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 156  Projeto de Educação Popular , Formação Política e Controle So cial em Saúde. (11 e 12 de agosto de 2007) Foto: Acervo do Programa de Formação Continuada em Educação, Saúde e Cultura Populares

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    Projeto de Educao Popular, Formao Poltica e Controle Social em Sade.(11 e 12 de agosto de 2007)

    Foto: Acervo do Programa de Formao Continuada em Educao, Sade e Cultura Populares

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    Os movimentos sociais, a universidade pblica

    e a sociedade

    Texto editado a partir de depoimento de Maria Eleusa Mota Santana1

    Homens e Mulheres: sujeitos da sua prpria histria

    O povo fez tudo, o povo pode destruir tudo, porque pode fazer tudo de novo - Karl Marx

    A transformao maior comea na pessoa, dentro do contexto novo, ou, como disse Frei Beto, a pessoa pensa onde seus ps pisam. O sujeito sem-terra adquire o novo conceito quando se percebe integrante de uma conjuntura excludente. Os movimentos sociais organizados situam mulheres e homens como cidads e cidados de direitos e sujeitos da sua prpria histria. Segundo dicionrio, cidadania condio de cidado que o indivduo no pleno gozo de seus direitos polticos e civis. Os sem-terra, na maioria, nem sequer sabem o que realmente ser cidado e nem seus direitos. Mesmo aqueles que j freqentaram escolas, chegam a um acampamento sem conhecer seus direitos e deveres. O fato de algum decidir acampar e entrar para o MST no sig-nifica que conhece seu direito terra, ao trabalho, educao. Normalmente, vo acampar devido a dificuldades financeiras que esto atravessando em suas vidas. Na maioria das vezes entram em choque com os familiares que no entraram para luta num enfrentamento doloroso.

    As mudanas, o aprendizado e a coletividade

    Nem sempre fcil compreender e aceitar sair do individualismo.

    A mudana maior ocorre com o processo de formao e conscientizao, que se inicia no primeiro contato com os integrantes do movimento. J nas primeiras reunies, aprendem que alm da terra, todo cidado tem direito a sade, alimentao, moradia, vida digna e, principalmente, que no invadiram, e sim ocuparam mais um latifndio de explorao. Descobre-se de repente que a propriedade da terra um dos pilares que sustentam a burguesia, tanto no plano poltico, econmico, como no jurdico. O capitalismo leva ao processo de desumanizao, e, para reprimir, desqualifica as pessoas usando termos como elemento e indivduo fazer referncia a elas. Tais pala-vras do cotidiano so muito significativas: elemento qualquer coisa, parte de um todo e quer dizer perda de identidade; j indivduo para individualizar mesmo, afinal o que eu sou sozinho? Por isso, quando uma famlia entra para o acampamento, ela adquire cidadania, atravs da formao e prtica do dia-a-dia, contudo nem sempre fcil compreender e aceitar sair do individualismo e entrar no coletivo. primeira, fazer com que o afrodescendente se reconhea enquanto negro e negra. A segunda, 1. Aluna do Curso de Graduao em Pedagogia da Terra da Universidade Federal de Minas Gerais, membro do Setor de Educao do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e da Coordenao Colegiada do Programa de Formao Continuada em Educao, Sade e Cultura Populares.

    Por Carlos Alberto Haddad

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    A organizao de um acampamento

    A emoo de no mais ser algum que no incomoda o sistema.

    A organicidade de um acampamento do MST coloca as famlias em ncleos, setores e equi-pes, de acordo com a vocao e a vontade de cada um. Ali so elaborados, conjuntamente, normas e regimento, diviso de tarefas. Principalmente, so estimulados o despertar da solidariedade, a emoo de no mais ser algum que no incomoda o sistema, a sociedade, e ser, agora, um Sem Terra sim senhor, com e por amor. Como diz Stdile ento o que assimilamos do capitalismo foi a diviso do trabalho, mas no na forma capitalista. O capitalismo se utiliza dela para explorar as pessoas, mas a diviso do trabalho foi nascendo do processo de desenvolvimento das foras produ-tivas.

