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codigo de condutaTRANSCRIPT
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CDIGO DE CONDUTA COMO INSTRUMENTO PARA EDUCAO EM VALORES DE
JOVENS UNIVERSITRIOS: UM ESTUDO COMPARATIVO*
Thereza Carolina Gonalves VIEIRA
Maria Alzira de Almeida PIMENTA
Resumo: Pode o ambiente de ensino, influenciar a formao em valores? Tendo como ponto de
partida, no somente a existncia, mas, principalmente, a persistncia de um dos maiores problemas
da atualidade, na rea da educao o comportamento antissocial dos estudantes universitrios o presente estudo investigou se a existncia e manuteno de um cdigo de conduta nas universidades
poderia figurar como uma nova forma de tratar a questo da educao em valores, como um
instrumento educativo que proporcione a vivncia cotidiana e rotineira dos valores. Dessa forma, o
estudo consistiu num levantamento, descrio e anlise comparativa de duas instituies de ensino
superior que j utilizam, em seu cotidiano escolar, um cdigo de tica: a Universidade de So Paulo
(USP) e o Instituto Tecnolgico de Aeronutica (ITA). Como referencial terico, foram eleitos os
filsofos e autores cujos pensamentos possuem convergncia entre tica, disciplina e educao
como, Savater (2002), Moretto (2007), Arajo (2007), Puig (2007), Schulz (2008), Bombino (2009)
e Dalarosa (2009).
Palavras-chave: Formao em Valores; Comportamento; Cdigo de conduta; tica; Educao
CODE OF CONDUCT AS AN INSTRUMENT FOR EDUCATION IN VALUES OF YOUNG
UNIVERSITY: A COMPARATIVE STUDY
Abstract: Can the teaching environment influence the values formation? Taking as the starting-
point, not only the existence, but mainly the persistence of one of the biggest problems of our time
in education the antisocial behavior of college students the present study investigated if the existence and maintenance of a code of conduct at universities could figure as a new way to address
the question of values education as an educational tool that delivers the daily life and routine of
values. Thus, the study consisted of a survey, description and comparative analysis of two
universities that already use in their everyday school life, a code of ethics: the University of So
Paulo (USP) and the Aeronautics Technological Institute (ITA). As theoretical reference were
elected philosophers and authors whose thoughts have convergence between ethics, discipline and
education as, Savater (2002), Moretto (2007), Arajo (2007), Puig (2007), Schulz (2008), Bombino
(2009) e Dalarosa (2009).
* Esse artigo um resumo de uma pesquisa maior realizada para a dissertao do Mestrado em Educao da
Universidade de Uberaba (8 Turma/2012). Mestranda do Programa de Ps-graduao em Educao da Universidade de Uberaba (UNIUBE). Email:
[email protected] Professora Doutora, do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade de Uberaba (UNIUBE). Email:
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Keywords: Values Formation; Behavior; Code of conduct; Ethics; Education
Introduo
A presente pesquisa teve como ponto de partida, no somente a existncia, mas,
principalmente, a persistncia de um dos maiores problemas da atualidade, na rea da educao: o
comportamento antissocial dos estudantes universitrios.
Por comportamento antissocial, em Gouveia (2009) encontramos diversos outros autores que
tambm j investigaram sobre esse tipo de comportamento e a dificuldade encontrada por eles para
a definio do termo, tanto que, a falta de uma definio clara e universalmente aceita constitui-se
atualmente um problema para os pesquisadores ligados ao estudo dos comportamentos desviantes
(LUENGO et al., 1999 apud GOUVEIA, 2009). Dentre os termos e seus aspectos investigados,
nesse estudo de Gouveia (2009) encontramos que, delinquncia juvenil*, comportamento
delinquente, comportamento anti-social
e comportamento disruptivo
so utilizados algumas
vezes como sinnimos e, em outras, com significados completamente distintos. Tambm em
Pimentel, Gouveia e Vasconcelos (2005) temos que, o comportamento anti-social pode ser
entendido como qualquer comportamento que fere as normas grupais (anti-social, no sentido estrito)
e as normas jurdicas (delitivo).
