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2 NO 16 - 2009/2 NO 16 - 2009/2 3

O gigante que não dorme nuncaRio-Niterói: repórter acompanha a vida de quem mantém acordada a maior ponte do Brasil

Raquel Couto

Meia-noite. Enquanto o Rio de Janeiro dorme, um gigante de 14 mil metros fica acordado com 1700 lâmpadas acesas. Todas as noites, cerca de 100 funcionários ficam acor-dados cuidando da ponte Rio-Niterói. Virei a noi-te de 28 de novembro de 2009, sábado, nesta que é a maior ponte do Brasil e a sexta maior do mundo, para saber o que acontece sobre a Baía de Guanaba-ra enquanto a maioria das pessoas está dormindo.

“Quando algum veícu-lo para, por exemplo, seja por acidente ou problemas técnicos, a gente avisa às equipes de resgate, tanto mecânico quanto médico, e eles têm até 8 minutos pra chegar ao local solici-tado e ajudar quem estiver no veículo”, conta Fábio Cordeiro. Agente de aten-dimento e monitoramento trabalha das 18h às 6h no Centro de Controle de Trá-fego (CCT). Sua função é monitorar as 20 câme-ras que ficam instaladas ao longo da ponte e seus acessos, na subestação de energia, nas molas do in-terior do vão central e no canal do vão central.

Fábio precisa avisar às equipes de resgate ou de manutenção, qualquer problema que venha per-ceber através das câmeras que captam imagens de todos os pontos da ro-dovia. Enquanto Fábio conversava, seu olhar es-tava atento a um ônibus parado em um recuo com todos os passageiros do lado de fora. Pelo rádio ele foi informado: “O moto-rista suspeitou de que um assaltante estava entre os passageiros, parou o ve-ículo e acionou a polícia rodoviária federal. Todos os passageiros saíram do ônibus para a revista”.

Duas horas da madru-gada, ali dentro do CCT parece 10 da manhã, pela correria dos funcionários. “Rebocar veículo no vão central”, dizia no rádio Fá-

135 mil veículos passam pela ponte Rio-Niterói todos os dias, controlados 24h por equipes

bio Cordeiro para a equipe de atendimento mecânico. Além de monitorar as 20 câmeras, ainda tem que ficar atento ao rádio, tele-fone e computador.

Ao longo de 24 horas, passam em média 135 mil veículos pela ponte. À noi-te, das 18h às 6h, passam apenas 30 mil veículos. Logo, os funcionários da noite teriam uma vida mais tranquila, certo?

Errado. À noite, com a pista livre, os motoris-tas correm mais e, apesar de acontecerem menos acidentes, devido a quan-tidade menor de veículos, quando acontece alguma batida, ela é mais grave. Além disso, à noite, as equipes têm de ter maior atenção com o atendimen-to e a sinalização.

“O atendimento tem que ser mais rápido por-que o trânsito fica mais espaçado e os motoristas que estão atrás veem as equipes de atendimento muito em cima, o que pode acarretar até em outro

acidente”, conta Marcelo Salles, que é mecânico na ponte. O trabalho também é mais complicado. “Esta-mos cansados, com sono e temos que trabalhar à risca”, lembra. Equipes de mecânicos e médicos fazem cerca de 200 aten-dimentos, por dia. Apenas 70 acontecem no período de 18h às 6h.

“Há um grande fluxo de caminhoneiros. Atende-

mos também muita gente voltando da noitada”, ex-plica Salles, mecânico. Para não prejudicar o fluxo dos veículos, só é permitida a passagem de caminhões das 22h às 4h. Além dos caminhoneiros, o usuário que trafega pela ponte durante a noite tem um perfil diferente de ou-tros horários. “De dia as pessoas estão mais ati-vas, indo para o trabalho,

resolver alguma coisa. À noite estão mais cansadas, muitas vezes alcoolizadas ou sob o uso de entorpe-centes, para se manterem acordados, como é o caso de alguns caminhoneiros”, observa Carlos Eduardo Oliveira, agente de atendi-mento e monitoramento.

O que muitos não sa-bem ou fingem não saber é que é proibido parar o carro na ponte. Desavisa-das, muitas pessoas param para tirar foto e até namo-rar, dando mais trabalho às equipes. “A gente manda a equipe de resgate até o lo-cal e informa ao usuário”, conta Carlos Eduardo.

Por volta das 4h um caminhão faz o serviço de limpeza da ponte. Marcos Dias, funcionário da equi-pe de limpeza da noite, só consegue dormir quatro horas por dia em média e fala da dificuldade. “É bem difícil me manter acordado. O olho fica la-crimejando e tomo café toda hora”, desabafa.

Carlos Eduardo lembra que, por ser uma via muito movimentada, pode acon-tecer de tudo. “Já recolhi escrivaninha, geladeira, cobra, cachorro e até uma caixa d’água de 5 mil litros”.

A ponte Rio-Niterói é administrada pela conces-sionária CCR. Controlador de pedágio, Alex Meira diz que é um desafio trabalhar de madrugada. “Tem gente que não gosta. Na primei-ra semana é mais difícil, eu parecia um urso panda de tanta olheira. Mas de-pois a gente acostuma. O telefone não para de tocar e você mesmo não conse-gue nem parar para pensar no horário.”

Alex, que já foi arre-cadador no pedágio da equipe da noite, lembra algumas situações que aconteceram em seu mo-vimentado horário de trabalho. “Acontece de tudo, gente que passa pelo pedágio sem roupa, fanta-siado, aqui na ponte não tem como prever nada”, diverte-se.

VOCÊ SABIA...• O nome oficial da ponte Rio-Niterói é Ponte

Presidente Costa e Silva. Ela é considerada a maior ponte, em concreto protendido, do hemisfério Sul e atualmente é a sexta maior ponte do mundo.

• A ponte não flutua. É fincada no chão por tubulões enormes recheados de concreto e presos à rocha, no fundo do mar.

• Existe no interior do vão central um conjunto molas e contrapesos em aço que totalizam 120 mil quilos. Sua função é reduzir a freqüência de oscilação da estrutura de 13 mil toneladas do maior vão em viga reta contínua do mundo, sob fortes ventos.

• O vão central possui 72 metros de altura e foi feito para que os navios maiores possam passar por baixo da ponte.

Foto de divulgaçãoFoto: R

aquel Couto

Universidade Federal do rio de Janeiroreitor

aloisio Teixeira

escola de comUnicaçãodireção

ivana Bentes

coordenação do curso de Jornalismocristiane costa

núcleo de imprensa elizabete cerqueira coordenação executiva

cecília castro programação visual

número 16 - 2009/2informativo produzido pelos alunos

da escola de comunicação da UFrJ

coordenação acadêmica cristiane costa

Coordenação gráfica e designcecília castro

apoioDivisão Gráfica da UFRJ

veja mais em http://jornalnzero.blogspot.com/

este número foi produzido com matérias elaboradas pelos alunos da disciplina Jornal laboratório.

TiraGem: 500 exemplaresdisTriBUição GraTUiTa

EDITORIAL

EXPEDIENTE

Um santo chá?Rituais para uso do daime se tornam cada vez mais comuns. Mas será que, por ser natural, não faz mal?

Viviane Inojosa

Em busca do desen-volvimento espiritual, um grupo de homens e mu-lheres, somando em média 60 pessoas, entre 20 e 68 anos, se reúne duas vezes por mês em uma espécie de refúgio arborizado den-tro da região metropolita-na do Rio de Janeiro para tomar o Santo Daime, um líquido proveniente da fer-vura entre duas plantas, também conhecido como ayuasca.

Era mais um dia do trabalho (nome dado à ce-rimônia) de concentração, que costuma acontecer nos dias 15 e 30. As pes-soas começaram a chegar por volta das 18h30. Uma hora depois elas se sen-tam, homens de um lado e mulheres de outro, e co-meçam a rezar as orações do Pai Nosso e Ave Maria, para no final tomarem as primeiras doses do daime. Todos já estão de posse dos seus copos, mais ou menos do tamanho de um copinho de café, quando alguns in-tegrantes do grupo servem o líquido de cor marrom.

Depois da primeira dose, as pessoas começam a cantar hinos. A mudança de estado mental já é per-ceptível. O grau de con-centração é demonstrado pela despreocupação com o que acontece ao redor. Todos parecem estar vol-tados para o que acontece dentro deles mesmos, com os olhos fechados. Não há nenhum contato físico nem de troca de olhares nesse momento.

Depois de 30 minutos, é servida a segunda dose, que, segundo Zaíra Men-des, uma das integrantes do grupo há 13 anos, fun-ciona apenas para manter o estado de elevação da consciência. Tudo parece correr bem, quando uma mulher, entre as cerca de 10 pessoas que tomavam o daime pela primeira vez, começa a vomitar. O res-to do grupo não se abala e a mulher, de 26 anos, é

acompanhada por um dos fiscais, que fica observan-do a reação dos iniciantes, pois é normal haver efeitos colaterais no começo. “Al-gumas reações refletem necessidades de limpeza do corpo, a apuração dos sentidos provocada pelo daime. Ele pode causar choro, experiências medi-únicas e desarranjos intes-tinais. É por isso que faze-mos uma entrevista antes e desaconselhamos pessoas com doenças psicossomá-ticas a tomar”, diz Zaíra.

Apesar de ter passado pela entrevista antes do ri-tual de concentração e ter sido informada de que não poderia ir embora antes do término da cerimônia, ao melhorar do enjôo a moça quer sair, mas é contida. Bastante irritada, passa a discutir com o fiscal, com os olhos arregalados e muito pálida. “Preciso ir para minha casa, não es-tou me sentindo bem nes-se lugar, por favor.” Mas o fiscal pede calma e diz que só quando a concentração acabar ela poderia ir.

Enquanto isso, o restan-te do grupo toma a tercei-ra dose e entra em estado de meditação, seguido de duas horas de silêncio. Ao despertar desse estado me-ditativo, às 2h da madruga-da, as pessoas tomam mais

uma dose e começam a se cumprimentar apenas com sorrisos e olhares. Termina a concentração e a moça que passara mal finalmen-te pode ir embora. Estava mais calma, mas não mui-to satisfeita. “Esses casos acontecem, mas é uma re-gra da casa só deixar a pes-soa sair no final do ritual, não podemos transgredir”, explica Zaíra.

As outras nove pessoas que tomaram o daime pela primeira vez entraram no clima do ritual. Segundo um jovem de 23 anos que não quis se identificar, foi um momento de enxergar sua vida de outro ângulo. “É como se passasse um fil-me de toda minha história. Foi muito forte, realmente mexeu comigo, é preciso estar preparado para esse momento”, contou.

Cada pessoa procura o daime por uma razão, mas, para a maioria, o mo-tivo é o mesmo. E pode ser traduzido por uma das ini-ciantes de 31 anos: buscar explicação para a trajetó-ria de sua vida. “Vivemos apenas para suprir ne-cessidades materiais. Daí começa um vazio. Quando penso no que vim fazer na Terra, minha mente emba-ralha. Preciso encontrar o conforto dentro de mim e não fora”, diz a moça.

