1.guareschi e galante. convergencia midiatica

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    Convergncia midiatica: uma nova forma de participao democrtica Claudia Galante, mestranda do PPG em Psicologia da UFRGS

    [email protected] Dr. Pedrinho Guareschi, professor do PPG em Psicologia da UFRGS

    [email protected]

    1. Introduo

    A sociedade vive hoje uma realidade cujo fator principal de desenvolvimento a informao, dentro de um contexto de inovaes tecnolgicas que caminham em ritmo acelerado. Tal avano tecnolgico, aliado necessidade da troca de informao, criou um ambiente propcio para que os meios de comunicao se desenvolvessem e ocupassem um lugar central e influente na sociedade.

    Vemos nascer um novo paradigma dentro do processo comunicacional: a convergncia dos meios. No emergir deste fenmeno, novas e antigas mdias interagem de forma complexa e inesperada, alterando significativamente nossa relao no s com os meios de comunicao, mas tambm nossas relaes sociais, polticas e culturais. Esta tecnologia possibilita que todos ns possamos ser no s consumidores de informao, mas tambm produtores e, desta forma, expandir nossa participao nos processos democrticos.

    Nosso objetivo chamar o leitor para uma viso crtica acerca das discusses tratadas aqui, a fim de que possamos aproveitar esta tecnologia para que mais vozes possam ser ouvidas. Queremos apresentar o fenmeno, a viso de alguns autores sobre suas concepes e implicaes e tambm nossas prprias impresses. Nosso objetivo no apresentar nenhuma definio ou concluso fechada. A convergncia dos meios um processo que est apenas comeando e estamos todos aprendendo.

    Para possibilitar um entendimento do contexto em que a convergncia dos meios acontece, estruturaremos o trabalho da seguinte maneira: primeiramente vamos expor a concepo do ser humano. Assumimos o ser humano como resultado de suas relaes, experincias e acontecimentos que ocorrem consigo e sua volta. Na medida em que grande parte dessas experincias disponibilizada atravs dos meios de comunicao, em detrimento de vivncias locais, a natureza das relaes se transforma.

    Num segundo momento apresentaremos o fenmeno da comunicao. Temos acompanhado, na contemporaneidade, o surgimento de uma nova produo da subjetividade, na qual as experincias e relaes so pautadas pela mdia. Portanto, crianas, jovens e adultos alteraram suas relaes intersubjetivas a partir das influncias que os meios de comunicao exercem.

    A partir desta contextualizao do ser humano e do fenmeno dos meios de comunicao, vamos trazer o novo paradigma da convergncia dos meios. Este novo processo no um fato isolado, pois est emergindo da complexidade das relaes com as mdias, que vem ocorrendo a partir da revoluo digital. Este novo territrio representa uma novidade nas formas de relaes e interaes sociais e expande representativamente a quantidade de vozes que podem ser ouvidas.

    A grande pergunta que queremos trazer : estamos prontos para expandir a participao ou propensos a conformar-se com as antigas relaes, apenas atravs de um novo espao?

    2. A concepo do ser humano no contexto dos meios de comunicao

    Vivemos hoje dentro de um contexto em que grande parte das experincias acontece atravs de processos miditicos. O surgimento de uma sociedade em rede traz novas formas

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    comunicacionais, e, mais importante ainda, possibilita novos processos discursivos de produo e de construo de identidades. Assim, induz a novas formas de construo social, principalmente no que diz respeito socializao, j que os formatos de interao j no esto atrelados a um tempo e espao determinado.

    Esta nova ambincia comunicacional reflete diretamente nas prticas sociais. A implantao tecnolgica alimentada pelo uso e vice-versa. A aplicao intensa presente em todas as instncias da populao est alterando hbitos e conceitos sobre o uso do ciberespao. O virtual se desloca no espao fsico e cria com ele uma relao complexa de cooperao. A questo de onde se est fisicamente no mais central. Conforme Lvy (1996, p. 22) O universo cultural, prprio dos seres humanos, estende ainda mais esta variabilidade de espaos e das temporalidades. Por exemplo, cada novo sistema de comunicao e de transporte modifica o sistema das proximidades prticas, isto , o espao pertinente para as comunidades humanas.