Sendo assim, para fazer referncia aos comportamentos que ferem as normas estabelecidas
para o convvio em sociedade e dificultam a criao e manuteno de um ambiente de
aprendizagem, optou-se, na presente pesquisa, por utilizar a expresso comportamento antissocial.
Ao observar-se o cotidiano de uma universidade e, tambm, com base no que as notcias e
pesquisas da rea mostram hoje, o que verifica-se que os jovens, mesmo os que cursam uma
universidade, apresentam um comportamento cada vez mais delitivo e antissocial, comportamento
esse que vai contra a vocao de uma universidade que, alm de promover as pesquisas e a
expanso do conhecimento, tem tambm, como dever, estar comprometida com a construo de
uma sociedade mais justa e igualitria.
* (Tate, Reppucci, & Mulvey, 1995 apud GOUVEIA, 2009).
(Davalos, Chavez, & Guardiola, 2005 apud GOUVEIA, 2009).
(Romero, Sobral, Luengo, & Marzoa, 2001 apud GOUVEIA, 2009).
(American Psychiatric Association, 1994 e Loeber, Burke, Lahey, Winters, & Zera, 2000, ambos citados por
GOUVEIA, 2009).
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Em funo disso, surgiu o seguinte questionamento: pode o ambiente de ensino influenciar a
formao em valores dos estudantes universitrios? A partir dessa reflexo, decidimos por
investigar se a existncia e manuteno de um cdigo de conduta poderia figurar como uma nova
forma de tratar a questo da educao em valores, como um instrumento educativo que proporcione
essa vivncia cotidiana e rotineira dos valores, pelos estudantes universitrios, de forma a promover
as relaes existentes no ambiente acadmico, alcanando, dessa forma, a formao do estudante
em todas as suas facetas: profissional e humana.
Assim, as razes que motivaram a presente pesquisa foram, de ordem aplicada, com o
objetivo de refletir sobre a importncia, no s do ensino, mas, principalmente da vivncia de
valores como a tica, a cidadania, democracia e justia no espao acadmico de uma instituio de
ensino superior.
Como objetivo geral, investigou-se de que maneira a existncia de um cdigo de conduta
poderia contribuir para a formao tica, moral, formao de valores e princpios em jovens
universitrios, transformado-os em hbito.
Para tanto, os objetivos previstos foram de: levantar a produo bibliogrfica e documental
existente, relacionada ao tema e problema da pesquisa; identificar e examinar os fundamentos e
pressupostos nos quais foram embasados os cdigos de conduta universitrios j existentes,
analisar como alguns valores como a tica, a moral, cidadania, justia, respeito e responsabilidade
foram abordados e tratados nesses documentos e, por fim, analisar a quem se destina tais
documentos.
A relevncia da pesquisa diz respeito ao fato que, segundo Andr (2009), em relao ao
mundo da educao e seus personagens educandos e educadores muitos estudos foram
produzidos nos ltimos anos sobre os professores da educao infantil, da educao bsica ou
mesmo da educao superior, suas opinies, representaes de seus saberes e prticas, com o
objetivo de conhecer de perto quem esse professor e o cotidiano de seu trabalho de forma a pensar
as melhores formas de atuao na busca de uma educao de qualidade para todos. No obstante,
pouco se tem produzido ou mesmo discutido acerca de outro tema tambm de igual valor e
relevncia nesse meio: a questo do cotidiano, do ambiente da educao superior nas universidades
com foco no comportamento de seus alunos.