A disciplina de Jornal Laboratório é sempre uma das mais procuradas do curso de Jornalismo. Não é para menos. Trata-se de uma rara chance de os alunos explorarem todas as etapas de produção de um veículo impresso: pauta, pesquisa, reportagem, entrevistas, fotografia, redação, revisão, diagramação, segunda revisão. Ao longo de um semestre, discutimos e preparamos as matérias que vocês vão ler aqui.

De todas, a etapa mais divertida certamente é a pauta. Não é fácil encontrar um tema que se desdobre em dezenas de matérias diferentes. A definição da pauta geral é uma guerra. Cada futuro repórter sugere um ou dois temas gerais, que são devidamente anotados e depois vão para a votação. Enquanto alguns defendem veementemente sua proposta, advogados do diabo tentam derrubá-la por todos os meios. Pesando os prós e contras a turma elege seu tema preferido em meio a várias rodadas de votação.

Mas isso é só o começo. Depois, cada um tem que pensar numa pauta individual. Neste número, o desafio foi pensar em diferentes ângulos para uma reportagem sobre a noite. Um foi para rodoviária, outro para uma blitz da Lei Seca. Um preferiu uma noitada de samba, outro um baile funk. Os contrastes da noite no Rio de Janeiro podem ser acompanhados aqui nesta edição. O enfoque inusitado escolhido pelos repórteres é a garantia de que não há a a menor chance de o leitor cair no sono.

O daime é servido várias vezes durante o ritual religioso

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Que batida é essa que na balada é sensação?

Baile funk desce o morro e vira febre entre os jovens do asfaltoThaís de Brito

Da favela para os clu-bes. O baile funk já ocupou as manchetes das páginas policiais. Depois passou a ganhar espaço nos ca-dernos culturais. Agora já representa a atividade de lazer que mais atrai jovens no estado do Rio de Ja-neiro, de acordo com uma pesquisa pioneira do FGV Opinião (instituto de pes-quisas da Fundação Getú-lio Vargas). Nos 878 bai-les realizados por mês em todo o estado, o número de pagantes chega a 1,230 milhão por mês (quase 14,5 Maracanãs lotados). Incluindo a arrecadação da bilheteria, movimentam um valor estimado de R$ 10,607 milhões por mês, entre aluguéis de equipes, venda de CDs e DVDs, os cachês de MCs e até am-bulantes que trabalham nas proximidades. No início associados às comunida-des pobres, os bailes estão dominando a noite carioca e conquistando cada vez mais os jovens das classes média e alta.

Vários são os bailes feitos para atender a esse público. Um deles é o Castelo das Pedras de São Gonçalo, que acontece no Centro Cultural Porto da Pedra, todos os sábados à noite. A organização sur-preende. Mas não escapa de cometer tropeços. No início do baile do dia 23 de outubro, no qual se co-memorava o aniversário de nove anos da festa, a entra-da franca para mulheres até meia-noite só foi liberada 15 minutos antes do fim do prazo. Resultado: somente em torno de 30 consegui-ram o benefício. As mais de 100 restantes na fila não tiveram outra opção: re-correram a cambistas para comparar ingressos já que os da bilheteria haviam se esgotado.

A informalidade não para por aí. Diversos

vendedores ambulantes ao redor aproveitam a chance para lucrar com o grande número de pes-soas que aguardavam na fila. A venda de bebidas alcoólicas predomina. O

destaque é a tequila, a nova moda, oferecida em copos de plástico para café com limões cortados e sal. O elevado consumo do lado do fora dá até medo para quem nunca foi a um bai-

le, mas não é isso que se vê dentro. “O consumo básico não é dentro. É no lado de fora. Até porque lá dentro só quem tem mui-to dinheiro bebe. Alguns combos chegam a custar

R$179,00”, relevou a fre-quentadora Amanda Silva, professora, de 20 anos.

Fim da espera e chega-se à catraca. Os seguran-ças, sem nenhum critério aparente, solicitam a do-cumentação de alguns que parecem muito novos. Afi-nal, a entrada para menores de 18 anos é proibida. Para outros, a passagem é libera-da sem qualquer problema, sobretudo, no que se refe-re à ala masculina. Com o passar das horas, o rigor não se mantém. Depois que os agentes do Juizado de menores vão embora, os critérios mudam. Exemplo disso é a estudante P. C., de 15 anos, terceira vez no baile: “Tenho que esperar o juizado ir embora. Por eu ser menor, espero até 1h da manhã para entrar. Depois, a segurança libera o acesso tranquilamente”, explica.

Sobre a ordem dentro do salão, não há do que se reclamar. Uma equipe de cerca de 50 profissionais consegue manter a paz

Poucos acadêmicos es-colheram tratar do funk em seus trabalhos. Um deles foi o professor da Escola de Comunicação da UFRJ Micael Herschmann. Au-tor dos livros “Funk e Hip-hop invadem a cena” e “Abalando os anos 90”, dedicou-se a estudar o funk e hip-hop, no Rio de Janeiro e São Paulo, entre 92 a 98. Herschmann bus-cou entender a inserção da juventude de classe mais baixa na dinâmica cultural da cidade, além de discutir os motivos pelos quais o funk e o hip-hop são asso-ciados à violência.

Para ele, os arrastões ocorridos em praias da Zona Sul carioca, entre 1992 e 1993, foram deci-sivos para o crescimento do preconceito ao funk.

asfalto, em meados dos anos 90, o ritmo das fave-las começou a ser tratado de forma ambígua, segun-

no mercado cultural”, esclarece.

Segundo o professor, o preconceito contra o funk é, na realidade, voltado para a classe social que o tem como importante expressão social. “A dis-criminação contra o funk é, na verdade, contra toda a cultura e o universo que gira em torno dessas camadas menos privile-giadas da população.” O historiador lembra que isso também foi viven-ciado por outros gêneros musicais produzidos nas periferias e nos morros: “Na verdade, o precon-ceito com o funk é algu-ma coisa que se reedita em situações que nós já assistimos na história do Brasil. O samba foi um exemplo disso”, explica.

Preconceito foi fruto dos arrastões nas praiasProfessor da UFRJ é pioneiro em usar o movimento como objeto de estudo acadêmico

DJ Marlboro é um dos líderes do movimento que gera milhões de reais por ano

Bailes funk se tornaram programa para classe média

do Micael. “Ao mesmo tempo em que existia um discurso condenatório, havia outro de glorifica-ção, que contribuiu para a abertura de um espaço

“Os arrastões foram uma tentativa de reencenar uma prática que havia em alguns bailes, de rituali-

zação de uma luta. Só que eles acabaram produzindo um impacto negativo so-bre o imaginário urbano.”

Com o passar do tem-po e a maior aceitação do

durante todo o baile. Para isso, revista os frequen-tadores na entrada. Cinco mulheres são responsá-veis pela ala feminina. E seis homens pelo público masculino. Depois, o gru-po muda o lugar de atua-ção e vai para plataformas que deixam os seguranças em um nível superior ao da plateia. Para o trabalho, só há espaço para os mais fortes e mal-encarados. Na noite da festa de aniversá-rio de nove anos do baile, só uma briga aconteceu. Mas foi tão rapidamente controlada que só quem estava atento notou.

Dentro, a decoração com bolas de gás pelo ani-versário do baile destaca-se. Mas não tanto quanto a ten-da branca desmontável que ocupa o centro do local, ao lado do espaço para o DJ Bráulio, que comandava a festa. No lugar, vários bal-des de alumínio cheios de gelos envolvendo cervejas. Segundo informações de um dos responsáveis, que pediu para não ser identi-ficado, essa “artimanha” ocorre porque o lucro do bar oficial tem que ser divi-dido com o dono e o centro cultural, enquanto que ali tudo é dos organizadores do baile. De qualquer for-ma, há espaço para ambos. Até porque depois de um tempo só o bar passa a reinar devido a estoque re-duzido do “concorrente”. Mas até ele, depois de um tempo, precisa improvisar. Com a falta de baldes, en-tram em cena sacos de lixo preto, mas ninguém se im-porta.

Impressiona também o tamanho reduzido do pal-co, incapaz de proporcio-nar uma boa visão para a multidão. Um quadrado de cerca de 2m x 2m, com

1m de altura, que contras-ta com a enorme parede de caixas de som que fica atrás. De acordo com o motorista Adriano Mari-nho, de 33 anos, que fre-qüenta bailes há 16 anos, o investimento nos equipa-mentos de som nos bailes é o que mais melhorou com o passar dos anos: “O apa-rato de hoje é bem superior ao que era usado no início. Mas isso não quer dizer que a festa também seja, até porque, hoje em dia, é difícil ver um baile que re-presenta realmente o ritmo, agora virou um comércio”, critica. Para o público que não está perto, os shows da noite só puderam ser vis-tos por meio de três telões, de onde se acompanhou a principal atração da noite, MC Sapão. Seja na pista ou nos seis camarotes.

Quanto ao público, há muito mais homens do que mulheres. E não é só nisso que eles ganham. No dan-ça, também. Calça jeans, camiseta, cordão de pra-ta e tênis de marca com-põem o traje para curtir o baile. Alguns deixavam a parte superior à mostra por causa do calor ou para exibir os músculos. Elas, com suas calças, blusas e vestidos justos, estavam mais tímidas. No contato entre eles, não prevalecia o que se ouvia nas letras recheados de referências ao sexo e até nas lendas urbanas que envolvem os bailes funk. Pelo contrá-rio, a maioria optou por um comportamento mais comedido. Segundo a ven-dedora Marília Souza, de 28 anos, o objetivo prin-cipal no baile é dançar, e não beijar: “Estamos aqui por causa da música. Ficar com alguém é consequên-cia”, afirma.

É claro que é funk, meu irmão!

O dia 23 de setembro de 2009 entrou para a his-tória do funk carioca, gê-nero musical perseguido desde o seu surgimento, na década de 70. Nesta data, o governador Sérgio Cabral sancionou duas leis pró-funk.

A primeira foi a de número 5.543/09, que definiu o ritmo como manifestação cultural de caráter popular, exceto qualquer conteúdo que faça apologia ao crime. De autoria dos deputados Marcelo Freixo (PSol) e Wagner Montes (PDT), a lei pretende o assegurar a ocorrência dos bailes, além de diminuir o pre-conceito contra o ritmo. Com a nova lei, os assun-tos relacionados ao funk passam a ser tratados pe-los órgãos de cultura do estado e não de seguran-ça, como antes. Na justi-ficativa do projeto de lei, os dois deputados ainda reforçam que o funk pos-sui um importante papel social nas favelas: “Para as comunidades, além de diversão, o funk é tam-bém perspectiva de vida, pois assegura empregos direta e indiretamente, as-sim como o sonho de se ter um trabalho significa-tivo e prazeroso.”

