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malaria

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE LETRAS

    DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

    O MOSQUITO VECTOR DA MALRIA ANOPHELES ATROPARVUS, VAN THIEL, 1927:

    ADEQUABILIDADE DE HABITAT EM PORTUGAL CONTINENTAL E POTENCIAIS

    ALTERAES FUTURAS DO SEU ESPAO CLIMTICO

    Csar Dinis Santos Capinha

    Mestrado em Sistemas de Informao Geogrfica e Modelao Territorial Aplicados ao

    Ordenamento

    2009

  • ii

    UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE LETRAS

    DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

    O MOSQUITO VECTOR DA MALRIA ANOPHELES ATROPARVUS, VAN THIEL, 1927:

    ADEQUABILIDADE DE HABITAT EM PORTUGAL CONTINENTAL E POTENCIAIS

    ALTERAES FUTURAS DO SEU ESPAO CLIMTICO

    Csar Dinis Santos Capinha

    Mestrado em Sistemas de Informao Geogrfica e Modelao Territorial Aplicados ao

    Ordenamento

    Dissertao orientada pelo Prof. Doutor Eusbio Reis

    2009

  • iii

    Este trabalho integra-se no projecto: EDEN-Emerging Diseases in an European Changing

    Environment (EU grant GOCE-2003-010284 EDEN); (ii) Arbovirus dos mosquitos de Portugal

    (POCTI/35775/ESP/2000).

    Os contedos desta publicao so da responsabilidade do autor e no reflectem necessariamente a

    viso da Comisso Europeia.

    Este trabalho utiliza dados fornecidos pelo Community Climate System Model project

    (http://www.ccsm.ucar.edu), suportado pelo Directorate for Geosciences of the National Science

    Foundation e Office of Biological and Environmental Research of U.S. Department of Energy. A

    iniciativa NCAR GIS fornece dados CCSM em formato SIG atravs do portal GIS Climate Change

    Scenarios portal (http://www.gisclimatechange.org).

  • iv

    A todos os que perseguiram os seus sonhos

  • v

    Resumo

    A malria constituiu-se como um dos principais problemas de sade na primeira metade do sc. XX

    em Portugal. Actualmente, pese embora no se registem casos endmicos, a ocorrncia constante de

    casos importados associados uma possvel capacidade de transmisso dos seus agentes infecciosos

    por Anopheles atroparvus, mantm presente a possibilidade de futuras infeces endmicas. Neste

    sentido procedeu-se obteno de modelos de distribuio potencial desta espcie vectora para

    Portugal Continental. Com base em vrios levantamentos de campo referentes presena de

    espcies do complexo Anopheles maculipennis e diversos factores ambientais considerados

    influentes na sua distribuio, foram utilizados trs mtodos correlativos distintos. A distribuio

    obtida identificou uma elevada adequabilidade da maioria do pas a esta espcie, especialmente nas

    reas meridionais e de interior. Identificou-se tambm uma constncia entre a forma de distribuio

    da espcie aquando da endemicidade da doena e a sua distribuio actual.

    Tambm a influncia das alteraes climticas tida como responsvel por alteraes na forma de

    distribuio de espcies vectoras de malria. Com base neste pressuposto uma segunda parte deste

    trabalho remeteu-se anlise de eventuais influncias destas alteraes na rea de distribuio de

    Anopheles atroparvus, correspondente na sua generalidade ao continente Europeu. Para isso foi

    efectuada a calibrao de dois modelos com a distribuio actual da espcie tendo-se aplicado os

    parmetros obtidos a variveis representativas de cenrios climticos futuros. Os modelos

    alcanados permitiram identificar a chegada de conjugaes climticas distintas das verificadas no

    actual nicho da espcie em diversas reas da sua distribuio actual, nomeadamente na Pennsula

    Ibrica. Verificou-se ainda, para a totalidade dos cenrios climticos futuros uma subida em latitude

    das reas de maior adequabilidade. Estas duas situaes podem implicar futuras alteraes na forma

    de distribuio e abundncia da espcie, assim como de outras, suas competidoras, ou sujeitas

    alteraes no seu prprio espao climtico.

    Palavras-chave: adequabilidade de habitat; Anopheles atroparvus; malria; SIG; modelao

    espacial

  • vi

    Abstract

    Malaria was one of the main health problems in the first half of the 20th Century in Mainland

    Portugal. Nowadays, although the disease is no longer endemic, the continuous occurrence of

    imported cases and the possibility of its transmission by Anopheles atroparvus, presently maintain

    the risk of future endemic infections. In this sense habitat suitability models for this species were

    made for Mainland Portugal. Using presence-absence data regarding Anopheles maculipennis

    species complex and various environmental factors considered influential in their distribution, three

    distinct correlative models were calibrated. The achieved distribution identified high suitability

    values for the majority of the country, especially southern and interior areas. It was also identified

    that habitat suitability for Anopheles atroparvus in the country remains very similar to the one

    existing about seven decades ago when malaria was endemic.

    Also the influence of climate change is regarded as responsible for changes in the distribution of

    disease vectors. Based on this assumption a second part of this work referred to the analysis of

    possible influences of these changes in the global distribution of Anopheles artoparvus which

    corresponds coarsely to the European continent. To do so two correlative models were calibrated

    with the species actual distribution, the achieved parameters were then applied to a set of climate

    variables representing several future climate scenarios obtained from a General Circulation Model.

