1945-03 - o tempo lógico e a asserção de certeza antecipada (escritos)

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8/18/2019 1945-03 - O Tempo Lógico e a Asserção de Certeza Antecipada (Escritos) http://slidepdf.com/reader/full/1945-03-o-tempo-logico-e-a-assercao-de-certeza-antecipada-escritos 1/9 o tempo 16gico e a assen;ao de certeza antecipada Um novo sofisma Foi-nos solicitado por Christian Zervos, em mar«o de 1945, contribuir, junto a uma certa gama de escritores, para 0numero de retomada de sua revista,  Les Cahiers d'Art,  concebido com o desfgnio de preencher, com seu laureado sumario, um pa- rentese com os seguintes numeros em sua capa: 1940-1944, significativos para muita gente.  Nos ousamos este artigobem a par de que isso era toma-Io imediatamente intangfveI. Possa ele ressoar uma nota justa entre  0antes e  0depois em que 0situamos aqui, mesmo que demonstre que  0depois se fazia de antedimara para que  0antes pudesse tomar seu lugar. o  diretor do presfdio faz comparecerem tres detentos escolhidos e Ihes comunica  0seguinte: "Por raz6es que nao Ihes tenho de reIatar agora, devo libertar urn de vocesPara decidir qual, entrego a sorte a uma prova  peIa qual terao de passar, se estiverem de acordo. "Voces sao tres aqui presentes. Aqui estao cinco discos que so diferem por sua cor: tres sao brancos e dois sao pretos. Sem dar a conhecer qual deIes terei escolhido, prenderei em cada um de voces urn desses discos nas costas, isto  e ,  fora do alcance direto do olhar; qualquer possibilidade indireta de atingi-lo peIa visao estando igualmente exc1ufda pela ausencia aqui de qualquer meio de se mirar . "A partir daf, estarao  a  vontade para examinar seus compa- nheiros e os discos de que cada urn deles se mostrani portador sem que Ihes seja permitido, naturalmente, comunicar uns aos outros  0  resultado da inspe~ao. 0 que, alias,  0  simples interesse  1198J de voces os impediria de fazer Pois  0  primeiro que puder deduzir sua propria cor  e  quem devera se beneficiar da medida liberatoria de que dispomos.

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o tempo 16gico e a assen;ao

de certeza antecipada

Um novo sofisma

Foi-nos solicitado por Christian Zervos, em mar«o de 1945,

contribuir, junto a uma certa gama de escritores, para  0numero

de retomada de sua revista,   Les Cahiers d'Art,   concebido com

o desfgnio de preencher, com seu laureado sumario, um pa-

rentese com os seguintes numeros em sua capa: 1940-1944,

significativos para muita gente.

 Nos ousamos este artigo,  bem a par de que isso era toma-Io

imediatamente intangfveI.

Possa ele ressoar uma nota justa entre   0 antes e   0depois em

que 0situamos aqui, mesmo que demonstre que  0depois se fazia

de antedimara para que   0antes pudesse tomar seu lugar.

o   diretor do presfdio faz comparecerem tres detentos escolhidos

e Ihes comunica   0 seguinte:

"Por raz6es que nao Ihes tenho de reIatar agora, devo libertar 

urn de voces.   Para decidir qual, entrego a sorte a uma prova

 peIa qual terao de passar, se estiverem de acordo.

"Voces sao tres aqui presentes. Aqui estao cinco discos que

so diferem por sua cor: tres sao brancos e dois sao pretos. Semdar a conhecer qual deIes terei escolhido, prenderei em cada um

de voces urn desses discos nas costas, isto   e ,   fora do alcance

direto do olhar; qualquer possibilidade indireta de atingi-lo peIavisao estando igualmente exc1ufda pela ausencia aqui de qualquer meio de se mirar .

"A partir daf, estarao   a   vontade para examinar seus compa-

nheiros e os discos de que cada urn deles se mostrani portador sem que Ihes seja permitido, natural mente, comunicar uns aos

outros   0   resultado da inspe~ao. 0 que, alias,   0   simples interesse   1198J

de voces os impediria de fazer .   Pois   0 primeiro que puder deduzir sua propria cor  e  quem devera se beneficiar da medida liberatoria

de que dispomos.

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"Sera preciso ainda que sua conclusao seja fundamentada em

motivos de 16gica, e nao apenas de probabilidade. Para esse fim

fica convencionado que, tao logo um de voces esteja pronto ~

formula-la, ele transpora esta porta, a fim de que, chamado a

 parte, seja julgado por sua resposta."

Aceita essa proposta, cada um de nossos tres sujeitos e

adornado com um disco branco, sem se utilizarem os pretos, dos

quais se dispunha, convem lembrar, apenas em numero de dois.

Como podem os sujeitos resolver 0 problema?

Depois de se haverem considerado entre si  par um certo tempo,

os tres sujeitos dao juntos   alguns   passos, que os levam simul-

taneamente a cruzar a porta.   Em separado, cada um fornece

entao uma resposta semelhante, que se exprime assim:

".Sou branco, e eis como sei disso.   Dado que meus compa-

nhelros eram brancos,   achei que, se eu fosse preto, cada umdeles poderia ter inferido   0seguinte: 'Se eu tambem fosse preto,

o ~utro, devendo reconhecer imediatamente que era branco, teria

saldo na m esma hora, logo, nao sou preto.' E os dois teriam

safdo juntos, convencidos de ser brancos. Se nao estavam fazendo

nada, e que eu era branco com o eles. Ao que saf porta afora,

 para dar a conhecer minha conclusao."

Foi assim que todos tres safram simultaneamente, seguros dasmesmas razoes de concluir .

Valor sof[stico dessa solu(:iio

Pode essa solu~ao, que se apresenta como a mais perfeita que

o problema pode comportar, ser atingida na experiencia? Dei-

xamos a iniciativa de cad a um   0 encargo de decidir .

