2. o percurso metodológico: o caminho é percorrido ao caminhar · processos de aposentadoria na...
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2. O percurso metodológico: O caminho é percorrido ao caminhar
Tentar encontrar o desenho certo na tapeçaria de seus próprios escritos pode ser tão desanimador como tentar encontrá-lo na própria vida: tentar tecê-lo post facto – “Isto é exatamente o que eu pretendia dizer” – é uma verdadeira tentação.
(Geertz, 19895)
O percurso metodológico foi reconstruído a partir das contribuições das
bancas nos Exames de Qualificação I e II na PUC-Rio. O primeiro projeto foi
construído na perspectiva das histórias de vida e contemplaria professores em fase
de pré-aposentadoria das redes estadual e privada6. A proposição da banca foi
focar nos professores da rede estadual de ensino da Secretaria de Estado de
Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ), onde também estou lotada, e seguir
em outra linha de investigação. Acatei as sugestões da banca, e decidi desenvolver
a pesquisa a partir da seguinte questão: a permanência no magistério desde o
ingresso na profissão até a aposentadoria, que será, então, o fio condutor de todo
este trabalho.
Com o objetivo de delimitar a fase em que se encontram os sujeitos da
pesquisa recorri aos Ciclos de Vida Profissional dos Professores (HUBERMAN,
1992), que define esse ciclo final da carreira como um período de
Desinvestimento. No entanto, as análises evidenciaram que, pelo fato dos
professores possuírem tempos de magistério distintos, ingressarem no magistério
em diferentes momentos da vida, alguns já aposentados de outras profissões,
vivenciam, nesta fase da carreira docente, um estágio do ciclo da vida profissional
díspar.
Definidos o Campo de estudo – Professores em fase de pré-
Aposentadoria da Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro –, os Sujeitos da
pesquisa – Professores Licenciados (Professor especialista em uma disciplina) –,
e o Instrumento de coleta dos dados – as Entrevistas –, iniciei a caminhada. Uma
5 Trecho retirado do prefácio do livro: GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Rio de
Janeiro: GEN, LTC, 1989. 6 Inicialmente, pensei em continuar investigando os professores da rede privada de ensino, lócus
de investigação do GEPPE – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Professor e o Ensino,
coordenado pela Professora Isabel Lelis, do qual faço parte –, onde realizei minha pesquisa de
mestrado.
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caminhada permeada não só de flores, mas com alguns entraves no caminho, mas
nada que comprometesse os trâmites desta investigação.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cujas entrevistas semi-estruturadas
foram realizadas com o intuito de mergulhar em profundidade nas trajetórias dos
sujeitos investigados e nos sentidos imprimidos ao exercício da profissão. Foram
entrevistados dezesseis professores, nove homens e sete mulheres, na faixa etária
de 50 a 69 anos de idade.
2.1. A entrada no Campo: início da caminhada
A força da entrada no Campo é uma se alguém anda por ela, outra se a sobrevoa de aeroplano. Assim é também a força de um texto, uma se alguém o lê, outra se o transcreve. Quem voa vê apenas como a estrada se insinua através da paisagem, e, para ele, ela se desenrola segundo as mesmas leis que o terreno em torno. Somente quem anda pela estrada experimenta algo de seu domínio. [...].
(Benjamin, 1987: 16)
Inicialmente, apresentarei um breve recorte da estrutura da Rede Estadual
de Ensino. Este órgão se organiza em três instâncias: a sede – Secretaria de
Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ), responsável pela
elaboração de políticas públicas, pela instituição de portarias e decretos (atos
administrativos), e a administração de toda a rede de ensino do estado; quatorze
Diretorias Regionais (DR) – sete na região metropolitana e sete em municípios do
interior do estado, e, ainda, a Diretoria Especial de Unidades Escolares Prisionais
e Socioeducativas (DIESP), cuja função é coordenar a implantação das políticas
públicas nas unidades escolares de sua área de abrangência; e, por fim, as
Unidades Escolares, que no final de 20137 totalizaram 1.305 (um mil trezentos e
cinco) colégios estaduais, responsáveis por colocar em prática a política
educacional através de seu corpo docente.
O início da pesquisa de campo se deu com a entrada nos colégios públicos
que integram a Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro, localizados em bairros
7GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Relatório de Governança: Transparência na
Educação – 4ª Série. Rio de Janeiro: SEEDUC, 2015. Disponível em: <http://www.rj.gov.br>.
Acesso em: 10 jan. 2015.
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atendidos pela Diretoria Regional Metropolitana VI8, nas Zonas Sul, Oeste e
próximos ao Centro da cidade9, cujos sujeitos, protagonistas da pesquisa, são os
professores que lecionam para os alunos do ensino médio regular (1ª a 3ª séries) e
estão em fase de pré-aposentadoria. Professores, portanto, que deram entrada em
processos de aposentadoria na Secretaria de Estado de Educação do Rio de
Janeiro no ano 2015, e aguardam em sala de aula o deferimento de suas
solicitações. A maioria dos professores terá direito, inicialmente, à Licença-
Prêmio10
e após a vigência da mesma gozará os benefícios da aposentadoria.
A centralidade somente nesta Diretoria Regional se deve, sobretudo, a
extensão em termos de bairros que são atendidos por ela no Rio de Janeiro e pelo
fato de trabalhar vinculada a mesma. É considerada uma das metropolitanas de
maior abrangência pelo número de escolas públicas11
e privadas, de recursos
humanos e, também, de alunos matriculados. No total, segundo dados do
Relatório de Governança da SEEDUC-RJ, no ano de 201412
, havia 52.674
(cinquenta e dois mil, seiscentos e setenta e quatro) alunos matriculados nas 84
(oitenta e quatro) escolas públicas atendidas pela Regional (SEEDUC, 2015).
