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    V ENECULT- Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura27 a 29 de maio de 2009

    Faculdade de Comunicao/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil.

    REFERNCIAS SOBRE PRESERVAO DE PATRIMNIOS CULTURAIS

    Adalberto S. Santos1

    Resumo: Este artigo resultado de anlise sobre o papel das convenes e cartasinternacionais para criao de diretrizes que norteiam a elaborao de polticas culturaispara preservao de patrimnios culturais dos estados nacionais, enfatizando asdiferentes abordagens que so impostas ao tema da preservao de bens culturais apartir da edio da Carta de Atenas. Num primeiro momento se analisa os determinantespara a proteo dos patrimnios materiais, para depois deter-se sobre os documentosque tratam da preservao de bens de natureza imaterial.Palavras-chave:patrimnio material, patrimnio imaterial, cultura, polticas culturais

    1- Introduo

    A partir da segunda metade do sculo passado, as reivindicaes de distintos

    grupos, comprometidos com aspectos de sua identidade cultural, se converteram em

    disputas na esfera pblica das democracias capitalistas, implicadas nas lutas contra as

    desigualdades e pelo reconhecimento. A cultura se tornou sinnimo de identidade, ou

    melhor, um indicador e diferenciador da identidade e a preocupao com a preservao

    de patrimnios culturais entrou na pauta das discusses de entidades internacionais e

    nortearam as pautas polticas das modernas democracias.

    Ainda na primeira metade do sculo passado, a Carta de Atenas, redigida em

    outubro de 1931, afirmava que medida que o tempo passa os valores se inscrevem no

    patrimnio dos grupos humanos, estejam esses em uma cidade, em um pas ou englobe

    toda a humanidade. Mas a morte inexorvel e atinge tanto as obras como os seres e,

    nem tudo que passado tem, por definio, direito perenidade. Alm disso, o culto ao

    passado no pode desconhecer as regras da justia social, cabendo aos indivduos

    escolher o que deve ser preservado.

    Ai aparece o que, nas dcadas seguintes, se tornar uma preocupao recorrente

    de organismos internacionais, repercutindo nas aes dos estados nacionais modernos.

    O papel de organismos internacionais foi de extrema importncia, ao estabelecer

    1Professor do Instituto de Humanidades, Artes e Cincias Professor Milton Santos/UFBA. Professor doMestrado em Cultura Memria e Desenvolvimento Regional/UNEB

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    diretrizes para os estados, corroborarando para a sistematizao de polticas pblicas

    que ampliaram as aes governamentais para mbitos culturais que ainda no haviam

    participado dos processos de ordenamento administrativo tpicos das sociedades

    modernas democrticas.

    2 Do domnio erudito fruio popular

    A Conferncia Geral da Unesco, realizada em Paris, em 19 de novembro de

    1964, reconheceu que, alm da diversidade de posies constitucionais e de tradies, a

    desigualdade de recursos impossibilitaria a adoo de medidas globais de proteo ao

    patrimnio. Alertou para a necessidade de criao de servios de proteo aos bens

    culturais, em conformidade com a legislao de cada Estado. Para tanto, seria

    necessrio que os Estados dispusessem dos meios administrativos, tcnicos e tambmfinanceiros para o desempenho eficaz da proteo do patrimnio cultural. O documento

    resultante dessa conferncia apontava, ainda, para a necessidade de adoo de medidas

    financeiras para constituio de fundo para proteo do patrimnio cultural, alm da

    adoo de medidas apropriadas para dispor dos recursos necessrios aquisio de bens

    culturais.

    As Normas de Quito (nov./dez. de 1967), ao justificar a adoo de medidas

    financeiras para as aes culturais, elegeram os bens dos patrimnios culturais com

    portadores de valor econmico suscetvel de constiturem-se em instrumentos de

    progresso. Assim, a valorizao do patrimnio passou a ser pensada em funo do

    desenvolvimento econmico-social de cada regio.

    Trata-se de incorporar a um potencial econmico um valor atual, de

    por em produtividade uma riqueza inexplorada, mediante um processo de

    revalorizao que, longe de diminuir sua significao, puramente, histrica

    ou artstica, a enriquece, passando-a do domnio exclusivo de minorias

    eruditas ao conhecimento e fruio de maiorias populares (OEA,

    2000b:111).