    Um dos principais apontamentos neste fenmeno o processo de transformao cultural que est intrnseco nesta ambincia. De acordo com Pellanda (2004, p.5), desta maneira se junta atravs da tcnica trs anseios do homem da contemporaneidade: a rapidez, a eficincia de locomoo e o permanente contato com os demais membros da comunidade.

    A subjetividade humana, a qual Thompson (1998) chamou de self, torna-se totalmente dependente deste tipo de experincia. Nas palavras de Thompson (1998, p.202) Enquanto experincias vividas permanecem fundamentais, h uma crescente suplementao das experincias mediadas, que possuem um papel cada vez maior no processo de formao do self.

    Desta forma, faz-se necessrio, para podermos nos aprofundar no estudo da influncia dos processos miditicos, a apresentao de como se d a concepo do individuo. Apontamos ainda, que essa nova configurao social, mediada por computador, mantm a presena de elementos prprios da interao face a face.

    Assumimos o ser humano como sendo o resultado de todas as relaes que o vo construindo e transformando. Dentre estas relaes estabelecidas, ele agrega para si fragmentos diferenciados de cada uma, tornando-se um ser nico. Desta forma, podemos dizer que o ser humano um ser social. Como diz Neves (2004, p.13) o homem , por excelncia, um ser social, visto que ele tem necessidade de outros homens para se construir enquanto tal.

    E j que so as relaes que concebem o ser humano, torna-se imprescindvel definir o que relao. A relao muito mais que a troca entre duas pessoas. Ela ocorre sempre que h a necessidade, para que exista, de uma orientao intrnseca de um ser em direo a outro. De acordo com Guareschi (2005, p. 61), relao existe sempre que uma coisa no pode, sozinha, dar conta de sua existncia, de seu ser.

    Ainda sobre a importncia das relaes na concepo do ser humano, afirma Durkheim (apud Moscovici, 2003, p.180) Um homem que no pensa com conceitos no seria um homem, pois ele no seria um ser social. Restrito apenas a percepes individuais, ele no seria diferente de um animal.

    Como os processos miditicos alteram as relaes e a forma como se do as trocas simblicas, imprescindvel o entendimento do contexto no qual as relaes mediadas por computador ocorrem.

    3. O fenmeno da comunicao

    impossvel imaginar uma sociedade ou entender qualquer fenmeno fora do contexto da comunicao. Em qualquer civilizao, as formas simblicas assumem um papel fundamental medida que a linguagem se desenvolve. A comunicao torna-se ento a relao bsica para essas trocas simblicas. Atualmente, com o advento tecnolgico, seu papel

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    passa a ser cada vez mais central e importante. Houve um tempo em que a produtividade esteve ligada terra, depois indstria. Hoje, o desenvolvimento est diretamente ligado informao. Guareschi (2000, p. 38) diz que foi no bojo da comunicao que as novas tecnologias foram geradas e desenvolvidas. E a informao o novo modo de desenvolvimento responsvel pela produtividade do sistema capitalista nos dias de hoje.

    No h instncia da sociedade que no tenha uma relao profunda com a mdia. Vamos apresentar aqui alguns pontos que demonstram a relevncia dos meios de comunicao.

    Citando Thompson (1995, p. 285) para a maioria das pessoas hoje, o conhecimento que ns temos dos fatos que acontecem alm do nosso meio social imediato , em grande parte, derivado de nossa recepo das formas simblicas mediadas pela mdia.

    A mdia, hoje, constri a realidade, instituindo o que real ou no. Algo passa a existir ou deixa de existir se , ou no, midiado. por isso que a comunicao duplamente poderosa: tanto pode criar realidades, como pode fazer com que elas deixem de existir pelo fato de serem silenciadas. Para complementar esta afirmao, podemos ainda dizer que a mdia tem o poder de valorizar negativa ou positivamente coisas j existentes. Como diz Guareschi (2005, p. 83) as coisas veiculadas pela mdia so boas e verdadeiras, a no ser que seja dito expressamente o contrrio. A mdia prope ainda a pauta de discusso. A grande maioria dos temas e assuntos falados em casa, no trabalho, nos encontros sociais, etc. colocada em discusso pela mdia.

