynamic social Security. In International Social Secutity

Association. Developments and trends: Supporting Dynamic social Security. Geneva: ISSA, 2007, p. 01e 03).

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9. Seguridade Social e a Constituição de 1988

Carolina Veríssimo Barbieri*

Seguridade Social nos países desenvolvidos no pós Segunda Guerra Mundial

Por ocasião da reconstrução dos países afetados pela Segunda Guerra Mundial,

o economista Sir William Beveridge foi incumbido pelo Ministro Arthur Greenwood, do

Parlamento britânico, em 1941, de estudar os sistemas de Seguro Social e Serviços

Afi ns (incluindo-se as indenizações a trabalhadores), bem como as relações entre esses

sistemas na Grã-Bretanha e, com base em seus estudos, propor soluções aos problemas

vivenciados pelos países destruídos. Esses estudos dariam embasamento à ação do Comitê

de Problemas de Reconstrução, presidido por Beveridge. O mesmo Ministro Greenwood, no

início de 1942 anunciou à Câmara dos Comuns que o Comitê tinha poderes de considerar

entre as proposições o desenvolvimento dos sistemas de Seguro Nacional, incluindo-se

benefícios em caso de morte e outros riscos não contemplados pelos sistemas de Seguro

Social existentes (Beveridge, 1943).

A partir de então, Beveridge iniciou um estudo desde a primeira manifestação de proteção

social na Inglaterra, concluindo que, excetuando-se a Lei dos Pobres, de 1572, os sistemas

estudados haviam sido criados nos 45 anos precedentes ao relatório, começando pela lei

de indenização aos trabalhadores, em 1897. Outra conclusão a que chegou foi a de que o

sistema de Seguro Social e Serviços Afi ns britânico atendia à maioria das necessidades

criadas pela interrupção do recebimento dos salários ou outras causas que podiam surgir

nas então modernas sociedades industriais. Entretanto, os sistemas eram administrados por

vários órgãos desconectados entre si, que atuavam segundo princípios diferentes e rendiam

serviços inestimáveis, mas a um custo (fi nanceiro, em incômodo e na maneira irregular de

tratar problemas idênticos) não justifi cável. Ficou claro que, com uma maior coordenação,

os serviços sociais existentes poderiam se transformar em benefícios mais lógicos, maiores,

melhor distribuídos e de menor custo administrativo (Beveridge, 1943).

A solução proposta por Beveridge foi o Plano de Seguridade Social, que, dentre outros

princípios, apoiava-se na cooperação entre o Estado e o indivíduo. Segundo esse princípio,

o Estado deveria oferecer seguridade em troca de serviço e contribuição. Ao organizar a

seguridade, o Estado não deveria sufocar as iniciativas, nem limitar as oportunidades, nem

aliviar as responsabilidades individuais. Ao estabelecer um mínimo nacional, deveria dar lugar

e estimular a ação voluntária de cada indivíduo, para prover mais que esse mínimo para si

(*) Carolina Veríssimo Barbieri, Mestre em Economia pela Unicamp, participante do Concurso Nacional de Teses e Monografi as

da Fundação Anfi p de Estudos da Seguridade Social.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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e para sua família. O plano era, antes de tudo, um plano de seguro, que oferecia benefícios

em troca de contribuições, até alcançar o “mínimo de subsistência”, e sem necessidade

de teste de meios. Mas, de acordo com outro princípio, a organização do Seguro Social

deveria ser considerada apenas como parte de uma ampla política de progresso social.

O Seguro Social, plenamente desenvolvido, poderia prover a seguridade de recursos,

atacando a “necessidade1”. Mas a “necessidade” era somente um dentre cinco gigantes a

serem combatidos na reconstrução dos países. Os outros gigantes eram a enfermidade, a

ignorância, a miséria e a ociosidade (Beveridge, 1943).

A abolição da “necessidade” requeria uma dupla redistribuição de renda: primeiro, por

meio do Seguro Social; depois, de acordo com as necessidades das famílias. Deveria

haver reajuste dos benefícios de acordo com a renda obtida pela família. Quando houvesse

rendimento de trabalho, o benefício seria o “mínimo de subsistência”, mas se houvesse

interrupção desse rendimento, deveria existir, por exemplo, uma renda especial para

crianças, que complementasse o benefício corrente.

De forma bastante simplifi cada, o Plano baseava-se no seguinte.

O elemento principal do Plano de Seguridade Social era o projeto de Seguro Social

contra a interrupção e a anulação da capacidade para ganhar um salário, que compreende,

ademais, os gastos extraordinários motivados por nascimento, matrimônio e morte. Com

a fi nalidade primordial de exterminar a “necessidade”, o projeto abarcava seis princípios

fundamentais:

Taxa fi xa de benefício de subsistência: seria igual para todos, com direito a benefícios 1.

no mesmo valor, independentemente dos recursos próprios;

Taxa fi xa de contribuição: de acordo com os recursos próprios;2.

Unifi cação da responsabilidade administrativa: a taxa seria paga uma única vez a 3.

cada período, correspondendo a todos os direitos somados;

Adequação do benefício: em tempo de duração e em quantidade;4.

Extensão ou alcance do Seguro: deveria abarcar as pessoas, mas também suas 5.

necessidades;

Classifi cação das pessoas: deveria ser verifi cado a qual grupo de pessoas o 6.

segurado pertencia.

Os grupos aos quais se refere o item 6 acima seriam quatro grupos de pessoas em idade

ativa (idade de trabalhar), e dois com as pessoas fora dela (os menores e os mais velhos).

Os grupos e como seriam inseridos no Plano foram assim constituídos:

Empregados, ou seja, pessoas cuja ocupação normal fosse um emprego, de acordo 1.

com um contrato de trabalho; que pagariam uma contribuição, sendo que o empregador

(1) A “necessidade” é defi nida com base em estudos sociais, que resultem em um diagnóstico das condições de vida da popu-

lação. Ela é suprida quando a população obtém tudo de que necessita para sobreviver, ou possui meios para obtê-lo.

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também contribuiria, deduzindo-se a parte do empregado diretamente do salário. Esses

poderiam receber benefício de desemprego e incapacidade, e aposentadoria.

Outras pessoas ocupadas com remuneração, incluindo-se empregadores, comerciantes 2.

e trabalhadores autônomos, de todas as classes; que pagariam uma contribuição. Essas

receberiam o mesmo que os empregados, exceto os benefícios de desemprego e de

incapacidade durante as 13 primeiras semanas de incapacidade.

Donas-de-casa, ou seja, mulheres casadas, em idade ativa; cujos maridos contribuiriam 3.

por elas. Assim, teriam direito a benefício-maternidade, pensão por morte do marido ou

separação, e seriam analisadas as possibilidades de receberem aposentadoria. Além disso,

as que tivessem trabalho remunerado receberiam licença-maternidade durante 13 semanas,

para que pudessem renunciar ao trabalho antes e depois do parto.

Outras pessoas, em idade ativa, que pagariam uma contribuição. Essas receberiam 4.

aposentadoria.

Crianças que ainda não tivessem atingido a idade de trabalhar (menores de 16 anos 5.

que freqüentassem a escola obrigatória ou voluntariamente); que receberiam benefícios para

crianças, pagos pelo Tesouro Nacional. Se o responsável estivesse recebendo benefícios de

seguro ou pensão, todos os fi lhos receberiam o benefício. Em todos os outros casos, todos

os fi lhos, menos um, receberiam o benefício.

Pessoas que já tivessem ultrapassado a idade de trabalhar (65 anos para homens e 6.

60 para mulheres); que receberiam pensões de aposentadoria.

Todos teriam direito a tratamento médico completo, reabilitação e gastos funerários. Todas

as classes em idade ativa, exceto os empregados da classe 1, teriam acesso a benefícios

de ensino técnico. Somar-se-iam aos esforços do “Seguro Social”, a “Ajuda Nacional”,

dependente de teste de meios, para atender aos casos não atendidos pelo Seguro Social,

e o “Seguro Voluntário” (seguro de vida, por exemplo), para agregar adicionais às medidas

básicas.

O fi nanciamento do Plano de Seguridade Social seria feito a partir de contribuições dos

segurados (empregados e outras pessoas em idade ativa), contribuições dos empregadores,

recursos do Tesouro Nacional e tributos industriais provenientes de indústrias consideradas

perigosas (em pequeno volume, somente para cobrir acidentes e doenças causadas pela

periculosidade da atividade). A maioria das pessoas em idade ativa deveria contribuir de duas

maneiras: primeiro, com uma taxa básica, que garantiria a todos os benefícios em igual valor,

independentemente dos recursos de cada um; segundo, com um imposto nacional, direto

ou indireto, proporcional aos recursos de cada um. A contribuição conjunta de empregados,

demais segurados e empregadores seria responsável pela maior parte do fi nanciamento.

Esses recursos seriam depositados no Fundo de Seguro Social, que seria apenas um, mas

teria contas separadas para diferentes fi ns.

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A fi nalidade do Plano de Seguridade Social era contribuir para a reconstrução da Grã-

Bretanha no pós-guerra. Mas a concepção do Estado de Bem-Estar social foi adotada por

todos os países em reconstrução, diante do reconhecimento de que as forças de mercado não

promoveriam o renascimento e o desenvolvimento de suas economias. Fazia-se necessário

envolver o Estado no processo de reconstrução para que os indivíduos e as famílias saíssem

da pobreza e, ao mesmo tempo, fossem protegidos contra os riscos de voltar a ela.

É importante deixar claro o que o sistema de Seguridade Social representava e que

funções deveria cumprir. Briggs (1969:19) apud Lavinas (2006) defi ne o sistema de Bem-

Estar como sendo “um Estado no qual o poder organizado é deliberadamente usado (através

das políticas e da administração)”, cuja função seria “modifi car as forças de mercado ao

menos em três direções: primeiro, assegurando a indivíduos e famílias uma renda mínima,

independentemente do valor de mercado do seu trabalho ou de suas propriedades; depois,

reduzindo o grau de insegurança dos indivíduos e famílias ao contribuir para que disponham de

meios de atender a certas ‘contingências sociais’ (por exemplo, doença, velhice, desemprego)

e assim evitar crises; por último, garantindo que todos os indivíduos sem distinção de status

ou classe possam receber o melhor padrão de atendimento considerando-se o escopo dos

serviços sociais disponíveis”.

Além disso, é preciso ter em mente mais um elemento do contexto em que os sistemas

contemporâneos de Bem-Estar social surgiram. Durante e após os anos de guerra, a forte

intervenção do Estado foi requerida não só para resolver os problemas sociais, mas também

os econômicos. Proni (2006) explica que, após a Segunda Guerra Mundial, um retorno ao

liberalismo econômico, vigente até o início da década de 1930, estava fora de questão, e o

desenvolvimento das nações estava agora associado a um maior controle do Estado sobre

a economia. Nas palavras do autor: “os governos foram levados a assumir medidas que

ultrapassavam a tarefa de resguardar as economias nacionais da racionalidade especulativa

dos mercados fi nanceiros, assim como de proteger a população contra os desastres

econômicos. Compreendeu-se a importância de restaurar a confi ança nas instituições, de

gerar expectativas corretas em relação ao desempenho da economia e de cultivar um clima

de otimismo em relação ao futuro”.

Essa nova visão do Estado foi, em parte, construída com base na “Teoria do emprego,

do juro e da moeda”, do economista John Maynard Keynes, que ajudou a difundir a crença

de que o capitalismo podia se expandir de forma civilizada, desde que houvesse controle

estatal da concorrência intercapitalista e mecanismos de indução ao pleno emprego das

forças produtivas. Para isso, de acordo com Proni (2006), o Estado estava autorizado à

regular preços-chave da economia, como a taxa de juros, a taxa de câmbio, os salários,

assim como lhe era permitido utilizar o gasto público como fator de elevação da demanda

efetiva e da efi cácia do sistema econômico (inclusive com a possibilidade de recorrer a

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défi cits públicos em períodos recessivos).

Então, o elemento importante que permite a compreensão do bom funcionamento do

Plano de Seguridade Social formulado por Beveridge é a busca pelo pleno emprego. Ou

seja, à época em que foi elaborado o Plano de Seguridade Social, havia um compromisso

por parte dos Estados de agir em prol da elevação do nível de emprego, via aceleração da

atividade econômica, até o limite em que só fi caria desempregado quem estivesse em idade

ativa, mas não quisesse trabalhar, ou estivesse em um período de transição entre o antigo

trabalho e uma oportunidade de trabalho melhor.

Somente em um contexto de busca pelo pleno emprego das forças produtivas e, por

conseqüência, pelo pleno emprego da força de trabalho, é que se pode compreender

um sistema de Seguridade Social fortemente baseado no Seguro Social e fi nanciado,

primordialmente, por recursos arrecadados sobre rendimentos do trabalho2.

Pode-se dizer que a união das idéias de Keynes com as idéias de Beveridge possibilitou,

aos países assolados pela guerra, a reconstrução de suas sociedades e economias,

transformando o Estado de Bem-Estar social em modelo a ser seguido pelos países que

almejassem alcançar o desenvolvimento nacional, demonstrando que a política social deveria

ter metas econômicas, assim como a política econômica deveria conter metas sociais.

Antes do Plano de Seguridade Social de Beveridge, a proteção social pública existia, mas,

como esteve predominantemente associada à condição dos trabalhadores urbanos ligados à

indústria, o desenvolvimento desigual desta e da organização dos trabalhadores nos países

determinou que o início da participação do Estado ocorresse em diferentes momentos. Os

primeiros riscos a serem cobertos foram os de acidente de trabalho, de velhice e de invalidez.

As características principais desse período inicial de proteção social pública foram à restrição

da cobertura aos trabalhadores urbanos e a utilização das contribuições de empregados e

empregadores como fonte de recursos. Além disso, o regime de fi nanciamento também era

de capitalização coletiva3, ou seja, havia um fundo acumulado, que seria utilizado para pagar

pensões e aposentadorias aos contribuintes, de acordo com a disponibilidade decorrente da

rentabilidade dos ativos (Marques, 1995).

(2) Os conceitos de Seguridade Social e Seguro Social, apesar de serem comumente confundidos, não signifi cam a mesma

coisa. Segundo IPEA (2006a: 451), Seguro Social é a forma de proteção que atribui benefícios para quem contribui e fi xa o seu

valor de acordo com a contribuição total efetuada; enquanto Seguridade Social é a forma de proteção que atribui benefícios

para quem pertence a uma comunidade, sem vincular o valor do benefício ao valor da contribuição, exigindo apenas a participa-

ção ativa ou potencial ao sistema, algumas vezes segundo alguns critérios de acesso ao benefício, privilegiando a necessidade

do cidadão. Vale salientar que o Seguro Social faz parte do Plano de Seguridade Social.

(3) O regime de capitalização, segundo Thompson (1998:38) apud Matijascic (2006), “é o sistema de aposentadoria fi nanciado com

antecedência (...) as pessoas acumulam algo de valor – metais preciosos, jóias, imóveis ou ativos fi nanceiros – durante seus anos

de trabalho e se sustentam na inatividade, pelo menos em parte, mediante a venda desses itens. Em geral, as vendas dos inativos

são para os ativos, que estão eles próprios adquirindo bens para o momento da inatividade”. Esse seria um conceito de capitalização

individual. A capitalização coletiva segue a mesma lógica, de poupar enquanto ativo, para utilizar quando inativo, mas, no caso, ao

invés de comprar e vender bens, os trabalhadores depositam um valor em um fundo coletivo, que gerará rendimentos fi nanceiros.

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F U N D A Ç Ã OANFIP

De outra forma, os sistemas de proteção social implantados ao término da Segunda Guerra

Mundial, baseados no Plano de Seguridade Social de Beveridge, tinham por características,

apesar das diferenças nacionais, a ampliação paulatina da cobertura para novos segmentos

de trabalhadores ou populacionais e a incorporação de novos riscos e problemas sociais

como objeto de sua ação. São próprios do Estado de Bem-Estar social a universalização da

cobertura para o conjunto da população e o alargamento do próprio conceito de proteção.

Além da garantia de renda em caso de desemprego, alguns países chegaram a incorporar

a habitação, os cuidados relativos a crianças pequenas e a reciclagem da mão-de-obra.

Quanto ao regime de fi nanciamento, diferentemente dos sistemas de proteção social

anteriores, o seguro social, ou seja, a área previdenciária, substituiu a capitalização coletiva

pela repartição simples – onde, segundo Thompson (1998: 38) apud Matijascic (2006),

os recursos arrecadados pelos ativos fl uem para a população benefi ciada na forma de

transferências diretas do resto da população –, estabelecendo-se a solidariedade entre

gerações em detrimento da solidariedade entre os ativos (Marques, 1995).

Marques (1995) aponta ainda para um fator interessante que relaciona a orientação

do mercado de trabalho com a implantação dos sistemas de proteção social nos países

avançados. Segundo a autora, durante o período de consolidação do Estado de Bem-Estar

social, “foi concertada uma relação peculiar entre capital e trabalho”, dado que “a orientação

dominante no período era a de garantir um aumento real de renda, tanto através do salário

direto como do indireto. Assim, desde que a expansão da acumulação capitalista (ou seja,

do lucro) fosse acompanhada de aumentos de salários reais e de uma crescente cobertura

dos riscos sociais (função dos sistemas de Seguridade Social), não haveria atritos maiores

entre capital e trabalho” (Marques, 1995: 48, 49). Portanto, os sistemas de proteção social

teriam ainda uma função não explícita no Plano de Seguridade Social, que seria a de conter

confl itos entre detentores de capital e ofertantes de mão-de-obra, juntamente com a política

de aumentos salariais.

Contudo, apesar da combinação entre o mercado de trabalho e a Seguridade Social ter

obtido sucesso no processo de reconstrução dos países avançados, em meados da década

de 1970 o Estado de Bem-Estar Social começou a ser colocado à prova. Os motivos foram o

esgotamento do regime de acumulação fordista4 e a crise econômica, que desencadearam

os processos de inovação organizacional e de gestão da mão-de-obra, induzindo à

desestruturação do mercado de trabalho, ocasionando perda de arrecadação e concomitante

aumento das despesas com benefícios. Pelo lado da arrecadação, o contingente de

desempregados aumentou de tal forma que estes passaram a ser considerados “excluídos”

(4) O regime de acumulação fordista era um conjunto de métodos de racionalização da produção, elaborado pelo industrial norte-

americano Henry Ford, baseado no princípio de que uma empresa deve dedicar-se a apenas produzir um tipo de produto. Para

isso, deveria dominar toda a cadeia de produção, reduzindo custos através da produção em massa e do aumento da produtivi-

dade do trabalhador, conseguido a partir da especialização da mão-de-obra e do uso da tecnologia. (Sandroni, 2005: 353).

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do mercado de trabalho, ou seja, difi cilmente se encontrariam novamente postos de trabalho

sufi cientes para inserir tantas pessoas, e houve inclusive alteração da estrutura salarial.

Além do desemprego, a precarização do trabalho – apresentada sob várias formas, tais

como o contrato de trabalho por tempo determinado e o trabalho parcial – cresceu, em

detrimento do emprego estável. Pelo lado dos benefícios, além do seguro-desemprego,

diferentes países iniciaram programas sociais como o “renda mínima5”, com o objetivo de

reintegrar os desempregados e/ou responder à situação de carência da “nova pobreza”

(Marques, 1995).

De início, os sistemas de proteção social continuaram a se organizar e a conceder

benefícios, a despeito da fragilidade fi nanceira e das mudanças ocorridas no mundo do

trabalho. Nas palavras de Marques (1995: 49), “num primeiro momento, as autoridades

responsáveis, preocupadas em estabelecer um novo equilíbrio, adotaram o aumento das

contribuições dos trabalhadores e das empresas, a introdução de um controle mais rígido sobre

o orçamento da saúde e a exigência de uma maior participação do usuário, especialmente

no custeio dos medicamentos e hospitalização. Contudo, dado que as elevadas taxas de

desemprego e o fraco desempenho das receitas se mantinham, começou a ser defendida a

idéia da introdução de políticas de mínimos de proteção”.

Tal como se vê hoje no Brasil, começaram a surgir questionamentos sobre o futuro

da proteção social nos países. Perguntava-se como seria possível compatibilizar sistemas

estruturados a partir da sociedade salarial, cujo fi nanciamento dependia em larga medida de

contribuições de empregadores e trabalhadores, com um padrão de acumulação que parecia

necessitar cada vez menos de mão-de-obra; ou se a ampliação da base de fi nanciamento,

com a inclusão de novas fontes, seria sufi ciente para manter a universalização da proteção

(Marques, 1995).

No início dos anos 1980, as aberturas comercial e fi nanceira e a internacionalização das

economias agiram como freios sobre o processo de expansão da proteção social. A exemplo

disso, sob o argumento de que a proteção social consumia parcelas crescentes da renda nacional

e diminuía a disponibilidade de recursos para investimento, as administrações Thatcher, no

Reino Unido e Reagan, nos Estados Unidos, iniciaram um processo de revisão da legislação que

a regulava. Nos anos 1990, objetivando, entre outros, a contenção de gastos e a reorganização

das regras referentes aos benefícios, conforme IPEA (2006a), “esse movimento de revisão foi

generalizado e teve profundas conseqüências na América Latina, onde as reformas tenderam

a substituir sistemas públicos baseados na solidariedade entre gerações por modelos mais

fortemente geridos pelo mercado, ainda que regulados pelo setor público”.

(5) Na Bélgica a renda mínima assume o nome de allocation universelle; na Inglaterra, de citizen income; no Canadá, de basic

income; e na França, de renda de existência. (Marques, 1995: 51).

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Seguridade Social e Previdência no Brasil: O Ideal por trás da Constituição de 1988

De acordo com Cordero (2004), em seus traços gerais, a formação do sistema

de Previdência Social no Brasil seguiu o caminho traçado pelos sistemas dos países

desenvolvidos. O sistema iniciou-se, na década de 1930, voltado aos segmentos mais

organizados dos trabalhadores urbanos. Em seguida, estendeu-se a todas as categorias

sócio-profi ssionais legalmente reconhecidas, depois aos rurais e aos demais trabalhadores

e, fi nalmente, com a Constituição de 1988, passou a incorporar todos os cidadãos, adotando

o conceito de Seguridade Social. Sendo a Seguridade, em sua essência, uma associação

entre a concepção do Seguro Social e a concepção da Assistência, a adoção de seu conceito

representou a grande inovação proposta pela Constituição de 1988.

Quanto à cobertura, como Calsavara (2000) explica, os sistemas de Bem-Estar Social

se consolidaram e se disseminaram pelo mundo ocidental sempre procurando atender às

demandas por maior igualdade e segurança nas economias de mercado. A partir de Draibe

(1989), o autor adiciona que, devido às especifi cidades históricas e às diferentes políticas

existentes entre os países, foram desenvolvidos três modelos de Estado de Bem-Estar

Social (Welfare States - WS) distintos. Esses três modelos, segundo a classifi cação de Âscoli

(1984), inspirada na clássica tipologia de Titmus (1963), cujo paralelo pode ser encontrado

na tipologia desenvolvida por Esping-Andersen (1991), são:

Welfare State residual; para Esping-Andersen, WS liberal: prega a auto-sufi ciência do I-

indivíduo, defende o incentivo direto ou indireto do Estado para capacitar os indivíduos para

que esses possam suprir suas próprias necessidades. A intervenção do Estado é ex-post,

seletiva e de caráter limitado no tempo;

Welfare State meritocrático-particularista; para Esping-Andersen, WS conservador: II-

cada indivíduo deve estar em condições de satisfazer suas necessidades, mas existem

distorções que podem, inclusive, ser geradas pelo próprio mercado ou por desigualdades de

oportunidades. Nesse caso, o WS deve complementar as instituições econômicas e sociais,

a fi m de eliminar as diferenças e garantir oportunidades iguais para todos, corrigindo a ação

do mercado.

Welfare State institucional-redistributivista; para Esping-Andersen, WS social-III-

democrata: baseia-se no conceito de cidadania que abrange a todos. Voltado para a

produção e distribuição de bens e serviços sociais que são garantidos a todos os cidadãos,

pois esse modelo tem como premissa a incapacidade do mercado de realizar, por si próprio,

uma alocação de recursos que reduza a insegurança e elimine a pobreza.

Dados esses três modelos, construídos com base no desenvolvimento dos sistemas de

proteção social dos países desenvolvidos, o sistema brasileiro, para Draibe (1989) apud

Calsavara (2000), é meritocrático-particularista, com elementos do sistema institucional-

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redistributivo. Isso porque, no Brasil, é o princípio do mérito, entendido basicamente como

a posição ocupacional e de renda adquirida no âmbito da estrutura produtiva, que constitui

a base sobre a qual se ergue o sistema brasileiro de proteção social. Esse princípio é

especialmente verdadeiro no caso da Previdência desde o início do sistema. As ações

reproduzem, na maioria das vezes, as desigualdades preexistentes na sociedade. Entretanto,

ao longo dos anos 1970 e, principalmente, a partir dos anos 80, o sistema brasileiro adquire

novas características ao introduzir no modelo um viés universalista, aproximando-se do

sistema institucional-redistributivo.

No que concerne ao fi nanciamento, Cordero (2005), ao descrever um histórico (aqui

sintetizado) da Previdência Social no Brasil, mostra que, inicialmente, o sistema de

Previdência Social brasileiro organizou-se segundo os postulados da capitalização e do

Seguro Social, com um caráter fortemente segmentado. O direito a determinados benefícios

estava diretamente ligado à condição de participação no mercado formal e ao montante

de contribuições efetuadas, confi gurando-se um sistema de cidadania regulada6, da qual

estavam excluídos os trabalhadores rurais e uma parcela signifi cativa da força de trabalho

urbana.

De acordo com Cohn (1995), o regime de capitalização coletiva7 foi adotado como garantia

adicional da sufi ciência da receita – que tenderia a crescer em progressão geométrica –

frente às despesas com benefícios (aposentadorias e pensões) – cuja tendência seria a de

crescer em progressão aritmética –, já que a diferença entre receita e despesa seria investida

lucrativamente em empreendimentos que contassem com a garantia do Estado, vale dizer,

empresas estatais, ou aquelas em que o Estado fosse o acionista majoritário. Assim, como

Dain e Ribeiro (2006) explicam, o regime de capitalização estimularia o crescimento da

economia ao constituir uma grande massa de poupança que deveria ser investida para obter

retorno.

Através do mecanismo de capitalização, mantido até a década de 1960, a Previdência

Social, enquanto seguro social, transformou-se de fato em instrumento de captação de

poupança individual dos trabalhadores assalariados urbanos, destinando-se a investimentos

nas atividades fundamentais de implementação do processo de industrialização brasileiro.

(6) Segundo Santos (1987) apud Cordero (2005), cidadania regulada é aquela cujas raízes se encontram em um sistema de

estratifi cação ocupacional, defi nido por norma legal, ao invés de se basear em um código de valores políticos. De acordo com

a concepção de cidadania regulada, são cidadãos somente os membros da comunidade que se encontram localizados em

qualquer das ocupações reconhecidas por lei.

(7) A capitalização coletiva seria uma versão não radical do sistema de capitalização. A versão radical, segundo Dain e Ribeiro

(2006), seria a da capitalização plena e individual, onde todos os segurados dependem apenas de seus esforços para deter-

minar o valor de sua aposentadoria. Riscos de envelhecimento da população e do aumento do desemprego não afetariam o

segurado nesse sistema, dado que o valor de seu benefício dependeria exclusivamente de seu próprio esforço para arrecadar

fundos. O único risco seria o inerente ao desempenho do portfólio escolhido, que refl etiria diretamente sobre o rendimento do

inativo.

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Numa época em que uma maior atuação do Estado era considerada essencial para o

desenvolvimento econômico, recursos da previdência social foram investidos em empresas

estatais de siderurgia e hidrelétricas e na construção de edifícios residenciais, auxiliando,

assim, no enfrentamento de uma grave crise habitacional e no combate ao desemprego

urbano no imediato pós-Segunda Guerra Mundial (Cohn, 1995).

Entretanto, o mecanismo de capitalização não apresentou um comportamento linear,

devido a sua dependência da relação contribuintes/benefi ciários, que dita à magnitude do

superávit do sistema, e que também não se comportou como o esperado. De 1938, data do

início do funcionamento dos Institutos de Aposentadoria e Pensão, IAPs, responsáveis pelo

sistema previdenciário, até 1940, o ingresso de trabalhadores no sistema foi volumoso, graças

à incorporação de um contingente expressivo de trabalhadores assalariados urbanos. Isso

promoveu um crescimento exponencial da relação contribuintes/benefi ciários. Porém, no

período entre 1940 e 1955, verifi cou-se uma queda expressiva de ingressos, em decorrência

de certa estagnação do processo de crescimento econômico e do próprio amadurecimento

do sistema (Cohn, 1995).

Em 1966, durante as reformas empreendidas pelo regime militar, ao mesmo tempo em

que foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que se responsabilizaria

pelas aposentadorias, pensões e pela assistência médica de todos os trabalhadores do

mercado formal e seus dependentes (com exceção do funcionalismo da União, que

continuava com seu próprio Instituto), o sistema deixou de adotar o regime de capitalização

coletiva, passando a adotar o de repartição simples, com a mesma base de fi nanciamento,

ou seja, a contribuição de empregados, empregadores e da União.

Segundo Cordero (2005), a unifi cação administrativa e a substituição do regime de

capitalização pelo regime de repartição representaram a inauguração de uma nova fase,

caracterizada pela extensão dos benefícios e serviços a categorias ainda não cobertas, como

os trabalhadores rurais, autônomos e empregados domésticos. A extensão dos benefícios

e serviços a essas novas categorias acabou por constituir um importante passo em direção

ao processo de universalização da cobertura8, conseguido, ainda que no plano da lei, com o

sistema de Seguridade Social no Brasil.