    The obtained results showed that several areas of the species current distribution, namely parts of

    the Iberian Peninsula, will present climate conditions distinct from the ones found nowadays in its

    realized niche. These results also showed a shift of suitability to northern areas. These two

    situations may imply future changes in the distribution and abundance of Anopheles atroparvus, as

    well as other species, due to changes in their biotic interactions, or in their own climate envelop.

    Keywords: habitat suitability; Anopheles atroparvus; malaria; GIS; spatial modeling

  • vii

    NDICE GERAL

    Resumo ........................................................................................................................................... v

    Abstract ........................................................................................................................................ vi

    ndice geral ................................................................................................................................... vii

    ndice de quadros ......................................................................................................................... viii

    ndice de figuras............................................................................................................................. ix

    Lista de abreviaturas ....................................................................................................................... x

    Agradecimentos ............................................................................................................................. xi

    CAPTULO 1 O MOSQUITO ANOPHELES ATROPARVUS NA TRANSMISSO DE MALRIA E

    OUTROS ARBOVIRUS ................................................................................................................. 1

    1.1. Consideraes gerais............................................................................................................ 2

    1.2. Os mosquitos do gnero Anopheles e a transmisso da malria ............................................ 4

    1.3. Vectores da malria no Continente Europeu ......................................................................... 4

    1.4. Vectores da malria em Portugal .......................................................................................... 6

    1.5. Anopheles atroparvus como vector de outras doenas .......................................................... 7

    CAPTULO 2 A ADEQUABILIDADE DE HABITAT PARA ANOPHELES ATROPARVUS EM

    PORTUGAL CONTINENTAL ....................................................................................................... 8

    2.1. Introduo ........................................................................................................................... 9

    2.2. Breve referncia modelao da distribuio de espcies .................................................. 10

    2.3. Dados e mtodos ................................................................................................................ 11

    2.3.1. Dados de abundncia e distribuio da espcie em Portugal Continental ..................... 11

    2.3.2. Factores ambientais .................................................................................................... 13

    a) As variveis independentes na modelao da distribuio de espcies .......................... 13

    b) Preferncias e condicionantes ecolgicas de Anopheles atroparvus ............................. 14

    c) Seleco das variveis independentes .......................................................................... 15

    Temperaturas extremas mdias ................................................................................... 16

    Precipitao anual mdia ............................................................................................ 16

    ndice de disponibilidade e adequabilidade de zonas hmidas ..................................... 17

    ndice de disponibilidade e adequabilidade de uso de solo agrcola ............................. 18

    d) Anlise das relaes entre variveis independentes ...................................................... 18

    2.3.3. Mtodos estatsticos de integrao da informao ....................................................... 19

  • viii

    a) Distncia de Mahalanobis ........................................................................................... 20

    b) Regresso logstica binria .......................................................................................... 21

    c) Redes neuronais artificiais ........................................................................................... 22

    2.3.4. Calibrao dos modelos preditivos ............................................................................. 24

    a) Modelao com recurso distncia de Mahalanobis .................................................... 25

    b) Modelao com recurso regresso logstica binria ................................................... 26

    c) Modelao com recurso a rede neuronal artificial ........................................................ 27

    2.3.5. Validao de resultados .............................................................................................. 30

    2.4. Discusso de resultados e concluses ................................................................................. 32

    CAPTULO 3 ESPAO CLIMTICO DE ANOPHELES ATROPARVUS E POTENCIAIS

    ALTERAES EM CENRIOS CLIMTICOS FUTUROS NO CONTINENTE EUROPEU .... 38

    3.1. Introduo ......................................................................................................................... 39

    3.2. Breve referncia modelao de espaos climticos futuros .............................................. 40

    3.3. Dados e mtodos ................................................................................................................ 41

    3.3.1. Registos de distribuio da espcie ............................................................................. 41

    3.3.2. Informao climtica e variveis independentes. ........................................................ 43

    3.3.3. Mtodos estatsticos para calibrao ........................................................................... 46

    a) Calibrao com recurso regresso logstica binria.................................................... 46

    b) Calibrao com recurso a redes neuronais artificiais .................................................... 47

    3.3.4. Validao de resultados .............................................................................................. 48

    3.4. Discusso de resultados e concluses ................................................................................. 52

    CAPTULO 4 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................. 59

    Referncias bibliogrficas..................................................................................................................62

    NDICE DE QUADROS

    Quadro I Matriz de coeficientes de correlaes de Pearson das variveis independentes. ............ 19

    Quadro II Estatsticas descritivas simples dos modelos da distncia de Mahalanobis. ................. 26

    Quadro III Testes de Hosmer-Lemeshow e percentagem de classificaes correctas para os

    modelos de regresso logstica. ..................................................................................................... 27

    Quadro IV Mnimos erros quadrticos mdios e percentagem de classificaes correctas para os

    modelos de redes neuronais artificiais. .......................................................................................... 29

    Quadro V Valor de ndice kappa para cada limite de adequabilidade, por mtodo de modelao. 32

    Quadro VI Parmetros obtidos pelo modelo da regresso logstica binria. ................................. 34

  • ix

    Quadro VII Valores de kappa entre a anterior distribuio de malria e modelos de adequabilidade

    de habitat actual. ........................................................................................................................... 37

    Quadro VIII Sntese do contexto socio-econmico subjacente a cada cenrio climtico para o sc.