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O tema da pesquisa
necessrio questionar se a natureza da universidade no deva trazer a questo da tica,
necessariamente e inerentemente, no apenas como tema da ementa de determinadas disciplinas do
campo filosfico, mas, tambm, imbricada em suas aes e ambiente escolar. Ora, reflitamos: se a
universidade tem por misso formar homens de cultura, profissionais e tcnicos com competncia,
viso crtica e perspectiva humanstica, a tica envolve toda essa concepo (WANDERLEY,
2006, p.62). Dessa forma, a tica deve fazer parte de todas as relaes dos membros que fazem
parte da universidade, mesmo porque
Nas comunidades acadmicas, todas as relaes entre os membros dos diferentes
segmentos docentes, discentes e funcionrios exigem uma base tica. Todas as instncias acadmicas e administrativas devem ser efetivamente democrticas e
orientadas pela tica (WANDERLEY, 2006, p. 62).
Contrariando essa misso de formao humana das universidades, as notcias dos jornais
mostram uma grande quantidade de jovens universitrios envolvidos com o mundo do crime. Como
recentemente**
noticiado, sobre a priso de sete jovens, entre 18 e 21 anos, que, alm de estudarem
em faculdades e universidades de renome, em uma das maiores cidades do pas (So Paulo),
tambm faziam estgio em escritrios de grandes empresas. Na poca dessa reportagem, outros
nove jovens ainda estavam sendo procurados pela polcia, acusados de igualmente fazerem parte
dessa mesma quadrilha. Descontando a linguagem jornalstica, observa-se no texto do Jornal O
Estado de S. Paulo, que esses jovens pareciam ter uma vida tpica de estudantes, pois que,
De dia, eram vistos como universitrios estudiosos, faziam estgio em escritrios
de grandes empresas e mantinham uma vida acima de qualquer suspeita. noite,
praticavam sequestros relmpagos no Brooklin
, na zona sul da capital paulista.
Esse o perfil de uma quadrilha que a polcia prendeu, acusada de praticar mais de
40 sequestros naquela regio neste ano (HADDAD, 2012).
Nessa mesma reportagem, o jornal trouxe tambm uma entrevista com um especialista do
Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clnicas da Universidade de So Paulo (USP), Dr. Ivan
**
Fato ocorrido em julho de 2012.
O Brooklin um bairro nobre da cidade de So Paulo. Atualmente conhecido por ser um dos bairros mais
valorizados da cidade, com grandes conjuntos empresariais e uma agitada vida noturna.
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Mario Braun, cuja opinio que a ao de jovens de classe mdia no mundo do crime deve ser
tratada como uma questo social, no psicolgica, apontando a distoro dos valores sociais como
o grande culpado pela proliferao desse tipo de comportamento observado atualmente nos jovens,
muitos deles, de classe mdia alta e estudantes universitrios. O especialista afirma ainda, que, de
modo geral
[...] podemos dizer que essas quadrilhas de classe mdia existem por causa de
certos valores sociais, que mudaram muito de um tempo para c. Os valores da
sociedade esto direcionados para o dinheiro. [...] preciso avaliar quais foram os valores
nos quais esses jovens foram educados, quais foram as questes psicolgicas,
sociais, familiares. Esse tipo de situao tem mais uma causa sociolgica do que
psiquitrica (BRAUN, 2012 apud NUNES, 2012).
E referente questo de se avaliar quais foram os valores nos quais esses jovens criminosos
foram educados, como nos asseveram Pimenta e Pimenta (2011), mesmo concordando que a
formao moral acontece, prioritariamente, na infncia e adolescncia, a educao superior tambm
pode, contribuir ou, em alguns casos, ainda defini-la.
Transformar essa discusso sobre educao em valores, em aes concretas no cotidiano de
uma instituio de ensino superior no tarefa fcil, mesmo porque demanda um grande esforo de
cada um dos envolvidos nesse ambiente alunos, professores e funcionrios. Assim, questionamos
se no seria melhor que a comunidade acadmica em sua completude educadores, coordenadores,
funcionrios, diretores e alunos tivesse um cdigo de conduta que servisse como guia das aes
cotidianas auxiliando a promover o resgate do ambiente dessa convivncia. O cdigo de conduta
poderia figurar como um dos trs tipos de aes necessrias para a criao de um ambiente tico na
escola, apontadas em um dos estudos de Arajo (2007, p. 61), sendo a introduo de sistemticas
que visam a melhoria e democratizao das relaes interpessoais no dia-a-dia da escola.
