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16 Hidráulica e Hidrologia 2. REGIME DE ESCOAMENTO Os hidráulicos do século XVIII, já observavam que dependendo das condições de escoamento, a turbulência era maior ou menor, e consequentemente a perda de carga também o era. Osborne Reynolds, em 1883, fez uma experiência para tentar caracterizar o regime de escoamento, que a princípio imaginava depender da velocidade de escoamento. A experiência, bastante simples, consistia em fazer o fluido escoar com diferentes velocidades, para que se pudesse distinguir a velocidade de mudança de comportamento dos fluidos em escoamento e caracterizar estes regimes. Para visualizar mudanças, incluiu-se um líquido de contraste (corante), conforme mostrado na Figura 2.1. Figura 2.1: Experiência de Osborne Reynolds. Inicialmente, usando pequenas velocidades, observou que o líquido escoava-se ordenadamente, como se lamínulas do líquido se deslizassem uma em relação às outras, e a este estado de movimento, o que denominou de regime laminar. Logo que a velocidade foi sendo aumentada gradativamente, observou que o líquido passou a escoar de forma desordenada, com as trajetórias das partículas se cruzando, sem uma direção definida. A este estado de movimento, chamou de regime turbulento ou desordenado. Tentando repetir a sua experiência, em sentido contrário, começando de uma velocidade maior (regime turbulento) e, gradativamente reduzindo a velocidade, ele observou que o fluido passou do regime turbulento para o regime laminar, porém a velocidade que ocorreu nesta passagem era menor que aquela em que o regime passou de laminar a turbulento. Ficou, portanto, uma faixa de velocidade onde não se pôde definir com exatidão qual o regime de escoamento. A esta faixa, chamou de zona de transição, como pode ser observado na Figura 2.

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16 Hidráulica e Hidrologia

2. REGIME DE ESCOAMENTO

Os hidráulicos do século XVIII, já observavam que dependendo das

condições de escoamento, a turbulência era maior ou menor, e consequentemente a

perda de carga também o era. Osborne Reynolds, em 1883, fez uma experiência

para tentar caracterizar o regime de escoamento, que a princípio imaginava

depender da velocidade de escoamento. A experiência, bastante simples, consistia

em fazer o fluido escoar com diferentes velocidades, para que se pudesse distinguir

a velocidade de mudança de comportamento dos fluidos em escoamento e

caracterizar estes regimes. Para visualizar mudanças, incluiu-se um líquido de

contraste (corante), conforme mostrado na Figura 2.1.

Figura 2.1: Experiência de Osborne Reynolds.

Inicialmente, usando pequenas velocidades, observou que o líquido

escoava-se ordenadamente, como se lamínulas do líquido se deslizassem uma em

relação às outras, e a este estado de movimento, o que denominou de regime

laminar. Logo que a velocidade foi sendo aumentada gradativamente, observou que

o líquido passou a escoar de forma desordenada, com as trajetórias das partículas

se cruzando, sem uma direção definida. A este estado de movimento, chamou de

regime turbulento ou desordenado.

Tentando repetir a sua experiência, em sentido contrário, começando de uma

velocidade maior (regime turbulento) e, gradativamente reduzindo a velocidade, ele

observou que o fluido passou do regime turbulento para o regime laminar, porém a

velocidade que ocorreu nesta passagem era menor que aquela em que o regime

passou de laminar a turbulento. Ficou, portanto, uma faixa de velocidade onde não

se pôde definir com exatidão qual o regime de escoamento. A esta faixa, chamou de

zona de transição, como pode ser observado na Figura 2.

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Figura 2.2: Regime de escoamento.

Repetiu-se a experiência de Reynolds fazendo-a para várias combinações de

diâmetros e fluidos e concluiu-se que não só a velocidade é importante para

caracterizar o regime de escoamento, mas também o diâmetro da canalização e o

fluido escoante. Chegou-se a uma expressão que caracteriza o regime de

escoamento, em que:

Re = ou Re =v D v Dρ

µ υ

⋅ ⋅ ⋅

Re = é conhecido como número de Reynolds, adimensional;

v = a velocidade média de escoamento, m.s-1

;

D = o diâmetro da canalização, m;

υ = a viscosidade cinética do fluido, m2/s

. (υ

água = 1,02 x 10

-6 m

2/s)

água 3

3água 2

kg massa específica, 1000 .

mN s

viscosidade dinâmica, 1,003 10 .m

ρ

µ−

=

⋅= ⋅

Se Re < 2000 - regime laminar;

Se Re > 2400 - regime turbulento e

Se 2000 < Re < 2400 - zona de transição.