    A concepo do homem e o poder do processo comunicacional foram trazidos por constiturem pano de fundo para emergncia da convergncia dos meios. Desta forma, vamos discutir, em seguida, este fenmeno que altera profundamente nossas relaes com a mdia, e conseqentemente, nossas relaes sociais, polticas e culturais.

    4. A Convergncia dos Meios

    As sociedades contemporneas vivem uma virtualizao dos meios de comunicao, o que adiciona uma outra dimenso ao debate. esta nova realidade que pretendemos analisar. Prevenimos que, devido ao tema ser abrangente e multifacetado, no pretendemos abordar todos os aspectos deste objeto. A complexidade deste fenmeno se d no s pelo aumento das interaes, mas pelo nmero de efeitos que o acompanham. Quando buscamos a compreenso do novo cenrio comunicacional, torna-se limitante a abordagem de um s aspecto. Qualquer anlise desta virtualizao torna-se reducionista sem considerarmos o objeto por vrios ngulos e contradies.

    Faz-se necessrio nesse momento, expormos as discusses que ocorrem no que se refere s definies de termos muito utilizados quando se fala em interaes midiadas. A definio do que virtual e real torna-se imprescindvel para qualquer estudo acerca da virtualizao dos meios de comunicao.

    Esta definio tem sido tema de extenso debate na filosofia contempornea, com destaque aos trabalhos de Pierre Lvy (1996). Segundo o autor, o virtual um complexo problemtico, enquanto o potencial um conjunto de possveis que aguardam por sua realizao. O autor aponta ainda que existe uma certa confuso na anlise do real e do virtual. O real costumeiramente entendido como uma efetuao material, uma presena tangvel. J o virtual visto como a simples ausncia da existncia. Lvy entende que essa abordagem muito restrita e no expressa o todo de seu significado.

    Etimologicamente, virtual deriva do termo medieval latino virtualis, que teria vindo de virtus, isto , fora, potncia. Desta forma, ele exatamente como o real, s lhe faltando a existncia. Dentro deste contexto, o virtual no uma oposio ao real, mas sim ao atual. Virtualidade e atualidade seriam ento duas maneiras diferentes de ser. A atualizao "uma

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    produo de qualidades novas, uma transformao das idias, um verdadeiro devir que alimenta de volta o virtual" Lvy (2006, p. 17). Sendo assim, no se pode tambm confundir o atual com o real, que a ocorrncia de um estado predefinido. A realizao , assim, uma seleo de possveis predeterminados e definidos. Se o possvel uma forma, uma estrutura ou uma reserva, a realizao lhe confere "matria".

    Se o real se assemelha ao possvel, o atual em nada se parece com o virtual, porm, responde a ele. Enquanto o virtual uma problematizao, o atual a sua soluo. O virtual no pode ser confundido com uma desrealizao, nem, portanto, com a passagem do real para um conjunto de possveis. Tambm no podemos pens-lo como um desaparecimento no ilusrio ou uma desmaterializao. Ao contrrio, preciso entender que a virtualizao um dos principais elementos da criao de realidade. Podemos entend-la como uma "dessubstanciao".

    Deste modo, a virtualizao nos traz novas relaes, em que a unidade de tempo est dissociada da unidade de lugar e continuidade de ao, apesar da durao descontnua. Porm, no podemos, erroneamente, entender o virtual como imaginrio, tendo em vista que ele produz efeitos.

    De acordo com Lvy, no que se refere informtica, a execuo lgica de um programa se refere ao par possvel/real. J a interao de humanos com sistemas informticos relaciona-se com a dialtica do virtual e do atual, a qual utilizamos neste estudo.