Dessa forma, a vivncia da tica cotidianamente pelos estudantes universitrios por meio de
um cdigo de conduta, teria o objetivo final de promover as relaes existentes no mbito de uma
universidade, dos alunos com seus pares e dos alunos com os demais membros da escola,
alcanando com isso, que tal prtica transforme-se em hbito, costume, e, finalmente, a fazer parte
da formao do indivduo.
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Alguns objetivos intermedirios tambm seriam alcanados ao tratarmos de tica, moral e
valores com os estudantes por meio de um cdigo de conduta: provocar reflexes sobre seu
comportamento na vida pessoal extensiva sua futura vida profissional, de forma a contribuir para a
formao integral do ser humano e seu importante papel como cidado; desvelar, em nossa
sociedade, o conceito de tica; desenvolver nos estudantes o senso crtico sobre a consequncia de
suas prprias atitudes e, tambm, das atitudes de cada um; discutir com os estudantes as
implicaes da falta de tica no dia-a-dia da escola, da cidade, do pas e do mundo; confrontar os
estudantes com dilemas para praticar a tomada de deciso tica e, instigar uma reflexo nos
estudantes, sobre o futuro deles como profissional e como cidado compromissado com a
construo de uma sociedade mais justa e tica.
Metodologia
Essa pesquisa teve uma abordagem qualitativa de carter exploratrio tendo como
instrumento o levantamento de dados em documentos disponibilizados estritamente no meio virtual
(online).
Inicialmente foi realizada uma reviso de literatura, a fim de situar em que ponto estavam as
discusses (e se elas existiam), referente formao tica no cotidiano de uma instituio de
educao superior.
Referente ao mtodo utilizado, trabalhou-se com a anlise comparativa de duas instituies
de ensino superior que utilizam, em seu cotidiano escolar, um cdigo de tica: a Universidade de
So Paulo (USP) e o Instituto Tecnolgico de Aeronutica (ITA).
O presente estudo partiu de algumas questes que a investigao pretendeu responder: como
os valores como a tica, a moral, cidadania, justia, respeito e responsabilidade foram tratados em
tais cdigos? Quais foram os fundamentos e os pressupostos nos quais foram embasados esses
documentos? Em que contexto tais cdigos foram criados? Como feita a divulgao da existncia
do cdigo na comunidade acadmica?
Pesquisas foram realizadas tendo como indicadores de busca algumas palavras-chaves
como: cdigo, cdigo de tica, cdigo de conduta, comportamento, educao superior, educao em
valores, ambiente acadmico, conduta, tica, moral e valores. As fontes privilegiadas foram artigos
em peridicos, textos apresentados em eventos cientficos, dissertaes e teses j defendidas, e
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instituies de ensino superior, considerando a no somente as Universidades, mas, tambm, os
Centros de Ensino Tcnico, e as Faculdades.
Alguns bancos de dados online como o Scientific Electronic Library Online (SCIELO), a
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), a Biblioteca Digital
Banco de Teses e Dissertaes da USP foram utilizados nessa busca inicial.
Referente s pesquisas sobre o tema, existncia e aplicao de cdigos de conduta (ou tica)
em instituies de ensino superior, ao utilizar-se a palavra-chave cdigo, isolada e, tambm
associada conduta ou tica, essas buscas nos trouxeram as seguintes informaes:
- um dos mais antigos cdigos de conduta j escritos pelo homem data de 1700 a.C. Trata-se
do Cdigo de Hamurabi
. Este um dos exemplos mais bem preservados deste tipo de documento.