A classificação atual estabelecida pela ABNT difere um pouco da estabelecida

por Reynolds e ficou convencionada que: Re < 2000 caracteriza escoamento

laminar, 2000 ≤ Re ≤ 4000 caracteriza uma região de transição, Re > 4000

caracteriza o escoamento turbulento.

Para definir o regime basta calcular o número de Reynolds e caracterizá-lo

pelos limites. Na zona de transição não se pode determinar com precisão a perda

nas canalizações. No dia a dia, pode-se facilmente distinguir estes escoamentos.

Basta observar o comportamento da fumaça de um cigarro descansando em um

cinzeiro, em um ambiente sem ventilação. Próximo à brasa, a fumaça escoa em uma

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trajetória retilínea e definida, sem perturbações. É o escoamento laminar. Na medida

em que este filete de fumaça se ascende na atmosfera, ele vai se acelerando e se

turbilhonando, e sua trajetória não tem definição. A cada instante o vetor velocidade

de cada partícula muda de direção. É o que caracteriza um regime turbulento.

De modo geral, por causa da pequena viscosidade da água e pelo fato da

velocidade de escoamento ser sempre superior a 0,4 ou 0,5 m/s, o regime dos

escoamentos, na prática, é turbulento. Um exemplo prático uma adutora como

mostrada na Figura 2.3.

Figura 2.3: Travessia de adutora água tratada no rio Tejipió.

Fonte: Google acesso em 20/12/2015.

2.1 AS EXPERIÊNCIAS DE NIKURADSE

Para avaliar o efeito da rugosidade relativa (k/D) das paredes dos tubos sobre

o fator de atrito (f), Nikuradse, em 1933, decidiu colar grãos de areia de tamanho

uniforme na parede de tubos lisos de vidro. Desta forma, Nikuradse pode determinar

o fator de atrito, sob condições controladas e bem determinadas de k/D. Os

resultados obtidos nesta experiência são ilustrados na Figura 2.4.

Figura 2.4: Experiência de Nikuradse.

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19 Hidráulica e Hidrologia

No diagrama dos resultados experimentais de Nikuradse, os seguintes fatos

devem ser observados na Figura 2.4.

Infelizmente, os resultados excelentes de Nikuradse não podem ser

diretamente aplicados aos problemas de Engenharia por as configurações das

rugosidades dos tubos comerciais são inteiramente diferentes, mais variáveis e

muito menos identificáveis do que as rugosidades artificiais usadas por Nikuradse.

2.2 AS EXPERIÊNCIAS DE COLEBROOK E WHITE

Colebrook e White (1939) apresentaram os resultados de testes efetuados

para verificar se os valores de f obtidos por Nikuradse, com grãos de areia, podiam

ser aplicados aos tubos comerciais. Os testes de Colebrook e White com tubos

comerciais indicaram que a seguinte equação semi-empírica pode ser utilizada no

regime turbulento como mostrado na Figura 2.5.

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20 Hidráulica e Hidrologia

2.3 DIAGRAMA DE MOODY

Moody (1944), baseado nos estudos de Colebrook-White (1939), mostrou

que, apesar dos tubos comerciais não apresentarem uma rugosidade uniforme e

facilmente identificável como aquela dos tubos de vidro com grãos de areia, os

resultados de Nikuradse podem ser utilizados como indicadores quantitativos da

rugosidade equivalente dos tubos comerciais (k).

Para contornar a dificuldade de se trabalhar com a fórmula de Colebrook-

White, Moody apresentou os valores de f em um diagrama de f versus Re, para

diferentes valores de rugosidade relativa dos tubos (k/D) conforme mostrado na

Figura 2.6.