Conforme Dain e Ribeiro (2006), a vantagem do regime de repartição consistiria no fato

de a transferência de recursos não depender de acumulação prévia, ou seja, seria possível

começar a operar um sistema de imediato. Os efeitos da infl ação ou da perda de valor de

ativos seria inexistente na repartição. Porém, os riscos inerentes a esse sistema, em relação

à sua viabilidade atuarial, seriam os de envelhecimento da população, de queda de atividade

econômica e de redução do nível de emprego. Além disso, um sistema de repartição teria

(8) De acordo com Cordero (2005), legalmente, a previdência social brasileira está desenhada para cobrir todos os residentes

no país, com exceção dos empregados de instituições internacionais que possuem sistema de previdência próprio.

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de arcar com os custos de uma transição demográfi ca através da elevação do valor das

contribuições, sem que houvesse uma contrapartida em termos de aumento dos benefícios

futuros.

A década de 1980 foi permeada por intensas discussões sobre uma multiplicidade de

propostas de reforma do sistema previdenciário, com vistas à elaboração da nova Carta

Constitucional. Prevaleceram, no entanto, o conceito integrado de Seguridade Social

(Previdência, Saúde e Assistência Social) e a conseqüente universalização dos direitos

sociais pautada por critérios de eqüidade. Instituiu-se a cidadania como direito universal

independentemente de vínculo com o mercado formal de trabalho e da existência ou não de

vínculo contributivo com o sistema (Cohn, 1995).

A adoção do sistema de Seguridade Social em 1988 exigia a diversifi cação da base de

fi nanciamento. A previsão e a criação de novas fontes para essa base representaram mais

um importante avanço. Além da contribuição sobre a folha salarial, a Seguridade passava

a dispor de recursos a serem obtidos na tributação sobre o faturamento e o lucro das

empresas. Nesse sentido, foram criadas a Contribuição para o Financiamento da Seguridade

Social (COFINS), em substituição ao FINSOCIAL, e a Contribuição sobre o Lucro Líquido

(CSLL). Foi criado também o PIS/ PASEP, que compõe os recursos do FAT (Fundo de

Amparo ao Trabalhador), destinado a fi nanciar o seguro-desemprego. Os recursos deveriam

ser complementados por outros, advindos, por exemplo, de concursos de prognósticos. A

Seguridade Social deveria ser fi nanciada, direta ou indiretamente, por toda a sociedade,

mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos estados, do Distrito Federal

e dos municípios. O sistema de repartição simples (transferência de renda dos ativos

para os inativos) deveria ser mantido, e o fi nanciamento da Seguridade Social deveria ser

complementado por recursos do orçamento fi scal em caso de défi cit (Cohn, 1995).

Segundo Boschetti (2003), a ampliação e diversifi cação das fontes de fi nanciamento foram

um requisito para atender, coerentemente, à expansão dos direitos sociais e à instituição

de um sistema amplo de Seguridade Social. De acordo com a autora, a inclusão de novos

direitos – como saúde universal, benefícios assistenciais e expansão da previdência rural, de

acordo com os sistemas de Seguridade – demandavam uma base fi nanceira mais ampla que

a contribuição direta de empregados e empregadores sobre a folha de salários. A inclusão

dessas novas fontes de fi nanciamento teria ainda, como objetivo principalmente no Brasil e

nos demais países subdesenvolvidos, compensar a diminuição das contribuições patronais

ocasionadas pela introdução da tecnologia e conseqüente redução da mão-de-obra, além de

compensar o elevado mercado informal no Brasil.

Cohn (1995) salienta, contudo, que apesar de todo o avanço que a Constituição de

1988 e a adoção do conceito de Seguridade Social representam, entre as políticas sociais

predomina a lógica do fi nanciamento, o que quer dizer que os recursos obtidos para o

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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fi nanciamento da Seguridade Social (e para outros fi ns) são passíveis de realocação em

função da prioridade da política de estabilização econômica. A autora destaca ainda que

esse modelo de proteção social, baseado na concepção de Seguridade Social, foi elaborado

e negociado no Legislativo e é fruto da Assembléia Nacional Constituinte. Para ela, destacar

esse fato signifi ca reconhecer os desafi os para se viabilizar, no Brasil, um sistema de proteção

social que traduza um novo padrão de solidariedade social, efetivamente redistributivo.

No mesmo sentido, Dedecca (2003) afi rma que a promulgação da Constituição Nacional

foi marcada pela defi nição de diretrizes econômicas e sociais, que carregavam grande

esperança de uma retomada do crescimento econômico que favorecesse a superação do

atraso da questão social. Entretanto, os resultados das eleições (desde as primeiras após

a redemocratização até 2002), deram legitimidade a uma vertente política liberalizante com

forte enfoque em duas diretrizes básicas para as políticas públicas: fl exibilidade e focalização.

No campo econômico, a abertura externa dos anos 1990 deveria ser acompanhada por

instrumentos políticos que favorecessem a fl exibilidade das condições institucionais

reguladoras da atividade econômica. Essa orientação atingia também a política social, ao

reivindicar a fl exibilização da regulamentação e proteção do mercado e das relações de

trabalho. Foram requeridos novos instrumentos políticos que permitissem a construção de

ações focalizadas, no intuito de privilegiar os mais desprotegidos econômica e socialmente.

Percebem-se, por esse contexto, os desafi os a que se referia Cohn (1995), dado que,

enquanto a Constituição encontrava-se fundada em políticas sociais de caráter universal, a

nova orientação política propunha a sua troca por outra de caráter focalizado. Essa perspectiva

era reforçada pelas novas condições de fi nanciamento das agências internacionais, que

condicionavam o aporte fi nanceiro à defi nição de políticas sociais focalizadas. Por esses

e outros motivos diz-se que a Seguridade Social no Brasil teve aceitação legal, ou virtual.

Nasceu em crise e nunca foi devidamente respeitada enquanto instrumento de alívio das

necessidades e promotora de Bem-Estar Social.

Para reforçar essa idéia, há de se adicionar que o desempenho do gasto social tem sido

afetado negativamente pelos ajustes econômicos desde o início da década de 1990 até os

dias de hoje, seja pelos cortes importantes ou por seu crescimento pouco expressivo frente

às demandas dirigidas às políticas sociais. Houve também uma reorientação do gasto social,

sendo privilegiados os fundos sociais de emergência e os programas voltados aos grupos

vulneráveis. O resultado conhecido desse processo tem sido a deterioração dos serviços

sociais, particularmente nas áreas de educação e saúde (Tápia e Henrique, 1995).

As conseqüências disso são que, frente ao cenário de crise social e às mudanças

estruturais no mercado de trabalho, especialmente na década de 1990, as políticas sociais têm

oferecido respostas tímidas e insufi cientes, relacionadas à sua subordinação aos parâmetros

das reformas econômicas liberalizantes. A permanência dessa situação, combinada com

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as transformações recentes nas políticas sociais, especialmente a deterioração das redes

públicas, têm resultado na exacerbação do caráter assistencialista dessas políticas e, no

limite, na regressão dos direitos sociais (Tápia e Henrique, 1995).

Essa regressão pode ser observada através dos movimentos de reformas vivenciados

não apenas pelo Brasil, mas por todos os países que, no passado, se propuseram ampliar a

cobertura e os serviços de Seguridade Social .

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10. Welfare State: uma perspectiva teórico-histórica

Lindemberg Cesar Simionato*

Aspectos teóricos do Welfare State

O termo Estado-Providência1, ou Welfare State como é mais conhecido na literatura

internacional, começou a ser freqüentemente mencionado somente após a segunda guerra

mundial, no fi nal de 1945, como um conjunto de medidas estatais com o propósito de gerar bem

estar à população (FAVONI, 2001).

Segundo Wincler2 (1992 apud Favoni, 2001), a expressão Estado-Providência foi criada

no fi nal do século XIX principalmente devido ao sistema de proteção social implantado pelo

então chanceler alemão Otto Von Bismarck. Portanto, antes mesmo da vigência das idéias

Keynesianas, que segundo senso comum inauguraram a intervenção social mais planejada do

Estado.

Muitos são os conceitos, modelos e teorias que tentam explicar o surgimento e

desenvolvimento do que se convencionou denominar de Welfare State. Assim, a sua origem

e desenvolvimento estão ligados a distintas causas e fatores, dependendo da corrente

de pensamento e realidade histórica de cada autor. Basicamente têm-se três versões:

econômica, social e política.

A versão econômica é defendida por O’Connor (1977), que enfatiza ser o Welfare State

fruto das necessidades do estado capitalista de acumulação e legitimação. Os gastos

públicos visam em primeiro momento à acumulação de capital, que consiste no aumento

da produtividade da força de trabalho e na redução do custo de reprodução do trabalho. Em

segundo momento, manter ou criar as condições de harmonia social.

Já Offe e Lenhardt (1984), acreditam que a intervenção do Estado através da Política Social3

é uma estratégia de integração da força de trabalho na relação de trabalho assalariado.

(1) A Literatura conceitua os termos Estado-Providência e Welfare State no mesmo sentido, à medida que ambos consistem

em ações do estado para propiciar de alguma forma o bem-estar da sociedade.

(2) WINCLER, C. R.; NETO, B. T. M. Welfare State à brasileira. Indicadores Econômicos FEE. Porto Alegre, v. 19, n. 4, p.

108-131, 1992.

(3) Nesta linha de pensamento, os termos Welfare State e Política Social são utilizados no mesmo sentido. Porém, essa atitude

pode ser considerada incorreta dentro de certas teorias, nas quais políticas sociais são medidas de melhoria do bem-estar de

determinados grupos de uma sociedade executadas por decisão política, que podem existir em uma sociedade de economia

capitalista ou não. A diferença do Welfare State para a Política Social é a mobilização em grande escala do aparelho do estado

em uma sociedade capitalista na adoção de providências norteadas diretamente para melhorar o bem-estar de sua população

(SOUZA, 1999).(*) Lindemberg Cesar Simionato, Técnico do Seguro Social no INSS, participante do Concurso Nacional de Teses e Monogra-

fi as da Fundação Anfi p de Estudos da Seguridade Social.

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Segundo Offe (1980), o Welfare State age potencialmente na prevenção de um colapso

social, face à contradição existente no sistema capitalista: lucro versus necessidades humanas

(condições de vida).

Autores como Esping-Andersen (1991) compreendem o Welfare State como resultado do

acordo entre o capital e o trabalho organizado, no qual a implantação de programas sociais,

provoca a desmercantilização de parte dos custos de reprodução da força de trabalho.

Para Przerworsky e Wallerstein4 (1988 apud Souza, 1999, p. 06):

A expansão dos gastos sociais do governo e a redistribuição de rendas e benefícios das

pessoas que consomem a maior parte de seus rendimentos (os trabalhadores) são duas ma-

neiras de atender simultaneamente a interesses de capitalistas e trabalhadores, estimulando

a produção. Como aumentar a produção implica elevar a taxa de utilização de recursos da

economia, essas políticas reduzem o desemprego. Assim, o bem-estar dos trabalhadores não

é assunto da caridade privada, mas da economia como um todo. Trata-se de uma nova forma

de encarar a assistência, que sai da esfera privada e torna-se objeto de política pública.

Para Wilensky (apud Boschetti, 2003, p. 62), o Welfare State foi uma resposta à industrialização,

à medida que ela altera fundamentalmente a vida familiar, diminuindo a sua capacidade de

determinar a reprodução da força de trabalho, demandando dessa forma programas sociais.

Assim, para esse autor, o Welfare State é um conjunto de políticas sociais aplicadas pelo estado

para cobrir riscos com invalidez, velhice, doença, acidente de trabalho, desemprego, e ainda

prover habitação e educação, entre outras áreas de atuação do Welfare State.

Dentre os autores que condicionam o desenvolvimento do Welfare State a fatores

políticos, pode-se citar as idéias de Marshall (apud Favoni, 2001, p. 72):

[...] à medida que se atribuem direitos civis para políticos e direitos políticos para as

classes sociais, consitui-se uma parte integrante do próprio sistema, contribuindo para

um conceito de cidadania na sociedade capitalista, em que os programas sociais de re-

sponsabilidade do Estado expressariam a conseqüência desse processo.

Segundo Di Giovani (1998), a partir da tipologia de Richard M. Titmuss, o Welfare State

pode ser classifi cado em três modelos: Residual, Meritocrático-Particularista e Institucional

redistributivo. O Welfare State Residual caracteriza-se por políticas seletivas e parte do

pressuposto de que o cidadão é auto-sufi ciente, tendo intervenção do estado somente

para suprir as carências onde o mercado e a família são insufi cientes. Entre os países que

adotam esse modelo pode-se citar o Canadá e a Austrália. Já o Welfare State Meritocrático-

Particularista é de caráter seletivo e benefi cia o cidadão em função do mérito e contribuição,

ou seja, privilegia apenas certos grupos ou classes sociais. Países como França, Alemanha

e Itália adotam esse modelo. E fi nalmente o Welfare State Institucional redistributivo, que (4) PRZERWORSKY, A., WALLERSTEIN, M. O capitalismo democrático na encruzilhada. Novos estudos, n. 22, out. 1988.

Publicado originalmente em Democracy, jul. 1982.

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funciona como um sistema universalista, estende o direito de políticas de bem-estar a todos,

indistintamente. Países nórdicos como Noruega e Dinamarca adotam esse modelo.

Diante das distintas teorias a respeito do Welfare State, grande parte dos autores

consideram que na busca do bem estar social ele agrega em sua estrutura várias medidas,

inclusive as de caráter político e econômico. No entanto, as medidas de cunho social são as

mais associadas ao estado de bem-estar.

Aspectos históricos do Welfare State

Para alguns autores, o Estado-Providência na França, no fi nal do século XIX, foi a origem

do estado de bem-estar. Ele emergiu como uma resposta a crescente industrialização, e

consistia, no princípio, num sistema de intervenção do Estado na área social para proteger

os trabalhadores da falta de renda, decorrente de debilidades físicas causadas pela

superexploração do trabalho praticada na época (BUSTILLOS, 2001).

Todavia, Kott5 (1995 apud Boschetti, 2003), aponta para as políticas sociais do governo

de Otto Von Bismarck na Alemanha no fi nal do século XIX, as quais deram origem ao Welfare

State, ou Estado Social como era chamado na Alemanha.

Barbosa e Moretto (1998) apresentam as datas de início de alguns programas sociais em

países industrializados, conforme tabela a seguir:

Sem reduzir a importância dos períodos históricos sobre o seu surgimento, é consenso

entre os autores que o fenômeno do Welfare State teve sua ascensão, ou até mesmo sua

constituição num sentido mais amplo na América do Norte e Europa Ocidental, após a Crise

de 1929 e, principalmente, no pós-guerra (1945). Assim, o Estado de bem-estar emergiu

como reivindicação da sociedade por medidas do Estado em prol da população, que sofrera

com a crise de superprodução de 1929, e posteriormente com os estragos causados pela

guerra mundial.

(5) KOTT, Sandrine. L’Etat social allemand. Représentations et pratiques. Paris: Berlin, 1995.

Datas de introdução de programas sociais em alguns países desenvolvidosTABELA 1

País

Acid. Trabalho

Seg. Doença

Previd. Social

Seg. Desemprego

Subs. Família

Seguro Saúde

Alemanha 1884 1883 1889 1927 1954 1980 Inglaterra 1887 1911 1908 1911 1945 1948

Suécia 1901 1910 1913 1934 1947 1962 Canadá 1930 1971 1927 1940 1944 1972

EUA 1930 - 1935 1935 - - França 1898 1930 1910 1959 1932 1945 Itália 1898 1928 1919 1919 1936 1945

Fonte: Barbosa e Moretto

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Nesse sentido, Simonsen (1983) destaca as políticas Keynesianas do Welfare State,

centradas no crescimento econômico e pleno emprego, como sendo uma resposta aos efeitos

da Grande Depressão em 1929, tais como o desemprego que elevou-se sobremaneira,

atingindo 25% da sua força de trabalho em 1933. Nesta concepção, está implícito que o

crescimento econômico fornece recursos para a promoção de medidas de bem-estar

social.

Simonsen (1983, p. 43) cita algumas políticas econômicas heterodoxas na promoção do

crescimento econômico:

[...] alguns governos conseguiram relativo sucesso no combate ao desemprego, ape-

lando para aquilo que os ortodoxos consideravam a maior das heresias, o aumento das

despesas públicas e défi cits orçamentários. Assim foram o New Deal de Roosevelt, a

corrida armamentista de Hitler, a compra e queima de café no Brasil de Vargas etc.

Ressalta-se também as políticas de bem-estar social da Inglaterra pós segunda guerra

mundial, com o Plano Beveridge6. Para Marshall (1967) foi nesse país que o Welfare State

inicialmente se delineou, num momento delicado onde de forma alguma houve desorganização

sócio-política. Logo após a segunda guerra mundial, o governo priorizou uma ampla

reforma no sistema previdenciário inglês, universalizando o acesso e aumentando o leque

de benefícios da previdência social. Foi uma medida aclamada pela sociedade, e exerceu

extrema infl uência na reestruturação dos sistemas de previdência social dos outros países.

Welfare State no Brasil

As condições do surgimento e desenvolvimento do Welfare State no Brasil são

diferentes das verifi cadas nos países da Europa Ocidental e América do Norte. Pois existem

particularidades entre os casos que devem ser consideradas, tais como: fatores culturais,

sócio-econômicos, políticos, entre outros. Não se pode esperar que um país subdesenvolvido,

cuja industrialização foi tardia, nos quais os pobres são maioria, e que as desigualdades

entre as classes vêem desde sua colonização, tenha o mesmo desenvolvimento do Welfare

State que países industrializados e anos-luz à frente.

Souza (1999) afi rma que nos países subdesenvolvidos como o Brasil é comum uma

industrialização no modelo dual7. Assim, os benefícios do Welfare State, pelo menos

imediatamente à institucionalização, geralmente limitam-se a uma elite de trabalhadores do

centro dinâmico da economia e de empregados da burocracia, restringindo em longo prazo

o acesso dos demais, através das políticas do Welfare State.

Draibe (1989) julga que os regimes de Welfare State podem ser analisados caso a caso, (6) Plano apresentado pelo governo inglês em 1944, batizado de “Plano Beveridge” por ter contado com as idéias de William

Beveridge. Dentro de um contexto no qual se buscava adotar políticas de Bem-Estar Social, esse plano tinha a concepção da

universalidade de cobertura da seguridade social, mesmo para os que não contribuíam (MARSHALL, 1967).

(7) Quando há a convivência de um setor moderno com um setor tradicional (SOUZA, 1999).

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ou seja, há casos em que a pobreza foi erradicada completamente, ao passo que há casos

em que as camadas mais pobres encontram-se desprotegidas de ações do estado. Segundo

a autora, o desenvolvimento do Welfare State no Brasil pode ser dividido em períodos, os

quais se referem à introdução, expansão e consolidação do modelo. O período de 1930-

1943 é marcado pela introdução do Welfare State no Brasil, com a criação dos Institutos de

Aposentadorias e Pensões e leis trabalhistas. De 1943 até 1964, o sistema expandiu-se e

inovou-se nos campos da educação, saúde, assistência social e habitação popular.

Conforme Draibe (1993), o Welfare State do período de 1943 a 1964 pode ser considerado

como meritocrático, privilegiando a burocracia, visto que o estado de bem estar no Brasil

nasce principalmente com a previdência social, que nesse período tinha caráter seletivo e

era direcionada para certos grupos e classes de trabalhadores.

A esse respeito, Souza, (1999, p. 15) cita:

[...] quando a burocracia é um dos grupos privilegiados que se benefi ciam direta ou

indiretamente do welfare state e, em vez de compor alianças políticas com movimentos or-

ganizados de trabalhadores, as compõem com classes dominantes, os gastos sociais ten-

dem a apresentar caráter regressivo, privilegiando as parcelas mais ricas da população.

Segundo Draibe (1993), o período que se inicia em 1964 com o governo autoritarista,

consolida o sistema através de sua centralização, sendo identifi cados os fundos e recursos

que apoiarão fi nanceiramente os instrumentos de políticas sociais. Neste período foram

inseridas formas de clientelismo, principalmente na área previdenciária, à medida que foram

distribuídos benefícios em períodos eleitorais. Porém, em meados de 1970, mesmo durante

o “milagre econômico”, observa-se a crise fi nanceira e social no país8.

Ainda segundo Draibe (1993), desde fi ns de 1970 destacam-se características

universalizantes como: a unifi cação dos IAPs no Instituto Nacional da Previdência Social

(INPS), homogeneizando a cobertura dos trabalhadores urbanos; universalidade de

cobertura no atendimento de urgência na área de saúde; na educação, nível básico gratuito

e obrigatório. A Constituição Federal de 1988 estendeu alguns benefícios aos trabalhadores

rurais, principalmente a fi xação do piso dos benefícios previdenciários em um salário mínimo.

Porém, essas medidas ainda não foram sufi cientes para que o modelo de Welfare State

brasileiro pudesse ser considerado como redistributivo.

O desenvolvimento do Welfare State no Brasil, iniciado a partir dos anos 1930, teve como

sustentação um conceito que só após a constituição de 1988 veio a ser introduzido no Brasil,

o da “seguridade social”. Esta consiste em ações dos Poderes Públicos e da sociedade, com o

intuito de assegurar os direitos referentes à saúde, à previdência e à assistência social. Todavia,

(8) Nesse período, enquanto o país cresceu a taxas elevadas, o salário mínimo real baixou, e também houve um agravamento

das condições de saúde da população, seja pelo elevado número de acidentes de trabalho, seja pelas epidemias, e também

pelo crescimento das taxas de mortalidade infantil (REGO e MARQUES, 2004).

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no presente trabalho será observado apenas o papel da Previdência Social no Brasil.

Previdência Social no Brasil

Conceito

A Previdência Social é um seguro social, de caráter contributivo e acesso universal que

garante a renda do trabalhador e de seus dependentes quando da perda temporária ou

permanente da capacidade de trabalho em decorrência dos riscos sociais (BRASIL, 2005).

Segundo Ferreira (2003, p. 12):

A previdência social é uma instituição encarregada de dar seguro, através de um

programa de pagamentos prestados aos indivíduos ou a seus dependentes, como com-

pensação parcial ou total da perda de capacidade laborativa por doença, invalidez, morte

(deixando pensão à sua família) ou por idade avançada, garantindo aos seus segurados

os benefícios que, normalmente, são proporcionais às contribuições.

Aspectos históricos

Antes de apontar para as origens e bases históricas do sistema previdenciário brasileiro,

é de grande valia tecer alguns comentários sobre quais fatores levaram à emergência de um

sistema de previdência social no Brasil.

Segundo Oliveira e Teixeira (1985) o início do século passado foi marcado por uma

invasão de emigrantes vindos da Europa para trabalhar no campo, porém com a crise do

café esses trabalhadores deslocaram-se para as cidades, incorporando-se ao proletariado

das fábricas e indústrias, dando mais robustez à chamada “classe operária”. Acrescenta-se a

isso um governo rigidamente liberalista sem olhos para a classe trabalhadora, apregoando o

livre contrato de trabalho. Nesse contexto, face à falta de uma legislação trabalhista e social

que amparasse o trabalhador na falta de renda decorrente principalmente da incapacidade

para o trabalho (acidente ou velhice) ou mesmo despedida arbitrária, surge freqüentemente

a presença dos movimentos operário-sindicais no cenário político.

Sousa (2002), também ressalta a importância dos imigrantes e suas idéias libertárias, que

estavam em pauta na Europa no início do século XX. Assim, esses imigrantes impulsionaram

e mobilizaram os trabalhadores brasileiros na busca de, não somente melhores salários e

condições de trabalho, mas também formas de proteção social.

Oliveira e Teixeira (1985, p. 38-39) destacam também as atividades legislativas de alguns

políticos da época em prol das questões sociais:

A partir da década de 10, principalmente, começaram a surgir no Congresso alguns

parlamentares mais sensíveis à “questão social”, como Maurício de Lacerda, Nicanor

Nascimento, ou Medeiros e Albuquerque, por exemplo, que procuravam com grande

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esforço sensibilizar a enorme maioria liberal para estes temas. Estes parlamentares de

novo tipo dedicaram-se, como se sabe, a uma intensa atividade legislativa sobre vários

aspectos das questões trabalhistas e sociais, tais como: regulamentação do trabalho das

mulheres e dos menores; indenização por acidente de trabalho; organização sindical;

contratos de trabalho; duração da jornada de trabalho; férias; descanso semanal; criação

de juntas de conciliação e arbitragem; instalação de creches; estabilidade no emprego;

etc.

O marco inicial da Previdência Social no Brasil (1923-1930)

As primeiras providências no campo da previdência social no Brasil originaram-se no

fi nal do século XVIII, com o Plano de Assistência para os Órfãos e Viúvas dos Ofi ciais da

Marinha em 1795. Em 1827 o mesmo plano foi estendido para o Exército, e em 1835, foi

criado um programa para os funcionários do Ministério da Economia (BRASIL, 2002).

Já Favoni (2001, p. 79), vai mais longe a esse respeito:

As medidas mais antigas no campo da Previdência Social no Brasil, remontam a

1543, portanto ainda no período colonial. Em termos mais abrangentes, a primeira me-

dida de proteção social que se conhece foi o estabelecimento do seguro de acidente de

trabalho de 1919.

Em 1888, foi instituído o direito à aposentadoria dos empregados dos Correios (Decreto

nº. 9.912-A, de 26/03/1888), no mesmo ano foi criada a Caixa de Socorros em cada uma

das estradas de ferro do Império. Em 1892, foi instituída a aposentadoria por invalidez e a

pensão por morte dos operários do Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro (Lei nº. 217, de

29/11/1892), e em 1919 a Lei nº. 3.724, de 15/01/1919 tornou compulsório o seguro contra

acidentes de trabalho em certas atividades (BRASIL, 2006a).

No entanto, a historiografi a ofi cial aponta para a Lei Elói Chaves9 (Decreto nº. 4.682, de

24/01/1923) como sendo o marco inicial da Previdência Social no Brasil. Esta lei instituiu a

criação de uma Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAPs) para os empregados de cada

empresa ferroviária, sendo que, em 1924 já haviam sido criadas 24 Caixas, tendo no fi nal de

1926 quase 23.000 associados10 (SOUSA, 2002).

Segundo Oliveira e Teixeira (1985), os planos de benefícios das CAPs eram extremamente

amplos e abrangentes cobrindo aposentadorias ordinária e por invalidez, assistência médico-

hospitalar e inclusive auxílio na aquisição de medicamentos. Tinham direito à aposentadoria

ordinária os trabalhadores com 30 anos de serviço, contando-se o tempo a partir dos 18

anos, e à aposentadoria por invalidez os inválidos para o trabalho decorrente de doença

ou acidente de trabalho, sendo que quando a invalidez era por doença exigia-se 5 anos de

serviço e quando esta era por acidente exigia-se 10 anos de serviço.

(9) Refere-se ao redator da referida lei, Deputado Elói Chaves.

(10) Nesse período, ainda não se usava o termo segurado.

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Conforme menciona Sousa (2002), a aposentadoria ordinária consistia na média dos

salários percebidos pelo empregado nos últimos cinco anos de serviço, e era calculada

conforme tabela abaixo:

Já os valores das pensões segundo o mesmo autor, equivaliam a 50% do valor da aposentadoria

a que o segurado falecido teria direito em função de seu salário, e 25% quando o empregado

falecido contasse com mais de dez anos e menos de trinta anos de serviço, calculados com base

na Tabela 2.

Quanto ao sistema arrecadador e números das CAPs neste período, Oliveira e Teixeira

(1985) citam que suas receitas consistiam na contribuição dos segurados (3% sobre o valor dos

vencimentos), na contribuição das empresas (1% sobre a receita bruta da empresa) mais 1,5%

sobre o aumento das tarifas ferroviárias. No ano de 1923, constatou-se uma arrecadação de treze

mil e seiscentos contos de réis e uma despesa de um mil e setecentos contos de réis. No entanto,

no pós-1930, foram arrecadados sessenta mil contos de réis, enquanto que as despesas chegaram

a quarenta mil contos de réis, confi gurando uma tendência ascendente das despesas do sistema.

Para Oliveira e Teixeira (1985), as CAPs não eram tidas apenas como instituições previdenciárias,

mas também como instituições assistencialistas, devido ao grande leque de benefícios não só de

natureza previdenciária mas também assistencialista.

Porém, para vários autores contemporâneos da época, é somente no pós-1930 com o governo

de Getúlio Vargas11 e a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões é que se pode de

fato observar o início da previdência social, até porque o estado estava ausente nas CAPs tanto

no plano administrativo como fi nanceiro. A intervenção do estado nesse período estava limitada

ao Conselho Nacional do Trabalho (CNT), que era incumbido de intervir apenas nos casos de

dissídios ou confl itos entre os membros do Conselho de Administração das Caixas12 (OLIVEIRA e

TEIXEIRA, 1985).

Criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) e a visão da Previdência como (11) Presidente brasileiro nos períodos de 1930/1945 e 1951/1954.

(12) O Conselho de Administração das Caixas era composto por representantes das empresas e dos empregados (SOUSA,

2002).