    A partir da assinatura desse documento, a vocao de pblico consumidor dos

    bens culturais preservados se modificaria: se antes os bens culturais se dariam fruio

    das comunidades de pertinncia, agora a preservao se daria em funo da atrao de

    um novo pblico. Pois como afirmava a fluncia crescente de visitantes contribui para

    afirmar a conscincia da importncia do patrimnio(op.cit, 112).

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    Inicia-se, assim, um perodo em que os investimentos para restaurao e

    habilitao do patrimnio e os investimentos tursticos so integrados num s plano

    econmico de desenvolvimento geral, seguindo preceitos estabelecidos pela conferncia

    das Naes Unidas sobre Viagens Internacionais e Turismo, ocorrida em Roma em

    1963. A noo de turismo como fator de desenvolvimento tornou-se to forte desdeento que a ONU designou 1967 como Ano do Turismo Internacional.

    Um estudo da Unio Internacional de Organizaes Oficiais de Turismo

    destacou, para justificar o uso dos bens culturais em funo do turismo, que: a

    influncia turstica determinada pela revalorizao adequada de um monumento

    assegura a rpida recuperao do capital investido; a atividade turstica originria da

    adequada apresentao de um monumento traria em si uma profunda transformao

    econmica para a regio em que o monumento estava inserido.

    3 Patrimnio e polticas urbanas

    A Resoluo de So Domingos (dezembro de 1974) introduziu um novo tema no

    debate sobre a preservao de bens culturais, ao afirmar que a salvao dos centros

    histricos era um compromisso social, alm de cultural, e que devia fazer parte da

    poltica de habitao, para que nela se levasse em conta os recursos potenciais que tais

    centros podiam oferecer.

    A Carta de Machu Picchu avanou no sentido de conferir s aes em defesa do

    patrimnio uma maior abertura: seu texto faz referncia identidade e ao carter da

    cidade no apenas por sua estrutura fsica (urbana), apontando tambm sua dimenso

    sociolgica. Esse documento faz distino entre a defesa do patrimnio histrico

    cultural e do patrimnio cultural. Em defesa do patrimnio histrico cultural identifica

    como de fundamental importncia conservao dos valores para afirmar a

    personalidade comunal ou nacional e/ou aqueles que tm um significado para a cultura.

    Em funo disso, aponta a necessidade de conservao e reciclagem das zonas

    monumentais e dos monumentos histricos, considerando-se a sua integrao ao

    processo vivo do desenvolvimento urbano como nico meio que possibilita o

    financiamento da operao.

    At ento se percebe que faltam s polticas para o patrimnio justificativas

    efetivamente culturais que lhes permitam angariar os fundos necessrios para a

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    realizao dos projetos de revitalizao e manuteno de bens culturais. Da a

    necessidade de buscar justificativa em outras fontes como turismo e habitao.

    O papel da cultura no meio urbano foi reconhecido de maneira mais clara

    medida que aumentou a preocupao com o crescimento das cidades e com os

    problemas econmicos, sociais e ambientais que acompanham esse crescimento. Aimportncia da cultura na vida econmica da cidade se pautava a princpio na

    possibilidade de us-la como catalisadora dos processos de reestruturao urbana. No

    entanto, recentemente esse interesse foi ampliado para abarcar questes mais gerais do

    tecido urbano, tais como: os valores comunitrios e as perspectivas de reestruturao do

    desenho urbano em termos ambientais e culturalmente sensatos.

    Atualmente, a cultura ocupa quatro papis na vida das cidades: um centro

    cultural determinado pode conter em si mesmo um smbolo cultural destacado ou uma

    atrao que afeta a economia urbana; por outro lado, a criao de distritos culturais podeatuar como centro de uma zona local; as indstrias culturais, em especial as artes de

    espetculo, podem constituir-se como componente vital da economia da cidade e, por

    fim, a cultura pode ter um papel mais presente no desenvolvimento urbano mediante o

    fomento da identidade comunitria, da criatividade, da coeso e da vitalidade, por meio

    das caractersticas culturais e prticas que definem a cidade e seus habitantes

    (MASCARELL, 2005).

