2 metodologia para o atendimento do aluno com … · tem como objetivo identificar, ... educacional...
TRANSCRIPT
1
METODOLOGIA PARA O ATENDIMENTO DO ALUNO COM DÉFICIT COGNITIVO Professoras conteudistas/pesquisadoras: ELIANA P. DE MENEZES, MARIA
ALCIONE MUNHOZ
Acadêmica: CAROLINA PEREIRA NOYA
Carga Horária: 30h/2 créd.
Resumo A disciplina de Metodologia para o atendimento do aluno com déficit cognitivo
tem como objetivo identificar, analisar e selecionar métodos de ensino para o
atendimento desses alunos. Assim sendo, temos como finalidade inicial apresentar
conteúdos que contribuirão para identificar como se caracteriza o atendimento educacional para alunos com déficit cognitivo, que também são categorizados como alunos que possuem deficiência mental1, no que concerne às modalidades
de ensino contempladas pela Política Nacional de Educação Especial (1994). Na
seqüência, analisaremos conteúdos referentes a diferentes ênfases do
desenvolvimento infantil, que resultaram em métodos educativos para o atendimento
desses alunos. Na última unidade, sugerimos alternativas metodológicas para o
trabalho do professor de alunos com déficit cognitivo. Cabe ressaltar a expectativa de
que os objetivos desta disciplina sejam alcançados com qualidade, favorecendo meios
facilitadores para o ensino e a aprendizagem das pessoas com necessidades
educacionais especiais.
Palavras-chave: educação especial, atendimento educacional, metodologias.
1 (ASSUNTO): Atendimento educacional do deficiente mental: sugerimos a leitura do caderno de Fundamentos da Educação Especial, onde esse assunto é abordado de forma mais aprofundada. Pesquise também em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res1_a.pdf.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
2
Unidade A – CARACTERIZAÇÃO DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL AO ALUNO COM DÉFICIT COGNITIVO
As práticas pedagógicas desenvolvidas atualmente na perspectiva da educação
inclusiva resultam da luta de uma parcela significativa da população mundial em
busca de respeito a direitos básicos de cidadania. Assim, ao concluir a leitura dos
conteúdos desta unidade, esperamos que você compreenda por que as práticas
educacionais desenvolvidas atualmente para alunos com déficit cognitivo estão
constituídas em modalidades de atendimentos e quais as modalidades que podem
atender melhor as especificidades pedagógicas desses alunos, tendo-se em vista a
realidade do sistema educacional de nosso país e como os espaços de atendimento
se configuram diante da política de educação inclusiva.
A existência de uma sociedade em constante processo de renovação e que
busca a superação de preconceitos e estereótipos que acabam, por vezes,
estabelecendo diferenças e determinando desigualdades entre as pessoas, faz
necessária a Educação Especial como uma modalidade de ensino capaz de fornecer
alternativas para possibilitar a superação da realidade social presente. Nesse sentido,
é conveniente que possamos analisar, de forma sucinta, o que é a educação especial como modalidade escolar2.
A Educação Especial, modalidade de educação escolar, é entendida como um
processo educacional que assegura um conjunto de recursos e serviços especiais
organizados com o intuito de apoiar, de complementar e, em alguns casos, até
mesmo de substituir os serviços educacionais comuns.
Segundo a Política Nacional de Educação Especial (1994), a Educação
Especial integra o sistema educacional vigente, pois se identifica com a sua finalidade,
que é a de formar cidadãos conscientes e participativos.
O referido documento compreende um conjunto de objetivos destinados a
garantir o atendimento educacional do aluno com necessidade especial, cujo direito à
igualdade de oportunidades nem sempre é respeitado.
2 (ASSUNTO): Educação especial como modalidade escolar – para maior aprofundamento, consulte o material de Política e Gestão da Educação Especial e as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, no endereço: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res1_a.pdf.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
3
A Educação Especial é um processo educativo social de caráter emancipatório
e global, cujos objetivos não diferem da educação geral, ou seja: “a educação, dever
da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana, com a finalidade do pleno desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n.º9394/96 – LDBEN).
Por isso, esta modalidade escolar tem como compromisso primordial e
insubstituível a inserção do aluno com necessidade educacional especial nos
ambientes social, cultural e científico.
A diversificação de serviços educacionais contemplados pela Educação
Especial é organizada de forma a atender às diferenças individuais dos alunos,
servindo como apoio para o sucesso de sua aprendizagem.
De acordo com a Política Nacional de Educação Especial (1994), as
modalidades de atendimento educacional previstas são alternativas de procedimentos
didáticos específicos e adequados às necessidades educacionais do alunado da
Educação Especial, implicando espaços físicos, recursos humanos e materiais
diferenciados. É, portanto, imprescindível a oferta de serviços especializados ao aluno
com necessidade educacional especial no decorrer do seu processo educacional, a
fim de que possa adquirir conhecimentos, habilidades acadêmicas, motoras e sociais,
tendo respeitadas a sua condição e as suas necessidades, por meio da oferta de uma
ação pedagógica compatível.
A.1 – Classe especial De acordo com a Política Nacional de Educação Especial (1994), a classe
especial pode ser definida com sendo uma sala de aula, em escolas de ensino
regular, organizada de forma a se constituir em ambiente próprio e adequado ao
processo de ensino/aprendizagem do alunado de Educação Especial. Neste tipo de
sala especial, os professores capacitados, selecionados para esta função, utilizam
métodos, técnicas e recursos pedagógicos especializados e, quando necessário,
equipamentos e materiais didáticos específicos.
Assim sendo, a classe especial caracteriza-se por ser um espaço instalado em
escola comum, onde se agrupam alunos que se enquadram na mesma categoria de
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
4
necessidade educacional especial e que estão sob a responsabilidade de um
professor capacitado na área, de preferência habilitado em Educação Especial.
O Estado do Rio Grande do Sul estabelece diretrizes para a implantação e o
funcionamento de classes especiais em seu sistema educacional. Nessas diretrizes, o
Estado define essa modalidade como uma alternativa de atendimento oferecida em
escola de ensino regular para estudantes com déficit cognitivo acentuado e vinculado
a uma causa orgânica. Ainda de acordo com essas diretrizes, o objetivo da classe
especial é iniciar o processo de alfabetização desse aluno por meio da utilização de
métodos, técnicas e recursos didáticos especializados, a fim de que, a partir disso, o
aluno possa ser encaminhado para a classe comum.
A.2 – Sala de recursos
Figura 1: Sala de recursos
Na Política Nacional de Educação Especial (1994), a sala de recursos é definida
como um local com equipamentos, materiais e recursos pedagógicos específicos à
natureza das necessidades especiais do alunado, onde se oferece a complementação
do atendimento educacional realizado em classes do ensino comum. Ali, o aluno é
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
5
atendido por professor especializado, individualmente ou em pequenos grupos, e em
horário diferente do que freqüenta o ensino regular. Dessa forma, podemos concluir
que esta modalidade caracteriza-se como sendo um local para o auxílio aos alunos
que precisam de ajuda para se manter na classe comum.
A.3 – Instituição especializada A instituição especializada se propõe a oferecer tratamento especial nas áreas
médica, psicológica e pedagógica a crianças e adolescentes com necessidades
especiais. Vale ressaltar que, dentro da instituição especializada, encontramos as
oficinas pedagógicas (ambientes destinados ao desenvolvimento das aptidões e das
habilidades de pessoas com necessidade especial), as oficinas protegidas (locais
onde a pessoa com deficiência pode ser motivada a produzir, inclusive com
remuneração, porém sob a supervisão de um instrutor) e os atendimentos de
estimulação precoce, que objetivam possibilitar ao recém-nascido o máximo de
desenvolvimento global e integrado de todas as capacidades.
A.4 – Classe hospitalar
Figura 2: O aluno-paciente
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
6
A classe hospitalar é instalada em hospitais, sendo destinada ao atendimento
pedagógico de crianças em idade escolar que se encontrem em tratamentos
terapêuticos, estando, por isso, impedidas de freqüentar a escola. Nesse caso, é dado
apoio por educadores especiais ou pedagogos especializados para que as crianças
não tenham atraso em seu processo educativo (Política Nacional de Educação
Especial, 1994, p.20).
A.5 – Ensino itinerante
O ensino itinerante se caracteriza por meio de trabalho educativo e da prestação
de serviços desenvolvidos em várias escolas comuns por um professor especializado,
que visita e atende aos alunos com necessidades educacionais especiais. Esse
professor especializado atende tanto aos alunos, quanto aos professores, orientando-
os.
A.6 – Atendimento domiciliar
Essa alternativa de atendimento educacional especializado é ministrada a alunos
com necessidades educacionais especiais que, por razão de tratamento de saúde,
tenham permanência prolongada em domicílio e que, com isso, fiquem
impossibilitados de freqüentar a escola.
Em síntese, podemos concluir que o processo de ensino-aprendizagem, nesta
modalidade, é realizado por professores itinerantes que vão até a casa do aluno que,
em virtude de suas dificuldades, não possa se locomover até a escola.
A.7 – Inclusão nas classes comuns
Para compreender a inclusão de alunos nas classes comuns, é conveniente
apresentar um pouco do histórico da Educação Especial no Brasil. Inicialmente, é
preciso ressaltar que a interlocução e a troca de experiências entre os profissionais da
Educação é uma oportunidade para a descoberta de caminhos e de mecanismos para
a aprendizagem dos alunos, visto que são muitos os desafios da atualidade colocados
principalmente pela rápida evolução da sociedade.
É impossível permanecer reproduzindo modelos; devemos, por outro lado, criar
meios para favorecer cada vez mais as oportunidades de aprendizagem para todos os
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
7
alunos. Nesse sentido, destaca-se a compreensão da educação como um processo
que se faz no coletivo e, como tal, necessita do envolvimento e da colaboração de
muitos.
Por isso, convidamos você a se lançar conosco na construção de um diálogo
que se estabelece a partir de agora, quando vamos debater o tema da inclusão, tendo
como pressuposto uma breve trajetória histórica da Educação Especial no Brasil.
Para construir esse texto, embasamo-nos nos trabalhos de grandes
pesquisadores que já produziram sobre o tema, como Jannuzzi (1985/2004), Mazzotta
(1996), Bueno (1993/2004), Pessotti (1984), entre outros.