 Nao que aconselhemos, decerto, a fazer a pro va dela ao natural   [1 9 1 1 1

ainda que 0 progresso antinom ico de nossa epoca pare~a h~

algum tempo colocar suas condi~oes ao alcance de um numero

cad~ vez maior: tememos, com efeito, embora s6 se prevejam

aqUI ganhadores, que 0 fato se afaste dem ais da teoria e, por 

outro   lado, nao som os desses fil6sofos recentes para quem 0

cerceamento de quatro paredes e apenas um favor a mais para

o segredo da liberdade humana.   .   _    .A

Mas, praticada nas condi~oes inocentes da flc~ao, a expenen-

cia nao decepcionara, n6s 0 garantimos, aqueles que conservam

urn certo   gosto   pelo espantar-se. Talvez ela se revele, ~ara 0

 psic610go, de algum valor cientffico, pelo menos a nos flar n~que dela pareceu-nos depreender -se ---: por a havermos .expen-

mentado com diversos grupos convementemente escolhldos de

intelectuais qualificados - de um desconhecimento todo espe-

c ial , ne sses s ujei tos, d a reali dade do out ro. . , .

Quanto a n6s, s6 queremos ater -nos aqul ao va~or logIC? da

solu~ao apresentada.   Ela nos parece, de fato, um sofls~a .n?ta~el,

no sentido classico da palavra, isto e, um exemplo slgmflcatlvo

 para resolver as formas de uma fun~ao 16gica no ~OI~~nto

hist6rico em que seu problema se apresenta ao exame fllosohco.

As imagens sinistras do relato decerto se mostrarao contingentes

af .   Mas, por mais que nosso sofisma nao apare~a sem corres-

 ponder a alguma atualidade de nossa epoca, nao e ir~elevante

q ue t ra ga 0 s in al d el a e m t ai s i ma ge ns , e e p or I SSO q ue

conservamos seu apoio,   tal como 0 anfitriao engenhoso de uma

noite 0 trouxe a nossa reflexao.

Colocamo-nos agora sob os auspfcios daquele que as vezes

se apresenta sob a roupagem do fil6sofo, que com m~is freqiiencia

ha que ser buscado, ambfguo, nos ditos do humonsta,   mas que

e sem pre encontrado no segredo da a~ao do politico:   0 bom

16gico, odioso ao mundo.

Todo sofisma se apresenta, de infcio, como um erro 16gico, e aobje~ao a este encontra facilmente seu p .rimeiro. argumento.

Chamamos   A   0 sujeito real que vem conclUIr por Sl, e Bee   os

sujeitos refletidos, com base em cuja conduta ele estabelece sua

dedu~ao. Se a convic~ao de   B,   dirao; fund~menta-s e ~ a ~ xp ec-

tativa de C, a seguran~a daquela devera loglcamente dlsslpar-se

com a retirada desta; reciprocamente para C em rela~ao a  B ;   e

todos dois permimecerao n~ :ndecisao. Nada,   portanto, eXi~e sua

 partida~   se   A   for preto. Oaf resulta que   A   s6 pode deduzlr que

e branco.

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Ao que convem retrucar, primeiro, que toda essa cogita~ao

de  Bee   Ihes e  indevidamente   imputada, ja que a unica situa~ao

que poderia motiva-la neles, a de ver urn preto, nao e verdadeira,

e trata-se de saber se, sendo suposta   essa situa~ao, seu desen-

volvimento 16gico lhes e   erroneamente   imputado.   Ora, nao e

nada disso. Pois, nessa hip6tese,   e a fato de nenhum dos dais

haver   sardo primeiro   que per mite a cada urn pensar-se como branco, e e claro que bastaria eles hesitarem por urn instante

 para que ambos fossem refor~ados, sem possibilidade de duvida,

em sua convic~ao de serem brancos.   E   que   a   hesita~ao estaria

logicamente excluida para qualquer urn que visse dois pretos.

Mas ela tambem esta real mente excluida nessa primeira etapa

da dedu~ao, pois, nao se achando ninguem na presen~a de urn

 preto e urn branco, nao ha como ninguem sair ,   pela razao quese deduz disso.

Mas a obje~ao reapresenta-se com mais for~a na segunda

etapa da dedu~ao de  A.   Isso porque, se foi com r azao que ele

chegou   it   sua conclusao de ser branco, dizendo que, se fosse

 preto, os outros nao tardariam a se saber brancos e deveriamsair, eis que ele tern de voltar atras tao logo a formula, uma vez

que, no momento de ser movido por ela, ve as outros precipi-tarem-se junto com ele.

Antes de responder a isso, recoloquemos bem os termos

16gicos do problema.   A   designa cada urn dos sujeitos como

aquele que esta pessoalmente na berlinda e que se decide ou nao

a concluir sobre si mesmo.   Bee   sao as outros dois, como

objetos do raciocfnio de   A.   Mas, se este pode imputar-lhes

corretamente, como acabamos de mostrar ,   uma cogita~ao que

de fato e falsa, s6 Ihe e possivel levar em conta a comportamentoreal deles.

Se  A,   por ver  Bee   precipitarem-se junto com ele, volta a

suspeitar de ser visto por eles como preto, basta-lhe recolocar aquestao, detendo-se, para resolve-la.   Com efeito, ele os ve

deterem-se tambem: e que, estando cada urn realmente na mesma

situa~ao que ele, ou, melhor dizendo, sendo todos os sujeitos   A   [ 2 0 1 1

como real, isto e, como aquele que se decide ou nao a concluir 

sobre si, cada qual depara com a mesma duvida no mesmo

momenta que ele. Mas, sendo assim, seja qual for  0 pensamento

que   A   impute a  Bee,   e com razao que concluira novamente

que ele mesmo e branco. Pois de novo ele diz que, se fosse

 preto,   Bee   deveriam   ter  prosseguido;   au entao, caso admita

que eles hesitam   -   conforme a argument~~ao pr~cedente,   que

encontra aqui   0apoio do fato e que as fana suspettar   de serem

au nao pr etos eles mesmos   -,   no   minimo   eles dev~r i~m   t o:n~r 

a andar ant es dele   (ja q ue, sendo preto, ele dana a propna

hesita~ao de  Bee   seu alcance exato para eles .concluf r em que

sao brancos). E e  em vista   de, por verem-no de fato branco, eles

nao fazerem nada, que ele mesmo toma a iniciativa de faze-la,

isto e, que todos recome~am a andar juntos, para declarar que

sao brancos.