De acordo com os dados do Instituto Pereira Passos13
, órgão da Prefeitura
da cidade do Rio de Janeiro, e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística14
(IBGE), as informações referentes aos bairros onde os colégios estaduais estão
8 Inclui os bairros: Aeroporto, Alto da Boa Vista, Andaraí, Anil, Barra da Tijuca, Benfica, Botafogo, Caju, Camorim, Catete, Catumbi, Castelo, Centro, Cidade de Deus, Cidade Nova,
Copacabana, Cosme Velho, Curicica, Engenho Novo, Estácio de Sá, Fátima, Flamengo, Freguesia,
Gamboa, Gardênia Azul, Gávea, Glória, Grajaú, Grumari, Humaitá, Ilha de Paquetá, Ipanema,
Itanhanga, Jacaré, Jardim Botânico, Joá, Lagoa, Lapa, Laranjeiras, Leblon, Leme, Mangueira,
Manguinhos, Maracanã, Pechincha, Praça da Bandeira, Praça Mauá, Praça Seca, Recreio dos
Bandeirantes, Rio Comprido, Rocha, Rocinha, Sampaio, Santa Teresa, Santo Cristo, São Conrado,
São Cristóvão, São Francisco Xavier, Saúde, Tanque, Taquara, Tijuca, Triagem, Urca, Vargem
Grande, Vargem Pequena, Vasco da Gama, Vidigal, Vila Isabel. 9 Com o intuito de preservar a identidade dos sujeitos não especificarei o bairro onde está
localizado o colégio estadual, mas a região onde se situa. 10 O Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado do Rio de Janeiro prevê em seu Artigo 129 – “Após cada quinquênio de efetivo exercício prestado ao Estado, ou a suas autarquias, ao
funcionário que a requerer, conceder-se-á licença-prêmio de três meses, com todos os direitos e
vantagens de seu cargo efetivo.” Esse benefício pode ser acumulado e retirado integralmente antes
da aposentadoria. 11 Atende 84 escolas públicas, de acordo com os dados do Relatório de Governança do Governo do
Estado do Rio de Janeiro (2015). 12
De acordo com o Relatório de Governança acima citado, em Nota de Rodapé (Nota: 3). 13 Disponível em: <http://portalgeo.rio.rj.gov/bairroscariocas/index_bairro.htm>. Acesso em: 10
set. 2015. 14 Disponível em: < http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=330285>. Acesso em: 10
set. 2015.
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localizados e onde os professores entrevistados lecionam apresentam as seguintes
características:
A região da Zona Sul, nos arredores dos bairros da Gávea, Jardim
Botânico e Leblon, é considerada uma área nobre, de classe média alta e alta, com
um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) muito alto entre 0,957 a 0,970. No
ano de 2010, neste perímetro urbano, o número total de habilitantes era de 76.755
(setenta e seis mil, setecentos e cinquenta e cinco) moradores, destes 3.679 (três
mil, seiscentos e setenta e nove) eram jovens na faixa etária de 15 a 19 anos.
Existiam na região, no ano de 2012, quatorze (14) escolas e uma (1) creche da
rede pública, sendo que cinco (5) colégios15
são da rede estadual de ensino.
Para efeito deste trabalho, a Zona Oeste será subdividida em duas regiões,
Jacarepaguá e Barra da Tijuca. A região de Jacarepaguá é composta por inúmeros
bairros, os colégios estaduais ficam próximos aos bairros da Praça Seca, Curicica
e Taquara, cujo IDH é considerado alto, fica em torno de 0,828 a 0,845. No ano
de 2010, nos bairros citados o contingente populacional era de 197.462 (cento e
noventa e sete mil, quatrocentos e sessenta e dois) habilitantes e destes 14.916
(quatorze mil, novecentos e dezesseis) eram jovens na faixa etária de 15 a 19
anos. Existiam na região, no ano de 2012, trinta e uma (31) escolas e seis (6)
creches da rede pública, sendo que quinze (15) colégios são da rede estadual de
ensino.
O bairro da Barra da Tijuca tem um IDH muito alto 0,959. O quantitativo
populacional era, no ano de 2010, de 135.924 (centro e trinta e cinco mil,
novecentos e vinte e quatro) habitantes, do número total de habitantes 7.164 (sete
mil, cento e sessenta e quatro) são jovens na faixa etária de 15 a 19 anos. Na
região existem 15 (quinze) escolas públicas e uma (1) creche, desse quantitativo,
cinco (5) colégios são estaduais.
Em relação ao âmbito do Centro da cidade, nas imediações dos bairros Rio
Comprido, Tijuca e Praça da Bandeira, o IDH varia de 0,849 a 0,926, também
considerado alto. A população total nesta região, no ano de 2010, era de 213.517
(duzentos e treze mil, quinhentos e dezessete) moradores, com 13.033 (treze mil e
trinta e três) jovens na faixa etária de 15 a 19 anos. No ano de 2012 existiam na
15 Os dados sobre o número de colégios estaduais são oriundos da Coordenação de Inspeção
Escolar da DRM VI, no ano de 2015.
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região vinte e três (23) escolas e doze (12) creches da rede pública. Com relação
aos colégios da rede estadual são em número de dez (10).
Segundo dados do Atlas Brasil16
, no ano de 2010, o IDH do município do
Rio de Janeiro que leva em consideração aspectos como, longevidade, educação e
renda era considerado alto pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), cujo valor era 0,799. Torna-se necessário destacar
que, por ser uma cidade com fortes contrastes econômicos e socioculturais, e vasta
extensão territorial, é cercada por comunidades (zonas favelizadas) em toda a sua
extensão urbana, seja sobre os morros devido ao tipo de relevo da região, seja no
asfalto. Em comunidades da zona oeste situam-se dois colégios estaduais, cujos
professores são sujeitos da pesquisa.
Com relação aos colégios estaduais, todos apresentam boa estrutura física e
organizacional, têm boas condições de limpeza, com o mobiliário em condições
de uso, salas refrigeradas, enfim, com infraestrutura adequada ao funcionamento.
Na zona sul, um dos colégios tem 62 anos de existência, é uma instituição
de grande porte, tradicional no bairro, na década de 60 foi considerada uma escola
de vanguarda pelo trabalho realizado por professores e gestores.
Na zona oeste, um dos colégios, também de grande porte, fundado em
1962, é uma referência no bairro pela qualidade do ensino. Esse colégio no final
da década de 60 oferecia gratuitamente o curso de pré-vestibular para os alunos de
baixa renda da região, uma iniciativa de vanguarda no período. Destaco, ainda,
que os professores que lá lecionam enfatizaram o trabalho de parceria da equipe, a
construção coletiva do Projeto Político Pedagógico, evidenciando a importância
da relação entre pares.
Entretanto, a importância da relação entre pares, da parceria dos colegas de
trabalho, foi um aspecto silenciado pelos docentes. Embora seja destacada a
importância do trabalho em equipe por inúmeros autores (HARGREAVES, 1998;
NÓVOA, 1999; CARIA, 2000; MARCELO, 2009, VAN ZANTEN, 2009) para a
eficácia e desenvolvimento profissional, este aspecto esteve ausente da fala dos
professores.