A segunda foi a Lei 5.544/09, que revogou as normas que dificultavam a realização de bailes funk e festas raves em comuni-dades do Rio. Desta vez em companhia do depu-

tado Paulo Melo (PMDB), Freixo também assina o projeto de lei. Segundo os parlamentares, ela foi cria-da para solucionar a falta de definição do que seriam bailes e eventos de música eletrônica na Lei 5265/08, do deputado cassado e ex-chefe da Polícia do Rio, Ál-varo Lins, de 18 de junho de 2008. “Ora, enquanto

– somente serviram para aumentar o número de bailes funk ilegais. “A lei fez com que muitos clu-bes passassem a promover bailes na clandestinidade. Não queremos isso, que-remos a legalidade justa, igualitária para todo tipo de evento”, defendeu na ocasião que os projeto das duas leis foram votados na Assembléia Legislati-va do Rio de Janeiro, em 1º de setembro de 2009.

A secretária de Cultura do Estado, Adriana Rattes, também presente na vota-ção, considerou acertada a mudança na lei sobre os bailes funk. “Esta revoga-ção fará com que o funk passe a ser enquadrado na lei que regula todos os eventos, de todos os esti-los ou ritmos, sem distin-ção”, avalia.

Rômulo Costa, dono da principal equipe de som Furacão 2000, foi ou-tro que enxergou a nova lei como um importante passo para a consolida-ção do funk no cenário cultural: “O governo do Rio tomou uma decisão histórica para a cultura: revogou uma lei inconsti-tucional, discriminatória e preconceituosa e aprovou em seu lugar uma lei que reconhece o funk como movimento cultural. O funk sai agora da tutela da polícia e entra no campo da cultura”, disse em ar-tigo publicado no site do Jornal “O Globo”, no dia 13 de outubro de 2009. Dono da Furacão 2000, Rômulo Costa comanda baile

“Queremos a legalidade

justa, igualitária

para todo tipo de evento”DJ Marlboro

o funk é um gênero musi-cal bem definido, a ‘rave’ é um evento. Na prática, as autoridades da área de Segurança Pública vinham interpretando de maneira completamente extensiva a categoria ‘bailes do tipo funk’, considerando como tais qualquer evento que execute músicas identifi-cadas com o gênero”, jus-tificam o projeto.

De acordo com o DJ Marlboro, um dos prin-cipais representantes do funk, as exigências – que iam desde envio obrigató-rio de documentos à Secre-taria de Estado de Seguran-ça Pública à necessidade de monitoramento de câmeras

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Unidos de Vila Isabel

Fundação:4 de abril de 1946

Presidente: Wilson Vieira Alves

Vice-presidente: Evandro “Bocão”

Quadra: Avenida Boulevard Vinte e Oito de Setembro, nº 382 -

Vila Isabel. Carnavalesco: Alex de Souza

Intérprete:Tinga

1º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira:

Julinho e Rute Mestre de Bateria:

Mestre ÀtilaRainha da Bateria: Gracyane Barbosa

Componentes:3.600 foliões

www.gresunidosdevilaisabel.com.br

Caroline Sá Ferreira

Uma hora por dia, Rute Alves, uma bela mulata de 32 anos, corre em torno do Maracanã. Nada demais para uma estudante de Educação Física, não fosse também a porta-bandeira mais sa-rada do Rio de Janeiro, com direito a ensaio sen-sual no site Sambarazzo. Com corpo digno de rainha de bateria, Rute chama a atenção de quem frequenta a quadra da Es-cola de samba Unidos de Vila Isabel, que celebra 63 anos de tradição.

Os bastidores dos ensaios, que começam assim que termina o car-naval impressionam os visitantes e os turistas que chegam em excursões. Ao chegarem à quadra da agremiação são re-cebidos por Rute. Perto dela a rainha da bateria, Gracyane Barbosa, perde seu reinado.

Como todos sabem, a porta-bandeira é vista, admirada e julgada pela capacidade de se dançar e levar, com classe e leve-za, a bandeira da escola. O público em geral não costuma gravar os nomes e os rostos das portas-bandeira, mas no caso da Vila Isabel é ela que brilha entre os foliões e os jornalistas presentes nos ensaios. Escutam-se os gritos na quadra “Ru-teeeee! Você é tudo!”. Receptiva e animada, ela reflete junto ao seu com-panheiro, o mestre-sala Julinho, o clima dos en-saios, da agremiação e dos membros da comuni-dade.

Rute, que desfila há cinco anos como 1ª por-ta-bandeira, escolheu a Vila entre tantas escolas por dois motivos: “A forte tradição de sua co-munidade e a beleza do samba”. Foi lá que con-heceu o marido Evandro “Bocão”, vice-presidente da Vila Isabel, que está sempre animando o público e presente em to-dos os ensaios.

Os ensaios acontecem duas vezes por semana, às quartas-feiras (de 19h à 1h da madrugada) e sábados (de 19h à 4h da madrugada). Sempre com a casa lotada, ao

som do samba enredo vencedor para o carnaval. Em 2009, a Escola escol-heu “Noel, a presença do poeta da Vila”, homena-gem ao poeta Noel Rosa, que nasceu e morreu no bairro e que completa seu centenário aniversá-rio em 2010. Esse samba, que junto à bateria do mestre Ávila e na voz do intérprete oficial Tinga faz a quadra tremer, vale o ingresso. Nos ensaios, os componentes parecem soldados marchando em busca da mais perfeita sintonia. Depois da se-gunda vez, a cantoria na quadra é geral.

As alas, a rainha da bateria, o mestra sala,

Uma noite no sambaRute Alves, a porta-bandeira mais sarada do Rio, brilha como anfitriã da Vila Isabel

Rute, a bateria, enfim todos buscam interagir com o público e trocar energia. Numa espécie de retroalimentação, o público dança, pula, sua, vibra, e se envolve com a agremiação, antecipam a dimensão do grande es-petáculo que está por vir. A quadra se torna um grande estádio de futebol, onde um grupo heterogê-neo e sem preconceito se reúne com o único intuito de se divertir.

“Na quadra não existe o pobre, o negro, o gor-do, o feio, todo mundo se mistura e vira um só”, exalta Rute. Basta colo-car os pés na quadra da Vila Isabel para sentir

Foto: Yuri Graneiro / Fonte: Sam

barazzo

Foto:Rute e Julinho /Fonte: Site Rota do Samba

Ensaio fotográfico da porta-bandeira revela formas esculturais de deixar muita madrina de bateria com inveja

Casal de merstre-sala e porta-bandeira é o destaque dos ensaios na quadra da escola

que escola de samba é apaixonante e proporcio-na sensações únicas de libertação. Muitas marca-ções, repetições e técnica são transmitidas por pro-fissionais já acostumados com o caos do universo carnavalesco.

Os ensaios da Vila terminam antes do dia raiar e os foliões saem acabados de tanto dançar e beber, com o samba en-redo na ponta da língua, sorriso no rosto e que-rendo mais. Uma noite na Vila é sinônimo de quadra lotada, a musa Rute desfilando e diver-são garantida. Os ensaios são abertos ao público a R$ 3 o ingresso.

Vida noturna na melhor idadeCamila Carelli

Imagine um casal de idosos à noite. O que eles estariam fazendo? Assistindo a novela das oito, dormindo, fazendo tricô, tirando um cochilo na cadeira de balanço, ou talvez, jogando um “car-teado” com os amigos da mesma idade? Nenhuma das alternativas anteriores descreve a vida noturna de Seu Adolfo e Dona Antônia.

Aposentados e sem fi-lhos, há mais de 20 anos os dois frequentam quase diariamente bailes para a terceira idade em vários pontos da Zona Norte. Na segunda, vão ao baile do Mackenzie, no Méier. As quartas, o destino é o América FC ou o Tijuca Tênis Clube, ambos na Tijuca. O baile do Sesc Engenho de Dentro fica para a sexta. E no do-mingo, depois da praia, a diversão fica por conta do Baile da Melhor Idade no Clube Municipal, na Tijuca. “Domingo eu não deixo de ir à praia de jeito nenhum, é sagrado! De-pois, à tarde, a gente vai para o Municipal”, conta a baiana Dona Antônia, de 80 anos. As outras noites da semana são dedicadas aos compromissos reli-giosos de cada um.

O casal também ado-ra fazer excursões para o interior do Rio, ou para outros Estados, onde é cla-ro, a dança não pode ficar de fora. “Uma vez fomos para um sítio, em Itaboraí, onde passamos o dia intei-ro dançando, só paramos para almoçar”, lembra Seu Adolfo, 74 anos. Ele ainda tem aulas de dança de salão toda semana para não perder o “jeito” e fa-zer bonito nos bailes. Já Dona Antônia gosta mes-mo é de conhecer bailes diferentes. Nada de aulas, prefere o improviso.

Ao contrário do que possa parecer, o casal não se conheceu através da dança. Foi a demora de um ônibus no Méier, Zona Norte da cidade – bairro

onde moram até hoje – que aproximou os dois. Du-rante a espera, iniciaram uma conversa que acabou no cinema. De lá pra cá, se passaram quase 50 anos e o cinema já virou igreja. Hoje, a diversão do casal fica por conta da dança de salão.

Quem vê a empolgação de Seu Adolfo falando das aulas e festas não imagina que, no passado, ele nem gostava de dançar. Foi a mulher que o “levou para o mau caminho”, brinca. Hoje, sua presença nos bailes é muito mais fre-quente que a da esposa. Ele não perde um e nunca falta as aulas, apenas se fi-car muito doente.

No último ano, Seu Adolfo foi muitas vezes sozinho às festas. Em uma das idas à praia de Copa-cabana, no início do ano passado, Dona Antônia foi atropelada e teve uma gra-ve lesão no joelho. Desde então, ela tem ido aos bai-les apenas para assistir e vivenciar o “clima gos-toso”, como ela mesma descreve. Algumas vezes, até arrisca uns passos com o marido, mas não suporta muito tempo. Em dias mais frios ela acaba ficando em casa, porque as dores são intensas, mas não se in-comoda que Seu Aroldo vá sozinho. “Quem ama confia!”, garante. Essa é a receita para o sucesso de

um casamento de mais de 40 anos.

Os dois esperam con-tinuar frequentando os bailes por muitos anos, até que se torne totalmente impossível. Dona Antô-nia brinca: “Só paro de vir se eu estiver presa numa cama, mas ainda é capaz de eu trazer a cama!!”

Quem quiser conhecer o simpático casal, bas-ta ir a um desses bailes. As festas estão sempre cheias, frequentadas por dançarinos de todas as idades, a maioria entre 40 e 70 anos.

Os casados geralmente chegam juntos, os solteiros em grupo. É difícil alguém ir sozinho, embora quase

todos se conheçam. Isso porque esses clubes ofe-recem aulas de dança de salão. Os alunos usam os bailes para praticar o que aprendem todos os dias e se confraternizar com a turma. A troca de casais é comum, todo mundo dan-ça com todo mundo, até os casados. Em geral, os velhinhos solteiros tiram todas as moças para dan-çar e nem pensar na dama negar, pega muito mal!

