1º ano amor de perdição

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Nome: TD – LITERATURA – 4ª ETAPA Série: 1º ano Professora Rebeca Xavier Data:___/10 / 2011 Uma história de amor... ...melhor que Romeu e Julieta! Folheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeias da Relação do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas 232, o seguinte: Simão Antônio Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante na Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião de sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco; estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês. E fiz este assento, que assinei - Filipe Moreira Dias. A margem esquerda deste assento está escrito: Foi para a Índia em 17 de março de 1807. Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor, se cuido que o degredo de um moço de dezoito anos lhe há de fazer dó. Dezoito anos! O arrebol dourado e escarlate da manhã da vida! As louçanias do coração que ainda não sonha em frutos, e todo se embalsama no perfume das flores! Dezoito anos! O amor daquela idade! A passagem do seio da família, dos braços de mãe, dos beijos das irmãs para as carícias mais doces da virgem, que se lhe abre ao lado como flor da mesma sazão e dos mesmos aromas, e à mesma hora da vida! Dezoito anos!... E degredado da pátria, do amor e da família! Nunca mais o céu de Portugal, nem liberdade, nem irmãos, nem mãe, nem reabilitação, nem dignidade, nem um amigo!... É triste! O leitor decerto se compungiria; e a leitora, se lhe dissessem em menos de uma linha a história daqueles dezoito anos, choraria! Amou, perdeu-se, e morreu amando. É a história. E história assim poderá ouvi-la a olhos enxutos a mulher, a criatura mais bem formada das branduras da piedade, a que por vezes traz consigo do céu um reflexo da divina misericórdia?! Essa, a minha leitora, a carinhosa amiga de todos os infelizes, não choraria se lhe dissessem que o pobre moço perdera honra, reabilitação, pátria, liberdade, irmãs, mãe, vida, tudo, por amor da primeira mulher que o despertou do seu dormir de inocentes desejos?! Chorava, chorava! Assim eu lhe soubesse dizer o doloroso sobressalto que me causaram aquelas linhas, de propósito procuradas, e lidas com amargura e respeito e, ao mesmo tempo, ódio. Ódio, sim... A tempo vereão se é perdoável o ódio, ou se antes me não fora melhor abrir mão desde já de uma história que me pode acarear enojos dos frios

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Page 1: 1º ano   amor de perdição

Nome:

TD – LITERATURA – 4ª ETAPA

Série: 1º ano Professora Rebeca Xavier Data:___/10 / 2011

Uma história de amor......melhor que Romeu e Julieta!

Folheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeias da Relação do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas 232, o seguinte:

Simão Antônio Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante na Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião de sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco; estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês. E fiz este assento, que assinei - Filipe Moreira Dias.

A margem esquerda deste assento está escrito:Foi para a Índia em 17 de março de 1807.Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor, se cuido que o

degredo de um moço de dezoito anos lhe há de fazer dó.Dezoito anos! O arrebol dourado e escarlate da manhã da vida! As louçanias do

coração que ainda não sonha em frutos, e todo se embalsama no perfume das flores! Dezoito anos! O amor daquela idade! A passagem do seio da família, dos braços de mãe, dos beijos das irmãs para as carícias mais doces da virgem, que se lhe abre ao lado como flor da mesma sazão e dos mesmos aromas, e à mesma hora da vida! Dezoito anos!... E degredado da pátria, do amor e da família! Nunca mais o céu de Portugal, nem liberdade, nem irmãos, nem mãe, nem reabilitação, nem dignidade, nem um amigo!... É triste!

O leitor decerto se compungiria; e a leitora, se lhe dissessem em menos de uma linha a história daqueles dezoito anos, choraria!

Amou, perdeu-se, e morreu amando.É a história. E história assim poderá ouvi-la a olhos enxutos a mulher, a

criatura mais bem formada das branduras da piedade, a que por vezes traz consigo do céu um reflexo da divina misericórdia?! Essa, a minha leitora, a carinhosa amiga de todos os infelizes, não choraria se lhe dissessem que o pobre moço perdera honra, reabilitação, pátria, liberdade, irmãs, mãe, vida, tudo, por amor da primeira mulher que o despertou do seu dormir de inocentes desejos?!

Chorava, chorava! Assim eu lhe soubesse dizer o doloroso sobressalto que me causaram aquelas linhas, de propósito procuradas, e lidas com amargura e respeito e, ao mesmo tempo, ódio. Ódio, sim... A tempo vereão se é perdoável o ódio, ou se antes me não fora melhor abrir mão desde já de uma história que me pode acarear enojos dos frios julgadores do coração, e das sentenças que eu aqui lavrar contra a falsa virtude de homens, feitos bárbaros, em nome da sua honra.