    XXI do modelo CCSM-3. ............................................................................................................. 44

    Quadro IX Testes de Hosmer-Lemeshow e percentagem de classificaes correctas para os

    modelos de regresso logstica. ..................................................................................................... 47

    Quadro X Mnimo erro quadrtico mdio alcanado e percentagem de classificaes correctas

    para os modelos de redes neuronais artificiais. .............................................................................. 48

    Quadro XI Resultados de significncia estatstica do teste binomial unilateral para classificaes

    correctas........................................................................................................................................ 52

    Quadro XII Parmetros estatsticos e atributos espaciais bsicos dos modelos de adequabilidade.57

    NDICE DE FIGURAS

    Figura 1 Presenas e ausncias de Anopheles atroparvus em Portugal Continental ..................... 13

    Figura 2 Expresso grfica generalizada da funo logstica ....................................................... 22

    Figura 3 Modelo genrico do tipo perceptro mltipla camada ................................................... 23

    Figura 4 Adequabilidade de habitat para Anopheles atroparvus com base na distncia de

    Mahalanobis.................................................................................................................................. 25

    Figura 5 Adequabilidade de habitat para Anopheles atroparvus com base na regresso logstica

    binria ........................................................................................................................................... 27

    Figura 6 Adequabilidade de habitat para Anopheles atroparvus com base em redes neuronais

    artificiais ....................................................................................................................................... 29

    Figura 7 Combinao de modelos binrios de adequabilidade ................................................... 36

    Figura 8 Registos de Anopheles atroparvus considerados para modelao .................................. 42

    Figura 9 Estimativas de anomalia de temperatura global superfcie, para cada um dos cenrios

    futuros do modelo CCSM-3 .......................................................................................................... 44

    Figura 10 Relao do desempenho por rea para o modelo de regresso logstica binria ........... 50

    Figura 11 Relao do desempenho por rea para o modelo derivado de rede neuronal artificial .. 50

    Figura 12 Modelo de espao climtico actual para Anopheles atroparvus ................................... 53

    Figura 13 Espaos climticos de Anopheles atroparvus com base em cenrios climticos futuros

    para o perodo 2040 - 2070 ............................................................................................................ 56

  • x

    Lista de abreviaturas

    AMAM rea Mnima de Adequabilidade Mxima

    CCC Climate Change Commitment CCSM-3 Community Climate System Model 3

    D2 Distncia de Mahalanobis

    DDT Dicloro-Difenil-Tricloroetano D.P. Desvio padro

    EDEN Emerging Diseases in a changing European eNvironment

    EQM Erro quadrtico mdio

    GEE Gases de efeito de estufa H-L Hosmer-Lemeshow

    IHMT Instituto de Higiene e Medicina Tropical

    IPCC International Panel for Climate Change ndice kappa L Limite de adequabilidade

    NCAR The National Centre for Atmospheric Research

    PIB Produto Interno Bruto Q1 Quartil 1

    Q3 Quartil 3

    r Coeficiente de correlao de Pearson RAD Relao rea por Desempenho

    RLB Regresso Logstica Binria

    RNA Rede Neuronal Artificial

    SIG Sistemas de Informao Geogrfica WHO World Health Organization

  • xi

    Agradecimentos

    Gostaria de agradecer a todos que colaboraram directa ou indirectamente neste trabalho,

    nomeadamente:

    ao meu orientador Professor Dr. Eusbio Reis pela disponibilidade em me conduzir

    nesta tarefa. A sua orientao e enorme rigor cientfico contriburam em muito para a

    elevao da qualidade deste trabalho.

    ao Dr. Jorge Rocha pela sua incomum prontido em ajudar. Agradeo ainda a sua

    crtica cientfica, debate de ideias e sobretudo a grande amizade.

    ao Dr. Eduardo Jonas Gomes pelas vrias semanas a debater ideias em volta deste

    projecto, na enorme ajuda na preparao dos dados e pelas mltiplas e valiosas

    sugestes que deu.

    Dra Carla Sousa e ao Dr. Paulo Almeida do Instituto de Higiene e Medicina

    Tropical pela sua enorme prestabilidade ao longo do todo o percurso deste trabalho.

    Sem toda a informao que disponibilizaram e pronta disponibilidade no

    esclarecimento de dvidas, este trabalho no teria sido possvel realizar. Agradeo

    ainda particularmente Dra. Carla Sousa a sua valiosa reviso a este documento.

    minha famlia e amigos pelo pouco tempo que lhes reservei durante esta fase.

  • 1

    CAPTULO 1 O MOSQUITO ANOPHELES ATROPARVUS NA

    TRANSMISSO DE MALRIA E OUTROS ARBOVIRUS

  • 2

    1.1. Consideraes gerais

    A malria, tambm conhecida em Portugal como paludismo ou sezonismo, um dos principais

    problemas globais de sade, sendo responsvel por um a trs milhes de mortes todos os anos

    (Muturi et al., 2008). A infeco com malria corresponde entrada no organismo humano de um

    protozorio do gnero Plasmodium. Esta entrada veiculada por insectos designados como vectores

    da doena e que correspondem a algumas espcies de mosquitos.

    Portugal conheceu elevadas taxas de incidncia da doena at aos finais da primeira metade do sc.

    XX. Porm nas dcadas recentes o nmero de casos endmicos tem sido nulo, tendo o ltimo

    ocorrido em 1975 (Antunes et al., 1987). Para este territrio so actualmente conhecidas cinco

    espcies potenciais transmissoras da doena. No entanto, no perodo em que a malria era

    endmica, apenas uma espcie de mosquito foi indicada como vectora: Anopheles atroparvus Van

    Theil, 1927 (Diptera, Culicidae) (Cambournac, 1942). Esta apresenta uma distribuio europeia,

    constituindo-se ainda hoje como uma das espcies de mosquito mais comum e abundante em

    Portugal (Ribeiro et al., 1988). A ocorrncia constante de casos de malria importada, nas ltimas

    dcadas em Portugal, associada possvel capacidade de transmisso dos seus agentes infecciosos

    por Anopheles atroparvus (Sousa, 2008), mantm presente a possibilidade de ocorrncia de futuras

    infeces endmicas.

