2. a norma jurídica

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2.A norma jurídica. Fontes, vigência, interpretação e integração das normas (Baptista Machado – pp. 79-93; 153-171; 173- 205) Estrutura e noção da norma jurídica No modo lógico de uma norma jurídica (completa) podemos distinguir um antecedente e um consequente, ou seja, uma previsão e uma estatuição. Ex.: art.º 483.º CC permite-nos formular a seguinte norma: Todo aquele que ilícita e culposamente causar danos a outrem (previsão) fica obrigado a indemnizar (por esses danos) o lesado (estatuição). Silogismo judiciário: Premissa maior: Todo aquele que (…) causar danos a outrem fica obrigado a indemnizar o lesado. Premissa menor: Ora A causou danos na viatura de B. Conclusão: Logo A acha-se constituído na obrigação de indemnizar os danos causados a B. Premissa maior ----» é representada pela norma;

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Page 1: 2. A norma jurídica

2. A norma jurídica. Fontes, vigência, interpretação

e integração das normas (Baptista Machado –

pp. 79-93; 153-171; 173-205)

Estrutura e noção da norma jurídica

No modo lógico de uma norma jurídica (completa) podemos distinguir

um antecedente e um consequente, ou seja, uma previsão e uma

estatuição.

Ex.: art.º 483.º CC permite-nos formular a seguinte norma: Todo

aquele que ilícita e culposamente causar danos a outrem (previsão)

fica obrigado a indemnizar (por esses danos) o lesado

(estatuição).

Silogismo judiciário:

Premissa maior: Todo aquele que (…) causar danos a outrem fica

obrigado a indemnizar o lesado.

Premissa menor: Ora A causou danos na viatura de B.

Conclusão: Logo A acha-se constituído na obrigação de indemnizar os

danos causados a B.

Premissa maior ----» é representada pela norma;

Premissa menor ----» é representada pela situação concreta

“subsumível” à previsão ou hipótese da norma;

Conclusão ----» é representada pela consequência jurídica prescrita,

na estatuição da norma.

Page 2: 2. A norma jurídica

A previsão como “facti-species”: ideias gerais

Previsão normativa = hipótese = hipótese legal = ou, ainda, por

vezes, “tipo legal”

Refere-se a situação típica da vida, o “facto” ou o conjunto e “factos”

cuja verificação em concreto desencadeia a consequência jurídica

fixada na estatuição.

“Facti-species” ---» na medida em que se refere a “factos” e procura

dar uma imagem daquele facto que produz a consequência. Ao falar

dos “factos” a que alude ou faz referência a factispecies importa

estar de sobreaviso contra a enorme ambiguidade da palavra “facto”

(alguns conceitos usados nas hipóteses de certas normas são

conceitos normativos que pressupõem a prévia aplicação de outras

normas do sistema, ex: coisa alheia, cidadão português, sócio, credor,

transmissão da propriedade…; a ambiguidade também resulta do

facto dos conceitos usados serem muitas vezes susceptíveis de

aplicação a “factos” ou dados muito distantes da sua significação

originária (ex.: coisa – podem caber realidades como a energia

elécrica ou até, para certas normas, direitos [os chamados direitos

coisificados].

Assim, conclui-se que todos os conceitos utilizados pela lei são

conceitos integrados num contexto ou sistema conceitual específico.

O facto jurídico, a situação jurídica e a relação jurídica

Facto jurídico = evento juridicamente relevante (i. é, susceptível de

produzir efeitos de direito

- constituição de uma situação jurídica;

- modificação de uma situação jurídica;

- extinção de uma situação jurídica;

Page 3: 2. A norma jurídica

Posição em que um sujeito jurídico se

acha perante o direito (o seu status, os seus deveres ou obrigações,

as suas faculdades e os seus direitos.

Facto Jurídico = elemento dinâmico que produz alterações no mundo

do Direito.

A) Puros factos jurídicos (factos exteriores, independentes do

conhecer, do querer e do agir do homem, como por exemplo,

um incêndio, uma inundação, a localização de um terreno; ou

factos internos da vida psíquica do homem, tais como o

conhecimento de certa circunstância, a intenção, etc.)