    O capitalismo e as injustias

    Das vrias formas de escravido, a mais grave e acentuada a escravido da mente.

    O MST no luta s pela conquista da terra. Sua luta ampla, desde a conquista permann-cia na mesma, com dignidade. Antes de entrar para o acampamento, a maioria das pessoas no sabe o que capitalismo, para que serve e, quando percebem que eram escravos, despertam para lutar contra todos os tipos de represso e injustias. Imaginem dizer para algumas dessas pessoas, quando tinham carteira assinada, que eram escravizadas. No mnimo no concordariam, pois das vrias formas de escravido, tanto as antigas como as modernas, a mais grave e acentuada a es-cravido da mente. Embora o capitalismo esteja em crise, sabemos que os capitalistas esto bem, muito bem. O capitalismo usa uma arma poderosa para atrair, mobilizar, confundir, manipular e unificar a emoo, que a propaganda, principalmente atravs da televiso que o meio mas-sivo. Com isso, fabricam dolos nacionais. Para os integrantes do MST, os verdadeiros dolos so os camponeses, os ndios, os negros. por isso que a elite no tolera movimentos como o MST, que utilizam uma arma poderosssima, que a melhor propaganda: a conversa. O povo organizado vai adquirindo conscincia atravs do dilogo. Essa relao dialgica no ocorre quando se tem relao de mando, como nas relaes capitalistas. Imaginem uma pessoa que passou a vida inteira pensando que as drogas eram histrias de favelado safado e de repente entende que so produtos da elite, pois pobre no tem dinheiro, usado e explorado pelo trfico.

    A formao de educadores e de suas prprias escolas

    Se aprendemos a falar com palavras, porque a escola nos ensina letra por letra?

    Embora com todo o conhecimento adquirido no perodo de acampamento, nem todos as-similam tudo. Alm da experincia prtica, do cotidiano do acampamento, o movimento tem investido na formao de educadores na criao de suas prprias escolas, uma vez que entendem que a escola tradicional uma escola que serve aos interesses de uma determinada classe social: a burguesia. As crianas, quando nascem, ouvem e aprendem a dialogar no contexto da vida: o dilogo, as brigas familiares, msica, enfim todos os tipos de sons. Quando vo para a escola, so

    Rev. Ed. Popular, Uberlndia, v. 6, p.157-160. jan./dez. 2007

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    obrigados a se despirem de tudo que aprenderam, aceitando que no sabem nada, que a profes-sora sabe tudo e ensinar letra por letra, diferente de tudo que aprenderam com os pais e amigos na prtica. A escola fundamenta-se apenas na teoria, enquanto as pessoas aprendem melhor quando a teoria e prtica ocorrem ao mesmo tempo: o filho de trabalhador rural aprende a lavrar a terra vendo o pai ensin-lo a carpir, assim como o filho de um violeiro aprender mais com a prtica do que com teoria. Por que os contedos so separados da vida?

    Educador, Educadora / Professor, Professora

    Quando no mais existir professor(a) e sim educador(a), a revoluo nas escolas acontecer.

    Quando a escola estiver aberta e integrada com e para a sociedade, estaremos iniciando um processo de revoluo. Assim, quando no mais existir professor e professora, e sim educador e educadora, a revoluo nas escolas acontecer. O educador que se coloca a servio da causa da transformao social, da classe trabalhadora, conscientiza, constri, aprende e ensina, enquanto o professor est mais preocupado com o mercado de trabalho, salrio, realizando um trabalho re-petitivo todo o tempo e vendo os educandos, que tm conhecimentos, como alunos que no pos-suem luz. Por isso, fcil compreender porque os carismticos e evanglicos arrastam multides. A f ajuda o povo a resistir. Pena que os religiosos no a utilizam para libertar seus fiis de todas as injustias cometidas pelo capitalismo selvagem, pois f e luta podem existir juntas.