    A distribuio de Anopheles atropavus em Portugal tem sido alvo de vrios estudos. No entanto,

    no ainda conhecida para este uma representao espacialmente contnua da sua distribuio. Esta

    informao pode constituir-se como uma mais-valia na luta contra a doena, uma vez que o controlo

    de vectores tem sido utilizado comummente como estratgia de controlo da malria (Muturi et al.,

    2008). Estes modelos podem, assim, funcionar como base de avaliao da probabilidade de infeco

    do vector, na elaborao de cartas de risco para as populaes humanas em caso de futuros surtos

    (Moffett et al., 2007), na investigao de dinmicas espcio-temporais de An. atroparvus, ou no

    aprofundamento do estudo das relaes que esta espcie estabelece com o meio.

    Tambm as previstas alteraes climticas futuras (IPCC, 2007) so tidas como influentes na

    distribuio da doena, actuando a vrios nveis. Destes destacam-se as potenciais alteraes na

    forma de distribuio e abundncia dos seus vectores (Martens et al., 1999), como os mais

    relacionados com a temtica deste trabalho. A inexistncia de vectores da doena tem uma relao

    directa com a sua ausncia, sendo que, para locais onde estes ocorrem, os seus valores de

    abundncia podem constituir-se como um importante factor a influir na capacidade vectorial destes.

    Estudos recentes referem a chegada de malria em locais onde esta tem estado ausente, como

  • 3

    resultado de redistribuies de vectores associados s alteraes climticas (e.g. Patz e Olson,

    2006). Embora a relao da malria com o clima seja bastante mais complexa do que a que diz

    respeito unicamente distribuio dos seus vectores, esta sem dvida uma varivel importante no

    processo e altamente relacionada com variaes neste (Kuhn et al., 2002). Aspectos comummente

    referidos, como a subida das espcies em latitude para fazer frente s alteraes climticas

    (Martinez-Meyer, 2005), podem implicar situaes como a adequabilidade do Continente Europeu a

    espcies tipicamente norte-africanas. Compreende-se desta forma a importncia da realizao de

    estudos relativos forma como alteraes climticas futuras podero influir na distribuio de

    populaes de vectores de malria. Embora a modelao de espaos climticos futuros constitua

    apenas uma primeira abordagem a esta problemtica, , no entanto, das melhores possibilidades at

    agora disponveis para este tipo de investigaes (Pearson e Dawson, 2003).

    Esta dissertao composta por dois trabalhos de investigao relativos distribuio da espcie

    An. atroparvus. A primeira parte incide na obteno de um modelo de distribuio potencial desta

    espcie para Portugal Continental, com base em levantamentos de distribuio j efectuados. Esta

    informao integrada com um conjunto de factores ambientais considerados influentes na

    distribuio da espcie, com recurso a trs modelos correlativos distintos: a distncia de

    Mahalanobis, a regresso logstica binria e as redes neuronais artificiais. Os resultados de cada um

    so explorados e validados, sendo posteriormente efectuada a caracterizao da distribuio

    potencial de An. atroparvus para Portugal continental, com base no modelo de melhor desempenho

    preditivo, e na sua conjugao com os restantes. Por fim estes modelos so comparados com a

    distribuio espacial da malria aquando da sua endemicidade.

    A segunda parte remete-se explorao dos efeitos que potenciais alteraes climticas futuras

    colocam na distribuio de An. atroparvus atravs da modelao de espaos climticos. A elevada

    incerteza associada a este tipo de trabalhos, conjuntamente com o reduzido detalhe espacial da

    informao climtica referente a cenrios climticos futuros, levou adopo da totalidade da rea

    de distribuio conhecida para a espcie. Esta, que corresponde na sua generalidade ao Continente

    Europeu, permite assim incluir todo o espectro de variao climtica conhecida para a espcie,

    diminuindo a incerteza dos resultados obtidos.

    utilizada informao climtica de um Modelo de Circulao Global, referente ao perodo de

    2040-2070, sendo utilizados aqui dois modelos correlativos para a integrao da informao, a

    regresso logstica binria e as redes neuronais artificiais. Para a validao dos modelos resultantes

    apenas de dados de presena, proposto um novo mtodo, que relaciona a rea compreendida no

    modelo com o desempenho preditivo, por limite de adequabilidade. Os resultados obtidos so

    posteriormente explorados e analisados luz das limitaes inerentes a este tipo de modelos.

  • 4

    1.2. Os mosquitos do gnero Anopheles e a transmisso da malria

    A malria humana causada por quatro espcies de protozorios do gnero Plasmodium:

    Plasmodium falciparum Welch, 1897, que apresenta a maior taxa de mortalidade; Plasmodium

    vivax Grassi & Feletti, 1890; Plasmodium malariae Laveran, 1881 e Plasmodium ovale Stephens,

    1922. A entrada destes parasitas no corpo humano efectuada atravs da picada das fmeas de

    alguns mosquitos do gnero Anopheles estando os parasitas inteiramente dependentes destes dois

    hospedeiros. O ciclo de vida das quatro espcies referidas semelhante. Este constitudo por uma

    fase sexual exgena que ocorre nos mosquitos (esporogonia) e uma fase assexual endgena