B) Actos jurídicos (modos de conduta humana dirigidos pela

vontade que tanto podem consistir numa acção ou numa

omissão (não fazer ou tolerar)

B1) Simples actuações de facto (condutas que directa e

imediatamente apenas produzem uma consequência de

facto que pode ser pressuposto de uma consequência

jurídica, ainda que esta não tenha sido querida pelo

agente, como, por exemplo, um facto danoso, o

estabelecimento do domicílio, a acessão industrial) ---»

neste caso estamos na presença de simples actos

jurídicos)

B2) Manifestações de ciência ou exteriorizações de

vontade que directamente condicionam a consequência

jurídica

Page 4: 2. A norma jurídica

B2.1) Declarações quase negociais: exteriorizações

de ciência ou de vontade que produzem um efeito jurídico

independentemente da vontade do agente se dirigir a tal

efeito (ex: a declaração de nascimento, muitos actos

processuais, a declaração de impostos, a fixação de um

prazo, etc.)

B.2.2) Declarações de vontade negociais ou

negócios jurídicos: exteriorizações de vontade dirigidas à

produção de determinados efeitos jurídicos, efeitos estes

que a lei modela de acordo com a vontade manifestada

(por ex, o testamento, a declaração de resolução, a

denúncia de um contrato, o consentimento ou acordo de

ambas as partes em que se traduz o contrato, enquanto

negócio jurídico bilateral, etc.)

B3) Actos jurídicos lícitos vs Actos jurídicos ilícitos

Norma jurídica ou:

- obriga

- faculta, quando atribui uma qualidade, competência ou poder

jurídico, por exemplo, atribui a cidadania portuguesa, personalidade,

etc.

- confere um direito subjectivo , quando o direito confere a

determinada pessoa um poder destinado à satisfação de um interesse

próprio ou alheio, acompanhado da faculdade de dispor (fazer intervir

ou não) dos meios coercitivos que protegem esse poder. Ao direito

subjectivo corresponde sempre um dever ou obrigação imposta a

outra ou outra pessoas – sendo que esse dever pode ser imposto à

generalidade das pessoas ou a pessoas determinadas.

Page 5: 2. A norma jurídica

Exemplos: direitos de personalidade (indisponíveis, em regra), o

direito de propriedade, o direito de crédito, etc.

Dever jurídico = Ónus Jurídico

Dever Jurídico VS Estado de Sujeição

Estado em que se encontra a

contraparte do titular de um

direito potestativo.

Direito Potestativo: consiste no poder conferido a uma das partes

numa relação jurídica de, por um acto unilateral (sem necessidade da

colaboração de outra parte) modificar ou extinguir a relação jurídica –

ou ainda, em casos contados, no poder de constituir um direito que

Vinculação das pessoas a observarem certo comportamento.

Consiste na observância de certo comportamento, prescrito por lei como condição da obtenção de uma certa vantagem para o agente, ou como pressuposto da manutenção de uma certa vantagem ou benefício de que já está a usufruir, ou para evitar uma desvantagem.

Exs: ónus da contestação e da impugnação especificada em processo civil (o réu terá de contestar se que evitar que se dê logo como certo e provado tudo quanto em matéria de facto o autor alegou contra ele); ónus do registo predial (o que adquire um imóvel, se pretende que tal aquisição tenha eficácia em relação a terceiros, tem de promover a sua inscrição nos livros de registo predial ---- atenção: a partir de 2009, deixa de ser ónus, porque o registo vai passar a ser obrigatório!

Page 6: 2. A norma jurídica

vai limitar um direito de outrem (caso do dono do prédio encravado

que pode constituir uma servidão de passagem; o mandante pode

livremente revogar o mandato; o credor, em certos casos de

incumprimento, pode declarar a resolução da relação contratual) ---»

a contraparte não pode evitar que se produzam na sua esfera jurídica

os efeitos do exercício do direito potestativo, dá se diz “estado de

sujeição”.