No entanto, é conveniente dizer que, quando tratamos de conteúdos que dizem
respeito à história das mentalidades, os quais, num certo sentido, ainda fundamentam
o imaginário de nossa sociedade, não estamos isentos. E assim compreendemos que
as considerações que apresentaremos não só dizem respeito a leituras e pesquisas,
mas também a concepções e à forma como compreendemos essa trajetória,
principalmente porque, como profissionais da área, também somos parte dela. Então,
para que possamos acompanhar melhor a evolução do pensamento que se constituiu
ao longo do processo histórico, no que diz respeito à Educação Especial, o texto que
segue destaca as situações mais significativas desse percurso.
Em um breve resumo, procuraremos dar destaque a um conciso panorama da
Educação Especial no Brasil, buscando assim possibilitar a compreensão das políticas
que hoje são propostas e implementadas, não somente em nível nacional, como
também internacional, no que diz respeito à inclusão.
ALGUNS FUNDAMENTOS INICIAIS
Muitos têm sido os caminhos já trilhados por aqueles que hoje nomeamos
pessoas com necessidades especiais ou, no âmbito da educação, pessoas com
necessidades educacionais especiais. Com relação a essa categoria de pessoas, é
conveniente destacar que a história revela uma seqüência de atitudes de segregação e exclusão, justificadas por diferentes argumentos, de acordo com cada momento
histórico, porque, na medida em que as diferentes sociedades evoluem, também suas
compreensões sobre deficiência e deficiente têm se modificado.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
8
A forma de pensar e por conseqüência a forma de agir com relação à
deficiência enquanto fenômeno e a pessoa com necessidades
educacionais especiais enquanto ser modificaram-se no decorrer do
tempo e das condições sócio-históricas (Projeto Escola Viva:
MEC/SEESP, 2000).
Também os conceitos de deficiente e deficiência e/ou de pessoas com
necessidades especiais se constituíram atrelados à organização econômica, política e
social vigente em cada sociedade, em cada momento de sua história. Assim,
produzia-se um modelo de homem que cada sociedade em cada época definia como
ideal, predefinindo então valores e concepções ideais normatizados como condição e
modelo de identidade. Na realidade, até hoje a sociedade se organiza assim.
Na história da humanidade, as pessoas com deficiências passaram por períodos
de exclusão e repúdio social. Na Antigüidade, eram característicos o infanticídio e o
abandono de crianças nascidas com deficiências. Já na Idade Média, essas mesmas
pessoas passaram a representar uma fonte de diversão ou de expiação de pecados.
A Bíblia, por exemplo, traz referências de cegos, mancos e leprosos – sendo muitos
deles representados como pedintes ou como indivíduos rejeitados pela comunidade,
que assim agia por medo de suas doenças ou pela crença de que fossem uma
encarnação do demônio (Projeto Escola Viva: MEC/SEESP, 2000).
É a partir do século XVI que as principais mudanças aconteceram na concepção
de deficiência, evolução essa decorrente das transformações sociais do período. Um
dos principais motivos dessas mudanças foi a revolução burguesa – que instituiu o
capitalismo mercantil, dando assim origem a uma nova divisão social do trabalho.
Essa organização social trouxe outras perspectivas para a deficiência e os deficientes
e, por conseguinte, para as pessoas com necessidades especiais.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
9
Figura 3: O início do tratamento médico
As pessoas consideradas desviantes passaram a ser vistas como possuidoras
de uma condição de natureza orgânica, podendo ser tratadas por meio da alquimia,
da magia e da astrologia, processos iniciais da medicina do século XVI. Contudo,
foram os avanços da medicina ocorridos no século XVII que ampliaram a
compreensão da deficiência como sendo algo natural.
No século XVIII, com a tese da organicidade, o tratamento médico passou a ser
instituído e os deficientes passaram a ser vistos como passíveis de tratamento. As
ações de tratamento médico lentamente evoluíram para a tese do desenvolvimento
por meio de estimulação e, em seguida, para as ações de ensino.
A partir de então, poderíamos demarcar três paradigmas3 que revelam a
relação da sociedade com as pessoas com deficiência.
Paradigma da Institucionalização As pessoas com necessidades especiais eram confinadas em asilos e hospitais
psiquiátricos, num regime quase prisional. Essa situação permaneceu por quase 500
3 (GLOSSÁRIO): Paradigmas - conjuntos de idéias, valores e ações.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
10
anos, sendo hoje ainda praticada em alguns países, inclusive no nosso. Somente a
partir da década de 1960 é que esse paradigma passou a ser criticamente examinado
e combatido.
Na década de 1960, considerando-se a relação da sociedade com as pessoas
com necessidades especiais, dois novos conceitos instituem-se: Normalização e
Desinstitucionalização. Esses conceitos surgiram porque o paradigma da
institucionalização tinha se revelado um meio ineficiente para que as pessoas com
deficiência se integrassem à sociedade, não podendo ser produtivas no trabalho e em
seus estudos, estando, portanto, sem condições de ter uma vida normal.
Paradigma dos Serviços Ao ser instituído o conceito de Normalização, os conteúdos que
fundamentam esse conceito resultaram na efetivação de uma outra realidade: a
possibilidade de Integração. Esta possibilidade chamada de Integração dizia respeito
à necessidade de o sujeito ajustar-se ao máximo à realidade para que pudesse
conviver em sociedade. Para a efetivação deste pressuposto, foram criados serviços e
recursos que rapidamente facilitassem as modificações e a normalização das pessoas
com deficiência, para assim integrá-las à sociedade. No caso da educação, foram
desenvolvidos programas que facilitaram a implementação de uma política cujos
objetivos eram reabilitação e treino de habilidades.
Esse paradigma sofreu severa crítica, porque os indivíduos com deficiências,
contando com o apoio de pessoas da comunidade científica, aos poucos foram se
organizando em associações que disseminavam a idéia de que as diferenças na
realidade não se apagam, mas são administradas no convívio social. Outra crítica
dizia respeito à expectativa de que a pessoa com deficiência, ao superar suas
dificuldades, poderia ser igual às demais pessoas da sociedade. Contudo, não sendo
isso possível, a pessoa com deficiência acabaria tornando-se alguém com menos
valia.
Foi, portanto, com os pressupostos acima referidos que as discussões acerca da
idéia de que a pessoa com deficiência é um cidadão como qualquer outro, com
direitos de determinação e oportunidades disponíveis na sociedade, que a idéia de
normalização foi enfraquecida e muito combatida.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
11
Com esse ponto de vista bastante valorizado, um outro paradigma tem então
força para definir o pensamento e as ações da Educação Especial.
Paradigma de Suporte
Esse paradigma tem se caracterizado pelo pressuposto de que a pessoa com
deficiência tem o direito à convivência sem segregação e ao acesso imediato e
contínuo a tudo o que estiver disponível aos demais cidadãos, devendo todos os
meios necessários ser disponibilizados para que isso seja possível.
Figura 4: Suporte físico
Os suportes podem ser sociais, econômicos, físicos e instrumentais, sendo
instituídos no sentido de favorecer a inclusão social. Há, portanto, que se promover os
ajustes físicos, materiais, humanos, sociais e legais necessários para que as pessoas
com deficiência tenham condições de acesso ao espaço comum da vida na
sociedade.
Revisitando um pouco da história brasileira da Educação Especial
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
12
No Brasil, como em muitos outros lugares do mundo, a pessoa com
necessidades especiais foi considerada, por muito tempo, objeto de desprezo, menos
valia, vergonha, significando um peso para sua família.
Ao observarmos a evolução sócio-histórica, identificamos que houve um avanço
na sociedade brasileira após a proclamação da República, porque muitos profissionais
que foram estudar na Europa, ao retornarem, estavam cheios de idéias para
modernizar o país. Assim, em 1906, inicia no Rio de Janeiro o atendimento a alunos
com deficiência mental. Porém, é no século XX, mais especificamente na década de
20, que ocorre a expansão das instituições de Educação Especial, principalmente as
de natureza privada e assistencial.
Quem fazia o encaminhamento à escola da criança com déficit cognitivo era um
profissional chamado de educador sanitário, que tinha o compromisso de assegurar à
escola que essa criança não atrapalharia o bom andamento da classe. Somente com
esse aval é que a criança com deficiência seria aceita na instituição.
É na década de 50 que as entidades assistenciais privadas proliferam-se e
organizam-se em federações estaduais e nacionais. Nesse mesmo período, o sistema
público começa a oferecer serviços de Educação Especial nas secretarias estaduais
de Educação.
Na década de 60, surgem os centros de reabilitação para todos os tipos de
deficiência (paradigma de serviços voltados à integração) e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB 4024/61), com dois artigos fazendo referência à educação
de deficientes, referendando assim o compromisso do poder público com a Educação
Especial. Nesse momento, há um aumento de escolas públicas no país.
Já na década de 70, o Ministério da Educação e Cultura/MEC cria o grupo-tarefa
responsável por tratar da Educação Especial, bem como a lei que versa sobre a
reforma da educação em nosso país, a Lei 5692/71, que prevê os fundamentos
tecnicistas para o tratamento dos alunos da Educação Especial. O modelo
educacional ainda é muito ligado à vertente médico-pedagógica, cujos fundamentos
seguem a definição do treino de habilidades, desenvolvida por meio de técnicas e
serviços especializados.
Em 1973, aprova-se o decreto 72.425, de 03/07/1973, que cria o Centro
Nacional de Educação Especial – CENESP, órgão máximo para coordenar as ações
direcionadas à educação de alunos com deficiência em nosso país.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
13
No entanto, na década de 80, acontece o I Seminário Nacional de Reabilitação
Profissional, em Bauru/SP, promovido pela Fundação Educacional de Bauru, atual
UNESP/BAURU. Nesse evento, pela primeira vez, formalmente, as bases filosóficas e
teóricas da relação entre a sociedade brasileira e a população de pessoas com
deficiência são discutidas. Convém destacar que os participantes desse evento
passaram a ser os principais defensores da transformação de modelos e concepções
vigentes na Educação Especial, tendo como pressuposto a concepção de reabilitação
(MEC/SEESP, 2000).
O ano de 1981 fica decretado como o “Ano internacional da pessoa deficiente”, o
que facilitou a discussão e a definição de metas e objetivos, que resultaram numa
organização das instituições com atenção às pessoas com deficiência.
A década de 90 trouxe a proposta de educação para todos, a partir do
compromisso assumido pelas nações que compareceram à Conferência Mundial da
UNESCO, realizada em Jomtien/Tailândia. O Brasil, tendo assumido essa proposta,
passa a pensar na transformação do sistema educacional para acolher a todos, com
igualdade de qualidade e condições.