um monumento talhado em rocha o qual dispe sobre regras e punies para eventos da vida
cotidiana (O CDIGO, 2007);
- o resultado mais encontrado foram os cdigos de tica das classes profissionais. exemplo
temos: Cdigo de tica do Advogado, do Mdico, do Engenheiro, dentre outros;
- poucas so as instituies de ensino superior que utilizam uma espcie de regulamento
interno como Cdigo de tica ou de Conduta. As encontradas foram: Universidade de So Paulo
(USP), Instituto Tecnolgico de Aeronutica (ITA), Centros Federais de Educao Tecnolgica
(CEFETs), Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade do Grande Rio
Professor Jos de Souza Herdy (UNIGRANRIO), Universidade de Braslia (UnB), Massachusetts
Institute of Technology (MIT)
, Universidade da Madeira***
, Universidade Tcnica de Lisboa,
dentre outras.
Ressalta-se que, nos sites pesquisados (banco de dados online), no foi encontrada nenhuma
pesquisa, estudo ou mesmo artigo escrito que abordasse a temtica do presente estudo: cdigo de
conduta como instrumento para educao em valores na educao superior.
O Cdigo de Hamurabi um conjunto de leis (282 no total) criadas na Mesopotmia, por volta do sculo XVIII a.C,
pelo rei Hamurabi da primeira dinastia babilnica. Suas leis foram talhadas numa rocha de diorito e dispem sobre
regras e punies para eventos da vida cotidiana. Tinha como objetivo principal unificar o reino atravs de um cdigo
de leis comuns. Para isso, Hamurabi mandou espalhar cpias deste cdigo em vrias regies do reino. As leis
apresentam punies para o no cumprimento das regras estabelecidas em vrias reas como, por exemplo, relaes
familiares, comrcio, construo civil, agricultura, pecuria, etc (O CDIGO, 2007).
O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) um centro universitrio de educao e pesquisa privado
localizado em Cambridge, Massachusetts, nos Estados Unidos). ***
Portugal.
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Sobre o carter dessa pesquisa (exploratria) a mesma teve como objetivo maior
proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torn-lo mais explcito ou a
constituir hipteses (GIL, 2009). E o fato de no ter sido encontrado nenhum estudo anterior, que
abordasse o cdigo de conduta como instrumento para educao em valores na educao superior,
justifica seu carter exploratrio.
Os motivos da escolha das duas instituies (a USP e o ITA) para essa pesquisa, se deram
pelo carter diverso tanto da natureza e origem dessas escolas quanto dos documentos encontrados
nessas duas instituies.
A USP a maior universidade pblica brasileira, bem como uma das universidades mais
prestigiadas do pas. uma das maiores instituies de ensino superior na Amrica Latina, com
aproximadamente 89.000 alunos matriculados, a USP oferece um total de 615 cursos em todas as
reas do conhecimento (entre graduao e ps-graduao)
.
Redigido em 2001, o Cdigo de tica da USP, alm de estabelecer princpios gerais e criar
normas especficas em relao aos diferentes membros da universidade (servidores, servidores
docentes, servidores no-docentes e corpo discente) tambm cita normas de conduta em relao s
Fundaes, aos Convnios, pesquisa, s publicaes, ao uso do nome da universidade e ao registro
de dados e informtica.
Quanto ao ITA, apesar de tambm ser uma instituio pblica de ensino superior, devido ao
fato de ser ligada ao Comando da Aeronutica, uma instituio de carter militar onde estudam
cerca de 2.500 alunos (3% do total de estudantes da USP). Criado em 1950, o ITA foi concebido
nos moldes das universidades norte-americanas. Possui apenas seis cursos de graduao e quatro
programas de ps-graduao em reas ligadas unicamente engenharia, principalmente no setor
Aeroespacial, sendo considerado o mais renomado centro de referncia no ensino de engenharia do
pas, com elevado prestgio, reputao e notoriedade no somente por seus cursos, mas, tambm,
por seu carter disciplinar. Seu Cdigo de tica, ou de Honra, como inicialmente concebido,
conhecido pelo nome Disciplina Consciente o qual, apesar de ser comparvel a um cdigo de
tica dos estudantes, suas normas no se encontram escritas ou mesmo relacionadas em nenhum
documento. Elas so entendidas de forma subjetiva como um dos valores da Instituio. Consiste,
ento, mais do que uma lista de princpios ou de regras, mas, antes, na adoo de um postura, que se
pretende tica, no processo de formao profissional no ITA (DIVISO, [200-?]).