Mas,   ainda podem objetar -n os qu e, a o eliminar assim   0

obstaculo, nem par   isso refutamos a obje~ao 16gica, e que ela

se reapr esentara identica   com a reiter a~ao do movimento, e

reproduzira em cada urn dos sujeitos a mesma duvida e a mesma

 parada. .

Seguramente, mas e preciso que tenha havldo, urn pro.gresso

16gico realizado, em razao de que, desta vez,  A  so pode tlrar da

 parada comum uma conclusao inequfvoca. Trata-se de que, se

ele fosse preto,   Bee   nao   deveriam ter parado, em absol~to.Pais, no ponto presente,   e   impossivel que eles possam h~sl.tar 

uma segunda vez em concluir que saD brancos: uma umca

hesita~ao,   de fato, e suficiente para eles demonstrarem ~m ao

outro que, certamente, nem urn nem outro sa~ pretos~ Ass~~, se

Bee   pararam,   A   s6 pode ser branco.   Ou seJa,   os tres sUJettos,

desta vez,   saD confirmados numa certeza que nao permite que

renas~a nem a obje~ao nem a duvida.

o   sofisma preserva, portanto,   it   prova de discussao, todo   0

rigor coercitivo de urn processo 16gico, sob a condi~a? de que

integremos nele   0 valor das duas   escansoes suspenSlvas,   que

essa prova mostra confirmar no pr6prio ato em que cada urn dos

sujeitos evidencia que chegou   it   sua conclusao.

Sera lfcito integrar no valor do sofisma as duas  mor;oes suspensas

assim surgidas? Para decidir, convem examinar qual e a papel

delas na so]u~ao do processo 16gico.

Elas s6 desempenham esse papel, com efeito, ap6s a conclusao

do processo 16gico, uma vez que   0ato que suspendem manifesta

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essa propr ia c on clusao.   Logo,   nao   se pode   ob jetar daf   que elas

introduzam na soluc;ao um elemento externo ao pr ocesso logico

em si.

Seu papel, a pe sa r d e cr  ucial na pnitica do processo logico,

nao e  0da exper iencia   na ver ificavao de  uma   hipotese, mas antes

o de   um fato intr f nseco   a   ambigiiidade   logica.

Pelo primeiro aspecto, com efeito, os dados do problema se

decomporiam assim:

I Q )   sao   logicamente possfveis   tres combinavoes dos atributos

car acterfsticos dos su jeitos: dois   pr et os e um   branco,   um   preto

e dois b rancos, tres   br ancos.   Estando a pr imeira excluf d a p el a

observavao de todos,   perm anece em a ber to uma incognita entre

as outras duas, a qual vem resolver :

2Q)   0 dad o da experiencia das movoes suspensas, que equi-

valeria a um sinal pelo qual os sujeitos com unicariam uns aos

outros, de uma forma determinada pelas condivoes da prova,

aquilo q ue Ihes e proi bido comunicar de forma intencional ou

seja,   0 q ue   cada um deles ve d o atri buto dos outros. '

 Nao e bem assim, pois isso ser ia fornecer do processo logicouma conce pvao espacializada, a mesma que transparece toda ~ez

que ele assume   0 aspecto do er r o, e q  ue e a unica a objetar    a

solubilidad e do pr oblema.

E   justamente por    nosso sof isma nao a tolerar q  ue ele se

apresenta como   uma apor ia pa r  a   as for mas da logica classica,

cujo pr estfgio "eterno" retlete a invalid ez   nao   menos reconhecida

com o Ihes sendo propr ia,   Iqual   se ja, que eIas   nunca trazem nada

q ue ja nao possa   ser   visto de um so golpe.

Muito pelo contrar io , a e nt ra da em   jogo dos   fenomenos   aqui   [203]

em   litfgio como significantes faz prevalecer a estrutura tempor al,

e nao espacial, do processo logico. 0 que as   moroes suspensas

denunciam nao e   0   que os su jeitos veem, m as   0   que eles

descobriram positivamente pOl'  aquilo   que niio veem,   a saber,   0

aspecto dos discos pretos.   A r az ao d e elas serem significantes

e constituf da, nao pOl' sua direvao, mas por seu   tempo de parada.Seu valor cr  uc ia l n ao e   0 de uma escolha binaria entre duas

com binavoes justapostas no inerte2 e   d esemparelh ad as p el a e x-

c1usao visual da terceir a, ma s   0  do movimento de verificavao

institufdo pOl' um processo logico em que   0 sujeito transfor mou

as tres combinavoes possfveis em tr es   tempos de possibilidade.

E   tambem por isso que, enquanto   um   s o   sinal deveria   bastar 

 par a a unica escolha imposta pela primeira   interpretavao, erronea,

duas   escansoes   sao necessarias para a verif icavao dos dois   lapsos

d e tempo implicados pela segunda,   e uni ca q ue e v alida.

L onge de ser    um dado da experiencia externa no processo

logico, as mor oes suspensas   sao tao   necessarias   nele que somente

a experiencia pode fazer com que   0 sincronismo que ela s i m- plicam deixe   d e se prod uzir num sujeito de pura logica, e fazer 

com que f  r acasse a funvao delas no processo de ver if icavao.

De f at o, elas   nada representam   ali senao os patam ar es de

degradavao com q ue a necessidade faz surgir a ordem crescente   [204]

d as instancias   d o tempo   que se r egistr am no   pr ocesso   logico,

 par a se integr al' em s ua conclusao.

Com o se   ve na   d etermi na va o l ogic a d os   tempos de par ada

que e las c onstituem, a   q u al , o b jevao do   logico   ou duvid a   d o

sujeito, revela-se a cad a vez como   0desenrolar sub jetivo de   uma

instancia do tempo, ou,   melhor dizendo, com o a fuga do   su jeito

 para uma exigencia formal.I.   E nao   menos   pr 6pr ia das mentes f ormad as por essa tradiyao, como   atesta   0

 bilhete seguinte, q ue   r ece bemos de  ur n e s pfrito   no entanto aventureir o em outros

domfnios,   d e pois   d e uma   noitad a em que a discussao   de nosso fecundo   sof isma pr ovocar a   nas   mentes eleitas d e   ur n colegio   fntimo urn   ver dad eir o panico

conf usional.   E mais,  m algrado   suas primeir as palavras,   esse  bi lhete tr az as mar cas

d e uma   la boriosa elucid ayao:

"Meu   caro   Lacan, eis   ur n bilhete a pressad o a f im de dirigir sua r ef lexao   par a

uma   nova dif iculdade:   na ver dad e,   0 raciocf nio aceito ontem nao e  conclusivo

 pois   nenhum d os   tres estados possf veis   -   000 -  00.-••• - e red utf vei

ao  o utr o   (a pesar   das aparencias): s omente   0 ultimo e  de cisivo.