Em 1994, ocorre em Salamanca, na Espanha, uma convenção que resulta no
documento chamado DECLARAÇÃO DE SALAMANCA4, cujo conteúdo reflete o
compromisso dos países participantes com a inclusão de alunos com necessidades
especiais e a construção da escola inclusiva. O Brasil adota a proposta e assume o
compromisso com a construção da escola inclusiva, adotando políticas e assumindo
estratégias para a efetivação dessa concepção de educação.
A partir daí, a LDBEN 9394/965 reformula o sistema de ensino no país, com
vistas à atenção para a constituição de uma escola inclusiva aberta e para a aceitação
de todos os alunos, principalmente daqueles com necessidades especiais.
Em 1999, houve um evento na Guatemala chamado de Convenção
Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Pessoas Portadoras de Deficiência. O encontro reafirma que as pessoas portadoras
de deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras
4 (ASSUNTO): DECLARAÇÃO DE SALAMANCA – você poderá ter acesso à íntegra da Convenção no endereço: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf. 5 (ASSUNTO): LDB 9394/96 – você poderá ter acesso à íntegra da Convenção no endereço: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
14
pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não serem submetidas à
discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que são
inerentes a todo ser humano.
Assim, os países comprometidos com a eliminação da discriminação, em todas
as suas formas e manifestações, contra as pessoas portadoras de deficiência
aprovaram e assinaram a Convenção, a qual, dentre outros aspectos, prevê que:
- o termo "deficiência" significa uma restrição física, mental ou sensorial causada
ou agravada por fatores econômicos e sociais, permanente ou transitória, que limita a
capacidade de a pessoa com deficiência exercer uma ou mais atividades essenciais
da vida diária;
- discriminar uma pessoa que possui deficiência consiste em atitudes de
exclusão ou de restrição que impeçam ou anulem o exercício de seus direitos
humanos e de suas liberdades e que;
- a preferência ou a diferenciação adotada pelo Estado que busque promover a
integração social e/ou o desenvolvimento pessoal da pessoa que possui deficiência
não constitui ato de discriminação, desde que tal diferenciação não limite em si o
direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitá-la.
Esse documento hoje dá normativas nacionais para a orientação das políticas
públicas desenvolvidas às pessoas com necessidades especiais.
Em 1998, houve a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN),
que é o documento orientador para os profissionais de Educação quanto à relação
professor/aluno, a fim de que se possa estabelecer um processo de
ensino/aprendizagem com significado para os envolvidos nessa ação.
O Brasil, através da legislação vigente, deixa claro que adotou uma política de
inclusão educacional, já que, desde a Constituição Federal de 1988, é estabelecido o
atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208, inciso III). A Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/96) preconiza o direito à escolarização
dentro de um sistema educativo que tenha como norma atender a diversidade,
organizando os recursos educativos para dar resposta a todas as necessidades
educacionais.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
15
No entanto, a construção da escola inclusiva é atualmente um grande desafio
para a nossa sociedade. A escola inclusiva deve valorizar as diferenças individuais
dos alunos, de forma a se tornar um ambiente que não classifique e discrimine, e que
não seja seletivo na busca da homogeneização.
Partindo desse pressuposto, a inclusão escolar como inovação educativa implica
reavaliar a estrutura educacional e social, revendo conceitos e práticas em relação às
pessoas com necessidades especiais.
A proposta de inclusão estabelece que as pessoas com necessidades especiais
precisam ser inseridas na escola e na sociedade, de forma a assumirem seus papéis
de cidadãos participativos. Para que esse processo se desenvolva plenamente, é
conveniente que haja uma parceria entre a sociedade e as pessoas com
necessidades especiais com o objetivo de solucionar problemas e barreiras que
impeçam o processo de inclusão.
Figura 5: Eliminando barreiras para a inclusão
O grande desafio na proposta de inclusão constitui-se em dar sustentação às
suas práticas, já que a legislação por si só não garante as mudanças necessárias
para que haja uma prática pedagógica efetivamente inclusiva. As escolas precisam
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
16
ser equipadas e reestruturadas para atender o alunado da Educação Especial, pois
essas instituições carecem de investimentos em suas infra-estruturas e em seus
recursos humanos. Nesse sentido, a qualificação dos professores para o
desenvolvimento de um trabalho eficiente e de qualidade é imprescindível. Além
disso, o ambiente deve ser o mais acolhedor possível, de forma que não haja
barreiras arquitetônicas nem barreiras atitudinais.
Atividade da Unidade A: Leia a Política Nacional da Educação Especial e reflita sobre as modalidades de
ensino em Educação Especial. Em seguida, poste na biblioteca suas impressões
acerca da coerência do disposto no documento com a nossa realidade atual. Maiores
informações em relação à atividade serão disponibilizadas pelo professor no ambiente
virtual.
Referências da Unidade A: BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.
______. Lei nº 10.172. Plano Nacional de Educação. Brasília, 2001.
______. Lei nº 9394/ 96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. São
Paulo. Editora do Brasil, 1996.
______. MEC/SEESP. Linhas programáticas para o atendimento especializado na sala de apoio pedagógico específico. Série Diretrizes. Brasília: MEC/SEESP, 1994.
______. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação
Especial. Projeto Escola Viva. Brasília: MEC/SEESP, 2000.
______. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação
Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: MEC, 1994.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
17
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Secretaria de
Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação infantil: estratégias e orientações para a Educação de crianças com necessidades
educacionais especiais. Ministério da Educação – Brasília: MEC, 2001.
BUENO, J. G. S. Educação Especial brasileira: integração/segregação do aluno
deficiente. São Paulo: EDUC, 1993.
JANNUZZI, G. M. A educação do deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do
século XXI. Campinas: Autores Associados, 2004.
______. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. Campinas: Autores
Associados, 1985.
MAZZOTTA, M. J. S. Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. São
Paulo: Cortez, 1996.
PESSOTTI, I. Deficiência mental: da superstição à ciência. São Paulo: T.A.
Queiroz/EDUSP, 1984.
Sites Indicados:
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res1_a.pdf.
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res1_a.pdf
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/livro9.pdf
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/decreto3956.pdf
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
18
Unidade B – MÉTODOS EDUCATIVOS E ÁREAS DE DESENVOLVIMENTO O desenvolvimento do aluno com déficit cognitivo será devidamente entendido
quando visto como um processo permeado por possibilidades de superação de
dificuldades e limitações. Embasando-se nessa concepção, o trabalho pedagógico
terá como prioridade as atividades que possibilitem o desenvolvimento global do
aluno. Assim, nesta unidade, apresentamos as concepções de desenvolvimento e
aprendizagem que balizaram as práticas em Educação Especial no século XX,
considerando que foram e são conduzidas pelas diferentes concepções de aluno e
educação construídas ao longo do desenvolvimento da humanidade. Esperamos que,
após sua leitura, você estabeleça a relação entre as áreas de desenvolvimento
implicadas no processo de aprendizagem desses alunos e possa, a partir disso,
selecionar e construir alternativas metodológicas adequadas às especificidades
pedagógicas desses sujeitos.
Por compreendermos o desenvolvimento como um processo no qual estão
imbricados mecanismos intra e interpessoais que se influenciam contínua e
mutuamente, acreditando, por isso, que o indivíduo é compreendido em sua
totalidade, elaboramos o conteúdo desta unidade de forma a discuti-lo em um único
grande tópico e, nessa perspectiva, as subunidades B.1 Psicomotricidade; B.2
Linguagem; B.3 Cognição e B.4 Sócio-afetividade serão, a partir de agora,
conjuntamente trabalhadas.
Os processos de desenvolvimento e aprendizagem têm-se constituído como
objeto de estudos de importantes teóricos há muitas décadas. As práticas
pedagógicas desenvolvidas para os alunos que possuem déficits cognitivos foram e
são conduzidas pelas diferentes concepções de aluno e de educação construídas ao
longo do desenvolvimento da humanidade. Assim, procuraremos com um breve
histórico6 discutir as concepções de sujeito, desenvolvimento e aprendizagem a partir
de abordagens que se constituíram no século XX como marcos nos estudos sobre
educação.
6 (ASSUNTO): Breve Histórico – dada a limitação de aprofundamento do conteúdo neste momento, indicamos as seguintes obras para maiores leituras: LA ROSA, J. (2003); CARRARA, K. (2004); COLL, C.; MARCHESI, A.; PALÁCIOS, J. (2004). Consulte as referências no final da unidade.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
19
Figura 6: Lev Semionovitch Vygotsky, Ivan Petrovich Pavlov7, Jean Piaget8, Henri
Wallon, Carl Ransom Rogers9 e Burrhus Frederic Skinner10
7 AUTOR): Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) – Pesquisou o papel do condicionamento na psicologia do comportamento, descobrindo que algumas respostas comportamentais são reflexos incondicionados, ou seja, são inatas, em vez de aprendidas, enquanto outras são reflexos condicionados, aprendidos através do emparelhamento com situações agradáveis ou aversivas simultâneas ou imediatamente posteriores. (Disponível em http://pt.wikipedia.org/ ). 8 (AUTOR): Jean Piaget (1896-1980) - Foi um biólogo e psicólogo suíço com enorme produção na área de educação, tendo sido professor de psicologia na Universidade de Genebra de 1929 a 1954, sendo conhecido principalmente por organizar o desenvolvimento cognitivo em uma série de estágios. (Disponível em http://pt.wikipedia.org/). 9 (AUTOR): Carl Ransom Rogers (1902-1987) - Psicólogo conhecido por sua linha psicológica voltada principalmente para a educação dos jovens. Representante da psicologia humanista, Rogers dá grande importância às experiências da pessoa, aos seus sentimentos e valores e a tudo o que possa ser resumido como “vida interior” (LA ROSA, 2003, p. 149). 10 (AUTOR): Burrhus Frederic Skinner (1904 - 1990) - Psicólogo americano que conduziu trabalhos pioneiros em psicologia experimental, sendo propositor do Behaviorismo (isso que está em azul é hyperlink. Antes também tinha e eu apaguei, mas agora fiquei em dúvida. É para ser hyperlink mesmo?)radical, abordagem que buscava entender o comportamento inteiramente em função da história ambiental de reforçamento. (Disponível em http://pt.wikipedia.org/ ).
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
20
Segundo Marques (2001, p. 58), “uma das correntes psicológicas que irrompeu
no início deste século e que mais influenciou e ainda influencia a educação de alunos
com deficiência é o Comportamentalismo ou Behaviorismo“. Embasada no empirismo
e no positivismo, o Behaviorismo recebeu suas principais influências dos estudos de
Pavlov sobre o papel do condicionamento clássico no comportamento humano.
Em 1913, o Behaviorismo é lançado oficialmente com os escritos de John B.
