1_texto_1_curso_de_extensao

41
7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 1/41 LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento... 32 Curso de Extensão ESPAÇO SOCIAL: VISÕES E REVISÕES Prof Dr Edvaldo Carlos de Lima TEXTO 01 Modulo III

Upload: francisco-fagundes

Post on 10-Feb-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 1/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

32

Curso de Extensão 

ESPAÇO SOCIAL: VISÕES EREVISÕES

Prof Dr Edvaldo Carlos de Lima

TEXTO 01

Modulo III

Page 2: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 2/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

33

ESPAÇO TERRITÓRIO E CONFLITOS NO

CAMPO: O MOVIMENTO DE LUTA PELA

TERRA

Os conflitos no campo, no Brasil, não são uma exclusividade de

nossos tempos. São, isto sim, uma das marcas do desenvolvimento e

do processo de ocupação do campo no país.

Ariovaldo Umbelino. 

No inicio da década de 2000 o Professor Manoel Correia de Andrade

preocupado com as transformações da sociedade na estréia de um novoséculo e do segundo milênio, publicou um artigo na revista do Programa de

Pós-graduação em Geografia da Universidade de São Paulo intitulado Espaço

 Agrário Brasileiro: Velhas formas, Novas funções, Novas formas, Velhas

funções13

. Nele, distinguia o século XX como o século da morte e do abandono

de velhas utopias e, ao tempo, o século no que se plantaram outras novas.

 Alertando-nos da sua visão de síntese, Andrade lançou o seguinte

questionamento, fundamentado na implosão do socialismo real em 1989

14

: e ocapitalismo exacerbado, não tenderia da mesma forma a implodir?

Para este autor o mundo necessita e está permanentemente elaborando

utopias. Elas são indispensáveis ao homem, sustentadas em ideias que

dividiram, dividem e dividirão a humanidade e provocarão lutas tão cruéis

quanto às vividas nos séculos anteriores. A história da formação do espaço

agrário brasileiro, e nomeadamente, o nordestino está permeada de utopias,

logo, de lutas. Se hoje podemos afirmar que o espaço agrário nacional é um

grande produtor de grãos, de cana-de-açúcar e de outros produtos, quase

sempre destinados à exportação, maior é a quantidade de trabalhadores rurais,

camponeses, agricultores que precisam de terras e condições para viver,

trabalhar e plantar alimentos. Apesar disso, os veículos ideológicos do capital,

como a grande mídia, apenas propagam os rankings econômicos mundiais nos

13 GEOUSP  – Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 12, p.11 - 19, 2002 14 Dissolução da União Soviética.

Page 3: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 3/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

34

que o Brasil se destaca, sem levar em consideração a péssima situação que

ocupa quando observamos o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Para

 Andrade (2002) esta posição lamentável é resultado, em grande parte, do

processo de colonização e a sua evolução política.

1.1 - A luta de classes no campo e a emergência dos movimentos sociais

rurais no Brasil

Na realidade, o processo de colonização deu origem à apropriação da

terra dividida em grandes lotes, as sesmarias, doadas pela Coroa Portuguesa a

pessoas que dispunham de recursos para explorá-las, utilizando a força de

trabalho sob coação de indígenas e negros africanos. Este sistema deu origem

a grandes latifúndios e a exploração das terras em função de uma economia de

exportação, no entanto originou ainda as disputas, sob diferentes formas no

decorrer da história do Brasil, pela posse e propriedade da terra (TARGINO,

2002).

Nos meados do século XIX, visando consolidar o poder dos proprietários

e abrir perspectivas aos colonos estrangeiros (europeus), estabeleceu-se o

acesso a terra por meio do contrato de compra e venda, consolidando-se o

poder do latifúndio. Segundo Andrade (2002):

Fechou-se assim o “círculo de ferro” em torno do acesso àpropriedade; embora políticos e estudiosos com visão social,como André Rebouças e Joaquim Nabuco, pregassem anecessidade de uma reforma agrária, esta não foi feita e asvelhas formas de apropriação e de conservação dapropriedade impediram o surgimento de novas funções. Apropriedade continuou a ser, sobretudo produtora de artigos deexportação  –  açúcar de cana, algodão, cacau, café  ou deoutros que tiveram uma demanda em crescimento no mercadointerno, principalmente o urbano. (2000, pág.14).

 A Lei de Terras de 185015  se pautou em princípios meramente

mercadológicos, ou seja, só poderiam adquirir terras públicas aqueles que por

elas pudessem pagar. Por esse motivo, a lei foi mais um estopim para o conflito

15  Lei de Terras de 1850, nº 601 de 18 de setembro de 1850

Page 4: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 4/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

35

com os trabalhadores rurais e camponeses sem recursos para a compra (LIMA,

2006). Além disso, transformou-se em um mecanismo de institucionalização do

latifúndio afiançando, segundo Lerrer (2003): “um novo direito de propriedade

pensado de modo a garantir o poder dos fazendeiros” (p. 34).

 Ao lado das monoculturas para exportação desenvolveram-se, em

pequenas propriedades situadas, frequentemente, em áreas menos férteis e de

difícil acesso, lavouras destinadas ao autoconsumo e à comercialização local e

regional. Essa pequena produção feita em áreas marginais da grande

propriedade por trabalhadores sem terra (meeiros e foreiros)16  tinha uma

função suplementar: garantir o abastecimento local e reter força de trabalho,

permitindo a sua exploração quando necessária ao latifúndio. Segundo Targino

(2002) a feição da luta pela terra no Brasil Colônia diz respeito às disputas

entre sesmeiros e pequenos posseiros. Isto porque, apesar de se situarem nas

áreas marginais dos engenhos e das fazendas mantendo uma relação de

funcionalidade positiva com essas unidades, as situações conflituosas surgiam,

principalmente, nos momentos de crescimento da atividade canavieira, quando

os engenhos passavam a requerer as terras dos posseiros para expansão do

plantio. Todavia, como nos lembra Targino (2002), as formas que a luta pela

terra assumiram naquele período foram mais modalidades de ajustes à

implantação e à consolidação do modelo da organização fundiária colonial, do

que uma oposição a ele próprio. Para este autor, nem mesmo os movimentos

libertários como a Inconfidência Mineira colocaram em discussão ou

questionaram a organização fundiária vigente.

 As revoltas de escravos negros e indígenas também se iniciaram no

período colonial, disseminando em todo o território nacional quilombos17  e

16  Assunto discutido com mais profundidade na obra de Emilia de Rodat e Ivan Targinointitulada “Capítulos de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa: Editora da UniversidadeFederal da Paraíba/UFPB, 1997.

17 Nos quilombos a terra era considerada um bem coletivo, no obstante, as famílias pudessemexplorar as suas próprias lavouras. Essa forma de resistência não foi considerada durante operíodo colonial como um perigo, nem para a ordem escravocrata, nem para a ordemlatifundiária. Apenas o Quilombo de Palmares colocou em cheque tanto o domínio colonialsobre uma área significativa, quanto a formação de um espaço estruturado sobre uma fortedesigualdade social. Daí as sucessivas investidas militares até a sua completa destruição(TARGINO, 2002).

Page 5: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 5/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

36

locais de resistência indígena. Ambas as formas de resistência foram

praticamente as únicas reações à estrutura fundiária em vigor, embora sua

motivação fosse a procura de liberdade mais do que a contestação do modo de

distribuição da propriedade fundiária.

Para Andrade (2002) o crescimento populacional e a formação de

núcleos urbanos fizeram com que a produção marginal ganhasse importância,

levando a pensar em uma reforma social que beneficiasse aos pequenos

produtores, uma vez que

Os primeiros anseios neste sentido surgiram, ainda no períodoimperial, com o pedido expresso de Joaquim Nabuco (Andrade,2000) em favor de uma reforma agrária, e com os projetoslevantados no governo João Alfredo, em 1889, decomplementação da abolição com a desapropriação de terras àsmargens dos rios navegáveis e das estradas de ferro (2002,p.15).

O período imperial foi rico em movimentos sociais e políticos vinculados

à questão agrária. A Cabanagem  no Pará aglutinou durante cinco anos a

população pobre lutando pelo fim da escravidão e a redistribuição de terras e

conseguiu instalar um governo popular na província. A Balaiada no Maranhão

foi protagonizada por vaqueiros, camponeses e escravos contra a opressão a

que estavam submetidos pelos grandes fazendeiros. E, a  Campanha

Abolicionista, ainda que tenha sido um movimento restrito a membros da

classe dominante e do estamento burocrático, por razões humanitárias

empunharam a bandeira da libertação dos escravos. Entre os abolicionistas da

“ala moderada” destacou Joaquim Nabuco. Esta luta trouxe no seu bojo a

discussão sobre a questão da propriedade fundiária, segundo relata Targino

(2002): 

 Alguns grupos abolicionistas afirmavam ser necessárioconceder ao escravo liberto um pedaço de terra como garantiada sua liberdade econômica e social (...) pois a concessão deliberdade sem acesso à terra seria condenar os escravos a umnovo tipo de servidão. Essa posição foi severamente criticadapelo poder escravocrata e mesmo pelos abolicionistasmoderados, vez que implicaria, de um lado, na quebra dopoder político dos senhores da terra e, de outro lado, na

desestruturação produtiva da agricultura, pois implicaria na

Page 6: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 6/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

37

eliminação da oferta de trabalho nas fazendas e engenhos. Aposição dos abolicionistas “moderados” e dos escravocratasterminou prevalecendo, de modo que a abolição da escravaturafoi promulgada sem a concessão da propriedade fundiária aosnovos “livres” (p. 150)

Durante a República não foi feito nada em favor de uma Reforma

 Agrária. A ordem republicana anterior a 1930, segundo Andrade (2002), limitou-

se a reprimir com violência movimentos populares e rurais, acusando-os de

monarquistas, retrógrados e fanáticos. O caráter excludente da estrutura

fundiária, por um lado, gerou uma massa de trabalhadores subordinados e, por

outro, permitiu o surgimento de movimentos sociais que, de uma forma ou de

outra, questionavam a ordem fundiária em vigor. Para Targino (2002) existem

três fases distintas de organização popular durante este período da história do

Brasil.

 A primeira identifica-se com a República Velha, quando surgem

movimentos de caráter messiânico que, sem contestar diretamente a ordem

latifundiária, apresentavam formas organizativas baseadas na propriedade

coletiva da terra. São os movimentos de Canudos, Contestado e Caldeirão.

Todos eles tinham em comum a proposição de uma forma de organização

social alternativa, fundada no trabalho na agricultura com a posse coletiva da

terra. Não se trata de movimentos de contestação à ordem política em vigor

nem à ordem fundiária vigente. Para este autor, as formas coletivas de

apropriação da terra e dos seus frutos eram, muito mais, uma estratégia de

sobrevivência e garantia de alimentos do que uma revolta contra o latifúndio

em si mesmo.