Dados: MANUAL (2012).
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Dessa forma, o presente estudo consistiu num levantamento, descrio e anlise dos
documentos encontrados que tratam da normatizao do comportamento dos discentes no mbito
das duas instituies de ensino superior pesquisadas.
Quanto ao referencial terico, muitos foram os autores e filsofos estudados. Os eleitos
foram os autores cujos pensamentos possuem convergncia entre tica, disciplina e educao como
Charlot (2000), Savater (2002), Kohlberg (2006), Moretto (2007), Arajo (2007), Puig (2007),
Schulz (2008), Bombino (2009) e Dalarosa (2009). Em Aristteles, Rousseau (1995), Kant (1996) e
Vazquez (2001) buscamos auxlio quanto s definies dos conceitos como tica e moral,
apresentados e defendidos em nosso trabalho.
O que a anlise revelou
Consideramos que as duas propostas, o Cdigo de tica da USP e a Disciplina Consciente
do ITA, diferem pela forma e funo. Enquanto o primeiro, um documento em que encontramos,
de forma expressa, as normas disciplinares e de conduta, o segundo, no se trata de um documento,
mas, de um sistema, um modo de vida dos estudantes. Sendo assim, o Cdigo de tica da USP
prev o que fazer em caso de aes ilcitas acontecerem no mbito da universidade, funcionando
como um documento para consulta em caso de necessidade de um respaldo legal para se aplicar
certas penalidades previstas., Na Disciplina Consciente do ITA, o que se objetiva que os
estudantes visualizem e incorporem uma conduta adequada ao ambiente acadmico, propiciando,
dessa forma, a socializao, favorecendo a aprendizagem. Como respaldo, seu Regime Disciplinar
prev os encaminhamentos para os problemas de comportamento.
Dessa forma, temos na prtica da Disciplina Consciente, a moral autnoma de Piaget, pois
que, consiste em "fazer o certo" por se acreditar que essa a melhor forma de se viver em
comunidade. A moral autnoma a noo do Bem, de um ideal, de um valor desejvel dos quais
so derivados os deveres (PIAGET, 1932, apud LA TAILLE, 2008). Entendemos que a DC
educa, enquanto o Cdigo de tica apenas corrige, pune. Sutil, mas, valorosssima diferena!
A anlise dos documentos mostrou ainda que, a vivncia diria de valores, cria um esprito,
uma atitude frente vida acadmica e, tambm, vida pessoal dos estudantes, estabelecendo, dessa
forma: uma relao de confiana recproca, do estudante para o professor e vice-versa; estabelece
Disciplina Consciente
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declaradamente um padro de honestidade, responsabilidade e postura crtica acadmicas; faz com
que os casos de improbidade escolar, nas suas variadas formas, diminuam consideravelmente;
referente aos contratos pedaggicos, esses, podem at ser objetos de negociao, mas a partir do
momento que so definidos, so honrados colaborando inclusive, para que a avaliao seja baseada
no mrito; cria um ambiente saudvel de honestidade e responsabilidade compartilhada e, por fim,
torna-se um marco de excelncia acadmica (ADADE FILHO, 2010).
Dessa forma, podemos observar que a utilizao de um cdigo de conduta como instrumento
educativo pode, sim, proporcionar essa vivncia cotidiana e rotineira dos valores. Pois, para a
criao de um ambiente tico na escola, faz-se necessrio a consolidao de formas, sistemas com o
objetivo de melhorar a democratizao das relaes entre as pessoas no cotidiano da escola
(ARAJO, 2007).