Watson11, autor que defendia a tese de que os diferentes tipos de comportamento
humano são explicados pelas determinações do ambiente.
Vários estudos behavioristas foram apresentados após Watson. No entanto,
poucos direcionaram suas concepções para a área da Educação.
Skinner foi um dos expoentes do Behaviorismo, cujos pressupostos procurou
utilizar em práticas pedagógicas. Assim como Watson, Skinner também foi
influenciado pelas idéias de Pavlov. Formulou a teoria do condicionamento operante,
na qual “ocupava-se das relações entre o comportamento a ser aprendido e as suas
conseqüências” (MARQUES, 2001, p. 60).
Desconsiderando as manifestações subjetivas do sujeito, Skinner não
concordava com a idéia de que a personalidade poderia determinar comportamentos.
Acreditava, ao contrário, que deveríamos controlar o meio e as variáveis que
determinavam esses comportamentos se quiséssemos melhorar a existência humana.
Em relação à educação, sua principal contribuição foi o método da Instrução
Programada, que compreendia a idéia de que os reforços recebidos pelos sujeitos
diante de determinados comportamentos poderiam facilitar a aquisição de novos
conhecimentos. Essa concepção que, durante muitos anos, predominou no trabalho
com alunos que possuíam deficiências, ainda hoje fundamenta algumas práticas
desenvolvidas com esses alunos, estejam eles incluídos em escolas regulares ou não.
Assim, conforme Marques (2001), a partir dessa teoria, concluiu-se que a
aprendizagem deveria ser observada através das respostas que os alunos (que eram
apenas receptores de informações) apresentavam e que, para tanto, o professor
deveria ter competências para controlar e manipular as condições do ambiente. Ainda
11 AUTOR): John B. Watson (1878 - 1958) - considerado o fundador do comportamentalismo. Para ele, a psicologia não devia ter em conta nenhum tipo de preocupação introspectiva, filosófica ou motivacional, mas apenas e simplesmente os comportamentos objetivos, concretos e observáveis. (Disponível em http://pt.wikipedia.org/ ).
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
21
segundo Marques (2001), a preocupação central das práticas comportamentais em
Educação consistiam em possibilitar uma aprendizagem sem erros, pois esses eram
considerados prejudiciais ao aluno. Os programas deveriam ser organizados de forma
a controlar o comportamento dos alunos, evitando a ocorrência desses erros.
Não encontramos nessa teoria um maior aprofundamento das características do
desenvolvimento da inteligência pelas pessoas que possuem déficit cognitivo, o que,
ao nosso entender, representa um aspecto importante a ser ressaltado, pois as
práticas desenvolvidas a partir dessa abordagem não possibilitam que o professor
conheça o processo mental percorrido pelo aluno que possui tal déficit (na verdade, o
objetivo do Behaviorismo não era realmente esse). Nessa abordagem, o déficit
cognitivo é considerado uma conduta atrasada que pode, através de uma organização
dos estímulos do ambiente pelo professor, ser modificada.
Estabelecendo um contraponto às idéias objetivistas do Behaviorismo, tem-se a
Psicologia Humanista como representante da corrente subjetivista da Psicologia. Com
fundamentação filosófica na Fenomenologia e no Existencialismo, a Psicologia
Humanista concebe a experiência humana como impregnada de significados, os quais
possuem origem no próprio indivíduo.
Como um dos mais importantes representantes dessa abordagem está Carl
Rogers, que compreende o homem como um ser que está constantemente em
processo de descoberta sobre si próprio e em busca de sua auto-realização. “Rogers
concebe o homem como um projeto permanente e inacabado, que goza de plena
liberdade, sendo um ‘arquiteto de si mesmo’” (MARQUES, 2001, p. 64). Nessa
perspectiva, o mundo passa a ser compreendido como uma produção do próprio
homem, pois os elementos do mundo vão apresentando significados particulares para
cada indivíduo conforme suas experiências nesse mundo. Para tornar-se uma pessoa,
o homem passa então por um processo dinâmico de construção de si mesmo, no qual
o conhecimento também é construído.
A educação, nessa abordagem, deve ser centrada no aluno e possuir o objetivo
de facilitar a sua aprendizagem:
No entendimento de Rogers (1973), a educação deve se basear numa
atitude de confiança no aluno, proporcionando-lhe uma atmosfera de
liberdade para produzir idéias, sem nenhuma restrição à sua curiosidade e
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
22
à sua iniciativa de propor soluções para os problemas, ao invés de se
prender numa atitude de suspeição que só faz embotar a sua
autoconfiança (MARQUES, 2001, p. 65).
Rogers propôs em sua teoria uma mudança estrutural do ensino, principalmente
em relação aos métodos de avaliação, quando afirmou que seria preciso que exames,
notas e diplomas fossem abolidos e que a educação deveria se constituir de
momentos em que alunos e professores se encontrassem intencionalmente na busca
do conhecimento e do crescimento pessoal. Para tanto, a relação professor-aluno
precisava ser construída sob sentimentos de confiança e de “aceitação incondicional
do aluno como ser capaz de se autoconstruir, traçando as diretrizes para o seu próprio
desenvolvimento e aprendizagem” (Op. cit., p. 66).
Segundo a concepção de Rogers, os alunos devem ser incondicionalmente
entendidos como sujeitos capazes de aprender. Para Rogers, portanto, os princípios
das práticas pedagógicas deveriam ser os mesmos, e os objetivos deveriam visar à
aprendizagem de todos os alunos, independentemente de suas condições sociais,
culturais, orgânicas ou de sua capacidade cognitiva. Tal concepção foi também
influenciadora de uma nova forma de pensar as práticas em Educação Especial, as
quais começaram a ser revistas e ressignificadas, passando-se, principalmente, a
questionar a idéia de que a abordagem Behaviorista seria a abordagem mais indicada
para se trabalhar com alunos que possuíssem necessidades especiais.
Em busca da superação da dicotomia objetivismo-subjetivismo, em torno da qual
se debatia a explicação dos processos de desenvolvimento e aprendizagem, surge
uma nova linha de pensamento. Acreditando na interdependência entre sujeito e meio,
e não mais na supremacia de um sobre o outro, as teorias interacionistas apresentam
destaque na área da Educação, sendo utilizadas como embasamento teórico da
quase totalidade das práticas desenvolvidas atualmente.
Como um dos grandes representantes dessa corrente está Jean Piaget12, que,
com sua Epistemologia Genética, “afirmou que a construção do conhecimento se dá
na ação recíproca e interativa entre sujeito e os objetos do conhecimento”
(MARQUES, 2001, p. 74).
12 (AUTOR): Jean Piaget – Retome o conteúdo da disciplina de Cognição e Aprendizagem para relembrar a teoria de Piaget.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
23
Piaget compreende o desenvolvimento humano como resultado de quatro
estágios (Sensório-Motor, Pré-Operatório, Operatório-Concreto e Operatório-Formal),
que marcam e delimitam o aparecimento de estruturas mentais cada vez mais
elaboradas. Cabe ressaltar que cada estágio apresenta uma ordem de sucessão fixa
e imutável, mas a idade cronológica para a superação de cada um pode variar de
acordo com as condições do indivíduo e do ambiente em que está inserido. O
desenvolvimento se dá então, segundo Piaget, pela organização progressiva da
mente, a partir de processos simultâneos de assimilação e acomodação13
(MAGALHÃES, 2003, p. 104).
Em seus estudos, Piaget não se preocupou em analisar a gênese do
desenvolvimento da inteligência das crianças com necessidades especiais, mas sua
grande colaboradora o fez. Barbel Inhelder (1968), utilizando o método clínico de
Piaget, desenvolveu pesquisas com crianças que possuíam déficit cognitivo,
concluindo que essas crianças passam pelas mesmas seqüências de aquisição das
estruturas mentais que as crianças que não possuem tal déficit, porém com ritmos
diferentes de passagem de um estágio do desenvolvimento para o outro, chegando a
apresentar uma impossibilidade para alcançar o nível mental formal, o que representa,
segundo Inhelder, a incapacidade de alcançar um pensamento lógico, hipotético e
dedutivo.
Na verdade, a DM poderia ser considerada precisamente a fixação em
fases anteriores de desenvolvimento. As fixações dos indivíduos
portadores de DM verificariam-se em vários níveis de desenvolvimento,
ocasionando um ritmo mais lento no curso do desenvolvimento cognitivo e,
evidentemente, a definição de distintas características mentais, com nível
precário de equilíbrio, devido à precária capacidade adaptativa às
demandas do meio (BEYER apud MAGALHÃES, 2003, p. 106).
Assim, a aprendizagem do indivíduo com déficit cognitivo, segundo os estudos
de Inhelder baseados na concepção piagetiana, é comprometida. Conforme a autora,
13 (ASSUNTO): Assimilação e Acomodação – na disciplina de Cognição e Aprendizagem, esses conceitos foram elucidados e aprofundados.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
24
a esses indivíduos falta a objetividade do pensamento, o que conseqüentemente
acarreta a incapacidade metacognitiva, ou seja, a dificuldade para planejar e avaliar
suas ações sobre o meio.
Compartilhando de algumas idéias defendidas por Piaget, mas discordando de
outras, os autores sócio-interacionistas surgem para contribuir de forma determinante
com o processo de desenvolvimento dos indivíduos que possuem déficit cognitivo.
Dentre seus principais representantes, destacam-se Henri Wallon14 e Lev Semionovitch Vygotsky15, sendo este último conhecido hoje como o maior expoente
dessa abordagem.
Acreditando nas influências exercidas pelo meio no desenvolvimento dos
sujeitos, o Sócio-interacionismo toma como referência o ambiente cultural no qual o
indivíduo nasce e se desenvolve e desloca o foco dos estudos sobre desenvolvimento
dos fatores físicos e psíquicos, concentrando-o em aspectos sociais.
Ressaltamos a relevância para a Educação Especial dos estudos de Vygotsky,
que, durante suas pesquisas, preocupou-se em discutir aspectos referentes ao
desenvolvimento das pessoas com deficiência. É por isso que apresentamos sua
teoria com mais aprofundamento neste momento.
Para Vygotsky16, as origens da vida consciente e do pensamento são
procuradas na interação do organismo com as condições de vida social e nas formas
histórico-sociais de vida da espécie. Desse modo, ao compreender o
desenvolvimento, é conveniente analisar o reflexo do mundo exterior no mundo
interior dos indivíduos, a partir da interação desses sujeitos com a realidade.