Canudos foi o primeiro grande conflito da nova ordem republicana,

liderado por Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antonio Conselheiro, quem fixouem Belo Monte, Bahia, uma comunidade de beatos alicerçada na vida

comunitária. Segundo este autor, Belo Monte, chegou a ter cinco mil casas e

vinte cinco mil moradores. Sua organização socio-espacial e econômica estava

assentada na propriedade coletiva da terra. Canudos representava uma

ameaça direta à república nascente, para a qual era visto como um retorno á

monarquia. Também era uma ameaça para a Igreja, já que era um movimento

religioso que se consolidava e fortalecia fora do seu alcance, e especialmente,

Page 7: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 7/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

38

para o latifúndio, pois ameaçava a ordem fundiária temerosa de invasões e

saques.

 A guerra de Contestado aconteceu numa na região situada entre Santa

Cataria e o Paraná, no Sul do país, que era “contestada” entre esses estados.

Esta região de pequenos agricultores e trabalhadores de fazenda foi ameaçada

pela construção de uma estrada de ferro com a concessão, por parte do

governo brasileiro, das terras situadas às margens da ferrovia a duas empresas

americanas. Os trabalhadores ameaçados se organizaram em torno do Monge

João Maria e posteriormente do Monge José Maria, fundando a Monarquia

Celeste. Como Canudos, organizava-se segundo normas comunitárias e

igualitárias. Contra este movimento se organizaram os grandes proprietários da

região, as duas empresas estrangeiras e os governos estaduais e federais. A

guerra durou de 1912 a 1916 quando foram aniquilados militarmente os últimos

núcleos de camponeses insurgentes.

O Caldeirão foi um movimento que agrupou romeiros do semi-árido

nordestino ao redor do Beato José Lourenço sob a proteção do Padre Cícero

Romão. Segundo Targino (2002), José Lourenço era um negro forte de

Bananeiras, Paraíba, que migrou para Juazeiro do Padre Cícero por volta de

1890. Santa Cruz foi o povoado fundado com mais de duas mil famílias. A vida,

como em Canudos e Contestado organizava-se sob dois eixos, trabalho e

oração. O trabalho era exercido nas terras cedidas, e tomadas, por grandes

proprietários da região, a produção era distribuída coletivamente para atender

às necessidades da coletividade. Com a morte do Padre Cícero o governo do

estado do Ceará investe contra a comunidade e posteriormente o ministro da

guerra envia os seus soldados para massacrar os camponeses, já que “era

preciso acabar com a influência comunista no domínio do latifúndio” (2002,

pág. 152).

 A República Velha manteve o poder da velha oligarquia rural sob a

forma de coronelismo18, fundado economicamente na exploração intensa do

trabalhador rural e dos camponeses sem terra e, politicamente, no seu controle

18 A contextualização deste processo é amplamente discutida na obra do jurista Victor NunesLeal, intitulada “Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil.Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997.

Page 8: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 8/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

39

e marginalização. As famílias de trabalhadores rurais e camponeses foram

durante todo o período, com as exceções dos movimentos messiânicos,

completamente subordinados ao poder dos grandes proprietários rurais locais e

às instancias governamentais por eles controladas.

 A segunda fase de organização popular e camponesa inicia-se na

década de 1940, após Revolução de Trinta, com o processo de

“redemocratização do país”, estendendo-se até o golpe militar de 1964, quando

organizações de massa assumem a luta pela Reforma Agrária. Para Andrade

(2002) naquele período o Brasil procurou-se encontrar a si mesmo, e foi o

momento em que surgiram idéias também novas que procuraram difundir

novas formas de propriedade, como a familiar e até a cooperativa e a coletiva,

que lhe dessem novas funções. O problema foi tratado por diferentes

estudiosos que colocaram também soluções diversas, como Josué de Castro

(1946), Alberto Passos Guimarães (1968), Caio Prado Júnior (1979), Celso

Furtado (1986), Manuel Correia de Andrade (1986), entre outros. Segundo o

próprio Andrade (2002):

Também foram apresentados projetos de reforma agrária na

Câmara dos Deputados como, entre outros, um que foi muitodebatido, o de Coutinho Cavalcanti (1961)19. Foramorganizados movimentos de trabalhadores rurais com umagrande influência no país, sobretudo nos estados em que haviauma maior população e uma maior consciência política, comoocorreu no Nordeste do país, em Pernambuco e na Paraíbadepois expandidos por Goiás, com as chamadas LigasCamponesas, dirigidas por Francisco Julião e Zezé da Galiléia(pág. 15 -16).

Para Medeiros (2006) o debate sobre a Reforma Agrária no momento

em que surgem as Ligas forma parte de uma ampla discussão sobre asperspectivas de transformação econômica, política e social do Brasil:

Por alguns, ela era entendida como ferramenta central paravencer o chamado "atraso" da agricultura e um instrumento dedesenvolvimento econômico. Para o Partido Comunista, era um

19 O autor refere-se a CAVALCANTI, Coutinho. Reforma Agrária no Brasil. Autores Reunidos.São Paulo, 1961.

Page 9: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 9/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

40

componente da etapa "democrático burguesa" da "revoluçãobrasileira". Para a direção das Ligas, era um primeiro passo emdireção ao socialismo. Para os trabalhadores que se envolviamnas lutas, a palavra sintetizava o sonho do acesso à terra, sema exploração dos "patrões" (no caso dos foreiros, moradores deengenho etc) ou pressão dos "grileiros" e suas milíciasprivadas, nos casos das áreas de expansão da fronteira. Emqualquer de suas versões, a perspectiva de alterações naestrutura fundiária provocou uma rápida organização dosinteresses ligados à propriedade da terra. Foram eles uma dasimportantes bases de sustentação do golpe militar (p. 01).

Durante a redemocratização do país em 1946, inicia-se também o

processo de reorganização dos trabalhadores rurais. Inicialmente, o Partido

Comunista do Brasil (PCB) teve uma importantíssima atuação, organizando

trabalhadores rurais e camponeses em ligas e, em seguida, em sindicatosrurais. Para Medeiros (1989) o PCB se volta para o campo, naquele momento,

tentando fazê-lo uma base de apoio para o seu projeto de transformação

social.

No que se refere à participação do PCB na organização das Ligas, o

processo foi esfriado com o decreto de ilegalidade do PCB em 1947 que

provocou o desmantelamento inicial das Ligas, retrocedendo significativamente

no processo organizativo dos trabalhadores no campo20

. De acordo comTargino (2002), na primeira metade de 1950, numa tentativa de reorganização

dos movimentos dos trabalhadores, foram realizadas a 1ª e 2ª Conferência

Nacional de Trabalhadores Agrícolas, em 1952 e 1953, respectivamente. Na 2ª

CNTA foi criada ULTAB  –  União de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas,

influenciada fortemente pelo PCB. Este autor chama a atenção:

(...) o 1º Congresso Nordestino de Trabalhadores Rurais,realizado sob forte coação policial, em 1954, na cidade deLimoeiro, Pernambuco [já que] a realização desse Congressopode ser entendida como um resgate do intenso trabalho deorganização das Ligas Camponesas em Pernambuco. Comefeito, nesse estado, o trabalho do Partido Comunista tinhadado atenção especial à organização dos trabalhadores rurais,onde as ligas “desenvolvem-se criando escolas e outras formasde assistência. Expande-se pelo interior do Estado, em Paud´Alho, São Lourenço da Mata, Escada, Goiânia, Vitória de

20  O PCB consolidou-se nos anos 1920 e inícios dos anos 1930 como a principal força que se

propunha a falar pelos trabalhadores no país (MEDEIROS, 1989).

Page 10: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 10/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

41

Santo Antão, constituindo um sistema de autodefesa dostrabalhadores do campo sobre os quais houvesse ameaça deexpulsão” (Silva, 1998, p.111). (2002, p. 152). 

No contexto da mobilização do PCB, na segunda metade de 1950, cria-

se, pela primeira vez da Zona da Mata Nordestina, um movimento de massa

expressivo junto aos trabalhadores rurais, reivindicando explicitamente  a

mudança na estrutura fundiária, isto é, organizado em torno da bandeira da

Reforma Agrária. Seu foco disseminador foi a Sociedade Agrícola de

Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco (SAPPP) fundada no Engenho

Galiléia, sobre a liderança de José dos Prazeres no município de Santo Antão

em 1955. Seus objetivos principais eram a formação de um fundo mútuo para

assistência médica e jurídica, a criação de escolas e de uma caixa funerária

para os associados. Após o começo pacífico da Sociedade21  iniciou-se a

repressão contra os trabalhadores, elevando o valor do foro e assim

expulsando os posseiros e foreiros. Os trabalhadores, diante destas investidas,

procuram apoio na capital do estado. Em Recife é criada uma comissão

pluripartidária de deputados liderados pelo deputado estadual Sr. Francisco

Julião de Paula, eleito Presidente de Honra da Sociedade. Essa luta foi

finalmente solucionada com a desapropriação de parte das terras do EngenhoGaliléia pelo governo de Cid Franco em 1959 e, outra parte, pelo governo de

Miguel Arraes em 1963. Sem dúvida, essa luta desencadeou o processo

organizativo dos trabalhadores rurais em Pernambuco e no Nordeste. Em 1962

as Ligas Camponesas já estavam presentes em 13 dos 22 estados brasileiros

tendo, segundo Targino (2002), maior expressividade nos estados da Paraíba e

Goiás.

Na Paraíba as Ligas têm o seu inicio também na Zona da Mata,concretamente no município de Sapé, ampliando-se logo para outros

municípios tanto da Mata como do Agreste. Destaca-se no litoral norte da Zona

da Mata, o município de Rio Tinto, onde o movimento teve presença marcante,

elegendo em 1962 o seu prefeito, com o apoio dos operários da fábrica de

21 Inicialmente teve como Presidente de Honra o próprio proprietário do Engenho, Sr. Oscar de Arruda Beltrão, que foi sucedido pelo seu filho Sr. Oscar Beltrão, responsável pela repressão

contra os trabalhadores.

Page 11: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 11/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

42

tecidos que lá operava, propriedade da família de grandes latifundiários

Lundgreen.

No inicio da década de 1960 as relações entre as Ligas e o PCB

começam a se distanciar, e este último passa a atuar no processo de

sindicalização dos trabalhadores rurais, adotando como estratégias de luta o

salário mínimo, a redução do arrendamento de terras, a defesa jurídica dos

seus assegurados e a defesa de uma legislação trabalhista específica para o

campo.