    Voltando nossa discusso, vivemos hoje a formao de um novo ambiente miditico. As distncias esto cada vez mais virtuais e as conexes em rede so permanentes. Este contexto proporciona uma revoluo impactante no modo de relacionamento dos seres humanos com a comunicao, com conseqncias imensurveis para a forma como as sociedades vivem e se organizam. Todas as aes, interaes, formas de trabalho, relacionamentos, transportes, organizaes e trocas so transformados.

    importante destacar aqui que a virtualizao no presume que as pessoas esto se comunicando por interfaces de computadores pessoais de maneira esttica. Desde o incio da humanidade, a necessidade de mobilidade est implcita ao ser humano. O desenvolvimento das tecnologias de Internet e telefonia e o advento da TV digital proporcionaram a liberao dos fios que, at ento, serviam de cordes umbilicais dos usurios com os computadores, possibilitando uma maneira nova de comunicao. Pierre Lvy (1994, p. 147) mostra que acontece uma (...) amplificao das funes cognitivas porque as pessoas se relacionam no com uma mquina simplesmente: o processo de simbiose.

    A multiplicao de aparelhos com vrias funes incorporadas est cada vez mais acentuada, o que leva a novos usos e combinaes no imaginadas originalmente. Estes aparelhos traduzem a possibilidade de conexo sem limites de tempo e espao.

    Diante deste quadro, em que aparelhos conectados acompanham as pessoas em qualquer lugar, temos um novo cenrio de convergncia de mdia. O fenmeno desta convergncia ainda muito recente e, por isso, sua definio ainda no est bem amadurecida. Pellanda (2004, p. 6) prope que a convergncia de mdias se d quando em um mesmo ambiente esto presentes elementos da linguagem de duas ou mais mdias interligadas pelo contedo.

    Deste modo, possvel navegar em pginas da internet, trocar informaes, assistir TV, ouvir rdio, tudo em tempo real. A forma de interao com o contedo no somente por intermdio de textos e fotos. J se pode contar com udio, vdeos e grficos animados convergindo linguagens em uma nova grande mdia.

    Nesta nova cultura de convergncia, velhas e novas mdias colidem, a mdia corporativa e mdia alternativa se cruzam, o poder do produtor e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisveis. Jenkins (2008, p.27) definiu este fenmeno como:

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    Fluxo de contedos atravs de mltiplos suportes miditicos, cooperao entre mltiplos mercados miditicos e ao comportamento migratrio dos pblicos dos meios de comunicao, que vo a quase qualquer parte em busca de experincia de entretenimento que desejam. Convergncia uma palavra que consegue definir transformaes tecnolgicas, mercadolgicas, culturais e sociais, dependendo de quem est falando.

    Com a crescente expanso deste fenmeno, podemos observar uma mdia invisvel. Por estar em todas as partes, passa a ser despercebida como mdia, criando um novo ambiente de comunicao. Nesta realidade encontramos, acima de tudo, a informao onipresente.

    A mobilidade possui o poder de manter as pessoas em rede estejam elas onde estiverem. No inicio desta dcada, Costa (2002, p. 74) j colocava:

    () parece que o incio do sculo 21 est preparando outra mutao na maneira que as pessoas se comunicam. Se olharmos para a direo certa, ser possvel detectar os primeiros sinais de comunidades virtuais que se distanciam dos desktops e saem do ciberespao. a chegada dos sem fio. A essncia desses novos grupos tem um nome: mobilidade. Eles se conectam por telefones, celulares, palmtops ou pequenos radiotransmissores de curto alcance. So os portteis. O essencial poder estar sempre ligado em qualquer lugar.

    Este um sinal de que o virtual pode potencializar o mundo atual. Antes tnhamos uma ponte entre o virtual e o atual. Hoje, h a possibilidade do indivduo estar envolto durante a vida atual em um ambiente de mdias conectadas. Desta forma, a rede quebra a fronteira rgida que existia entre o atual e o virtual e altera as formas de interao. As experincias da realidade virtual afetam a vida atual, alterando, de forma geral, a relao entre o virtual e o atual.

    Com efeito, a compreenso do ambiente virtual, coexistindo cada vez mais no atual atravs das tecnologias, exige um novo olhar sobre a relao entre estes elementos. Precisamos olhar por vrios ngulos a relao entre elementos que, at ento, tinham limites rgidos. A internet em todo lugar muito mais do que uma facilidade do cotidiano, ou uma onda de oportunidades comerciais; ela tem a potencialidade de mudar conceitos estabelecidos pela rede at esse ponto histrico. A convergncia entre os meios altera a demanda da mensagem de acordo com a necessidade de expresso. No s o emissor, mas o receptor passa a escolher e interagir com as mdias que mais lhe convm, tornando-se tambm autor.