    (esquizgonia) que decorre no Homem. Ao penetrarem no corpo humano sob a forma de

    esporozotos, estas formas infectantes para o Homem entram na circulao sangunea acabando por

    se alojar nas clulas parenquimatosas do fgado onde iniciaro o seu desenvolvimento e

    multiplicao (esquizgonia heptica). Segue-se a esquizgonia eritrcitria durante a qual ocorre a

    infeco de clulas sanguneas e sua consequente destruio. Quando uma fmea de anofelneo

    efectua uma refeio sangunea durante este perodo de infeco activa inicia-se o ciclo

    esporognico durante o qual ocorre, j no interior do mosquito, a diferenciao das clulas sexuadas

    e a fecundao com subsequente formao do zigoto. Este zigoto, por meiose, inicia as fases

    haploides com a formao do oocineto e posteriormente do oocisto. no interior deste que, por

    mitoses sucessivas, ocorre a formao dos esporozotos. Aps o rebentamento do oocisto, os

    esporozotos migram atravs do hemoclio do mosquito at atingirem as glndulas salivares.

    Aquando de uma nova refeio sangunea, estes esporozotos so inoculados juntamente com a

    saliva num novo hospedeiro humano, reiniciando assim ciclo de vida do parasita.

    De cerca de 300 a 500 milhes de casos anuais de malria, 1 a 3 milhes acabam por levar morte,

    sendo a maior taxa de mortalidade registada em crianas at cinco anos. Quarenta e um por cento da

    populao mundial habita em locais onde a doena endmica, sendo na frica Subsariana a regio

    onde se regista o maior nmero de casos. Alm desta, a doena apresenta ainda um elevado nmero

    de casos em partes da sia, Mdio-Oriente, Amricas Central e do Sul e Ocenia (Muturi et al.,

    2008).

    1.3. Vectores da malria no Continente Europeu

    At cerca da terceira dcada do sc. XX, diversas espcies de Anopheles actualmente reconhecidas

    como tal, eram consideradas uma s, Anopheles maculipennis Meigen, 1818. Neste perodo, o papel

    destes mosquitos na transmisso da malria era j conhecido, no entanto, os seus padres de

  • 5

    presena e abundncia nem sempre eram concordantes com a ocorrncia da doena. A existncia de

    Anophelismo sem malria para vrios locais, levou ao estudo aprofundado destes mosquitos. Em

    resultado destes, so reconhecidas actualmente vrias espcies morfologicamente muito

    semelhantes entre si, mas com diferentes implicaes na transmisso de protozorios da malria

    para os humanos. No seu conjunto, estas espcies so designadas como o complexo de espcies

    gmeas Anopheles maculipennis.

    Quase todos os principais vectores de malria para a Europa so membros deste complexo de

    espcies, nomeadamente: An. labranchiae Falleroni, 1926, An. sacharovi Favre, 1903 e An.

    atroparvus. De acordo com Bruce Chwatt e Zulueta (1980 fide Sousa, 2008), durante o Wrm, e

    relacionando o conhecimento biogeogrfico acerca deste perodo, as espcies deste complexo

    apresentariam uma distribuio europeia mais meridional que a actual. Espcies como An.

    labranchiae e An. sacharovi estariam mesmo ausentes devido a inadequabilidade climtica,

    encontrando-se confinados ao Norte de frica e sia Ocidental respectivamente (Zulueta, 1973 fide

    Sousa, 2008). Com o fim deste ltimo perodo glacirio e incio do Holoceno, as espcies do

    complexo comearam a subir em latitude, at ocuparem as distribuies actualmente conhecidas

    (Bruce Chwatt e Zulueta, 1980, fide Sousa, 2008).

    As primeiras referncias escritas de doenas semelhantes a malria na Europa, surgem nos textos

    gregos Corpus Hippocraticum, remontando aos Sculos IV e V a.C. No incio da Era Comum, a

    doena tinha j sido propagada por grande parte do Continente Europeu, acompanhando a expanso

    do Imprio Romano (Sallares et al., 2004). Embora se desconhea grande parte dos efeitos

    quantitativos que a doena teve sobre as populaes (Sallares et al., 2004), durante os Sculos XVII

    e XVIII esta era comum no Sul da Europa e em diversas reas a norte como Holanda, costa da

    Alemanha, Sucia e Finlndia (Bruce Chwatt e Zulueta, 1980 fide Sousa, 2008).

    O declnio da malria na Europa teve incio com o desenvolvimento socioeconmico,

    nomeadamente a modernizao das prticas agrcolas e pecurias, assim como aplicao de

    quinino no seu tratamento (Lieshout et al., 2004).

    Pese embora o seu declnio, no Sculo XX o endemismo da doena era ainda patente em vastas

    reas do Sul e Este da Europa (Sousa, 2008). Este sculo, contudo, conheceu diversas novas formas

    de combate doena. O desenvolvimento de novos medicamentos como a cloroquina, a

    pulverizao com Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) como medida de controlo de vectores e a

    existncia de diversos programas nacionais de erradicao, deram um enorme contributo para o fim

    da sua endemicidade na Europa (Sousa, 2008), que ocorreu em 1975 (WHO, 2006).

  • 6

    1.4. Vectores da malria em Portugal

    Para Portugal Continental so conhecidas trs espcies pertencentes ao complexo An. maculipennis:

    An. maculipennis, Anopheles melanoon Hacket, 1934 e An. atroparvus. Esta ltima, a espcie

    mais comum, abundante e amplamente distribuda pelo territrio nacional, assim como foi a espcie

    que propagou o parasita da malria durante o perodo em que a doena era endmica no Pas

    (Ribeiro et al., 1988). Trs outras espcies com registos espordicos no territrio tm sido

    associadas transmisso da doena: Anopheles claviger Meigen, 1804; e Anopheles plumbeus

    Theobald, 1901 (Ribeiro et al., 1988).