    As repercusses econmicas das manifestaes culturais so bem conhecidas:

    incluem a influncia das atividades culturais na economia local por meio do gasto com

    bens e servios culturais por parte dos consumidores; a influncia dos gastos indiretos,

    incluindo o lucro obtido por meio dos negcios e dos indivduos que tm relaes com

    estas atividades, como restaurantes e servios de transportes; os efeitos sobre o emprego

    tambm so importante (em alguns casos, o setor cultural pode substituir os empregos

    perdidos nos processos de transio industrial); a cultura pode ter maiores repercusses

    econmica para a revitalizao urbana por meio das oportunidades de diversificao da

    base econmica local que oferece. Isso pode revestir-se em importncia especial para

    regies que sofrem uma decadncia industrial em poca ps-fordista; finalmente, pode

    haver tambm ganhos externos em longo prazo com um potencial econmico real,

    sobretudo se a melhoria do entorno cultural conduzir a uma maior coeso social, um

    maior sentimento de orgulho cvico, reduo de ndices de criminalidade e maior

    dinamismo econmico. Esses fatores podem ser importantes para melhorar a imagem da

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    cidade havendo, conseqentemente, imigrao de capital e estabelecimento de novos

    negcios.

    Os fenmenos descritos acima refletiram na formulao da poltica urbana nas

    esferas nacional, regional e local no transcurso das ltimas dcadas em uma srie de

    pases. Nos anos 50 e 60 comeou-se a atribuir mais claramente s artes, sobretudo asartes belas artes, uma importncia na vida urbana. Durante os anos 70 houve um perodo

    de consolidao poltica em torno da idia de desenvolvimento pessoal e comunitrio,

    participao, igualitarismo, democratizao do espao urbano e fomento de uma

    percepo mais intensa dos aspectos culturais, sociais e ambientais da vida urbana.

    Nas dcadas de 1980 e 1990, ideais mais brandos sobre a cultura no cenrio

    urbano vo ceder diante de ideais mais duros do potencial econmico do

    desenvolvimento cultural urbano: a maximizao dos rendimentos econmicos em

    termos de salrios e emprego para a economia local, a promoo das imagens decidades como sendo centros econmicos dinmicos e a cooptao da cultura como fora

    econmica positiva na regenerao social e fsica de zonas urbanas em decadncia.

    Atualmente pode-se considerar que o centro de ateno poltica est tratando de

    reconciliar-se com o fenmeno da globalizao e sua influncia na vida econmica e

    social da cidade. Nesse processo possvel discernir os diversos antecedentes da

    poltica urbana anteriormente descrita. Entre eles esto o interesse pela importncia das

    artes e da criatividade e o reconhecimento da importncia do pluralismo e da

    diversidade cultural dentro do contexto mundial. Associa-se a isso um reconhecimento

    das poderosas foras econmicas que atuam em torno da aquisio de bens culturais.

    A atualidade poderia ser caracterizada, portanto, como uma poca em que se

    busca um modelo dentro do qual se pode representar adequadamente consideraes

    tanto culturais como econmicas. E em que possvel desenvolver polticas que

    equilibram os mltiplos objetivos econmicos, culturais, sociais, ambientais e outros do

    desenvolvimento urbano e que outorga um papel diferenciao local em uma

    economia internacional globalizada.

    Esse modelo proporciona a idia de cidade sustentvel, uma forma urbana que

    combina: ateno s preocupaes ambientais, por meio de medidas como a melhoria

    do transporte pblico, eficincia energtica, reciclagem e eliminao de resduos, uso

    dos espaos abertos, etc., e um reconhecimento dos valores culturais de identidade,

    criatividade e participao, que podem realizar-se por meio da planificao urbana.

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    Nesse contexto, o conceito de capital cultural uma maneira til de descrever o

    lugar da cultura no cenrio urbano. Os edifcios histricos, as instituies culturais, os

    centros como teatros, salas de concertos, oficinas artesanais, estdios de artistas e

    demais espaos podem ser considerados como ativos de capital. As pessoas que

    produzem bens e servios culturais nesses centros atores, msicos, artesos, escritores,tcnicos, desenhistas, administradores e muitos outros contribuem, com o passar do

    tempo, para a gerao de valor econmico e cultural.

    O fomento da coeso e da identidade social, mediante o desenvolvimento

    cultural local, pode ser interpretado como dirigido rede de relaes e interaes

    culturais que sustentam a comunidade urbana e lhe d significado. Esses fenmenos so

    exemplos de capital cultural intangvel: a reserva de prticas, costumes, tradies, etc.,

    que a gerao atual herdou e que adaptar e aumentar antes de transmiti-la s geraes

    futuras. Pode-se considerar que os projetos e as estratgias de desenvolvimento urbanoimplicam todos estes tipos de capital; os benefcios so medidos em termos tanto

    econmicos como culturais (MASCARELL, 2005).