    Mudanas nas universidades pblicas brasileiras

    A universidade que temos, est longe da universidade que almejo.

    Proponho uma mudana de valores. Em todos os nveis de ensino, os educandos poderiam trazer seus sonhos, seus desejos, suas perguntas, problemas e seus saberes acumulados ao longo da vida. O que mais me aborrece ver que nossas universidades no esto preparadas para valorizar as culturas e os conhecimentos da populao camponesa e da sociedade como um todo. A Univer-sidade que temos, est longe da universidade que almejo. Acredito estarmos longe de mudanas que beneficiem o pblico a que de fato ela deveria atender: educandos oriundos de escolas pbli-cas; o nosso verdadeiro povo brasileiro mestiado - mulato, negros, indios, camponeses, operrios e brancos. Hoje a universidade pblica continua defendendo os valores de uma burguesia intelec-tuamente atrasada.

    A Marcha Nacional de 2005

    A emoo... no consigo explicar com palavras.

    A Marcha Nacional, ocorrida em maio de 2005, saindo de Goinia at Braslia, revelou-se um espao educativo para todos os participantes e envolvidos. Os marchantes, claro, tiveram uma extenso de espao maior, cuja emoo no consigo explicar com palavras, mas tambm os acampados e assentados que no foram marchar, se sentiram l, de algum modo representados por irmo, esposa, marido. Eles tambm ajudaram na marcha com apoio financeiro, moral, poltico ou simplesmente por suportar com dignidade a ausncia dos familiares marchantes. Durante os 17

    Rev. Ed. Popular, Uberlndia, v. 6, p.157-160. jan./dez. 2007

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    dias da Marcha Nacional, foi uma verdadeira acrobacia o desmonte e o levante do acampamento mvel de 12 mil pessoas. Foi uma sincronia alucinante o montar e o desmontar de uma cidade em pouco tempo. Num instante tudo era erguido, aos cuidados de cada setor e equipe responsvel: cozinha, banheiros, secretaria, farmcia, Ciranda Infantil, dormitrios, enfim desde os carros de som at a equipe de segurana, disciplina, limpeza e a Escola Itinerante.

    A Ciranda Infantil e a Escola Itinerante

    Resgatando a valorizao da diversidade cultural e dos valores humanos.

    A Ciranda e a Escola Itinerante tinham ao todo 176 crianas e 85 educadores organizados em ncleos de base, assim como todos da marcha. O ncleo de base Semente era de 0 a 1 ano e meio de idade; o ncleo de base Broto, de 1,5 a 3 anos; o ncleo de base Folha, de 3 a 4 anos; o ncleo de base Flor, de 4 a 5 anos; o ncleo de base Fruto, de 5 a 6 anos de idade. As crianas de 7 a 15 anos estudavam na Escola Itinerante do ensino fundamental, tinham acompanhamento poltico-pedaggico e eram transportados de nibus todos os dias at a escola mais prxima de onde a mar-cha chegaria. Eram todos nucleados e tinham as equipes de segurana, disciplina, sade, higiene, limpeza e dois coordenadores constitudos por um casal.

    Os contedos trabalhados eram temas geradores atravs da interdisciplinaridade com o tema central A Marcha, e, dentro do mesmo, vrios subtemas e atividades como jogos, brincadeiras, teatro, produo de texto; todas resgatando a valorizao da diversidade cultural e dos valores humanos. Foi maravilhoso o desempenho das crianas caminhando em fileiras e puxando gritos de ordem. Assim manifestaram serem sujeitos com direitos, cidados e cidads conscientes em busca de transformao social.

    Rev. Ed. Popular, Uberlndia, v. 6, p.157-160. jan./dez. 2007