    O mais importante deste processo , que a convergncia, no ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. Esta nova cultura ocorre dentro do crebro dos indivduos e em suas interaes sociais.

    Vemos nascer um novo paradigma. A revoluo digital dos anos 90 presumia que as novas mdias substituiriam as antigas, mas o que encontramos na emergncia da convergncia so antigas e novas mdias interagindo de formas cada vez mais complexas.

    O processo de convergncia est tornando as fronteiras entre os meios de comunicao imprecisas. Desta forma, a relao um a um que existia entre um meio de comunicao e seu uso est se corroendo. As mdias antigas so obrigadas a conviver com as mdias emergentes. Os meios de comunicao so muito mais que sistemas de distribuio e tecnologia, so sistemas culturais, construdos sobre protocolos que expressam uma grande variedade de relaes sociais, econmicas e materiais. Assim, a convergncia de mdia muito mais do que uma mudana tecnolgica, ela altera a relao entre tecnologias existentes, indstrias, mercados, gneros e pblicos.

    A convergncia vai alm de uma mudana tecnolgica, ela representa uma mudana no modo como encaramos nossas relaes com as mdias, tendo implicaes no modo como

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    aprendemos, trabalhamos, participamos do processo poltico e nos relacionamos com as outras pessoas.

    A convergncia refere-se a um processo, no h um ponto final. Estamos vendo a emergncia de um novo paradigma que afetar profundamente nossas relaes sociais, polticas e culturais.

    5. Convergncia dos meios: uma participao possvel? Conforme vimos, o ambiente digital expande o alcance e a esfera da ao das

    atividades dos indivduos. Hoje, o fenmeno da convergncia a maior expresso desta complexidade comunicacional. Ele permite a criao de um sistema de significados e interatividade baseado na liberdade de produo e de busca de informao. Os sujeitos podem, facilmente, se expressarem, se comunicarem e criarem redes de sociabilidade atravs dela.

    Esse novo territrio representa uma novidade nas formas de relaes e interaes sociais. Gera formas de relaes com cdigos e estruturas prprios, no necessariamente inditos, mas uma adaptao de formas conhecidas de sociabilidade s condies de tempo e espao virtuais.

    A atual diversificao dos canais importante porque expande o conjunto de vozes que podem ser ouvidas, mudando assim, a natureza do debate.

    Se informao poder, ento a nova tecnologia, que tem condies de distribuir informao de forma justa e possibilita tambm que os indivduos sejam produtores desta informao, est realmente distribuindo poder. O poder est se deslocando de um governo de cima para baixo, para um novo paradigma, distribudo democraticamente e compartilhado por todos.

    Desta forma, podemos pensar de forma otimista que a convergncia possibilitar a construo de uma esfera pblica no ciberespao.

    Habermas (1962) demonstra que uma parcela importante das conquistas e liberdades que desfrutamos hoje se deveu formao de uma esfera pblica, em que sujeitos, em princpio livres, se reuniam para discutir e deliberar sobre seus interesses comuns. Transferindo para a atualidade, a economia de mercado criou em seus primrdios um espao pblico sustentado pela circulao de mdia impressa que permitiu burguesia desenvolver uma conscincia crtica em relao s autoridades tradicionais, encarnadas no estado e na Igreja. Entretanto, a expanso do aparelho de Estado e do poder econmico, ocorrida no sculo XX, rompeu com o frgil equilbrio em que se sustentava essa forma de sociabilidade, transformando o papel da mdia ao mesmo tempo em que sua base tecnolgica. Desta forma, a esfera pblica passou a ser colonizada pelo consumismo promovido pelos interesses de mercado. A figura do cidado passou a ser a figura do consumidor e do contribuinte. Assim, a mdia passou a ser empregada a servio da razo de estado e a poltica converteu-se em objeto de espetculo.