Direito Absoluto Obrigação Passiva Universal: o dever

de todos de respeitar ou não perturbar o

direito absoluto

Relação jurídica: Acontece sempre que ao direito de um sujeito

determinado corresponde um dever de outro sujeito jurídico

determinado. Mas ….. não é correcto afirmar que da verificação de

um facto jurídico resulta sempre a constituição/modificação/extinção

de uma relação jurídica porque, em muitos casos, o que resulta é a

aquisição de uma qualidade jurídica (ex, a aquisição da personalidade

jurídica). Rigorosamente, uma relação jurídica é sempre uma

relação entre duas ou mais pessoas jurídicas.

O sujeito jurídico e os direitos de personalidade

Personalidade jurídica ou capacidade jurídica: centro de

imputação de efeitos jurídicos; capacidade de ser titular de direitos e

obrigações. Rigorosamente, a personalidade não consiste

apenas em ser centro de imputação de direitos e deveres, pois, como

vimos, o direito objectivo atribui às pessoas qualidades que, por si,

não constituem direitos ou obrigações (ex: qualidade de nacional

Page 7: 2. A norma jurídica

atribuído em princípio a todos quantos nascem em território

português. Esta personalidade ou capacidade

jurídica geral compete hoje a todos os seres humanos.

Capacidade de direitos É DIFERENTE da Capacidade

de Exercício de

direitos

Capacidade de exercício de direitos: Capacidade de dispor dos

direitos de que se é titular ou a competência de intervir na

constituição de relações jurídicas. Assim, um titular de direitos a

quem falta a capacidade de exercício carecem de um representante

que, em seu nome e no seu interesse, exerçam tais direitos

(representação legal).

As pessoas dotadas de capacidade de exercício de direitos também

se podem fazer substituir no exercício de certos dos seus direitos, ou

na prática de negócios jurídicos cujos efeitos lhe sejam imputados,

mediante um representante da sua escolha (representação

voluntária).

Capacidade de responder: capacidade para ser centro de

imputação de uma responsabilidade (responsabilidade civil e penal).

Personalidade jurídica não é atribuída por lei apenas a pessoas

singulares, mas também a organizações humanas destinadas à

prossecução mais eficiente de determinados interesses públicos ou

privados, as chamadas pessoas colectivas:

- associações (organizações de pessoas);

De ser titular de direitos,

De “ter” direitos

Page 8: 2. A norma jurídica

- sociedades (organizações de pessoas e bens);

- fundações (organizações de bens).

A lei personifica determinado substrato organizacional.

Personalidade jurídica direitos de personalidade:

- direito ao nome (o direito à firma, no

caso de uma sociedade;

- direito à integridade física;

- direito à imagem;

- direito à honra;

- direito ao bom nome e à reputação;

- direito à inviolabilidade do domicílio;

- direito à reserva sobre a intimidade da

vida privada.

Estes direitos absolutos ou erga omnes são

tutelados pela responsabilidade civil e penal que a sua violação

acarreta.

Espécies de direitos subjectivos

Direitos subjectivos: a) direitos de “domínio” e os b) direitos de

crédito.

a) Direitos de

domínio --»

Page 9: 2. A norma jurídica

ex: direito de

propriedade

Direitos

Absolutos

b) Direitos de crédito (que são direitos relativos): conferem ao seu

titular o poder, juridicamente tutelado, de exigir de outrem (o

devedor) uma determinada conduta, positiva (um fazer) ou negativa

(um não fazer: omitir ou tolerar). A conduta devida chama-se

prestação, a qual tanto pode ser uma prestação de facto (realizar

determinado serviço, praticar certo acto, abster-se de certa conduta)

como uma prestação de coisa (entrega de dinheiro, entrega de

determinado objecto).

São direitos relativos por serem poderes jurídicos que apenas existem

em relação a determinada ou determinadas pessoas (os devedores).

Além dos direitos de domínio e dos direitos de crédito devemos

considerar ainda os direitos potestativos. Poderia porventura falar-se

ainda de direitos de direcção – embora estes já não apareçam

claramente como direitos subjectivos típicos.