16 Disponível em: <http://www.atlasbrasil.org.br>. Acesso em: 10 set. 2015.
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Outro colégio estadual localizado na zona oeste, nas imediações de
Jacarepaguá, passou recentemente por reformas, incluindo a manutenção dos
prédios, a troca de todo o mobiliário e a ampliação da biblioteca.
Uma observação se faz necessária em relação à distinção dos termos
utilizados nesta investigação Escola e Colégio. O termo Escola é utilizado em
referência às unidades escolares de toda a rede pública carioca de ensino –
estadual, municipal e federal –, e para designar as Escolas da rede municipal de
ensino, nomenclatura também usada pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
No caso da rede estadual de ensino a denominação, comumente, utilizada pela
SEEDUC-RJ, cujas escolas são identificadas, é Colégio – Colégio Estadual. Este
esclarecimento justifica a utilização dos termos empregados ao longo do texto.
A informação sobre o quantitativo populacional de jovens na faixa etária
de 15 a 19 anos foi relevante, em virtude do nível de atuação dos docentes. Eles
lecionam para alunos do ensino médio que se encontram nesta faixa etária.
Todos os professores relataram a inexistência de violência dentro dos
colégios estaduais, embora policiais militares permaneçam nos portões ou nos
pátios externos das unidades escolares durante o turno de aula, o que, segundo
alguns professores, gera uma sensação de segurança. A presença desse efetivo foi
determinada pela SEEDUC17
desde 2012.
2.1.1. O trabalho na Rede Estadual de Ensino: um facilitador na entrada ao campo e na aproximação com os sujeitos
Parece-me, no entanto, importante esclarecer que os modos de investigação e as técnicas de recolha e tratamento da informação decorrem, e são parte constitutiva e integrante, do processo de construção do objecto de estudo. A metodologia, entendida num
17 Desde o início do ano de 2012, na gestão do Governador Sérgio Cabral, sob a administração do
Secretário de Educação Wilson Rizolia, foi realizado um acordo entre as secretarias estaduais de
Educação e Segurança Pública do Rio de Janeiro, que deu à Polícia Militar a missão de fazer a
segurança dentro das escolas do estado, o que gerou forte polêmica envolvendo órgãos da
sociedade civil, promotores públicos, partidos políticos e o próprio SEPE (Sindicato Estadual dos
Profissionais da Educação do Rio de Janeiro). A presença de PMs nas escolas foi adotada um ano
após o massacre de Realengo, o primeiro caso em escolas no Brasil. No dia 7 de abril de 2011,
Wellington Menezes de Oliveira, 23 anos, invadiu a Escola Municipal Tasso da Silveira, onde
havia estudado na infância, e matou a tiros 12 jovens entre 12 e 14 anos, antes de ser baleado e se
suicidar. Disponível em: < http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteudo?article-id=907706>.
Acesso em: 24 ago. 2013.
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sentido amplo e não redutível a técnicas e preceitos normativos, atravessa a globalidade do processo de investigação.
(Canário, 1996: 13418)
O trabalho na rede estadual de ensino do Rio de Janeiro, na Coordenação
Regional de Inspeção Escolar da DRM VI (CRIE-VI), se constituiu como um
elemento indispensável para facilitar a minha entrada no campo de pesquisa. A
partir do contato com o Coordenador de Gestão de Pessoas da Regional tive acesso
ao acervo dos professores que deram entrada em processos de aposentadoria e de
posse de seus dados pessoais pus-me a entrar em contato com os docentes para
propor um encontro para as entrevistas, após esclarecimento sobre o tema e os
objetivos do trabalho. Na maioria dos processos, o professor solicitava primeiro a
Licença-Prêmio para depois desfrutar da aposentadoria.
Durante três meses, quinzenalmente, verifiquei o acervo dos professores
que abriram os processos para a aposentadoria do estado. A coleta das
informações foi realizada de fevereiro a abril de 201519
. Em virtude da
necessidade de tempo hábil para realizar as entrevistas, transcrevê-las e analisá-
las, foi necessário fazer esse recorte temporal. A folha de rosto do processo
informava os dados pessoais do professor – nome, escola de origem, data de
entrada no processo, telefone(s), correio eletrônico, escola de lotação, data de
nascimento.
Alguns processos eram descartados durante a triagem inicial por não se
adequarem ao perfil docente definido pela pesquisa, em virtude dos professores
terem se ausentado um longo tempo de sala de aula para ocupar cargos de gestão,
como diretor, orientador ou coordenador pedagógico. Em outros, ainda, os
professores já haviam recebido a concessão da Licença-Prêmio e, logo em
seguida, seriam aposentados. Como parâmetros para a seleção dos sujeitos foram
estabelecidos que, o professor deveria, efetivamente, estar em atividade docente
enquanto aguardava o deferimento ao processo de aposentadoria, quer seja por
18 CANÁRIO, Rui. Os estudos sobre escola: problemas e perspectivas. In: BARROSO, João
(Org.). O Estudo da Escola. Porto: Porto, 1996. 19
Como o objetivo da investigação era trabalhar com os professores que permaneciam em sala de
aula, tendo em vista que, a grande maioria antes da aposentadoria desfruta da licença-prêmio, e
considerando, ainda, que os deferimentos dos processos de aposentadoria são realizados,
geralmente, no prazo de seis meses após a abertura dos mesmos, foi necessário que a entrada ao
campo ocorresse no início de 2015.
35
tempo de serviço ou pela aposentadoria compulsória20
; e, também, permanecido
em exercício durante os anos de magistério, sem exercer funções gratificadas
(Direção, Orientação Pedagógica, Coordenação Pedagógica).
Neste período de triagem foram selecionados trinta e quatro (34)
processos, destes descartei os primeiros cinco professores que se recusaram a
participar da pesquisa no primeiro contato telefônico.
As primeiras tentativas de agendamento das entrevistas foram frustrantes,
no contato telefônico com os cinco primeiros professores selecionados não houve
boa receptividade, os mesmos se recusaram um a um a participar da investigação,
por questões diversas, embora me apresentasse como servidora estadual, também
professora, e estudante de doutorado que pesquisava os professores em processo
de aposentadoria. As negativas foram as mais variadas, “Não quero!” (a voz era
grave e impaciente, o professor desligou o telefone logo em seguida sem me dar
chance de argumentar); “Obrigada minha filha, mas cheguei ao final da carreira.