Tem sempre uma banda tocando, ao vivo, diversos estilos musicais, desde can-ções românticas da década de 50, até os sambas mais atuais, de Alcione e Zeca Pagodinho. A ideia é fazer todo mundo dançar “agar-radinho”, por isso, nada de músicas eletrônicas como rock e funk. Vale bolero, salsa, samba, só não pode deixar a pista ficar vazia. O clima é maravilhoso. É ideal para quem está apren-dendo a dançar, porque os idosos são muito simpáti-cos e atenciosos.

Não há como conhecer um baile desses sem que-rer se matricular em uma turma de dança de salão no dia seguinte. O clima realmente contagia. Para quem gosta de dança e alto-astral, vale a pena. E ainda por cima é um pro-grama barato. Os preços variam de R$ 10 a R$ 15. Todos são bem-vindos. Inclusive, jovens de 20 e poucos anos como eu.

Casal no auge da maturidade troca biriba e tricô pela diversão nos bailes voltados para sua faixa etária

Bailes da terceira idade no Rio de Janeiro Clube Municipal Clube Mackensie Associação Atlética Vila Isabel

“Baile da Melhor idade” “Baile da amizade” “Dançando na Vila” Segunda, 16h às 20h Segunda, 18h às 22h Sábado, a partir das 18h End: Rua Hadock Lobo, End: Rua Dias da Cruz, End: Av. 28 de Setembro, Nº 359, Tijuca Nº561, Méier Nº160, Vila Isabel Tel:2569-4822 Tel:2569-4822 Tel:2278-3347 América FC Tijuca Tênis Clube Rio Sampa “Dançando na quarta” “Terça Dançante” “Baile da Terceira Idade” Quarta, 16h30 às 20h30 Das 16h às 20h Sábado, das 17h às 22h End: Rua Campos End: Rua Conde de End: Rodovia Presidente Dutra, Salles,118 – Tijuca Bonfim 451, Tijuca KM 177, Nova Iguaçu Tel:2569-2060 Tel: 3294-9300 Tel: 3343-2000

Ilustrador André Almeida

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Lei seca pelo lado de dentro Mostrar que álcool e volante não combinam é a proposta do projeto de conscientização da Ope-ração Lei Seca. Trinta cadeirantes, vítimas de acidentes provocados por bebida, contam suas his-tórias e distribuem panfle-tos em blitzes e nas ruas. Uma noite acompanhando atividades na Orla de Co-pacabana ajuda a entender a seriedade do trabalho.

“Eu tinha 18 anos, saí no final de semana para curtir a noitada com meus amigos. Precisava estar à 7h na escola, então fui di-reto virado. Peguei minha moto e bati num caminhão, fiquei paraplégico e passei anos sem sair de casa ou poder estudar”, conta Bru-no Dutra, dez anos depois do acidente.

Há um misto de choque e curiosidade na reação das pessoas abordadas. “E você ficou assim mesmo por causa da bebida?”, é a pergunta mais ouvida. A resposta já está estampada nos folhetos “Eu também bebia antes de dirigir”, im-pressos também em inglês. Os informativos trazem estatísticas assustadoras: o número de vítimas fatais de acidentes de trânsito no Brasil em 2008 chega a ser dez vezes maior do que o total de mortos na guerra do Iraque. Estima-se que 8 milhões de pessoas se envolveram de alguma forma em colisões e atro-

pelamentos, das quais 140 mil sofrem lesões irrever-síveis e 42 mil morreram.

A ação é uma parceria do Estado com a Associa-ção de Deficientes Físicos de Niterói (Andef). Os cadeirantes recebem R$ 1 mil pelo trabalho. Seis equipes trabalham diaria-mente com a conscienti-zação.

“Para mim, a conscien-tização é ainda mais im-portante do que as blitzes. É ali que temos tempo de explicar para a população o porquê da Lei Seca, de educar com casos reais”, avalia Moacir Monteiro, coordenador geral do pro-jeto.

Uma assistente social vai sempre à frente do gru-po, pedindo autorização para os gerentes dos bares antes de qualquer aborda-

gem. A maioria apóia e já conhece a iniciativa. Al-guns poucos negam, com receio de que atrapalhe a clientela.

Os cadeirantes da equipe acompanhada pela reportagem eram todos jovens e bem dispostos. Brincavam entre si e ob-servavam as meninas bo-nitas no calçadão.

“Só pariticipam os que estão bem resolvidos com sua deficiência. Os dessa noite são jogadores pro-fissionais de basquete e dão uma lição de supe-ração”, valoriza Douglas Amador, gerente de con-vênio Andef.

Quando questionados sobre a severidade da lei, se não seria exagerada ou injusta, os jovens cadei-rantes não aceitam meio termo. “Nenhuma gota,

assim que tem que ser. Nós achamos que conhecemos nossos limites, até des-truirmos nossas vidas ou a de alguém que amamos”, defende Gabriel Carvalho, de 33 anos, há dez sem os movimentos dos membros inferiores.

O mais novo do gru-po é um bom exemplo de que não é preciso grande quantidade de álcool para fazer grandes estragos. “Era a véspera do meu aniversário de 18 anos, em 2007. Sai à noite do traba-lho e tomei três latinhas de cerveja com meus amigos enquanto combinava a co-memoração. Na volta para casa de moto, cai numa curva, meu capacete ra-chou e nunca mais andei”, conta Jefferson Barcelos, que nem carteira de moto-rista tinha na época.

Vítimas de acidentes fazem conscientização em bares

Natassja Menezes

“Mulher bebe muito mais do que homem”, afir-ma Edson dos Santos, capi-tão de equipe da Operação Lei Seca, poucos minutos antes de parar um carro com duas jovens. Ele já testou passar dez minutos parando apenas homens em uma blitz e depois só mulheres. Coincidência ou não, foram elas que comen-taram mais ilegalidades, como a motorista que se dirigia à Barra da Tijuca.

Ela nem saiu do auto-móvel para assinar sua re-cusa ao teste de bafômetro, mas teve que descer para entregar a carteira de ha-bilitação, que foi suspen-sa. Desde junho de 2008, dirigir sob efeito de álcool é considerado crime, com punições de multa a ca-deia.

A noite de uma blitz na Zona Sul do Rio de Janeiro começa às 23h na 15ª De-legacia Policial, na Gávea. Ao mesmo tempo, três ou-tras equipes são montadas em outro pontos da capital, duas no interior e uma na região metropolitana.

Carros oficiais saem enfileirados em sentido a São Conrado. Em poucos minutos, cones espalhados reduzem o fluxo da estrada Lagoa-Barra a uma única pista, policiais se posicio-nam estrategicamente nas extremidades e uma ten-da é montada para testes e documentação. Suspen-so o balão “Operação Lei Seca”, é dada a largada para o início das aborda-gens, por volta de meia noite e meia.

Os primeiros veículos são logo parados pelos policiais militares, respon-sáveis pela seleção. Olhos vermelhos, direção agres-siva e linguagem corporal são fatores observados. Funcionários da Secreta-ria Estadual de Governo (Segov), de dedicação ex-clusiva à operação, acom-panham os motoristas abordados até a tenda com testes de bafômetro.

Poucos minutos de tranquilidade até se ouvir

uma sirene policial. Um rapaz, de aproximadamen-te 25 anos, foi pego diri-gindo bêbado na Gávea e mal consegue ficar em pé. Ele se recusa a fazer o teste do bafômetro e liga trans-tornado para seus amigos, perguntando se haveria algum sóbrio para buscar seu carro. Após vários tele-fonemas sem sucesso, não vê outra opção senão pedir socorro para a mãe.

Vale lembrar que não são apenas os bêbados punidos na Lei Seca, mas todo aquele que tiver al-gum teor de álcool no san-gue. Motoristas flagrados

com mais de 0,2 grama de álcool por litro de sangue pagam multa de R$ 957, perdem a carteira de ha-bilitação e têm seus veícu-los retidos. O valor-limite pode ser atingido com uma única lata de cerveja ou mesmo dois bombons de licor. Acima de 0,6 grama, a punição inclui prisão de seis meses a três anos, sen-do afiançáveis por valores entre R$ 300 e R$ 1200.

Impaciente, o bêbado da Gávea cambaleava xin-gando com todos os pa-lavrões possíveis. Cansa e decide esperar sentado dentro de seu carro. Quan-

do acha que os policiais es-tão distraídos, tenta fugir, mas é repreendido. Tirada da cama, duas horas de-pois, a mãe chega e agra-dece emocionada à equipe: “Obrigada, vocês salvaram a vida do meu filho. Eu apoio o trabalho de vocês, está absolutamente certo”.

Dois casos diferentes, o do rapaz e o da menina indo para Barra, uma mes-ma pena. “Há cada vez mais gente se recusando a fazer o teste, mas o moto-rista alcoolizado se enga-na pensando que isso não terá consequências”, alerta o capitão Edson. O bafô-

metro não é obrigatório, já que constitucionalmente ninguém pode ser força-do a produzir uma prova contra si. No entanto, o condutor que se nega sofre a mesma punição desti-nada a pes-soas compro-vadamente alcoolizadas. A diferença é que poderá responder em liberdade a processo na Justiça, cien-te de que o testemunho do agente de trânsito ou poli-cial rodoviário sobre sua sobriedade tem força de prova diante do juiz.

Indecisão é um senti-mento frequente entre os parados na madrugada. Fazer o teste significa cor-rer o risco de ser pego. Não fazer, significa ser proces-sado, mesmo sendo prati-camente inocente.

A auto-avaliação é difí-cil já que o álcool demora para sair do organismo. Para instruir a população, a blitz conta com ao me-nos um membro da Liga de Traumatologia da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). São estudantes de medicina bolsistas, especialistas em lidar com acidentes e pro-mover sua prevenção. É para eles que os motoristas correm quando querem se informar sobre o tempo de permanência do álcool no organismo.

“Não há padrão, ele varia de uma pessoa para outra e é influenciado se a pessoa está acostumada a beber, se comeu algo ou praticou atividades físicas nas últimas horas”, explica a estudante Natália Silva. Em geral, um copo de cer-veja ou um cálice de vinho demoram seis horas para serem eliminados pelo or-ganismo.

“Prendemos uma vez um rapaz que tinha bebido duas caipirinhas na hora do almoço, ele fez o teste tran-quilo, nunca imaginou que o acusaria. O mesmo acon-teceu com uma senhora já idosa, que tinha bebido à tarde um copo de whisky”, conta Luis Felipe Pedra, coordenador da blitz.