Vale ressaltar que preciso ter cuidado para que o cdigo no seja tratado como simples
palavrrio moral, repetindo conceitos e definies j gastas pelas disciplinas filosficas, quando a
norma que impera no ambiente acadmico o tratamento desrespeitoso entre as pessoas. H que se
cultivar a coerncia entre a teoria, os princpios que se elege e a prtica diria.
Consideramos que dois aspectos emergem, ainda, da anlise suscitada pela pesquisa. O
primeiro diz respeito a nomenclatura usada para esse, que acreditamos ser um instrumento de
formao em valores: o cdigo de conduta. E, ao apresent-lo, defendemos a forma como referi-lo.
Essa opo reporta-se premissa de que a tica, sendo a reflexo sobre a moral (VAZQUEZ, 2012),
abstrata o que demanda a objetivao (definio) de valores e de comportamentos necessrios e
desejveis. A objetivao aconteceria se a partir da reflexo (tica) se definir condutas a serem
construdas. Portanto, defendemos que o instrumento a ser criado, nas IES, seja tratado, nomeado de
Cdigo de Conduta.
O segundo aspecto, relacionado ao anterior, defendermos que ele funcione, a exemplo da
DC do ITA, como um sistema articulado e incorporado a todas as dimenses da vida acadmica.
Para tanto, sua articulao e incorporao vida acadmica precisa ocorrer a partir da compreenso
de que h comportamentos que nos convm e outros no (SAVATER, 2002, p. 76).
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Consideraes Finais
Nesse contexto, considera-se que, mais educativo do que se ter uma lista de princpios ou de
regras expressas em algum documento para ser consultado quando necessrio, indispensvel a
adoo de uma postura tica no processo de formao do estudante de forma com que, todos os
integrantes da comunidade acadmica sejam responsveis pela harmonia e integridade acadmica
do ambiente. E justamente na ordem que no imposta, mas, antes, que aceita de livre e
espontnea vontade, por consentimento, que consiste uma educao em valores.
Consideramos ento, que, para um cdigo de conduta estimular mudanas de
comportamentos ticos, so necessrias as seguintes providncias:
- a universidade deve comunicar, participar e trabalhar cotidianamente os princpios de seu
cdigo de conduta, a todos membros da sua comunidade fazendo com que se torne vivo e atuante e,
- cobrar, continuamente e sistematicamente comportamentos ticos de seus membros,
fazendo assim, com que o comportamento adotado no ambiente acadmico, torne-se costume e
hbito.
Assim temos que, se as normas e regras expressas em um cdigo moral (de tica ou de
conduta) no forem praticadas e vivenciadas cotidiana e rotineiramente, o cdigo torna-se letra
morta, no passando de um texto, um documento o qual deve ser apenas consultado quando
problemas de convivncia surgirem. A no vivncia de suas normas, faz, tambm, com que no seja
debatido tornando-o esttico e apenas mais um documento pro forma.
Sendo uma das finalidades da educao a formao do ser humano, seguir algumas normas e
princpios bsicos para a boa convivncia na micro-sociedade que uma universidade no
importando se essas estejam relacionadas em algum cdigo de tica ou que sejam entendidas e
cultivadas de forma subjetiva pela comunidade acadmica faz-se necessrio e at obrigatrio.
Cabe refletir que, na vivncia diria e cotidiana de normas, regras, valores e princpios
talvez resida a verdadeira chave para se conseguir alcanar um ambiente de boa convivncia social
como algo habitual, costumeiro e normal para o estudante.
Entendemos que a educao acontece em vrios ambientes e tempos, de muitas formas e
conduzida por vrias pessoas. E, por isso, possvel pensar que nas IES tambm ocorra a educao
em valores. Assim, a vivncia diria de valores expressos em um cdigo de conduta, auxiliaria, e
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muito, na fixao desses, at que o agir de forma refletiva e com base em valores socialmente
desejveis, se torne um costume ou mesmo um hbito para os estudantes contribuindo dessa forma,
para a formao de cidados ticos, conscientes e responsveis de seus atos.
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