    4 Cultura como fator de integrao e coeso social

    A Declarao do Mxico (1985) reconheceu que as transformaes ocorridas no

    mundo teriam modificado o lugar do homem no universo e a natureza de suas relaes

    sociais. Assim, para uma maior colaborao entre as naes preciso garantir o respeito

    ao direito dos demais e assegurar o exerccio das liberdades fundamentais do homem e

    dos povos e do seu direito autodeterminao.

    A noo de respeito autodeterminao dos povos e das naes amplia o

    significado e alcance dos bens culturais, definindo a cultura como o conjunto dos traos

    distintivos espirituais, materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma

    sociedade e um grupo social. Deste modo, o patrimnio cultural de um povo

    compreende as obras de seus artistas, arquitetos, msicos, escritores e sbios, assim

    como as criaes annimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores que do

    sentido vida (ICOMOS, 2000:271). Ou seja, as obras materiais e imateriais que

    expressam a criatividade de um povo: a lngua, os ritos, as crenas, os lugares e

    monumentos histricos, as obras de arte, os arquivos e as bibliotecas.

    Essa compreenso vai permitir aos Estados ampliar suas polticas de promoo e

    proteo do patrimnio ao incorporar ao vocabulrio cultural a noo de patrimnio

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    imaterial ou intangvel. Essa noo permite que os Estados incorporem s suas aes

    segmentos da produo cultural para os quais ainda no havia legislao especfica,

    ampliando, assim, suas aes aos produtos imateriais ou intangveis e, dentre esses, aos

    produtos culturais oriundos das tradies populares.

    A partir de ento, pode-se afirmar que o patrimnio, nos seus mais diversosmbitos, passa a ser questo de poltica de Estado, originando um novo campo para o

    mercado de produo de bens simblicos no qual Estado, Empresa e Sociedade Civil

    protagonizam aes ainda pouco definidas.

    4.1 - Patrimnio e desenvolvimento socioeconmico

    Emergiu nos anos 90 uma concepo de desenvolvimento na qual a prosperidade

    econmica era pensada como decorrente do desenvolvimento humano, sendo quedesenvolvimento humano, nesse caso, significava aprimoramento cultural. As polticas

    pblicas deviam considerar como requisito bsico o desenvolvimento cultural das

    populaes. Isso porque a cultura era considerada uma poderosa ferramenta de

    transformao, alm de possibilitar o auto-reconhecimento, seja como indivduo ou

    como parte de uma comunidade.

    A partir de ento, ampliou-se a lgica de produo capitalista a mbitos da

    produo cultural que at ento lhe eram estranhos. O Estado encontrou, assim,

    justificativas culturais para promoo e proteo do patrimnio cultural de seu povo,

    seja esse patrimnio material ou imaterial. No entanto, as polticas culturais

    desenvolvidas a partir dos anos 90 ainda estavam impregnadas de valores oriundos dos

    modelos de desenvolvimento cultural do passado e centravam-se no culto a valores e

    tradies ou preservao da memria histrica.

    Desenvolver uma poltica cultural empreender uma ao de desenvolvimento

    humano que compreenda etapas como o fomento produo, distribuio e

    circulao dos bens culturais. Tanto o fomento quanto a distribuio devem considerar

    essencialmente o favorecimento da expresso e do consumo culturais por parte dos

    diversos segmentos sociais. Em outras palavras, isso significa contribuir para a insero

    social e a adoo de uma poltica que privilegia a diversidade e a multiplicidade

    cultural.

    5 Patrimnio imaterial como poltica de Estado

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    Ao instituir o debate sobre a cultura intangvel, a Unesco incorporou ao conceito

    de patrimnio cultural dos diversos povos e naes aspectos tradicionalmente ligados ao

    artesanato popular, dana e a toda forma de saberes e fazeres transmitidos

    culturalmente no mbito das comunidades. Por patrimnio intangvel ou imaterial seentende:

    A totalidade das criaes de base tradicional de uma comunidade

    cultural, expressadas por um grupo ou por indivduos e reconhecidas como o

    reflexo das expectativas de uma comunidade na medida em que refletem sua

    identidade cultural e social; seus padres e seus valores so transmitidos

    oralmente, por imitao ou por outros meios. Suas formas so, entre outras,

    lngua, literatura, msica, dana, jogos, mitologia, rituais, hbitos,

    artesanato, arquitetura e outras artes. Alm desses exemplos, sero levadas

    em conta tambm, as formas tradicionais de comunicao e informao(BO, 2003:78).