14 (AUTOR): Henri Wallon (1879-1962) - Filósofo e médico. Afirmou que a gênese da inteligência humana é genética e organicamente social. Reconstruiu o seu modelo de análise ao pensar no desenvolvimento humano, estudando-o a partir do desenvolvimento psíquico da criança. Assim, o desenvolvimento da criança aparece como descontínuo, marcado por contradições e conflitos, resultado da maturação e das condições ambientais, provocando alterações qualitativas no seu comportamento em geral. (Disponível em http://www.centrorefeducacional.com.br/wallon.htm). 15 (AUTOR): Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934) - Psicólogo descoberto nos meios acadêmicos ocidentais depois da sua morte, causada por tuberculose, aos 37 anos. Pensador importante, foi pioneiro na noção de que o desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função das interações sociais (e condições de vida). (Disponível em http://pt.wikipedia.org/ ). 16 (AUTOR): Vygotsky – Retome o conteúdo da disciplina de Cognição e Aprendizagem para relembrar a teoria de Vygotsky.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
25
A origem das mudanças que ocorrem no homem, ao longo do seu
desenvolvimento, está, segundo seus princípios, na sociedade, na cultura e na sua
história.
Assim, o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque constitui
conhecimento e se constitui a partir de relações intra e interpessoais. É na troca com
outros sujeitos e consigo próprio que vão sendo internalizados conhecimentos, papéis
e funções sociais, o que permite a constituição de conhecimentos e da própria
consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social (relações
interpessoais) para o plano individual interno (relações intrapessoais).
Ao nascer, a criança se integra em uma história e em uma cultura: a história e a
cultura de seus antepassados, próximos e distantes, que se caracterizam como peças
importantes na construção de seu desenvolvimento. Ao longo dessa construção, estão
presentes: as experiências, os hábitos, as atitudes, os valores e a própria linguagem
daqueles que interagem com a criança, em seu grupo familiar. Ainda estão presentes,
nesta construção, a história e a cultura de outros indivíduos com os quais a criança se
relaciona em outras instituições, tais como a escola e a igreja. A criança participa
ativamente da construção de sua própria cultura e de sua história, modificando-as e
provocando transformações nos demais sujeitos que com ela interagem.
Segundo essa teoria, a aprendizagem favorece o desenvolvimento das funções
mentais. Essa aprendizagem se inicia muito antes de a criança entrar na escola, pois,
desde que nasce e durante seus primeiros anos de vida, esta criança encontra-se em
interação com diferentes sujeitos, adultos e outras crianças, e situações, o que vai lhe
permitindo atribuir significados a diferentes ações, diálogos e vivências.
Muito embora a aprendizagem que ocorre antes da chegada da criança à escola
seja importante para seu desenvolvimento, Vygotsky atribui um valor significativo à
aprendizagem escolar, que, para ele, produz algo fundamentalmente novo no
desenvolvimento e na aprendizagem da criança.
Para entender a relação entre desenvolvimento e aprendizagem, em Vygotsky,
torna-se necessária a compreensão do conceito de zona de desenvolvimento
proximal.
Segundo o autor russo, a Psicologia sempre esteve preocupada em detectar o
nível de desenvolvimento real do indivíduo, ou seja, aquele que revela a possibilidade
de uma atuação independente do sujeito. Um exemplo dessa preocupação pode ser
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
26
encontrado entre os psicólogos e os educadores, que utilizam testes, ou se apóiam
em escalas, visando a detectar o nível de desenvolvimento do indivíduo.
Durante os testes ou as observações realizados, esses profissionais assumem
uma posição neutra, distante, sem oferecer qualquer tipo de ajuda. Medem o
desempenho observado ao final do processo, procurando compatibilizar erros e
acertos, mas não consideram o processo vivenciado pelo indivíduo na resolução de
problemas.
Do mesmo modo, a escola tende a valorizar, ainda hoje, apenas o nível de
desenvolvimento real dos alunos, seja durante as aulas, seja nos momentos de
avaliação. Muitos professores, ao aplicarem suas provas, exigem que os alunos as
realizem sozinhos, sem discutirem as questões com ele, professor, ou com colegas.
Esse tipo de avaliação leva em conta apenas o produto, ou seja, o que os alunos
conseguem responder, e não como conseguiram chegar às respostas. Perde-se,
assim, a oportunidade de observar-se que muitas questões não respondidas, ou que
apresentam respostas “erradas”, se realizadas com a mediação do professor, ou a de
colegas mais experientes, teriam tido respostas positivas.
Daí por que Vygotsky aponta a existência de um outro nível de desenvolvimento
– o potencial – que, tanto quanto o nível real, necessita ser considerado na prática
pedagógica.
Quando alguém não consegue realizar sozinho determinada tarefa, mas o faz
com a ajuda de outros, está revelando-nos o seu nível de desenvolvimento proximal,
que já contém aspectos e partes mais ou menos desenvolvidas, noções e conceitos.
Portanto, o nível de desenvolvimento mental de um aluno não pode ser
determinado apenas pelo que consegue produzir de forma independente. É
necessário conhecer o que ele consegue realizar, muito embora ainda precise da
ajuda de outras pessoas.
O conhecimento do processo que a criança realiza mentalmente é fundamental,
uma vez que o desempenho correto nem sempre significa uma operação mental bem
realizada. O acerto pode significar, apenas, uma resposta mecânica. Daí a
importância de o professor conhecer o processo que a criança utiliza para chegar às
respostas. Do mesmo modo, conhecendo esse processo e intervindo nele, ou seja,
provocando, estimulando ou apoiando a criança quando esta demonstra dificuldade
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
27
num determinado ponto, torna-se possível trabalhar funções que ainda não estão
consolidadas.
Quando não consideramos essas funções que se encontram em processo de
consolidação, deixamos de atuar na zona de desenvolvimento proximal, que é a
distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento
potencial. Através de experiências de aprendizagem compartilhadas, atua-se nesta
zona de desenvolvimento proximal, de modo que funções ainda não consolidadas
venham a amadurecer.
Dessa forma, verificamos o quanto a aprendizagem interativa permite que o
desenvolvimento avance. Ressaltando a importância das trocas interpessoais na
constituição do conhecimento, Vygotsky mostra, através do conceito de zona de
desenvolvimento proximal, o quanto a aprendizagem influencia o desenvolvimento.
Então, o desenvolvimento, nessa perspectiva, acontece de fora para dentro e,
nesse processo, a linguagem tem papel central. É através da linguagem, e com a
mediação do outro, que a criança se apropria dos elementos culturais que constituem
o seu mundo.
Antes de controlar o próprio comportamento, a criança começa a controlar
o ambiente com a ajuda da fala. Isso produz novas relações com o
ambiente, além de uma organização do próprio comportamento. A criação
dessas formas caracteristicamente humanas de comportamento produz,
mais tarde, o intelecto, e constitui a base do trabalho produtivo: a forma
especificamente humana do uso de instrumentos (VYGOTSKY, 1989, p.
27).
O processo de aquisição da linguagem na teoria de Vygotsky apresenta uma
progressão. Assim, a fala, que inicialmente é social e tem como função a
comunicação, transforma-se em uma fala egocêntrica, que serve como uma espécie
de organizadora e de avaliadora da ação que está sendo realizada (função cognitiva),
constituindo-se finalmente como uma fala interior.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
28
Figura 7: Fala egocêntrica
Para Vygotsky, o pensamento e a linguagem têm origens diferentes e
desenvolvem-se segundo trajetórias diferentes e independentes. Existe um percurso
do pensamento desvinculado da linguagem e uma trajetória da linguagem
desvinculada do pensamento. Em um determinado momento do desenvolvimento do
indivíduo, as duas trajetórias se encontram e se unem, quando então o pensamento
se torna verbal e a linguagem racional.
O momento mais significativo no curso do desenvolvimento intelectual,
que dá à luz as formas mais puramente humanas da inteligência prática e
abstrata, é quando a linguagem e a atividade prática, duas linhas de
desenvolvimento antes completamente independentes, convergem
(VYGOTSKY apud LA ROSA, 2003, p. 141).
Então, no período compreendido entre zero e dois anos de idade,
aproximadamente, diz-se que o pensamento da criança é pré-verbal e a linguagem
pré-intelectual, pois, nesse momento, a criança utiliza uma inteligência prática para
agir no ambiente sem a mediação da linguagem. A partir dos dois anos de idade, o
percurso do pensamento encontra-se com o da linguagem, quando uma nova forma
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
29
de funcionamento psicológico estrutura-se. A fala passa a ser intelectual e o
pensamento verbal, mediado pelos significados dados pela linguagem.
Para Vygotsky, a partir do momento em que a criança apresenta uma fala
internalizada, ela não mais procura primeiramente o outro para auxiliá-la na resolução
de seus problemas, mas sim procura a solução nela mesma. Logo, diz-se que a
evolução da linguagem social para a linguagem interiorizada representa também a
evolução da inteligência prática da criança e, por isso, a linguagem é considerada
como uma ferramenta que possui papel determinante na construção do pensamento.
Essa necessidade de vinculação entre linguagem e pensamento dá-se a partir
da inserção da criança em um grupo cultural. É a interação com membros mais
desenvolvidos, que já possuem uma linguagem estruturada, que vai provocar o
desenvolvimento do pensamento verbal.
Segundo os estudos de Vygotsky, o desenvolvimento das crianças que possuem
déficit cognitivo dá-se, em essência, da mesma forma que o desenvolvimento de
crianças que não possuem tal limitação. O autor russo ressaltou, no entanto, que a
criança com déficit cognitivo apresenta, na relação entre pensamento e linguagem,
dificuldades para estruturar seu pensamento verbal em razão das limitações no
processo de internalização dos significados emitidos pela fala.
O fenômeno é completamente diferente no caso da criança atrasada.
Durante o desenvolvimento, também esta criança assimila a linguagem,
mas os processos nervosos em que se baseia mostram desvios
patológicos e não permitem o aparecimento de sistemas complexos e
móveis de conexões, necessários para o normal funcionamento da
linguagem. As conexões da linguagem da criança não revestem, portanto,
esse papel ativo e necessário para a formação da atividade intelectual e
para a regulação do comportamento. (LURIA apud FERNANDES e
MAGALHÃES, 2003, p. 110)
Assim, dificuldades no processo de internalização da linguagem afetam em
particular as operações sensório-motoras, a memória, a generalização, a abstração e
os processos de auto-regulação17. Dessa forma, a pessoa com déficit cognitivo
17 (ASSUNTO): Auto-regulação – comportamentos que implicam auto-reflexão: auto-observar-se, autoconhecer-se, auto-avaliar-se.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
30
encontra dificuldades para se apropriar dos recursos culturais disponíveis na
sociedade e para compreender como e quando utilizá-los, o que, por sua vez, acarreta
um comprometimento na construção da aprendizagem e, por conseqüência, no seu
desenvolvimento.