    A comercializao da comunicao de massa alterou o carter da esfera pblica de maneira fundamental: o que tinha sido, numa poca, um frum privilegiado de debate racional crtico, se transformou em mais um campo de consumo cultural. Nas palavras de Thompson (2007, p.148) A comercializao da comunicao de massa destruiu, progressivamente, seu carter como um meio da esfera pblica, pois o contedo dos jornais e dos outros produtos foi despolitizado, personalizado e transformado em sensacionalismo.

    Analisando alguns estudos de Habermas, Thompson (2007) coloca que, no nvel da poltica nacional e internacional, e nos nveis superiores onde o poder exercido em organizaes civis e comerciais de grande escala, difcil ver como a idia de formao de opinio participativa poderia ser implementada de maneira significativa. No inicio dos anos 90, quando foi feita essa anlise, Thompson props que num mundo em que h ampla escala e

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    complexidade dos processos de tomada de deciso, a idia original da esfera publica, enquanto ligada noo de formao de opinio de maneira participativa, de importncia limitada.

    Aproveitando este vis deixado por Thompson, na emergncia do novo paradigma, podemos pensar sim, por um prisma mais humanitrio e menos tecnocrata, como um meio pelo qual a humanidade tem buscado se reconectar consigo mesma, atravs da gesto de novas formas de comunicao, sociabilidade e reorganizao de uma esfera pblica virtual.

    Turkley (1997, p. 23) nos prope o seguinte questionamento: Ela (comunicao mediada por computadores) satisfar nossas necessidades de conexo e participao social ou minar ainda mais os frgeis relacionamentos? Esta questo representa uma problemtica fundamental diante do paradoxo de uma sociedade cada vez mais fragmentada e desinteressada com as coisas de ordem pblica, paralelamente proliferao cada vez maior de mecanismos tecnolgicos a favor da comunicao.

    Na cultura da convergncia, ao invs vez de falar sobre produtores e consumidores de mdia como ocupantes de papis separados, podemos consider-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras. A convergncia envolve uma transformao tanto na forma de produzir quanto na forma de consumir os meios de comunicao. Desta forma, a convergncia corporativa coexiste com a convergncia alternativa.

    O ciberespao possibilita um espao para que nos tornemos mais livres, envolvidos e bem informados. O que muda que amadores conseguem inserir suas imagens e pensamentos no processo poltico e, qualquer integrao crescente entre poltica, cultura popular e vida cotidiana ajuda a mobilizar os indivduos a pensar em uma cidadania democrtica como estilo de vida. H a possibilidade da entrega dos meios de produo, que a lgica do acesso publico. Neste processo, o monlogo do transmissor ao espectador agradecido tende a desaparecer.

    A cultura da convergncia est provocando constantes alteraes na mdia e expandindo as oportunidades para os grupos alternativos reagirem aos meios de comunicao de massa. Este poder de participao deve ser direcionado a reciclagem, mudana e expanso destes meios, adicionando maior diversidade de ponto de vista, e no a destruir a cultura comercial.

    A velha mdia est se tornando mais rpida, mais transparente e mais interativa. Como coloca Jenkins (2008, p. 310):

    A convergncia no depende de qualquer mecanismo de distribuio especifico. A convergncia representa uma mudana de paradigma um deslocamento de contedo miditico especfico em direo a um contedo que flui por vrios canais, em relao a uma elevada interdependncia de sistemas de comunicao, em direo a mltiplos modos de acesso a contedos miditicos e em direo a relaes cada vez mais complexas entre a mdia corporativa, de cima para baixo, e da cultura participativa, de baixo para cima.

    A mdia alternativa diversifica e a mdia de radiodifuso amplifica. Por este motivo faz-se necessria uma preocupao do fluxo entre as duas.

    muito provvel que a mdia comercial vai monitorar as novas idias e que, pontos de vista alternativos, surjam no ambiente digital, procurando contedos que possa cooptar e circular. Como aponta Jenkins (2008, p. 277):

    Em algum ponto, claro, haver convergncia. Uma caixa. Uma tela. Voc vai checar os emails, fazer comprar e verificar a lio de seu filho na mesma tela. Este talvez seja o momento mais perigoso para o movimento democrtico que est desabrochando o momento em que as corporaes e os anunciantes ameaaro

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    cooptar e corroer a tica democrtica on line. O futuro talvez dependa do que ir exercer maior domnio sobre essa caixa: as regras da velha radiodifuso ou o poder popular da internet.