Método de cálculo das aposentadorias ordinárias – Lei Eloy ChavesTABELA 2

Salário (S) Valor da aposentadoria S ≤ 100$0001 90% do salário 100$000 < S ≤ 300$000 90$000 + 75% do valor entre 101$000 e 300$000 300$000 < S ≤ 1:000$000 250$000 + 70% do valor entre 301$000 e 1:000$000 1:000$000< S ≤ 2:000$000 250$000 + 65% do valor entre 301$000 e 2:000$000 S > 2:000$000 250$000 mais 60% do valor entre 301$000 e o salário

Fonte: Sousa (2002, p. 25). (1) Lê-se: Cem contos de réis.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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“Seguro” (1930-1945)

A década de trinta foi marcada pela primeira crise fi nanceira e administrativa do sistema13, e

posteriormente à criação dos IAPs de âmbito nacional, onde a vinculação passou a ser feita com

base na atividade genérica. O primeiro IAP criado foi o dos marítimos (IAPM), em 1933, sendo

que após vieram os IAPs dos Comerciários (IAPC) e Bancários (IAPB) em 1934, dos Industriários

(IAPI), em 1936, dos servidores do estado (IPASE) e também dos empregados em Transportes e

Cargas (IAPTEC)14, em 1938 (DAIBERT, 1978).

A respeito dos IAPs:

Os IAPs, além de prover aposentadorias e pensões, garantiam a prestação de assistên-

cia médica para seus fi liados e dependentes. Para isso mantinham hospitais e ambulatórios

próprios, mas também contratavam serviços de estabelecimentos de saúde privados, fossem

eles lucrativos ou fi lantrópicos. O modelo dos IAPs representou uma expansão de cobertura

no sentido de procurar vincular aos institutos boa parte dos trabalhadores urbanos formais e

autônomos (MÉDICE; MARQUES15, 1995 apud FAVONI, 2001, p. 80).

O período de 1930 a 1945 foi marcado por um modelo previdenciário restritivo e contencionista,

com a intervenção de Getúlio Vargas nas IAPs, tornando as regras de aposentadorias mais rígidas,

sem mencionar a redução na gama de benefícios, principalmente nos de caráter assistencial. Pode-

se dizer que este período foi marcado pela ideologia da previdência social como exclusivamente

um “seguro social”, apesar de momento algum serem totalmente retirados do sistema, os serviços

assistenciais (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).

(13) Devido o considerável aumento das despesas das Caixas, o governo em regime de urgência simplesmente suspendeu

as aposentadorias ordinárias (por idade e tempo de serviço) e extraordinárias até que se reformulasse o sistema (SOUSA,

2002).

(14) Os Condutores de Veículos foram absorvidos pelo IAPTEC em 1939 (BRASIL, 2006a).

(15) MEDICI, A. C.; MARQUES, R. M. Regulação e Previdência Social no Brasil: evolução e perspectivas. Revista Paranaense

de Desenvolvimento – Economia, Estado e Sociedade, Curitiba, IPARDES, n. 85, p. 57-114, maio/ago. 1995.

Principais IAPs e os benefícios por eles prestadosQUADRO 1

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Oliveira e Teixeira (1985).

Institutos Benefícios prestados

IAPM Aposentadoria ordinária ou por invalidez, pensão por morte, assist. médico-hospitalar, internação até 30 dias e assistência farmacêutica.

IAPB Aposentadoria e pensão. Poderão ser concedidos serviços de assistência médico-hospitalar e farmacêutica, auxílio doença e auxílio maternidade.

IAPI

Aposentadoria por invalidez, pensão por morte, auxílio pecuniário aos incapacitados para o serviço por moléstias. Poderão ser concedidos serviços de assistência médico-hospitalar, auxilio funeral, sujeitos ou não à contribuição complementar. Aposentadoria ordinária após 1950.

IPASE Aposentadoria por idade e invalidez, pensão por morte e pecúlio.

IAPTEC Aposentadoria por velhice e invalidez, pensão por morte, auxilio funeral. Poderão ser concedidos serviços de assistência médico-hospitalar, auxilio paternidade e pecúlio, sujeitos ou não à contribuição complementar.

IAPC Aposentadoria por velhice e invalidez, seguro doença, pensão por morte e pecúlio.

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No quadro anterior, estão relacionados os principais IAPs e os benefícios por eles prestados.

Segundo Oliveira e Teixeira (1985), ao contrário das CAPs onde a assistência médica era

tida como fundamental ao sistema, nos IAPs esta foi considerada inicialmente secundária,

tanto que em alguns institutos a assistência médica somente foi disponibilizada após algum

tempo da sua criação. Nota-se essa tendência restritiva principalmente pelo fato do maior

instituto de aposentadoria e pensão, o IAPI, contando com 50% dos trabalhadores, ter

disponibilizado somente após 1950 a aposentadoria ordinária. Ainda segundo os mesmos

autores, outro fato que demonstra a característica restritiva do modelo previdenciário neste

período, é o aumento da relação entre contribuintes e inativos, que em 1930 era de 9,48

contribuintes para cada inativo e em 1938 avançou para 30,30 contribuintes para cada

inativo.

Conforme menciona Sousa (2002), esse período foi marcado também pela adoção da base

contributiva tripartite, conceito este que também foi incorporado na Constituição Federal de 1934.

Dessa forma, a responsabilidade pelo fi nanciamento do sistema que antes era dos segurados e

das empresas, agora conta com a participação do estado, que conforme preceito constitucional

deve ser igual à participação dos segurados e das empresas.

Observa-se na Tabela 3 as alíquotas e percentuais da contribuição tripartite para os principais

IAPs.

Com o surgimento dos IAPs, a fi gura do estado além de participar do custeio do

sistema, passa agora a assumir importante papel na esfera administrativa e fi nanceira.

No plano administrativo, cada instituto passa a ter um presidente, o qual é nomeado pelo

Chefe do Estado e tem plenos poderes no exercício da administração, podendo gerir

sobre questões orçamentárias, de pessoal e de investimento. Já no plano fi nanceiro, o

estado fi ca responsável por receber e repassar para cada IAP as “quotas” e a “taxas” de

Alíquotas de contribuições dos IAPsTABELA 3

Institutos Segurados Empresas Estado

IAPB 4 a 7% do salário 9% salário cada segurado1 Quota e tx. previdência

2

IAPM 3% do salário 1,5% renda bruta3 Quota e tx. previdência

IAPI 3 a 8% do salário 1,5% renda bruta Quota e tx. previdência

IPASE 4 a 7% do salário 1,5% renda bruta Quota e tx. previdência

IAPTEC 3 a 8% do salário 1,5% renda bruta Quota e tx. previdência

IAPC 3 a 8% do salário 1,5% renda bruta Quota e tx. previdência 1 Até o salário máximo de 5 contos de réis.

2 A quota de previdência consistia num valor variável sobre o preço dos serviços, porém quando inferior à contribuição

dos segurados o estado deveria responder com a diferença. Já a taxa de previdência consistia na alíquota de 2% sobre as importações, com exceção à importação de trigo e combustível (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985). 3 Porém nunca inferior ao total das contribuições dos associados, nem superior à importância de uma vez e meia esse

valor.

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previdência (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).

Porém, quanto ao destino dos recursos da previdência sob responsabilidade do

estado, Oliveira e Teixeira (1985, p. 106) assim comentam:

[...] o recolhimento, pelo Estado, de quotas e taxas “de Previdência” sob o ar-

gumento de que se destinavam a fi nanciar, em parte, a Previdência Social dos tra-

balhadores, foi um balela. À medida que o Governo Federal, burlando inclusive os

dispositivos constitucionais, não efetivava nunca sua contribuição à Previdência nos

montantes legalmente estabelecidos (valores iguais às contribuições dos emprega-

dos e dos empregadores). Ou seja: não repassava, senão muito irregular e parcial-

mente, os recursos que arrecadava a título de “quotas” e “taxas” de Previdência,

dando a esses recursos outras destinações.

Embora o ano de 1945, último ano do governo Vargas, tenha sido caracterizado

pela adoção de medidas populares, principalmente as que tratam da previdência, Sousa

(2002) destaca a relevância do modelo restritivo e contencionista assumido no período

1930-1945, para as contas da Previdência Social, tanto que em 1945, o sistema fechou

com um superávit de Cr$ 1.365.551.941,50.

Expansão e unifi cação da Previdência (1945-1966)

Segundo Oliveira e Teixeira (1985), a expansão da previdência neste período, iniciou

com atitudes populistas do presidente Getúlio Vargas no último ano de seu primeiro

governo (1945), estendendo aos aposentados e pensionistas a prestação de assistência

médica e hospitalar. Mesmo elevando sobremaneira as despesas do sistema, a expansão

dos benefícios da previdência continuava gradativamente. Em 1949, foi regulamentado

o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência na Previdência Social, e em

1954, é promulgado o Decreto nº. 35.448 de 01/05/1954, que normatiza o regulamento

geral dos IAPs, no qual dispõe entre outras matérias que os institutos devem atender

aposentadorias, pensões, e prestar assistência médica, farmacêutica ou odontológica.

Porém, os diferentes IAPs possuíam legislação extremamente abundante, se

fazendo necessária uma uniformização de todo o sistema. No entanto, essa unifi cação

feria diversos interesses: das categorias menores cobertas pelos melhores IAPs; das

burocracias dos mais variados institutos; dos sindicatos; etc. Todavia, veio a ocorrer

com a criação da Lei Orgânica da Previdência Social16 (LOPS) em 26 de agosto de 1960,

lei esta que tramitou durante 14 anos no Congresso Nacional, unifi cando a legislação

pertinente aos IAPs. E, somente após o golpe militar de 1964, ocorreu a criação do

Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), em 21 de novembro de 1966 e instalado (16) Com a criação da LOPS, os benefícios disponibilizados foram: auxílio doença, aposentadoria por invalidez, velhice, es-

pecial e tempo de serviço, auxílio natalidade, pecúlio e assistência fi nanceira (para os segurados); pensão, auxílio reclusão,

auxílio funeral e pecúlio (para os dependentes); e assistência médica, alimentar, habitacional, complementar, reeducativa e

readaptação profi ssional (benefi ciários em geral) (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).

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no ano seguinte, onde foram unifi cados os seis IAPs existentes na época (com exceção

do IPASE), prevalecendo o autoritarismo do estado sobre as resistências sindicais da

época (FAVONI, 2001).

Para Oliveira e Teixeira (1985), esta fase da Previdência Social brasileira foi

infl uenciada pelas idéias do Plano Beveridge de 1942, e entrou em cena um conceito

que passou a ser comumente tratado, a “seguridade social”. Após a segunda guerra

mundial, os países da Europa Ocidental aspiravam atingir o “Estado do Bem-Estar

Social”, apregoando o crescimento da intervenção do Estado na área das chamadas

políticas sociais, inclusive a seguridade social.

Contudo, a concepção de seguridade social nesta época era recente, ao menos

no Brasil, e não foi bem quista pelo Estado brasileiro, conforme menção de Oliveira e

Teixeira (1985, p. 179-180):

O que ocorre concretamente foi uma pressão ao interior do sistema de “Seguro

Social”, com os segurados tentando manter nos valores mínimos possíveis as suas

“contribuições”, enquanto exigiam, por outro lado, a ampliação e valorização dos

planos de benefícios e serviços. A tese central, radicalmente antiliberal, das idéias

da “Seguridade”, que era a de que fundamentalmente o Estado deveria arcar com

os ônus dos planos de benefícios e serviços previdenciários (mesmo para não con-

tribuintes) nem de longe foi aceita, em nenhum momento, pelo Estado brasileiro,

o qual, ao contrário, continuou, ao longo de todo esse período, não cumprindo se-

quer seus compromissos fi nanceiros para com a Previdência nos termos legalmente

estabelecidos, como veremos adiante. Em novas condições políticas, nas quais os

segurados haviam readquirido algum poder de barganha, o que o Estado passara a

fazer tinha sido simplesmente incorporar estas pressões, concedendo realmente, à

medida que se exerciam, aumentos no número e no valor dos benefícios e serviços

da Previdência, mas sem tratar de assegurar recursos e fontes de fi nanciamento que

garantissem a possibilidade de manutenção, no tempo, destes planos, tornados ag-

ora, progressivamente, outra vez, “abrangentes e pródigos” como em nosso primeiro

período de análise.

Com a criação da LOPS, as alíquotas de contribuição do segurado foram fi xadas

em 6% a 8% sobre o valor do salário, fi cando a empresa responsável pelo mesmo

valor. Já a participação do Estado foi modifi cada, fi cando este responsável apenas pelo

custeio do pessoal e despesas administrativas. Além da abrangência dos benefícios e da

prodigalidade, este período foi marcado também pelo desvio de recursos da Previdência

Social para investimentos do Estado em outras áreas (SOUSA, 2002).

Da unifi cação à crise (1967-1987)

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A fase expansionista da Previdência Social continuou, com a inclusão do seguro

de acidente de trabalho em 1967. Em 1969, foi preenchida uma lacuna na Previdência

Social Brasileira ao se estender a cobertura para os trabalhadores rurais, sendo em

primeiro momento apenas ao setor agrário da indústria canavieira, porém ainda no

mesmo ano foi ampliado o plano básico rural. Menciona-se também a criação do amparo

previdenciário17 (Lei nº. 6.179, de 11/12/1974), para os trabalhadores acima de setenta

anos ou inválidos, e a extensão da Previdência Social para os empregados domésticos

(BRASIL, 2006a).

Em 1974, é criado o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), sendo

neste momento defi nidas e delimitadas as competências do Ministério da Saúde e do

MPAS. O Ministério da Saúde assume caráter normativo e ações voltadas para os

atendimentos de interesse coletivo, inclusive “vigilância sanitária”, enquanto o MPAS

tem sua atuação voltada principalmente para o atendimento médico-assistencial

individualizado (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).

Nesse contexto de modifi cações na estrutura da Previdência Social, surge o Sistema

Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) em 1977, subordinado ao MPAS,

que separou as funções do sistema em algumas instituições. O Instituto Nacional da

Previdência Social (INPS) fi cou responsável pela concessão de benefícios, ao Instituto

Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) coube a prestação de

Assistência Médica à população carente, ao Instituto de Administração fi nanceira da

Previdência e Assistência Social (IAPAS) coube o gerenciamento da atividade fi nanceira

do sistema, à Central de Medicamentos (CEME) coube a assistência em medicamentos,

à Legião Brasileira de Assistência (LBA) couberam serviços assistenciais, à Fundação

Nacional do Bem-estar do Menor (FUNABEM) coube a assistência ao menor e à Empresa

de Processamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV) coube o processamento

das informações da Previdência Social (SOUSA, 2002).

Desde 1945 o sistema previdenciário seguiu com um modelo expansionista e pródigo,

mas, a partir de 1980 os refl exos fi nanceiros vieram à tona, com o agravamento da crise

da Previdência Social. Esta crise caracterizou-se pela existência de um crescente défi cit

nas contas da previdência, atingindo 40 bilhões de cruzeiros em 1980 e 150 bilhões em

1981. Entre os motivos mencionam-se as freqüentes fraudes no sistema, principalmente

nos serviços de assistência médica envolvendo hospitais privados, e também a dívida do

Estado e das empresas com a Previdência Social (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).

(17) Conhecido também como Renda Mensal vitalícia, veio a se tornar no Benefício de Prestação Continuada com a criação

da Lei nº. 8.742, de 07 de dezembro de 1993, regulamentado pelo Decreto nº. 1.330, de 08 de dezembro de 1994 (BRASIL,

2006a).

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Quanto à magnitude das dívidas do Estado e das empresas com a Previdência Social,

Oliveira, Beltrão e David (1999, p. 2-3) citam:

A falta de pagamento da contribuição da União e a sonegação por parte dos em-

pregadores do setor privado (por exemplo, estima-se que em 1956 as contribuições

não recolhidas aos IAPs foram da ordem de Cr$ 10 bilhões ou R$ 1,173 bilhão de

junho de 1998) foram fatores determinantes na frustração das previsões atuariais

para o funcionamento equilibrado do sistema de previdência social. Mesmo se todas

as contribuições fossem recolhidas conforme a lei (Lei nº 2.250, de junho de 1954, no

que se refere ao pagamento de juros do débito da União) o regime de capitalização

ainda apresentaria um desequilíbrio orçamentário, já que os cálculos atuariais não

levaram em consideração as correções dos benefícios em face da depreciação da

moeda inerente ao processo infl acionário que se verifi cava no Brasil na época. Para

que se possa dimensionar o problema [...], deve-se destacar que em 1959 o débito

da União para com os antigos IAPs era de Cr$ 60 bilhões (R$ 3,9 bilhões de junho de

1998), e já no início da década de 60 (1962) se elevava a Cr$ 195 bilhões segundo

Fischlowitz (1964), ou seja, aproximadamente R$ 4,8 bilhões de junho de 1998, en-

quanto que a dívida dos empregadores era da ordem de Cr$ 53 bilhões (cerca de 1,3

bilhão).

Os desvios de recursos da Previdência Social para outros fi ns, também são apontados

como motivos da crise, conforme grifam Oliveira e Teixeira (1985, p. 280):

[...] nos anos 30 e 40, recursos fi nanceiros da Previdência foram aplicados na

criação de empresas estatais ou mistas, como a Companhia Siderúrgica Nacion-

al, a Companhia Nacional de Álcalis, a Fábrica Nacional de Motores, a Companhia

Hidroelétrica do Vale do São Francisco, etc. Também nos anos 50 os recursos foram

utilizados na construção de Brasília e talvez, mais recentemente, nos anos 70, ten-

ham sido usados na construção da Ponte Rio - Niterói e da Transamazônica, como

comentam os jornais.

A esses motivos, acrescenta-se ainda o fato de que a base de fi nanciamento da

Previdência Social é o emprego formal, e há algum tempo já vinha ocorrendo o

desaceleramento do crescimento do emprego e a queda dos salários, causando redução

das receitas e conseqüentemente agravando ainda mais a crise da Previdência Social

no Brasil (OLIVEIRA e TEIXEIRA, 1985).

O advento da Constituição de 1988

Com o advento da Constituição de 1988, além da formalização do conceito de

seguridade social, foram estabelecidos alguns direitos no campo previdenciário, como

a fi xação do piso salarial dos benefícios (urbanos e rurais) em um salário mínimo. E

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se antes algumas classes de trabalhadores rurais e urbanos, inclusive domésticos não

estavam cobertos pela previdência social, esta constituição universalizou a participação

mediante contribuição (BRASIL, 1988).

Entre as mudanças a partir da Constituição de 1988, menciona-se também a criação dos

princípios universais da Previdência Social, os quais estão explicitados no Quadro 2.

Segundo Sousa (2002), até meados de 1960 a Previdência Social no Brasil era norteada

pelo sistema de capitalização18. No entanto, após a criação da LOPS em 1960, adotou-se o

sistema de repartição simples, o qual foi ratifi cado pela carta constitucional19 de 1988. Este

sistema consiste num pacto social entre gerações nos quais os ativos fi nanciam os inativos,

ou seja, as contribuições dos segurados atuais pagam os aposentados de hoje, esperando (18) Neste sistema, cada segurado contribui com determinado valor, que se acumula ao longo de sua vida ativa de labor. No

momento da aposentadoria, terá direito de perceber o montante contribuído ao sistema, capitalizado (BRASIL, 2005).

(19) Constituição de 1988 e Carta Constitucional de 1988 são sinônimos.

Princípios universais da Previdência SocialQUADRO 2

Princípios Descrição

Princípio da Contributividade e da Universalidade da Cobertura e do Atendimento

Todas as pessoas têm o direito de cobertura da Previdência Social, porém mediante contribuição.

Princípio da Obrigatoriedade Todos que exercem atividade remunerada devem contribuir com uma parcela de sua renda para o sistema

Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial

Adoção de medidas que equilibrem o sistema financeiro atuarial, de forma que assegurem o pagamento dos benefícios daqueles que contribuíram no passado.

Princípio da Uniformidade e Equivalência dos Benefícios aos Rurais e Urbanos

De forma alguma, as regras da Seguridade Social privilegiarão algumas pessoas em detrimento de outras, sem que sejam legitimadas pela sociedade.

Princípio da Eqüidade Tratar as pessoas iguais com regras iguais, ou seja, a retribuição ao segurado deve ser proporcional a sua contribuição.

Princípio da Solidariedade Intra e Inter-geracional

Embora o princípio da eqüidade estabeleça a retribuição proporcional à sua contribuição, o sistema admite regras redistributivas que beneficie os menos favorecidos. Com o modelo de repartição simples, a geração atual contribui para financiar os gastos da geração anterior.

Fonte: Brasil (2005). Constituição da República Federativa do Brasil.

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que as contribuições das gerações futuras paguem as suas aposentadorias.

A Constituição de 1988 foi caracterizada pelo caráter abrangente tanto nos direitos

quanto nas garantias aos cidadãos, confi gurando uma constituição verdadeiramente

compromissada com os aspectos sociais. No concernente à previdência dos servidores

públicos, houve uma signifi cativa mudança no sistema. Com a sanção da Lei nº. 8.112, de

11 de dezembro de 1990, cerca de 80% dos servidores da União, que eram contratados

pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), foram transferidos para o regime

estatutário, sendo efetivados automaticamente. E essa modifi cação elevou sobremaneira

as despesas do sistema, na medida em que conferiu proventos integrais de aposentadoria a

ultima remuneração na ativa (BRASIL, 2002).

Dessa forma, foram mantidos os seguintes regimes de Previdência Social no Brasil:

Regime Geral de Previdência Social (RGPS); Regimes Próprios de Previdência Social

(RPPSs); e Previdência Complementar20. E a esse respeito:

No Brasil há regras previdenciárias diferentes entre os trabalhadores do setor priva-

do e uma categoria específi ca de servidor público, o servidor público de cargo efetivo.

Os trabalhadores do setor privado se submetem às regras do Regime Geral de Pre-

vidência Social – RGPS, gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Os servidores públicos estão divididos em três categorias: empregados públicos,

servidores públicos temporários e servidores de cargo efetivo. Os servidores das duas

primeiras categorias – empregado e servidor temporário – fazem parte do RGPS. Os de

cargo efetivo, por sua vez, estão enquadrados em sistemas específi cos, os Regimes

Próprios de Previdência Social – RPPS, da União, estados, Distrito Federal e municí-

pios. Na hipótese dos entes públicos não instituírem RPPSs, todos os seus servidores,

mesmo os de cargo efetivo, são enquadrados no RGPS (BRASIL, 2005, p. 47).

Quanto ao fi nanciamento, a Previdência Social não possui um custeio específi co

legalmente estabelecido, no entanto, na Carta Constitucional de 1988 foi instituída a forma

de custeio da seguridade social, que conforme já mencionado é composta pela saúde,

previdência e assistência social.

O fi nanciamento da seguridade social a partir da Constituição de 1988 fi cou a cargo

de toda a sociedade, de forma direta e indireta, por meio de recursos provenientes dos

orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das contribuições

(20) É constituída por entidades fechadas (entidades sem fi ns lucrativos organizadas para cobrir um grupo específi co de tra-

balhadores, em geral, de uma mesma empresa) e entidades abertas (instituições com fi ns lucrativos, onde qualquer pessoa

pode se inscrever). Por haver um teto previdenciário para o RGPS, o sistema de previdência complementar é uma boa medida

para os trabalhadores que desejam manter o nível de renda, quando da incapacidade para o labor (BRASIL, 2005).

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sociais dos empregadores e empresas incidentes sobre a folha de salários21, o faturamento, o

lucro, e também sobre as contribuições dos segurados da Previdência Social. Acrescentam-

se também as contribuições sociais sobre a receita de concursos de prognósticos, as sobre

a comercialização de produto rural, as do importador de bens ou serviços do exterior e a

Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) (BRASIL, 1988).

A Lei nº. 8.212, de 24 de julho de 1991 cita ainda outras receitas:

Art. 127. Constituem outras receitas da seguridade Social:

I – as multas, a atualização monetária e os juros moratórios;

II – a remuneração recebida por serviços de arrecadação, fi scalização e cobrança

prestados a terceiros;

III – as receitas provenientes de prestação de outros serviços e de fornecimento ou

arrendamento de bens;

IV – as demais receitas patrimoniais, industriais e fi nanceiras;

V – as doações, legados, subvenções e outras receitas eventuais;

VI - 50% (cinqüenta por cento) dos valores obtidos e aplicados na forma do parágrafo

único do art. 243 da Constituição Federal;

VII – 40% (quarenta por cento) do resultado dos leilões dos bens apreendidos pelo

Departamento da Receita Federal;

VIII – outras receitas previstas em legislação específi ca.

Parágrafo único. As companhias seguradoras que mantêm o seguro obrigatório de

danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres, de que trata a Lei

nº. 6.194, de dezembro de 1974, deverão repassar à Seguridade Social 50% (cinqüenta

por cento) do valor total do prêmio recolhido e destinado ao Sistema Único de Saúde,

para custeio da assistência médico-hospitalar dos segurados vitimados em acidentes de

trânsito (BRASIL, 1991, art. 127).

Em 1990, a estrutura da Previdência Social foi novamente alterada, com a criação

do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), fruto da fusão do INPS com o IAPAS e o

deslocamento do INAMPS22 para o recém criado Ministério da Ação Social e Saúde. Logo

no ano seguinte, foram sancionadas a Lei nº. 8.212 e Lei nº. 8.213, ambas de 24 de julho de

(21) As contribuições sociais sobre a folha de salário destinam-se exclusivamente ao pagamento de benefícios previdenciários

(BRASIL, 1988).

(22) Conforme Lei nº. 8.689, de 27 de julho de 1993, que extinguiu o INAMPS, fi cam transferidas as funções, competências,

atividades e atribuições do INAMPS, as quais serão absorvidas pelas instâncias federal, estadual e municipal gestoras do

Sistema Único de Saúde (SUS).

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1991. A primeira dispondo sobre a organização e nova forma de custeio da seguridade social,

e a segunda instituindo o plano de benefícios da Previdência Social (BRASIL, 2006a).

As iniciativas paternalistas, porém socialmente importantes da Constituição de 1988, no

campo da Previdência Social, não foram acompanhadas pelas respectivas fontes de custeio

proporcionais aos direitos estendidos aos trabalhadores, provocando assim um desequilíbrio

fi nanceiro na Previdência Social, especialmente devido às intensas modifi cações na

composição etária da população brasileira. Tanto que o sistema passou de um superávit de

R$ 17,2 bilhões em 1988, para défi cits constantes a partir de 1995. (BRASIL, 2002).

As reformas da Previdência de 1998 e 2003

A crise na Previdência Social provocada pelas mudanças constitucionais em 1988,

pelo intenso envelhecimento da população brasileira, somada ainda à crise no mercado de

trabalho, propiciou crescentes “défi cits” nas contas da Previdência Social a partir de 1995.

Diante destes fatos, emergiu a necessidade de uma ampla reforma no sistema, com vistas a

evitar o agravamento da crise. E a resposta à crise, foi à aprovação da Emenda Constitucional

n.º 20 (EC 20), de 15 de dezembro de 1998, que estabeleceu a base principal para a reforma

da Previdência Social (BRASIL, 2005)

Sobre as modifi cações nas regras do Regime Geral de Previdência Social, cita-se:

Entre as principais mudanças, estão: (i) a eliminação gradual da aposentadoria

proporcional; (ii) a nova exigência para a conversão de tempo especial trabalhado sob

atividades consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física em tempo comum

para fi ns de aposentadoria por tempo de contribuição; (iii) as novas exigências para

as aposentadorias especiais; (iv) a mudança na regra de cálculo do benefício, com in-

trodução do fator previdenciário (BRASIL, 2005, p. 23).

Porém, para Boschetti (2003), a reforma da Previdência teve efeitos sociais negativos,

na medida em que reduziu a amplitude dos direitos conquistados pelo trabalhador com a

Constituição de 1988. E menciona ainda outras alterações na Previdência Social, como:

[...] a transformação do tempo de serviço em tempo de contribuição, o que torna mais

difícil a obtenção da aposentadoria, sobretudo para os trabalhadores que não tiveram

carteira de trabalho assinada ao longo de suas vidas; a instituição da idade mínima (48

anos para mulheres e 53 para homens) para a aposentadoria proporcional; um acréscimo

de 40% no tempo de contribuição para os atuais segurados; o estabelecimento de um

teto nominal para os benefícios e a desvinculação desse teto do valor do salário mínimo,

o que rompe com o princípio constitucional de irredutibilidade do valor dos benefícios e o

fi m das aposentadorias especiais (BOSCHETTI, 2003, p. 80).

A partir dessa reforma no Regime Geral de Previdência Social, que implementou

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mudanças nas regras de cálculo dos benefícios previdenciários, adotou-se uma nova fórmula

de cálculo, que se baseia na média das 80% maiores remunerações do segurado, e leva

em conta a expectativa de sobrevida na data da aposentadoria. Dessa forma, a Previdência

Social no Brasil, que desde meados de 1960 adotara o sistema de repartição simples, passou

então a assumir algumas características do sistema de capitalização escritural23 (BRASIL,

2005).

Como já mencionado anteriormente, a EC 20 estabeleceu o pedestal para a Reforma da

Previdência Social, no entanto Ornélas e Vieira (1999) remetem a atenção para um problema

não solucionado pela reforma da Previdência, o mercado informal, que desde a década de

1980 segue uma tendência irreversível de crescimento. Nesse sentido, fazia-se necessária a

criação de medidas que estimulassem e possibilitassem o ingresso dessa classe no sistema

previdenciário. E esse estímulo, adveio com a criação da Lei n.º 9.876/99, e teve entre as

principais medidas: extensão do salário-maternidade a todas as seguradas24; eliminação da

escala de salários-base, que obrigava autônomos a cumprirem uma escala de interstícios

de contribuição; redução da taxa de contribuição de autônomos que prestam serviços para

empresas, de 20% para 11%; e a redução da taxa de juros para compensação de tempo

de serviço passado, de 1,0 % para 0,5%, para os contribuintes individuais que optarem por

regularizar suas contribuições anteriores a abril de 1995.

Quanto ao fi nanciamento da Previdência Social, em 1999 foi criada outra fonte de

receita, que se evidenciou de grande relevância para as contas da Previdência Social. Com

a promulgação da Emenda Constitucional n.º 21 (EC 21), de 18 de março de 1999, 26% do

montante arrecadado com a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de

Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF) fi cou destinado à Previdência

Social. Percentual este que foi posteriormente alterado para 21% (BRASIL, 1999).