 A Igreja Católica por sua vez, durante esta segunda fase, procurou

manter as famílias de trabalhadores rurais e camponeses em torno de si,

desenvolvendo, segundo Andrade (2002), uma forte ação em vários pontos do

país, por meio de movimentos de alfabetização de camponeses e de

organização sindical. Foi no ano de 1960 que a Igreja se voltou para um

trabalho organizativo e de mobilização, criando, inicialmente no Rio Grande do

Norte e por meio do SAR  – Serviço de Assistência Rural do Rio Grande do

Norte, um setor de sindicalização rural que passou a mobilizar lideranças

sindicais e dar orientações sobre a formação de sindicatos22. Segundo

Medeiros (1989) foi a partir daí que o SAR desencadeou uma intensa

campanha de sindicalização, utilizando-se da rede de emissoras controladas

pela Igreja e os párocos locais, estendendo a experiência para outros estados

do Nordeste. Em 1961 surgiram o Serviço de Orientação Rural de

Pernambuco, a Equipe de Sindicalização Rural da Paraíba e a Equipe de

sindicalização e Planejamento da Arquidiocese de Teresina no Piauí. Um ano

depois foi criado o Serviço de Orientação de Alagoas. A orientação comum

vinda da CNBB foi a da criação de um sindicalismo cristão, afastado da luta de

classes, mas defensor de direitos dos trabalhadores e de uma Reforma Agrária, baseada na propriedade familiar. O objetivo central da CNBB era o

combate ao comunismo, por isso defendeu a extensão dessa sindicalização lá

onde supunha existir tal perigo. Porém, em cada estado e em cada região essa

orientação foi mediatizada pelo tipo de concepção da igreja local, que acabava

impondo a sua marca na organização emergente. Por isso, como coloca

22 Embora não houvesse ainda regulamentação legal para tanto, a Igreja se juntou às forças

que pressionavam ao Estado para obtê-la.

Page 12: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 12/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

43

Medeiros (1989): “(...) é difícil  falar em homogeneidade de linha de ação

nessas entidades criadas a partir da ação eclesial” (p. 77).

Todavia, pela sua radicalidade, destaca-se no início dos anos sessenta,

a formação do grupo católico Ação Popular (AP). Esta organização era

propriamente política, à diferença da Ação Católica Brasileira e os seus

segmentos mais jovens, Juventude Universitária Católica (JUC) e Juventude

Estudantil Católica (JEC)23. A AP foi uma dissidência da Ação Católica que

entrou em atrito com a hierarquia da Igreja e que nasceu já em âmbito

nacional. Entretanto, no Nordeste, segundo Targino (2002), a sua ação merece

um destaque, por ser responsável pela formação de grupos de camponeses e

trabalhadores rurais sob a coordenação do Padre Joseph Servat. Trabalho que

germinou a organização de movimentos posteriores de resistência camponesa.

Da mesma forma, a ação da Juventude Agrária Católica (JAC) no

Nordeste coordenada pelos padres Nelson Araújo e Carmil Vieira, embora com

as limitações já apontadas, teve um papel importante na formação de

lideranças na continuidade da luta, seja por meio do movimento sindical, seja

por meio de novas formas de atuação da própria Igreja, como a CPT.

 Ainda na segunda fase de organização dos trabalhadores proposta por

Targino (2002) e que finaliza no golpe de 1964 é importante lembrar, no final

dos anos de 1950, o movimento dos posseiros no norte de Goiás chamado da

Revolta de Trombas e Formoso, liderados pelo posseiro José Porfírio. Esses

trabalhadores e migrantes se organizaram, em conselhos, contra os interesses

de grileiros e as investidas da polícia, conquistando não apenas a terra senão

também a sua representação política, elegendo vereadores, prefeitos e até

deputados estaduais, como o próprio José Porfirio eleito em 1962. O Estado

Livre de Trombas e Formoso de caráter popular e socialista resistiu ate 1964(MEDEIROS,1989, GOHN, 1995).

23 Ambas eram organizações de leigos, o que lhes permitia certo grau de autonomia quanto àorientação hierárquica da Igreja. Isso possibilitou o engajamento dos seus militantes em lutascom orientação distinta à da CNBB, colocando-se do lado dos protestos por transformaçõesmais radicais na estrutura social. Os principais quadros do Movimento Eclesial de Base (MEB)

formaram parte dessas juventudes cristãs.

Page 13: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 13/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

44

Com o golpe militar de 1964 houve um desmantelamento dos

movimentos de massas presentes no campo. As Ligas foram desbaratadas e a

atuação dos partidos políticos, extremamente limitada.

 A terceira e última fase na periodização sugerida, inclui tanto os

períodos de resistência à ditadura militar e redemocratização do país, quanto

os movimentos de lula pela terra e pela Reforma Agrária foram organizados

pela CPT, pela Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB); e pelo

MST, como a ação destes na atualidade. A partir dos anos de 1960 e em

virtude da expansão da fronteira agrícola nacional em direção às regiões Norte

e Centro-Oeste, orientada e sustentada pela ação do Estado, agravaram-se as

formas de exploração do trabalhador rural e atração/expulsão dos

trabalhadores rurais na área de fronteira. No Nordeste, a expansão da pecuária

subsidiada pelo crédito oficial e pelos incentivos fiscais foi reforçada pelo

crescimento do cultivo de cana-de-açúcar 24  (TARGINO, 2002). Diante destes

fatos várias figuras do episcopado brasileiro se engajam e protagonizam a luta

em defesa dos trabalhadores do campo25. Todos eles passaram por

experiências de forte repressão face ao contexto ditatorial da época, seja por

parte do Estado como de grupos privados, particularmente nas regiões

amazônica e nordestina.

Diante da repressão sofrida, surgiu a necessidade de dar organicidade

às lutas que estavam sendo realizadas isoladamente. Nesse contexto cria-se a

CPT.

 Ao longo da década de 1970 foram formadas diversas pastorais no seio

da Igreja militante, para Martins (1986) apud  Mitidiero Jr. (2010), a mudança de

posição da Igreja percebe-se em 1973

 Até 1973, aproximadamente, a posição da Igreja parece tersido uma posição de expectativa, de apoio mais ou menos

24 Principalmente a partir de 1975 com a criação do PROÁLCOOL.

25  Dentre os padres mais combativos, inspirados pela Teologia da Libertação, podemosdestacar Dom José Maria Pires (João Pessoa), Dom Hélder Câmera (Olinda/Recife), DomPedro Casaldáglia (São Félix do Araguaia), Dom Antonio Fragoso (Crateús), Dom Francisco Austragésilo (Afogados de Ingazeira), Dom Tomas Balduino (Goias Velho) e Dom FernandoGomes (Goiania). Para maiores informações sobre a ação da Igreja católica na luta pela terra

consultar a tese de doutorado de MITIDIERO, Jr. (2010)

Page 14: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 14/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

45

claro, de esperança na aplicação do Estatuto da Terra e desolução dos problemas [...] após 1973 começa a prisão dospadres (p. 104)

Segundo Mitidiero Jr (2010), a partir desse momento foram vários os

clérigos que abandonaram definitivamente qualquer possibilidade interpretativa

que conciliasse o modo de produção capitalista à justiça social. Determinaram,

finalmente, que o capitalismo em hipótese alguma traria justiça para o campo.

Daí, a idéia de formar uma pastoral que apoiasse os camponeses e

trabalhadores rurais, o que significava estar integralmente junto a eles. Em

1975 e com esta proposta cria-se a CPT, que na interpretação de Pessoa

(1999, p.78) apud  Mitidiero (2010):

(...) colocando-se como aliada dos trabalhadores, a IgrejaCatólica, dos anos 1970 abandonou a fixação anticomunista ea preocupação com o controle das organizações dostrabalhadores rurais, anunciando-se como suplência,propondo-se como serviço, como instrumento pastoral  (p.104).

Desde a sua criação, a CPT se tornou uma importante força de

mobilização e organização dos trabalhadores rurais na luta pelo acesso à terra

e na luta pela permanência nela, em face da crescente investida do capital na

agricultura, que redundava na expropriação e expulsão dos camponeses e

trabalhadores. Segundo Targino (2002) devido à repressão sobre os partidos

políticos e outras formas de organização da esquerda, em torno da CPT se

agregaram forças sociais que não encontravam seus próprios canais de luta

pela transformação social. Entretanto, nos anos 1970 começa também a

fortalecer um movimento contra as lideranças sindicais estabelecidas no

regime militar. Para este autor, a realização em 1979 do III Congresso Nacional

de Trabalhadores Rurais, um marco desse movimento, já que, ao assumir o

controle dos sindicatos, principalmente, nas áreas onde se tinha intensificado o

assalariamento rural, as novas lideranças rearticularam o movimento dos

trabalhadores rurais em torno de questões especificamente trabalhistas, como

Page 15: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 15/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

46

foi a greve26 dos canavieiros no Nordeste, iniciada em Pernambuco, e na zona

açucareira paulista (MOREIRA, 1997).

Os anos 1980, além de ver a reorganização do movimento sindical,

vão assistir também ao surgimento do MST. Conforme Medeiros (1989)

No início dos anos 80, a luta pela terra na sua forma recorrenteem diversos momentos da história do país, ou seja, envolvendoposseiros e grileiros, rendeiros, foreiros ou parceiros eproprietários da terra e, mais modernamente, posseiros ebeneficiários de grandes licitações de terra feitas durante oregime militar, se intensificou. Mas a ela agregaram-se novospersonagens, gerados na expulsão de seringueiros dosseringais nativos, para transformá-los em pastagens, naconstrução de barragens para usinas hidroelétricas, ou pela

exclusão a que milhares de trabalhadores agrícolas foramcondenados frente ao rápido avanço da modernização docampo. Foi nesse caldo de cultura que novas formas de lutasurgiram e que a demanda por reforma agrária se intensificou(p. 139).

Para Stedile (1997) foram três forças sociais que deram origem ao

MST: o trabalho pastoral da CPT, o movimento de oposição sindical e a ação

de militantes e lutadores que viram na Reforma Agrária uma forma de luta

contra o regime militar. Sua constituição formal aconteceu no EncontroNacional dos Sem Terra, em Cascavel no estado do Paraná em 1984, quando

se apresentaram as bandeiras da sua luta: subordinação da propriedade à

 justiça social; produção agropecuária voltada para a segurança alimentar e

para o desenvolvimento social do trabalhador; apoio à agricultura familiar por

meio de crédito; preço justo e seguro agrícola; desenvolvimento de tecnologia

adequada à pequena produção; melhoria das condições de vida e acesso dos

trabalhadores à educação; cultura, segurança e lazer; terra para quem nela

trabalha e fim do latifúndio no país (FERNADES, 2000; STEDILE, 1997).

Fazendo um paralelo com o contexto político e social no que

surgiram as Ligas, Medeiros (2006) aponta para as peculiaridades do Brasil, e

do seu campo, no momento de constituição do MST. Para esta autora:

26 O movimento grevista no início dos anos 1980 trouxe à tona o modelo sindical que se gestounas áreas rurais durante os anos da ditadura. Mais articulado, integrado, portador deconcepções objetivas de luta, buscou se atualizar por meio do modelo Pernambuco, umencaminhamento que explora as virtualidades da legislação vigente procurando buscar nela o

espaço para a mobilização e organização dos trabalhadores (MEDEIROS, 1989).

Page 16: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 16/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

47

O momento do MST é outro: o de uma agricultura modernizadatecnologicamente, que intensificou o processo de expropriação já em curso. Quando, no início dos anos 80, a demanda porterra ganhou os espaços públicos, a questão que se colocava

no debate era outra: qual o sentido de uma reforma agrária sea agricultura está cumprindo seu papel no desenvolvimento?No entanto, a demanda não só existia como conseguiumobilizar, de forma inédita, trabalhadores de norte a sul do país(p.01).