"Conseqliencia: q uand o A se su poe   preto,   nem   B   nem   C   pod em sair,   pois

nao podem deduzir   d e seu comportamento   se sac pr etos   ou br ancos, porque, se

ur n   for   pr eto,   0 outr o sai,   e   se ele for branco,.   0'outro   sai tambem,   ja   que   0

 pr imeiro nao sai (e vice-ver sa).   Quando A   se  s u poe branco, eles   tambem nao

 pod em   saiL De   modo que,  m ais uma vez, A nao pod e d eduzir   do com portamento

dos outros a  c or de   seu   disco."Assim,   nosso contr ad itor, por   ver  be m demais   0caso, f icou   cego   par a   0 fato

de que   nao e   a safd a   d os outr os,   mas sua es pera,   que   determina   0 juf zo d o

sujeito.   E, por nos r ef utar   efetivamente com uma cer ta   pressa, ele deixou escapar 

o  qu e   tentamos   demonstr ar    aqui: a f unyao   da pr essa n a   16gica.

2. "Irr edutfveis",   como se   expr ime   0contraditor   citado   na nota acima.

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· Essas ins,tancias do tempo,   constitutivas do processo do so-

f lsm a, permltem I:econhecer af urn verdadeiro movimento logico.

Esse pr ocesso eXIge   0exame da qualidade de seus tempos.

 A modularao do tempo no movimento do sof isma:

o instante do olhar,  0

tempo para compreender e   0momento de concluir 

I~o~am-s.e no sofisma tres   momentos da evidencia ,   cujos valores

loglcos Ira~ revelar-se, diferentes e de ordem crescente. Expor 

sua su~essao cronologlca ainda e espacializa-Ios segundo urn

formahsmo que tende a reduzir    0discurso   a   urn alinhamento de

sinais.   ~ostrar que a instancia do tem po se apresenta de urn

mo~o   dlte~'ente em cada urn desses m om entos e pr  eservar-Ihes

a, hler arqula,   revelando neles uma descontinuidade tonal, essen-

clal para seu valor .   Mas, captar na modula(;iio   do tempo a propria

func;:aoyela qual cad a   urn desses momentos, na passagem para

o segumt~, e reabsorvido, subsistindo apenas   0ultim o que os

absorve: e restabelecer a sucessao real deles e compreender 

verd adelram~nte sua genese no movimento logico. Eo que iremos

ten tar a partir de uma formulac;:ao, tao rigorosa quanto possfvel,

desses momentos da evidencia.

l~) ~stando diante de dois pretos, sabe-se que se   e   branco

EIS al uma,  exclusa.o logica   que da ao movimento sua base. Que

el~   ,lhe   seJa antenor, que se possa tom a-Ia pOl' obtida pelos

s~Jelt~s   com   os dados do problema,   os quais impedem a com-

?mac;:ao de tres ~retos,   independe da contingencia dramatica que

Iso,la seu enunclado como pro logo. Ao exprimi-Ia sob a forma

dots pretos   ::   um branco,   ve-se   0 valor    instantiineo   de sua

eVi?e~cia, e seu tempo de fulgurac;:ao, se assim podemos dizer,sena Igual a zero.

M~s, sua formula.c;:ao ja se modula no infcio: pela subjetivac;:ao   [20 51

que al se desenha, amda que impessoal, sob a forma do "sabe-se

q~e: ..", e pela conjunc;:ao das proposic;:6es, que, mais do que uma

hlpotese formal, representa uma matriz ainda indeterminada -

digamos,   essa forma de conseqiiencia que os lingiiistas designam

 pelos termos   protase   e   apodose:   "Estando ... ,   so entao   sesabe

que se e ... "

Uma instancia do tempo   a bre   0intervalo para que   0dado da

 protase,   "diante de dois pretos", transmude-se no dado da

apodose,   "e-se branco": e preciso haver   0 insfanfe do olhar.   Na

equivalencia logica dos dois termos: "Dois pr etos : urn branco" ,

essa modulac;:ao do tempo introduz a forma que, no segundo

momento, cristaliza-se como hipotese autentica, pois vem a visar 

it   verdadeira incognita do problema,   qual seja,   0atributo ignorado pelo proprio sujeito. Nessa passagem,   0  sujeito depara com a

seguinte combinac;:a o l og ic a e,   sendo   0unico capaz de assumir 

o atributo do preto, vem,   na primeira fase do movimento logico,

a formular assim a evidencia seguinte:

2Q)   Se eu fosse preto, os dois brancos que estou venda nao

tardariam a se reconhecer como sendo brancos

Eis af uma   intuir;-ao pela   qual   0 sujeito   objetiva   algo m ais do

que os dados de fato cuja aparencia Ihe e oferecida nos dois

 brancos; ha urn certo tempo que se   define (nos dois sentidos, de

adquirir senti do e encontrar seu limite) pOl' seu fim,   simultanea-

mente objetivo e termino,   qual   se ja , par a c ad a u rn d os d oi s brancos,   0   tempo para compr eender  ,   na situac;:ao de vel' urn

 branco e urn preto,   que   ele detem na inercia de seu semelhante

a chave de seu proprio problema.   A evidencia desse momento

sup6e a durac;:ao de urn   tempo de meditar;-aoque cada urn dos

dois brancos tern de constatar no outro, e que   0sujeito manifesta

n os t er mo s q ue l ig a a os l ab io s d e u rn e d o o ut ro , c omo s e

estivessem inscritos numa bandeirola: "Se eu fosse preto, ele

teria safdo sem esperar urn instante.   Se ele continua med itando,

e pOl'que sou branco."