No entanto, Vygotsky defendeu a idéia de que “a criança com deficiência fosse
estudada numa perspectiva qualitativa e não como uma variação quantitativa da
criança sem deficiência” (MARQUES, 2001, p. 85).
A singularidade do desenvolvimento da pessoa com deficiência está nos
efeitos positivos da deficiência, ou seja, nos caminhos encontrados para a
superação do déficit. Dessa forma, a pessoa com deficiência não é inferior
aos seus pares, apenas apresentam um desenvolvimento qualitativamente
diferente e único. O meio social pode facilitar ou dificultar a criação desses
novos caminhos de desenvolvimento (Ibid.).
Vygotsky acreditou que as possibilidades de desenvolvimento que uma pessoa
com deficiência pode apresentar são determinadas não exclusivamente pelas suas
limitações orgânicas, mas principalmente pelas vivências possibilitadas a essas
pessoas. Nesse sentido, afirmou que as escolas precisam desenvolver práticas cuja
ênfase esteja na educação social desses alunos e no potencial que eles apresentam
para se desenvolver. Vygotsky mostrou-nos que as deficiências afetam não a
interação que os indivíduos com déficit cognitivo estabelecem com o meio físico, mas
sim a qualidade das interações estabelecidas com outros sujeitos sociais, o que, por
sua vez, afeta sobremaneira seus processos de desenvolvimento e aprendizagem.
Diante do exposto, lembramos que os defensores das atuais políticas de
educação inclusiva encontram na teoria vygotskyana os principais argumentos para
sua defesa, pois acreditam que possibilitar que alunos com diferentes ritmos de
desenvolvimento interajam em espaços não-segregados é proporcionar a realização
de um ensino que se adianta à aprendizagem, é oferecer aos alunos desafios
constantes e trabalhar na sua zona de desenvolvimento potencial, transformando
possíveis conhecimentos em conhecimentos reais.
Após discutirmos (resumidamente) as correntes teóricas aqui apresentadas,
lembramos a indissociabilidade entre teoria e prática e, com isso, ressaltamos a
necessidade que temos enquanto profissionais da Educação de apropriarmo-nos de
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
31
uma corrente teórica e dos pressupostos defendidos por ela para que nosso trabalho
apresente uma estrutura consistente.
Então, ao prever seu planejamento educacional para alunos com déficit
cognitivo, o professor tem que levar em conta a possibilidade de atender as variadas
necessidades que o aluno apresenta. Nessa perspectiva, as atividades pedagógicas
serão pensadas a partir de uma teoria de desenvolvimento e aprendizagem, tendo em
vista os métodos educativos condizentes com as concepções apresentadas por tal
teoria, além da noção de que as ações desenvolvidas com o aluno irão
necessariamente influenciar todos os aspectos (linguagem, cognição, sócio-
afetividade e psicomotricidade) do seu desenvolvimento.
Nessa perspectiva, acreditamos que um dos aspectos do desenvolvimento que
deve estar presente nos planejamentos pedagógicos que visarão ao atendimento às
especificidades pedagógicas do aluno com déficit cognitivo é o aspecto psicomotor18.
De acordo com Souza (2003), historicamente, as práticas psicomotoras foram
inicialmente desenvolvidas nas escolas como um recurso a mais para “corrigir”
distúrbios na aprendizagem daqueles alunos que não aprendiam. Vinda da França e
da Argentina na década de 50 do século XX, a psicomotricidade passou a ser utilizada
nas práticas pedagógicas no Brasil com o objetivo de auxiliar na escolarização dos
alunos com necessidades especiais. Sob um viés comportamentalista, as práticas
iniciais visavam à reeducação psicomotora e tratavam o indivíduo de forma
fragmentada. Por exemplo, “quando a criança apresentava dificuldade em seu
equilíbrio, eram aplicadas atividades exercitando pulos procurando reestruturar esse
equilíbrio” (SOUZA, 2003, p. 209).
18 (ASSUNTO): Psicomotor – Você poderá aprofundar seus conhecimentos sobre os aspectos psicomotores do desenvolvimento nas obras: Psicomotricidade, de V. Fonseca (Porto Alegre:,ArtMed 2004); Atualização em Psicomotricidade: o corpo e sua memória, de G. Hermant (São Paulo: Manole, 1988); Psicopedagogia e Psicomotricidade, de A. C. Costa (Petrópolis: Vozes, 2003) e Como desenvolver a psicomotricidade, de M. S. Mutschele (São Paulo: Loyola, 1996).
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
32
Figura 8: A psicomotricidade pelo viés comportamentalista
Aos poucos, essa visão mecanicista foi cedendo espaço a uma nova visão de
intervenção psicomotora, na qual as atividades buscam o equilíbrio entre ação e
pensamento. Nessa perspectiva, o indivíduo passa a ser percebido na sua totalidade
e o seu desenvolvimento observado na sua globalidade.
Assim, segundo Souza, a psicomotricidade atualmente “procura priorizar a
unidade do ser humano em vez de seus sintomas e de suas dificuldades em
expressar suas habilidades” (2003, p. 210).
Mas, afinal, do que se ocupa a psicomotricidade? Segundo Levin (1995, p. 21), a
psicomotricidade é “uma prática que tem como eixo central o movimento e o corpo de
um sujeito desejante”. O autor ainda ressalta que corpo e sujeito não são sinônimos,
nem equivalentes.
Não somos apenas o nosso corpo, somos seres constituídos pela razão, pelos
desejos e pelas ações correspondentes a esses desejos, e é exatamente por esse
motivo que devemos ser analisados na relação que estabelecemos entre esses
elementos.
E como organizar o planejamento pedagógico considerando esses aspectos?
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
33
Faz-se inicialmente necessário que o olhar e a atenção do professor não
estejam centrados nas dificuldades e limitações do aluno. Ao contrário, o professor
deve voltar-se para aquilo que o aluno é e sabe fazer, conforme seu momento
maturativo e afetivo. Dessa forma, estaremos respeitando as potencialidades de cada
aluno e o seu direito de cumprir com funções sociais.
A esse respeito, Souza (2003) alerta que o respeito às potencialidades e
limitações de cada aluno tem sido por muitos anos esquecido dentro do ambiente
escolar e que, conseqüentemente, nossos alunos não se mostram como realmente
são, não confiam em suas potencialidades e vêem morrer o desejo e a curiosidade
por novos conhecimentos.
Na atual perspectiva da educação inclusiva, em que as escolas estão (ou
deveriam estar) abertas a todos os alunos, sabemos que um dos aspectos
indispensáveis às práticas pedagógicas é o respeito aos diferentes ritmos de
aprendizagem. Aquele aluno que tem garantido o direito de ser aceito como é e
reconhecido como cidadão, independentemente de suas limitações, pode apresentar
autonomia em suas ações, aprender a mobilizar o seu desejo para satisfazer suas
necessidades e saciar suas dúvidas, lidar com a frustração de maneira positiva,
encarando-a como uma parte importante do processo de desenvolvimento, e
estabelecer interações positivas com os outros no seu entorno.
Assim, o enfoque do trabalho desenvolvido com alunos que possuem déficit
cognitivo necessita constituir-se a partir do conceito de globalidade do ser, priorizando
a relação deste aluno com os demais sujeitos atuantes no ambiente social. Conforme
afirma Souza, “a criança tem nos pares a oportunidade de inserção mais completa no
ambiente cultural” (2003, p. 212).
Nesse contexto, faz-se imprescindível discutir o papel da família como primeiro
grupo social em que as crianças participam e no qual têm acesso às primeiras
informações e à possibilidade de construção de conhecimentos iniciais, que se
constituem como essenciais aos processos de desenvolvimento de sua inteligência e
de sua personalidade. Para tanto, recorremos à Teoria da Aprendizagem Social,
representada aqui pelos estudos de Bandura19 (apud RAPPAPORT, 1981). Bandura
19 (AUTOR): Albert Bandura (1925) – Psicologo canadense, autor da Teoria Social Cognitiva. Acredita que o ser humano é capaz de aprender comportamentos sem sofrer qualquer tipo de reforço. Para ele, o indivíduo é capaz de aprender também através da observação do comportamento dos outros e de suas conseqüências, com contato indireto com o reforço.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
34
afirma que os comportamentos apresentados por um indivíduo são determinados
pelas experiências que esse próprio indivíduo vivenciou, as quais o autor chama de
experiências diretas, bem como pelas experiências que o indivíduo observou outros
vivenciarem, chamadas de experiências vicariantes.
Assim, um dado comportamento será o resultado daquilo que foi aprendido com
a vivência de situações semelhantes à que hoje se está vivendo. Conforme Bandura,
“a maioria das respostas sociais são adquiridas através de indicações fornecidas por
modelos” (apud RAPPAPORT, 1981, p. 85).
Nesse sentido, a família estrutura-se como nossa principal referência, a partir da
qual aprendemos modelos de comportamentos. Como exemplo, Bandura cita
comportamentos de passividade e insegurança de indivíduos adultos que, quando
crianças, foram reforçados em seus comportamentos de dependência a uma pessoa
mais velha e experiente. Tal exemplo parece-nos bastante significativo, principalmente
por encontrarmos em muitos indivíduos adultos com déficit cognitivo sentimentos de
insegurança e incapacidade em relação às suas potencialidades, sentimentos esses
que fazem com que se tornem eternos dependentes de alguém. A infantilização e a
superproteção da pessoa com deficiência são características comumente encontradas
nessas famílias.
Bandura nos lembra ainda de que o ser humano possui a capacidade de auto-
regulação, através da qual consegue avaliar e dirigir seus comportamentos. Assim,
segundo o referido autor, “o ambiente controla o indivíduo na mesma medida em que
é controlado por este” (Bandura apud Rappaport, 1981, p. 89). No entanto,
consideramos importante ressaltar que, como vimos anteriormente, a capacidade de
auto-regulação encontra-se comprometida na pessoa que possui déficit cognitivo
devido a sua dificuldade de estruturação do pensamento verbal e, por esse motivo,
esses indivíduos constantemente apresentam-se controlados pelo meio, reproduzindo
comportamentos sem avaliar os efeitos do que estão fazendo.