E incrementa:

Num primeiro momento, a base social do MST era

principalmente pequenos agricultores que se pauperizaram justamente ao longo desse processo de modernização e quese viram impossibilitados de se reproduzir socialmente comoprodutores autônomos, em virtude do alto preço da terra,endividamento etc. Num momento posterior, e expandindo-sepelo Brasil todo, o MST passou a mobilizar assalariados ruraise mesmo populações das periferias urbanas que passam a verno acesso à terra uma alternativa à falta de emprego, àinsegurança. O sindicalismo rural também passou a seenvolver em acampamentos e ocupações de terra, ampliando amobilização (p.01).

 As forças e interesses ligados à propriedade fundiária não assistiram

de mãos atadas a este movimento. A sua reação se concretizou na criação, em

1985, da União Democrática Ruralista (UDR) e da sua eficiente ação

parlamentar por meio da chamada “bancada ruralista”. A finalidade expressa da

UDR era “fazer pressão para que o governo pense duas vezes antes de meter -

se a desapropriar terras” conforme relata Targino (2002, p. 155) em alusão as

declarações de um dos seus fundadores em reportagem da revista Veja (nº

928, agosto 1986).

No mesmo ano de criação da UDR e um ano depois da constituição do

MST, José Sarney toma posse da (Nova) República encerrando-se o regime

militar 27 e assume o compromisso de dar continuidade aos planos já traçados

por Tancredo: a realização da Reforma Agrária. Assim, em maio de 1985 o

27 O candidato eleito foi Tancredo Neves, quem, por questões de saúde não conseguiu assumiro cargo. Um dos seus compromissos de campanha foi a realização da Reforma Agrária.

Page 17: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 17/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

48

presidente, por ocasião do IV Congresso da CONTAG lança a Proposta do

Plano de Reforma Agrária da Nova República, que cobriria o período de 15

anos. A sua elaboração e lançamento colocou na ordem do dia a discussão

sobre a Reforma Agrária no país. Os movimentos sociais fortaleceram a

representação dos trabalhadores rurais, agregando diferentes forças como:

MST, CPT, Organização dos Advogados do Brasil (OAB), CONTAG,

 Associação Brasileira para a Reforma Agrária (ABRA) e Confederação

Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI). Porém, segundo Targino

(2002), embora se colocassem favoráveis ao Plano, as “dissensões entre as

forças não lhes possibilitaram sugerir nada de substancial para agregar”

(p.156).

O embate de classes no campo se acirrou durante o processo de

discussão do PNRA, aumentando o número de conflitos, ocupações e violência

armada dos proprietários. Essa discussão desembocará na Assembléia

Constituinte de 1º de fevereiro de 1987. As forças conservadoras, com um

significativo número de deputados constituintes, aglutinaram-se em torno do

chamado “Centrão” e conseguiram retroceder no que já estava estabelecido no

direito constitucional. Como coloca Targino (2002);

Embora o artigo 184 da Constituição tenha mantido o principioda desapropriação de terras para fins de reforma agrária, caso oimóvel rural não estivesse cumprindo a sua função social, aConstituição introduz alguns princípios que se tornaramimpeditivos para a ação mais contundente em relação à políticaagrária, a saber: a) reintroduz o critério da indenização prévia,que havia sido eliminado pela AI-928; b) determina que asbenfeitorias sejam indenizadas em dinheiro; c) considerainsusceptível de desapropriação as terras produtivas, deixandointeiramente em aberto o que seja terra produtiva (art. 185); d)

deixa vagos e ambíguos os critérios para determinar a funçãosocial da propriedade fundiária (art.186) (p. 156).

Não obstante aos ganhos expressivos da oligarquia e burguesia rural

no período, assiste-se também a expansão e consolidação de uma das forças

28  O autor se refere ao Ato Instituinte Número Nove editado em 25 de abril de 1969 eestabeleceu regras para a Reforma Agrária de cunho conservador. Este ato institucional davapoder ao presidente para delegar as atribuições para a desapropriação de imóveis rurais porinteresse social, sendo-lhe privativa a declaração de zonas prioritárias.

Page 18: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 18/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

49

da classe trabalhadora e camponesa extremamente atuante: o MST. Para este

autor, se a CPT foi primordial na aglutinação dos trabalhadores rurais sem terra

a na sustentação da sua luta durante a ditadura, a partir da Nova República

esse papel será cada vez mais desempenhado pelo MST, ultrapassando, no

cenário político, os limites do rural. Deste modo, durante os anos 1990, quando

no Brasil é imposta a subordinação total aos ditames do capital transnacional,

nos governos Collor e FHC, o MST se constrói como uma importante força

social que arregimenta massas, fazendo-se presente em todos os momentos

de confronto e de oposição à política praticada por aqueles governos.

 A expressividade da luta durante esses anos é manifesta, infelizmente,

pela violência que envolveu os conflitos nas suas diferentes fases. Tais atos

estiveram sempre vinculados à certeza de impunidade, à fragilidade do Poder

Judiciário e à conivência deste com o Poder Político local (Targino, 2002).

Sem sombra de dúvidas, atendendo aos relatórios de conflitos

publicados anualmente pela CPT, o MST foi durante a década de 1990 a forma

como a classe trabalhadora unida no campo e na cidade, conseguiu

impulsionar o processo de desapropriação de terras para fins de Reforma

 Agrária. Na década em curso, anos 2000, o governo do Partido dos

Trabalhadores (PT), assume a presidência da República, elegendo como

presidente Luis Ignácio da Silva, Lula, em 2003, reelegendo-se em 2007 e

dando continuidade ao governo do partido em 2010 com a candidata eleita

Dilma Roussef.

Para Medeiros (2006) durante o “primeiro mandato Lula” os

movimentos de luta pela terra, entre eles o MST e a CONTAG, enfrentaram

certa dificuldade política em lidar com a novidade de serem interlocutores

diretos do Governo Federal. Todavia, em 2003/2004, II Plano Nacional deReforma Agrária, considerado por Carvalho Filho (2006) tímido nas suas

metas, significou o abandono de realizar um processo de alteração radical na

estrutura fundiária. Mesmo assim, houve colaboração dos movimentos

acordando um conjunto de metas que significassem uma política fundiária

aceitável.

O II Plano teve duas versões: uma que ficou como a proposta da

equipe elaboradora coordenada por Plínio de Arruda Sampaio, que tinha como

Page 19: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 19/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

50

objetivo assentar um milhão de famílias em terras desapropriadas por interesse

social de Reforma Agrária, terras devolutas, terras públicas já incorporadas ao

patrimônio da União, permuta de terras, terras confiscáveis e compra e venda.

 A outra versão, do Ministro Rosseto, tinha como objetivo assentar quatrocentas

mil famílias em terras novas, regularizar quinhentas mil famílias e beneficiar

cento e cinqüenta mil famílias com crédito fundiário (FERNANDES, 2010).

Dados do DataLuta (NERA, 2010) mostram que no Governo Lula entre

2003 e 2009 foram assentadas 228.335 novas famílias e regularizadas as

posses de 129.440 famílias e entre 2003 a 2008, foram atendidas 58.240

famílias com a política de Crédito fundiário, deixando um passivo de mais da

metade do Plano.

Na avaliação deste período para Gilmar Mauro, liderança nacional do

MST, deu-se continuidade, como política de governo, apenas a criação de

assentamentos29:

(...) Ou seja, aqui e acolá, pela força da pressão camponesa,desapropria algumas fazendas para aliviar os problemassociais. Mas isso não é reforma agrária. Tanto que o censo doIBGE de 2006 revelou que agora a concentração dapropriedade da terra é maior do que no censo de 1920, quandorecém saímos da escravidão. E no governo Lula não tivemosespaço para debater um processo de reforma agráriaverdadeiro, e nem tivemos força de massas para pressionar ogoverno e a sociedade. Por isso, a atual política deassentamentos é insuficiente por um lado, mas reflete acorrelação de forças políticas que há na sociedade.Lamentamos apenas que algumas forças dentro do governo seiludam a si mesmas, fazendo propaganda ou achando queessa política de assentamentos  – insuficiente  – fosse reformaagrária (MST, 2010). 

Constamos que, no atual estágio de desenvolvimento, a Reforma

 Agrária pela qual lutar não é mais, para o MST, um projeto que visa apenas a

distribuir terras aos camponeses para eles produzirem junto às suas famílias

para o mercado interno, como poderíamos entender a proposta na sua

29 Segundo o Núcleo de Estudos, Pesquisa e Projetos de Reforma Agrária  – NERA/UNESP,embora as ocupações de terra tenham diminuído em alguns Estados nos últimos anos, emespecial em 2010, o número de famílias envolvidas na luta pela terra na Era Lula, não é tãodistante do da Era FHC - 570 mil famílias e 3.880 ocupações. Os dados do governo Lula,relativos aos dois mandatos indicam a participação de cerca de 480 mil famílias em 3.621

ocupações de terra ao longo desse período.

Page 20: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 20/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

51

concepção clássica. A alternativa apresentada pelo movimento social no

decorrer dos anos 2000 é lutar por um novo tipo de Reforma Agrária, definida

pelo MST como “popular”, pelo MPA como “Plano Camponês” e que a

CONTAG e FETRAF chamam de “agricultura familiar ”, que se fundamente na

reorganização do modelo de produção agrícola do país por meio de: uso da

natureza para a agricultura diversificada; a fixação de famílias no meio rural

com condições de vida; a eliminação dos latifúndios existentes por cima dos

1.500 hectares; a adoção de técnicas de produção agroecológica e a produção

de alimentos sadios para o mercado interno. Essa proposta, nas palavras de

Gilmar Mauro, depende: “de um novo modelo de desenvolvimento, que tenha

distribuição de renda, soberania nacional, rompimento com o domínio do

capital estrangeiro sobre a agricultura e a natureza” (MST, 2010). 

 A concepção do projeto de Reforma mudou da mesma forma que o

campo de forças políticas se transformou desde os primórdios da luta pela

terra. Concomitantemente, durante este período observamos novos

direcionamentos e formas de luta. As ocupações de terras improdutivas e

devolutas, e a mobilização de trabalhadores rurais e camponeses em atos

públicos como passeatas, romarias ou ocupações de prédios e órgãos oficiais,

continuaram e continuam sendo mecanismos de organização e construção de

consciência de classe na luta. No entanto, durante a década de 2000 os

protestos do MST contra as grandes empresas transnacionais do agronegócio

se intensificaram, e junto à Via Campesina, tomaram protagonismo. Esse

direcionamento da luta se fundamenta na nova proposta de Reforma Agrária

defendida por estes movimentos, já que não se trata mais de uma disputa entre

os pobres-da-terra e os latifundiários, senão de modelo de produção e uso da

natureza. Na atualidade o conflito se desenha entre, de um lado, a aliança dosgrandes proprietários e o capital financeiro; as grandes empresas

transnacionais que controlam a produção de insumos e sementes; o mercado

nacional e internacional e as empresas da grande mídia. Por outro lado, os

trabalhadores sem  –  terra, os camponeses com pouca terra e a agricultura

familiar como um todo. Nesse cenário de disputa para o MST hoje o “inimigo o

principal” são os bancos e as empresas transnacionais (MST, 2010). Todavia, a

luta de classes contra o agronegócio e o capital financeiro e transnacional não

Page 21: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 21/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

52

inviabiliza, para o MST, a luta por medidas setoriais que ajudem a acumular

força dentro da classe, como são as lutas por melhores condições de vida, a

conquista de novos assentamentos, a moradia rural, o programa luz para todos

etc.