Um típico caso de inde-cisão: um casal que tinha

ido a um churrasco à tarde e bebido algumas cervejas não sabia se o exame acu-saria álcool no sangue à 1h da manhã. A estudante de medicina informou que era provável que não, sem se responsabilizar. Angus-tiado, o casal andava em círculos em frente à tenda, fazendo alguns telefone-mas para pedir conselhos. Enquanto isso, Natália conversava com mais um jovem que havia assinado a recusa e revoltado dizia não ver problema em ter bebido, contanto que não estivesse bêbado.

Finalmente, o casal decidiu encarar o bafôme-tro. O sopro tenso do mo-torista foi seguido de um suspiro de alívio, passou com êxito no teste. Come-morou antes do tempo, já que seu carro foi rebocado para Curicica, por estar com a vistoria atrasada.

“Claro que o governo está faturando, mas não es-tamos fazendo nada além de cumprir a lei”, alega uma funcionária do De-tran que não quis se identi-ficar. A determinação en-trou em vigor em junho do ano passado, mas apenas em março de 2009, com a criação da operação, a lei teve uma repercussão maior. Com blitzes diárias, o departamento de trânsi-to aumentou considera-velmente sua arrecadação. Segundo matéria do jor-nal O Globo, até outubro 102.099 motoristas foram abordados, 20.212 deles receberam multas, e 3.700 veículos foram rebocados.

Pesquisa da Compa-nhia de Engenharia de Tráfego (CET-Rio) revela que o número de aciden-tes com vítimas na cida-de caiu 7,32% comparado ao período entre janeiro e agosto de 2008. A Opera-ção Lei Seca é apontada como um dos fatores para os resultados positivos. “O mais importante é a diver-sidade da blitz, a Lei Seca é a única que reúne fun-cionários de tantos órgãos diferentes, isso enriquece o trabalho em equipe com a especialidade de cada um e garante que não haja ilegalidades ou impunida-de. Aqui é o único lugar que você vê desembarga-dor ser punido”, valoriza o capitão Edson.

Com mais de 23 mil seguidores, o twitter Lei Seca RJ ganhou destaque como mobilização na rede burlando a operação. A pá-gina mapeia a localização das blitzes, sendo constan-temente atualizada com in-formações dos participan-tes de diversos cantos da cidade. O objetivo oficial é permitir que os usuários evitem engarrafamentos. Na prática, é um espaço de contestação da iniciativa governamental.

“Não somos contra a Lei Seca, mas contra os transtornos gerados pelas operações de fiscalização. Eles provocam enormes engarrafamentos para fla-grar um percentual mínimo de motoristas alcooliza-

dos”, esclareceu o publici-tário Eduardo Trevisan, um dos cinco organizadores da página no Twitter, em entre-vista ao jornal O Globo.

A internet se prova um espaço de discussão e ques-tionamento do que é posto como obrigatoriedade à po-pulação. A iniciativa fun-ciona também como ser-viço público, informando

o dia inteiro sobre as con-dições de trânsito, carros batidos ou enguiçados, ruas alagadas ou qualquer outro problema.

A participação ativa de seus seguidores e eficiente mediação dos criadores pro-va o potencial das comuni-dades virtuais. A restrição do twitter de até 140 carac-teres produz dados concisos

e facilita a leitura. O gru-po tem até tutorial online explicando o padrão das postagens “QUA 22h52 #BOLS na Rua X, próximo a Y, sentido Z”. Há também um fórum de debates onli-ne sobre o assunto, com telefones de contato dos twitteiros idealizadores e relatos de quem já passou aperto nas blitzes.

O slogan “Lei Seca, eu apoio” é parodiado em série de avatares provo-cativos disponíveis para download. Os criadores incentivam que os inter-nautas apóiem a contra-campanha fazendo adesi-vos para seus carros. Para conhecer a página, acesse http://twitter.com/LeiSe-caRJ

Twitter vira arma para driblar blitzes

Cadeirante distribui planfleto da Operação Lei Seca na Ponte Rio-Niterói

Grande blitz na Avenida Brasil mobiliza todas as equipes da operação

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Saiba o que acontece nos bastidores das blitzes na madrugada carioca

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No palco, uma mulher faz um show de strip-tease intera-

gindo com o público que a observa atentamente; nos sofás, alguns casais (e trios) fazem sexo sob o olhar aten-to de alguns solteiros; e, no meio da pista, algumas mu-lheres simplesmente dan-çam como se nada daquilo estivesse acontecendo a poucos metros delas. É com este tipo de cena que se de-para quem vai ao Club Mix, casa de swing localizada na Praça XV (Rua do Merca-do, nº 25). A casa tem festas regulares de terça a sábado e eventos especiais, que po-dem ocorrer nas noites de segunda-feira e domingo ou tardes de quarta.

A linha de todas as fes-tas é relativamente pareci-da: músicas e apresentações nas pistas de dança, e sexo podendo rolar onde, quan-do e como os frequentado-res quiserem. Cada uma, porém, é pensada para um público específico, seja para interessados em sexo a três, na troca de casais ou até mesmo em transexuais. As apresentações vão de strip-teases a shows de ban-das ao vivo, passando por massagens, tequileiras que distribuem bebida e brinca-deiras. No campo musical, a ênfase é no hip-hop e no funk, ritmos populares e bem ligados à sexualida-de, o que não impede que outros estilos possam ser tocados dependendo do pú-blico e do tema da festa. A 18A, por exemplo, faz um especial dedicado ao rock’n roll uma vez por mês.

São cinco andares que oferecem as mais variadas

opções de entretenimen-to. Duas pistas de dança que não devem nada para outras casas de festa, um terraço que funciona como um bar onde as pessoas po-dem relaxar e dois andares dedicados exclusivamente ao prazer adulto.

Primeiro piso:seja bem vindoA animação começa do

lado de fora. O Club Mix faz fronteira com dois ba-res, nos quais é possível bo-tar o papo em dia e tomar algumas cervejas antes de entrar na festa. Só não se pode tirar o olho do relógio e perder a hora, já que os diversos descontos duram só uma hora: da abertura da casa até às 21h.

Na entrada, os clientes pegam os cartões e as pul-seiras. Os cartões ficam no nome do solteiro, solteira ou casal, obrigando am-bos a saírem juntos e im-pedindo que casais falsos se formem para aproveitar os descontos. As pulseiras servem para sinalizar o po-sicionamento de cada um ali na festa, identificando os solteiros e as preferên-cias de cada casal. É pos-sível dispensar a pulseira caso os parceiros prefiram descobrir o que o desti-no lhes reserva, afinal ela é apenas uma “proteção” contra abordagens de pes-soas indesejadas. Homens sozinhos são obrigados a usarem a pulseira. Tam-bém é oferecida a chave de um armário para a pessoa guardar seus pertences e curtir a noite com mais li-berdade.

As festas ficam vazias até umas 23h e poucos

pela pista de dança ofe-recendo (insistentemente) bebidas.

O erotismo aqui é pou-co estimulado, ou é mais contido, que nos três anda-res superiores. É verdade que tudo depende muito da festa em questão. Em uma Sorriso do Coringa, foram seis strip-teases completos de homens e mulheres, en-quanto em uma 18A as atra-ções do primeiro andar se resumiram a uma cover da Lady Gaga e uma banda ao vivo. O produtor, sócio da casa e DJ nas horas vagas Guilherme Gouveia toma o microfone e faz algumas brincadeiras com o povo da casa, que ele conhece pelo nome. Não é raro que Ali-

ce, sua esposa e promoter, e até o chefe da segurança, conhecido como Wolve-rine, subam ao palco para soltar o gogó. Tudo isso dá às festas um clima bem fa-miliar.

Apesar da “inocência” que domin\a esta pista de dança, é possível deparar-se com pessoas que escolhem prestar menos atenção nas atrações e mais em quem está ao lado. Enquanto a banda do especial de rock’n roll tocava, um grupo de cinco pessoas trocava carí-cias para lá de íntimas. Mi-nutos depois, uma senhora (de uns 50 anos) que estava nesse grupo já podia ser vista praticando sexo oral em um outro homem.

Segundo piso:preliminaresLogo em frente à esca-

da, uma jaula com um “X” junto à parede, onde o “tor-turado” deve se prender. Ideal para preliminares e exibicionismos. Um peque-no e escuro labirinto fica bem ao lado deste pedaço sadomasoquista do segun-do andar. Na verdade, é um corredor de forma próxima à de um “M” com uma di-visória no meio. Esta pare-de possui alguns buracos, os famosos “glory holes”, por onde quem está de um lado pode apalpar quem está do outro.

Na parede oposta ficam seis quartos; todos com cama e chuveiro. O primei-ro deles é o único que pode ser trancado, mas possui uma janela de treliça na porta para o que se passa lá dentro ser visto por quem estiver do lado de fora. Como a janela é pequena e a treliça dificulta a visão, solteiros costumam acu-mular-se nesse ponto para observar a ação que se de-senrola no interior do quar-to e um funcionário preci-sa dispersá-los. No quarto

seguinte, há porta, mas ela não pode ser trancada. Os próximos dois quartos nem isso possuem. O máximo de discrição que se tem lá dentro é poder controlar a luz, o que não impede que vários solteiros fiquem o mais perto possível para tentar ver alguma coisa en-quanto se tocam e tentam participar da diversão do casal.

Falando em solteiros, os dois últimos quartos deste andar são seus pre-feridos. A única luz vem de pequenas lâmpadas no chão para evitar aciden-tes e é proibido iluminar com celulares. Nesses dark rooms, as pulseiras perdem a importância e presume-se que ninguém ali dentro vai ficar escolhendo com quem interagir. É o lugar para pouco papo e muita ação. Assim que veem uma mu-lher entrando, sozinha ou acompanhada, os solteiros a seguem e suas mãos ra-pidamente se multiplicam. Às vezes a abordagem é cautelosa, testando até onde vai a permissão para conta-to, outras vezes chega a ser invasiva. O bissexualismo

A noite doNas casas de swing, tudoé permitidoe nada é obrigatórioliberal

aproveitam os descontos de fato. No primeiro andar, nada de incomum: uma ampla pista de dança com um pequenino palco ao lado da cabine de DJ e um bar no extremo oposto. O mais excêntrico desta pis-ta é um computador locali-zado logo abaixo do telão. Pessoas que acabaram de se conhecer podem usá-lo para se adicionar em sites de relacionamento como o Orkut ou, mais frequente-mente, em sites de swing como o Sexo com Café (www.sexocomcafé.com.br). Às quintas-feiras, um pequeno bufê de frios fica à disposição dos clientes ao lado da entrada e al-guns garçons transitam

Rodrigo Vaz

sexo

masculino, pouco assumi-do, porém mais frequente do que se pensa, encontra aqui o seu local ideal de realização.

Terceiro piso:a festa começaSe o andar de baixo era

dedicado a preliminares e fetiches, aqui a festa se mostra em sua totalida-de. Esta pista só abre mais tarde e funciona com DJ durante boa parte da noi-te. A exemplo da pista do primeiro andar, também acontecem apresentações no palco, com a diferença de serem bem mais adul-tas e interativas. Tequilei-ras esfregam seus seios no rosto dos homens, strippers brincam com a animada platéia e até sexo ao vivo é praticado no palco. Nos so-fás das laterais da pista, al-gumas amadoras dão seus próprios shows, dançando e exibindo partes do corpo.