Não quero mais falar sobre educação” (uma voz doce soava ao telefone. Minha
insistência foi em vão, ela repetia o mesmo argumento); “Não tenho interesse
não!” (essa professora desligou em seguida o telefone, mas o tom de voz era
agradável e foi educada ao responder após meus argumentos); “Nesse momento
não vou poder porque estou viajando amanhã e não sei quando volto, estou de
férias e vou passar um tempo com minha filha e meus netos nos Estados Unidos.
Se não fosse a viagem ficaria feliz em falar da profissão” (a voz transpassava a
felicidade com a possibilidade de reencontrar a família distante. Não argumentei,
agradeci e desliguei); “Não tenho o menor interesse, obrigado” (a voz firme e
serena do professor encerrou a ligação).
Esses posicionamentos mudaram o rumo inicial de acesso aos docentes, a
partir de então construí uma nova estratégia entrando em contato direto com os
colégios estaduais através de seus gestores.
Minha credencial como servidora do estado foi um elemento facilitador da
entrada no campo de pesquisa. A visita ao colégio estadual no qual o professor
20
A aposentadoria compulsória é uma imposição legal que obriga o trabalhador a afastar-se do
posto de trabalho que ocupava, independente da sua condição física, mental, etc. A Constituição
Federal de 1988, em seu artigo 40, §1º, inciso II, determina que todos os funcionários públicos da
União, estados, municípios e do Distrito Federal devem obrigatoriamente se aposentar ao atingir a
idade de 70 anos.
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estava lotado foi eleita meu início de percurso investigativo. O contato com o
docente seria, então, mediado pelos gestores. Foi um alívio ouvir ao telefone da
primeira diretora de um colégio próximo ao Centro da cidade que dois professores
aguardavam a aposentadoria em sala de aula. Os demais contatos telefônicos
também foram um alento, percebi que esse era o caminho mais adequado para
iniciar o trabalho de campo.
Em alguns colégios fiz a visita pessoalmente, sem a intermediação do
contato telefônico. É importante destacar que, em todos os colégios, nos quais
nunca atuei como Professora Inspetora Escolar, fui bem recebida por gestores e
professores. A cada nova visita percebia que o novo caminho escolhido, de acesso
ao professor por intermédio do diretor, seria o mais eficaz para entrevistá-los.
Alguns dos professores que haviam sido selecionados durante os meses de
triagem e verificação dos processos no Setor de Gestão de Pessoas da DRM VI
foram descartados porque já estavam usufruindo a Licença-Prêmio. Informação
que só obtive ao chegar nos colégios estaduais. Outros, entretanto, foram surgindo
a partir das informações colhidas com os gestores. Enfim, contei com a parceria
da direção para me comunicar com os docentes que não estavam na listagem
inicial, mas também haviam dado entrada em processos de aposentadoria.
Na primeira visita ao colégio nem sempre conseguia contato direto com o
professor, alguns deles trabalhavam em dias ou horários distintos, mas de posse da
grade de horário dos docentes realizava os contatos e fazia o agendamento da
entrevista. Percebi que, às segundas-feiras e às sextas-feiras, havia maior ausência
de docentes em fase de pré-aposentadoria, a maioria trabalha de terça-feira a
quinta-feira. Passei a visitar os colégios nesses dias. Pude comprovar,
posteriormente que, o tempo de magistério e a permanência por anos no mesmo
colégio estadual os deferia a escolha das turmas e dos dias de trabalho nas
unidades escolares, um privilégio desfrutado pelos professores em final de
carreira.
O contato interpessoal com o professor, realizado pelas visitas às unidades
escolares, facilitou a marcação das entrevistas. Ao conversar com o professor e
apresentar a pesquisa, percebi na maioria deles a disposição para falar sobre o
magistério e a carreira que construíram. Apenas uma professora de um colégio na
37
zona sul se recusou, alegando falta de tempo para a entrevista pela extensa carga
horária na rede pública e privada.
2.2. Os Sujeitos: o norte da caminhada
Ao longo dos últimos anos, temos dito (e repetido) que o professor é a pessoa, e que a pessoa é o professor. Que é impossível separar as dimensões pessoais e profissionais. Que ensinamos aquilo que somos e que, naquilo que somos, se encontra muito daquilo que ensinamos.
(Nóvoa, 2009b: 212)
É importante traçar o perfil de quem estamos falando, os professores
licenciados – especialistas (GATTI, 2010). Para isso, vou apresentar de forma
breve alguns elementos que os identificam – nome, idade, locais e níveis de
formação, redes/sistemas público(a) ou privado(a) em que atuam/ram, ano em
que ingressaram na rede estadual de ensino, tempo de aposentadoria em outras
redes –, dados que também estarão ilustrados na Tabela 1.
Embora os professores não tenham pedido sigilo em relação a seus nomes
e autorizaram a divulgação de suas informações ao assinarem o Termo de Livre
Consentimento, resolvi utilizar nomes fictícios a fim de preservar suas
identidades. Os nomes escolhidos, de certa forma compõem a identidade desses
professores, pois derivam de seus próprios nomes compostos ou estão associados
à sua terra natal.
As primeiras entrevistas foram realizadas com os professores dos colégios
próximos ao Centro da cidade, inicialmente, dois professores. Depois migrei para
a Zona Sul, e, por último, para a Zona Oeste. A maioria dos colégios funciona em
três turnos (manhã, tarde e noite), mas todos os professores entrevistados
lecionam somente nos turnos da manhã e/ou da tarde. Trabalham dois ou três dias
na semana na rede estadual, dependendo do fato de ter uma ou duas matrículas.
Com exceção da professora Janaína que prestou concurso para Língua
Inglesa (Inglês) no ano de 1994 com a carga horária de 40 horas, todos os demais
são Professores 16 horas (PI). A maioria possui duas matrículas no serviço
público (estado e/ou município) e aguarda o deferimento do processo de
aposentadoria no ano de 2015.
38
Os professores Agostinho, Antônia, Augusto, Eduardo, Francisco,
Júnior, Lúcia, Maria e Virgínia já são aposentados de outros órgãos onde
exerceram funções no magistério ou em outros campos profissionais, como
ilustrado na Tabela 1 (p. 39-45).
Os docentes lecionam as seguintes disciplinas: Matemática – Antônia
(67)21
, Júnior (69), Manoel (60) e Virgínia (56) –, Matemática e Física – Maria
(68); História – Luiz (57), História e Sociologia – Eduardo (69) e Agostinho
(64); Química – Augusto (69); Geografia – Lúcia (69) e Helena (57); Educação
Física – Rafael (56) e Renato (57); Língua Espanhola – Carmen (50); Língua
Portuguesa – Francisco (69), Língua Portuguesa e Inglês – Janaina (54).