Mas, desse tem po assim objetivado em seu sentido, com o

medir    0 lim ite? 0 tem po de com preender pode reduzir  -se ao

instante do olhar ,   mas esse olhar, em seu instante, pode incluir 

todo   0tempo necessario para compreender .   Assim,   a objetividade

desse tempo vacila com seu limite. Subsiste apenas seu senti do,

com a forma que gera de sujeitos   indefinidos, a nao ser por sua   [2061

reciprocidade,   e cuja ac;:1iofica presa pOl' uma causalidade mutua

a urn tempo que se furta no proprio retorno da intuic;:ao que   0

objetivou. E all'aves dessa modulac;:ao do tempo que se abre,

com a segunda fase do m ovimento logico,   a v ia q ue l ev a   it

seguinte evidencia:

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3Q)   Apresso-me a me afinnar como branco , para que esses

brancos, assim considerados por mim, nao me precedam,

reconhecendo-se pelo que saD

Eis af a asserriio sobre si, pela qual   0sujeito conclui   0movimento

logico   na decisao de ur n  iu/  zo.   0 propr io r et or no do movimento

de compreender, sob   0 q ual   vacilou a instancia do tempo que   0

sustenta objetivam ente, pr ossegue   no su jeito como uma reflexao,

na q ual   essa instancia ressurge para ele sob   0modo subjetivo

de   um   tempo de demora   em   rela<;ao aos outros nesse mesmo

movimento,   e se apresenta logica me nt e c omo a u rg en ci a d o

momenta de concluir.   Mais exatamente,   sua evidencia revela-se

na penumbra subjetiva, como a crescente ilumina<;ao de uma

franja no limite do eclipse sofrido, sob a reflexao, pela objeti-

vidade do   tempo para compreender.

Com efeito, esse tempo para que os dois brancos compreendam

a situa<;ao q ue os coloca na presen<;a de urn   branco e de urn

 preto parece nao difer ir logicament e, p ar a   0 sujeito, do tempo

que Ihe foi necessario para q ue ele mesmo a compreendesse, jaq ue essa situa<;ao nao   e   outra senao sua propria hipotese. Mas,

se essa hipotese   e   verdadeira, se os dois brancos realmente veem

urn preto, entao eles nao tiveram   q ue sup6-la como ur  n   dado.

Portanto, daf resulta, sendo esse   0casa, q ue os dois brancos   0

 precedem pelo tempo de cadencia implicado, em detrimento dele,

 por ter tido que formar essa propr ia hipotese.   Esse, portanto,   eo momenta de concluir   q ue ele  e   branco; de fato,   se ele se deixar 

 preceder nessa conclusao por seus semelhantes,   niio podera mais

reconhecer   que nao   e   pr eto. Pass ado   0 tempo para compr eender 

o momento de concluir  ,   e   0 momento de concluir   0 tempo para

compreender .   P oi s, d e out ro m od o, esse tem po perderia seu

sentido. Assim, nao   e   em   razao de   uma contingencia dramatica,

da gravid ad e d o q  ue esta em jogo, ou da emula<;ao do  jo go q  ue

o tempo   urge;   e   na urgenc ia do   movimento   logico que   0 su jeito

 precipita   simultaneamente seu jufzo e sua safda, no sentido

etimologico   d o verbo, "de cabe<;a" , dando a  m od ula<;ao em que

a tensao do tempo inverte-se   na tendencia ao ato q ue evid encia

a os outros que   0 sujeito conclui u. M as , d e tenhamo-nos nesse

 pont o e m qu e   0 su jeito, em sua asser <;ao, ating e u ma v er  d ade   [2011

q ue ser a submetida   a   pr o va d a d  uvida,   mas q ue ele nao poder ia

ver ificar se nao a atingisse, pr  imeiramente,   na   certeza. A   tensiio

temporal   culmina af, pois, como ja sabemos,   e   0d.esenrol,ar .   d e

sua d istensao q ue ir a escandir a pr ova de sua nece~sldade loglca.

Qual   0 valor    logico dessa asser<;ao conclusiva ? E   0 que t~~ta-

remos destacar agora no movimento logico em que ela se venf lca.

 A tensao do tempo na asserrao subjetiva

e seu valor manifesto na demonstrarao do sofisma

o  valor logico do terceir o m om enta da evid encia, ~ue se fo~~ula

na asser<;ao pela   q ual   0 su jeito conclui seu movlmento   loglco,

 parece-nos digno de ser aprof undado. Ele revela: de fato,   uma

forma propria a uma  16gica assertiva,   da  qual convem demonstrar 

a que   relaroes   or iginais ela se a plica. ., .

Progredindo   nas rela<;6es   proposicionais dos dOlS pnmelr os

momentos,   ap6dose   e   hip6tese ,   a con jun<;ao aqui manifesta se

vincula a uma   motivariio   da conclusao,   "para que niio haia" 

(demora que gere   0erro), onde parece af lorar a forma o?tologic.a

da angustia, curiosamente refletida na expressao gramatIcal eq Ul-valente,   "por medo de que"   (a demora gere   0erro).:.   .   .

Sem duvida,   essa forma esta relacionada com a ongmahdad .e

logica do sujeito da asser<;ao: em raza~ do que nos ~ .cara?t~n-

zamos como   asserriio subietiva,   ou seja, nela,   0 sU jelto loglco

nao   e   outro senao a for ma   pessoal   do su jeito do conhecimento,

aquele que so pod e ser expr imido por    [eu].   Em outras pala~r ~s,

o juf zo q  ue conclui   0 sofisma so pode ser portado pe~o sU jelto

que formou   a asser<;ao sobre si, e   nao   pode ser -Ih e I mputado

sem r eservas por nenhum outro - ao   contrar io das rela<;6es   d .o

sujeito   impessoal   e do su jeito   inde!inido redpr ~c.o   do~,   d OlS

 pr imeiros m omentos, que sao essenclalmente tranSltIvOS, ja   que

o sujeito pessoal   do movimento logico os assume em cada   u rn

desses   momentos.A referencia a esses dois su jeitos evidencia bem   0valor logico