Para a CPT a Reforma  Agrária na “era Lula” não foi uma  prioridade

para o Governo Federal:

 A Reforma Agrária que deveria ser assimilada enquanto umProjeto de nação e de desenvolvimento sustentável,transformou-se em um precário programa de assentamentos, emnível bastante aquém das reais demandas dos homens emulheres do campo (CPT, 2010).

Para este movimento a Reforma Agrária, entendida como o conjunto de

medidas estratégicas para enfrentar a concentração da propriedade da terra e

para promover o desenvolvimento do campo, transformou-se em um programa

de assentamentos bastante aquém das propostas do II Plano Nacional de

Reforma Agrária. A CPT denuncia:

 A histórica disputa no Brasil entre dois projetos para o campo

brasileiro está sendo desequilibrada em favor dos poderososde sempre. De um lado, se favorece com recursos públicosabundantes o agronegócio agroexportador e destruidor doplaneta. De outro lado, praticamente se relega a um planoinferior a agricultura familiar e camponesa que é responsávelpela produção dos alimentos, do abastecimento do mercadointerno e pelo emprego de mais de 85% da mão-de-obra docampo, segundo o último Censo agropecuário de 2006 (CPT,2010).

Em relação à atuação do Governo Federal na Zona da Mata

pernambucana, a CPT amplia:

(...) não questionou o domínio territorial do decadenteagronegócio canavieiro. Nem a tragédia ambiental, com ainundação de dezenas de cidades em Alagoas ePernambuco30, em decorrência da devastação provocada pelacana de açúcar, sensibilizou os Governos Federal e Estadual.Embora o IBAMA tenha ajuizado ações civis públicas paraobrigar as Usinas de Açúcar e Álcool de Pernambuco a repor

30 Fatos acontecidos nesses estados em junho de 2010.

Page 22: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 22/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

53

os seus passivos ambientais, a forte pressão do setor e o apoiodo Ministério Público Federal, fez com que houvesse umatrégua da Justiça para com essas Empresas seculares,enquanto a população mais pobre perdia tudo que tinha nadevastadora enchente de 2010. Diante desses fatos, areconstrução das cidades está se dando em áreasdesapropriadas das Usinas, sem que qualquer medidapreventiva ou estrutural de recomposição da Mata Atlânticadestruída tenha sido tomada (CPT, 2010).

Uma das novidades deste período é a ênfase com preocupação da

natureza e a degradação do ambiente como pautas de reivindicação da

Reforma Agrária, tanto no MST como na CPT. Para este movimento, o mundo

se volta hoje para as questões ambientais e elas têm que estar presentes no

processo e projeto de Reforma Agrária para o Brasil, porém, o Governo Lula,na formatação e tramitação do novo Código Florestal apenas beneficiou o

latifúndio.

No balanço positivo do Governo Lula os movimentos reconhecem uma

série de avanços, tais como: a) a transformação do Programa Nacional de

 Agricultura Familiar (PRONAF) e do Programa Nacional de Educação na

Reforma Agrária (PRONERA) em políticas públicas; b) a reestruturação da

Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) que se transformou em um

importante instrumento da agricultura camponesa  –  familiar; e: c) o cesse do

papel do Governo Federal como agente ativo da criminalização dos

movimentos e as suas lideranças.

Contudo, a luta prossegue e a demanda por um de posicionamento do

Governo Federal diante: da necessidade da realização da Reforma Agrária; da

defesa da agricultura camponesa  –  familiar; da ampliação do orçamento

compatível com as demandas do campo; da priorização da soberania

alimentar; da limitação do tamanho da propriedade da terra; da aprovação do

projeto de emenda constitucional que prevê o confisco de terras escravagistas;

da garantia da função social da terra; e da atualização dos índices de

produtividade.

Dos caminhos trilhados pela classe trabalhadora no campo na

construção do processo de luta histórica que produziu e produz o espaço

agrário brasileiro, cabe destacar, em face da continuidade das lutas que, se

Page 23: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 23/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

54

bem ainda não se tem conquistado a ruptura dos mecanismos tradicionais de

dominação, nos seus arranjos clientelistas, a luta por terra foi um dos canais

que permitiu que muitos trabalhadores do campo tivessem: uma forma de

contato direta e propositiva com as instancias estatais; sentissem nas suas

próprias vidas a importância da organização e mobilização; construíssem

consciência de classe; agissem na reivindicação do direito histórico e fossem

protagonistas por meio da sua pressão, das tensões que definem a dinâmica

de produção do espaço agrário neste país. O que nos permite constatar que o

processo de Reforma Agrária é uma condição importante para a redução das

desigualdades sociais na sociedade brasileira. Assim sendo, e concordando

com Lima (2006) podemos afirmar que historicamente a questão agrária, e os

embates dos trabalhadores sem terra, se confundem com o processo de

produção do espaço agrário no Brasil.

1.2 - O espaço do capital sucroalcooleiro da “Zona da Cana” e os

territórios da luta de classe

 A luta de classe no campo brasileiro responde, historicamente, às

péssimas condições de vida as que camponeses e trabalhadores rurais foram

submetidos, determinadas pelo modo como o espaço agrário foi sendo

produzido e (des)organizado. Pelas suas condições objetivas de produção o

espaço agrário, desde o ponto de vista do trabalhador, é um espaço de

exploração e expropriação, contudo prenhe de territórios de insurgências e

contestação. Como pudemos observar, no decorrer do resgate histórico da luta

pela terra no Brasil, a forma de exploração e expropriação de camponeses e

trabalhadores tem sofrido alterações ao longo do tempo, à medida que oespaço agrário se transforma e reestrutura. Assim, o escravo, morador de

condição, posseiro, meeiro, bóia-fria, trabalhador temporário, informal são

expressões que assumem a exploração no campo, correspondentes, isso sim,

a diferentes momentos do processo de acumulação do capital na agricultura,

introduzindo modificações no processo produtivo e no espaço agrário.

 A concepção de espaço que permeia esta discussão está fundamentada

no pensamento de Henry Lefebvre, a partir tanto da sua obra (2008) como da

Page 24: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 24/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

55

releitura feita por geógrafos da abordagem crítica no Brasil, que fundamentam

teórico – metodologicamente a nossa proposta.

Para este autor existem vários métodos, várias abordagens no que

concerne ao espaço, e eles se correspondem com diferentes níveis de

reflexão, de recorte da realidade objetiva. Contudo, para ele:

Não se pode dizer que o espaço seja um produto como umoutro, objeto ou soma de objetos, coisa ou coleção de coisas,mercadoria ou conjunto de mercadorias. Não se pode dizer quese trata simplesmente de um instrumento, o mais importantedos instrumentos, o pré-suposto de toda produção e de todatroca. O espaço estaria essencialmente ligado à produção dasrelações (sociais) de produção (...) a reprodução das relaçõesde produção, e não a produção no sentido restrito doseconomistas, isto é, o processo de produção das coisas e deseu consumo (2008, p.48).

Lefebvre aponta para o entendimento do espaço produzido pela

sociedade fundamentada no modo de produção e reprodução das relações

capitalista de produção, não apenas limitado a um determinado ambiente onde

as relações sociais de produção e de consumo de mercadorias acontecem, ou

mesmo, um mero palco das atividades e ações humanas. Ao contrario, ele é

essencialmente parte constitutiva das mesmas. Para este autor, nesse

processo ainda existem contradições, mesmo que dissimuladas ou

mascaradas, pois:

Nessa sociedade o “real” encontra-se no fim e não no inicio. (...) ascontradições do espaço não vem de sua forma racional, tal comoelas se revelam nas matemáticas. Elas advêm do conteúdo prático esocial, e especificamente do conteúdo capitalista. (...) o espaço dasociedade capitalista é comercializado, despedaçado, vendido emparcelas. Ele parece lógico e é absurdamente recortado (2008, p.56-7).

O autor faz do conceito uma crítica direcionada à fragmentação e

comercialização capitalista do espaço socialmente produzido, composto por

contradições, dissimuladas e mascaradas, de conteúdo capitalista. Exemplo

deste processo hoje é a forma como a expansão do espaço do agronegócio da

cana-de-açúcar se apresenta, mascarado pela valorização da produção de

Page 25: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 25/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

56

energias limpas para o Brasil. Essa camuflagem possibilita a negação do real

vivido pela classe trabalhadora, parafraseando a Thomaz Jr. (1996),  por trás

dos canaviais.

Lefebvre (2008) acrescenta que:

(...) há no espaço a reprodução da sociedade e uma sociedadesó se torna concreta através de seu espaço, do espaço que elaproduz, e por outro lado, o espaço só é inteligível através dasociedade (p.41).

Portanto, existe uma relação dialética entre espaço e a sociedade. A

partir desta interpretação, entendemos, de acordo com Dabat (2008), que o

debate sobre a sociedade açucareira nordestina e o seu espaço deve ser feitopelo

(...) viés interdisciplinar, principalmente no sentido de entenderque, na medida em que, no mundo moderno ocidental, oaçúcar, é uma das “substancias duradouras” (MINTZ, S.2003)31  isso implica uma cadeia de produção e consumoenvolvendo inúmeras dimensões, principalmente aquelasvoltadas para as  precárias relações de trabalho eassalariamento no espaço canavieiro. (p.7, grifo nosso).

Da mesma forma, para Correia (2007), na linha de argumentação de

Lefebvre, o espaço é concebido como lócus  da reprodução das relações

sociais de produção, isto é, a reprodução da sociedade como um todo,

independente do modo de produção que a rege. Para este autor,

Uma sociedade só se torna concreta através de seu espaço, doespaço que ela produz, e por outro lado, o espaço só é

inteligível através da sociedade. Não há, assim, por que falarem sociedade e espaço como se fossem coisas separadas quenós reuniríamos a  posteriori , mas sim de formação sócio-espacial (p.26-7).

Nesta acepção, entendemos o espaço como construção social, como

objetivação: projetada e planejada pela sociedade, sendo a atual a sociedade

31  Refere-se ao trabalho de Sidney Mintz intitulado “O poder amargo do açúcar. Produtores

escravizados, consumidores proletarizados”. Recife: Editora Universitária, UFPE, 2003. 