    As reavaliaes dos estudos das tradies culturais populares e das formas de

    sua transmisso, ocorridas no mbito das cincias humanas, influenciaram os debates

    travados na Unesco sobre essa temtica. Um dos primeiros resultados foi a adoo da

    Conveno Universal do Direito do Autor (1952) que, ao criar parmetros para a

    proteo dos direitos autorais, permitiu que se pudesse adotar medidas para proteger as

    manifestaes folclricas. Esse tema entrou formalmente em pauta na Conveno de

    Estocolmo (1967), que previu aes jurdicas de proteo para obras no publicadas, emque a identidade do autor desconhecida.

    Mas foi s quando se separaram as questes relativas ao patrimnio intangvel

    dos aspectos inerentes s legislaes que versavam sobre a propriedade intelectual, que

    esse tema sofreu um tratamento interdisciplinar e se estabeleceram linhas mestras de

    ao nesse mbito. Portanto, na Conferncia Geral da Unesco, realizada em 15 de

    novembro de 1989, em Paris, foram enfatizadas a importncia social, econmica e

    poltica das culturas popular e tradicional. A fragilidade de algumas de suas formas de

    expresso foi reconhecida e ficou estabelecido que os Estados-Membros aplicassemdisposies para salvaguard-las, adotando medidas legislativas e financeiras para

    manuteno dessas expresses.

    nesse sentido que a Carta de Braslia, assinada pelos pases que compem o

    cone sul da Amrica (Brasil, Argentina, Uruguai), refere-se aos diferentes matizes que

    compem a herana cultural desses povos: culturas pr-colombiana, indgena, europia

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    colonizadora, herana crioula e mestia e, finalmente, o legado das diferentes migraes

    a partir do final do sculo XIX.

    Esse documento aponta a necessidade de se conscientizar da existncia de todas

    essas culturas, conquistando-as por meio do esforo de compreend-las e aceit-las.

    Afirma tambm que a autenticidade desses valores se manifesta, se alicera e se mantmna veracidade dos patrimnios que so recebidos e transmitidos. Nenhuma cultura ter o

    direito de considerar-se nica e legtima; nenhuma ter o direito de excluir s outras

    (BRASIL, 2000b).

    No entanto, embora esse documento defina a identidade como uma forma de

    pertencer e participar centra-se no primeiro termo. Pois valoriza a identidade histrica e

    busca, por meio das tradies culturais dos povos, a manuteno de suas identidades.

    Mas se identidade se define tambm pelas formas de participao na construo das

    sociedades, a preocupao deveria convergir para as relaes que se travam no presentepara garantir a sobrevivncia das tradies.

    Alm dos choques que historicamente marcam os encontros entre os diversos

    matizes que compem a cultura nacional, na atual fase de produo da cultura somam-

    se o embate entre essas tradies histricas e os novos modos de participao social.

    Na medida em que o desenvolvimento social, por meio da indstria turstica ou de

    projetos de urbanizao, criou um intenso processo de (re)significao, do qual no se

    pode subtrair a relao com a indstria cultural.

    Caberia mudar o sentido das discusses sobre o processo de hegemonia de

    modelos culturais para incluir as relaes que as diferentes formas de expresses

    culturais (cultura erudita, cultura popular, indstria cultural, cultura nacional, cultura

    transnacional) travam para participar de um mundo marcado por processos globais

    massivos.

    A Unesco define como patrimnio cultural imaterial as prticas, as

    representaes, as expresses, os conhecimentos, as tcnicas, os instrumentos, os

    objetos, os artefatos e os lugares que lhes so associados e as comunidades, os grupos e,

    em alguns casos, os indivduos que se reconhecem como parte integrante do patrimnio

    cultural. Esse patrimnio transmitido de gerao em gerao e constantemente

    recriado pelas comunidades e grupos em funo de seu ambiente, de sua interao com

    a natureza e de sua histria, gerando um sentimento de identidade e continuidade,

    contribuindo, assim, para promover o respeito diversidade cultural e criatividade

    humana.

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    Cabe esclarecer o que vem a ser um bem patrimonial. Por bens patrimoniais

    Fonseca (2005) entende os bens culturais que sofrem intermediao do Estado por meio

    de agentes autorizados e de prticas socialmente definidas e juridicamente

    regulamentadas, fixando-se sentidos e valores, priorizando-se uma determinada leitura:

    seja a atribuio de valor histrico, enquanto testemunho de um determinado

    espao/tempo vivido por determinados atores: seja de valor artstico, enquanto fonte de

    fruio esttica (...), seja de valor etnogrfico, enquanto documento de processos e

    organizaes sociais diferenciados(p. 42).