Lembramos também que o conjunto de alunos que compõem uma sala de aula,
assim como o professor dessa dada turma, constituem-se como um importante grupo
social ao qual as crianças têm acesso na infância. Logo, é oportuno ressaltar que todo
aluno, além de ter sua própria história pessoal, também possui uma determinada
Entre o estímulo e a resposta, há também o espaço cognitivo de cada indivídio. (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Albert_Bandura)
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
35
bagagem cultural. Por isso, o espaço da sala de aula e a metodologia de trabalho
planejada pelo professor devem propiciar ao aluno um ambiente onde suas atitudes
estejam estruturadas em conceitos como autonomia e segurança, como também na
crença em suas próprias capacidades, possibilitando-lhes adquirir modelos de
comportamentos positivos ao seu desenvolvimento.
Assim, atividades nas quais o prazer da relação com os demais colegas esteja
presente são indispensáveis. Para tanto, a sala de aula irá significar um espaço em
que alunos de diferentes culturas serão capazes de se comunicar e de se expressar.
Alcançar a capacidade de comunicação é condição inerente ao desenvolvimento, uma
vez que, para desenvolver-se de forma harmônica, o aluno precisa ser capaz de pedir,
de questionar, de responder, de negar... Todo indivíduo que esteja apto a se
comunicar é um sujeito que pode afirmar-se como indivíduo dentro de diferentes
grupos sociais.
As ações pedagógicas possuem então a importante função de desenvolver as
possibilidades motoras, expressivas e criativas dos indivíduos em sua globalidade.
Cuidam do movimento, ao mesmo tempo em que põem em jogo as funções
intelectuais e a afetividade. São indispensáveis a todos os indivíduos, pois têm a
dupla finalidade de promover nosso desenvolvimento intelectual, levando em conta
nossas possibilidades, bem como ajudar nossa afetividade a se expandir e a se
equilibrar, graças à qualidade de trocas entre o meio ambiente e as pessoas.
Se há toda uma fundamentação teórica que explicita a integralidade do sujeito
no seu desenvolvimento, quais são as alternativas metodológicas correspondentes a
cada área que melhor atenderão as especificidades pedagógicas dos alunos com
déficit cognitivo? Com o objetivo de responder a essa questão, agora convidamos
você a estudar a próxima unidade.
Atividade da Unidade B: Diante do conteúdo discutido na unidade, reflita sobre as práticas pedagógicas
desenvolvidas atualmente. Em sua opinião, os alunos são concebidos na sua
totalidade? E as especificidades pedagógicas dos alunos com déficit cognitivo são
consideradas no planejamento das atividades? Participe do fórum de discussão que
será aberto para refletirmos sobre esses e outros fatores.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
36
Referências da Unidade B: ALVES, F. Psicomotricidade: corpo, ação e emoção. Rio de Janeiro: WAK, 2003.
BLANCO, R. A atenção à diversidade na sala de aula e as adaptações do currículo.
In: COLL, C.; MARCHESI, A.; PALÁCIOS, J. Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos de desenvolvimento e necessidades educativas especiais.
Vol.3. Porto Alegre: ArtMed, 2004.
CARRARA, K. (Org.) Introdução à Psicologia da Educação: seis abordagens. São
Paulo: AVERCAMP, 2004.
COLL, C., MARCHESI, A., PALÁCIOS, J. Desenvolvimento Psicológico e
Educação: psicologia da educação especial. V. 02. Porto Alegre: ArtMed, 2004.
COSTA, A. C. Psicopedagogia e Psicomotricidade. Petrópolis: Vozes, 2003.
FERNANDES, M. L. C. N.; MAGALHÃES, S. M. C. A deficiência mental na perspectiva
de Piaget e Vygotsky. In: MAGALHÃES, R. C. B. P. (Org.). Reflexões sobre a diferença: uma introdução à educação especial. Fortaleza: Ed. UECE, 2003.
FONSECA, V. Psicomotricidade. ArtMed: Porto Alegre, 2004.
HERMANT, G. Atualização em Psicomotricidade: o corpo e sua memória. São
Paulo: Manole, 1988.
LA ROSA, J. Psicologia e Educação: o significado do aprender. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2003.
LEVIN, E. A Clínica Psicomotora: o corpo na linguagem. Petrópolis: Rio de Janeiro,
1995.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
37
MAGALHÃES, R. C. B. P. (Org.). Reflexões sobre a diferença: uma introdução à
educação especial. Fortaleza: Ed. UECE, 2003.
MARQUES, L. P. O professor de alunos com deficiência mental: concepções e
prática pedagógica. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2001.
RAPPAPORT, C. R.; FIORI, W. R.; DAVIS, C. Teorias do desenvolvimento:
conceitos fundamentais. São Paulo: EPU, 1981.
SOUZA, D. C. Contribuições da psicomotricidade no processo de inclusão. In:
MAGALHÃES, R. C. B. P. (Org.). Reflexões sobre a diferença: uma introdução à
educação especial. Fortaleza: Ed. UECE, 2003.
VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
Sites Indicados:
http://pt.wikipedia.org/
http://www.centrorefeducacional.com.br/wallon.htm)
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
38
Unidade C – ALTERNATIVAS METODOLÓGICAS
A partir dos conteúdos que foram discutidos até este momento, queremos, nesta
unidade, apresentar algumas alternativas metodológicas para o trabalho com alunos
que possuem déficit cognitivo, considerando que cabe ao professor, no seu
planejamento, organizar o trabalho em sala de aula de forma que consiga envolver
todos os alunos no desenvolvimento das atividades. Lembramos que as atividades
aqui elencadas são sugestões a partir das quais você, ciente das necessidades
específicas dos seus alunos, poderá selecionar e construir formas de trabalho que
mais se adaptem a sua realidade escolar e assim iniciar o seu trabalho. Relacionando-
as com novas leituras e novas práticas, você mesmo, com o passar do tempo, terá
condições de compor a sua lista de atividades. No entanto, lembre-se sempre de que
a interação e a troca com outros professores poderão enriquecer muito o seu fazer
pedagógico.
A escola tem como função principal promover o desenvolvimento dos alunos e a
apropriação dos elementos culturais do meio em que o indivíduo está inserido e que
irão possibilitar-lhe participar ativamente na sociedade (BLANCO, 2004). Para tanto, a
escola precisa desenvolver práticas pedagógicas significativas a todos os seus
alunos, respeitando ritmos de aprendizagem e necessidades individuais diferentes.
Respeitar as características que constituem a individualidade de cada aluno faz-
se hoje imprescindível em nosso sistema de ensino, pois apenas dessa forma
conseguiremos possibilitar que todos tenham acesso ao conhecimento historicamente
produzido. Para isso, tais premissas precisam estar presentes nas diferentes
modalidades de planejamento que são desenvolvidas dentro de uma escola, a partir
das quais as práticas pedagógicas se efetivam.
Conforme nos lembra Vasconcellos (2005), desde a promulgação da atual LDB,
Lei nº. 9394/96, muitos discursos têm sido produzidos nos contextos escolares em
relação à necessidade de planejamento, principalmente porque tal Lei prevê que os
estabelecimentos de ensino elaborem e executem seus projetos político-pedagógicos
– os PPPs – primeira instância de um planejamento dentro das instituições.
Assim, partindo dos PPPs e em consonância com os seus princípios, as suas
metas e os seus objetivos, é que os professores precisam elaborar os seus planos de
trabalho em sala de aula. A esse respeito, Vasconcellos (2005) convida-nos a pensar
no atual momento de crise que nosso sistema de ensino está passando, motivado
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
39
principalmente pelo avanço com que nossa sociedade vem se desenvolvendo. Isso
nos obriga a reavaliar constantemente nossas práticas, bem como a ressignificar
nossas concepções de educação, conhecimento e aprendizagem, como também de
aluno e professor.
O momento atual nos apresenta muitas dúvidas e questionamentos; no entanto,
concordamos que, apesar de todas as mudanças que se mostram indispensáveis, a
importância do papel do professor no processo de construção de conhecimentos pelos
alunos permanece inquestionável, apesar de ressignificada. Nesse contexto, faz-se
cada vez mais imprescindível que esse sujeito desenvolva uma prática crítica,
atualizada e planejada. Como afirma Vasconcellos, “quando não há exercício crítico
de planejamento, a tendência é: improviso, repetição/reprodução” (2005, p. 13).
Precisamos compreender como nossos alunos constroem conhecimento e de
que forma nós podemos favorecer esse processo de construção, tendo clara a teoria
de aprendizagem que embasa nossa ação docente, pois nenhuma atividade será
capaz de “salvar” uma prática educacional que não tenha uma fundamentação teórica
bem delimitada (MENEZES, 2006).
Uma prática qualificada com conhecimentos teórico-práticos também necessita
da compreensão do professor quanto ao seu papel de agente de formação, com a
necessidade de aprimoramento pessoal e profissional. Como afirma Vasconcellos:
O sentido do planejamento está em ajudar a sofrer menos; (...) descobrir e
ocupar o espaço de autonomia relativa; realizar mais, resgatar a potência,
a alegria; qualificar o trabalho (a educação é importante demais para ser
feita na base do improviso ou da mera repetição) (2005, p. 14).
Processos contínuos de busca, reflexão, auto-avaliação e a análise crítica de
nossa atuação docente colaboram para que a história dessas práticas seja realmente
efetiva e válida. Quando o professor assume uma postura cotidiana crítica,
questionadora, percebe-se capaz de criar e recriar continuamente, passa a acreditar
na sua capacidade de ousar, de fazer diferente, de tentar novas maneiras de trabalho
e liberta-se, assim, das verdades absolutas, da cópia e da reprodução (MENEZES,
2006).