    Grande parte do conhecimento acerca da malria em Portugal provm de trabalhos realizados na

    primeira metade do sc. XX. Cambournac (1942), identificou para esse perodo seis regies

    malariolgicas no pas, associando-as aos seus principais rios: Douro; Mondego; Tejo Superior;

    Tejo Inferior; Guadiana e Sado. Para estas classificou a sua endemicidade como leve a moderada

    para as regies do Douro, Guadiana e Tejo Superior, severa para o Mondego e Baixo Tejo e

    hiperendmica para a Regio do Sado. A caracterizao destes locais, assim como das

    caractersticas ambientais associadas transmisso da malria em Portugal, estiveram na base das

    primeiras aces de combate doena no Pas (Sousa, 2008) entre as quais diversas medidas de

    controlo do seu vector. Destas referem-se a introduo do peixe predador, Gambusia sp., regulao

    da irrigao de campos de arroz (Borges, 2001 fide Sousa, 2008), melhorias das instalaes dos

    trabalhadores na cultura de arroz, pulverizao com DDT, adopo de redes para camas e

    proteces nas janelas e portas (Bruce-Chawatt e Zuleta, 1980 fide Sousa, 2008). A adopo destas

    medidas juntamente com o tratamento de casos sintomticos levou a uma reduo muito acentuada

    de casos de malria, verificando-se apenas quatro casos endmicos em 1958 (Bruce-Chawatt e

    Zuleta, 1980 fide Sousa, 2008). Em 1973 a doena dada como erradicada do Pas, ocorrendo aps

    esta data um nico registo endmico, em 1975 (Antunes et al., 1987).

    A ocorrncia de malria em Portugal, desde ento, tem sido devida a casos importados. Estes

    conheceram os seus valores mais elevados com o fim da Guerra Colonial. Para o perodo mais

    recente de 1993 a 2002, Castro et al. (2004) referem a ocorrncia de entre 50 a 85 casos anuais,

    verificando-se uma certa constncia destes ao longo do perodo referido.

    Estudos recentes, como o de Sousa (2008), concluem que An. atroparvus ainda pode apresentar as

    caractersticas necessrias para transmisso de estripes tropicais de protozorios, nomeadamente de

    P. falciparum. Esta possibilidade, conjuntamente com a ocorrncia constante de hospedeiros

    humanos infectados, mantm presente a possibilidade de virem a ocorrer infeces endmicas.

  • 7

    1.5. Anopheles atroparvus como vector de outras doenas

    Pese embora o papel conhecido que o mosquito Anopheles atroparvus representa na disseminao

    da malria, o seu papel de vector no se esgota nos agentes infecciosos. Para esta espcie tambm

    conhecida a capacidade de transmisso de diversos outros arbovirus, detentores de reconhecidos

    riscos para a sade pblica. Exemplo disso o vrus do Nilo Ocidental, tendo-se identificado a

    presena deste vrus por vrias ocasies nesta espcie de mosquito (Filipe et al., 1972; Fernandes et

    al., 1998). Este vrus apresenta uma ampla distribuio, conhecendo-se diversas ocorrncias para o

    territrio portugus, algumas das quais bastante recentes (Almeida et al., 2008). conhecida ainda

    a capacidade vectorial de Anopheles atroparvus para o vrus Calovo (tambm conhecido como

    Batai) (WHO, 2004), pese embora este seja tido como de reduzido risco para a sade humana

    (Lundstrom, 1999).

  • 8

    CAPTULO 2 A ADEQUABILIDADE DE HABITAT PARA ANOPHELES

    ATROPARVUS EM PORTUGAL CONTINENTAL

  • 9

    2.1. Introduo

    Pese embora a existncia de diversos trabalhos acerca da distribuio de espcies de mosquitos em

    Portugal (e.g. Ribeiro et al., 1988; Almeida et al., 2008), no so conhecidas representaes

    espaciais contnuas e detalhadas acerca de como estas se distribuem ao longo do territrio,

    nomeadamente para Anopheles atroparvus. Esta ausncia deriva certamente das mltiplas

    dificuldades inerentes realizao de levantamentos com o elevado detalhe espacial exigido para

    esse fim.

    A modelao da distribuio de espcies tem sido desenvolvida sobretudo no campo da

    biogeografia e da biologia da conservao. Esta tem como base a quantificao de relaes da

    espcie com o meio envolvente (Guisan e Thuiller, 2005). Estas quantificaes correspondem

    anlise das relaes entre dados de campo acerca da distribuio de espcies ou comunidades em

    estudo e variveis consideradas representativas das suas exigncias ecolgicas. Tais quantificaes

    baseiam-se na generalidade em duas abordagens: o conhecimento terico de especialistas acerca dos

    organismos em estudo, ou a utilizao de modelos correlativos (Guisan e Zimmerman, 2000). As

    relaes obtidas desta anlise so posteriormente aplicadas informao espacial com recurso a

    mdulos de lgebra de mapas, presentes na generalidade das aplicaes de Sistemas de Informao

    Geogrfica (SIG).

    Esta abordagem diminui a necessidade de levantamentos com elevado detalhe espacial, podendo-se

    constituir actualmente como a melhor forma de alcanar uma representao contnua da distribuio

    destas espcies, ou de como o territrio se adequa sua existncia. Os exemplos de modelao de

    distribuies para espcies consideradas nocivas para a sade humana so j vrios, ocorrendo

    mesmo trabalhos aplicados a espcies do gnero Anopheles (e.g. Moffett et al., 2007).