Em relação ao tempo de magistério são distintos, alguns professores têm
mais de 35 anos de carreira, outros 20 anos ou mais, e, ainda, temos os
professores com mais de 10 anos de exercício docente, neste grupo situam-se
Augusto e Junior que estão se afastando da rede estadual de ensino pela
aposentadoria compulsória, pois completam 70 anos de idade em 2015.
A maioria dos docentes reside próximo ao colégio onde leciona, com
exceção dos professores Júnior, que reside na zona sul e trabalha em um colégio
da zona oeste, próximo à Barra da Tijuca, e, ainda, Agostinho e Lúcia, que
residem na zona norte (Madureira e Pilares) e lecionam em colégios da zona
oeste, em bairros de Jacarepaguá. Todos possuem nível superior, são professores
com Licenciatura Plena nas áreas específicas de suas disciplinas. Destes, onze
professores possuem pós-graduação, onze a nível de especialização (mínimo de
360 horas/aula) e uma professora tem, ainda, o curso de mestrado (Antônia).
Esses professores se distinguem dos docentes que trabalham nos
segmentos da educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao
5º anos). Alguns elementos de distinção entre os grupos são: a formação
(obrigatoriamente Licenciatura Plena e Bacharelado), habilitados para trabalhar no
ensino médio e no segundo segmento do ensino fundamental; são responsáveis
por lecionar uma disciplina específica (professor especialista de disciplina); a
carga horária de trabalho é diferenciada (16 h. em cada matrícula). E, também,
podem ocupar cargos gratificados através de processo seletivo interno do estado
na área de gestão. Enfim, além de outros fatores que promovem clivagens
21 O número entre parênteses se refere à idade cronológica do professor.
39
históricas (MENDONÇA E CARDOSO, 2007) no interior da profissão, estes
elementos ratificam a distinção entre esses grupos22
.
Segue abaixo, a tabela com os dados dos professores entrevistados.
Tabela 1: Os Sujeitos da Pesquisa, professores da rede estadual de ensino do Rio
de Janeiro
PROFESSORES DA REDE ESTADUAL
Nome Idade Graduação Pós-
Graduação
Disciplina
que
Leciona
Rede/Sistema
Público(a)/Pri
vado(a) onde
trabalha/ou
Aposentado
desde
Agostinho
64
LicenciaturaPlena em
História (UFF –
Concluída
em 1985)
Bacharelado
e
Licenciatura
em Ciências
Sociais (UFF –
Concluído
em 1982)
Bacharelado
em Serviço
Social
(UFF –
Concluído
em 1976)
Especializa-
ção em
História
Social e
Cultural do
Brasil
(FEUC)
História
e
Sociologia
Estadual (RJ)
16 horas
(Iniciou em
1985)
Aguardando deferimento
do processo
Federal
(Atuou como
Assistente
Social durante
37 anos)
2010
Antônia
67
Bacharelado
e Licenciatura
Plena em
Matemática
(UERJ –
Concluída
em 1973)
Direito
(Universida
de Estácio
de Sá –
Concluída em 2010)
Mestrado em
Pesquisa
Operacional
(UFF –
Concluída em
– 1978)
Psicopedago-
gia
Matemáti-
ca
Estadual (RJ)
16 horas 2ª matrícula
(Ingressou em
1990)
Aguardando
deferimento do processo
Rede Privada
(Colégios
Andrews (30
anos) e Santo
Inácio (12
anos).
2002
Estadual (RJ)
16 horas
1ª matrícula (Ingressou em
1974)
1992
22 Este aspecto será mais aprofundado no capítulo 3.
40
Augusto
69
Licenciatura
Plena em
Química (UFRJ –
Concluída
em 2003)
Engenharia
Química
(UFRJ –
Concluída
em 1973)
Não possui
Química
Estadual (RJ)
16 horas 1ª Matrícula
(Ingressou em
2005)
Aguardando
deferimento do processo
Compulsória
Estadual (RJ)
16 horas
2ª Matrícula
(Ingressou em
2007)
Aguardando
deferimento
do processo
Compulsória
Rede Privada
como
Engenheiro
Químico
2000
(INSS)
Carmen
49
Licenciatura Plena em
Letras
(Língua
Portuguesa
– Língua
Espanhola)
(UFRJ –
concluída
em 1989)
Especializaçã
o em Língua
e Literatura
Espanhola
(UFRJ –
concluída em
1991)
Mestrado
Incompleto
(Universidade
de Santander
– Espanha)
Língua Espanhola
Estadual (RJ) 16 horas
(Ingressou em
1990)
Aguardando deferimento
do processo
Rede Privada
(Colégio PH)
Não
Municipal
(RJ)
(Ingressou em
1995)
Só em 2020
Eduardo
69
Bacharelado
e
Licenciatura Plena em
Ciências
Sociais (UFRJ –
Concluído
em 1974)
Não fez
Estudos
Sociais
História
e
Sociologia
Estadual (RJ)
16 horas
(Ingressou em 76)
Aguardando
deferimento
do processo
Município do
RJ (ingressou
em 1977)
2000
Rede Privada
2005
Francisco
69
Licenciatura
Plena em
Letras (Português
–
Literatura)
(Faculdade Simonsen –
Concluída
em 1989)
Não possui
Língua
Portugue-
sa
Estadual (RJ)
16 horas
(Ingressou em
1994)
Aguardando
deferimento
do processo
Compulsória
Municipal
(RJ)
(Iniciou em 1996)
Aguardando
deferimento
do processo
Compulsória
Rede Privada
(Bancário)
2007
(INSS)
41
Helena
57
Bacharelado
e Licenciatura
Plena
em
Geografia
(UFRJ –
Concluído
em 1985)
Licenciatura
Plena em Letras
(Português –
Francês)
(UERJ –
Concluída
em 1988)
Especializa-
ção em
Docência do
Ensino
Superior
(UFRJ)
Geografia
Estadual
(RJ) 16 horas
(Iniciou em
1991)
Aguardando
deferimento do processo
Municipal
(RJ)
(Ingressou em
1987 como PII
– Anos
Iniciais do EF e depois
passou para PI
– Anos Finais
do EF)
Vai sair pela
Compulsória
Janaína
54
Licenciatura
Plena em
Letras (Português
– Inglês)
(Faculdade
Souza
Marques –
Concluída em 1989)
Especializa-
ção em
Gramática
Histórica
(Faculdade
Souza
Marques)
Inglês
(40 h.)
e
Língua
Portugue-
sa (16 h.)