No caso do “poder paternal”, trata-se de um direito-dever ou

direito-função, a ser exercido no interesse, não do seu titular, mas de

terceiro: do filho. Consiste no direito de “reger” (dirigir) a pessoa e

administrar os bens do filho, no interesse deste. É, portanto, um

direito “funcional” ou direito ligado ao exercício de uma função,

pelo que deve ser exercido segundo o “estatuto” desta e não no

interesse objectivo e segundo o arbítrio do titular do poder.

A imperatividade, a generalidade e a abstracção da norma

jurídica.

Page 10: 2. A norma jurídica

Definição tradicional de norma jurídica: comando (ou regra de

conduta) geral, abstracta e coercível, ditado pela autoridade

competente. A ela corresponde a noção da lei em sentido material.

A norma jurídica seria um comando geral e abstracto, e por aí se

distinguiria dos comandos individuais e concretos que, embora

representem imperativos tutelados por medidas coercitivas, não

criam direito objectivo mas se limitam a ser uma aplicação deste ou

adoptam providências concretas e individualizadas.

A norma como “imperativo”

É duvidosa a caracterização da norma jurídica como imperativo.

Desde logo porque há certas normas que não ordenam ou proíbem

uma conduta mas, antes, atribuem um poder ou faculdade.

Generalidade e abstracção

Diz-se ainda que a norma jurídica é uma regra de conduta geral e

abstracta. No contexto desta definição, o geral contrapõe-se ao

individual e o abstracto ao concreto.

Geral é o preceito que, por natureza, se dirige a uma generalidade

mais ou menos ampla de destinatários, isto é, que não tem

destinatário ou destinatários determinados. Dizemos destinatário ou

destinatários porque importa distinguir a generalidade da

pluralidade. Um preceito pode ter uma pluralidade de destinatários

e, no entanto, não ser geral. Assim acontece sempre que esses

destinatários não são determinados por referência a uma certa

categoria abstracta ou a uma função por eles exercida, mas tomando

em consideração circunstâncias individualizadoras. Inversamente, o

preceito pode, em certo momento, ter como destinatário apenas uma

determinada pessoa e, no entanto, ser geral (ex, os preceitos

constitucionais que se referem ao Presidente da República ou ao

Primeiro Ministro ---» tais preceitos dirigem-se a uma categoria de

Page 11: 2. A norma jurídica

pessoas (aos eventuais titulares do cargo) e não a uma entidade

individual.

Diz-se abstracto o preceito que disciplina ou regula um número

indeterminado de casos, uma categoria mais ou menos ampla de

situações, e não casos, situações ou hipóteses determinadas,

concreta ou particularmente visadas.

Uma lei não pode nunca ser individual e concreta, pois doutro modo

violar-se-ia o princípio da igualdade perante a lei.

PÁGINAS 153 – 171

FONTES DE DIREITO E VIGÊNCIA DAS NORMAS

Noção. O problema.

A doutrina tradicional define fontes de direito como modos de

formação ou de revelação do direito (objectivo).

Enumeração e classificação das fontes de direito.

Elenco tradicional:

- Lei;

- Costume;

- Jurisprudência;

- Doutrina.

Há que distinguir as fontes voluntárias (que pressupõem um acto

explícito de criação normativa) das não voluntárias.

Fontes voluntárias: lei, jurisprudência e a doutrina.

Page 12: 2. A norma jurídica

Fontes não voluntárias: princípios fundamentais de direito e a

doutrina.

Art.º 1.º CC: haveria que distinguir entre as fontes imediatas (as leis

e as normas corporativas) e as fontes mediatas (os assentos, os usos

e a equidade) – ou seja, aquelas cuja força vinculante resulta, afinal,

da lei que para elas remete.

Art.º 1.º a 4.º CC ---» disposições sobre as Fontes de Direito.

Art.º 3.º - Estabelece que “são juridicamente atendíveis quando a lei o

determine” (como fontes mediatas de direito, portanto) os usos não

contrários aos princípios da boa fé.

A nossa lei não reconhece ao Costume o carácter de fonte imediata

de Direito.