    Este trabalho pretende obter o primeiro modelo espacialmente contnuo da forma como An.

    atroparvus se distribui pelo territrio de Portugal Continental. Tal informao apresenta diversas

    potencialidades (Levine et al., 2004), sendo no presente contexto a avaliao de risco de infeco

    do vector, atravs de processos de anlise espacial, uma das suas aplicaes mais teis. Na possvel

    ocorrncia de futuros surtos da doena, esta informao pode-se ainda constituir como uma

    ferramenta til na elaborao de cartas de risco de transmisso (e.g. Moffett et al., 2007). A prpria

    anlise dos parmetros e resultados dos modelos correlativos utilizados no processo de modelao

    permite obter informao acerca das relaes que a espcie estabelece com as variveis ambientais

    consideradas, permitindo aprofundar o conhecimento ecolgico da espcie. A informao espacial

    obtida, assim como os procedimentos metodolgicos de realizao podem ainda ser adaptados ao

  • 10

    estudo de dinmicas da espcie quer espaciais quer temporais, relacionando variaes dos atributos

    espaciais de diversos factores ambientais com tendncias de propagao ou valores abundncia.

    2.2. Breve referncia modelao da distribuio de espcies

    A modelao da distribuio de espcies corresponde obteno de modelos empricos com

    traduo espacial, que relacionam vrios tipos de dados de campo relativos s espcies com factores

    ambientais, atravs de uma integrao estatstica ou terica (Guisan e Zimmermann, 2000). Este

    tipo de modelos encontra-se particularmente desenvolvido no campo da biogeografia e da biologia

    da conservao, sendo o seu sustentamento terico derivado essencialmente do conceito de nicho

    ecolgico definido por Hutchinson, (1957). Segundo a definio deste autor, o nicho fundamental

    de uma espcie, entendido como um conjunto de condies ambientais dentro das quais esta pode

    sobreviver e persistir. A sua representao pode assumir a forma de um hipervolume n-dimensional

    resultante da conjugao das variveis que actuam sobre a espcie. A modelao geogrfica da

    distribuio de uma espcie corresponde a uma aproximao da representao desse hipervolume

    sobre um territrio, devendo ser interpretada como uma distribuio potencial. Esta, obtida pela

    integrao de dados espacialmente explcitos representantes da presena da espcie (presenas,

    presenas e ausncias ou densidades) com trs tipos possveis de variveis independentes: factores

    limitativos; factores de perturbao ambiental e recursos (Guisan e Thuiller, 2005). Estes trs tipos

    de variveis independentes so comummente designados apenas por factores ambientais, sendo esse

    o termo adoptado neste trabalho.

    Um conceito importante a considerar neste tipo de modelos o de equilbrio ecolgico. Nestes

    assume-se que os dados relativos distribuio das espcies de estudo a incluir, traduzem uma

    situao de equilbrio, ou prximo dele, com o ecossistema. Apenas quando esta situao se verifica

    possvel assumir que os resultados dos modelos de distribuio de espcies traduzem uma

    aproximao espacializada dos seus nichos. A verificao desta condio ainda fortalecida pelo

    facto de, muitas vezes, as prprias espcies no ocuparem a totalidade do seu nicho fundamental

    devido a processos de competio (Hutchinson, 1957), ou por todo um conjunto de outras

    interaces biticas (parasitismo, predao, simbiose e competio) e barreiras fsicas ou histricas

    (Pearson, 2007), ocupando apenas o que se designa por nicho realizado.

    A forma de integrao dos modelos de distribuio de espcies, como referido anteriormente, pode

    ser de cariz terico (tambm designado de mecanicista), ou correlativo. Os primeiros assentam no

    conhecimento aprofundado da fisiologia das espcies, sendo por isso de uso restrito a especialistas

    em determinados taxons. Os modelos correlativos (aplicados neste trabalho) baseiam-se na

  • 11

    associao entre registos da distribuio da espcie e um conjunto de variveis que se julga serem

    responsveis pela sua distribuio. Esta associao levada a cabo por um ou vrios modelos

    estatsticos, sendo os seus resultados posteriormente traduzidos espacialmente com recurso a SIG.

    Guisan e Zimmerman (2000), referem algumas categorias de algoritmos estatsticos possveis de

    utilizar, nomeadamente: regresses lineares e no lineares, paramtricas e no paramtricas;

    mtodos de classificao; modelos de medio de similaridade; tcnicas de ordenao; modelos de

    probabilidade de Bayes e redes neuronais artificiais. A anlise destes e de outros mtodos

    correlativos de integrao de informao aprofundada no ponto 2.3.3.

    Os resultados destes modelos tm tido vrias aplicaes, nomeadamente na seleco de reas de

    conservao para espcies (e.g. Ferrier et al., 2002), na predio espacial de invases biolgicas

    (e.g. Benedict et al., 2007), ou na modelao da distribuio de espcies que comportam risco para

    a sade humana (e.g. Levine et al., 2004). Estes permitem assim alargar a vrios nveis o

    conhecimento acerca das espcies de estudo, constituindo-se muitas vezes como base de suporte a

    processos decisrios.