AMOR DE PERDIÇÃOCamilo Castelo Branco

Page 2: 1º ano   amor de perdição

b

Camilo Castelo Branco

Uma vida marcada por acontecimentos tão dramáticos quanto aqueles narrados em suas novelas. Assim foi a de Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco, o mais popularmente conhecido Camilo Castelo Branco. Nascido em Lisboa, no dia 16 de março de 1825, o escritor perdeu a mãe logo, aos dois anos de idade. Alguns anos depois, aos dez, perdeu o pai.

Entre 1851 e 1890, e durante quase 40 anos, escreveu mais de duzentas e sessenta obras, com média superior a 6 por ano, redigidas à pena, logo sem qualquer ajuda mecânica. Prolífico e fecundo escritor deixa obras de referência na literatura lusitana.

Apesar de toda essa fecundidade, Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco, não permitiu que a intensa produção prejudicasse a sua beleza idiomática ou mesmo a dimensão do seu vernáculo, transformando-o numa das maiores expressões artísticas e a sua figura num mestre da língua portuguesa. De entre os vários romances, deixou um legado enorme de textos inéditos, comédias, folhetins, poesias, ensaios, prefácios, traduções e cartas – tudo com assinatura própria ou os menos conhecidos pseudônimos tais como:

Manoel Coco Saragoçano A.E.I.O.U.Y Árqui-Zero

Anastácio das Lombrigas

Amor de perdição

TemáticaAmor puro e profundo, modulado em expressões trágicas, que vence as imposições sociais e familiares.

Elemento complicador

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Simão Botelho apaixona-se por Tereza de Albuquerque, são, porém, membros de famílias rivais.

Estrutura da obra20 capítulos mais Introdução e Conclusão:

Introdução: apresentação dos personagens até o encontro de Simão e Tereza Desenvolvimento: impossibilidade de concretização do amor e prisão de Simão

e condenação ao degredo na Índia Complicação: amor impossível que culmina na morte dos apaixonados Clímax: morte de Baltazar Coutinho pelas mãos de Simão Botelho Desfecho: Simão é condenado ao exílio e Tereza, face à impossibilidade de

concretizar seu amor, deixa-se morrer, fato esse que leva Simão à morte. A morte de Simão, por sua vez, faz com que Mariana se suicide.

Personagens

Protagonistas:Simão BotelhoTereza AlbuquerqueMariana

Antagonistas:Baltazar CoutinhoTadeu AlbuquerqueBaltazar Coutinho

Coadjuvantes e Secundários:João da CruzMariana Dona Rita Botelho D. Manuel Botelho

Tempo

Os episódios se desenvolvem de forma linear e em ordem cronológica.

O narrador começa a história com um flash-back. A ordem cronológica se inicia com o casamento do pai de Simão. Veracidade dos acontecimentos é reforçada pela presença de datas. As cartas trocadas pelos amantes são outro importante marcador temporal O teor histórico e veraz é reforçado pelas datas e pelas cartas.

Espaço

A história se dá em Portugal no século XIX. A maioria das cenas ocorrem em Viseu, Coimbra e Porto. Os espaços de Tereza e de Simão são fechados. Nunca se acham em liberdade.

Ele por se manter escondido, ela por ficar enclausurada em casa.

Page 4: 1º ano   amor de perdição

Na cidade do Porto a falta de liberdade acentua-se com a prisão de Simão e o enclausuramento de Tereza no Convento de Monchique.

A morte se mostra, dessa forma, libertadora.

Foco Narrativo

Narrador onisciente, em terceira pessoa. Onisciência intrusa: além de narrar fatos e sentimentos, também os julga e

pondera sobre eles“... Não era sobressalto do coração apaixonado, era a índole arrogante que lhe escaldava o sangue...”

Presença de narrador em primeira pessoa: multiplicidade de narrativas

Linguagem

Os personagens falam de forma popular, aproximando a narrativa do gênero folhetim.

Camilo respeita as diferenças sociais entre os personagens, conferindo aos mais humildes uma linguagem mais viva e espontânea e aos mais abastados uma um pouco mais rebuscada.

Ideologia

Camilo mostra nessa obra uma visão mais ampla da sociedade de sua época como, por exemplo, a moral vigente. Discute a questão do casamento por encomenda. O casamento estava mais voltado para um acordo financeiro do que propriamente para a busca da felicidade. Discute-se, ainda, o poder da burguesia que tem força para mudar as leis, ao seu bel-prazer. Isso fica evidenciado no episódio da prisão de Simão, quando seu pai procura salvá-lo da morte, usando todo o seu prestígio.

A sociedade é vista de forma crítica, Camilo denuncia a hipocrisia burguesa. Nessas passagens já podemos perceber uma certa influência do movimento Realista, o qual se firmava no resto da Europa.

A Igreja é vista de forma negativa. Teresa quando pensa que vai encontrar salvação no convento, se depara com a falsidade, com as intrigas e, sobretudo, com os vícios das freiras.

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