Em 2003, houve outra reforma na Previdência Social, porém, nesta oportunidade apenas

os servidores públicos foram afetados. Apesar da intensa resistência dos sindicatos e das

classes envolvidas, foi inevitável a adoção de mudanças nas regras da Previdência Social dos

servidores públicos. A Previdência dos Servidores Públicos da União, Estados e Municípios

começou a apresentar défi cits constantes a partir de 1995, constatando-se em 2001, um

défi cit de 48,6 bilhões25, sendo que destes, 24,4 bilhões da União (BRASIL, 2002).

Para Giambiagi et al (2004), a reforma da Previdência de 2003 consumada através

da Emenda Constitucional n.º 41 (EC 41), de 19/12/2003, teve grande importância para a

sociedade, pois atacou e subtraiu alguns privilégios dos funcionários públicos. Privilégios

(23) Sistema no qual os ativos fi nanciam os inativos. No entanto, a aposentadoria de cada segurado é calculada tendo como

base as próprias contribuições (BRASIL, 2005).

(24) Até então esse benefício era devido apenas às seguradas empregadas, trabalhadoras avulsas, empregadas domésticas

e seguradas especiais.

(25) Em R$ bilhões correntes.

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estes, que até então se confi guravam intocáveis. Nesse contexto, as principais modifi cações

na previdência dos servidores públicos foram:

Fixação da idade mínima para aposentadoria em 60 anos para os homens e 55 anos a)

para as mulheres. No entanto, manteve a possibilidade da aposentadoria aos 53 anos para

os homens e 48 anos para as mulheres, porém, para cada ano de antecipação, ou seja, para

quem se aposentar antes de completar a idade mínima exigida nesta emenda será aplicado

um redutor de: 3,5% para aquele que completar as exigências para aposentadoria até 31

de dezembro de 2005, e 5% para aquele que completar as exigências para aposentadoria a

partir de 01 de janeiro de 2006;

Estabelecimento da contribuição previdenciária para os aposentados e pensionistas, b)

sendo: 11% sobre o que exceder 60% do limite máximo estabelecido para os benefícios

do RGPS, para os inativos da União, e 11% sobre o que exceder 50% do limite máximo

estabelecido para os benefícios do RGPS, para os inativos dos Estados, do Distrito Federal

e dos Municípios;

Fixação do valor da pensão na totalidade dos proventos percebidos até o limite máximo c)

estabelecido para os benefícios do RGPS, acrescido de 70% da parcela excedente;

Instituição de novo cálculo dos proventos de aposentadoria, passando a ser a média d)

aritmética simples das maiores remunerações utilizadas como base para as contribuições do

servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, sendo 80% de todo o período

contributivo desde a competência julho de 1994, ou desde o início da contribuição se posterior

àquela competência.

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11. Estudo comparativo - A Seguridade Social em alguns países

Narlon Gutierre Nogueira*

O direito à Previdência Social nas constituições no mundo

Neste capítulo será realizado um estudo comparativo das constituições de diversos

países do mundo, com o objetivo de se verifi car como o direito à previdência social encontra-

se assentado nos diplomas constitucionais na atualidade.

Foram pesquisadas as constituições de 35 países de todos os continentes, porém com

uma maior amplitude para os países da América Latina e da Europa. Todos os dispositivos

diretamente relacionados à previdência social, identifi cados nessas constituições, foram

selecionados e formam o Anexo C (A previdência social nas constituições ao redor do

mundo).

No primeiro tópico serão analisadas e comentadas as regras sobre a previdência social

encontradas em cada uma dessas constituições, de forma individualizada.

Em seguida, será apresentado um quadro comparativo onde as constituições foram

classifi cadas tendo por critérios:

menção ao direito à previdência social no texto constitucional;a)

inserção do direito à previdência social entre os direitos fundamentais ou direitos b)

sociais;

grau de detalhamento das regras relativas ao direito à previdência social.c)

Análise do direito à Previdência Social nas constituições estrangeiras

Inicialmente é oportuno apresentar algumas observações sobre a terminologia

relacionada à previdência social encontrada nos diferentes idiomas pesquisados (espanhol,

inglês, italiano e francês):

Constituições dos países de língua espanhola:1.

a expressão seguridad social não corresponde exatamente à “Seguridade Social” que a)

consta de nossa Constituição Federal de 1988; em geral é utilizada num sentido amplo

(abrangendo a previdência social e a assistência social e algumas vezes também a saúde e

a moradia), mas em alguns contextos aparece em sentido mais restrito, referindo-se apenas

à previdência social;

algumas utilizam também a expressão seguros sociales, neste caso indicando b)

(*) Narlon Gutierre Nogueira, Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, participante do Concurso Nacional de Teses e

Monografi as da Fundação Anfi p de Estudos da Seguridade Social.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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diretamente a previdência social;

os benefícios previdenciários são as jubilaciones (aposentadorias), pensiones c)

(pensões) e os subsidios (referindo-se ora aos benefícios temporários - os “auxílios” - ora às

aposentadorias);

as contingências que dão origem aos benefícios são, de forma geral, assim referidas: d)

enfermedad, maternidad, riesgos del trabajo ou profesionales, invalidez ou discapacidad,

desempleo (ou desocupación forzosa, paro forzoso ou cesantía), vejez e muerte.

Constituições dos países de língua inglesa (ou de outros idiomas, mas cujos textos 2.

foram obtidos em língua inglesa):

a previdência social é em sua maioria referida como social security e, com menor a)

freqüência, como social insurance;

os benefícios são denominados pensions (pensões, de forma genérica, abrangendo b)

também aposentadorias) ou old age pensions (aposentadorias);

as situações protegidas: disease ou sickness ou illness (doença), invalidity disability c)

ou disablement (invalidez), loss of breadwinner ou loss of a provider (morte do responsável

pelo sustento da família), bring up children ou motherhood (nascimento, maternidade),

unemployment (desemprego), old age (velhice).

Constituições dos países de língua italiana e francesa:3.

a previdência social é assistenza sociale ou previdenza sociale, em italiano, e sécurité a)

sociale, em francês.

AMÉRICA LATINA

ARGENTINA

a) O Estado assegurará os benefícios da previdência social (seguridad social), que terão

caráter integral e irrenunciável.

b) A lei estabelecerá o seguro social obrigatório, a cargo de instituições nacionais ou

provinciais e tratará das aposentadorias e pensões (jubilaciones y pensiones).

c) O direito à previdência social aparece referido no artigo 14, dentro do Capítulo

Primeiro (Declarações, Direitos e Garantias), com pouco detalhamento, junto aos direitos

dos trabalhadores.

BOLÍVIA

a) A seguridad social é direito fundamental de toda pessoa (artigo 7º).

b) A seguridad social é também dever fundamental de todos, que devem colaborar com

o Estado e com a sociedade para a sua consecução (artigo 8º).

c) A seguridad social é tratada no artigo 158, dentro do título referente ao Regime Social,

de forma autônoma aos direitos dos trabalhadores, com um médio grau de detalhamento.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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d) Subordina-se aos princípios de universalidade, solidariedade, unidade de gestão

economia, oportunidade e efi cácia.

e) Assegura-se a cobertura das contingências de enfermidade, maternidade, riscos

profi ssionais, invalidez, velhice, morte e desemprego, além da assistência familiar e moradia

de interesse social.

f) Não há regras específi cas relativas aos funcionários públicos, cujos direitos e deveres

devem ser estabelecidos no Estatuto dos Funcionários Públicos.

CHILE

a) A previdência social é referida no artigo 19, inciso nº 18, com pouco detalhamento,

porém como direito fundamental assegurado a todas as pessoas.

b) A atuação do Estado será dirigida a garantir o acesso ao gozo de prestações básicas

uniformes, através de instituições públicas ou privadas, sob a supervisão estatal.

COLÔMBIA

a) O Título II da Constituição colombiana trata dos direitos, deveres e garantias,

subdividindo-se em dois capítulos: o primeiro voltado aos direitos fundamentais e o segundo

aos direitos sociais, econômicos e culturais. Neste encontra-se o artigo 48, voltado à

seguridad social.

b) A seguridad social é um direito irrenunciável, garantido a todos os habitantes.

c) É um serviço público obrigatório, podendo ser prestado por entidades públicas ou

privadas, sob a direção, coordenação e controle do Estado, sujeitando-se aos princípios da

efi ciência, universalidade e solidariedade. Seus recursos não podem ser destinados a outras

fi nalidades.

d) A lei deve defi nir meios para que as prestações (pensiones) mantenham o seu poder

aquisitivo.

COSTA RICA

a) O artigo 73, inserido no título dos Direitos e Garantias Sociais, trata da previdência

social (seguros sociales).

b) A previdência social será fi nanciada por contribuição obrigatória do Estado, dos

empregadores e dos trabalhadores, com a fi nalidade de proteção contra os riscos de

enfermidade, invalidez, maternidade, velhice e morte.

c) A administração da previdência social será de responsabilidade da Caixa Costarriquense

de Seguro Social e seus recursos não poderão ser utilizados para fi nalidades distintas.

d) Os seguros contra riscos profi ssionais (ou acidentes de trabalho) serão de

responsabilidade exclusiva dos empregadores e regidos por disposições especiais.

CUBA

a) Os artigos 47 a 49, inseridos no capítulo relativo aos direitos, deveres e garantias

fundamentais, tratam da previdência social, assistência social e proteção ao trabalhador.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

b) O Estado deve garantir a proteção aos trabalhadores incapacitados por idade, invalidez

ou enfermidade, bem como a suas famílias, em caso de morte.

c) Os idosos sem recursos devem ser atendidos pela assistência social.

d) Aos trabalhadores incapacitados por acidente de trabalho ou enfermidade profi ssional

assegura-se auxílio temporário ou aposentadoria.

EQUADOR

a) A Constituição equatoriana dedica toda uma seção à seguridad social (artigos 55 a

61), onde o direito à previdência social é tratado com alto grau de detalhamento.

b) A seguridad social é estabelecida como um dever do Estado e direito irrenunciável

e imprescritível de todos os habitantes e rege-se pelos princípios da solidariedade,

obrigatoriedade, universalidade, eqüidade, efi ciência, subsidiariedade e sufi ciência.

c) A previdência geral obrigatória cobrirá as necessidades de enfermidade, maternidade,

riscos do trabalho, desemprego, velhice, invalidez, incapacidade e morte. Sua proteção deve

ser estendida progressivamente a toda a população urbana e rural, com relação de emprego

ou não.

d) A previdência geral obrigatória é de responsabilidade do Instituto Equatoriano

de Seguridade Social, entidade sob a direção tripartida e paritária dos segurados, dos

empregadores e do Estado. Seus recursos devem ser separados do Estado e aplicados no

mercado fi nanceiro, sujeitos aos princípios da efi ciência, segurança e rentabilidade.

e) Os benefícios previdenciários não podem ser objeto de cessão, penhora ou retenção,

salvo para o pagamento de prestações alimentares ou obrigações com a instituição

seguradora. Não podem ser criados novos benefícios ou melhorados os benefícios existentes

sem a devida fonte de custeio, segundo estudos atuariais. Os proventos das aposentadorias

deverão ser reajustados anualmente.

f) Estabelece um regime especial de previdência para os trabalhadores rurais e pescadores

artesanais, fi nanciado solidariamente por contribuições do sistema nacional de seguridade

social e por dotações orçamentárias estatais.

g) Prevê a previdência complementar facultativa, para cobertura de necessidades não

protegidas pela previdência geral obrigatória ou melhoria de suas prestações.

h) Encontram-se também nas Disposições Transitórias regras tratando da criação de

uma comissão interventora com a fi nalidade de iniciar um processo de transformação e

racionalização da estrutura do Instituto Equatoriano de Seguridade Social, bem como de

critérios para o pagamento da dívida do governo nacional com o Instituto.

MÉXICO

a) A Constituição mexicana, que teve o mérito de ser a primeira no mundo a tratar dos

direitos sociais, trata em seu artigo 123 dos direitos trabalhistas e também do direito à

previdência social.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

b) A previdência social voltada aos trabalhadores do setor privado deve abranger a

proteção à invalidez, velhice, vida, interrupção involuntária do trabalho, enfermidades e

acidentes.

c) Semelhantemente, assegura-se aos trabalhadores do serviço público proteção contra

acidentes e enfermidades profi ssionais, enfermidades não profi ssionais, maternidade,

aposentadoria, invalidez, velhice e morte.

PARAGUAI

a) A Constituição paraguaia contém dois artigos que tratam do direito à previdência

social, dentro do capítulo dos direitos trabalhistas: o artigo 95 voltado aos trabalhadores

privados e o artigo 103 aos funcionários e empregados públicos.

b) O artigo 95 estabelece o sistema obrigatório e integral de seguridade social, fornecido

por instituições públicas ou privadas, sob a supervisão do Estado. Veda o desvio de seus

recursos para outras fi nalidades.

c) O artigo 103 defi ne que a lei deve regular o regime previdenciário dos servidores

públicos. Garante a atualização dos proventos de aposentadoria pelos mesmos critérios

adotados para os funcionários públicos em atividade.

PERU

a) Reconhece, dentre os direitos sociais e econômicos, o direito universal e progressivo

de todas as pessoas à seguridad social, sem maior detalhamento (artigo 10).

b) Prevê o acesso aos benefícios através de entidades públicas ou privadas e veda

desvio de seus recursos (artigos 11 e 12).

URUGUAI

a) Reconhece em seu artigo 67 o direito dos trabalhadores à previdência social, nos

casos de acidentes, enfermidade, invalidez, desemprego, aposentadoria por idade avançada

e pensão por morte a suas famílias.

b) Prevê que os proventos das aposentadorias e pensões deverão ser reajustados de

acordo com a variação do índice médio dos salários e se efetuarão nas mesmas oportunidades

e valores estabelecidos para o aumento das remunerações dos servidores do Governo

Central.

c) O fi nanciamento das prestações se dará através de contribuições dos trabalhadores, dos

empregados, por outros tributos e pela assistência fi nanceira do Estado, se necessário.

VENEZUELA

a) O direito à previdência social encontra-se no capítulo dos direitos sociais, nos artigos

80, 86 e 88.

b) As aposentadorias e pensões dos idosos não podem ser inferiores ao salário mínimo

urbano.

c) Toda pessoa tem direito à seguridad social como serviço público de caráter não

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

lucrativo, que garanta a saúde e assegure proteção em contingências de maternidade,

paternidade, enfermidade, invalidez, acidente de trabalho, desemprego, viuvez e

orfandade.

d) A efetividade do sistema de seguridade social é obrigação do Estado, com caráter

universal, integral, de fi nanciamento solidário, unitário, efi ciente e participativo. A ausência

de capacidade contributiva não implica em exclusão da proteção pela seguridade social. Os

recursos não podem ser utilizados em outra fi nalidade.

e) As donas de casa têm direito à seguridade social, na forma da lei.

f) Lei nacional estabelecerá o regime previdenciário dos funcionários públicos vedada à

acumulação de aposentadorias e pensões (artigos 147 e 148).

AMÉRICA ANGLO-SAXÔNICA

CANADÁ

a) Na Constituição do Canadá o direito à previdência social é referido apenas no artigo

94A, inserido dentro do capítulo que trata da distribuição da competência legislativa entre o

Parlamento e as Assembléias Legislativas das províncias.

b) Compete ao Parlamento aprovar leis relacionadas às aposentadorias (old age pensions)

e aos demais benefícios, incluídas as pensões (survivors) e benefícios por incapacidade

(disability benefi ts), ressalvando-se que tais leis não podem afetar a vigência de outras

adotadas pelas Assembléias Legislativas.

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA - EUA

a) A Constituição dos Estados Unidos não possui nenhuma previsão relativa ao direito à

previdência social.

b) Tal fato se explica, uma vez que sua constituição data do fi nal do século XVIII,

num período marcado pelo liberalismo, e foi, juntamente com a francesa, a precursora do

constitucionalismo moderno. Nessa época os direitos civis começavam a ser tutelados pelos

ordenamentos jurídicos, ao passo em que os direitos sociais ainda eram ignorados.

EUROPA

ALEMANHA

a) A Constituição da Alemanha de 1949 não seguiu o mesmo caminho da Constituição

de Weimar de 1919, optando pelo não detalhamento dos direitos sociais. Dessa forma, há

apenas algumas poucas referências à previdência social.

b) Dentro do capítulo que trata da repartição da competência legislativa, o artigo 74,

inciso 12 insere no âmbito da competência legislativa concorrente da Federação e dos

Estados Federais a legislação trabalhista (labor law) e a previdência social (social security).

É também de competência concorrente a legislação referente às aposentadorias (pensions)

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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dos servidores públicos, nos termos do artigo 74A.

c) Dentro do capítulo relativo à execução das leis federais e à Administração Federal,

o artigo 87 trata da competência pela administração e supervisão das instituições de

previdência social (social insurance institutions), a ser exercida por organização federal ou

estadual, dependendo da sua abrangência.

ÁUSTRIA

a) A Constituição austríaca limita-se a estabelecer a competência legislativa e executiva

da Federação sobre o seguro social (social insurance), em seu artigo 10, inciso 11.

BÉLGICA

a) O artigo 23 da Constituição belga afi rma que todos têm direito a uma vida com

dignidade, cabendo às leis garantir os direitos econômicos, sociais e culturais e determinar

as condições para o seu exercício. Dentre esses direitos inclui-se a previdência social (social

security).

ESPANHA

a) A Constituição espanhola estabelece que os poderes públicos manterão um regime

público de seguridade social para todos os cidadãos, que garanta a assistência e prestações

sociais sufi cientes ante situações de necessidade, especialmente em caso de desemprego

(artigo 41).

b) Interessante notar que esse dispositivo encontra-se inserido no Título I (dos direitos

e deveres fundamentais), em seu capítulo terceiro (dos princípios diretores da política

social e econômica). O artigo 53, inciso 3, que trata das garantias das liberdades e direitos

fundamentais determina que o reconhecimento, o respeito e a proteção dos princípios

inseridos naquele capítulo informarão a legislação positiva, a prática judicial e a atuação dos

poderes públicos, podendo ser alegados perante a jurisdição ordinária nos termos das leis

que os regulem.

FINLÂNDIA

a) Dentre os direitos fundamentais, a Constituição fi nlandesa destaca o direito à

previdência social (social security) em seu artigo 19.

b) Todos que não possam obter os meios necessários para uma vida digna têm o direito

de receber a indispensável subsistência e cuidado. Cabe ao poder público assegurar a

assistência básica nos eventos de desemprego, doença, incapacidade, velhice, maternidade

ou morte.

FRANÇA

a) A Constituição francesa trata da previdência social (sécurité sociale) apenas para

defi nir a competência do Parlamento para votar as leis que estabeleçam os seus princípios

fundamentais e regras de fi nanciamento (artigos 34, 39 e 47-1).

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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GRÉCIA

a) O artigo 22 da Constituição da Grécia estabelece que o Estado deverá prover o direito

dos trabalhadores à previdência social, nos termos da lei.

ITÁLIA

a) O artigo 38 da Constituição italiana, dentro do título que trata das relações econômicas,

defi ne que todo cidadão incapaz para o trabalho e desprovido dos meios necessários para

sua subsistência tem direito à manutenção e à previdência social (assistenza sociale).

b) Os trabalhadores têm direito à assistência nos casos de infortúnio, doença, invalidez,

velhice e desemprego involuntário (infortúnio, malattia, invaliditá, vecchiaia e disoccupazione

involontaria). Esses encargos são de responsabilidade estatal, porém a assistência privada

é livre.

PORTUGAL

a) A Constituição de Portugal (uma das principais fontes de inspiração de nossa

Constituição de 1988) consagra entre seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa

humana (artigo 1º) e a realização da democracia social (artigo 2º).

b) Todos têm direito à previdência social (segurança social), nos termos do artigo 63.

c) Compete ao Estado organizar, com a participação dos trabalhadores e demais

benefi ciários, o sistema de segurança social, que protegerá os cidadãos na doença, velhice,

invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em outras situações de falta ou

diminuição dos meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.

d) As pensões de velhice e invalidez são calculadas de acordo com o tempo de trabalho,

independentemente do setor em que tenha sido prestado.

e) O Estado apoiará e fi scalizará a atividade e o funcionamento de instituições particulares

de solidariedade social.

RÚSSIA

a) A Constituição russa estabelece em seu artigo 39 que todos têm direito à previdência

social nos casos de velhice, doença, invalidez, morte, maternidade e em outras situações

estabelecidas em lei.

b) As aposentadorias e os benefícios sociais serão estabelecidos em lei.

SUÉCIA

a) A Constituição da Suécia não é formada por um documento único, mas sim por um

conjunto de leis fundamentais (fundamental laws) aprovadas em diferentes períodos de sua

história.

b) A lei fundamental The Instrument of Government defi ne como objetivo fundamental do

poder público assegurar o bem-estar (welfare) pessoal, econômico e cultural dos indivíduos,

estabelecendo a previdência social (social security) como um dos instrumentos sob a sua

responsabilidade (artigo 2º).

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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SUÍÇA

a) A Constituição da Suíça trata do direito à previdência social com alto grau de

detalhamento, especialmente em seus artigos 111 a 117.

b) Asseguram-se como direitos fundamentais a dignidade humana (artigo 7º) e o auxílio

e a assistência a quem se encontre em situação de necessidade e não tenha condições de

prover sua própria subsistência (artigo 12).

c) A Confederação e os Cantões devem empenhar-se para que todos sejam segurados

contra as conseqüências econômicas da idade, invalidez, doença, acidente, desemprego,

maternidade, orfandade e viuvez. Porém, essa disposição encontra-se no artigo 41, relativo

aos objetivos sociais, que recebem um tratamento distinto dos direitos fundamentais civis

e dos direitos da cidadania e direitos políticos; tais objetivos sociais são buscados pela

Confederação e pelos Cantões no âmbito de suas competências constitucionais e no limite

dos recursos fi nanceiros disponíveis e deles não emanam direitos diretos a prestações

estatais.

d) O sistema previdenciário suíço encontra-se assentado em três pilares (artigo 111): a

previdência federal de velhice, sobreviventes e inválidos (l´assicurazione federale vecchiaia,

superstiti e invaliditá); a previdência profi ssional (la previdenza professionale) e a previdência

privada (la previdenza individuale).

e) A previdência de velhice, sobreviventes e inválidos (artigo 112) é regulada pela

Confederação e observa os seguintes princípios: é obrigatória; deve cobrir o necessário

para a subsistência; o provento máximo não pode exceder o dobro do provento mínimo; os

proventos devem ser reajustados de forma a observar, no mínimo, a evolução dos preços.

f) Seu fi nanciamento é feito por contribuições dos segurados, dos empregadores, da

Confederação e, se a lei assim o estabelecer, dos Cantões. A contribuição da Confederação

não pode ultrapassar a metade das despesas e é coberta, em primeiro lugar, pela receita

oriunda dos impostos sobre tabaco, bebidas destiladas e cassinos.

g) A previdência profi ssional (artigo 113) é obrigatória para os trabalhadores e

complementa a previdência de velhice, sobreviventes e inválidos na manutenção do padrão

de vida habitual. É contratada pelos empregadores junto a instituições de previdência,

podendo ser esta da Confederação, e o seu custeio é partilhado entre os segurados e os

empregadores. Para os profi ssionais liberais a previdência profi ssional pode ser obrigatória

ou facultativa, conforme dispuser a Confederação.

h) A Confederação pode impor aos Cantões a concessão de incentivos fi scais relativos

às instituições responsáveis pela previdência de velhice, sobreviventes e inválidos e pela

previdência profi ssional.

i) A Confederação e os Cantões devem incentivar a previdência privada, através de

medidas de política fi scal e da propriedade.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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j) Além dos três pilares básicos, o sistema previdenciário suíço contempla também

disposições sobre o seguro-desemprego (artigo 114), a assistência aos indigentes (artigo

115), a assistência à família e o seguro-maternidade (artigo 116) e o seguro contra doença

e acidentes (artigo 117).

k) O artigo 196 contém duas disposições transitórias relativas à previdência social: a

obrigação dos Cantões contribuírem para o fi nanciamento de prestações complementares

da previdência de velhice, sobreviventes e inválidos da Confederação, enquanto esta não

cobrir o mínimo vital (parágrafo 10); regra de transição que assegura uma proteção mínima,

pelo período de 10 a 20 anos, aos segurados que pertencem à geração inicial da previdência

profi ssional.

TURQUIA

a) A Constituição turca trata do direito à previdência social nos artigos 60 e 61, com uma

seção inserida no capítulo dos direitos e deveres econômicos e sociais, estes inseridos no

título dos direitos e deveres fundamentais.

b) Todos têm o direito à previdência social, devendo o Estado adotar as providências

necessárias para o seu estabelecimento e organização.

c) É garantida especial proteção pela previdência social às viúvas e órfãos dos mortos

em guerra ou no cumprimento do dever, aos combatentes que tenham se incapacitado na

guerra, aos inválidos em geral, aos idosos e às crianças desamparadas.

ÁFRICA

ÁFRICA DO SUL

a) A Constituição da África do Sul menciona em sua declaração de direitos (bill of rights)

o direito à previdência social no artigo 27, porém sem maior detalhamento.

ANGOLA

a) Em 1992 foi aprovada a Lei de Revisão Constitucional de Angola, que revisou a

Constituição de 1975, prevendo a sua permanência em vigor até a aprovação da nova

Constituição da República de Angola, o que não ocorreu até a presente data.

b) Embora o país permaneça numa situação de miséria, corrupção e desorganização

política e social, o artigo 47 da Lei de Revisão Constitucional prevê que o Estado adote

as medidas necessárias para assegurar aos cidadãos o direito à assistência na infância,

na maternidade, na invalidez, na velhice e em qualquer situação de incapacidade para o

trabalho. È permitida à iniciativa particular e cooperativa no domínio da previdência social.

MOÇAMBIQUE

a) O artigo 95 da Constituição de Moçambique contém a previsão limitada e genérica de

que todos os cidadãos têm direito à assistência em caso de incapacidade e na velhice e de

que o Estado promove e encoraja a criação de condições para a realização desse direito.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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ÁSIA

CHINA

a) O artigo 45 da Constituição chinesa prevê o direito à assistência do Estado e da

sociedade para os idosos, doentes e incapazes. O Estado desenvolverá a previdência social

(social insurance).

b) Trata em especial do sustento dos membros das forças armadas que se tornarem

incapazes e do direito à pensão às suas famílias, quando falecerem.

ÍNDIA

a) A Constituição indiana, em seu artigo 41, prevê o direito à assistência pública (public

assistance) nos casos de desemprego, velhice, doença ou incapacidade.

ISRAEL

a) O Estado de Israel não possui uma Constituição formada por um texto único. Entre

1958 e 2001 foram aprovadas pelo parlamento (Knesset) as suas nove leis fundamentais

(basic laws).

b) Em pesquisa a essas leis fundamentais, em especial na Human Dignity and Liberty

(1992) e na Freedom of Occupation (1994) não foi identifi cada nenhuma previsão relativa ao

direito à previdência social.

JAPÃO

a) O artigo 25 da Constituição japonesa estabelece que o Estado deverá empenhar-se

na promoção e na extensão do bem-estar social, da previdência social e da saúde pública.

OCEANIA

AUSTRÁLIA

a) O artigo 51 da Constituição australiana estabelece a competência do Parlamento

para legislar sobre aposentadoria dos idosos e inválidos (inciso XXIII), bem como benefícios

relativos à maternidade, viúvas, desempregados e doentes (inciso XXIIIa).

b) O artigo 84 contém disposições sobre a responsabilidade fi nanceira da Comunidade

(Commonwealth) e dos Estados, em relação à aposentadoria ou pensão de funcionários

públicos cedidos ou transferidos.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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12. Assistência Social - Critérios e requisitos para a concessão

do benefício de prestação continuada à pessoa portadora de

defi ciência e ao idoso

Tatiane Muncinelli*

INTRODUÇÃO

A partir do momento que se toma conhecimento da necessidade de sustentar-se, também

surge a preocupação com o acaso. Foi este sentimento que fez com que o homem tomasse

medidas de assistência e previdência social, com o intuito de assegurar a seus destinatários

a proteção contra problemas individuais, que passaram a ser enfrentados pela coletividade.

Diante de tal preocupação, o Estado pôde perceber as necessidades de garantia ao

indivíduo, e assim percebeu-se também a necessidade da criação de uma assistência

social.

Destarte, o objetivo deste trabalho é examinar a abrangência, a qualidade e a efi cácia da

assistência social, discutindo os critérios e requisitos aplicados na concessão do benefício

assistencial de prestação continuada.

Para tanto, faz-se necessária uma breve abordagem do histórico da Seguridade Social

no Brasil e no mundo, enfocando, principalmente, a Assistência Social. Deste modo, será

apresentada, no primeiro capítulo, de forma sucinta, a evolução da proteção social desde a

antiguidade até a atual Constituição Federal Brasileira.

O segundo capítulo adentra à Constituição Federal de 1988 e passa a tratar dos direitos

fundamentais sociais, dentre eles o direito à assistência social, que vem intimamente ligado

ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois, para garantir a condição social necessária

a uma vida digna, o Estado através da Constituição Federal, criou a Assistência Social,

garantida nos arts. 203 e 204, os quais garantem ao portador de defi ciência ou idoso que

comprovar não possuir meios de prover sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua

família, a quantia de um salário mínimo mensal, conforme dispõe a lei.

O terceiro capítulo faz uma breve distinção entre previdência social, saúde e assistência

social, enfoque principal deste trabalho de conclusão de curso, tendo, portanto, dedicado

todo quarto capítulo à sua conceituação, e à apresentação dos seus objetivos, princípios,

diretrizes, organização, custeio e algumas das políticas sociais desenvolvidas com programas

e benefícios.