A lei

Lei em sentido material: declaração de uma ou mais normas jurídicas

pela autoridade competente.

Lei em sentido formal: Qualquer diploma emanado do órgão

legislativo por excelência (entre nós a Assembleia da República).

Costume

Fonte de Direito não voluntária; prática social constante,

acompanhada do sentimento ou convicção da obrigatoriedade da

norma que lhe corresponde.

Dois elementos:

1) O corpus, traduzido na observância generalizada e uniforme,

com certa duração, de determinado padrão de conduta em que

está implícita uma norma;

Page 13: 2. A norma jurídica

2) O animus, isto é, a convicção de se estar a obedecer a uma

regra geral e abstracta obrigatória, caucionada pela consciência

jurídica da comunidade.

Já referimos que o mesmo CC exclui o costume como fonte imediata

de Direito, apenas admitindo que os usos tenham relevância jurídica

quando a lei para eles remeta – ou seja, como fontes mediatas de

Direito.

No Direito Internacional Público, o costume (costume internacional)

continua a ser uma importante fonte de Direito. Este costume

internacional, por força do art.º 8.º, n.º1 CRP, vigora directamente na

ordem jurídica interna portuguesa pelo simples facto de vigorar na

ordem internacional (recepção automática).

A jurisprudência

Conjunto das decisões em que se exprime a orientação seguida pelos

tribunais ao julgar os casos concretos que lhe são submetidos.

Rigorosamente, a jurisprudência só deveria ser considerada como

fonte de Direito nos países onde vigora a “regra do precedente”,

como é o caso dos países da Common Law. Não assim na nossa

ordem jurídica, em que as decisões dos tribunais só têm força

vinculativa nos limites do “caso julgado”, mas as respectivas “ratio

decidendi” não ficam a vincular, como se fossem normas gerais,

outros tribunais para diferentes casos concretos análogos.

A doutrina

Noção: Opiniões ou pareceres dos jurisconsultos em que estes

desenvolvem, em bases científicas ou doutrinárias, as suas

concepções sobre a interpretação ou integração do Direito.

O parecer do jurisconsulto sobre a exacta solução de certos

problemas jurídicos apenas dispõe daquela autoridade científica

Page 14: 2. A norma jurídica

(força persuasiva dos argumentos) e de facto, mas nunca vincula o

julgador.

Princípios fundamentais de direito.

São princípios transcendentes às decisões positivadoras do legislador;

vinculam o próprio constituinte; são princípios que não podem ser

derrogados sem perversão da própria ordem jurídica e do

“sentimento jurídico” da comunidade, sem perda do fundamento de

legitimidade e, portanto, da validade por parte das leis que os

desrespeitem.

Entre esses princípios está, desde logo, o princípio democrático que

atribui o poder constituinte ao Povo e princípios materiais que

impõem limites ao exercício desse poder, e bem assim, limites à

competência das maiorias, em nome do respeito pelas minorias, ou

seja, em último termo, em nome da “dignidade da pessoa humana”

(art.º 1.º CRP), e consequentemente, em nome do respeito dos

direitos e liberdades fundamentais.

- Art.º 10.º, n.º3 CC

Entrada em vigor das leis.

Art.º 5.º CC

n.º 2 – “entre a aplicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que

a própria lei fixar ou, na falta de fixação o que for determinado em

legislação especial” [Lei n.º 74/98, de 11 Novembro]

O tempo que decorre entre a publicação e a vigência da lei chama-se

vacatio legis. Destina-se a possibilitar o conhecimento da lei pelos

seus destinatários.

Termo da vigência da lei.

Como modo de cessção da vigência da lei, o art.º 7.º apenas prevê a

caducidade e a revogação.

Page 15: 2. A norma jurídica

Caducidade stricto sensu dá-se por superveniência de um facto

(previsto pela própria lei que se destina a vigência temporária) ou

pelo desaparecimento, em termos definitivos, daquela realidade que

a lei se destina a regular.