do sujeito da asser<;ao. 0 pr ime ir o, q  ue se expI:i~e   no,   ".se"   do

"sabe-se que...",   da apenas a forma geral   do sUjelto noetIco: ele

 pod e igualmente ser deus,   m esa ou bacia.   0 segundo,}ue se

exprime em   "os dois brancos"    q ue   d evem re~onh,ecer    um a.o

outro"    introd uz a for ma d o   outro como tal ,   IStO e, como pUla

recipr ~cidade,   pOl'q uanto   urn s6 se.   rec~n~ece   no outro   ,e .~6

desco bre   0 atr i buto q ue   e   seu na eq Ulvalencla do   tempo pro pllo

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de ambos.   0   [eu],   su jeito da assen;ao   conelusiva, isola-se por  

uma   cad encia de tempo   l6gico do outro, isto e, da relac;ao de

reciprocidade. E sse m ovim ento de genese l6gi ca do   [eu]   por 

uma decantac;ao de seu tempo 16gico pr6prio e bem paralelo a

seu   nascimento psicol6gico. Da mesma forma que, para efetiva-

mente recorda-Io,   0 [eu]   psicol6gico destaca-se   d e urn transiti-

vismo especular indeterminado,   pela contri buic;ao de uma ten-dencia   despertada como ciume,   0   [eu]   d e q ue s e t ra ta a qu i

define-se pela subjetivac;ao de uma   concorrencia   com   0 outro

na func;ao   d o   tempo   l6gico. Como tal, ele nos parece dar a forma

l6gica essencial   (muito mais do que a chamada forma existencial)

do   [eu]   psicol6gico.3

o   que evidencia bem   0 valor essencialm ente subjetivo (" as-

sertivo",   em nossa terminologia) da conclusao do sofisma e a

indeterminac;ao em que e mantido urn observador    (0   diretor d a

 prisao que supervisiona   0 jogo,   por exemplo), diante da safda

simultanea dos tres su jeitos, para afirmar de algum destes se ele

concluiu corretamente quanta ao atributo de que e portador .   0

sujeito,   com efeito, captou   0momenta de coneluir que e brancoante a evidencia   subjetiva   de urn tempo de demora que   0apressa

em direc;ao   a   safda, mas, caso nao   tenha captado esse momento,

ele nao age de outra m aneira ante a evidencia   objetiva   da safda

dos outr os, e sai no m esmo passo q ue eles, s6 q ue seguro de   ser 

 preto. Tudo   0 que   0observador pode preyer    e   que , se h a u rn

sujeito que, inquirido,   devera deelarar -se p reto,   por   ter-se apres-

sado atras dos outros dois, ele sera   0unico   a   se deelarar como

tal nesses te r  mos.

Por ultimo,   0 jufzo assertivo manifesta-se aqui por ur n   ato.

o  pensamento   moderno mostr ou   que todo   juf z o e essencialmente

ur n ato e,   aqui, as   contingenci as d ra maticas s6   fazem   isolar    esse

ato no   gest o d a   safda   d os su jeitos. Poder famos imaginar    outr os   r  2 ( ) 1 1 1modos   de expressao do ato de coneluir .   0 q ue constitui   a

singularidad e do ato   d e coneluir ,   na asserc;ao su bjetiva demons-

3. Assim,   0 leu],   terceir a forma   do sujeito d a enuncia~iio na logica,   continua a

ser   af  a " pr imeir a   pessoa",   mas   e   tambem a unica e a ultima.  Pois   a  s egunda

 pessoa   gramatical   decorre d e   uma outr a   fun~iio da linguagem.   Quanto   a   terceira

 pessoa gramatical,   ela   e apenas presumida: e urn demonstrativo, igualmente

aplicavel ao   campo do enunciado e a tud o   0que   nele   se particulariza.

trada pelo sofisma, e que ele se antecipa   a   sua certeza, em razao

da tensao tem poral de que e subjetivam ente carregado, e que,

sob a condic;ao dessa mesma antecipac;ao, sua certeza se confirma

numa preci pitac;ao 16gica que determina a descarga dessa tensao,

 para que enfim a conelusao fundamente-s e e m na o m ai s d o q ue

instancias temporais total mente objetivadas, e que a asserc;ao se

des-subjetive no mais baixo grau. Como demonstra   0   que se

segue.

Primeiro, ressurge   0 tempo objetivo   da intuic;ao inicial do

movimento, que, como que aspirado entre   0instante de seu infcio

e a pr essa de seu fim,   parecera estourar como uma bolha.   Atingido

 pela duvida que esfolia a certeza sub je ti va d o   momenta de

concluir,   eis que ele se condensa como urn nueleo no intervalo

da primeira   nw~iio suspensa,   e m anifesta ao su jeito seu limite

no   tempo par a compreender    que pas sou para os outros dois   0

instante do olhar   e q u e e c hegad o   0momenta de concluir .

Seguram ente, se a duvida, desde Descartes, esta integrada no

valor do juf zo, convem observar que, no tocante   a   forma de

asserc;ao aqui estudada, esse valor prende-se m enos   a   duvida quea suspende do que   a   certe za antecipada   que a introduziu.

Mas,   para com preender a   f unc; ao d es sa d uv id a q  uanto ao

sujeito da asserc;ao, vejamos   0que vale objetivamente a primeira

suspensao para   0observador a quem   ja   interessamos no movi-

me nt o d  e   conjunto dos su jeitos.   Nada alem d is to : e   q ue cada

ur n, se ate entao era impossfvel julgar em que sentido ele havia

conelufdo, m anif esta uma incer te za de sua conelusao, mas cer -

tamente a ter  a   for talecido, se ela estava   cer ta,   ou   talvez r etif icado,

se estava errada.

Se su b jetivamente , c om ef ei to , q  ualq uer urn conseguiu tomar 

a d ia nt ei ra e s e d  etem, e q  ue ele com ec;a a   d u vi da r d e haver 

realmente ca ptad o  0

momento de   conduir    q ue e ra b r  anco; masr ecupera-o   prontamente,   visto   que j a teve a experiencia subjetiva

d ele . Se,   ao contrario, ele   d eixou   os outr os se ad  iantarem e,

assim, fundamentarem nele a conelusao de que ele e p reto, nao

 pode   duvid ar d e h av er     captad o bem   0 momenta d  e coneluir,

 precisamente pOl'q  ue n ao   0 captou sub jet ivamente   (e, a r igor,

 poder ia   ate   encontrar    na   nova iniciativa   d os outros a confir mac;ao   (210)

l6gica   do   acr editar -se dessemelhante deles). Mas, se   ele par a,   e

 porque su bordina tao   estr eitamente   sua   pr6pr i a c onclusao   ao  qu e

evid encia a   conelusao d os   outr os,   que logo   a suspend e   quando

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estes   par ecem   sus pender a   d eles, e pOltant o, poe em   duvid a   que

se ja preto, ate que eles   novamente   Ihe mostr em   0caminho   ou

que ele mesmo   0descubra, segundo   0que concluini, desta vez,

ora ser preto, ora ser br anco: talvez en'ado, talvez certo, ponto

que per manece im penetnivel   a q ualq ue r outro q ue nao ele mesmo.