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
40
Através do planejamento pedagógico, o professor pode valer-se de metodologias
que favoreçam ou impeçam o êxito do aluno no seu processo de construção de
conhecimento. Nessa perspectiva, destacamos a seguir alguns importantes aspectos
que poderão ser considerados no momento da realização das atividades com os
alunos:
ü Lembre-se de que o trabalho em grupo favorece a interação entre os alunos e que a
mediação entre zonas proximais de desenvolvimento diferentes proporcionam a
construção de conhecimento daqueles que possuem necessidades educacionais
especiais;
ü Verifique se há respeito e cooperação entre os alunos durante o desenvolvimento das
atividades;
ü Utilize recursos pedagógicos variados para a realização das atividades, respeitando
as especificidades pedagógicas dos seus alunos. No caso dos alunos com déficit
cognitivo, faça uso de material concreto. Estes devem ser utilizados nas situações de
ensino e aprendizagem para respeitar a dificuldade de representação formal por parte
dos alunos com essa categoria de deficiência. Proponha atividades que se encadeiem
numa progressão sistemática do nível concreto ao abstrato, em direção à
representação mental;
ü Lembre-se de que o aluno com déficit cognitivo pode apresentar alguma dificuldade
na capacidade de memorização, o que torna muito importante um planejamento
didático que implique retorno – sempre que se fizer necessário e não de forma
cansativa – a conteúdos ou conhecimentos já trabalhados;
ü Procure avaliar as condições de crescimento e modificação do aluno e estabeleça
como alvo do seu fazer pedagógico o desenvolvimento potencial avaliado;
ü Lembre-se de que toda a aprendizagem deve ser coerente com o nível de
desenvolvimento do aluno, ou seja, que existe uma relação entre determinado nível de
desenvolvimento e a capacidade potencial da aprendizagem;
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
41
Figura 9: Desafios para desenvolver o pensamento
ü Tenha em mente que a aprendizagem resulta de situações desafiadoras. Apresente
aos seus alunos desafios e problemas sem respostas evidentes;
ü Saiba que a avaliação que considera apenas o produto, ou seja, o que os alunos
conseguem responder, e não como conseguiram chegar às respostas, não possibilita
a observação de que muitas questões não respondidas, ou que apresentam respostas
“erradas”, se tivessem sido realizadas com a mediação do outro (professor ou colega)
mais experiente, teriam tido respostas positivas;
ü Reflita sobre quais os conhecimentos principais que levamos conosco quando
deixamos a escola. Lembre-se de que hábitos de pensamento, gestos, sensibilidades,
formas de compartilhar, de intervir, modos de pensar, de sentir e de conviver são
também tão importantes quanto os conteúdos formais;
ü Acredite que todo ser humano nasce com um única potencialidade:
POTENCIALIDADE PARA APRENDER!;
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
42
ü Procure respeitar as escolhas que seus alunos fazem, ouvindo preferências e
interesses, estimulando sua autonomia. Ofereça um espaço físico onde possam trocar
experiência, buscar informações, discutir e encontrar soluções para problemas em
suas vidas;
ü E, principalmente, acredite que o desenvolvimento de uma pessoa com deficiência
será devidamente entendido quando visto como um processo e não como um fato
consumado. Olhe o seu aluno na sua totalidade e nunca de forma fragmentada.
Ressaltamos, contudo, que toda atividade pedagógica está direta e permanente
sendo influenciada pelos aspectos culturais da sociedade da qual faz parte. Nesse
sentido, ainda que acreditemos na importância das observações aqui apresentadas, é
você enquanto professor que poderá determinar o que realmente é significativo para o
seu planejamento.
A fim de elucidar algumas atividades20 que poderão ser desenvolvidas por você,
destacamos a seguir alguns exemplos. Contudo, lembramos que os exemplos que
aqui se seguem constituem-se como uma pequena contribuição para a sua atuação
docente. Durante a realização dessas atividades, é conveniente que o aluno seja
trabalhado em toda a sua integralidade e não em apenas uma área de seu
desenvolvimento. Tenha em mente que um dos principais objetivos da educação
inclusiva é possibilitar o desenvolvimento de práticas pedagógicas com qualidade a
todos os alunos da sala de aula e, nessa perspectiva, é realmente importante que os
diferentes ritmos de desenvolvimento e as diferentes especificidades cognitivas sejam
respeitados e, para tanto, adaptações curriculares21 poderão ser realizadas.
ü Para o desenvolvimento da expressão corporal, pode-se desenvolver:
- atividades de identificação, reconhecimento e localização das partes do corpo;
- aplicação dos conceitos espaciais e temporais;
20 (ASSUNTO): Atividades – Outros exemplos de atividades podem ser encontrados em: GOLBERT (2002); RODRIGUES e MIRANDA (2000) e ANTUNES (1999). 21 (ASSUNTO): Adaptações Curriculares – Você poderá conhecer as adaptações curriculares propostas nas políticas públicas nacionais para a educação inclusiva no seguinte endereço: http://portal.mec.gov.br/seesp/index.php?option=content&task=view&id=90&Itemid=219.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
43
- reprodução de movimentos e ritmos com as partes do corpo;
- reprodução de posições mantendo o equilíbrio; expressão corporal e
dissociação de movimentos;
- teatro, jogos de faz de conta, mímica e dança.
Figura 10: Trabalhando a expressão corporal
ü O desenvolvimento da lateralidade22 envolve exercícios com os membros
inferiores, superiores e com os olhos. Podem-se utilizar desenhos, recortes,
pinturas e jogos com bolas.
ü A estruturação espacial23 pode ser trabalhada com atividades que envolvam:
- a posição e a relação no espaço de indivíduos, objetos e situações;
- trabalhos de localização da cidade, da rua, da casa;
22 (ASSUNTO): Lateralidade – dominância de um lado do corpo em relação ao outro, nos níveis de força e precisão de movimentos (MEC/SEESP, 1994). 23 (ASSUNTO): Estruturação Espacial – tomada de consciência da situação do próprio corpo no meio ambiente, ou seja, do lugar que ocupa em relação às pessoas e os objetos (MEC/SEESP, 1994).
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
44
- compreensão de noções como acima, abaixo, no meio, maior, igual, menor,
fora, dentro, longe, perto, etc.
ü Para a estruturação temporal24, as atividades devem prever a sucessão dos
acontecimentos, as datas, os dias da semana, mês e ano, as horas no relógio, o
período em que as crianças permanecem na escola, a duração dos intervalos, o
envelhecimento e seqüências lógicas.
ü O desenvolvimento da percepção requer atividades de:
- reconhecimento e discriminação de cores;
- relação entre figura e fundo;
- localização e reprodução de sons;
- reconhecimento e discriminação de odores;
- exploração de objetos através da manipulação;
- identificação de tamanhos, quantidades e texturas.
ü As atividades para o desenvolvimento da memória compreendem:
- reprodução de situações ocorridas em filmes, desenhos ou histórias infantis;
- jogos de mímica;
- reprodução de desenhos apresentados e depois retirados;
- reprodução de movimentos corporais e reconstrução de fatos da vida diária
como passear com a família, ir à escola, a festas, etc.
ü Para desenvolver as habilidades conceituais, as atividades envolverão a
classificação de objetos segundo critérios como a cor, o tamanho, a textura, a
espessura, além da leitura de histórias seguida de debates, conversas sobre
gravuras, brinquedos e objetos.
24 (ASSUNTO): Estruturação Temporal – capacidade de se situar em função da sucessão, duração e periodicidade dos acontecimentos (MEC/SEESP, 1994).
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
45
ü Em atividades de alfabetização, realize atividades em que a escrita esteja
sempre associada ao seu significado; para isso, utilize temas significativos e
contextualizados.
ü Desenvolva palavras cruzadas com os nomes dos alunos que compõem a
turma.
ü Utilize música como recurso nas suas atividades; ela é um meio eficiente e
motivador de comunicação.
Figura 11: Atividades que possibilitam a participação de todos os alunos
ü Construa textos coletivos com seus alunos a partir de temas que são
conhecidos por todos, como um passeio realizado pela escola. Essa atividade
possibilita a participação de todos e estimula a interação entre o grupo.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
46
ü Cuide para que os alunos que concluírem primeiro suas atividades orientem
aqueles que ainda não terminaram. Possibilite a mediação entre alunos na sua
sala de aula.
ü Utilize o computador25 como uma ferramenta importante para a construção de
conhecimentos pelos alunos e para a superação de dificuldades dos alunos com
déficit cognitivo, sendo, portanto, um aliado na consolidação de sua inclusão.
Ao finalizar as sugestões metodológicas, gostaríamos de ressaltar que a maior
alternativa que podemos indicar a você é que o desenvolvimento de sua prática
pedagógica esteja alicerçado em conhecimentos teóricos consistentes. Nenhuma
atividade será significativa ao aluno se, ao planejá-la, o professor não estabelecer
objetivos para sua realização, tendo clareza para continuamente interagir e avaliar os
progressos de seus alunos.
Esse é o perfil do professor na perspectiva da educação inclusiva. A partir daqui,
reflita sobre suas concepções e ações pedagógicas. Bom trabalho!
Atividade da Unidade C: Discuta com seus colegas em grupos (a orientação para a formação desses
grupos será disponibilizada na agenda da disciplina), pontuando dez atividades
diferentes das que aqui foram apresentadas e que poderão favorecer o processo de
inclusão de alunos com necessidades especiais. Deixem claros os objetivos das
atividades, argumentando e justificando a escolha delas.
Por fim, disponibilizem-nas na biblioteca conforme orientações do professor na
agenda da disciplina.
Referências da Unidade C:
25 (ASSUNTO): Computador – Aprofunde seus conhecimentos sobre a utilização da informática na educação a partir da obra Informática e Educação Inclusiva: discutindo limites possibilidades, de E. C. P. Menezes (Santa Maria: Editora da UFSM, 2006), ou acesse o site: http://www.educacaoonline.pro.br/.
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
47
ANTUNES, C. Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências. Petrópolis:
Vozes, 1999.
BLANCO, R. A atenção à diversidade na sala de aula e as adaptações do currículo.
In: COLL, C.; MARCHESI, A.; PALÁCIOS, J. Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos de desenvolvimento e necessidades educativas especiais.
Vol.3. Porto Alegre: ArtMed, 2004.
GOLBERT, C. S. Jogos Matemáticos A THURMA: quantifica, qualifica. Porto Alegre:
Mediação, 2002.
MENEZES, E. C. P. Informática e Educação Inclusiva: discutindo limites e
possibilidades. Santa Maria: Editora da UFSM, 2006.
MUTSCHELE, M. S. Como desenvolver a psicomotricidade. São Paulo: Loyola,
1996.
RAMOS, R. Passos para a INCLUSÃO: algumas orientações para o trabalho em
classes regulares com crianças com necessidades especiais. São Paulo: Cortez,
2005.
RODRIGUES M. F. A.; MIRANDA, S. M. A Estimulação da Criança Especial em Casa. São Paulo: Atheneu, 2000.
VASCONCELLOS, C. O planejamento da atividade docente em sala de aula. Revista ABC Educatio. Ano 6, nº. 51. São Paulo, 2005.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. Estrutura e apresentação de
monografias, dissertações e teses: MDT/Universidade Federal de Santa Maria. Pró-
Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa. – 6ª. Ed. – Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2005.
Sites Indicados:
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com
48
http://portal.mec.gov.br/seesp/index.php?option=content&task=view&id=90&Itemid=21
9;
http://www.educacaoonline.pro.br/
PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com