Revogação – pressupõe a entrada em vigor de uma nova lei. A

revogação pode ser expressa (quando consta de declaração feita na

lei posterior “fica revogado”, ou tácita (quando resulta da

incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas, ou ainda

quando a nova lei regula toda a matéria da lei anterior – substituição

global, art.º 7.º, n.º2; porém, nos termos do art.º 7.º/3, a lei geral

posterior não revoga a lei especial anterior, salvo se outra for a

intenção inequívoca do legislador), total (ab-rogação) ou parcial

(derrogação).

Hierarquia das fontes e das normas

Em caso de conflito, as normas de hierarquia superior prevalecem

sobre as normas de hierarquia inferior.

A este propósito, distinguem-se as leis constitucionais das leis

ordinárias. Se as últimas contrariarem as primeiras ---» vício da

inconstitucionalidade

Entre as próprias normas constitucionais há hierarquia.

Os princípios fundamentais do Direito, na medida em que são supra-

estaduais e supraconstitucionais, devem situar-se hierarquicamente

acima da própria Constituição.

Quanto às leis ordinárias:

1.º - Leis da AR e Decretos-leis do Governo;

2.º - Decretos regulamentares e decretos (simples);

3.º - portarias e despachos normativos;

4.º - regulamentos locais.

Page 16: 2. A norma jurídica

Conflitos de normas

3 tipos:

- conflito de leis no tempo: situações de vida e os seus efeitos

aparecem como reconduzíveis a hipóteses de normas diferentes que

se sucedem no tempo;

- conflito de leis no espaço: o mesmo facto ou situação concreta tem

atinências com 2 ou mais ordenamentos jurídicos com esferas

territoriais de aplicação diferentes;

- conflito “internos” de normas: o mesmo facto concreto aparece

abrangido pelas hipóteses legais de normas simultaneamente em

vigor no mesmo ordenamento, mas cuja aplicação simultânea é

impossível por implicar uma contradição. Contradição que pode ser

lógica, ou teleológica. ---» Importante: o postulado da “unidade da

ordem jurídica”.

PÁGINAS 173 – 205

INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI

INTERPRETAÇÃO DA LEI

A doutrina tradicional da interpretação das leis.

Noção

Interpretar consiste em retirar de um texto um determinado sentido

ou conteúdo de pensamento.

Interpretação doutrinal e interpretação autêntica

Page 17: 2. A norma jurídica

O órgão competente que cria uma lei (ex, a Assembleia da República)

tem também a competência para a interpretar, modificar, suspender

ou revogar. Quando o órgão que editou a lei a interpreta através de

uma nova lei (lei interpretativa – art.º 13.º CC), estamos perante uma

interpretação autêntica, que representa, afinal, uma manifestação da

competência legislativa e tem, por isso, a força vinculante própria da

lei.

Elementos de interpretação (factores hermenêuticos)

Tradicionalmente, são 2:

a) O elemento gramatical (o texto, a “letra da lei”) e

b) O elemento lógico (sendo este último subdividido em 3

elementos, o racional ou teleológico, o sistemático e o

histórico).

Elemento racional: consiste na razão de ser da lei, no fim visado

pelo legislador ao elaborar a norma.

Elemento sistemático: compreende a consideração das outras

disposições que formam o complexo normativo do instituto em

que se integra a norma interpetanda, isto é, que regulam a

mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração

de disposições legais que regulam problemas normativos

paralelos ou institutos afins. Compreende ainda o lugar

sistemático que compete à norma interpretanda no

ordenamento global, assim como a sua consonância com o

espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

Elemento histórico: compreende todos os materiais

relacionados com a história do preceito (a história evolutiva do

instituto, os textos legais que inspiraram o legislador na

elaboração da lei, os trabalhos preparatórios…)

Resultados da interpretação

Page 18: 2. A norma jurídica

a) Interpretação declarativa: o intérprete limita-se a eleger um

dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por

ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo.

b) Interpretação extensiva: o intérprete chega à conclusão que

a letra do texto fica aquém do espírito da lei, logo alarga o

texto dando-lhe um alcance conforme ao pensamento

legislativo.