Page 26: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 26/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

57

capitalista, dividida em classes antagônicas. De acordo com esta análise

Moreira (2002) adverte que:

(...) estudar o espaço como uma unidade autônoma e

homogênea, como um suporte da ação do homem, implicanecessariamente em omitir as relações que se estabelecementre os homens, em negar as diferenciações internas nelasexistentes tais como classes sociais e relações de dominação-subordinação, em excluir as diferentes formas de produzir e emnão reconhecer as questões ideológicas e políticas que estãocontidas no espaço. Implica também em desprovê-lo de suadimensão histórica, na medida em que a ação do homem éconsiderada como algo genérico, desvinculada das condiçõesconcretas materiais de vida que são, como se sabe,historicamente datadas (p.6).

O espaço é um produto/processo heterogêneo que engloba, desde as

dimensões históricas, até a realidade social contemporânea. Leitura que nos

possibilita analisar as diversas relações que sustentam a dinâmica do espaço

agrário da Zona da Cana  em questão. Face às relações sociais de trabalho

estabelecidas entre latifundiários/usineiros e trabalhadores com e sem terra, o

setor sucroalcooleiro se fundamenta na relação dominação-subordinação

discutida por Moreira (2002).

Voltando a análise feita por Lefebvre (2008) e Correia (2007) o espaço

social é, portanto, um produto da sociedade, constatável e dependente, antes

de tudo, dessa constatação. Para ambos os autores o espaço é concebido por

diversas atividades, por exemplo: agrícola, artesanal, industrial. Isso quer dizer

que o “espaço resulta do trabalho e da divisão do trabalho” (2008, p. 44). O

espaço é, portanto um produto do trabalho humano, e como tal acha-se

intrinsecamente relacionado ao modo por meio do qual os homens e as

mulheres produzem as condições materiais e simbólicas necessárias à sua

existência. Para Marx (2008), o trabalho é um processo no que participam o

homem (ser genérico) e a natureza. Nesse processo, os homens, com a sua

própria ação, impulsionam, regulam e controlam seu intercâmbio material com

a natureza. Por isso, para este autor, o homem defronta-se com a natureza

como uma soma das suas forças. Ou seja, por meio do trabalho, coloca em

movimento a força natural do seu corpo a fim de apropriar-se dos recursos da

Page 27: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 27/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

58

natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Nesse movimento de

transformação da natureza o próprio homem também se transforma. Ao

produzir valores de uso modifica a natureza seguindo um projeto previamente

idealizado. Atendendo a este processo, Moreira R. (2007) coloca que:

 A natureza social do espaço geográfico decorre do fato simplesde que os homens têm fome, sede, frio, necessidades deordem física decorrentes de pertencer o homem ao reinoanimal, ponte de sua dimensão cósmica. No entanto, àdiferença do animal, o homem consegue os bens de quenecessita intervindo na primeira natureza, transformando-a.Transformando o meio natural, o homem transforma-se a simesmo. Ora, como a obra de transformação do meio é umarealização necessariamente dependente do trabalho social (a

ação organizada da coletividade dos homens), é o trabalhosocial o agente de mutação do homem, de um ser animal paraum ser social, combinando estes dois momentos em todo odecorrer da história humana (p.72).

 Além do mais, é o trabalho que transforma os meios de produção em

algo útil. No entanto, na sociedade capitalista, o espaço se acha subordinado

ao modo de produção capitalista. O espaço é, antes de tudo, subordinado às

necessidades de acumulação de capital e este processo de acumulação é

desigual (SMITH, N; 1971). O que significa que ele ocorre de maneira

diferenciada quer entre setores de atividade, quer nas diferentes regiões,

territórios que configuram o espaço geográfico, seja na escala nacional, sejam

em quaisquer escalas geográficas em foco de análise (SMITH, N; 2002). A

acumulação de capital, sem dúvida, sempre foi uma questão profundamente

geográfica, já que, sem as possibilidades inerentes à expansão geográfica, à

reorganização espacial e ao desenvolvimento geográfico desigual, o

capitalismo, segundo Harvey (2004), há muito tempo teria deixado de funcionarcomo sistema econômico-político. A permanente realização de arranjos

espaciais das contradições internas do capital, associada a uma desigual

inserção dos territórios criou, o que este autor denomina a geografia histórica

global de acumulação de capital.

O conteúdo de classe é fundamento, também, do espaço do capital e as

suas contradições internas. Para Moreira, R. (2007) são as relações de classe

em cada fração do espaço, em cada território, que orientam a dialética do

Page 28: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 28/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

59

espaço do lugar. Já, no entendimento de Lefebvre (2008), o modo de produção

está sempre “nas mãos de alguém”, os donos do espaço, os donos do poder,

nas mãos do Estado e/ ou da classe dominante. O controle do espaço do

agronegócio canavieiro na Zona da Cana estudada é de posse da burguesia

agrária e as suas alianças de classe com os capitalistas transnacionais,

escoradas no Estado.

De acordo com a leitura dos autores apresentados, podemos apreeder,

que o espaço agrário condensa o trabalho social objetivado no decorrer do

tempo histórico, configurando-o em função dos conflitos, das tensões entre as

classes envolvidas. O recorte do espaço agrário nordestino que focamos na

nossa discussão é, portanto, resultado e parte de: a) os conflitos entorno da

propriedade fundiária; b) a luta de classes pela terra e pela Reforma Agrária; c)

a organização dos movimentos sociais; d) as políticas, programas e ações do

Estado que sustentam os interesses de uma das classes envolvidas; e) o

processo de valorização da renda da terra; f) a mecanização das relações de

produção e trabalho; g) as dissidências político-ideológicas inerentes as

classes; h) a fragmentação da classe trabalhadora; i) o domínio do espaço pelo

capital e o latifúndio; j) o agronegócio exportador e; k) da expropriação,

exploração e precarização do trabalhador rural.

Todavia o conjunto de relações apresentadas dá forma e o conteúdo não

apenas ao nosso recorte espacial, senão ao espaço agrário brasileiro como um

todo, sendo a questão agrária - a penetração e desenvolvimento do capitalismo

no campo - a centralidade do seu movimento. Lembrando que:

a questão agrária passou a ser discutida no âmbito de umaquestão mais fundamental, a questão nacional. Por sua vez aquestão nacional chegou a ser entendida como uma questãointernacional, cuja resolução era sujeita a uma dialética deforças internas e externas (YEROS, 2007, p.151).

Contudo, no espaço do capital agro-industrial da cana-de-açúcar no NE,

mais concretamente, no espaço do agronegócio sucroalcooleiro da Zona da

Cana dos estados de Alagoas, Paraíba e Pernambuco a luta pela terra insere,

em frações desse espaço, a sua permanente territorialização. É o conflito que

Page 29: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 29/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

60

gera a forma e o conteúdo dos territórios dos sem terra acampados; dos

camponeses expropriados assentados; dos trabalhadores rurais despossuídos;

dos indígenas e quilombolas.

De acordo o ponto de vista teórico  – metodológico entendemos que todo

território deve ser estudado, tomando como referência o espaço, pois é a partir  

deste que ele se forma. Contudo, no debate conceitual atual na geografia

brasileira, a idéia de território não é consenso, mas objeto de divergências,

assentadas nas influências sócio-históricas em que cada pesquisador se

insere. Segundo Lima (2010), dentre as diferentes raízes conceituais deste

termo na geografia brasileira, as que merecem destaque são a naturalista e a

idealista. A primeira centra-se na defesa de uma determinada área, como

reflexo espontâneo do desejo de proteção imanente aos seres vivos. A partir

desta concepção, realizaram-se elaborações teóricas que buscavam atribuir ao

homem uma compulsão instintiva na posse e defesa de seus territórios. Este

autor nos lembra como tal noção serviu de instrumento legitimador das

incursões expansionistas do Estado alemão, e mais tarde, colocou-se ao

serviço da justificação de uma suposta propensão humana a todo domínio

territorial, cujo pano de fundo é a defesa da propriedade privada.

 A concepção idealista de território é aquela que se formula a partir da

presença de representações simbólicas e culturais que os indivíduos formam,

associados ao seu meio físico. Com esta visão, genuína da antropologia

cultural, trabalham inúmeros geógrafos destacando, entre outros, pela sua

repercussão: Raffestain (1993) e Haesbaert (1997). Todavia, para Saquet

(2007), este último construiu uma concepção híbrida entre as dimensões

material e ideária do território, com ênfase nos processos culturais e políticos.

Maciel (2004) e Fernandes (2005) se apóiam na proposição de Haesbaert nasua análise do território. Aliás, Fernandes utiliza-se desta concepção para

construir o conceito de movimento socioterritorial na sua obra. De qualquer

maneira, estaríamos diante da compreensão do território como uma parcela do

espaço geográfico determinada por ações objetivas ou subordinada a valores

simbólicos e culturais. Para Fernandes (2005);

Page 30: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 30/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

61

o território é uma fração do espaço e ou de outros espaçosmateriais ou imateriais (...) o território imaterial é também umespaço político, abstrato. Sua configuração como territóriorefere-se às dimensões de poder e controle social que lhes sãoinerentes. Desde essa compreensão, mesmo sendo umafração do espaço também é multidimensional (p.27)

Para este autor, o território é, portanto, uma categoria que pode ser

compreendida apenas a partir de um olhar que capte a sua

multidimensionalidade, ou seja, que considere que a existência do mesmo se

pauta em múltiplas intencionalidades.

Entretanto, na nossa pesquisa nos apropriamos de outra possibilidade

de pensar o território. A leitura crítica fundamentada no materialismo histórico  – 

dialético nos leva a compreender o território, inscrito no espaço geográfico, de

acordo com a proposta de Lima (2010), para quem este conceito está:

(...) essencialmente marcado por relações de poder. Estas sãoconcretizadas a partir da apropriação e domínio do espaçoabsoluto, enquanto espaço relacional. Neste sentido, estáno plano do trabalho social (material), arregimentadonuma sociedade [de classes] que tem a propriedadeprivada [ a divisão social do trabalho] como um patrimônio

inviolável, o poder da territorialização (p. 112).

Considerando esta análise, pensar o território sem base material, ainda

que sejam atribuídas algumas relações de poder, é truncar o entendimento do

espaço, questão que entendemos inviável, pois como colocado anteriormente o

território nasce, indissociavelmente, vinculado ao advento da apropriação

individual do espaço, na forma de propriedade privada.

O território ainda que sob a égide do capital tenha assumido novos

contornos, ele não é um fenômeno recente na história. A sua origem data das

primeiras manifestações da divisão social do trabalho. Para Moraes e Costa

(1982):

(...) para Marx a categoria precipuamente geográfica seria a deterritório (em nenhum momento paisagem, região, habitat ouárea) que aparece em toda a sua obra como sendo o processode apropriação de determinadas porções do globo terrestre. Tal

definição apreende, desde logo, o território como processo

Page 31: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 31/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

62

histórico e social, isto é, dotado de sentido pela ação doshomens, o que não pode ser confundido com qualquer acepçãonaturalista do espaço em que este existe externamente aosprocessos sociais (p.121).

 A crítica levantada por Lima (2010), e que dá fundamento à nossa

análise, pondera que a compreensão da relação homem-natureza é possível a

partir do entendimento das relações que concorrem à produção material da

vida. Diante disso, não se pode atribuir a essência do poder a valores

absolutos, como se existisse uma metafísica do poder. Para este autor, deve-

se inserir no bojo da produção e reprodução social da vida onde: “os sujeitos

históricos são investidos de força para coagir e manipular o trabalho pelo

monopólio da apropriação privada dos seus resultados” (p. 113). O que não

indica que a ideologia não contribua para a existência e legitimidade do poder.