Estadual (RJ)
1ª Matrícula
40 horas
(Ingressou em
1994)
Aguardando
deferimento
do processo
(averbando
tempo de
serviço da
rede
privada)
Estadual (RJ)
2ª Matrícula 16 horas
(Ingressou em
2011)
Vai sair pela
Compulsória
Rede Privada
(Secretária
Executiva
Bilíngue
durante 13
anos)
Está
averbando o
tempo de
serviço.
Junior
69
Licenciatura
Plena em
Matemática ( UFRJ –
Especializa-
ção em
Docência
Superior
Matemáti-
ca
Estadual
(RJ)
16 horas (Ingressou em
Aguardando
deferimento
do processo
42
Concluída
em 2000)
Engenharia
Elétrica
(UFRJ –
Concluída
em 1973)
(Universidade
Castelo
Branco)
1998 por
contrato e em
2000 por concurso)
Compulsória
Rede Privada
(Colégio
Santo Inácio –
6 meses)
_________
Rede Privada
(IBM –
Engenheiro –
durante 25
anos)
1998
Lúcia
69
Bacharelado
e
Licenciatura
em
Geografia (UERJ –
Concluído
em
1983)
MBA em
Meio
Ambiente –
Incompleto
(Universidade Veiga de
Almeida)
Geografia
Estadual
(RJ)
2ª Matrícula
16 horas
(Ingressou em
1997)23
Aguardando
deferimento
do processo
Compulsória
Estadual (RJ)
1ª Matrícula
16 horas
(Ingressou em
1984)
2015
Municipal
(RJ)
(Ingressou em
1966 como PII – Anos
Iniciais do EF
e depois
passou para PI
– Anos Finais
do EF)
1994
Rede Privada
(Editora
Moderna –
Trabalhou no
Editorial)
_________
23 Nesta terceira matrícula como servidora pública a professora não receberá proventos, mas terá
direito à Licença Prêmio de seis meses. Este benefício foi assegurado por decreto no Governo
Marcelo Alencar, segundo informação da Diretoria de Direitos e Vantagens (DRDV) da SEEDUC-
RJ, cujo servidor público possuidor de duas matrículas, aposentado em uma delas, poderia,
naquele período, prestar concurso público e atuar como servidor público até a Aposentadoria
Compulsória sem direito a receber os proventos da aposentadoria na terceira matrícula. Essa
informação foi apostilada no Ato de Investidura do Servidor.
43
Luiz
57
Licenciatura
Plena em
História (UFF –
Concluída
em 1984)
Especializa-
ção em
História do
Brasil (Universidade
Cândido
Mendes –
2002)
História
Estadual (RJ)
16 horas 1ª Matrícula
(Ingressou em
1985)
Aguardando
deferimento do processo
Estadual (RJ)
16 horas
2ª Matrícula
(Iniciou em
1988)
Vai
permanecer
Rede Privada
(Leciona no
Sistema
FIRJAN – SENAI e
SESI)
Atual
Manoel
60
Bacharelado e
Licenciatura
em
Matemática
(Faculdade
Celso
Lisboa –
Concluído
em 1989)
Especializaçã
o em
Matemática (PUC-Rio -
concluída em
1992)
Matemáti-ca
Estadual (RJ) 16 horas
(Ingressou em
2002)
Aguardando deferimento
do processo
da 1ª
matrícula
(Averbou
período de
trabalho no
Sistema
Privado)
Município do
RJ
(Ingressou em 1996)
Vai sair pela
Compulsória
Rede Privada
(Colégio
Barilan)
Averbou
para a
Aposentado-
ria do
Estado.
Maria
68
Bacharelado
e
Licenciatura
em
Matemática
(USP – concluída
em 1972)
Pedagogia
(USP)
Especializa-
ção em
Álgebra
Linear
(USP –
concluída em 1975)
Matemáti-
ca
e
Física
Estadual (RJ)
16 horas
(Ingressou em
1999)
Aguardando
deferimento
do processo
Estadual (São
Paulo) (Ingressou em
1973)
1998
Municipal
(São Paulo)
(Ingressou em
1979)
Pediu
Exoneração
44
Rede Privada
– em São Paulo
durante 5
anos.
_________
Rafael
56
Licenciatura
Plena em
Educação
Física (UFRJ –
Concluída
em 1979)
Especializa-
ção em
Educação
Física
Escolar
(UFF)
Especializa-
ção em
Prescrição de
Exercícios
para Casos
Especiais
(UNESA/
UGF)
Especializa-
ção em
Administra-
ção Escolar
(A Vez do
Mestre)
Educação
Física
Estadual (RJ)
1ª Matrícula
16 horas
(Ingressou em
1982)
Aguardando
deferimento
do processo
Estadual (RJ)
2ª Matrícula
40 horas
(Iniciou em 1985) –
Atualmente
atua como
Diretor
Adjunto
Permanecerá
até a
Compulsória
Rede Privada
(Lecionou em
Escolas da
Rede
Cenecista na
Região dos
Lagos – RJ, até 2000)
_________
Renato
57
Licenciatura
Plena em
Educação
Física (UFMG –
Concluída
em 1982)
Especializa-
ção em
Ciência do
Basquetebol
(UGF)
Educação
Física
Estadual (RJ)
16 horas
(Ingressou em
1983)
Aguardando
deferimento
do processo
Municipal
(RJ)
(Iniciou em
1989)
Permanecerá
até a
Compulsória
Virgínia
56
Bacharelado
e
Licenciatura
Plena em
Matemática
(UERJ –
Concluída
em 1985)
Não possui
Matemáti-
ca
Estadual
(RJ)
16 horas
(Ingressou em 1987)
Aguardando
deferimento
do processo
Municipal
(RJ)
(Ingressou em
1982 como PII
– Anos
Iniciais do EF
e depois
passou para PI
2013
45
– Anos Finais
do EF)
Rede Privada
(Lecionou no
Colégio Gama
Filho durante
10 anos – de
1987 a 1996)
_________
A partir deste quadro com recortes das informações básicas sobre cada
professor, alguns elementos foram considerados e articulados para construção de
categorias que possibilitaram as análises deste estudo.