c) Interpretação restritiva: o intérprete chega à conclusão de

que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu

pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que

se pretendia dizer. Assim, o intérprete deve restringir o texto

em termos de o tornar compatível com o pensamento

legislativo, isto é, com a sua ratio.

d) Interpretação revogatória ou ab-rogante: Sacrifício, em

obediência ao pensamento legislativo, parte duma fórmula

normativa, ou até a totalidade da norma. Sucede quando a

fórmula normativa é tão mal inspirada que nem sequer

consegue aludir com uma clareza mínima às hipóteses que

pretende abranger.

e) Interpretação enunciativa: o intérprete deduz de uma norma

um preceito que nela apenas está virtualmente contido,

utilizando para tal certas inferências lógico-jurídicas que

assentam nos seguintes tipos de argumentos: a lei que

permite o mais, permite o menos; a lei que proíbe o menos,

também proíbe o mais, argumento a contrario.

Posição do Código

Art.º 9.º CC

A interpretação não deve cingir-se à letra mas reconstituir a partir

dela o “pensamento legislativo”. A letra (o enunciado linguístico) é,

assim, o ponto de partida, sendo também um limite, nos termos do

Page 19: 2. A norma jurídica

n.º2, do referido artigo: não pode ser considerado como

compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento

legislativo “que não tenha na letra da lei um mínimo de

correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. A letra

da lei também serve para dar um mais forte apoio àquela das

interpretações possíveis que melhor condiga com o significado

natural e correcto das expressões utilizadas.

Art.º 9.º, n.º3 2 presunções: 1) presume-se que o legislador

“soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”; 2) “o

intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais

acertadas”.

Art.º 9.º, n.º1 refere mais 3 elementos de interpretação: a

“unidade do sistema jurídico”, “as circunstâncias em que a lei foi

elaborada” e as “condições específicas do tempo em que é aplicada”.

INTEGRAÇÃO DA LEI

Introdução: distinção entre interpretação e integração da lei

Integração da lei: aplica-se a norma mesmo a situações que já nem

sequer são abrangíveis no seu “espírito”.

Proibição da decisão de “non liquet” (obrigação de julgar).

Perante os “casos omissos”, perante situações que não caibam em

qualquer previsão legal, de acordo com o art.º 8.º CC, “o tribunal

não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei

ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio”.

Noção e espécies de lacunas.

Lacuna jurídica = incompletude contrária ao plano do Direito vigente;

existirá uma lacuna quando a lei (dentro dos limites de uma

Page 20: 2. A norma jurídica

interpretação ainda possível) e o direito consuetudinário não contêm

uma regulamentação exigida ou postulada pela ordem jurídica global.

Espécies de lacunas

Lacunas da lei ou lacunas de regulamentação – correspondem à

camada das normas e à camada da teleologia imanente ás normas de

Direito positivo;

Lacunas do Direito – correspondem à camada dos princípios e valores

jurídicos gerais.

O recurso à analogia: art.º 10.º, n.º 1 e 2

Nos termos do art.º 10.º, n.º 1 do CC, o julgador deverá aplicar por

analogia aos casos omissos as normas que directamente contemplem

casos análogos – e só na hipótese de não encontrar no sistema uma

norma aplicável a casos análogos é que deverá proceder de acordo

com o n.º 3 do mesmo artigo.

Dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique um conflito

de interesses paralelo ou semelhante – de modo a que o critério

valorativo adoptado pelo legislador para compor esse conflito de

interesses num dos casos seja por igual ou maioria de razão aplicável

ao outro (art.º 10.º, n.º 2).

O recurso à analogia é o primeiro meio de preenchimento das

lacunas.

Função do recurso a uma norma “ad hoc” elaborada pelo

julgador dentro do espírito do sistema: art.º 10.º, n.º3

Na falta de caso análogo, diz o art.º 10.º, n.º3, “a situação é resolvida

segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de

legislar dentro do espírito do sistema”.

Page 21: 2. A norma jurídica

Esta norma (uma regra geral e abstracta) será uma simples norma

“ad hoc”, apenas para o caso sub judice, sem que de modo algum

adquira carácter vinculante para futuros casos ou para outros

julgadores.