É bem animado, mas é com o apagão que a coisa pega fogo mesmo. Durante dez minutos, a pista de dan-ça fica iluminada apenas pelas telas azuis dos celu-lares. O clima de erotismo que pairava graças à músi-ca e às atrações não mais se contém e é só forçar um pouco a vista para ver tudo o que se passa. Uma mu-lher ajoelhada à frente de um homem na direita, ou-tra sentada no colo de um rapaz enquanto é apalpada por outro na esquerda, duas mulheres beijando os seios uma da outra no meio da pista...

A luz acende e ninguém para. Ao contrário, vendo que todos estão no mesmo clima, a timidez vai desapa-recendo e a ousadia se torna cada vez maior. Aquela que estava com dois homens já mudou para uma posição menos discreta. No palco, quatro mulheres – uma das quais, completamente nua – se acariciam e beijam de forma tão empolgada que uma mera descrição não daria conta. São frequen-tadoras que se divertem como todos ali, não mais convidadas.

É nesse momento que se pode comprovar o poder das pulseiras. Mesmo com a orgia acontecendo e todos loucos de vontade de parti-cipar, ninguém tenta nada com os casais da pulseiri-

nha roxa. Vários solteiros ficam perto – às vezes per-to demais -, mas sem tocar ou falar com o casal.

Alheias a tudo isso, várias pessoas (mulheres na maioria) dançam e con-versam como em qualquer boate normal. Aí está o grande mérito do lugar: encarar o sexo como algo completamente natural. Para alguns, isso é muito fácil; para outros, como o casal de Recife que entrou por acaso na casa achando que era uma festa qualquer e foi embora às pressas, algumas coisas podem ser chocantes demais.

Quarto piso:sexo “tradicional”Quem acha que já pode-

ria ir embora depois de ver o terceiro andar está muito enganado. Os quatro quar-tos daqui são maiores e todos têm portas, mas ape-nas uma pode ser trancada. A exemplo do quarto com treliça do segundo andar, a suíte aquário é um espa-ço para os menos tímidos. Uma das paredes é de vi-dro e dá para uma salinha

com sofás onde o público pode observar atentamente o espetáculo. Infelizmente é comum que os solteiros, ávidos por detalhes, posi-cionem-se perto do vidro e bloqueiem a visão dos ou-tros.

Este andar possui ainda uma área que, em algumas festas, é reservada a casais. São duas suítes interliga-das: uma com uma grande cama redonda, chuveiro e jacuzzi, e a outra com uma grande cama quadra-da e chuveiro. Na entrada, uma funcionária avisa que homens e mulheres sozi-nhos não entram. É o por-to seguro para casais que se cansam de ser aborda-dos e vistos por solteiros e querem uma possibilidade maior de trocar com outro casal.

Quinto piso:recuperando asenergiasNão há redbull que

mantenha as pessoas na pista ou na cama a noite inteira. É preciso parar em algum momento para beber algo e conversar um pouco

Swing para não swingersAs casas de swing casa vez mais abrem suas portas para o público de fora. É o caso da

Foxx Rock, que acontece na 2A2, e a Lust Party, no próprio Club Mix. Apresentando esses ambientes para gente nova, essas festas têm um importante papel na divulgação do sexo liberal e na renovação dos freqüentadores do meio.

O público é bem mais jovem que aqueles com que a casa está acostumada, ficando homens e mulheres na casa dos 20 anos. O preço da entrada também cai bastante nessas festas, há menos diferenciação entre homens e mulheres e não existe valor de entrada específico para casais.

Como tudo ali é novidade para a maioria, surgem algumas pedras no caminho de quem quer se divertir, como demonstrações de imaturidade e luzes sendo acesas onde não deveriam. Apesar disso, não é raro que alguns dos presentes se dêem bem e usem as dependências da casa para o propósito ao qual foram concebidas.

Mandamentos do swing1. Só cobiçar a mulher do próximo quando ele estiver realmente próximo: não agir pelas costas do marido ou da esposa.2. Não cobrar: paga-se para entrar e o sexo é de graça3. Fala, mas não pega: todos estão ali pelo mesmo motivo, então o segredo é deixar as coisas acontecerem naturalmente, sem forçar a barra.4. Querer não é poder: paquerar ainda é importante.5. Respeitar as pulseiras: elas indicam em que cada um está interessado.6. Usar camisinha: no swing e em qualquer outra relação, segurança sempre.

Banda S.A.D.I.C.A. anima a pista 1 da 18A, onde nem tudo é erotismo

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com os amigos, talvez até fazer um lanche. O quinto andar, com sua música bai-xa e ambiente iluminado, é o melhor lugar para isso. Sem a proteção da escu-ridão, é possível observar melhor as pessoas que es-tão à sua volta.

Um grupo de meninas, todas com menos de 25, estava em uma das festas e surpreendeu-se com tudo que viu. Infelizmente para os solteiros, nenhuma delas era realmente bonita. Gra-ças aos descontos (e bônus) oferecidos às solteiras e aos preços altos cobrados dos solteiros, é notável a diferença de nível entre os dois sexos. Eles são mais bonitos e arrumados, en-quanto elas... nem tanto. O que elas não têm de beleza, compensam com disposição. Não esqueçam da senhora de 50 anos que transava com o segundo homem na pista de dança no começo da festa.

Não é raro, porém, en-contrar uma mulher extre-mamente bonita, jovem e bem animada. É só garim-par um pouco. A própria promoter da 18A, é linda e tem 26. Ainda assim, o mais comum são homens mais velhos, na casa dos 50 anos, e mulheres na casa dos 30.

Um bom exemplo é o casal Ruy e Vani, que freqüenta a 18A desde seus tempos no motel Ibiza, antes de se mudar para o Club Mix. Ele vestia calça jeans e camisa social, enquanto sua esposa vestia um vestido curto com estampa de oncinha. Ela falava orgulhosa sobre seu filho adolescente e morria de medo de algum dia esbarrar com ele em uma das festas. Para preservar

sua vida “careta” (como eles mesmos chamam) é que muitos usam esses apelidos e nomes falsos nas festas. As fotos que circulam nos blogs e em seus perfis normalmente são editadas para esconder o rosto ou falsas (como Ruy e Vani, que usam

fotos de Luis Fernando Guimarães e Fernanda Torres no orkut).

Desta forma, protegem o emprego, a família e os amigos de sua “identidade secreta”. Não que alguém que está ali se envergonhe do que faz, mas o mundo não está pronto.

Cores da alegria• Azul: Solteiros. Indica quem está sozinho na festa.• Roxa: Pulseira da Invisibilidade. Casais que não querem ser abordados.• Laranja: Swing. Casais que só querem outros casais.• Verde: Sem preconceito. Casais que topam tudo.

Programação Club Mix• Segunda: Programação variada. A mais freqüente é a Sorriso Coringa, festa hetero, mas com boa parte do público gls.• Terça: Festa A3. Para os adeptos do ménage, também conhecido como sexo a três.• Quarta: Festa Trans. Homens e mulheres pagam caro e o desconto é para transexuais.• Quinta: Festa 18A. A mais popular da casa. O foco são casais, solteiros e solteiras.• Sexta: Sexta VIP. Para casais que não curtem a presença de solteiros nas festas.• Sábado: Sexo Com Café. Festa promovida por um site semelhante ao orkut, só que para maiores.

Strip-tease interativo: table girl dança com uma meninda da platéia

Voyeurs observam através da parede de vidro os vários casais que se divertem dentro da suíte aquário

Priscilla Prestes

A festa aconteceu no sofisticado Salão Victoria, situado em um dos pon-tos de encontro preferidos da high society carioca: o Jockey Club Brasileiro do Leblon, para o casamento de Andréa Pinhel e Vic-tor Magalhães, no dia 6 de novembro. Horas antes da cerimônia, Narcisa Tambo-rindeguy ligou e confirmou sua participação, ou me-lhor, aceitou protagonizar a “Noite com a socialite” e levar como acompanhan-te uma universitária, esta que vos fala, a uma cele-bração entre amigos, para que mais tarde ela pudesse reportar o tipo de festa co-mum entre os grãfinos.

A jornalista estava atrasada. Passado da hora marcada – o combinado era encontrar Narcisa na porta do salão entre 22h30 e 23 h e o relógio já havia tocado as 11 badaladas há algum tempinho – ela ligou para a jornalista e pergun-tou: “Meu amorzinho, cadê você? Nós marcamos um horário, né?”

A repórter em questão mora em São Gonçalo e realmente já tinha passa-do do horário. Mas, como diz Seu Jorge, “morando em São Gonçalo, você sabe como é...”. Sem graça, ela explicou que estava a ca-minho e que dentro de meia hora estaria chegando.

Narcisa, impaciente, reclamou: “Não sei se vou querer te esperar.”

Tentando segurar a ma-téria, a menina pediu que sua anfitriã tivesse um pou-quinho mais de paciência.

“Ok! Venha logo, mas olha, você só terá uma hora comigo”, cedeu Narcisa.

Três horas antes, às 20h30, Narcisa Tamborin-deguy ligara para a jorna-lista para confirmar a en-trevista que transcorreria no casamento, marcado para começar às 21 horas.

De acordo com a repórter, nesse momento, ela ainda estava no ônibus voltando do estágio. Na verdade, seria impossível chegar a tempo, mas era uma opor-tunidade que não podia ser desprezada.

Calçada com as sandá-lias da insegurança, a es-tudante adentrou no luxu-oso Salão Victoria, cenário ideal para um casamento impecável. Quando Narci-sa ligou para saber de seu real interesse em ir a festa, ela não pode dar para trás. Como Narcisa poderia a qualquer momento desis-tir da entrevista, a opção era única: ir à festa. Mas que escolha tola. Afinal, o guarda-roupa da estudante não possui grandes trunfos da moda, ainda mais, um coringa para uma ocasião como esta.

Tentando não transpa-recer desespero, a repórter perguntou com qual traje deveria ir à festa?

“Querida! Põe um pre-tinho básico para não ter problemas. Ele é ‘A’ salva-ção”, brincou.

E assim ela foi. Com o vestido chique que mais tarde confessou ser da mãe.

O casamentoApós algumas buscas

mal sucedidas, tentando localizar a “anfitriã” des-ta reportagem, a jornalista enfim avistou Narcisa, que estava servindo-se num buffet para lá de gourmet, entre saladas e peixes que mais pareciam uma obra de arte. Ela se apresentou e pediu desculpas pelo atra-so. A deputada estadual Alice Tamborindeguy, com um riso delicado e gentil, segurou suas mãos, e num ato, quase que de piedade, disse a menina: “Prazer em conhecê-la, querida. Mas eu não sou a Narcisa, sou a irmã dela”.