2.3. O clima das entrevistas: a proximidade profissional e social assegura o vínculo e a cumplicidade entre pesquisador e pesquisado
[...] Sob risco de chocar tanto os metodólogos rigoristas quanto os hermeneutas inspirados, eu diria naturalmente que a entrevista pode ser considerada como uma forma de exercício espiritual, visando a obter, pelo esquecimento de si, uma verdadeira conversão do olhar que lançamos sobre os outros nas circunstâncias comuns da vida. A disposição acolhedora que inclina a fazer seus os problemas do pesquisado, a aptidão a aceitá-lo e a compreendê-lo tal como ele é, na sua necessidade singular é uma espécie de amor intelectual [...].
(Bourdieu, 1998: 70424)
A narrativa é reconstrutora da memória, ao narrar suas experiências os
sujeitos experimentam e ressignificam os caminhos vividos, recriam novos
sentidos de existir (FORMOSINHO, 2009) e reconstroem suas identidades. E,
assim, eles vão atribuindo sentidos aos percursos de sua existência.
Durante a entrevista o pesquisador deve ter uma postura não-violenta
(BOURDIEU, 1998) em sua abordagem, com o objetivo de criar um clima de
confiança e de cumplicidade assegurada pela proximidade social dos sujeitos
(Ibid: 1998).
As experiências subjetivadas narradas pelos sujeitos garantem a
compreensão dos inúmeros vieses que atravessam a profissão docente e o grau de
24 BOURDIEU, Pierre. Compreender. In: _____. (Org.). A Miséria do Mundo. Petrópolis, Vozes:
1998.
46
complexidade deste ofício, que se constrói não somente na formação, mas
também na prática cotidiana, na interação com os alunos, na convivência com os
pares, no chão da sala de aula.
Para que haja compreensão dos professores e de suas práticas, e,
sobretudo, dos motivos que impulsionaram a permanência no magistério, é
necessário conhecer suas vidas e, assim, compreender as escolhas pessoais e as
contingências sociais (GOODSON, 1992), a partir das interações que estabelecem
de forma significativa nos diversos contextos sociais em que atuam.
No primeiro encontro com o professor expunha o meu interesse com a
pesquisa, esclarecia a forma como tive acesso ao seu nome e também lhe
apresentava o Termo de Livre Consentimento25
.
Para Bourdieu (1998: 695), apresentar a pesquisa é:
[...] tentar esclarecer o sentido que o pesquisado se faz da situação, da pesquisa
em geral, da relação particular na qual ela se estabelece, dos fins que ela busca e explicitar as razões que o levam a aceitar de participar da troca. [...] É o
pesquisador que inicia o jogo e estabelece a regra do jogo, é ele quem,
geralmente, atribui à entrevista, de maneira unilateral e sem negociação prévia, os objetivos e hábitos, às vezes, mal determinados, ao menos para o pesquisado.
Na tentativa de minimizar os efeitos da desinformação com relação aos
interesses da pesquisa, para que as regras do jogo estivessem o mais claras e
objetivas possíveis, foi criado o Termo de Livre Consentimento, cujo intuito foi
esclarecer os trâmites da investigação, a justificativa, os objetivos do estudo, e a
segurança em relação ao sigilo e à confiabilidade da mesma.
O professor definia o local e a data da entrevista, algumas foram realizadas
na visita inicial, em algum tempo livre do professor ou após o turno de aula,
outras foram previamente agendadas, de acordo com a disponibilidade de cada
docente. De maio a novembro de 2015, as entrevistas foram sendo realizadas. O
longo período temporal se deve ao fato de que, algumas entrevistas precisaram ser
adiadas pelos professores, considerando, ainda, período de férias escolares,
feriados e pontos facultativos26
. É importante esclarecer que, o início do trabalho
de campo foi realizado no ano de 2015, último ano do curso de Doutorado, pois a
25
O modelo do Termo de Livre Consentimento estará anexo. 26 É uma espécie de "feriado", decretado pelos governos em dias úteis, nas datas especiais para o
Município/Estado ou Nação, decreto válido apenas para os servidores das repartições públicas de
sua alçada administrativa, os quais, naquelas datas data ficam dispensados do ponto, e,
consequentemente, do serviço.
47
intenção era investigar o professor que ainda estava em sala de aula, o que não
faria sentido se iniciasse em anos anteriores.
No total, foram realizadas dezessete entrevistas, sendo que uma das
entrevistas, a exploratória, foi descartada, pois não alcançou o objetivo da
investigação.
Todas as entrevistas foram realizadas nas unidades escolares onde os
docentes estão lotados e ainda lecionam. Não foi imposto tempo para duração da
entrevista, o tempo era determinado pela disposição do professor de falar sobre os
anos de exercício na profissão. As entrevistas tiveram a duração média de uma
hora e quarenta minutos (1 h. 40 min.), foram realizados em tempos de aula livres,
após reuniões de Conselho de Classe (COC), ou em horários anteriores os
posteriores aos turnos de aula.
Os espaços reservados para as entrevistas foram biblioteca, sala de
coordenação ou direção, sala de professores, ou em alguma sala de aula livre do
colégio. Sem exceção, todas as entrevistas sofreram algum tipo de interrupção dos
agentes escolares, em especial as que foram realizadas nas salas de coordenação,
professores e direção, em virtude de serem espaços por onde circulam professores
e demais funcionários da unidade escolar, mas nada que impedisse o bom
andamento da entrevista ou constrangesse o professor.
Em todas as entrevistas percebi a disponibilidade do professor em falar
sobre a/da profissão, expor os sentimento e emoções que atravessaram os anos de
exercício do magistério, uma espécie de catarse, que os fez relembrar momentos
de sua história de vida, trazer elementos que compõem suas práticas e, ainda,
compartilharem seus projetos de futuro.
As entrevistas tiveram um caráter diretivo em virtude de haver um roteiro
semiestruturado como orientação do caminho, tal qual uma bússola para um
caminhante que não quer se desviar da sua rota, dos objetivos da investigação.
Mas, foi, fundamentalmente, não diretiva para permitir que os professores
estivessem livres para contar suas histórias, criando um espaço de re-viver o
vivido.
Van Zanten (2004) aponta alguns fatores importantes para o sucesso das
entrevistas de campo. Para esta autora, o bom resultado nesta etapa da pesquisa
exige do pesquisador algumas condições, como, atitude crítica e flexível para
48
modificar, quando necessário, a formulação e ordem das perguntas; a seleção
pertinente do horário e espaço para a entrevista; o domínio da situação; esclarecer
ao entrevistado o objetivo da entrevista; intervir quando necessário para retomar o
tema central da entrevista
Procurei estar atenta a todas essas recomendações durante o processo de
entrevista, a fim de garantir a legitimidade e o sucesso desta etapa fundamental de
coleta de dados.