Porém, este não se sustenta sem um lastro material. Destarte, as relações

sociais de produção e trabalho sujeitadas à produção de valor (de troca) é o

primeiro passo para o entendimento do que nesta pesquisa definimos como

território, pois é o conflito capital x trabalho que possibilita o constante processo

de territorialização/desterritorialização na luta pela terra.

Todavia, longe de defender a tendência homogeneizante do

desenvolvimento do capitalismo, que prevê a subordinação total de todo

trabalho à forma assalariada, apropriamo-nos da compreensão de Oliveira

(1999) para quem o território:

(...) deve ser apreendido como síntese contraditória, comototalidade concreta do processo/modo deprodução/distribuição/circulação e consumo e suas articulações

e mediações supraestruturais [políticas, ideológicas esimbólicas] em que o Estado desempenha a função deregulação. O território é, assim, produto concreto da luta declasses travada pela sociedade no processo de produção dasua existência [...] são as relações sociais de produção e oprocesso contínuo/contraditório de desenvolvimento das forçasprodutivas que dão a configuração histórica específica aoterritório (p.74).

De acordo com esta análise, o espaço geográfico seria composto por

diversos territórios que o influenciam, ao tempo que, são influenciados por ele,

Page 32: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 32/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

63

numa relação dialética e contínua. Tal confirmação se fundamenta na seguinte

análise de Haesbaert (2002):

O espaço, na sua expressão territorial, abarca a totalidade

concreta dos processos de produção, distribuição/circulação econsumo, articulados com as dimensões política e ideológica(superestrutura). A luta de classes insurge como síntesecontraditória entre as práticas e interesses das três classessociais fundamentais: a burguesia, o proletariado e osproprietários de terra. A contradição entre classes é contínua,assim como é contínua a transformação do território. Damesma forma que a configuração territorial manifesta as estratégias de reprodução do capital ele envolve as lutas deemancipação  e resistência da classe trabalhadora. O conceitode território, entendido como expressão espacial da luta declasses, é definido, então, a partir das relações de poderensejadas pelo conflito permanente entre capital e trabalho.(p.13, grifo nosso).

Concordamos também com a leitura crítica sobre os limites da

concepção de território em Fernandes apresentada por Franco García (2004),

para quem a noção de movimento sócio-territorial elaborada por Fernandes

(2000), forma parte dos caminhos teóricos da geografização de um conceito,

caro a outras formas de discurso, e que renovam epistemologicamente a nossa

disciplina, porém:

(...) parece-nos uma contradição em termos utilizar o conceito de“movimento sócio-territorial”, já que, acaso o território não ésempre uma entidade social? Se bem que nem todo movimentosocial é territorial, como por exemplo, (...) o Movimento deMulheres Camponesas do Brasil ( MCC-Brasil) entre outros, mastodo movimento territorial é social. Sob a denominação de“movimento territorial” entendemos aquele que na sua estrutura,organização e consecução depende “sobretudo” da apropriaçãosimbólica, ou não, do território. O que significa entender oterritório como um espaço , ao mesmo tempo, de apropriação ereprodução concreta e simbólica. Entendemos que novoconceito de “movimento sócio-territorial” esvazia o significadopolítico do espaço singularizado no conceito de território. Comisto queremos colocar que o binômio “sócio” e “territorial” não éuma mera repetição ou reiteração de termos, senão que é aanulação do significado social que o conceito de territórioconcretiza. A sua vez, isso implica aceitar a idéia de um territóriohomólogo a um espaço cartesiano, neutro e objetivo, que justamente ansiamos superar (p.20).

Page 33: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 33/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

64

Os territórios da luta pela terra sejam acampamentos, assentamentos,

comunidades de sitiantes posseiros ou qualquer outra configuração territorial

que a luta assume, passam pela produção de múltiplos significados que, de

maneira geral, se colocam entre dois extremos: a interpretação desses

territórios como favelas rurais onde a marginalidade no campo se concentra e a

sua compreensão como resistências e frentes de luta pela terra e pela Reforma

 Agrária dos trabalhadores mobilizados. A primeira interpretação está

desprovida de dimensão teórica e prática, correspondendo à manipulação

ideológica da sociedade do capital e ao senso comum preconceituoso que

gera. A segunda acepção nos coloca diante de um desafio que exige reflexão,

pois entendemos que estes espaços são, isto sim, possibilidades reais dostrabalhadores manifestarem articulações territoriais de resistência, em

contraposição ao espaço homogeneizante, imposto pela ordem social e política

dominante.

 As territorialidades da luta pela terra desde o ponto de vista do trabalho -

os acampamentos, assentamentos, as terras indígenas e quilombolas - são

instrumentos políticos no conflito entre as classes envolvidas nessa luta. Isso

porque esses territórios são embates diretos contra uma forma demanifestação do espaço hegemônico, concretamente a do capital

sucroalcooleiro, no recorte da nossa pesquisa. De acordo com Haesbaert

(2002), compreendemos que são construções territoriais que se aliam à

esperança por uma nova forma de organização da sociedade; são também

instrumentos de autonomia social, iniciativa de construção de um espaço

igualitário e democrático. São, igualmente, parte do processo de constituição

de territórios de esperança discutido por Moreira e Targino (2007).

 A discussão sobre o território como categoria de análise da geografia é

um importante caminho para a compreensão da dinâmica espacial da

fragmentação da luta pela terra no espaço do capital sucroalcooleiro nos

estados de Alagoas, Paraíba e Pernambuco dado que, para os movimentos de

trabalhadores rurais, o acesso à terra constitui novas possibilidades de

reterritorialização.

Page 34: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 34/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

65

Contudo, a partir da leitura de Raffestin (1993), enfatizamos que o

território se apóia no espaço, mas não é espaço. É uma produção a partir do

espaço. Ora, produção por causa das relações que envolvem e se inscreve

num campo de poder, sendo central na nossa compreensão a relação de

classe. Para este autor:

(...) o espaço é de certa forma, “dado” como se fosse umamatéria-prima. Local de possibilidades, é a realidade materialpreexistente a qualquer conhecimento e a qualquer prática dosquais será o objeto a partir do momento em que um ator[grupos sociais organizados, movimentos sociais] manifeste aintenção dele se apoderar. (RAFFESTIN, 1993, p.144).

Uma parte significativa dos movimentos sociais que atuam na Zona da

Cana  analisada nesta pesquisa, organiza as famílias de trabalhadores rurais

para que por meio da sua luta e resistência se concretizem projetos de

transformação da realidade social. O instrumento para isso é a ocupação da

terra e a constituição de acampamentos. Essa ação implica no conhecimento

de uma prática territorial. Isto é, a defesa da posse da terra para uso

democrático. A construção da realidade se transforma assim no instrumento de

poder desses movimentos sociais.Compreendemos, então, que os acampamentos e os assentamentos

dos sem terra são formas de configuração territorial do espaço, mas é

importante lembrar, segundo Thomaz Jr. (1996), que:

o espaço e o território não protagonizam o movimentocontraditório da sociedade como um todo, tampouco aproblemática da questão agrária brasileira  responde a isso,mas revelam os conteúdos, os significados e os papéis que

fazem com que o trabalho ocupe centralidade neste contexto (p.34, grifo nosso).

No caso especifico dos assentamentos, é evidente para Fabrini (2003), o

uso do espaço na construção do território. Não temos dúvidas a esse respeito.

Concordamos com o autor ao conceber o assentamento como um território dos

trabalhadores do campo. Segundo ele, o assentamento se constitui no espaço

Page 35: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 35/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

66

de realização de ações coletivas e comunitárias em que os camponeses

constroem o território. Para este autor, o assentamento rural é:

um território porque o espaço do assentamento é politizado, ou

seja, os assentados têm a posse, controle, domínio, podersobre este espaço que antes pertencia ao latifundiário (p.10).

Para Fabrini (2003), trata-se de um território de resistência camponesa

 já que a luta não é apenas para entrar na terra, mas para nela permanecer e

produzir, o que nos coloca diante do permanente conflito de classe32.

Recuperando o pensamento do Thomaz, Jr. (1993), nossa discussão

aponta, necessariamente, para a centralidade que o trabalho, na forma como

hoje se expressa no campo, tem no processo de luta pela terra e pela Reforma

 Agrária, do mesmo modo na própria fragmentação dessas lutas.

Em suma, ao longo dos capítulos que seguem poderemos observar

como os conceitos de espaço geográfico e território são fundamentais para se

compreender o processo de dissidência e fragmentação dos movimentos

sociais no campo, assim como suas representações territoriais no espaço

sucroalcooleiro na tentativa da resistência e o embate, seja por meio das

ocupações de terras, seja nas reivindicações por melhores salários.

1.3 - Polissemia de uma ação: a Reforma Agrária no aguardo

 A luta pela terra se confunde com a luta pela Reforma Agrária, todavia,

se uma é imanente à outra, ambas remetem a processos e ações distintos. A

questão agrária e a luta pela terra, como resgatamos no início da nossa

introdução, têm mais de 500 anos no Brasil. Ambas decorrem do conjunto de

problemas relativos ao desenvolvimento da agropecuária e da resistência dos

32  O autor discute e propõe como exemplo a situação dos camponeses russos no início doséculo XX. Ele discute que a Reforma da estrutura agrária naquele país tratou-se de umaproposta que compreendia a necessidade de criar uma sólida “classe” proprietária individual daterra para garantir a manutenção da ordem e estabilidade social. A manutenção e conquista daterra pelos trabalhadores  era vista como uma contra-revolução, pois, enquanto pequenosproprietários estabilizados, a força revolucionária dos camponeses seria silenciada (FABRINI,2003).

Page 36: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 36/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

67

trabalhadores e camponeses, inerentes ao processo desigual e contraditório

das relações capitalistas de produção. Já a Reforma Agrária no Brasil,

enquanto política territorial de transformação da estrutura agrária com objetivos

de justiça social na distribuição de terras e renda agrícola, e as origens do seu

debate no pensamento social, podem ser situadas na década de 1950. Foi

durante o governo Vargas, dentro do debate sobre o caráter que deveria

assumir o desenvolvimento econômico do país, que a agricultura - logo o

campo. Tornou-se o centro da questão.