(*)Tatiane Muncinelli, Advogada, trabalho de conclusão de curso no Centro Universitário Curitiba UNICURITIBA, apresentado

em 2008. Publicação autorizada pela autora.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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A Assistência Social representa uma tentativa da sociedade de facilitar, a seus membros

sociais mais fracos, um complemento à insufi ciente satisfação de sua necessidade, buscando,

desta forma, uma oportunidade de se igualar aos demais.

As prestações de assistência social são destinadas aos indivíduos sem condições de prover

o seu próprio sustento de forma permanente ou provisória, independentemente da exigência

de contribuição para o sistema de seguridade social. Inicialmente, a responsabilidade pelo

sustento destas pessoas é do círculo familiar e, somente quando existir a impossibilidade

deste sustento a responsabilidade passa a ser, então, do Poder Público. Portanto, somente

haverá direito às prestações assistenciais se não houver meios próprios ou familiares de

sustento da pessoa portadora de defi ciência ou idosa.

O derradeiro capítulo tem por propósito tratar especifi camente sobre o benefício de

prestação continuada concedido ao idoso ou ao portador de defi ciência, que não possui

meios de prover a sua própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, garantindo a

eles a quantia de um salário mínimo mensal.

A Lei n° 8.742, de 07 de dezembro de 1993, regulamentou o art. 203 da Constituição

Federal, dispondo sobre a organização da Assistência Social. Sendo que, o Decreto n°

1.744, de 08 de dezembro de 1995, regulamenta o benefício de prestação continuada

devido à pessoa portadora de defi ciência e ao idoso, de que trata a lei mencionada.

Assim, a presente monografi a tem por escopo apresentar e discutir os requisitos para a

concessão do benefício assistencial de prestação continuada ao portador de defi ciência e ao

idoso, bem como apresentar dados sobre a Previdência e Assistência Social e demonstrar

o atual posicionamento dos tribunais no que diz respeito à concessão do benefício em

questão.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SEGURIDADE SOCIAL

PROTEÇÃO SOCIAL NA ANTIGÜIDADE

Desde os primórdios, o homem parece demonstrar sua preocupação com o futuro,

principalmente com os riscos sociais a que estava exposto. O princípio da solidariedade

social também sempre esteve presente, uma vez que o homem vivendo em sociedade, muitas

vezes expunha-se ao perigo para proteger um companheiro ou toda a sua comunidade,

como quando um indivíduo arriscava-se a ser contaminado por doenças contagiosas, como

peste negra, somente pela solidariedade de prestar assistência aos que necessitavam. Desta

forma, nasceram medidas de assistência e de previdência social, demonstrando, assim, que

o princípio da solidariedade social estava presente, para assegurar a seus destinatários

a proteção contra alguns riscos, modo por que se perseguia então, mesmo que de forma

gradual e com certo custo, a segurança da vida em sociedade, mesmo porque, os riscos

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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sociais a que estavam expostos, vulnerava a própria sociedade, sempre refl etindo nela

mesma1.

As primeiras manifestações de proteção social aparecem nas sociedades romanas e

gregas da Antigüidade, nas quais se encontram referências às associações de pessoas que,

mediante contribuições de seus membros, ajudavam os mais necessitados2.

Passados alguns séculos, as sociedades romanas e gregas, devido à sua decadência,

deram lugar aos reinos bárbaros e ao feudalismo. Neste período, tem-se o aparecimento das

associações de artesãos, chamadas guildas e das corporações de ofícios. Estas associações

e corporações deram um esboço do que seria a seguridade social, não obstante lhe faltasse

o cunho estatal e a compulsoriedade do seguro social moderno. Entretanto, tais formas de

proteção do trabalhador estavam longe de moldar um sistema apoiado na solidariedade,

pois não eram endereçadas a toda uma classe ou categoria da população, nem mesmo a

uma determinada profi ssão3.

A SEGURIDADE SOCIAL E A REVOLUÇÃO FRANCESA

Até o eclodir da Revolução Francesa, as duas formas, pois, de assistência pública e

de benefi cência, agiam de maneira descompromissada, tentando sempre ajudar os mais

necessitados. Entretanto, haviam naturais oscilações de intensidade e amplitude, pois a

forma de ajuda, normalmente, era ditada pela política de cada governante no momento

em que se encontrava no poder4. Os direitos dos trabalhadores eram apenas aqueles

assegurados pelos seus contratos de trabalho, não havia qualquer intervenção do Estado,

no sentido de assegurar a estes trabalhadores condições mínimas de trabalho5.

Na Idade Moderna, a proteção ao trabalhador era voluntária, e normalmente feita por

aqueles empregadores que se preocupavam com a dignidade da pessoa humana, sendo

que, nestes casos esta proteção era prestada sob a forma de caridade6.

Com o início da Revolução Francesa surgiram grandes manifestações, com greves e

revoltas dos trabalhadores por melhores condições de trabalho e de subsistência. Quando,

então, o Estado começou a se preocupar com a proteção previdenciária do trabalhador, o

que o obrigou a intervir nas relações de trabalho e segurança destes indivíduos7.

Entretanto, a intervenção estatal era mínima, pois nada mais era do que prestar

benefícios assistenciais, ou seja, oferecer pensões pecuniárias e abrigo aos fi nanceiramente

(1) COIMBRA, José dos Reis Feijó. Direito previdenciário brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1996. p. 1-2.

(2) Ibid., p. 2.

(3) COIMBRA, 1996, p. 2-5.

(4) Ibid., p. 6.

(5) CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 5. ed. São Paulo: LTR, 2004. p. 34.

(6) Ibid., p. 36.

(7) Ibid., p. 34.

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carentes8.

Em 1601, foi editada na Inglaterra, pela Rainha Isabel, a Lei dos Pobres (Poor Relief Act

ou Poor Law), a qual foi considerada a primeira lei sobre assistência social. A referida lei

determinava que as paróquias locais desenvolvessem programas para o alívio da miséria.

Tais programas visavam a proteção às crianças pobres, proporcionando, também, trabalho

aos desempregados e, amparo aos idosos e defi cientes. Estes programas eram fi nanciados

através de uma taxa obrigatória que foi instituída por esta lei, objetivando impor a toda

sociedade a responsabilidade pelos cidadãos mais fracos9.

Mas, somente a partir de 1789, com a Declaração de Direito dos Homens e do Cidadão,

o auxílio passou a ser visto, realmente, como uma dívida da sociedade, passando a ser um

direito do cidadão de ser amparado pelo Estado em todas as situações de necessidade,

derivadas de um risco social10.

Sobre o tema, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari dispõe que,

Embora os ideais da Revolução Francesa tivessem identifi cado a existência de uma

dívida social, ainda não havia a efetiva proteção do trabalhador, senão por sua conta

própria, por meio dos seguros privados, ou pela associação de pessoas com esta fi nali-

dade. Somente quando surge a noção de justiça social, a partir da luta dos trabalhadores

por melhores condições de vida, é que o Estado começa a assumir a proteção de direitos

aceitos como sociais, destinando recursos próprios para a concessão de assistência

social e previdência11.

Assim, passou-se a entender que a proteção social era dever de toda a sociedade,

apresentando o caráter de solidariedade presente até hoje, pelo qual, todos contribuem para

que os necessitados de amparo possam tê-lo12.

A SEGURIDADE SOCIAL NO MUNDO

Em que pese a Declaração de Direito dos Homens e do Cidadão ser datada de 1789,

somente em 1883, a Alemanha, por Otto Von Bismarck, adotou o primeiro ordenamento

legal para cobertura obrigatória dos riscos por acidente de trabalho. Neste mesmo ano,

promulgou-se a lei que instituiu o seguro-doença e, em 1889, foi promulgada a lei que criou

o seguro-invalidez e por velhice. Outros países da Europa Ocidental adotaram, na mesma

época, conduta semelhante,13 mas nos demais continentes, somente após a Primeira Guerra

Mundial, houve a aceitação e adoção das mesmas medidas. Desde então, a adoção tornou-

(8) Ibid., p. 36.

(9) HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 5. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.18.

(10) COIMBRA, 1996, p. 6.

(11) CASTRO E LAZZARI, 2004, p. 37.

(12) Ibid., p. 36.

(13) CASTRO E LAZZARI, 2004, p. 37.

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se universal14.

As primeiras Constituições do mundo a inserirem normas a respeito da previdência social

foram, a Constituição Mexicana, em 1917 e a alemã de Weimar, em 1919. A partir destas,

inicia-se o processo de desenvolvimento das regras de seguro social15.

Em 1919, surge com o Tratado de Versailles, a Organização Internacional do Trabalho

(OIT), órgão este que passou a evidenciar a necessidade de um programa sobre previdência

social, que o fez e aprovou em 192116. Em 1927, criou-se, então a Associação Internacional

de Seguridade Social, com sede em Bruxelas, na Bélgica17.

A partir deste período todos os países iniciaram sua caminhada no que diz respeito

à previdência social. E fi nalmente, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do

Homem, inscreveu, entre outros direitos fundamentais da pessoa humana, a proteção

previdenciária18.

Diante de tais manifestações favoráveis à criação de regras de seguro social, pode-

se observar o surgimento da política de bem-estar social, a qual pretende, por via da

intervenção estatal, obter melhores condições de vida aos trabalhadores em geral, mediante

uma legislação que busca, por meio da previdência social, a redistribuição de renda entre as

camadas sociais19.

Desta forma, nasce o regime de repartição, no qual toda a sociedade contribui para a

criação de um fundo único previdenciário. Este modelo de seguro social é o que se têm

hoje na maior parte dos Estados que adotaram alguma forma de proteção ao indivíduo

trabalhador dos chamados riscos sociais, atuando paralelamente às políticas de assistência

social, que visam atender àqueles que se encontram desamparados diante do regime de

seguro social20.

Entretanto, deve-se assinalar que o modelo previdenciário vislumbrado na política do

bem-estar social já está sendo substituído, em alguns países, por outro modelo, cujo principal

fundamento é a poupança individual, sem a centralização dos recursos das contribuições em

órgãos estatais. Alguns países da América Latina, como Chile, Argentina, Peru, Colômbia,

Uruguai, Venezuela, Equador e Bolívia, tem avançado mais que o Brasil na efetivação destes

planos privados. Entretanto, alguns países ainda mantêm a presença estatal em níveis

mínimos, enquanto, outros deixam totalmente ao encargo da iniciativa privada a questão da

poupança previdenciária21.

(14) COIMBRA, 1996, p. 13.

(15) CASTRO E LAZZARI, op. cit., p. 37.

(16) MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 30.

(17) VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Previdência social: custeio e benefícios. São Paulo: LTr, 2005. p. 48.

(18) MARTINS, op. cit., p. 30-31.

(19) CASTRO E LAZZARI, op. cit., p. 38.

(20) CASTRO E LAZZARI, 2004, p. 38.

(21) Ibid., p. 38-39.

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Cabe ressaltar, que a partir do momento em que cada trabalhador faz sua contribuição

individual em poupança própria, e não para um fundo mútuo, desaparece a noção de

solidariedade social22.

A SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA

No Brasil, a assistência social surgiu, no século XVI, através da caridade e do

sentimento cristão, com a fundação, pelo Padre José de Anchieta (1534/1597), da Santa

Casa de Misericórdia, cuja principal fi nalidade era a de prestar atendimento hospitalar aos

necessitados23.

Todavia, a assistência social no Brasil demorou aproximadamente quase três séculos para

ter força normativa, eis que somente em 1824 o assunto foi tratado em uma Constituição24.

A Constituição Imperial de 1824

A Constituição Imperial de 1824, inspirada ainda nos ideais de Liberdade, Igualdade e

Fraternidade, trouxe um único dispositivo que tratava sobre a seguridade social. O art. 179,

inciso XXXI, declarava que a Constituição garantia os socorros públicos25.

Em 1828, foi-se ofi cializada a assistência pública, com a Lei Orgânica dos Municípios26. E,

em 22 de junho de 1835 foi criada a primeira entidade privada a funcionar no país, o Montepio

Geral dos Servidores do Estado (Mongeral). Nesta entidade, pessoas se associavam e iam

se cotizando para a cobertura de eventuais riscos a que estavam expostos, mediante a

repartição dos encargos com todos do grupo27.

Em 1850, surgiu o Código Comercial, o qual dispôs, no art. 79, que no caso de acidentes

imprevistos e inculpados que impeçam o empregado de exercer suas funções, fi ca o

empregador obrigado a manter o pagamento do seu salário por três meses28, tem-se ai um

esboço do que seria mais tarde o auxílio-acidente.

Durante a vigência desta Constituição surgiram, ainda, medidas de proteção aos

empregados públicos. Em 1888, foram criadas as Caixas de Socorro das Estradas de Ferro

(Lei nº 3.397 de 24.11.1888), as quais só benefi ciavam os funcionários públicos daquela

entidade. No ano seguinte, foi criado um fundo de pensão aos empregados dos Correios

(Decreto nº 9.212 de 26.3.1889) e no mesmo ano, o benefício foi concedido aos trabalhadores

das Ofi cinas da Imprensa Régia (Decreto nº 10.269 de 20.7.1889)29 e, posteriormente ao

(22) Ibid., p. 41.

(23) PEREIRA JÚNIOR, Aécio. Evolução histórica da previdência social e os direitos fundamentais. Di-

sponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6881>. Acesso em: 23 ago. 2007.

(24) Ibid., Acesso em: 23 ago. 2007.

(25) COIMBRA, 1996, p. 42.

(26) Ibid., p. 36-37.

(27) MARTINS, 2005, p. 32.

(28) TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 46.

(29) MARTINS, op. cit., p. 32.

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Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro (Lei nº 217, de 29.11.1892)30.

A Constituição Republicana de 1891

A Constituição Republicana de 1891 foi a primeira a adotar a expressão “aposentadoria”

para funcionários públicos no caso de invalidez à serviço da Nação (art. 75), sendo que este

benefício era custeado totalmente pela sociedade, uma vez que os funcionários públicos o

recebiam independentemente de contribuição31.

No art. 7º das Disposições Transitórias desta Constituição, foi estipulado ao Imperador

Dom Pedro, uma pensão vitalícia, a partir de 15 de novembro de 1889, que seria fi xada pelo

Congresso Ordinário32.

Entretanto, a primeira manifestação ofi cial de amparo aos riscos sociais só ocorreu em

1923, com a Lei Eloy Chaves, criada pelo Decreto Legislativo nº 4.682, de 24.1.1923, que

determinou a criação de Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP) para os empregados

das empresas ferroviárias33. Esta Lei, em seu art. 9º, concedia aposentadoria, pensão,

medicamentos com preço especial e socorro médico a estes funcionários34.

Após o surgimento da Lei Eloy Chaves, outras Caixas foram criadas em empresas de

diferentes ramos da atividade econômica. Assim, segundo Sérgio Pinto Martins, em 1923, já

havia 24 Caixas de Aposentadorias e Pensões, que cobriam 22.991 segurados35.

Todavia, pouco a pouco as Caixas de Aposentadorias e Pensões foram sendo substituídas

pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões, tendo como principal diferencial à criação de

institutos especializados, em função da atividade profi ssional de seus segurados36.

Desta forma, a partir de 1930, os Institutos de Aposentadorias e Pensões começaram a

surgiram por categorias, havendo uma tríplice contribuição: do empregado, do empregador

e do governo. Além dos benefícios de aposentadorias e pensões, os institutos prestavam

serviços de saúde, internação hospitalar e atendimento ambulatorial37.

O primeiro Instituto Público de Aposentadoria e Pensão (IAP) a ser criado, foi o IAPM

(Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos), criado pelo Decreto nº 22.872, de 29 de

junho de 1933. Em 1934, o Decreto nº 24.273, de 22 de maio de 1934, criou o IAPC (Instituto

de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários), enquanto que o Decreto nº 24.615, de 07 de

setembro de 134, criava o IAPB (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários). Em

1936, a Lei nº 367, de 31 de dezembro de 1936, criou o IAPI (Instituto de Aposentadoria e

Pensão dos Industriários). E em 1938, foi criado, pelo Decreto-Lei nº 651, de 26 de agosto

(30) COIMBRA, op.cit., p. 38.

(31) MARTINS, 2005, p. 32.

(32) Ibid., p. 32.

(33) TAVARES, 2005, p.46.

(34) MARTINS, op.cit., p. 33.

(35) Ibid., p. 33.

(36) PEREIRA JÚNIOR, Acesso em: 23 ago. 2007.

(37) MARTINS, op. cit., p. 34.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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de 1938, o IAPTEC (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Empregados em Transportes

e Cargas)38.

Este processo de criação dos Institutos avançou até o início dos anos 50, quando

praticamente todas as categorias de trabalhadores já se encontravam cobertas pela

previdência, fi cando excluídos da proteção somente os trabalhadores rurais, as domésticas

e os índios39.

A Constituição de 1934

A partir da Constituição de 1934 foi estabelecida uma forma tríplice de fi nanciamento do

sistema de previdência social: União, empregado e empregador deveriam obrigatoriamente

e com as mesmas alíquotas contribuir para a previdência40.

Para Wagner Balera, “com a Constituição de 1934, a proteção social é um seguro para o

qual contribuem tanto o trabalhador como o empregador e, em igualdade de condições com

essas categorias, o próprio Poder Público”41.

Esta Constituição faz referência pela primeira vez à expressão “previdência”, mas sem

o adjetivo “social”42.

A Constituição de 1934 estabeleceu, ainda, ser competência da União fi xar regras

sobre a assistência social43 e foi a primeira a inscrever o amparo social como obrigação do

Estado44.

Esta Constituição também manteve a competência do Poder Legislativo para instituir

normas sobre aposentadorias e incumbiu, ainda, o legislador de editar medidas que

garantissem: assistência médica ao trabalhador e, à gestante, descanso antes e após o

parto, bem como garantir a previdência social em favor da velhice, da maternidade e nos

casos de acidente de trabalho e de morte45.

A Constituição de 1937

A Constituição de 1937 não evoluiu muito em relação à matéria previdenciária. De novo só

houve a modifi cação na expressão, uma vez que esta nova Constituição adotou a expressão

“seguro social”, em vez de previdência46.

Segundo o autor Alfredo J. Ruprecht, “o seguro social é um instituto mediante o qual os

órgãos que o administram, de natureza pública, procuram prever contingências futuras de

(38) TAVARES, 2005, p. 46.

(39) Ibid., p. 46-47.

(40) MARTINS, 2005, p. 35.

(41) BALERA, Wagner. A seguridade social na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 22.

(42) MARTINS, op. cit., p. 35.

(43) MARTINS, 2005, p. 34.

(44) COIMBRA, 1996, p. 42.

(45) Ibid., p. 42-43.

(46) MARTINS, op. cit., p. 35-36.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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caráter social que afetem seus segurados”47.

Ainda para Ruprecht, embora não se dê solução a todos os problemas decorrentes das

contingências sociais, o seguro social tem sido, e ainda é, um elemento fundamental da

seguridade social. Desta forma, a seguridade social veio para solucionar o problema, uma

vez que os seguros sociais eram por si mesmos insufi cientes. Assim, a seguridade social

implica a aceitação da responsabilidade de toda a sociedade para garantir a segurança

econômica a seus membros, e vem representar uma solidariedade que não signifi ca um

benefício, mas um direito de todos e para todos48.

Na tentativa de unifi car os serviços sociais, em 1945, foi editado o Decreto-lei nº 7.526,

de 07 de maio de 1945, que determinou a criação de um só tipo de instituição de previdência

social, o Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB). Este instituto cobria todos os

empregados ativos a partir de 14 (quatorze) anos, tendo um único plano de contribuições

e benefícios. Diante disso, houve a consolidação de todos os benefícios existentes em um

único fundo. Entretanto, o ISSB não chegou a ser instalado em virtude de desinteresse

político, pois o governo Dutra não lhe cedeu os créditos necessários49.

A Constituição de 1946

Nessa Constituição a expressão “seguro social” é substituída, pela primeira vez, pela

expressão “previdência social”50.

A Constituição de 1946 passou a consagrar a previdência, oferecendo segurança ao

empregado em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da

invalidez e da morte51.

Em que pese a Constituição de 1946 não apresentar importantes alterações previdenciárias,

as normas infraconstitucionais neste período tiveram avanços signifi cativos.

Em 1947, o Deputado Aluízio Alves apresentou um projeto de lei que previa o amparo

social a toda a população. Entretanto, somente após um longo período de tramitação,

em virtude dos estudos realizados foi editada a Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960,

denominada de Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS)52.

A Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), padronizou o sistema assistencial,

ampliando os benefícios e fazendo surgir vários outros, tais como: auxílio-natalidade, auxílio-

funeral e auxílio-reclusão. Esta lei estendeu também a área de assistência social a outras

categorias profi ssionais53.

Nesta época, o Brasil foi considerado como o país que mais concedia proteção (47) RUPRECHT, Alfredo J. Direito da seguridade social. São Paulo: LTr, 1996. p. 34.

(48) Ibid., p. 34-35.

(49) MARTINS, 2005, p. 36.

(50) Ibid., p. 36.

(51) Ibid., p. 36.

(52) COIMBRA, 1996, p. 39-40.

(53) MARTINS, op. cit., p. 37.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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previdenciária a seus trabalhadores, pois haviam dezessete benefícios de caráter obrigatório

neste período54.

Finalmente, em 1966, o Decreto-Lei nº 72, unifi cou os institutos de aposentadorias e

pensões, centralizando a organização previdenciária no Instituto Nacional de Previdência

Social (INPS), que foi implantado em 02 de janeiro de 196755. O INPS tinha a atribuição de

pagar os benefícios em espécie, arrecadar as contribuições e prestar assistência médica56.

A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1, de 1969.

Tanto a Constituição de 1967, quanto a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de

1969, não acrescentaram nada de novo na matéria previdenciária com relação à Constituição

de 1946, os novos dispositivos são praticamente cópias dos dispositivos da Constituição

anterior57.

Entretanto, neste período, algumas leis de suma importância foram editadas. A Lei

Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, institui o Programa de Assistência ao Trabalhador

Rural (Pró-Rural), mesmo não havendo contribuição por parte do trabalhador, este tinha

direito à aposentadoria por velhice, invalidez, pensão e auxílio-funeral, todas no valor de

meio salário mínimo, o que foi alterado pela Lei Complementar nº 16, de 30 de outubro

1973. Em 1972, os empregados domésticos foram incluídos como segurados obrigatórios da

Previdência Social, através da Lei n° 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Em 1974, a Lei nº

6.025, de 25 de junho de 1974, criou o Ministério da Previdência e Assistência Social. Neste

mesmo ano, a Lei nº 6.179, de 11 de dezembro de 1974, criou o amparo previdenciário para

os maiores de 70 (setenta) anos ou inválidos, no valor de meio salário mínimo. Entretanto, o

benefício só era devido a quem tivesse contribuído algum tempo para a Previdência Social

ou exercido, mesmo sem contribuir, atividade vinculada à Previdência58.

Em 1 de julho de 1977, a Lei nº 6.439 criou o Sistema Nacional de Previdência e Assistência

Social (SINPAS), órgão este que tinha como objetivo a reorganização da Previdência Social.

O SINPAS tinha a atribuição de integrar as atividades da previdência social, da assistência

social, da assistência médica e da gestão fi nanceira, patrimonial e administrativa das diversas

entidades ligadas ao Ministério da Previdência e Assistência Social 59. Tal sistema era

composto de três autarquias: INPS, IAPAS e INAMPS; duas fundações: LBA e FUNABEM;

um órgão autônomo: CEME; e uma empresa pública: DATAPREV60.

A Constituição de 1988

A Constituição de 1988, ao contrário das anteriores, foi bastante minuciosa no tratamento (54) HORVATH JÚNIOR, 2005, p. 26.

(55) MARTINS, 2005, p. 36-37.

(56) Ibid., p. 37.

(57) Ibid., p.38.

(58) Ibid., p. 38-39.

(59) MARTINS, 2005, p. 38-39.

(60) TAVARES, 2005, p. 47-48.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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da questão da seguridade social.

O art. 6º da Constituição de 1988, é claro ao dispor que dentre os direitos sociais

encontram-se a saúde, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a

assistência aos desamparados.

Mais adiante, no Título VIII, abriu-se capítulo próprio para a seguridade social (arts. 194

a 204). Nestes dispositivos encontram-se desde o conceito de seguridade social até a forma

básica do custeio e dos benefícios previdenciários alcançados. O capítulo trata, ainda, sobre

a saúde e a assistência social61.

Segundo Miguel Horvath Júnior,

Com a Constituição Federal de 1988 que implantou o sistema de seguridade social,

o Brasil deixou de ser um Estado Providência, que garante apenas proteção aos tra-

balhadores, para ser um Estado de Seguridade Social, que garante proteção universal

à sua população. Este sistema está fundado no conceito que a seguridade social deve

garantir o mínimo social necessário à existência humana digna62.

Em 1990, o Decreto nº 99.350, de 12 de abril de 1990, criou o INSS (Instituto Nacional

do Seguro Social), autarquia federal vinculada ao então Ministério do Trabalho e Previdência

Social, mediante a fusão do IAPAS com o INPS63.

A Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, criou o Plano de Organização e Custeio da

Seguridade Social. Enquanto que a Lei nº 8.213, também de 24 de julho de 1991, instituiu o

Plano de Benefícios da Previdência Social64.

Em 1993, a Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, versou sobre a Lei Orgânica da

Assistência Social – LOAS. Em 08 de dezembro de 1994, foi editado o Decreto nº 1.330, que

assegurou ao portador de defi ciência física e ao idoso de 70 (setenta) anos ou mais o direito

de requerer renda mensal vitalícia.

Em 26 de novembro de 1999, foi editada a Lei nº 9.876, que altera as Leis nº 8.212/91 e

8.213/91 e cria o fator previdenciário65.

A reforma da previdência vem sendo discutida no Congresso Nacional há vários anos.

Assim, a previdência já sofreu importantes alterações, como a Emenda Constitucional nº 20,

de 15 de dezembro de 1998, que alterou os artigos do Título VIII, trazendo várias alterações

ao sistema previdenciário. Entretanto, como ainda tramitam diversos projetos de lei no

Congresso, ainda, devem ocorrer outras importantes alterações66.

(61) CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha. Curso de direito da seguridade social.

2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.12-13.

(62) HORVATH JÚNIOR, 2005, p. 38.

(63) MARTINS, 2005, p. 41.

(64) Ibid., p. 41.

(65) Ibid., p. 41.

(66) Ibid., p. 42.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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Na Câmara dos Deputados tramitam importantes projetos de lei e de emenda à Con-

stituição, dentre eles podemos destacar: a) a Proposta de Emenda à Constituição nº 43,

de 2007, a qual dá nova redação ao §4º, do art. 201, da Constituição Federal para vin-

cular o reajuste dos benefícios previdenciários à salários mínimos, e fi xa em dez salários

mínimo o valor do limite máximo dos benefícios pagos pelo Regime Geral de Previdência

Social; b) o Projeto de Lei nº 7.081, de 2006, o qual dispõe sobre o Estatuto da Criança

e do Adolescente, com vistas a instituir a guarda para fi ns previdenciários; c) e, o Projeto

de Lei nº 6.297, de 2005, o qual inclui na situação jurídica de dependente, para fi ns pre-

videnciários, o companheiro homossexual do segurado67.

DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Segundo Ingo Sarlet, “os direitos fundamentais se aplicam àqueles direitos do ser humano

reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado

Estado”68.

O autor Zeno Simm, citando José Afonso da Silva afi rma que,

Pela expressão direitos fundamentais do homem entendem-se não apenas os princí-

pios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada or-

denamento jurídico, como também, no âmbito do direito positivo, aquelas prerrogativas

e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de

todas as pessoas, sendo fundamentais porque se trata de situações jurídicas sem as

quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive

e da pessoa humana no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas for-

malmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados69.

Os direitos fundamentais, segundo José Afonso da Silva, têm as características de

historicidade, ou seja, têm origem e desenvolvimento histórico como qualquer direito;

inalienabilidade, ou seja, são direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de

conteúdo econômico-patrimonial; imprescritibilidade, ou seja, nunca deixam de ser exigíveis;

e irrenunciabilidade, pois não se renuncia aos direitos fundamentais70.

Ao longo da história, os direitos fundamentais foram evoluindo, deixando de ser uma

forma de defesa do indivíduo contra o Estado para tornar-se uma garantia do cidadão em

(67) CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 08 set. 2007.

(68) SARLET, Ingo Wolfgang. A efi cácia dos direitos fundamentais. 2. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2001. p. 33.

(69) SILVA, José Afonso da. 2002 apud SIMM, Zeno. Os direitos fundamentais e a seguridade social. São Paulo:

LTr, 2005. p. 24.

(70) SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.181.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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face dos outros, dando oportunidade de tratamentos iguais entre todos, o que acabou

tornando os direitos fundamentais os mais importantes e indispensáveis na elaboração

de uma Constituição. Desta forma, os direitos fundamentais passaram a ser incluídos nos

textos constitucionais da maioria dos países, com apenas algumas variações quanto ao seu

número, grau e extensão, passando a ser incluídos não apenas os direitos civis e políticos,

mas também os direitos econômicos, sociais e culturais71.

CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos e garantias fundamentais podem ser classifi cados em três gerações, inspirados

de certa forma na seqüência dada pelo lema da Revolução Francesa – liberdade, igualdade

e fraternidade.