Como afirma Combessie (2004: 43):
Conduzir uma entrevista é ao mesmo tempo um ofício e uma arte: a melhor
condução é elaborada na maioria das vezes como que espontaneamente, com base
nas experiências adquiridas e deixando-se guiar pela dinâmica da entrevista.
Houve o cuidado de construir um Roteiro de Entrevista27
semiestruturado
com o objetivo de conter todas as questões necessárias à criação das categorias
que seriam construídas para análise dos dados. Durante a entrevista foi criado um
clima de confiança e tranquilidade (ZAGO, 2003), permitindo, assim, que os
entrevistados se sentissem confiantes em contar as histórias de suas vidas.
As entrevistas foram gravadas em áudio, posteriormente salvas na
memória do computador, e transcritas uma a uma, de forma atenta e recapitulada,
pela autora. O objetivo de transcrever cada entrevista foi o de imprimir em cada
uma delas o subjetivo das vozes e dos semblantes registrados em meu Diário de
Campo, em observações que se faziam registradas em cada uma das transcrições.
Para manter a fidelidade do discurso durante as transcrições é necessário estar
atento ao timbre de voz, o ritmo, a linguagem dos gestos, a postura corporal
(BOURDIEU, 1998).
Para Zaia Brandão (2002: 40):
A entrevista é trabalho, reclamando uma atenção permanente do pesquisador aos seus objetivos, obrigando-o a colocar-se intensamente à escuta do que é dito, a
refletir sobre a forma e conteúdo da fala do entrevistado, os encadeamentos, as
indecisões, contradições, as expressões e gestos [... ].
Após cada entrevista, intensas pelos momentos de emoção e troca, era
registrado em meu Diário de Campo as percepções de cada professor(a), os traços
fisionômicos, a busca do olhar e da aprovação da pesquisadora, as lágrimas de
27 Em anexos.
49
tristeza e de alegria, que algumas vezes me contaminaram, os sorrisos, o
semblante triste e/ou saudoso, a efusividade de alguns, a retração de outros, enfim,
aspectos que não ficaram gravados no áudio, mas foram percebidos na relação e
registrados nas folhas do meu caderno. Elementos que identificam e distinguem
cada professor e cada professora entrevistado/a, ao compartilharem o pouco do
muito de suas histórias de vida.
Como enfatiza Bosi (2003: 60-61):
A entrevista ideal é aquela que permite a formação de laços de amizade; tenhamos
sempre na lembrança que a relação não deveria ser efêmera. Ela envolve
responsabilidade pelo outro e deve durar quanto durar uma amizade. [...] Se não fosse assim, a entrevista teria algo semelhante ao fenômeno da mais-valia, uma
apropriação indébita do tempo e do fôlego do outro.
Foi realizada, a posteriori, uma escuta cuidadosa de cada relato para as
transcrições, tentando ao máximo preservar os sentimentos, os silêncios, os risos,
enfim, as emoções que atravessavam cada narrativa. Certamente, a escrita nunca
dará conta do verbo, da emoção encarnada nas palavras, carregadas de
sentimentos, mas procurei ser o mais fiel possível às falas dos professores.
A partir dos relatos dos professores sobre a formação, a trajetória
profissional, o sentido da docência, os sentimentos que emergem nesta fase do
ciclo profissional, as expectativas de futuro, os rumos dessa caminhada foram se
delineando. E, assim, com as informações do que pensam, sentem, vivem e
aspiram (BIASOLI-ALVES e DIAS-DA-SILVA, 1992; BOGDAN e BIKLEN,
1994; ZAGO, 2003) iniciou-se a análise dos dados coletados.
Na perspectiva de Michelat (1987), uma análise interpretativa bem feita só
é possível se mantivermos a lógica do entrevistado, ou seja, o sistema de relações
por ele estabelecido. Logo, o processo de análise de cada entrevista foi criterioso,
no sentido de uma escuta isenta de pré-conceitos, buscando apreender a lógica de
pensamento de cada docente.
Para organizar os dados coletados nas entrevistas foi utilizado o Software
NVIVO10. A utilização deste programa foi fundamental para a construção das
categorias de análise a partir do lançamento dos dados obtidos nas entrevistas. O
programa não cruza dados, nem efetua quaisquer tipos de análise, mas auxilia no
armazenamento de informações e na construção de eixos analíticos. Afinal, a
50
pesquisa qualitativa é descritiva e analítica, privilegiando, portanto, as narrativas
(BOGDAN e BIKLEN, 1994).
As categorias para análise dos dados coletados foram construídas com o
objetivo de melhor elucidar os temas mais recorrentes, que favorecessem as
futuras análises e respondessem às questões iniciais da pesquisa, no sentido de
atribuir sentido às experiências dos professores. As categorias construídas focam,
em especial, a formação, a escolha do magistério, a relação com alunos, a
autoimagem professoral, a profissionalidade e a identidade construídas, o
momento da aposentadoria, os encantos e desencantos com a profissão, os
projetos futuros.
A análise dos dados articulou elementos objetivos e subjetivos percebidos
durante as entrevistas e as percepções registradas em meu Diário de Campo.
Aspectos que, revelaram os motivos de escolha da profissão e de permanência na
mesma.
As escolhas, a formação, as relações, as experiências acabam por revelar o
modo como diferentes pessoas dão sentido às suas vidas (BOGDAN e BIKLEN,
1994), considerando, evidentemente que, as experiências relatadas nas entrevistas,
as histórias contadas, são apenas fragmentos da vida do sujeito, são a ponta do
iceberg. O universo humano, as experiências vivenciadas, objetivas e subjetivas
possuem uma dimensão e um grau de complexidade que nenhum pesquisador
conseguirá dimensionar. Nossas análises se restringem às informações coletadas
nas poucas horas com os entrevistados, aos fatos narrados, às lembranças
objetivadas, à realidade construída por cada sujeito da pesquisa. Portanto,
trabalhamos sempre como pesquisadores com fragmentos da realidade, com
pequenas porções do todo que é o existir.
O olhar sobre o dito e o não dito é carregado também da subjetividade do
pesquisador, é o seu recorte do material vivido, que se torna um material
empírico, rico em nuances e texturas das quais estão/são encarnadas de sentido e
tecerão o percurso da investigação, em busca das singularidades do envelhecer e
do aposentar dos professores, protagonistas da pesquisa.