Foram necessários al-guns instantes para se re-cuperar do primeiro mico da noite. Após isso, Alice a levou até a irmã.

Na verdade, não foi pre-ciso andar muito. Pouco depois, as duas avistaram Narcisa. A verdadeira Nar-cisa. Deslumbrante.

Ela usava um vesti-do preto longo assinado por Thierry Mugler. O look ainda era composto por botas e bolsa Chanel. Além de grandes compri-dos brincos de brilhante. Lá estava ela, dançando. Para não sentir o mundo girar. De olhos fechados. Dançava. Para não sentir a vida sem sentido. Dan-çava.

Foi aí que a jovem co-nheceu a real Narcisa, que estava com uma amiga de longa data, a gaúcha Thereza Ferrari, quem conhecera numa festa do Copacabana Palace. Con-versaram por alguns mo-mentos e lá foi Narcisa dançar de novo. Com um sotaque sulista bem forte, Thereza disse, “Tu sabes que ela é assim mesmo? Ela não para.”, dando uma brecha do que elas veriam ao longo da noite.

Narcisa apresentou a jornalista a seus amigos como sua assessora, sendo

fácil conversar com mui-tos deles. Um em especial era Franklin Toscano, um blogueiro social e políti-co que costuma saber o que rola na alta sociedade carioca. Social, sim. Mas político? Pela quantidade de desembargadores, juí-zes e pessoas influentes a quem foi apresentada, fi-cou claro o porquê da po-lítica na auto-descrição do blogueiro.

Um das frases mais engraçadas da noite, por sinal, foi a do colega de profissão. Conforme ele ia apresentado as pessoas para a novata, fazia uma breve descrição sobre suas vidas, como profis-são, com quem eram casa-das ou namoravam, entre outros. Entretanto, num determinado momento ele se virou para a estudante e disse: Tá vendo aquele ali? É casado com fulani-nha. Quando ela pergun-tou qual a profissão do ca-sal, ele se virou: “Ah! São

ricos! Rico não trabalha não, é profissão!”, disse.

A decoração do salão estava linda. Entre as or-quídeas e rosas que enfeita-vam as mesas, as cores pre-dominantes eram o branco e o verde. O ambiente prin-cipal do salão era escuro, pois abrigava a efervescen-te pista de dança comanda-da até o amanhecer pelo DJ Alexandre Kahi e de onde Narcisa não saía.

Nossa protagonista tem 43 anos e é oriunda de uma tradicional família gaúcha. Filha mais nova do falecido deputado fe-deral e empresário Mário Tamborindeguy e de Alice Maria de Souza Saldanha, nunca pensou em seguir o caminho político traçado pelo pai. Diferente de sua única irmã, a deputada estadual Alice Tamborin-deguy, bem mais discreta que ela. Em alguns mo-mentos, Alice olhava para a caçula, para ver se ela aprontava algo.

Narcisa é formada em Direito, pela Faculdade Cândido Mendes, e em Jornalismo, pela Faculda-de da Cidade. Atualmente, trabalha como jornalista e escritora, tendo exibido há pouco tempo um qua-dro no Superpop, pro-grama do horário nobre da RedeTV! apresentado pela ex-modelo Luciana Gimenez. Além disso, é madrinha da instituição de caridade “Lar de Nar-cisa” que ajuda a manter, através de doações pró-prias e de amigos, cerca de 750 crianças.

Uma das razões que a faz sair de casa e ir a uma festa é encontrar os ami-gos e pessoas queridas. “Costumo ir a umas dez festas por mês. Mas a vida noturna não é minha pre-ferência. Tudo depende de meu humor. Posso querer me divertir pela manhã, como querer sair para ba-dalar à noite. Gosto mes-mo é de encontrar com meus amigos”, disse.

Num determinado mo-mento da festa, as botas que ela usava, cederam a vez a sandálias mais baixas. Aliás, esse é um de seus segredos. “Quan-do percebo que vou ficar cansada, ligo para o meu motorista e peço para ele trazer outro calçado mais confortável”, contou Nar-cisa, que é adepta da nata-ção para manter a forma e ganhar resistência física. Haja braçadas para isso. Porque para aguentar bai-lar ao som das carrapetas por tanto tempo, é pre-ciso dar umas dez voltas na piscina do Copacaba-na Palace, onde ela nada com frequência.

Conhecida pelas famo-sas festas que dá em seu apartamento, do Edifício Chopin, em Copacabana, ela contou um episódio bem curioso que aconte-ceu no dia do show dos Rolling Stones na praia. De acordo com seu rela-to, nesse memorável dia, entre garrafas de cham-panhe e uma galera bem animada um grande coro de músicas da banda saiu de seu apartamento.

Uma festa com a socialite Narcisa TamborindeguyChampanhe e caviar não

faltam na noite dos ricos

“Na hora do espetácu-lo, já tinha tanta gente na minha casa que as paredes e os espelhos suavam. Re-solvi sair. Fui assistir ao show lá embaixo, na areia da praia. Deixei o coman-do da festa com minha filha Marianna e com Lou de Oliveira”. Ela disse que sua sorte foi que um ami-go judeu chamado Moisés controlou tudo até que ela voltasse. Mais tarde, fica-ra sabendo que o filho de um grande artista plástico acendeu um baseado e que um juiz amigo seu quis prendê-lo por isso. “Todos pediram que, pelo amor de Deus, ele deixasse de ser careta, que o menino só estava experimentando, que relaxasse e aproveitas-se a festa. Finalmente, ele concordou, mas foi embo-ra furioso”, relembrou a história que é parte de co-letânea de seu novo livro “Ai, que Absurdo”, que está prestes a ser lançado.

Em 1999, Narcisa lan-çou o livro “Ai, que Loucu-ra!”, pela Editora Record, em que conta histórias curiosas e imperdíveis dos bastidores do jet-set cario-ca. Quando perguntada sobre o que significa lou-cura para ela, disse: “Sabe, loucura tudo o que faço e quero para minha vida. Não consigo me imaginar vivendo sem ela. A vida seria chata”.

No final da noite para a repórter, já tendo passado bem mais de uma hora de ‘entrevista’, ela agradeceu o convite e se despediu da Narcisa, que a acompa-nhou até a saída e pergun-tou se eu ela queria levar a sandália que os convida-dos recebem ao longo da noite. “Ih, Narcisa, não sei se vou poder, não sou con-vidada, fica chato, né?”, disse a estudante.

“Ah! não acredito. Você pode tudo querida, Pode tudo que quiser. Pode tudo”, disse enfática.

E assim ela foi embora: tentando equilibrar as ha-vaianas e os bem-casados que sua anfitriã pôs em suas mãos para que ela comesse em sua longa via-gem de volta para casa.

Narcisa gosta tanto de dançar que quando cansa pede para o motorista trazer um sapato baixo

Foto de Ricardo G

omes

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a rodo (rodoviária), no bar do Gilberto. Isso é que foi disposição”. “Quem nun-ca fez isso? É sagrado dar uma passadinha por lá”, afirma a comunidade “Já tomei saideira na rodoviá-ria”. O importante para os 239 participantes dessas comunidades é não decla-rar o fim da noite – pelo menos até a hora de entrar no ônibus e tomar o cami-nho de casa. A socialização na rodoviária se torna hábi-to para alguns, chegando ao ponto de conhecerem o nome e a história de vida de todos os funcionários, moradores de rua e outros adeptos dessa atividade, As noites transformam-se em assunto para roda de ami-gos e histórias para contar para os netos.

Comentários acerca do preparo das rodoviárias para receber o público são parte importante das dis-cussões. Um tópico interes-sante na página “Já dormi na rodoviária” é o “Qual rodoviária você dormiu? Indique uma boa!”, em que membros da comunidade tecem comentários sobre os prós e contras daquelas onde já dormiram. As me-lhores têm bancos confor-táveis e menos mosquitos. Mas os integrantes discu-tem até qual é a rodoviária mais fria e com maior nú-mero de vitrines para pas-sar o tempo. Dicas sobre a localização da rodoviá-ria também são dadas no Orkut: se o bairro é peri-goso, se há comércio “com-plementar” do lado de fora, entre outros.

Sem poder dormir, mui-to menos jogar conversa

fora em um bar nos arre-dores, os trabalhadores do turno da noite passam pela experiência de ver o dia nascer na rodoviária. Ao contrário dos clientes, eles não veem tanta graça.

Na comunidade do Orkut “Bilheteiros de Ro-doviária”, foi criado um ranking das três piores coi-sas existentes nesse traba-lho. Entre elas está o horá-rio noturno, junto do salário e dos passageiros chatos.

O horário realmente é pesado. Marta, uma das caixas do banheiro da ro-doviária Novo Rio, confir-ma: “Eu saio às dez da noi-

te, mas a menina que entra depois fica até 5h50”. É bastante tempo para ficar sentada atrás de um bal-cão, cobrando R$ 1,25 para usar o banheiro (exceto no banheiro público), R$ 4,25 para tomar banho, ouvin-do reclamações quanto ao nível de higiene do local e tentando explicar o moti-vo da tarifa: “Todo lugar é obrigado a ter só um ba-nheiro público”, explica. E é lá que a maioria das pessoas vai, aumentando a probabilidade de surgirem problemas.

“Não existe diferença entre os banheiros”, ga-

rante a funcionária. Mas nisso é difícil acreditar. Principalmente quando são 22h15 e uma fila de mulheres começa a recla-mar da falha na descarga no único banheiro público da Novo Rio. “Isso acon-tece. É que a descarga aqui é a vácuo e, como usam muitas vezes, de vez em quando ela para. De-pois volta”, diz Marcos, o simpático rapaz que agora faz a cobrança das taxas do banho. “Desculpa, mas eu não posso entrar lá. A menina que fica aqui está chegando, eu falo com ela.”

O maior desafio para os funcionários é manter o bom humor. Nas férias, fe-riados e fins de semana, o número de pessoas que cir-cula na rodoviária aumenta, o que normalmente signifi-ca mais confusão. Ronaldo, segurança do turno da noite na rodoviária Novo Rio, diz não ver muita diferença. “O movimento é quase sempre o mesmo. Os problemas de segurança são mais nos arredores. Aqui dentro as coisas são mais simples, como problemas com pa-gamento nas lojas, cartão de crédito, coisa assim. A gente consegue resolver fa-cilmente.” Também é dever dos seguranças lidar com os frequentadores notur-nos e garantir que não te-nha ninguém dormindo no chão. Nos bancos é permi-tido, mas nada de se esticar para maior conforto.

Nos arredores é que está também a salvação para a fome dos funcioná-rios noturnos, taxistas e apreciadores da saideira na rodoviária. Como a praça de alimentação fecha por volta de meia noite, a so-lução é ir até a “feirinha” que existe do lado de fora. Diversos camelôs vendem bebidas, comidas (o famo-so “podrão”) e todos os objetos que se pode neces-sitar. Responsável por uma das bancas, seu Zé diz que a feirinha não tem relação com a rodoviária. “A gente não está aqui por causa da rodoviária. Não tem a ver. Mas depois que começa a fechar tudo lá dentro o pes-soal vem pra cá, sim. Aqui tem gente a madrugada in-teira”, conta.