Mas a incursao 16gica pros segue para   0 segundo tempo   d esuspensao. Se cada urn dos sujeitos recuperou a certeza subjetiva

do   momento de concluir,   ele pode novament e c ol oc a-la   em

duvid a. Mas agora ela e sustentad a pela objetiva<;ao,   uma vez

efetuad a, do   tempo para compreender,   e a duvida colocada   dura

apenas   0 instante do olhar,   pois   0 simple s f at o d e a he sita<;ao

sur gid a nos outros ser a   segunda   basta para eliminar a dele,   tao

logo percebida, ja q ue ela   Ihe   indica de imediato que ele cer ta-

mente nao e preto.

Aq ui,   0 tempo subjetivo do   momento de concluir   o b jetiva-se

enfim. Como prova   0fato de que, mesmo que algum dos su jeitos

ainda nao   0   houvesse captado, agora ele se Ihe torna   uma

im posi<;ao; com efeito,   0  su jeito q  ue houvesse conclufdo a

 primeira escansao indo atras dos outros dois, com   isso convencid o

de ser preto, seria real mente obrigado, pela escansao presente   e

segunda, a voltar atras em seu jufzo.

Assim, a asser<;ao de certeza do sofisma vem, digamos,   ao

termino da confluencia   16gica das d uas   mo<;oes suspensas no ato

em q ue elas se concluem,   dessubjetivando-se ao minimo.   Como

se evid encia em que   nosso o bservad or, se as constatou   sincr onicas

nos tres sujeitos, nao po d e duvid ar q ue   q ualquer    urn   d ele s, n a

inquir i<;ao, deva declarar -se   branco.

Por    f im, podemos ressaltar    q ue, nesse m esmo m om ento, se

cada sujeito pode, na   inq uiri<;ao, expr imir    a certeza   que enfim

conf ir mou, atraves da  asser(:iio subjet iva   que a deu a ele como

conclusao do sofisma, em   termos como estes:   "Apressei-me   aconcluir que eu era branco porqu e, d e o ut ro mod o , eles   se

antecipariam a mim, reconhecendo-se reciprocamente como

brancos   (e porque, se eu   lhes tivesse dado tempo ,   eles me

haver iam, pelo que teria sid o obra minha mesmo ,   mergulhado

no er ro)" , esse pr6pr io su jeito tam bem pode exprimir essa mesma   [2111

cer teza por sua   veri f ica(' -' iiodessub jetivad a   ao   mf nimo   no movi-

mento   16gico, ou seja, nestes t er  mos:   "Deve-se saber que se   e

branco, quand o os   outros hesitaram duas vezes em sair."   Con-

c1us ao q  ue, em   sua primeir a forma, pod e'ser    f or mulad a como

verd ad eira   pelo sujeito, uma v ez q  ue ele constituiu   0movimento

l6gico do sofisma, mas   que s6 pode com o tal   ser assumida   pelo

su jeito pessoalment e - ma s c onc lu sa o qu e, e m su a se gu nda

forma, exige que todos os   sujeitos ten ham consumado a incursao

16gica q ue veri f  ica   0 sofisma, pOl'e m e a plicavel por qualquer 

urn a c ada urn d  eles.   Nao e sequer impossfvel que urn dossujeitos, mas apenas urn, chegue a ela se m   haver constitufdo   0

movimento 16gico do sofisma, e apenas por haver acompanhado

sua verifica<;ao, evidenciada nos outros dois sujeitos.

 A verdade do sofisma como referencia temporalizada de si

 para   0outro: a asser(:iio subjetiva antecipatoria como

 forma fundamental   de Ulna logica coletiva

Assim a verdade do sofisma s6 vem a ser confirmada por   sua

 presu~(,-' iiO,se a~sim podemos dizer, na asser<;ao que ele constitui.

Desse m odo, ela revela   d epender de uma tendencia que a visa

- n o< ;a o q ue s er ia   urn paradoxo 16gico, se   nao se   r ed uzisse   a

tensao temporal   q ue determina   0momento de concluir .

A verdade se manifesta nessa forma como anteci pando-se ao

erro e avan<;ando sozinha no ato que gera sua certeza;   0 er r o,

inversamente, como c on f  irmand o-se por    sua inercia e tendo

dificuldade de se corr igir a o se guir a iniciativa conq uistadora da

ver d ade.

Mas, a   que ti po d e rela<;ao cOlTesponde essa forma 16gica? A

uma forma de ob jetivac;ao que ela gera em seu movimento,   qual

se ja,   a   referencia   d e urn   [eu]   ao denominador    comum   do su jeito

recf  pr oc o, ou   aind a , a os outros como   tais , i sto e, como sendo

outro   uns para os outros. Esse denominad or c omu m e d ad o p or  

ur n   certo   tempo para compreender,   q ue se revela com o   umaf un<;ao essencial   da re!ac;ao   16gica de reciprocidade. E ssa ref e-

rencia do   [eu ]   aos outros com o tais de ve , e m c ad a m omento

cr ftico, ser tem por alizada, para red uzir dialeticamente   0momento   [212]

de concluir    0 tempo para compreend er,   para que ele dure   tao

 pouco quanto   0 instante do olhar .

Basta   f a ze r a par ecer    no termo   16gico dos   outros   a   menor 

dis par idade   par a   que se e videncie   0q uanto a   ver d ad e   d epend e,

 par a tod os,   d o   r igor    d e   cada   urn, e ate m esmo q ue a   verd ade,

send o atingida a penas por uns,   pod e   ger ar, sena o c onf ir mar,   0

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eno   nos outr os . E ta mb em q  ue s e, nessa   conida par a a   verdade,

e   a pen as sozinho,   nao   send o   todos,   que   se   atinge   0verd adeiro,

ninguem   0 atinge,   no   entanto, a   nao ser atr aves d os outr os.