    Neste ambiente onde velhas e novas mdias colidem, midia alternativa e corporativa se cruzam, o poder do produtor e o poder do consumidor ir interagir de maneira imprevisvel. O discurso da reforma miditica costuma ignorar a complexidade da relao do pblico com a cultura popular, ficando ao lado dos que se opem a uma cultura mais diversificada e participativa.

    fato de que o ciberespao representa uma novidade nas formas possveis de relao e interao. Mas, de acordo com Santos (2005, p.42): As concluses postulam a tese de que a Internet representaria de fato uma inovao social, propiciando inclusive a construo de uma esfera pblica virtual, carece ainda, ao meu ver, de consistncia e evidencias empricas. E acrescenta: No exatamente a esfera publica que est sendo incrementada nesse processo, uma vez que a percepo do outro presente no ciberespao um artifcio utilizado mais para a excluso do que para a incluso.

    De acordo com Santos (2005), este novo espao tem se apresentado muito mais como um mosaico de distintas comunidades que ignoram a existncia de outras comunidades, do que como um espao de compartilhamento e organizao. Desta forma, as interaes mediadas esto muito distantes da viso otimista da construo de esferas pblicas virtuais. As comunidades no ciberespao representam um momento de comunicao com os semelhantes e no com o distinto.

    Viver em comunidade algo implcito e totalmente condicionante ao ser humano. As comunidades se afirmam e so possveis na medida em que h a percepo do eu e do outro, isto , da individualidade e da pluralidade. Porm, esta percepo no est direcionada integrao. Ainda citando Santos (2005, p. 43) o que est por detrs da construo de comunidades virtuais no ciberespao precisamente a tentativa da excluso e da diferenciao, na medida em que as comunidades no devem ser violadas por intrusos.

    Estamos num importante momento de transio, em que as antigas regras esto abertas a mudanas e somos obrigados a renegociar nossas relaes. Estamos preparados para expandir a participao ou propensos a conformar-se com as antigas relaes com as mdias?

    Precisamos focar nas mudanas em sistemas de comunicao e normas culturais, que devem ser compreendidas por meio de ferramentas provenientes do estudo das mdias e da cultura popular. Assim que comearmos a falar em participao, a nfase se deslocar para os protocolos e prticas culturais.

    A nfase deve ser dada na expanso das possibilidades de utilizar a mdia para nossos prprios fins. Precisamos enfrentar os protocolos sociais, culturais e polticos que existem em torno da tecnologia e definir como utiliz-la. Esse poder emergente de participar serve como um vigoroso corretivo s tradicionais fontes de poder, embora elas tambm procurem us-la para seus prprios fins.

    Podemos afirmar que este novo meio propicia novas formas de sociabilidade. Tais recursos tecnolgicos ganharam o encargo de promover e tornar mais gil aquilo que nos define como seres humanos: a comunicao. Mas, diante deste cenrio, a grande pergunta : os sujeitos esto prontos para expandir a participao ou propensos a conformar-se com as antigas relaes, apenas atravs de um novo espao?

    A convergncia no um ponto final, o inicio de um processo. Estamos ainda aprendendo a exercer este poder e iniciando a luta para definir em que condies nossa participao ser permitida.

    Precisamos lutar pelo nosso direito de participar, pelo acesso informao e pelo poder de moldar os processos democrticos. Temos muito a aprender.

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    REFERNCIAS

    ALONGE, Wagner. goras digitais: a emergncia dos blogs no ciberespao e suas implicaes na sociabilidade e cultura miditica. Anais I Congresso Anual da Associao Brasileira de Pesquisadores de Comunicao e Poltica, Salvador, 2006.

    COSTA, Rogrio da. A Cultura Digital. So Paulo: Publifolha, 2002.

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