Natasha Ísis

Fato número um: nin-guém quer passar a noite em uma rodoviária. Fato número dois: parte con-siderável das pessoas que passam a noite nesse lugar acha toda a experiência muito interessante. Depois que já passou, é claro. Uma noite inteira em uma rodo-viária é para algumas pes-soas trabalho e para outras um problema inevitável, mas, surpreendentemente, divertido.

Não é à toa que existam até mesmo comunidades na rede de relacionamentos Orkut como “Eu já dormi na rodoviária” e “A saideira é na rodoviária”, em que as pessoas comentam, com pi-tadas de orgulho, suas aven-turas. É curioso notar que não é dado muito destaque ao medo normalmente as-sociado à falta de vigilância do lugar. Pelo contrário: as declarações são embaladas por grande animação, com um tom de quem passou por muitos problemas, mas se divertiu bastante no final das contas.

De fato, não está nos planos de muita gente gas-tar horas em uma rodo-viária, ainda mais quando essas horas são noturnas. No geral abandonadas pelo poder público, as rodoviá-rias apresentam falhas na infraestrutura, especial-mente no que diz respeito à segurança. Mais que o desgaste físico da espera pelo ônibus, a preocupação

daqueles forçados (ou não) a lá pernoitar é se manter a salvo dos perigos. Porém, não é isso que chama aten-ção no relato daqueles que já dormiram numa rodo-viária e saíram ilesos.

Esses frequentadores são variados: é possível encontrar desde executivos “workaholics” aproveitan-do o tempo ocioso para trabalhar nos seus laptops

até adolescentes embalados pela adrenalina de passar a noite fora de casa, passan-do por senhores de idade, bêbados, crianças hipera-tivas e funcionários mal-humorados. Animados ou não, com o passar das ho-ras o sono sempre chega, levando todos – exceto os trabalhadores, é claro – a se acomodarem do modo mais confortável possível nos duros bancos, cujas di-visórias não permitem dei-tar. Para aqueles com sé-rios problemas de insônia, a praça de alimentação ou os botecos e camelôs dos arredores fornecem algu-mas distrações alcoólicas e gastronômicas. O fato é que as noites das rodoviá-rias sempre produzem boas histórias.

O que leva as pessoas a passarem a noite nesses lugares? Por exemplo: pro-gramas noturnos termina-dos relativamente cedo na madrugada combinados com ônibus que partem so-mente com o nascer do dia. Foi o caso de Michelle Ber-nardi. “Fui a uma cidadezi-nha assistir um show que imaginei que acabaria pela manhã, mas começou de tarde. Terminou 22h e só tinha ônibus no outro dia de manhã”. Outra vertente é a dos viajantes, já acos-tumados a longas esperas. “Quando era adolescente, chegávamos de viagens an-tes das 5h e esperávamos o

metrô abrir para ir pra casa. Era bom demais”, con-ta Sonia Rabello. Para os mochileiros, a prioridade é não gastar dinheiro. Por isso, hotéis são rapidamen-te descartados; sempre há a rodoviária.

Seja qual for o caso, a solução encontrada foi es-perar na própria rodoviária, comendo, bebendo, con-versando, ouvindo música ou dormindo. Muitos só querem cochilar até o em-barque no primeiro ônibus. Outros veem mais senti-do em aproveitar o tempo ocioso para dar continuida-de à noite – nesse caso são de grande valia as barraqui-nhas e bares do lado de fora que ficam abertas madru-gada adentro, recebendo os clientes após o fim do ho-rário de trabalho da praça de alimentação. Finalizar o programa noturno junto aos ônibus é estranhamente comum e uma opção exal-tada principalmente entre os mais jovens.

Na comunidade do Orkut “A saideira é na ro-doviária”, a descrição diz tudo: “Altas horas da ma-druga, o dia amanhecendo, os botecos fechados, está na hora de ir para casa, você está cansado... mas de repente alguém dá a idéia: “Vamos tomar a saidei-ra na rodoviária? E você sempre se rende...” Como diz Glauco Cerqueira: “A noite não teve fim graças

Rodoviária não fechaOrkut revela histórias trágicas e engraçadas de quem perdeu o último ônibus para casa

Recém-reformada, a Novo Rio não parece nem um pouco com o antigo e degradado ponto de parti-da para diversos lugares do país. Hoje a rodoviária pode se dizer moderna e até mesmo ser comparada a um shopping ou um aero-porto.

Com piso de mármore, banheiros e bancos novos (o que não significa mais confortáveis), ar-condi-cionado, elevadores, mais rampas, diversas lojas e praça de alimentação completamente reformula-da, a principal rodoviária do Rio de Janeiro se tor-

nou um “bom” lugar para passar a noite. Televisões de plasma indicando o horário dos ônibus e novas placas foram colocadas. A reforma só não conseguiu afastar os camelôs local-izados nas redondezas. Em pouco tempo, todos esta-vam de volta.

Inaugurada em novem-bro, a reforma da rodoviária Novo Rio foi realizada pela empresa privada Socicam e fiscalizada pela Compan-hia de Desenvolvimento Rodoviário e Terminais do Estado do Rio de Janeiro (Coderte). O investimento chegou a R$ 10 milhões.

Uma nova rodoviária para o Rio

No chão não pode: seguranças da rodoviária impedem cochilos fora dos bancos

Sempre cheia de passageiros, a rodoviária tem movimento contínuo durante a noite O aspecto sujo e decadente foi substituído por modernas instalações de mármore branco

De jovens mochileiros a trabalhadores, muitos são obrigados a passar a noite na rodoviária esperando o primeiro ônibus

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A maratona dos cinéfilosOdeon, onde o que conta pontos é assistir muitos filmes, comer, dançar e não dormir

Luana Severiano

Maratona terrestre: 42,195 km; aquática: 5, 10 ou 15 km; Maratona Ode-on: 7 horas, sem obrigação de deslocamento. Para mui-tos, uma jornada cansativa, em que se buscam resulta-dos por meio de superação, esforço e tempo de treina-mento. Já para aqueles que vão ao Cinema Odeon toda primeira sexta do mês, o significado é bem diferen-te. Maratona, para estes, é ficar acordado de 23h às 6h, assistindo filmes na companhia de muita gen-te, dentro de uma sala que pouco se assemelha às de cinema convencionais.

A Maratona Odeon, também conhecida como a rave dos cinéfilos, assim como as tradicionais mara-tonas, reúne pessoas de di-ferentes gostos e idades. O asfalto e as correntes marí-timas são trocadas por um lugar fechado, que mais parece um grande teatro, com ar condicionado e ca-deiras confortáveis.

Além dos três longas, na maioria das vezes pré-estreias, o cinema oferece dois bares-café e uma pista de dança com DJ para ani-mar as pessoas durante os intervalos de 20 minutos. “Dependendo do primeiro filme, a fila já começa a aparecer por volta das 10h da noite.”, afirma Flávio Salles, 45 anos, frequen-tador do evento desde o

seu início, em 2002. “De acordo com a seleção dos filmes, o meu grupo pode ser de três ou 50”, conta Flávio. “Mesmo assim, costumo chegar sempre cedo para conseguir o meu lugar cativo no segundo andar.”

Pulseira “passe vip” no braço, que dá liberda-de aos participantes de sair e voltar ao cinema, e é dada a largada. Duran-te os filmes, aplausos, ri-sos, vaias e comentários. Aqueles que frequentam a maratona afirmam que é uma experiência única. “O melhor da maratona é a interação do público, toda essa movimentação

que não acontece nos ci-nemas convencionais”, diz Gabriela Silva.

Sem competição entre os participantes ou corri-da contra o tempo, a úni-ca semelhança entre essa maratona e as outras talvez seja a luta contra o cansaço e a torcida para chegar até o final. Mas a famosa “parede” ou “mur-ro”, mo-mento de abatimen-to físico e mental durante as provas olímpi-cas, é facilmente superada com uma saída ao banheiro ou até mesmo com uma co-chilada. O tradicional café é a reposição energética de muitos. “Tomo café para ficar acordado, além de ser viciado”, conta Flávio.

Oferecida pelos pró-prios organizadores do evento, a trégua é aprovei-tada de maneiras diferen-tes. As opções vão das sai-dinhas para comer e beber alguma coisa nas barraqui-nhas que ficam do lado de fora à pista de dança no se-gundo andar, comandada pelo DJ Jorge Luis.

Flávio conta que quan-do ia sozinho e a seleção de músicas do DJ lhe agra-dava, além de ler, dançava um pouco e olhava as ga-rotas. Agora que vai com os amigos que fez nas co-munidades da Maratona

Odeon e do CCBB (Centro Cultu-

ral do Banco do Brasil), no Orkut, nota que, durante o intervalo, muitos se d i r i g e m

à Lapa. Outros, os

preguiçosos e aqueles que

trabalham na sexta, como ele, não vão. Ficam conversando, dormindo, comendo. A maioria vai à Loja Americanas primeiro e, nos intervalos, compra apenas bebidas e café, por ser mais econômico.

Já Alex Turk, estudante de Filosofia, afirma que já aproveitou esse tempo para escrever histórias de ficção, conversar com amigos e namorar. Hoje, porém, vai sozinho e, não tendo mais inspiração para escrever, apenas ouve música, sai para beber, fumar, comer e lê. Faz tudo sem falar com ninguém a sua volta.

Como em uma prova de movimentos repetidos, a Maratona segue a seguin-te sequência: três campai-nhas, filme, intervalo e mais três badaladas para anunciar a próxima atra-ção. Algumas pessoas de-sistem e vão para casa.

Depois das sete horas que caracterizam a Mara-tona, os participantes que resistem têm direito a um café da manhã com café, chocolate quente e bolo. Flávio, que sempre fica até as 6 da manhã, diz que nem sempre toma o café: “Às vezes é muito tumul-tuado. Melhorou agora que estão servindo chocolate. Bolo, sempre que dá pego um ou dois pedaços”.

Sozinhos ou acompa-nhados, os que vão adoram e a maioria faz de tudo para não perder nenhuma edi-ção. Flávio, apesar de dizer que a seleção de filmes e de música já foi melhor, afir-ma que o evento continua a ser o imperdível do mês. “É para estar com amigos e conhecer novos. Assistir a filmes como se estivesse em uma festa, com palmas, assovios, gritos, alegria e companheirismo.” Muito diferente de uma sessão de cinema tradicional e nada a ver com uma maratona olímpica.

Foto de Luana Severiano

A maratona de cinema do Odeon fez reviver os bons tempos da Cinelândia, movimentando a praça e os arredores a madrugada inteira

Durante os intervalos, o público come, bebe e dança (foto ao alto)

Fotos de divulgação