Essas   f ormas d ecerto   encontram   facilmente   sua aplica~ao na

 pnitica,   numa mesa   d e   brid ge ou numa   conf er encia   diplomatica,

ou   ate   no mane jo   do "com plexo"   na   pr atica psicanalftica.Mas gostarfamos   de   indicar sua contr ibui~ao   para   a no~ao

l6gica   de   coletivid ade.

Tr es faciunt    collegium ,   d iz   0 ditado, e a   coletivid ade   ja esta

integralmente r epr esentad a   na   forma   do sofisma,   uma vez   que

se d efine   como u rn gr upo   for mad o   pel as r  elac;6es   recfprocas   de

urn numer o   d ef inid o   d e   indivfduos, ao contr ar io d a  generalidade ,

que   se   define como   uma   classe   que a brange a bstr atamente   urn

numer o   ind ef i ni do d  e   indivfduos.

Mas, basta   desenvolver por recorrencia   a   demonstrac;ao do

sofisma para   ver que ele pode   aplicar-se logicamente   a   urn

numer o ilimitado d e su jeitos,4   posto   que   0 atr ibuto "negativo"

s6  pod e   intervir num numero igual   ao numer o d e sujeitos   menos

um.5 Contudo, a  ob jetivac;ao tempor al   e   mais diffcil   de conceber 

a   medid a   que   a  coletividade   aumenta,   parecendo criar   o bstaculo

a   uma   l6gica   coletiva   com que se   possa complementar    a   16gica

classica.

Mostraremos,   no entanto,   q ue   r esposta   um a tal   16gica   deveriadar    a   inadequac;ao   que sentimos   por   uma   afirmac;ao como" Eu

sou homem", se ja   em q ue   f orma   for da 16gica classica,   trazida

como   conclusao   das pr emissas   q ue se   quiser    (" 0   homem e   urn

animal   r acional" ...   etc.).

Cer tamente mais pr 6xima d e   seu   valor    verd adeir o ela   se

afigura, a presentada como conclusao da   forma   aqui   d emon   strad a

da asserc;ao sub jetiva anteci pat6ria, ou   se ja, como   se segue:

]Q)   Urn homem sabe   0 que nao e urn homem;

2Q)   OS   homens se reconhece m e nt r  e si como   sendo homens;

3Q)   Eu afirmo   ser homem, por m ed o   de ser   convencid o   pelos

homens   de   nao ser homem.

Movimento que fornece a f  or ma   J6gi ca de tod a   assimiIa~ao

"humana" ,  pr ecisamente na medida em que ela   se   coloca   como

assimiladora d  e   uma barbarie e, no entan to , r  eserva   a   determi-

nac;ao   essencial do   [eu] .   .. 6 4.   Eis   0   exemplo com relac;:ao a  qu atm   sujeitos, quatm discos brancos e tres

discos pretos:

 A  p ensa  que,  s e fosse pr eto,   qualquer um,  B,  C ou  D,   poder ia pensar dos dois

outr os q ue, se   ele proprio fosse pr eto, estes nao tardar iam a saber q ue eram

 brancos.   Logo,   um dentre   B,   C ou   D   deveria concluir rapidamente q ue era

 branco,   0que  n ao se evid encia.   Quando   A   se da conta de q ue,   se  0estao venda

como pre~o, B,   C  o u  D   levam sobr e   ele a vantagem d e   nao ter que fazer essa

su posic;:ao,ele   se apressa a concluir q ue e br anco.

Mas,   nao saem todos ao mesmo   tempo q ue ele? Na duvida,   A   para, e todos

tambem.   Mas,   se todos   tambem param;   que quer   dizer   isso? Ou q ue estao se

detend o   as voltas com a mesma duvida de  A,   e  A   pode retomar sua conida sem

 preocupac;:ao,ou entao,   q ue   A   e preto,   e que   um dentr e   B,   C e  D   passou a se

 perguntar se a   safda dos outros dois nao significar ia que ele e pr eto,   bem como

a pensar   q ue,  s e eles estao pal'ados,   nao e por   isso  qu e ele   mesmo seria branco,

 ja q ue   um ou outm poderia ainda se indagar   por um  i nstante se nao seria pr eto;

tambem pod e  considerar que tod os dois deveriam recomec;:ara andar antes dele,

se  e le  p ropr io fosse preto, e  tor na r a andar por  fo r c;:ad essa espera va,  seg um de

ser   0q ue e, ou  s e ja, branco. Por q ue  B ,   C e  D   nao   0 fazem? Pois entao, fac;:o-o

eu,   d iz  A.   E todos retomam a marcha.

Segunda   parada. Admitindo q ue eu se ja   preto,   d iz  A   a si mesmo,   um dentre

B,   C ou  D  d eve agora estar f ixado   no fato de q ue ele   nao poder ia im putar aos

outms dois   uma   nova hesitac;:ao, se fosse pr eto;   portanto,   de   que   ele e branco.

Assim,   B,  C ou  D   devem r ecomec;:ara andar  a ntes dele.   Na falta d isso,   A   retoma

a  m archa, e todos vao  ju nto.   '

Ter ceir a   parada. Mas, nesse caso, tod os   d ever iam   saber q ue suo brancos, se

eu  fos se   r ealmente   pr eto,   diz-se   A.   Logo,   se eles   pal·am...

E a  certeza   e   conf innad a em tres   escansoes   . H/ .s pensivas.

5.   Compar e-se a cond ic;:aod esse   menos-um   no  atr i buto com a f unc;:ao psicana-

lftica do Um-a-mais   no sujeito   da  p sicanalise, p.483-4   d esta coletiinea.

6.   Que   0 leitor que   pmssegu ir nesta   coletiinea volt e a r  ef er encia   ao   coletivo

q ue constitui   0f inal   d este artigo,   par a  situar   0q ue  F r eud   prod uziu   sob  0 registro

d a  p sicologia coletiva   (Massen:   Ps ychologie   und   lchanal yse ,   1920):   0 coletivo

nao e  n ad a senao   0 su jeito d o   ind ividual.