Figura 2.6: Representação do diagrama de Moody

Tabela 2.1: Valores de rugosidade equivalente (k)

MATERIAL TUBOS NOVOS TUBOS VELHOS Aço galvanizado 0,00015 a 0,00020 0,0046 Aço rebitado 0,0010 a 0,0030 0,0060 Aço revestido 0,0004 0,0005 a 0,0012 Aço soldado 0,00004 a 0,00006 0,0024 Cimento amianto 0,000025 Concreto bem acabado 0,0003 a 0,0010 Concreto ordinário 0,0010 a 0,0020 Ferro forjado 0,0004 a 0,0006 0,0024 Ferro fundido 0,00025 a 0,00050 0,0030 a 0,0050 Ferro fundido com revestimento asfáltico 0,00012 0,0021 Manilhas cerâmicas 0,0006 0,0030

Fonte: Adaptado Azevedo Netto

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Deve ficar claro que os valores de rugosidade equivalente (k) dos diversos

materiais utilizados para fabricação de tubos comerciais apresentados em textos de

hidráulica (Tabela 2.1) representam o diâmetro dos grãos de areia que, quando

colados uniformemente em um tubo de vidro, com o mesmo diâmetro interno do tubo

comercial considerado, resultaria no mesmo fator de atrito f observado no tubo

comercial.

Olhando o diagrama de Moody mostrado anteriormente é possível verificar

várias fórmulas que foram deduzidas para o emprego do fator de atrito para os tipos

de escoamento, além da observações quando aos tubos lisos e rugoso para o

regime turbulento. Para o regime laminar o fator de atrito é expresso por 64Re

f = .

Exercício resolvido

2.1 Calcular o número de Reynolds e identificar o tipo de escoamento para uma

tubulação com diâmetro de 1” que escoa água com uma velocidade de 0,05 m/s.

Dado: 3 2 2água água1,003 10 N s/m , 1000kg/mµ ρ

−= ⋅ ⋅ = .

Solução:

Número de Reynolds: 3

1000 0,05 0,0254Re 1266,2

1,003 10v Dρ

µ−

⋅ ⋅ ⋅ ⋅= = =

⋅ Escoamento

laminar.

Fator de atrito: 64 64

0,050Re 1266,2

f = = =

2.2 Considere um conduto com 100 m de comprimento, 100 mm de diâmetro e

rugosidade de 2 mm que transporta água a uma vazão de 15 L/s à 20° C. Determine

o fator de atrito do escoamento. Dado 61,003 10υ−

= ⋅ m2/s.

Solução:

Velocidade da água: 3

2 2

4 4 15 10 mas v= , 1,91 m/s

0,1Q

Q v A v vDπ π

−⋅ ⋅ ⋅

= ⋅ = ∴ =⋅ ⋅

Número de Reynolds: 6

1,91 0,1Re 190428,7 Escoamento turbulento

1,003 10v D

υ−

⋅ ⋅= = = ∴

Rugosidade relativa: 2

0,02100D

ε= =

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Diagrama de Moody para encontrar o fator de atrito:

O fator de atrito encontrado é de aproximadamente 0,048.

Como o escoamento encontra-se em regime turbulento podemos aplicar a

fórmula de Colebrook-White. Para isso, deve-se atribuir valores a f até que se

encontre a igualdade dos dois membros na equação. O valor encontrado foi 0,0488.

1 2,512log

3,7 Re

21 2,511002log3,70,0488 190428,7 0,0488

4,527 4,526

D

f f

ε = − + ⋅

= − + ⋅

2.2 Determine o tipo de regime de escoamento e o fator de atrito (f), para as

seguintes situações:

A) Re=3 x105 e k/D= 0,0001;

B) Re=3 x105 e k/D= 0,001 e,

C) Re=3 x105 e k/D= 0,01.

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Repostas:

A) Escoamento de transição e f= 0,012

B) Escoamento de transição e f= 0,020

C) Escoamento turbulento e f= 0,038.

2.3 Um fluido apresenta viscosidade dinâmica igual a 0,58 N.s/m2 e densidade igual

a 0,89 escoando num tubo de 50 mm de diâmetro interno. Sabendo que a

velocidade média do escoamento é de 1,6 m/s, pede- se determine o valor do

número de Reynolds, o tipo de escoamento e o fator de atrito.

Solução:

Massa específica: água 2

kg0,89 1000 890

mdρ ρ= ⋅ = ⋅ = .

Número de Reynolds: 890 1,6 0,050

Re 122,70,58

v Dρ

µ

⋅ ⋅ ⋅ ⋅= = = Escoamento laminar.

Fator de atrito: 64 64

0,521Re 122,7

f = = = .

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