A primeira geração é a dos direitos da liberdade, que surgiram ao longo do século

XVIII, e se referem basicamente aos direitos civis e políticos. Estes direitos têm por titular o

indivíduo, sendo eles oponíveis ao Estado, ou seja, são direitos de resistência ou de oposição

perante o Estado72. Dentre os direitos de primeira geração estão incluídos os direitos à

vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. Ademais, foram incluídos, como

complemento ao direito à liberdade, o direito a liberdade de expressão coletiva, quais sejam

liberdade de expressão, de imprensa, de manifestação, de reunião, de associação, de culto,

de crença, de consciência, de opinião, de locomoção, de residência, bem como os direitos

de participação política, como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva. Também

o direito de igualdade e algumas garantias processuais, como o devido processo legal e o

habeas corpus73.

A segunda geração é a do direito da igualdade, que foram conquistados no curso do

século XIX e início do século XX, tendo como objetivo garantir aos cidadãos os direitos de

primeira geração, e desta forma, são vistos como direitos de caráter positivo, porque se

traduzem numa participação do Estado, devendo ele minimizar as carências individuais74.

Essa geração outorga ao indivíduo direito a prestação social estatal, como assistência social,

saúde, educação e trabalho75. Inclui, ainda, os direitos a segurança social, a proteção contra

o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo férias remuneradas, um padrão de vida que

assegure a saúde e o bem-estar individual e da família, à propriedade intelectual, bem como

as liberdades de escolha profi ssional e de sindicalização76.

Os direitos de terceira geração aparecem no começo do século XX e nada mais são do que

(71) SIMM, Zeno. Os direitos fundamentais e a seguridade social. São Paulo: LTr, 2005. p. 28-29.

(72) BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 562-564.

(73) SARLET, 2001, p. 50-51.

(74) SIMM, op. cit., p. 33.

(75) SARLET, op. cit., p. 51.

(76) DIREITOS HUMANOS. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Direitos_humanos>. Acesso em: 10 set. 2007.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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os direitos da fraternidade ou solidariedade, caracterizando-se como direitos de titularidade

difusa ou coletiva. Incluem o direito à paz, ao desenvolvimento sustentável, à posse comum

do patrimônio comum da humanidade, direito ao meio ambiente, à autodeterminação dos

povos e a qualidade de vida77.

Alguns autores, como Paulo Bonavides, falam, ainda, em uma quarta geração, que é

refl exo da globalização econômica cultural. Para este autor, são direitos de quarta geração,

o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo78.

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

No que diz respeito ao Brasil, a Constituição do Império, datada do ano de 1824, foi

a primeira a tratar de direitos fundamentais, embora na época outro nome fosse adotado.

A Constituição de 1891 manteve o mesmo tratamento. Já a Constituição de 1946 tratou

dos direitos fundamentais em dois capítulos: nacionalidade e cidadania e direito e garantias

individuais. Entretanto, foi na atual Constituição Federal que os direitos fundamentais foram

realmente expandidos.

A Constituição Federal de 1988 é conhecida também como “Constituição-cidadã”,

pois, já no seu Preâmbulo, percebe-se a intenção dos constituintes em instituir um Estado

Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,

a segurança, o bem-estar social, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça79.

A atual Constituição Brasileira inicia, já no Título I, tratando “Dos Princípios Fundamentais”

e logo a seguir, no Título II, trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, o que demonstra

a preocupação do constituinte com a proteção desses direitos80.

Ademais, o constituinte deixou claro a importância dessas normas fundamentais, ao

afi rmar que as normas defi nidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação

imediata, bem como cercou os direitos e garantias individuais com cláusula pétrea, vedando,

assim, qualquer alteração81.

DIREITOS SOCIAIS

Segundo o autor Zeno Simm há divergência de opinião quando a natureza jurídica dos

direitos sociais, alguns autores entendem que a expressão “Direito Social”, num sentido

bastante restrito, deve ser utilizada somente para designar aquele ramo do Direito denominado

“Direito do Trabalho”. Entretanto, há autores que entendem como “Direito Social”, todos

os demais direitos que fossem agregados à vida do trabalhador, como toda a classe dos

(77) SARLET, 2001, p. 53.

(78) BONAVIDES, 2006, p. 570-571.

(79) SIMM, 2005, p. 30.

(80) SIMM, 2005, p. 31.

(81) Ibid., p. 31.

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seguros sociais, a assistência social, à saúde, a educação, o salário-família, o direito ao

lazer, entre outros82.

Ainda, segundo o autor,

Modernamente e cada vez mais, vem sendo empregada a expressão “direitos so-

ciais”, não mais limitada aos direito oriundos de uma relação de emprego, porém, sim,

como algo mais além dos simples e tradicionais direito individuais, correspondendo àqui-

lo que os autores em geral chamam de direitos fundamentais de segunda geração83.

A respeito do tema, o autor Paulo Bonavides afi rma que,

Os direitos sociais fi zeram nascer a consciência de que tão importante quanto salva-

guardar o indivíduo, conforme ocorreria na concepção clássica dos direitos da liberdade,

era proteger a instituição, uma realidade social muito mais rica e aberta à participação

criativa e à valoração da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista,

onde se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densidade dos va-

lores existenciais, aquele que unicamente o social proporciona em toda a plenitude84.

Assim, a idéia dos chamados direitos sociais é conseguir criar uma situação de igualdade

material entre as pessoas, tentando reduzir ao máximo, os desníveis sociais existentes entre

elas e buscando uma situação de equilíbrio, ou, ao menos, eliminar ou suprir as necessidades

mínimas do indivíduo, dando-lhe as condições básicas para uma vida digna85.

Direitos Sociais na Constituição Federal de 1988

No Brasil, a Constituição de 1988 dedicou um capítulo aos chamados “Direitos Sociais”,

trata-se do Capítulo II incluso no Título II. A Constituição aduz expressamente quais são os

direitos sociais no país, pois em seu art. 6º dispõe: “São direitos sociais a educação, a saúde,

o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade

e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”86.

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Constituição Federal adota vários princípios fundamentais, entretanto, um deles merece

destaque, é o que consta do art. 1º, o qual traz, em seu inciso III, como um dos princípios

fundamentais para a sociedade, a dignidade da pessoa humana87.

Ademais, o princípio fundamental da dignidade humana foi ainda reforçado em inúmeras

(82) Ibid., p. 53-54.

(83) Ibid., p. 54.

(84) BONAVIDES, 2006, p. 565.

(85) SIMM, 2005, p. 57.

(86) BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 08 nov. 07.(87) SIMM, op. cit., p. 31.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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outras disposições constitucionais. Pode-se citar como os mais importantes, o art. 170 que

retoma a expressão anteriormente utilizada na Constituição de 1934, dispondo que a ordem

econômica tem, dentre suas fi nalidades, a de assegurar a todos uma existência digna;

o art. 226, §7º, que proclama que o planejamento familiar deve fundar-se nos princípios

da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável e; o art. 227 que impõe à

família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar á criança e ao adolescente o direito

á dignidade88.

A palavra dignidade tem origem latina do termo dignitas, que signifi ca respeitabilidade,

prestígio, consideração, estima, enfi m, indica qualidade daquilo que é digno e merece

respeito ou reverência. Por sua vez, a palavra pessoa, veio da expressão latina per-sonare,

que serve para designar cada um dos seres da espécie humana89.

Cleber Francisco Alves citando José Carlos Vieira de Andrade afi rma que “deve-se

entender o princípio da dignidade da pessoa humana como o princípio fundamental que

está na base do estatuto jurídico dos indivíduos e confere sentido ao conjunto dos preceitos

relativos aos direitos fundamentais”. O autor afi rma ainda, que “esse princípio há de ser

interpretado como referido a cada pessoa (individual), a todas as pessoas sem discriminações

(universal) e a cada homem como ser autônomo (livre)”90.

Assim, podemos afi rmar que outros princípios consagrados e expressos na Constituição

somente tomam força se alinhavados sob a ótica da dignidade da pessoa humana.

Neste sentido, conclui o autor Zeno Simm, afi rmando que,

A dignidade da pessoa humana é o mais importante princípio constitucional e sendo

a vida o mais relevante direito fundamental, a correlação de ambos leva à inarredável

conclusão de que o principal direito do cidadão é o direito a uma vida digna91.

DIREITOS SOCIAIS RELATIVOS À SEGURIDADE SOCIAL

O direito da seguridade social é um direito social. Assim, pode-se entender a seguridade

social como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade

como um todo, destinadas a garantir os direitos relativos à saúde, à previdência social e à

assistência social. Pode-se, ainda dizer, que o direito da seguridade destina-se a assegurar

o mínimo de condição social necessária a uma vida digna, atendendo ao disposto no art. 1º,

III, da Constituição Federal92.

(88) ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: o enfoque da doutrina

social da igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 130.

(89) Ibid., p. 109-111.

(90) Ibid., p. 132.

(91) SIMM, 2005, p. 72.

(92) TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário. 6. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 01.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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DIREITO À SAÚDE

O Direito à Saúde encontra-se previsto nos arts. 196 a 200 da atual Constituição Federal

da República.

De acordo com o art. 196 da Constituição Federal, o direito à saúde pública é um direito

de todos e dever do Estado, garantindo à redução do risco de doenças e de outros agravos

e o acesso igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação93.

Dizem respeito, também à saúde, as ações que se destinam a garantir às pessoas e à

coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.

Segundo José Afonso da Silva, o direito à saúde signifi ca que cada indivíduo tem o

direito a um tratamento médico condigno de acordo com o estado atual da ciência médica,

independentemente de sua condição fi nanceira94.

A saúde pública é um dever do Estado, que através do SUS – Sistema Único de

Saúde, deve ser prestada independentemente de ser o paciente contribuinte ou não da

seguridade95.

O Sistema Único de Saúde deve seguir as seguintes diretrizes, conforme o disposto no

art. 198 da Constituição:

descentralização;a)

atendimento integral; eb)

participação da comunidade.c)

As ações do SUS são, primeiramente, de responsabilidade das instituições públicas, como

hospitais públicos e postos de saúde, mas havendo necessidade, o SUS pode até mesmo

conveniar-se com entes de natureza privada para assistência na forma complementar, mas

que, de qualquer forma, deverá ser gratuita para todos os pacientes, devendo o Estado

remunerar estas entidades de natureza privada96.

O SUS, conforme o disposto na Constituição Federal, art. 198, §1º, será fi nanciado com

recursos provenientes da Seguridade Social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios, além de outras fontes.

Diz respeito também às ações de saúde, conforme o art. 200 da Constituição Federal,

controlar e fi scalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde,

executar as ações de vigilância sanitária, executar as ações de saneamento básico, fi scalizar

e inspecionar alimentos, bebidas e águas para consumo humano, colaborar na proteção

ao meio ambiente e participar do controle e da fi scalização de substâncias e produtos

(93) TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de direito da seguridade social. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 25.

(94) SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 307.

(95) TAVARES, op. cit., p. 16.

(96) TAVARES, 2005, p. 15-16.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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psicoativos, tóxicos e radioativos97.

DIREITO À PREVIDÊNCIA SOCIAL

A previdência social está prevista nos arts. 201 e 202 da atual Constituição Federal.

No Brasil, existem dois sistemas de previdência: o público e o privado. A previdência privada

é um sistema complementar e facultativo de seguro, ou seja, cabe a cada indivíduo optar por

participar ou não deste sistema. No entanto o sistema público, é o que verdadeiramente pode

ser intitulado de social, pois, caracteriza-se por ser mantido por pessoa jurídica de direito

público, é de natureza institucional, é de fi liação compulsória e as contribuições têm natureza

tributária. Este sistema pode ser destinado aos servidores públicos e mantido pelos entes

políticos da Federação, sendo chamado de Regime Próprio de Previdência Social - RPPS,

ou aos trabalhadores da iniciativa privada que faz parte do Regime Geral de Previdência

Social - RGPS, sendo, neste caso, gerido por uma autarquia federal, atualmente o INSS98.

A previdência social, tanto no Regime Geral de Previdência Social como no Regime Próprio

de Previdência Social pode ser conceituada como seguro público, coletivo, compulsório,

mediante contribuição e que visa cobrir os seguintes riscos sociais: incapacidade, idade

avançada, tempo de contribuição, encargos de família, morte e reclusão99.

Assim, podemos constatar que a previdência é direito social de fruição universal para os

que contribuem para o sistema. Ocorrendo um risco social que afaste o trabalhador da sua

atividade laboral, caberá à previdência a manutenção do segurado ou de sua família100.

DIREITO À ASSISTÊNCIA SOCIAL

A assistência social encontra-se prevista na atual Constituição Federal nos arts. 203 e

204.

A assistência social é um benefício de prestações sociais mínimas e gratuitas a cargo

do Estado para dar às pessoas necessitadas condições de uma vida digna. É um direito

social fundamental para o indivíduo, enquanto que para o Estado, é um dever a ser realizado

através de ações que busquem atender às necessidades básicas do cidadão, em situações

críticas da existência humana, tais como a maternidade, infância, adolescência, velhice e

quando portadoras de necessidades especiais101.

As prestações de assistência social são destinadas aos indivíduos sem condições de

prover o seu próprio sustento de forma permanente ou provisória, independentemente da

(97) BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 08 nov. 07.(98) TAVARES, 2005, p. 25-26.

(99) Ibid., p. 29.

(100) Ibid., p. 29.

(101) Ibid., p. 18.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

exigência de contribuição para o sistema de seguridade social. Inicialmente, a responsabilidade

pelo sustento destas pessoas é do círculo familiar e, somente quando existir impossibilidade

deste sustento a responsabilidade passa a ser, então, do Poder Público. Portanto, somente

haverá direito às prestações assistenciais se não houver meios próprios ou familiares de

sustento da pessoa102.

A assistência pode ser prestada mediante pagamento em dinheiro, sendo neste caso,

denominada de benefícios, ou efetivadas com a prestação de serviços ou entrega direta de

bens materiais, como roupas, alimentos ou remédios103.

A assistência social está prevista nos artigos 6º e 203 da Constituição Federal, sendo

regulamentada pela Lei nº 8.742/93 – Lei Orgânica da Assistência Social104.

As Leis nº 8.742/93 e 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) regulamentam dois dos conceitos

indeterminados componentes dos requisitos do benefício de prestação continuada:

consideram idosa a pessoa a partir de 65 anos e defi ne necessidade considerando incapaz

de prover a manutenção da pessoa portadora de defi ciência ou idosa a família cuja renda

mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo105.

ASSISTÊNCIA SOCIAL

CONCEITO

Sérgio Pinto Martins defi ne a assistência social como,

Um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer uma

política social aos hipossufi cientes, por meios de atividades particulares e estatais, visan-

do á concessão de pequenos benefícios e serviços, independentemente de contribuição

por parte do próprio interessado106.

O art. 4º da Lei nº 8.212 de 1991, dispõe que,

A Assistência Social é a política social que provê o atendimento das necessidades

básicas, traduzidas em proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à

velhice e à pessoa portadora de defi ciência, independentemente de contribuição à Se-

guridade Social107.

A Lei nº 8.742, em seu art. 1º, estabelece que,

(102) TAVARES, 2005, p. 18.

(103) Ibid., p. 18.

(104) Ibid., p. 18.

(105) Ibid., p. 18-19.

(106) MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 498.

(107) BRASIL. Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano

de Custeio, e dá outras providências. Diário Ofi cial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 jul.

1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/CCIVIL/LEIS/L8212cons.htm>. Acesso em: 8 nov. 2007.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade

Social não-contributiva, que prevê os mínimos sociais, realizada por meio de um con-

junto integrado de ações da iniciativa pública e da sociedade para garantir o atendimento

às necessidades básicas108.

OBJETIVOS

A Assistência Social tem seus objetivos escritos no art. 203, I a V, da Constituição

Federal. São eles:

a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;I-

o amparo às crianças e adolescentes carentes;II-

a promoção da integração ao mercado de trabalho;III-

a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de defi ciência e a IV-

promoção de sua integração à vida comunitária;

a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora V-

de defi ciência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria

manutenção ou de tê-la provida por sua família109.Estes mesmos objetivos são, também, citados na Lei nº 8.742 de 1993, no art. 2º. O

parágrafo único do mesmo artigo traz, ainda: “A assistência social realiza-se de forma

integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos

sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização

dos direito sociais”110.

PRINCÍPIOS

São princípios da assistência social, segundo o art. 4º da Lei nº 8.742 de 1993:

supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de a)

rentabilidade econômica;

universalização dos direitos sociais, a fi m de tornar o destinatário da ação assistencial b)

alcançável pelas demais políticas públicas;

respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e c)

(108) BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras

providências. Diário Ofi cial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em: <http://www.plan-

alto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8742.htm>. Acesso em: 15 ago. 2007.

(109) BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 08 nov. 2007.(110) BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras

providências. Diário Ofi cial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em: <http://www.plan-

alto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8742.htm>. Acesso em: 15 ago. 2007.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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serviços de qualidade, bem como à conveniência familiar e comunitária, vedando-se qualquer

comprovação vexatória de necessidade;

igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer d)

natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;

divulgação ampla de benefício, serviços, programas e projetos assistenciais, bem e)

como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão. A

assistência social não tem característica universal, pois não atinge a todos111.

DIRETRIZES

Segundo o art. 5º da Lei nº 8.742, a organização da assistência social tem como base

as seguintes diretrizes:

descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os a)

Municípios, com comandos único das ações em cada esfera de governo;

participação da população por meio de organizações representativas, na formulação b)

das políticas e no controle das ações em todos os níveis;

primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social c)

em cada esfera de governo112.

ORGANIZAÇÃO E GESTÃO

Segundo o art. 6º da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993,

As ações na área da assistência social são organizadas em sistema descentralizado

e participativo, constituído pelas entidades e organizações de assistência social, que

articule meios e recursos, além de um conjunto de instâncias deliberativas compostas

pelos diversos setores envolvidos na área113.

No que tange às entidades e organizações de assistência social, as ações deverão

sempre observar as normas expedidas pelo Conselho Nacional de Assistência Social –

CNAS114.7

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, fi xarão suas respectivas políticas

de assistência social, observando os princípios e as diretrizes115.

Os arts. 12, 13, 14 e 15 da Lei Orgânica da Assistência Social, apresentam as competências

(111) BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras

providências. Diário Ofi cial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em: <http://www.plan-

alto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8742.htm>. Acesso em: 15 ago. 2007.

(112) Ibid., Acesso em: 15 ago. 2007.

(113) BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras

providências. Diário Ofi cial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em: <http://www.plan-

alto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8742.htm>. Acesso em: 15 ago. 2007.

(114) MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 500.

(115) Ibid., p. 500.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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que cabe a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, respectivamente. Já o

art. 16, trata do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS e sua competência.

CUSTEIO

O custeio da assistência social é encargo da sociedade, pois será realizado com recursos

do orçamento da seguridade social (art. 204 da Constituição), é um encargo de toda a

sociedade, de forma direta ou indireta, no termos da lei, conforme o disposto no art. 195 da

Constituição da República116.

O fi nanciamento dos benefícios, serviços, programas e projetos estabelecidos pela Lei

nº 8.742 far-se-á com os recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios

e das demais contribuições sociais previstas no art. 195 da Constituição, além daquelas que

compõem o FNAS117.

SERVIÇOS ASSISTENCIAIS

Os serviços assistenciais são as atividades continuadas que pretendem garantir melhores

condições de vida à população e cujas ações são voltadas para as necessidades básicas,

estando em conformidade com os objetivos, princípios e diretrizes da Assistência Social118.

Segundo o art. 23 da Lei nº 8.742 de 1993, deverão ser criados programas de proteção,

às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social, bem como de amparo às

pessoas que vivem nas ruas119.

Os serviços podem ser divididos em: “serviço social” e “habilitação e reabilitação

profi ssional”.

Serviço Social

O serviço social tem como objetivo, prestar ao benefi ciário, orientação e apoio nos

problemas pessoais e familiares, bem como visa, ainda, à melhoria da sua inter-relação com

a Previdência Social, celebrando convênios, acordos e credenciamentos destes benefi ciários.

Os serviços sociais prestados aos benefi ciários objetivam também esclarecê-los de seus

direitos sociais e os meios de exercê-los, facilitando o acesso aos benefícios e aos serviços

do sistema120.

A ação profi ssional consiste na prestação de informações, acesso à documentação para

habilitação, concessão de recursos materiais, encaminhamento a recursos sociais e até

(116) MARTINS, 2005, p. 504.

(117) Ibid., p. 504.

(118) Ibid., p. 505.

(119) BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras

providências. Diário Ofi cial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em: <http://www.plan-

alto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8742.htm>. Acesso em: 15 ago. 2007.

(120) MARTINS, 2005, p. 505.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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mesmo assistência de natureza jurídica121.

O serviço social é fundamental, pois grande parte da população desconhece seus direitos

e deveres em relação à Previdência Social, e muitas vezes, as pessoas acabam fi cando

horas nas fi las dos Postos de Atendimento da Previdência para depois descobrir que falta

algum documento ou que o benefício poderia ser requerido através da internet122.

Habilitação e Reabilitação Profi ssional

Habilitação é o procedimento oferecido às pessoas que têm certas limitações de

nascença, para que estas possam qualifi car-se para exercer uma atividade laborativa.

Enquanto que, a reabilitação é o procedimento oferecido às pessoas portadoras de alguma

defi ciência em virtude de acidente, para que estas possam voltar a exercer algum tipo de

atividade laborativa. Este processo, também tem por objetivo preparar o acidentado para o

exercício de outra função123.

A habilitação e a reabilitação profi ssional pretendem proporcionar aos benefi ciários

incapacitados, seja parcial ou totalmente para o trabalho, e aos portadores de algum tipo de

defi ciência, os meios para reeducação e readaptação profi ssional e também social. Estes

serviços profi ssionais serão devidos aos segurados em caráter obrigatório, sendo que, os

aposentados também terão direito a este processo124.

O processo de reabilitação profi ssional será realizado por meio de fases básicas,

simultâneas ou sucessivas, compreendendo avaliações fi siológicas, psicológicas e sócio-

profi ssionais, bem como a recuperação, readaptação e habilitação para o desempenho de

atividade que garanta a subsistência do reabilitado125.

A reabilitação profi ssional compreende:

a) o fornecimento de aparelho de prótese, órtese e instrumento de auxílio de locomoção

quando a perda ou redução de capacidade funcional puder ser atenuada por seu uso, e dos

equipamentos necessários à habilitação e reabilitação social e profi ssional;

b) a reparação ou a substituição dos aparelhos mencionados anteriormente, desgastados

pelo uso normal ou por ocorrência estranha à vontade do benefi ciário;

c) o transporte do acidentado do trabalho, quando necessário126.

Ao término do processo de reabilitação profi ssional, o INSS deverá emitir um certifi cado

individual, indicando a função para a qual o reabilitado foi capacitado profi ssionalmente, sem

prejuízo do exercício de outra função para a qual se julgue capacitado127.

Entretanto, o sistema encontra-se defi ciente, o que acaba impossibilitando o cumprimento (121) Ibid., p. 505.

(122) TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de direito da seguridade social. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 352.

(123) MARTINS, op. cit., p. 506.

(124) Ibid., p. 506.

(125) MARTINS, 2005, p. 506.

(126) Ibid., p. 506.

(127) Ibid., p. 506-507.

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do objetivo fi xado.

Sobre o assunto o autor Augusto Massayuki Tsutiya afi rma que,

A bem da verdade, os CRPs (Centros de Reabilitação Profi ssional), com honrosas

exceções, estão há muito falidos. Funcionam devido ao concurso de abnegados servi-

dores do INSS, que se dedicam integralmente à recuperação e reinserção dos trabalha-

dores acidentados no mercado de trabalho128.

Assim, o que se pode notar é que os Centros de Reabilitação Profi ssional não cumprem

os seus objetivos e o art. 93 da Lei nº 8.213/91 passa a ser descumprido quase que na sua

totalidade, pois falta verba, mas principalmente faltam oportunidades aos trabalhadores para

se integrar ou reintegrar ao mercado de trabalho129.

PROGRAMAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Os programas de assistência compreendem ações integradas e complementares com

objetivos, tempo e áreas de abrangência defi nidos para qualifi car, incentivar e melhorar os

benefícios e os serviços assistenciais. Estes programas serão defi nidos pelos Conselhos de

Assistência Social, e deverão priorizar a inserção profi ssional e social do indivíduo130.

Os programas assistenciais são ofertados na forma de benefícios e serviços. Os benefícios

são prestações pecuniárias, enquanto que os serviços são prestações não-pecuniárias que

visam garantir melhores condições de inserção do indivíduo na sociedade e no ambiente

profi ssional131.

Observa-se que estes programas assistenciais são aqueles que contam apenas com a

ajuda e o custeio da União, pois, ainda há muitos outros programas de responsabilidade de

Organizações Não-Governamentais (ONG’s), uma vez que o Estado não consegue cumprir

sua função e abranger a todos os necessitados.

BENEFÍCIOS

Os benefícios assistenciais compreendem benefícios eventuais e benefícios de

prestação continuada. Os benefícios eventuais incluem: auxílio-natalidade e auxílio-funeral.

Enquanto que os benefícios de prestação continuada, ou também chamados de benefícios

permanentes, incluem: bolsa-alimentação; bolsa-escola; auxílio-gás; bolsa-família, além do

próprio benefício denominado de benefício de prestação continuada.

Benefícios Eventuais

O auxílio-natalidade e o auxílio-funeral foram instituídos pela Lei nº 3.807 de 1960.

(128) TSUTIYA, Augusto Massayuki. Curso de direito da seguridade social. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 354.

(129) Ibid., p. 354.

(130) MARTINS, 2005, p. 512.

(131) TSUTIYA, 2007, p. 426.

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Entretanto, foram extintos com a implantação dos benefícios previstos na Lei nº 8.742 de

1993.

O auxílio-natalidade era devido à segurada gestante ou ao segurado pelo parto de

sua esposa ou companheira não segurada. O segurado ou a segurada deveria contar

com no mínimo 12 (doze) contribuições mensais e sua remuneração mensal deveria ser

igual ou inferior a Cr$51.000,00. O benefício era devido no valor de uma parcela única de

Cr$5.000,00. Já o auxílio-funeral era devido por morte do segurado com rendimento mensal

igual ou inferior a Cr$51.000,00. O benefício era pago ao executor do funeral, em valor não

excedente a Cr$17.000,00132.

Em 1993, a Lei nº 8.742, em seu art. 22, passou a tratar de benefícios eventuais, os

quais visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte às famílias cuja renda mensal

per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, absorvendo os antigos auxílio-

natalidade e auxílio-funeral. Assim, esses últimos benefícios perderam sua efi cácia a partir

de 1º de janeiro de 1996, sendo revogados pelo art. 15 da Lei nº 9.528 de 1997133.

Poderão, ainda, ser estabelecidos outros benefícios eventuais, desde que estes benefícios

visem atender a necessidades oriundas de situações de vulnerabilidade temporária, com

prioridade para as crianças, às famílias, os idosos, às pessoas portadoras de defi ciência, às

gestantes, bem como, nos casos de calamidade pública134.

Benefícios Permanentes

Bolsa-alimentação

Instituído pela Medida Provisória n° 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, o Programa

Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação - destina-se à promoção

das condições de saúde e nutrição de gestantes, nutrizes e crianças de 6 (seis) meses a 6

(seis) anos e 11 (onze) meses de idade, que pertençam a famílias com renda per capita inferior

ao valor fi xado nacionalmente em ato do Poder Executivo para cada exercício fi nanceiro,

objetivando a complementação da renda familiar para melhoria da alimentação135.

O programa concederá um auxílio no valor de R$ 15,00 (quinze reais) por benefi ciário,

até o limite de R$ 45,00 (quarenta e cinco reais) por família benefi ciada. Estes valores podem

ser alterados pelo Poder Executivo de acordo com as disponibilidades orçamentárias, tendo

duração de 6 (seis) meses, que ainda podem ser prorrogados por igual período caso o

benefi ciário se mantenha em condições de pobreza e cumpra determinados compromissos

de manutenção da saúde, entre eles a efetivação de consultas pré-natal, vacinação regular

do recém-nascido, estimulação do desenvolvimento físico e psicológico da criança, estando,

(132) MARTINS, 2005, p. 511.

(133) Ibid., p. 511.

(134) Ibid., p. 511-512.

(135) TSUTIYA, 2007, p. 427.

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além disso, a receber orientações sobre cuidados com alimentação e nutrição136.

Bolsa-escola

A Lei nº 10.219, de 11 de abril de 2001, criou o programa bolsa-escola, o qual foi

regulamentado pelo Decreto nº 3.823, de 28 de maio de 2001. O programa bolsa-escola

destina-se às famílias com renda familiar per capita inferior ao valor fi xado nacionalmente

em ato do Poder Executivo para cada exercício e que possuam sob sua responsabilidade

crianças com idade entre 6 (seis) e 15 (quinze) anos, matriculadas em estabelecimento de

ensino fundamental regular, com freqüência escolar igual ou superior a 85% (oitenta e cinco

por cento)137.

A participação da União no programa compreenderá no pagamento, diretamente à

família benefi ciária, do valor mensal de R$ 15,00 (quinze reais) por criança que atenda aos

requisitos, até o limite máximo de três crianças por família138.

Auxílio-gás

O auxílio-gás foi criado pela Medida Provisória nº 18, de 28 de dezembro de 2001, que

se converteu na Lei nº 10.453, de 13 de maio de 2002, e foi regulamentado pelo Decreto nº

4.102, de 24 de janeiro de 2002. O programa destina-se a subsidiar o preço do gás liquefeito

de petróleo às famílias de baixa renda139.

O programa atende às famílias que possuem renda mensal per capita máxima equivalente

a meio salário mínimo, que sejam integrantes do Cadastramento Único para Programas

Sociais do Governo Federal e que sejam benefi ciárias do programa bolsa-escola ou bolsa-

alimentação, ou cadastradas como potenciais benefi ciárias desses programas140.