    Embora a Constituio brasileira de 1988 abra espao para aes que ampliem o

    leque dos bens culturais aos quais se poder outorgar o ttulo de patrimnio nacional,

    definindo no seu Artigo 216 comopatrimnio cultural brasileiro o conjunto de bens de

    natureza material e imaterial que se referem ao, memria e identidade dos

    grupos formadores da sociedade brasileira, ainda so recentes as aes que visamincluir os bens culturais de natureza imaterial no rol dos bens considerados como

    patrimnio nacional.

    O nico instrumento legal nesse mbito o Decreto 3551, de 04 de agosto de

    2000, que instituiu o registro de bens culturais de natureza imaterial e criou o Programa

    Nacional do Patrimnio Imaterial. O Artigo 1 desse instrumento legal, ao instituir o

    registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem o patrimnio cultural

    brasileiro, estabeleceu a criao de quatro livros de registros. At o presente momento o

    IPHAN concluiu 16 (dezesseis) processos e tem outros em andamento:

    Livro de Registro dos Saberes para os conhecimentos e modos de fazer

    enraizados no cotidiano das comunidades.

    Registros Concludos:

    Ofcio das Paneleiras de Goiabeiras

    Kusiwa Linguagem e Arte Grfica Wajpi

    Modo de Fazer Viola-de-Cocho

    Ofcio das Baianas de Acaraj

    Modo artesanal de fazer Queijo de Minas, nas regies do Serro e das

    serras da Canastra e do Salitre

    Roda de Capoeira e Ofcio dos Mestres de Capoeira

    O modo de fazer Renda Irlandesa produzida em Divina Pastora (SE)

    Livro de Registro de Celebraes para os rituais e festas que marcam a vivncia

    coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e outras prticas da vida social.

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    Registro concludo:

    Crio de Nossa Senhora de Nazar

    Livro de Registros das Formas de Expresso para as manifestaes literrias,

    musicais, plsticas, cnicas e ldicas.

    Registros concludos:Samba de Roda no Recncavo Baiano

    Jongo no Sudeste

    Frevo

    Tambor de Crioula

    Matrizes do Samba no Rio de Janeiro: Partido Alto, Samba de Terreiro e

    Samba-Enredo

    Livro de Registro dos Lugares para mercados, feiras, santurios, praas e demais

    espaos onde se concentram e reproduzem prticas culturais coletivas.Registros concludos:

    Cachoeira de Iauaret Lugar sagrado dos povos indgenas dos Rios

    Uaups e Papuri

    Feira de Caruaru

    A partir da Conveno para Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial (Paris,

    outubro de 2003) a discusso sobre a importncia da proteo ao patrimnio imaterial

    inunda as pautas das polticas culturais dos estados nacionais. Nesse documento se

    reafirmam preceitos que haviam aparecido na Recomendao sobre a salvaguarda da

    cultura tradicional e popular, de 1989, na Declarao Universal da UNESCO sobre a

    Diversidade Cultural, de 2001, e na Declarao de Istambul, de 2002. Mas, ao pontuar

    a importncia do patrimnio cultural imaterial como fonte de diversidade cultural e

    garantia de desenvolvimento sustentvel, essa conveno abre espao para que polticas

    nacionais privilegiem aes diferenciadas para promoo das culturas populares e

    tradicionais, com base de financiamento e sistemas de prestao de contas mais viveis

    para o modelo de racionalidade que permeia essas formas de expresso.

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    Referncias

    Bo, Joo Batista Lanari. Proteo do patrimnio na Unesco: aes e significados.

    Braslia: Unesco, 2003.

    Brasil. Decreto n 3551. Institui o registro de bens culturais de natureza imaterial queconstituem patrimnio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimnio

    Imaterial e d outras providencias. In:O registro do patrimnio imaterial; Dossi final

    das atividades da comisso e do grupo de trabalho patrimnio imaterial. Braslia:

    Ministrio da Cultura/Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, 2000.

    ___Carta de Braslia. In: Cury, Isabelle (org.). Cartas patrimoniais. Rio de Janeiro:

    IPHAN, 2000b.

    ___Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

    Fonseca, M.C.L. O patrimnio em processo: trajetria da poltica federal depreservao no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/ IPHAN, 2005.

    ICOMOS. Declarao do Mxico. In: Cury, Isabelle (org.). Cartas patrimoniais. Rio

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