Segundo Stédile (2005), podemos diferenciar, dentro do pensamento

crítico brasileiro, quatro correntes clássicas  a respeito. A primeira delas

defendia a Reforma Agrária como o mecanismo de alteração do uso e a posse

da terra no país, visando ao desenvolvimento mais rápido das forças produtivas

no campo. A realidade agrária era um entrave ao desenvolvimento do

capitalismo e até apresentava resquícios feudais. Oliveira (1999) concorda com

esta afirmação e acrescenta que para os defensores dessa tese, para que o

campo se desenvolvesse, seria preciso acabar com essas relações feudais, ou

semi-feudais, e ampliar o trabalho assalariado no campo. O PCB, que na época

era o principal partido de esquerda no Brasil, apoiava esta corrente. Para os

seus seguidores, a luta camponesa contra o latifúndio exprimia o avanço da

sociedade na extinção do feudalismo33. Para o campo, o PCB pregava a

implantação da Reforma Agrária para eliminar o latifúndio, pois este era

entrave ao desenvolvimento econômico. Com a Reforma Agrária, portanto,

seria possível assentar as bases para o desenvolvimento da agricultura, baixar

os preços dos alimentos, baixar os custos com a mão-de-obra urbana e,

portanto, financiar a industria brasileira. O sindicalismo nacionalista, segundo

Ricci (1990), foi forjado nesse momento pelo PCB, mas apenas a partir de1958 que a organização de sindicatos rurais é encarada seriamente. As lutas

organizadas neste período pelos sindicatos comunistas eram marcadas pelo

discurso nacionalista e pela garantia de cumprimento de leis sociais. Para este

autor, esta política teve ressonância nos setores tradicionais da indústria, no

setor público e no campo, devido às péssimas condições de trabalho. A

33  Para os seguidores desta corrente, o feudalismo se concretizava no campo nas relações

sociais não capitalistas como a parceria e o arrendamento.

Page 37: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 37/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

68

elaboração teórica do PC neste período derivava das teses da III Internacional

para os países coloniais atrasados, para quem:

a sociedade brasileira era tida como semi-colonial e semi-

feudal, dominada pelo latifúndio e o imperialismo, ondesomente por meio de uma revolução nacional e democráticaseria possível romper com o atraso econômico e político esaltar para uma nova fase de desenvolvimento (RICCI, 1990, p.13).

Já a segunda corrente do pensamento agrário, na proposta de Stédile

(2005), se fundamenta no círculo de dissidentes do PCB, principalmente

autores que defendiam as teses de Caio Prado Júnior. Para estes autores no

Brasil nunca havia existido feudalismo e o capitalismo no campo era

predominante e se desenvolvia. O campo não era, de modo algum, feudal ou

atrasado, mas sim um ambiente onde predominava relações de trabalho

capitalistas deficientes e pouco desenvolvidas. A Reforma Agrária deveria ser

feita apenas em alguns lugares necessários e teria, portanto, o objetivo de

melhorar o padrão de vida da massa trabalhadora rural, principalmente por

meio do exercício efetivo e moderno dos direitos trabalhistas. Segundo esta

tese, as relações sociais de produção existentes não eram, portanto, entraves

ao desenvolvimento capitalista, e sim o caracterizavam como: concentrador e

dependente.

Quanto à terceira corrente, conhecida como “escola cepalina”, devido ao

papel central da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe

(CEPAL), estava fortemente influenciada pelas idéias de Keynes. Seus

seguidores defendiam a participação do Estado como agente destacado de

execução dos projetos de desenvolvimento para o país e entendiam o

subdesenvolvimento como resultado da preponderância da produção agrícola

primário-exportadora, a baixa integração dos setores produtivos e o baixo nível

de sindicalização. A saída da CEPAL era uma política de desenvolvimento

industrial baseada na Reforma Agrária. O Estado deveria prover a

infraestrutura para o desenvolvimento industrial e transformar a estrutura

arcaica do campo, baseada em latifúndios e nas atividades  pré-capitalistas

associada ao imperialismo comercial. Celso Furtado foi talvez o principal

Page 38: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 38/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

69

promotor desta análise no Brasil. Este afirmava que a monocultura prática no

país era antagônica com o processo de industrialização. Para este pensador

cepalino, a agricultura deveria priorizar a oferta de alimentos para abastecer os

centros urbanos, evitando-se a importação.

Finalmente, a quarta corrente de pensamento agrário, segundo Stédile

(2005), do ponto de vista interpretativo passou por certa influência da corrente

“cepalina”, mas do ponto de vista político estava articulada à chamada

esquerda brasileira do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), liderada por Leonel

Brizola.

 Após o golpe militar de 1964, essas correntes de pensamento que

lutavam pela Reforma Agrária foram fortemente reprimidas. Mesmo assim, o

governo militar em 30 de novembro de 1964 promulgou, através de decreto, a

primeira Lei de Reforma Agrária do Brasil, a Lei 4.554 que passou a se chamar

Estatuto da Terra. Porém, o Estatuto da Terra permitiu que a elite agrário-

industrial acelerasse o desenvolvimento do capitalismo no campo, e sua

(má)interpretação possibilitou que o problema-chave da questão agrária fosse

a modernização do latifúndio. Para isso, foram implementados alguns

instrumentos de estímulo à modernização da agricultura brasileira como crédito

rural, a pesquisa agropecuária com a criação da EMBRAPA, a assistência

técnica com a EMBRATER, o seguro agrícola e o programa de preços

mínimos. Isso gerou, principalmente na década de 1970, intensas relações

entre o capital e o trabalho, a mecanização agrícola e a redução da mão-de-

obra nas fases do processo produtivo como o preparo do solo, capina e,

posteriormente, na colheita. Com isso, grande parte da população foi expulsa

pela modernização, o que passou a gerar um grande problema social que

tomou grandes proporções na década de 1980 (MARTINS, J.S, 2010). Essesproblemas de cunho social, resultantes da modernização sem a alteração da

estrutura fundiária do país fizeram ressurgir o movimento pela reforma agrária

nos anos 1980.

Para Stédile (2005) foi na década de 1980 quando os debates sobre a

Reforma Agrária marcaram a pauta da esquerda brasileira. Destaca no início

Page 39: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 39/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

70

do período a publicação do documento “A Igreja e os problemas da terra” 34  da

CNBB, que ligou problemas do campo com as discussões iniciadas durante as

décadas anteriores 1960 - 1970. O significado da Reforma Agrária ganha

conotações diferentes a partir de década de 1980, no contexto de retomada

das lutas sociais.

Contudo, como sabemos e a história agrária mostra, essa Reforma

 Agrária não foi feita. Não existiu redistribuição de terras, até pelo contrário,

dados recentes (Dataluta, 2009), apontam que a concentração fundiária

aumentou e que os trabalhadores do campo se tornaram mais miseráveis

(THOMAZ, Jr. 2010). O debate sobre a Reforma Agrária para o Brasil

continuou desde então, tanto na academia como nas ruas e dentro dos

movimentos sociais. Na atualidade se apresenta, não apenas com outra forma,

senão também outros conteúdos. Ela não é mais uma reivindicação do

desenvolvimento do capitalismo no campo e sim um questionamento e

rebatimento da forma que assumiu esse desenvolvimento. Por isso,

encontramo-nos diante de uma questão eminentemente política capaz de

unificar, como bandeira, não só os trabalhadores do campo, mas se estender

aos trabalhadores urbanos. Essa dimensão política é a mais “temida” pela

ordem estabelecida, pois nela radica a potencialidade de união e da força de

uma classe. Entretanto, a fragmentação dos trabalhadores em concepções e

formas de luta que dizem respeito a como deve ser efetivada esta política

territorial agrária e agrícola, é um fato no campo. A emergência de um número

sem fim de siglas, de movimentos, de fissuras e dissidências é sintomático,

bem da efervescência da luta  – os trabalhadores no campo não estão parados

 – como da forma que o “discurso da ordem” fragiliza, coopta e desmonta a luta

unificada. Essa tensão permanente na que a composição de classe vive tem osseus reflexos no território, fragmentando-o também.

 A partir destas constatações nos posicionamos a favor do entendimento

e efetivação de uma Reforma Agrária Estrutural no pais, como caminho

indispensável para a superação da miséria no campo. Uma Reforma Agrária

que modifique radicalmente a estrutura fundiária do país, portanto, uma

34  Documento aprovado pela 18ª Assembléia da CNBB , Itaici, 14 de fevereiro de 1980

(STÉDILE, Vol.02, 2005)

Page 40: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 40/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

71

Reforma Agrária, no aguardo. Como ilustra Garcia (1969) pensando em uma

Reforma Agrária para a América Latina:

(...) reforma agrária estrutural é realizada por meio de

transformações revolucionárias fundamentadas na substituiçãoou até mesmo na alteração profunda das relações tradicionaisde poder, seja o poder do Estado ou dos latifundiários quecontrolam as terras agricultáveis. Para isso devem seralteradas e modificadas varias regras e legislações queasseguram o significado da propriedade privada da terra (p.11).

Neste sentido é válida a tese de que o que está posto no Brasil hoje “é

uma operação negociada” entre as classes dominantes do campo e os

Governos Estaduais e Federal. Trata-se de uma lógica perversa que une as

velhas estruturas alimentadas pela burguesia agrária e o Estado, parte das

Igrejas e Movimentos sociais partidários.

Essa complexa trama de relações que estabelecem no campo, em torno

da obrigação da Reforma Agrária, é “lida geograficamente” por Thomaz, Jr.

(2010) para quem é necessário inserir as dimensões do trabalho e da

soberania alimentar, como:

(...) cenários a serem construídos com base nas formulaçõesde alternativas que visem à edificação de uma sociedadeemancipada, que sejam explicitados os horizontes para aradicalização do projeto societário socialista (p.980).

Todavia, se focamos as estratégias do capital sucroalcooleiro atreladas

ao Estado no enfrentamento aos movimentos sociais de luta pela terra e pela

Reforma Agrária na Zona da Cana dos estados de Alagoas, Pernambuco e

Paraíba podemos observar que, além do constante processo de fragmentação

dos movimentos sociais no campo prevalece a expansão da produção e das

áreas de plantio de cana para produção de etanol. Esse processo exige

intensificar a disponibilidade de recursos como terra e água para exploração da

produção monocultora da cana irrigada.

Ressaltamos que os impactos negativos da concentração fundiária, que

opera ao serviço do capital e a necessidade da Reforma Agrária gestaram

Page 41: 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

7/22/2019 1_Texto_1_Curso_de_Extensao

http://slidepdf.com/reader/full/1texto1cursodeextensao 41/41

LIMA, E. C. de. Espaço, território e conflitos no campo: o Movimento...

inúmeros movimentos na região em análise. Isso nos leva a entender que a

emergência dos movimentos sociais no campo, como formas de organização

dos trabalhadores, não respondem apenas a processos de construção de

identidades, de afinidades culturais ou de outros mecanismos propostos pela

leitura dos “novos movimentos sociais” (GOHN, 2000). Senão que são as

formas concretas da luta de classes no campo no decorrer da história agrária

brasileira como foi apresentado.  Esta luta está construindo as pegadas do

presente na história e na geografia do campo, como resgataremos no capítulo

dois. Nele destacamos os territórios construídos pelos movimentos, por meio

das formas de organização, relações e as ações que acontecem nos diferentes

espaços em disputa. É a isso que chamamos de territórios de luta pela terra

Zona da Cana  dos estados de Alagoas, Paraíba e Pernambuco. Todavia no

próximo capitulo apresentamos as nuances da produção e do trabalho no

espaço do capital sucroalcooleiro na Zona da Cana.