Incumbe ao Poder executivo defi nir o valor mensal do benefício por família, atualmente

fi xou-se o valor de R$ 7,50 (sete reais e cinqüenta centavos), pagos bimestralmente à mãe

ou responsável pela família141.

Bolsa-família

O programa bolsa-família foi criado pela Lei nº 10.832, de 9 de janeiro de 2004. Tal

programa unifi cou todos os benefícios sociais (bolsa-escola, bolsa-alimentação, cartão-

alimentação e auxílio-gás) do governo federal num único programa, com o objetivo de

combater a miséria e a exclusão social sem burocracia142.

O benefício é destinado às famílias que se encontrem em situação de extrema pobreza,

caracterizadas como aquelas que têm renda familiar per capita de até R$ 50,00 (cinqüenta

reais), casos em que será concedido um benefício mensal de R$ 50,00 (cinqüenta reais) (136) Ibid., p. 428.

(137) Ibid., p. 430.

(138) TSUTIYA, 2007, p. 431.

(139) Ibid., p. 431-432.

(140) Ibid., p. 432.

(141) Ibid., p. 432.

(142) TSUTIYA, 2007, p. 432.

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mensais; e ainda, é destinado às famílias que se encontrem em situação de pobreza e

extrema pobreza e que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças entre zero

e 12 (doze) anos ou adolescentes em fase escolar até 15 (quinze) anos, sendo neste caso,

concedido um benefício mensal de R$ 15,00 (quinze reais) por benefi ciário, até o limite de

R$ 45,00 (quarenta e cinco reais) por família, e será concedido a família com renda per

capita de até R$ 100,00 (cem reais)143.

A concessão dos benefícios dependerá do cumprimento de condicionalidade relativas

ao exame pré-natal, ao acompanhamento nutricional, ao acompanhamento de saúde,

e à freqüência escolar de 85% (oitenta e cinco por cento) em estabelecimento de ensino

regular144.

Benefício de prestação continuada

A Lei nº 6.179 de 1974 instituiu a renda mensal vitalícia, tendo na época o nome de

“amparo previdenciário”. Quando esta espécie de benefício foi instituída, correspondia à,

apenas, metade do salário mínimo145.

O amparo previdenciário era concedido ao maior de 70 (setenta) anos ou à pessoa,

defi nitivamente incapacitada para o trabalho, que não exercesse atividade remunerada ou

tivesse rendimento superior ao valor da renda mensal de 60% (sessenta por cento) do valor

do salário mínimo146.

A renda mensal vitalícia é uma prestação de assistência social prevista no inciso V,

do art. 203, da Constituição. Tal artigo dispõe sobre a garantia de um salário mínimo de

benefício mensal à pessoa portadora de defi ciência e ao idoso que comprovar não possuir

meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida, por sua família, nos termos da lei.

O valor do benefício era de um salário mínimo, sendo vedada sua cumulação com qualquer

espécie de benefício do Regime Geral de Previdência Social ou de outro regime147.

A renda mensal vitalícia continuaria integrando o elenco de benefícios da Previdência

Social, até que fosse regulamentado o inciso V do art. 203 da Constituição, é o que dispõe

o art. 139 da Lei nº 8.213148.

Entretanto, o art. 139 da Lei nº 8.213, perdeu efi cácia a partir de 1 de janeiro de 1996,

quando houve a implantação do benefício de prestação continuada, previsto nos arts. 20 e

21 da Lei nº 8.742, e regulamentado pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995. O

art. 40 da referida lei afi rmava que com a implantação do benefício de prestação continuada

(143) Ibid., p. 432.

(144) Ibid., p. 434.

(145) MARTINS, 2005, p. 508.

(146) Ibid., p. 508.

(147) MARTINS, 2005, p. 508.

(148) Ibid., p. 508.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

fi cava extinta a renda mensal vitalícia149.

BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

CONCEITO

O art. 20 da Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, dispõe que,

O benefi cio de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal

à pessoa portadora de defi ciência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que com-

provem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por

sua família150.

Desta forma, o benefício de prestação continuada nada mais é do que uma tentativa

de amenizar a vida das pessoas portadoras de defi ciência e dos idosos, proporcionando

ao defi ciente ou idoso uma renda fi xa que lhe assegure melhores condições para uma vida

digna.

CRITÉRIOS E REQUISITOS PARA A OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO

Pessoa Idosa

Atualmente, a expectativa de vida da população brasileira vem aumentando, o que

exige do Estado e da sociedade em geral, providências efetivas para a garantia dos direitos

fundamentais das pessoas idosas151.

No início do século XX a expectativa de vida da população brasileira era apenas de

33 (trinta e três) anos. Assim, o número de pessoas idosas era pequeno e a velhice não

era tratada como uma questão social relevante. Entretanto, com o aumento da expectativa

de vida da população, que hoje já se aproxima dos 70 (setenta) anos, e a conseqüente

organização dos idosos, que passaram a lutar por seus direitos, a questão do envelhecimento

transformou-se em questão pública152.

A Constituição Federal traz em seu art. 3º, inciso IV, como um dos objetivos fundamentais

da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,

raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Assim, podemos perceber

que a faixa etária também tem relevo constitucional153.

(149) Ibid., p. 508.

(150) BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras

providências. Diário Ofi cial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em: <http://www.plan-

alto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8742.htm>. Acesso em: 15 ago. 2007.

(151) RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. O Estatuto do Idoso (primeiras notas para um debate). Disponível em: <http://

www.direitodoidoso.com.br>. Acesso em: 21 jun. 2007.

(152) RAMOS, Acesso em: 21 jun. 2007.

(153) FERREIRA, Vandir da Silva; BONFÁ, Sandra Julião. Direito dos Idosos. Disponível em: <http://www.direitodoi-

doso.com.br>. Acesso em: 21 jun. 2007.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

F U N D A Ç Ã OANFIP

Para o idoso que não é assegurado da Previdência Social, a Carta Magna, assegura,

ainda, em seu art. 203, inciso V, a prestação de assistência social, na forma de um salário

mínimo mensal ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção

ou tê-la provida por sua família154.

Em conseqüência a este artigo foi promulgada a Lei nº 8.742 de 1993, que assegura no

seu art. 20, a assistência social à velhice, regulando o benefício de prestação continuada,

que consiste na garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de defi ciência

e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a

própria manutenção e nem tê-la provida por sua família155.

A partir de janeiro de 1998, a idade mínima para receber o benefício de prestação

continuada foi reduzida de 70 (setenta) para 67 (sessenta e sete) anos. E, em 2003, o art. 34

da Lei nº 10.741 (Estatuto do Idoso), dispôs que,

Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para

prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício

mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social –

Loas156.

Desta forma, atualmente, para fi ns de concessão do benefício assistencial, idoso é

aquele que possui 65 (sessenta e cinco) anos ou mais.

Pessoa Portadora de Defi ciência

Tal qual a pessoa idosa, à pessoa portadora de defi ciência também tem garantias

constitucionais, não devendo sofrer preconceitos ou qualquer tipo de discriminação.

A Constituição Federal, em seu art. 23, inciso II, afi rma ser competência comum da

União, Estados, Municípios e Distrito Federal a responsabilidade de cuidar da saúde e da

assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de defi ciência157.

O art. 203, incisos IV e V, trazem, ainda que, a assistência social será prestada a quem

dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, com o objetivo

de habilitar ou reabilitar às pessoas portadoras de defi ciência e promover sua integração à

vida comunitária, garantindo um salário mínimo às pessoas portadoras de defi ciência que

comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua

família158.

(154) Ibid., Acesso em: 21 jun. 2007.

(155) Ibid., Acesso em: 21 jun. 2007.

(156) BRASIL. Lei n. 10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário

Ofi cial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 out. 2003. Disponível em: <http://www010.dataprev.gov.br/

sislex/paginas/42/2003/10741.htm>. Acesso em: 13 out. 2007.

(157) CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. O portador de defi ciência no mercado formal de trabalho. Disponível

em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2132>. Acesso em: 21 jun. 2007.

(158) Ibid., Acesso em: 21 jun. 2007.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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Em conformidade com tal artigo, foi editada a Lei Orgânica da Assistência Social, a qual

dispõe que o benefício de prestação continuada é devido à pessoa portadora de defi ciência,

que consoante o disposto no art. 20, §2º, da Lei nº 8.742 de 1993, é “(...) aquela incapacitada

para a vida independente e para o trabalho”159. Ademais, o Decreto nº 1.744, de 8 de

dezembro de 1995, em seu art. 2º, inciso II, dispõe que, “pessoa portadora de defi ciência

é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho em razão de anomalias

ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que impeçam o

desempenho das atividades da vida diária e do trabalho”160.

Entretanto, o autor Marcos César Botelho, citando Luiz Alberto David Araújo, afi rma

que,

O que defi ne a pessoa portadora de defi ciência não é a falta de um membro nem

a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de defi ciência é a

difi culdade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de difi culdade de se

relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de difi culdade para a integração social é

que defi nirá quem é ou não portadora de defi ciência161.

Assim, segundo a autora Melissa Folmann, a legislação que mais se aproxima da

concepção de defi ciência a ser acolhida é o Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, o

qual, em seu art. 3º, inciso I, defi ne defi ciência como sendo, “toda perda ou anormalidade de

uma estrutura ou função psicológica, fi siológica ou anatômica que gere incapacidade para o

desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”162.

Ademais, não se pode exigir que seja a pessoa incapacidade para o trabalho e para a vida

independente, uma vez que o art. 203, inciso V, da Constituição Federal não faz exigência

da cumulatividade imposta infraconstitucionalmente. Este também é o entendimento da

maior parte da jurisprudência, pois acolher posicionamento contrário, ainda nas palavras

de Melissa Folmann, “é deixar o cidadão que já possui problemas de inserção social, mais

afastado ainda do dito Estado Social de Direito”163.

Insta, ainda, ressaltar que, se a incapacidade para o trabalho não for considerada por

si só sufi ciente para fi ns de concessão do benefício assistencial, haverá portadores de

(159) BOTELHO, Marcos César. O benefício assistencial de prestação continuada. Disponível em: <http://jus2.uol.com.

br/doutrina/texto.asp?id=4654>. Acesso em: 21 jun. 2007.

(160) BRASIL. Decreto n. 1.744, de 8 de dezembro de 1995. Regulamenta o benefício de prestação continuada

devido à pessoa portadora de defi ciência e ao idoso, de que trata a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993,

e dá outras providências. Diário Ofi cial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1995.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/Antigos/D1744.htm>. Acesso em: 21 jun. 2007.

(161) BOTELHO, Acesso em: 21 jun. 2007.

(162) FOLMANN, Melissa. O Benefício de Assistência Social Previsto na CF/88, Art. 203, V, à Luz do Direito e da Socie-

dade, pp. 365-385. In: ROCHA, Daniel Machado da; SAVARIS, José Antônio (Coords.). Curso de especialização em direito

previdenciário. Curitiba: Juruá, 2006. v.2. p. 374.

(163) FOLMANN, 2006, p. 375.

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defi ciência sem qualquer proteção da Seguridade Social, pois sua incapacidade laboral os

impedirá de fi liarem-se à Previdência Social, enquanto que o critério restritivo lhes retirará a

proteção da assistência social164.

Neste sentido, vale destacar as seguintes decisões,

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 20, § 2º

DA LEI 8.742/93. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO

E PARA PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO OU DE TÊ-LO PROVIDO PELA FAMÍLIA.

LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A CAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE

BASEADO APENAS NAS ATIVIDADES ROTINEIRAS DO SER HUMANO. IMPRO-

PRIEDADE DO ÓBICE À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.

I - A pessoa portadora do vírus HIV, que necessita de cuidados freqüentes de médico

e psicólogo e que se encontra incapacitada, tanto para o trabalho, quanto de prover o

seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família - tem direito à percepção do

benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, ainda que haja

laudo médico-pericial atestando a capacidade para a vida independente.

II - O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capaci-

dade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da

ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a

percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente,

o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de defi ciência

tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece

ser o intuito do legislador.

III - Recurso desprovido165. (Grifos meus)

PREVIDENCIÁRIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PRE-

VISTO NO ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITOS. INCAPACI-

DADE LABORAL E PARA A VIDA INDEPENDENTE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 20

DA LEI 8742/93 CONFORME A CONSTITUIÇÃO.

(...)

3. A Constituição Federal exige apenas dois requisitos no tocante ao benefício

assistencial de que trata o art. 203, V: (a) condição de defi ciente (pessoa portadora

(164) MORO, Sergio Fernando. Questões controvertidas sobre o benefício da assistência social, pp. 143-160. In:

ROCHA, Daniel Machado da (Coord.). Temas Atuais de Direito Previdenciário e Assistência Social. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2003. p. 156.

(165) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 360.202. Quinta Turma. Rel. Min. Gilson Dipp. DJ, 1

jul. 2002. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp? newsession=yes&tipo_ visualizacao=RESUMO&b

=ACOR&livre=360202>. Acesso em: 8 nov. 2007

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de defi ciência) ou idoso e (b) situação de desamparo (não possuir meios de prover

à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família). Ou seja, buscou a norma

constitucional garantir o benefício assistencial a toda pessoa portadora de defi ciência

que não possuísse mínimas condições econômicas de subsistência, próprias ou de sua

família.

4. A exigência, para a percepção do benefício, de ser a pessoa incapaz para a

vida independente, se entendida como incapacidade para todos os atos da vida,

não se encontra na Constituição. Ao contrário, tal exigência contraria o sentido da nor-

ma constitucional, seja considerada em si, seja em sintonia com o princípio da dignidade

da pessoa humana (CF, art. 1º, III), ao objetivo da assistência social de universalidade

da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único, I) e à ampla garantia de

prestação da assistência social (CF, art. 203, caput). Se aquela fosse a interpretação

para a locução incapacitada para a vida independente, constante no art. 20 § 2º, da Lei

8.742/93, o legislador teria esvaziado indevidamente o conteúdo material do direito fun-

damental da pessoa portadora de defi ciência, deixando fora do seu âmbito uma ampla

gama de pessoas portadoras de defi ciência incapacitante para o trabalho, e, em conse-

qüência, incorreria em inconstitucionalidade.

5. Segundo o princípio da interpretação conforme a Constituição - que tem suas

raízes no princípio da unidade da ordem jurídica - nenhuma lei deve ser declarada incon-

stitucional quando ela pode ser interpretada em consonância com a Constituição.

6. O art. 203, V, da Constituição, naquilo que é objeto desta ação, refere-se a duas

hipóteses: a) pessoa portadora de defi ciência que comprove não possuir meios de prov-

er à própria manutenção (primeira hipótese); b) pessoa portadora de defi ciência que

comprove que sua família não pode prover à sua manutenção (segunda hipótese). O § 3º

do art. 20 da Lei 8.742/93 diz respeito à segunda hipótese, centrada na incapacidade da

família de prover a manutenção da pessoa portadora de defi ciência. O § 2º do art. 20 da

Lei 8.742/93, por sua vez, diz respeito à primeira hipótese, centrada na incapacidade da

pessoa portadora de defi ciência de prover à própria manutenção, que se traduz em uma

incapacidade para o trabalho e em uma incapacidade econômica de prover à própria

manutenção por outros meios. Esta incapacidade de prover à própria manutenção

por outros meios (que não o trabalho) foi denominada pela lei de incapacidade

para a vida independente. De forma que a incapacidade para a vida independente,

para coadunar-se com o conteúdo da norma constitucional, deve ser interpretada

não no sentido de incapacidade para a prática de todos os atos da vida, mas no

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sentido de incapacidade para prover à própria manutenção por meios diferentes

do trabalho (pois a incapacidade para o trabalho encontra-se referida expressa-

mente). A pessoa não está capacitada para a vida independente porque não possui

condições econômicas para prover à própria manutenção.

(...)166. (Grifos meus)

Assim, pode-se conceituar a pessoa portadora de defi ciência, para os efeitos de concessão

do benefício assistencial previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988,

a pessoa que apresentar difi culdades de inserção na sociedade por razões psicológicas,

fi siológicas ou anatômicas. Não devendo ser levado em consideração se esta difi culdade

repercute no trabalho ou na vida diária do individuo167.

No caso de crianças e adolescentes até seus 16 (dezesseis) anos, eles não podem ser

considerados incapazes para a vida totalmente independente ou para o trabalho. Assim, por

determinação do Ministério Público Federal, na perícia-médica do menor de 16 (dezesseis)

anos de idade, deverá apenas ser verifi cado se a defi ciência se encontra amparada nas

defi nições legais já existentes, pois a incapacidade para o trabalho e para a vida independente,

em face da tenra idade, deve ser presumida168.

Conceito de Família

A Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, no seu art. 20, §1º, remete a defi nição do

conceito de família ao art. 16 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991.

Assim, entende-se por família o conjunto de pessoas que vivem sob o mesmo teto. Além

disso, família, para os efeitos da Lei nº 8.742 de 1993, compreende, o cônjuge, companheira

ou companheiro, o fi lho menor de 21 (vinte um) anos ou inválido, os pais e os irmãos menores

de 21 (vinte um) anos ou inválidos. Ainda, conforme o disposto no §2º, do art. 16, da Lei nº

8.213 de 1991, o enteado e o menor tutelado equiparam-se a fi lho169.

Entretanto, este critério gera discussão nos tribunais, pois não são raras as situações em

que o idoso ou defi ciente resida com pessoas que para fi ns da Lei nº 8.742, não compõem

o grupo familiar, mas que, contribuem signifi cativamente para o sustento da família que vive

sob o mesmo teto. Nestes casos, há entendimentos que aplicam objetivamente o rol defi nido

pelo §1º, desconsiderando toda e qualquer renda das pessoas que não pertencem ao grupo

familiar, ou ainda, há entendimentos que consideram toda e qualquer renda que contribua

para o sustento do benefi ciário, independentemente de sua origem.

Ademais, o conceito de família previsto na Lei nº 8.742 de 1993, deve ser analisado em (166) BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4º Região. Apelação Cível nº 2000.71.05.000637-3. Quinta Turma. Rel.

Celso Kipper. DJ, 12 mar. 2003. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br/trf4/ jurisjud/pesquisa. php>. Acesso em: 8 nov.

2007.

(167) FOLMANN, 2006, p. 376.

(168) VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Previdência social: custeio e benefícios. São Paulo: LTr, 2005. p. 687.

(169) BOTELHO, Acesso em: 21 jun. 2007.

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cada caso concreto, tendo em vista o dever de solidariedade familiar prevista nos arts. 229 e

230 da Constituição Federal e dos arts. 1.694 e seguintes do Código Civil170. Pois, somente

quando a família não possuir condições fi nanceiras de prover o sustento do idoso ou do

defi ciente, é que recai ao Poder Publico, no âmbito da Assistência Social, este encargo.

Assim, como se nota pela ementa a seguir, cabe ação de alimentos proposta pelos pais

idosos contra os fi lhos.

Direito civil e processo civil. Ação de alimentos proposta pelos pais idosos em

face de um dos fi lhos. Chamamento da outra fi lha para integrar a lide. Defi nição da

natureza solidária da obrigação de prestar alimentos à luz do Estatuto do Idoso. - A

doutrina é uníssona, sob o prisma do Código Civil, em afi rmar que o dever de prestar

alimentos recíprocos entre pais e fi lhos não tem natureza solidária, porque é conjunta. -

A Lei 10.741/2003, atribuiu natureza solidária à obrigação de prestar alimentos quando

os credores forem idosos, que por força da sua natureza especial prevalece sobre as

disposições específi cas do Código Civil. - O Estatuto do Idoso, cumprindo política pública

(art. 3º), assegura celeridade no processo, impedindo intervenção de outros eventuais

devedores de alimentos. - A solidariedade da obrigação alimentar devida ao idoso lhe

garante a opção entre os prestadores (art. 12). Recurso especial não conhecido171. *(Gri-

fos meus).

Pagamento do Benefício a mais de um Membro da Mesma Família

Dois membros da mesma família podem receber o benefício, desde que fi quem

comprovadas todas as condições exigidas para a sua concessão, tal como idade ou

incapacidade e miserabilidade172. Entretanto, na prática, difi cilmente isto ocorre, uma vez

que a renda recebida a título de benefício assistencial será computada para fi ns de cálculo

da renda mensal familiar.

No entanto, com o advento do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741 de 2003), o benefício

assistencial ao idoso, já concedido a qualquer membro da família, não mais será computado

para fi ns de cálculo da renda per capita do novo benefício requerido, desde que da mesma

espécie, ou seja, trata-se do casal de velhinhos que não possuem renda ou tampouco

fi zeram contribuições para a Previdência Social, neste caso, o dois tem direito a receber

mensalmente um salário mínimo cada um a título de benefício assistencial ao idoso.

Renda Familiar Per Capita inferior a ¼ (um quarto) do Salário Mínimo

O conceito de família hipossufi ciente prevista na Lei nº 8.742 de 1993, art. 20, §3º e

Decreto nº 1.744 de 1995, art. 5º, III e art. 6º, II, é aquela em que a renda per capita familiar

(170) BOTELHO, Acesso em: 21 jun. 2007.

(171) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 775565/SP. Terceira Turma. Rel. Min. Nancy Andrighi.

DJ, 26 jun. 2006. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/SCON/pesquisar.jsp? newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&

b=ACOR&livre=775565>. Acesso em: 8 nov. 2007.

(172) VIANNA, 2005, p. 687.

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é inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente.

Este critério de miserabilidade é sem dúvida o mais discutido, pois, para muitos juristas,

ao mesmo tempo que regulamentou, restringiu a camada social de idosos e defi cientes,

deixando de fora outras milhares de pessoas que também vivem em condições miseráveis,

mas que possuem renda um pouco acima do limite legal173.

Muito se tem discutido sobre a constitucionalidade de tal critério de miserabilidade,

sobretudo porque se tem entendido que o limite deste artigo acaba também limitando o

alcance da norma constitucional174.

Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 1.232, em 27.08.1998, promovida pelo Procurador-Geral da

República, concluiu pela constitucionalidade do §3º, do art. 20, da Lei nº 8.742 de 1993, cuja

ementa é a que segue,

CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTA-

BELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203,

DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO

CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARAN-

TIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA

FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSIS-

TENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE175.

A partir do julgamento desta ADIn, segundo a autora Melissa Folmann, o cenário jurídico

brasileiro passou a compor-se de duas teorias em relação ao critério de ¼ (um quarto) do

salário mínimo: a Teoria Objetiva, na qual o critério deve ter aplicação indistintamente; e

a Teoria Subjetiva ou Assistencialista, na qual o critério de miserabilidade deve ser usado

como forma de presunção das condições do benefi ciário, mas não se deve afastar a análise

do caso concreto176.

Inicialmente analisemos a Teoria Objetiva, a qual é fundada no julgamento da ADIn nº

1.232.

A ADIn nº 1.232 foi proposta em 24 de fevereiro de 1995, pelo então Procurador-Geral

da República Sr. Aristides Junqueira Alvarenga, tendo, inicialmente, como relator o Ministro

Ilmar Galvão.

O dispositivo impugnado nesta ação foi o §3º, do art. 20, da Lei nº 8.742 de 1993, o qual

(173) PEDRON, Daniele Muscopf. A (in)constitucionalidade do critério da miserabilidade na concessão do

benefício assistencial a portadores de defi ciência. Disponível em: <http://www.cjf.gov/revista/numero33/artigo07.

pdf>. Acesso em: 15 out. 2007.

(174) BOTELHO, Acesso em: 21 jun. 2007.

(175) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJ, 1

jun. 2001. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 8 nov. 2007.

(176) FOLMANN, 2006, p. 377.

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F U N D A Ç Ã OANFIP

estabelece como critério para a concessão do benefi cio de prestação continuada a renda

mensal per capita familiar inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

Segundo o Procurador-Geral da República este dispositivo é inconstitucional porque

limita e restringe o direito garantido por norma constitucional, qual seja, o direito previsto no

inciso V, art. 203, da Constituição Federal, com o qual, por isso, considera incompatível177.

Na ocasião, participaram do julgamento os Ministros Ilmar Galvão (Relator), Nelson

Jobim, Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa.

O Ministro Ilmar Galvão, relator original, foi voto vencido ao sustentar o entendimento de

que a norma em si não é inconstitucional, se tornaria inconstitucional se fosse a única hipótese

prevista para caracterizar a situação de incapacidade econômica da família do portador de

defi ciência ou do idoso, o que afastaria grande parte dos destinatários do benefício previsto

na Constituição. Razão pela qual, o Ministro impugnou o texto que limita os meios de prova

da condição de miserabilidade da família do portador de defi ciência ou do idoso.

Entretanto, o voto que prevaleceu na decisão, foi o de improcedência do Ministro Nelson

Jobim, o qual passou a ser o relator da ADIn. Tal Ministro manifestou-se no sentido de que,

Se a legislação resolver criar outros mecanismos de comprovação, é problema da

própria lei. O gozo do benefício depende de comprovar na forma da lei, e esta entendeu

de comprovar dessa forma. Portanto não há interpretação conforme possível porque,

mesmo que se interprete assim, não se trata de autonomia de direito algum, pois de-

pende da existência da lei, da defi nição178.

O Ministro Maurício Corrêa acompanhou o voto de improcedência do Ministro Nelson

Jobim, assim como o Ministro Sepúlveda Pertence, o qual, todavia, apresentou manifestação

diferente,

Considero perfeita a inteligência dada ao dispositivo constitucional, no parecer acol-

hido pelo Relator, no sentido de que a legislador deve estabelecer outras situações car-

acterizadoras da absoluta incapacidade de manter-se o idoso ou o defi ciente físico, a fi m

de completar a efetivação do programa normativo de assistência contido no art. 203 da

Constituição. A meu ver, isso não a faz inconstitucional nem é preciso dar interpretação

conforme à lei que estabeleceu uma hipótese objetiva de direito à prestação assistencial

do Estado. Haverá, aí, inconstitucionalidade por omissão de outras hipóteses? A meu

ver, certamente sim, mas isso não encontrará remédio nesta ação direta179.

Assim, para esta Teoria o critério estabelecido no dispositivo legal é objetivo, ou seja,

(177) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJ, 1

jun. 2001. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 8 nov. 2007.

(178) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJ, 1

jun. 2001. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 8 nov. 2007.

(179) Ibid., Acesso em: 8 nov. 2007.

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quando for constatado que a renda familiar mensal per capita é inferior a ¼ (um quarto) do

salário mínimo, a miserabilidade é presumida, não cabendo nestes casos a análise de outras

situações para verifi cação da miserabilidade180.

Assim, em razão de ter julgado constitucional o §3º, do art. 20, da Lei 8.742 de 1993, o

Supremo Tribunal Federal vem mantendo a decisão da ADIN nº 1.232, conforme as ementas

a seguir:

PREVIDÊNCIA SOCIAL. Benefício assistencial. Lei nº 8.742/93. Necessitado. De-

fi ciente físico. Renda familiar mensal per capita. Valor superior a ¼ (um quarto) do

salário mínimo. Concessão da verba. Inadmissibilidade. Ofensa à autoridade da

decisão proferida na ADI nº 1.232. Liminar deferida em reclamação. Agravo improvido.

Ofende a autoridade do acórdão do Supremo na ADI nº 1.232, a decisão que concedeu

benefício assistencial a necessitado, cuja renda mensal familiar per capita supere o limite

estabelecido pelo §3º do art. 20 da Lei federal nº 8.742/93 181. (Grifos meus).

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI 8.742/93.

BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL: REQUISITOS PARA A SUA CONCESSÃO. CON-

STITUCIONALIDADE. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. Benefício de amparo social previsto

no inciso V do artigo 203 da Carta Federal. Matéria decidida nas instâncias ordinárias

com base em provas documentais e testemunhais. Constitucionalidade do dispositivo

legal (L. 8.742, artigo 20, § 3º) que impõe a necessidade de comprovação de que a

renda per capita da família seja inferior a um quarto do salário-mínimo, declarada

pelo Pleno desta Corte. Conseqüência: recurso extraordinário parcialmente conhecido

e, nesta parte, provido. Compensação das custas e honorários advocatícios. Agravo

regimental não provido182. (Grifos meus).

Em contra partida, há a Teoria Subjetiva, para a qual a interpretação do §3º, do art. 20

da Lei nº 8.742/1993 não deve fi car restrita ao requisito da renda per capita familiar inferior a

¼ (um quarto) do salário mínimo, também deve se aferir a condição econômica da família do

idoso ou portador de defi ciência por outros meios, além de se analisar alguma peculiaridade,

tais como, a necessidade especial de medicamentos ou educação especial.

Neste sentido, vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça, o qual consolidou o

entendimento de que o critério para aferição da renda mensal deveria ser tido como um limite

mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência do portador de defi ciência ou

(180) CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 7. ed. São Paulo:

LTR, 2006. p. 631.

(181) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Medida Cautelar da Reclamação nº 4427. Rel. Min.

Cezar Peluso. DJ, 29 jun. 2007. Disponível em: <http:// www.stf.gov.br/portal/principal/ principal.asp>.

Acesso em: 8 nov. 2007.

(182) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 279919. Rel. Min. Maurício

Corrêa. DJ, 28 jun. 2002. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/principal/ principal.asp>. Acesso em: 8 nov. 2007.

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idoso, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios.

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA

SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO RECEBIDO POR PARENTE DO

AUTOR. CÔMPUTO DO VALOR PARA VERIFICAÇÃO DE MISERABILIDADE. IMPOS-

SIBILIDADE. ART. 34 DA LEI Nº 10.741/2003. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA AO BPC.

ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA MISERABILI-

DADE POR OUTROS MEIOS. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. O benefício de prestação continuada é uma garantia constitucional, de caráter as-

sistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo

art. 20 da Lei nº 8.742/93, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal

aos portadores de defi ciência ou idosos que comprovem não possuir meios de prover a

própria manutenção e nem de tê-la provida pelo núcleo familiar.

2. O art. 34 da Lei nº 10.741/2003 veda o cômputo do valor do benefício de prestação

continuada percebido por qualquer membro da família no cálculo da renda per capita

mensal.

3. A Terceira Seção deste Superior Tribunal consolidou o entendimento de que

o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93

deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à

subsistência da pessoa portadora de defi ciência ou idosa, não impedindo, con-

tudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a

comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família.

4. Recurso especial a que se dá provimento183. (Grifos meus)

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. BENEFÍCIO DA RENDA

MENSAL VITALÍCIA. CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO. VERIFI-

CAÇÃO. REQUISITOS DO ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. REEXAME DE PROVAS.

SÚMULA 07/STJ.

1 - A verifi cação do preenchimento dos requisitos do artigo 20, parágrafo 3º, da Lei

nº 8.742/93, para a concessão do benefício da renda mensal vitalícia, previsto no art.

203, V, da Constituição Federal, demanda reexame do conjunto fático-probatório, sober-

anamente delineado nas instâncias ordinárias, providência vedada em sede especial, ut

súmula 7/STJ.

2 - Consoante jurisprudência desta Corte, o critério estabelecido no art. 20,

parágrafo 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único hábil para comprovação da condição

(183) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 841060/SP. Sexta Turma. Rel. Min. Maria Thereza de

Assis Moura. DJ, 25 jun. 2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/ principal/principal.asp>. Acesso em: 8 nov. 2007.

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de miserabilidade do benefi ciário, para fi ns de concessão do benefício da renda

mensal vitalícia. Com efeito, o julgador não está adstrito aos requisitos previstos

naquele dispositivo legal, podendo verifi car a condição econômico-fi nanceira da

família do necessitado através de outros meios de prova.

3 - Agravo regimental improvido184. (Grifos meus)

Em conformidade com o Egrégio Superior Tribunal de Justiça encontram-se os Tri-

bunais Regionais Federais, conforme se pode extrair das ementas a seguir expostas,

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20 DA LEI 8.742/93. ILE-

GITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE PEDIDO ADMINISTRATIVO. PRO-

VA DA INCAPACIDADE E DA MISERABILIDADE. HONORÁRIOS.

1. O benefício assistencial é oponível apenas ao INSS, inclusive com a possibili-

dade de jurisdição federal delegada, o que gerou a revogação da súmula 61 desta Corte

(TRF4, AC 2001.72.08.001834-7).

Reconhecida a ilegitimidade passiva da União.

2. Consoante remansosa jurisprudência, contestado o mérito em juízo, não há falar

em carência de ação pela falta de prévio requerimento administrativo de concessão de

benefício previdenciário.

3. Ao postular o benefício assistencial previsto no artigo 20 da Lei nº 8742/93, deve

a parte comprovar sua incapacidade para o trabalho e para a vida independente, e renda

familiar mensal inferior a ¼ do salário mínimo.

4. Conforme entendimento da maioria da Seção Previdenciária desta Corte, é in-

capaz para a vida independente aquele que não pode sustentar-se e tampouco possua

familiares que isso possam prover.

5. A condição concreta de miserabilidade é aferida pelas mínimas condições

de sobrevivência da entidade familiar, observando-se as condições de moradia,

alimentação, vestuário, saúde e gastos com medicamentos ou essenciais despe-

sas extraordinárias.

6. Os honorários advocatícios são devidos à razão de 10% sobre as parcelas venci-

das até a decisão concessória do benefício, excluídas as parcelas vincendas, conforme

(184) BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 418124/SP. Sexta

Turma. Rel. Min. Fernando Gonçalves. DJ, 5 ago. 2002. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/ portal/principal/principal.

asp>. Acesso em: 8 nov. 2007.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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Súmula 111 do STJ 185. (Grifos meus)

PREVIDENCIÁRIO - CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL - LEI Nº

8.742/93 - PORTADOR DE DEFICIÊNCIA - RENDA FAMILIAR -HIPOSSUFICIÊN-

CIA - § 3º DO ART. 20 DA LOAS. 1. Analisando os autos, verifi ca-se que a prova da

defi ciência do Autor restou superada, tendo em vista o laudo pericial acostado às

62/75, cuja conclusão é a seguinte: “Considerando-se a progressão da doença renal

para uma insufi ciência crônica, entendemos que o Autor encontra-se inválido para o

trabalho genérico.”. 2. No tocante à renda familiar, que o INSS em seu recurso alega não

estar de acordo com o que determina o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, conclui-se,

pela documentação constante dos autos, pelo estado de miserabilidade do Autor, que

não tem capacidade laborativa, e não pode ser sustentado pela família, pois vive com a

mãe, que é “do lar”, a qual precisa dar ao fi lho gravemente doente toda a assistência que

precisa, e o pai, o qual não tem renda fi xa, vivendo de biscates. 3. Resta claro que, na

hipótese, não se pode falar em violação ao § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. Além disso,

a teor do art. 333, II, do CPC, cabe ao Réu comprovar a existência de fato impeditivo,

modifi cativo ou extintivo do direito do Autor, e não há qualquer prova da existência de

renda familiar que inviabilize a concessão do benefício. 4. O Colendo Superior Tribunal

de Justiça vem corroborando a posição de que é devida a concessão do benefício

assistencial ainda que a renda familiar ultrapasse o percentual do § 3º do art. 20

da Lei nº 8.742/93, se fi car comprovado o estado de miserabilidade do requerente

incapacitado para a vida independente e para o trabalho, encontrando-se, também,

julgados no mesmo sentido nesta Corte, não se tratando, obviamente, de consid-

erar inconstitucional o dispositivo que estabelece o requisito da renda per capita

familiar superior a ¼ do salário mínimo (§ 3º do art. 20 da LOAS), até porque o Eg.

STF, já concluiu pela constitucionalidade de tal preceito (ADIn 1232-1), mas de

interpretá-lo de forma sistemática, isto é, considerando-o como parâmetro obje-

tivo capaz de confi gurar a condição de miserabilidade daqueles que, atendidos os

demais requisitos, recebem abaixo do mesmo, sem prejuízo de situações outras

que revelam, a despeito de preciso enquadramento legal, a condição de hipossu-

fi ciência devidamente confi gurada. Jurisprudência do Colendo Superior Tribunal

de Justiça e desta Corte. 5. Recurso a que se nega provimento 186. (Grifos meus).

CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS

(185) BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4º Região. Apelação Cível nº 2001.71.02.000089-0. Sexta Turma. Rel.

Luis Alberto D Azevedo Aurvalle. DJ, 22 jun. 2005. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br/ trf4/index_trf4r.php>. Acesso

em: 8 nov. 2007.

(186) BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2º Região. Apelação Cível nº 394563. Primeira Turma. Rel. Abel

Gomes. DJ, 22 ago. 2007. Disponível em: <http://www.trf2.gov.br/>. Acesso em: 8 nov. 2007.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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LEGAIS. TERMO INICIAL.

I - Tem-se que o artigo 20, parágrafo 3º, da Lei nº 8.742/93, não é o único critério

objetivo para aferição da hipossufi ciência, razão pela qual é de se reconhecer que

muitas vezes o quadro de pobreza há de ser aferido em função da situação especí-

fi ca da pessoa que pleiteia o benefício. (Precedentes do E. STJ).

II - Como o autor era portador de defi ciência e não tinha condições de prover seu

próprio sustento, ou tê-lo provido por sua família, impõe-se a concessão do benefício

assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição da República, observado o disposto

nos art. 35, 37 e 38 do Decreto n. º 1744/95.

III - Em que pese o entendimento no sentido de que, muito embora seja intransferível

o benefício em questão, as parcelas eventualmente devidas a tal título, até a data do

óbito do autor, representam um crédito seu constituído em vida, sendo, portanto, cabível

sua transmissão causa mortis.

IV - O termo inicial do benefício deve ser fi xado na data do requerimento administra-

tivo, qual seja, 28.9.1999 (

de cujus já tivesse ido residir com seus genitores, quando, então, deixou de fazer jus ao

benefício (

V - Apelação do INSS parcialmente provida187. (Grifos meus).

Para a Teoria Subjetiva não seria nada sensato utilizar-se apenas da renda per capita

familiar para a verifi cação da condição econômica da família, uma vez que, suponhamos que

uma família seja composta de marido, mulher e dois fi lhos menores de 14 (catorze) anos,

um deles defi ciente, sendo que a família tem como única fonte de renda o salário auferido

mensalmente pelo varão, no valor mínimo (R$380,00), morando num barraco de favela, com

pouquíssimos e precários móveis. Caso não se pudesse analisar a real situação da família,

pelo simples fato de a renda per capita ser igual ao limite legal estabelecido, o benefício seria

indeferido, ou então, que se tratasse da mesma família, mas que o varão trabalhasse como

vendedor autônomo, auferindo renda mensal de R$ 1.000,00 (mil reais), e que a família

resida em um bairro nobre da cidade em uma casa simples, mas muito bem mobiliada com

móveis novos, pelo fato do varão não possuir prova de seu rendimento a família faria jus

ao benefício por não possuir nenhuma renda comprovada. Desta forma, a real situação

econômica da família deve ser levada em consideração quando da análise do benefício,

para que não ocorram injustiças.

Em que pese o julgamento da ADIn nº 1.232, o STF, em fevereiro de 2007, indeferiu uma

(187) BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3º Região. Apelação Cível nº 886195. Décima Turma. Rel. Sergio Nasci-

mento. DJ, 26 set. 2007. Disponível em: <http://www.trf3.gov.br/>. Acesso em: 8 nov. 2007.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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medida liminar requerida pelo INSS na Reclamação nº 4.374, sobre critério de miserabilidade.

A decisão é do Ministro Gilmar Mendes, o qual manteve o entendimento da Turma Recursal

dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco.

Na inicial o INSS sustenta que a decisão reclamada afastou o requisito legal expresso

na Lei nº 8.742/93, o qual, segundo o acórdão proferido no julgamento da ADIn nº 1.232,

representa requisito objetivo a ser observado para a concessão do benefício assistencial.

Ademais, o INSS pediu a concessão de medida liminar e justifi cou a necessidade de

urgência, sob a alegação que de “várias decisões estariam sendo proferidas em desrespeito

à autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal”188.

O Ministro Gilmar Mendes fez uma análise sintetizada sobre o quanto a questão é

controversa no Judiciário brasileiro e mesmo na Suprema Corte, apresentando o entendimento

de diversos Ministros daquela Corte, conforme trecho da decisão a seguir,

Os Ministros Celso de Mello, Carlos Britto e Ricardo Lewandowski têm negado segui-

mento às reclamações ajuizadas pelo INSS com o fundamento de que esta via proces-

sual, como já assentado pela jurisprudência do Tribunal, não é adequada para se reex-

aminar o conjunto fático-probatório em que se baseou a decisão reclamada para atestar

o estado de miserabilidade do indivíduo e conceder-lhe o benefício assistencial sem

seguir os parâmetros do § 3o do art. 20 da Lei n° 8.742/93 (Rcl n° 4.422/RS, Rel. Min.

Celso de Mello, DJ 30.6.2006; Rcl n° 4.133/RS, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 30.6.2006; Rcl

n° 4.366/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 1.6.2006).

O Ministro Sepúlveda Pertence tem enfatizado, quando em análise de decisões que

concederam o benefício com base em legislação superveniente à Lei 8.742/93, que as

decisões reclamadas não têm declarado a inconstitucionalidade do § 3o do art. 20 dessa

lei, mas dado interpretação a tal dispositivo em conjunto com a legislação posterior, a

qual não foi objeto da ADI n° 1.232 (Rcl n° 4.280/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ

30.6.2006).

Somem-se a estas as decisões do Ministro Marco Aurélio, que sempre deixou claro

seu posicionamento no sentido da insufi ciência dos critérios defi nidos pelo § 3o do art.

20 da Lei n° 8.742/93 para fi el cumprimento do art. 203, inciso V, da Constituição (Rcl n°

4.164/RS, Rel. Min. Marco Aurélio)189.

Ademais, o Ministro ainda transcreveu trechos da decisão da Ministra Cármen Lúcia, a

qual defende o entendimento de que o juiz deve procurar outros meios de prova para aferir

(188) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 4.374. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJ, 6 fev. 2007. Disponível em:

<http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 8 nov. 2007.

(189) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 4.374. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJ, 6 fev. 2007. Disponível em:

<http://www.stf.gov.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 8 nov. 2007.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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a condição econômica da família, sob pena de estar ferindo o princípio da dignidade da

pessoa humana.

O Ministro Gilmar Mendes observou, ainda, que o próprio legislador tem reinterpretado

o art. 203 da Constituição Federal, uma vez que as leis que instituíram os programas Bolsa

Família, Acesso à Alimentação, Bolsa Escola, adotam o requisito de renda familiar per capita

inferior a ½ (meio) salário mínimo.

Para o Ministro,

O Tribunal parece caminhar no sentido de se admitir que o critério de 1/4 do salário

mínimo pode ser conjugado com outros fatores indicativos do estado de miserabilidade

do indivíduo e de sua família para concessão do benefício assistencial de que trata o art.

203, inciso V, da Constituição190.

E concluiu, “diante de todas essas perplexidades sobre o tema, é certo que o Plenário do

Tribunal terá que enfrentá-lo novamente”191.

A NÃO POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM OUTROS BENEFÍCIOS

O benefício assistencial não poderá ser acumulado com qualquer outro benefício da

Previdência Social ou de qualquer outro Regime Previdenciário, conforme o art. 18 do

Decreto nº 1.744/1995, o qual dispõe:

Art. 18. O benefício de que trata este Regulamento não pode ser acumulado com

qualquer outro benefício pecuniário no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime

previdenciário ou assistência.

§1º É indispensável que seja verifi cada a existência de registro de benefício previ-

denciário em nome do requerente.

§2º Competirá ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, ou ao órgão autor-

izado ou à entidade conveniada, quando necessário, promover verifi cações junto a outra

instituições de previdência ou de assistência social, bem como junto aos atestantes ou

vizinhos do requerente192.

Apenas há uma exceção, que é no caso da pensão especial devida aos dependentes

das vítimas de hemodiálise de Caruaru/PE, prevista na Lei nº 9.422, de 24.12.1996193.

(190) Ibid., Acesso em: 8 nov. 2007.

(191) Ibid., Acesso em: 8 nov. 2007.

(192) BRASIL. Decreto n. 1.744, de 8 de dezembro de 1995. Regulamenta o benefício de prestação continuada devido à

pessoa portadora de defi ciência e ao idoso, de que trata a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e dá outras providên-

cias. Diário Ofi cial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1995.

(193) VIANNA, 2005, p. 688.

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Sonho ou realidade? 20 anos da Seguridade Social na Constituição

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CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO

A cessação do benefício assistencial de prestação continuada ocorrerá nos casos de:

Superação das condições que lhe deram origem;a)

Morte do benefi ciário, não gerando direito à pensão por morte aos seus depen-b)

dentes, uma vez que o benefi cio de prestação continuada é intransferível;

Morte presumida do benefi ciário, declarada em juízo;c)

Ausência declarada do benefi ciário, na forma do art. 22 do Código Civil;d)

Falta de comparecimento do benefi ciário portador de defi ciência ao exame médi-e)

co-pericial, por ocasião de revisão de benefício;

Falta de apresentação pelo idoso ou pessoa portadora de defi ciência da declara-f)

ção de composição do grupo e renda familiar, por ocasião de revisão do benefício194.

A CONCORRÊNCIA DO BENEFÍCIO COM OUTROS PROGRAMAS DO GOVERNO

Diante da necessidade de combater a fome e a miséria no Brasil, o Governo vem

implantando novos programas sociais. Assim, há leis posteriores à Lei nº 8.742/93, as quais

regulam programas assistencialistas nas mais diversas áreas.

Ocorre, entretanto, que tais leis estão adotando como instrumento de aferição de pessoas

pobres para fi ns de concessão dos benefícios assistenciais, a renda familiar per capita inferior

a ½ (meio) salário mínimo, ao contrário do critério adotado pela Lei nº 8.742/93195.

A exemplo disso, podemos citar a Lei nº 10.689/03, a qual institui o Programa Nacional

de Acesso à Alimentação – PNAA, que dispôs, em seu art. 2º, §2º, que “os benefícios do

PNAA serão concedidos, na forma desta Lei, para unidade familiar com renda mensal per

capita inferior a meio salário mínimo”196.

Outros programas como o Auxílio-Gás, regulamentado pelo Decreto 4.102, de 24 de

janeiro de 2002, e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, também utilizam

o parâmetro de renda per capita familiar inferior a ½ (meio) salário mínimo para fi ns de

concessão dos benefícios assistenciais.

Assim, há de se estabelecer igual tratamento jurídico no que concerne à verifi cação

da situação sócio-econômica da família, para que se evitem distorções que conduzam a

situações desprovidas de razoabilidade197.

(194) VIANNA, 2005, p. 688.

(195) FOLMANN, 2006, p. 382.

(196) BRASIL. Lei nº 10.689, de 13 de junho de 2003. Cria o Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA.

Diário Ofi cial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 jun. 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/

ccivil_03/Leis/2003/L10.689.htm>. Acesso em: 8 nov. 2007.

(197) CASTRO E LAZZARI, 2004, p. 632.

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CONCLUSÃO

Os Estados Modernos se preocupam com a qualidade de vida dos seus cidadãos, e

diante desta preocupação, vêm tentando erradicar a pobreza. Entretanto, diariamente, ainda

é possível deparar-se com pessoas miseráveis nas ruas, muitas vezes defi cientes e idosos

desamparados.

Na tentativa de combater a pobreza no Brasil, o Estado criou à Assistência Social, a qual

implantou benefícios que visam proporcionar melhores condições de vida a muitas pessoas,

por meio de programas, serviços, projetos e benefícios. Assim, impulsionada pela LBA –

Liga Brasileira da Assistência, surgiu o benefício assistencial de prestação continuada da Lei

n° 8.742 de 1993, o qual foi uma alternativa para atender àqueles defi cientes e idosos que

não possuem meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.

Dados do Ministério de Assistência Social apontam que no ano de 2005 foram concedidos

132.578 benefícios dessa natureza às pessoas portadoras de defi ciência, e 185.036 aos

idosos, num total de 317.614 benefícios. No ano de 2006, de um total de 305.459 benefícios,

131.774 foram para defi cientes e 176.685 para idosos198. Tais números podem ser

considerados muito baixos se observado que no ano de 2005 existiam no Brasil 12.563.354

idosos, com 60 (sessenta) anos ou mais, não economicamente ativos, ou seja, idosos que

não possuíam qualquer fonte de renda199. Este baixo percentual de assistidos deve-se,

talvez porque os excessivos rigores na lei, com relação aos critérios estabelecidos, são

difíceis de serem atingidos por grande parte dos necessitados, impossibilitando a obtenção

do benefício pretendido.

Entretanto, constata-se ainda que a Assistência Social não recebe muitos recursos do

Governo Federal. Em 2004, o orçamento social direto do governo federal foi de R$ 248,9

bilhões, correspondendo a 14,1% do PIB. O orçamento social total foi estimado em R$ 280,7

bilhões, equivalentes a 16,0% do PIB. Do total do gasto direto com a seguridade social,

67,6% é gasto com previdência social, 12,8% com saúde, somente 6,5% com assistência

social e menos ainda, cerca de 5,2% com educação200.

Ademais, ressalta-se que também falta da Assistência Social um condão mais participativo,

pois as pessoas necessitadas muitas vezes nem sabem que teriam direito ao benefício

assistencial, o que lhes proporcionaria uma condição de vida mais digna. A Assistência

Social deveria promover mais campanhas, objetivando o esclarecimento à população dos

benefícios a que teriam direito, isto implicaria em um aumento signifi cativo na concessão

dos benefícios assistenciais e proporcionaria melhores condições de vida a grande parte da (198) BRASIL. Anuário Estatístico da Previdência Social de 2006. Disponível em: <http://www.inss.gov.

br>. Acesso em: 22 fev. 2008.

(199) Ibid., Acesso em: 29 fev. 2008.

(200) BRASIL. Orçamento Social do Governo Federal 2001-2004: sumário executivo. Disponível em: <http://www.fazenda.

gov.br>. Acesso em: 22 fev. 2008.

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população.

O caput do artigo 20 da Lei n° 8.742 de 1993, trata da concessão do benefício assistencial

às pessoas defi cientes e idosas, o qual dispõe que o benefício de prestação continuada é

a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de defi ciência e ao idoso com

65 (sessenta e cinco) anos ou mais (idade modifi cada pela Lei n° 10.741 de 2003 - Estatuto

do Idoso) e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem

de tê-la provida por sua família. O § 1° do referido artigo traduz o conceito de família, ou

seja, é a unidade mononuclear, que vive sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela

contribuição de seus integrantes, o que gera uma discussão nos tribunais, uma vez que há

pessoas que não fazem parte do grupo familiar do idoso ou defi ciente, mas que contribuem

signifi cativamente para o sustento da família que vive sob o mesmo teto. Casos em que a

jurisprudência fi ca dividida, pois alguns consideram objetivamente o rol defi nido pelo § 1°,

desconsiderando toda e qualquer renda das pessoas que não pertencem ao grupo familiar,

ou ainda, há entendimentos que consideram toda e qualquer renda que contribua para o

sustento do benefi ciário, independentemente de sua origem. Já o § 2º determina que para

efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de defi ciência é aquela incapacitada

para a vida independente e para o trabalho. Entretanto, o critério vida independente também

é discutível, uma vez que o fato de uma pessoa poder se locomover sozinha e cuidar dos

seus afazeres pessoais sem a ajuda de terceiros não signifi ca que ela possa prover o próprio

sustento. O § 3º considera como incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora

de defi ciência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a um quarto do

salário mínimo, dispositivo deveras rigoroso, uma vez que limita a concessão do benefício,

deixando à margem outra tantas pessoas que vivem em condições tão miseráveis quanto

aquelas, isto é, as que recebem um pouco acima do limite legal estabelecido.

O que se deve ter em mente é que a Assistência Social deverá ser prestada a quem dela

realmente necessitar. Para a prestação da Assistência Social, é óbvio que critérios devem

ser estabelecidos, mas critérios que sejam passíveis de ser atendidos pelo benefi ciário, e

não tão rigorosos a ponto do benefício ser concedido à alguns deixando de fora outros tão

miseráveis quanto aqueles.

Ademais, em que pese a decisão do STF na ADIn 1232, a qual concluiu pela

constitucionalidade do §3º, do art. 20, da Lei nº 8.742 de 1993, a própria jurisprudência,

tem se mostrado sensível a essas questões e vem analisando cada caso em separado,

levando muitas vezes em consideração a real situação da família, e não somente a renda

por ela auferida, adotando assim uma posição menos legalista e mais humanista. O

Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os Tribunais Federais, estão cientes da importância do

benefício de prestação continuada contido no artigo 203, Inciso V, da Constituição Federal

e na Lei nº 8742/1993, seja através da manutenção de pedidos de antecipação de tutela,

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seja numa interpretação mais fl exível da norma positivada. Até mesmo o próprio STF em

decisão recente, de fevereiro de 2007, indeferiu uma medida liminar ao INSS e manteve a

decisão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco, no sentido

de se admitir que o critério de 1/4 (um quarto) do salário mínimo pode ser conjugado com

outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família para

concessão do benefício em questão. O STF reconheceu ainda que a questão é controversa

no judiciário brasileiro e até mesmo na Suprema Corte, o que fará com que em breve o tema

seja reexaminado por este Tribunal.

Aqui, na condição de pesquisadora, faço questão de mencionar alguns casos que

presenciei enquanto estagiária da 1° Vara do Juizado Especial Federal Cível e Previdenciário

de Curitiba. Dentre os milhares de processos que tramitam naquela Vara, alguns chamavam

atenção. Houve casos em que a pessoa sofria de uma grave defi ciência e necessitava de

muitos remédios, mas a renda da família era superior ao limite legal, mesmo assim, por

considerar que o defi ciente realmente precisava do benefício, este foi concedido, pois há

pessoas que necessitam de muitos remédios e em que pese estes remédios serem adquiridos

em Postos de Saúde, muitas vezes eles acabam e a parte se vê obrigada a comprá-los.

Mas, também houve casos em que a família aparentemente era humilde, pois se tratava do

casal de velhinhos que recebiam suas aposentadorias no valor mínimo e tinham uma fi lha

defi ciente, para quem pleiteavam o benefício assistencial. Entretanto, ao analisar o Auto de

Constatação realizado pelo Ofi cial de Justiça designado pelo juiz verifi cou-se que a família

residia em uma excelente casa, com móveis novos e em uma região nobre de Curitiba, só

assim foi constatado que a renda declarada não condizia com a real condição da família.

Houve um caso, talvez o mais marcante, que se tratava de uma senhora, com apenas 33

(trinta e três) anos de idade e que sofria de uma grave doença em seus pulmões, ela era mãe

de duas meninas, de 4 (quatro) e 6 (seis) anos, seu marido era motorista de ônibus, e auferia

renda mensal de aproximadamente R$800,00 (oitocentos reais), se fosse aplicado o limite

objetivo legal, por óbvio que a senhora não teria direito à concessão do benefício, entretanto,

era só observar os autos para se verifi car que a família vivia em condições precárias. A

autora necessitava de oxigênio várias vezes ao dia, o que criava a necessidade de que em

sua casa tivessem vários galões de oxigênio para o seu uso. Ademais, ela muitas vezes

passava mal, e o seu marido era obrigado a faltar ao emprego para levá-la ao hospital, o que

fez com que ele perdesse o emprego várias vezes. Mesmo a renda per capita familiar ter

ultrapassado consideravelmente o limite estabelecido (chegando a R$200,00), verifi cava-se

que a família necessitava do valor do benefício, principalmente para custear as despesas do

tratamento médico da autora.

Entretanto, deixar a critério de cada juiz decidir casos concretos, sem que este se vincule

a algum critério objetivo legal possibilita muita discricionariedade, pois um mesmo juiz poderia

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julgar diferentemente os casos acima mencionados. O certo é que o próprio legislador reveja

os critérios para a concessão do benefício, uma vez que em outros programas como Bolsa

Família, Acesso à Alimentação, Bolsa Escola, já adotam o critério de renda familiar per

capita inferior a meio salário mínimo.

Atualmente, a política social brasileira tem sido insufi ciente para cobrir as necessidades

da população de mais baixa renda, não somente em termos de quantidade, mas também

de qualidade. O Brasil tem adotado o sistema de bem estar social particularista, segundo a

divisão proposta por Richard Titmuss, no qual o Estado desempenha o papel mais relevante,

complementar da iniciativa privada, os benefícios são concedidos por mérito individual,

dependendo da produtividade e do empenho no trabalho, funcionando quase que como uma

recompensa pelo trabalho individual. Outros Estados adotam sistemas diferentes, como o

bem estar social residual, o qual prevê que a participação do Estado deve ser mínima e

temporária, cabendo à família e ao mercado satisfazer a maior parte das necessidades

humanas. Nestes casos, a assistência social só é concedida àqueles que se disponham

a ajudar a si mesmos. Há ainda o estado de bem estar social redistributivo, no qual o

Estado assume papel essencial, os serviços e benefícios são fornecidos de forma universal,

independentemente do mercado e de acordo com as necessidades individuais. Este modelo,

visa alcançar a maior igualdade possível entre os cidadãos, por considerar que o bem-estar

individual é responsabilidade da sociedade e que todas as pessoas têm direito à cidadania

plena201.

Um exemplo a ser citado é o sistema de seguridade social americano, pois os programas

de seguridade social em sua maioria cingem-se aos programas de assistência social.

Os programas securitários americanos desenvolvem-se prestando ajuda fi nanceira ou

serviços específi cos sem que haja uma contribuição prévia, o que lhes dá a característica

de programas assistenciais. Em geral, para ser benefi ciário de tal sistema, a pessoa deve

possuir renda inferior a determinado patamar (condição primária) e freqüentemente, deve

atender a outros critérios (condições secundárias). Entretanto, a fi xação destes critérios

são feitas pelos estados e municípios, os quais estabelecem seus próprios parâmetros,

tais como: faixa de renda para usufruir do plano e limites de pagamento de benefícios.

Em que pese este sistema ter ocasionado o fenômeno de migração interna, uma vez que

os cidadãos americanos buscam mudar-se para determinados Estados com vistas a obter

maiores benefícios, o sistema é adequado, pois cada município ou estado tem uma maior

controle sobre o benefício e fi xam seus critérios com base na população dos seus estados

ou município, pois utilizar um mesmo critério para um país, acaba deixando de fora muitas

(201) ALMEIDA, Guilherme Henrique de La Rocque. O Estado brasileiro contemporâneo. Disponível em: <http://jus2.uol.

com.br/doutrina/texto.asp?id=55>. Acesso em: 29 fev. 2008.

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outras pessoas, diante da enorme disparidade econômica entre as regiões202.

O que é certo, é que as ações do Estado, enquanto seguridade social, devem ser

dirigidas aos cidadãos no sentido de garantir a todos a igualdade de oportunidade, para que

toda e qualquer pessoa tenha condições de prover o seu sustento, ou de tê-la provido por

sua família sem necessitar da ajuda da assistência social, pois a concessão do benefício à

pessoa necessitada não resolverá todos os problemas sociais existentes, até mesmo porque

este deve ser apenas temporário, até o cidadão adquirir melhores condições. Para tanto é

preciso que haja uma integração entre todas as formas de assistência social, e para isso, é

fundamental que ocorra um efetivo comprometimento do poder estatal e de toda a sociedade.

Só assim se estará mais próximo de atingir os objetivos constantes na Constituição Federal,

proporcionando a todo cidadão o direito a uma vida digna.

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