    2.3. Dados e mtodos

    2.3.1. Dados de abundncia e distribuio da espcie em Portugal Continental No mbito dos Projectos EDEN e Arbovirus dos mosquitos de Portugal foram realizadas diversas

    iniciativas relativas ao estudo de An. atroparvus. Uma destas teve como principal objectivo estimar

    a abundncia de An. atroparvus em fase adulta durante perodos de uma hora em instalaes

    propcias sua existncia, como estbulos e pecurias. Estes levantamentos foram realizados por

    especialistas do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), em vrias localidades

    distribudas ao longo de Portugal Continental, entre 2001 e 2003. Os resultados obtidos encontram-

    se, no entanto, condicionados para uma utilizao directa no contexto deste trabalho. A enorme

    variabilidade nas condies intrnsecas aos locais prospectados, como o tipo de hospedeiro

    vertebrado presente, a implementao de medidas antiparasitrias, ou o grau de isolamento ao

    exterior dos espaos visitados, levou existncia de uma grande irregularidade de valores de

    abundncia mesmo para locais bastante prximos. Neste contexto, no possvel considerar os

    valores de abundncia por si mesmo, nem os locais com baixas abundncias como detentores de

    condies ambientais envolventes pouco favorveis para a espcie. O contrrio, no entanto, pode

    ser afirmado, ou seja, os locais onde se registaram elevadas abundncias indicam, partida, a

    existncia de adequabilidade ecolgica do meio envolvente para a espcie de estudo. Outro aspecto

    a considerar, o facto de estes valores de abundncias compreendem no apenas a espcie de

  • 12

    estudo, mas a totalidade das espcies pertencentes ao complexo An. maculipennis. Este, como j

    referido, define-se como um grupo de espcies bastante semelhantes entre si, nas quais se inclui a

    espcie em estudo. Para que se possa proceder extraco dos valores de abundncias mais

    elevadas da espcie An. atroparvus, necessrio realizar uma ponderao dos valores de

    abundncia por espcie.

    Considerando vrios trabalhos realizados de caracterizao da distribuio das espcies de

    mosquitos para Portugal Continental, possvel estabelecer razes de abundncia para as espcies

    pertencentes ao complexo An. maculipennis, em funo do seu local de ocorrncia. Ramos et al.

    (1978) identificaram An. atroparvus como a nica espcie deste complexo existente no Algarve, tal

    como acontece para o Alentejo (Pires et al., 1982). No entanto, a norte do sistema montanhoso

    Montejunto-Estrela, o complexo passa a ser representado tambm pela espcie An. maculipennis,

    conhecendo-se ainda alguns registos em quantidades negligenciveis de indivduos das outras

    espcies (Ribeiro et al., 1988). A simpatria destas duas espcies mais abundantes torna ento

    necessrio que, a norte deste alinhamento montanhoso, se proceda a uma quantificao da

    frequncia relativa de cada uma nos valores de abundncia registados. Ribeiro et al. (1992) referem,

    num estudo para a Regio Centro, a existncia de uma razo de abundncia de nove An. atroparvus

    por cada An. maculipennis. Especificamente para o Parque Natural da Serra da Estrela, Ribeiro et

    al. (1999a) apresentaram um valor menor: seis An. atroparvus por cada An. maculipennis. Mais

    para norte, os estudos existentes no referem propores directas entre as espcies, mas todos

    referem uma abundncia substancialmente maior de An. atroparvus (Ribeiro et al., 1999b; Ribeiro

    et al., 2002). Tendo em conta estas indicaes e os valores conhecidos de propores aplicou-se um

    valor considerado adequado: oito An. atroparvus para um An. maculipennis. Esta ponderao foi

    aplicada aos registos enquadrados nas reas montanhosas que constituem a ligao Montejunto-

    Estrela, e a norte desta.

    Dos valores resultantes do processo, foram extrados os situados acima do sexto decil. Estes foram

    ento considerados como os indicadores de maior adequabilidade espcie, totalizando 76 registos.

    Tendo em conta a existncia de possveis enviesamentos dos valores de abundncia devido

    variabilidade das condies dos locais amostrados, como referido anteriormente, estes registos so

    doravante considerados como de presena apenas, desconsiderando-se o seu valor de abundncia

    efectiva.

    Alm dos registos referentes a presenas, foram ainda considerados registos de ausncias. Estes,

    definem-se, regra geral, como locais amostrados onde as espcies em estudo no so encontradas.

    Para esta investigao, incluram-se apenas os locais onde a frequncia de espcies do complexo

    apresentou valores extremamente reduzidos comparativamente frequncia de outras espcies. Este

  • 13

    tipo de registos atesta uma reduzida adequabilidade espcie de interesse, indicando ainda que o

    local no se encontrava condicionado presena de mosquitos. Assim, e considerando este

    pressuposto foi definido como limite mximo de frequncia de espcies do complexo, o valor

    arbitrrio de 2%. Desta operao resultaram um total de 16 locais. A prevalncia de 83%,

    transmitida por estes registos, aponta j para uma elevada disperso desta espcie ao longo de

    territrio.

    A figura 1 apresenta a distribuio da totalidade de registos de presenas e ausncias disponveis.

    Figura 1 Presenas e ausncias de Anopheles atroparvus em Portugal Continental

    2.3.2. Factores ambientais

    a) As variveis independentes na modelao da distribuio de espcies

    A obteno de variveis com maior potencial preditivo baseadas no conhecimento existente acerca

  • 14

    dos factores que interferem na distribuio das espcies em questo, tida como um dos grandes

    passos a dar na modelao de habitats potenciais (Arajo e Guisan, 2006; Tsoar et al., 2007). Neste

    sentido crucial efectuar uma reviso adequada do conhecimento existente acerca dos factores

    ecolgicos considerados como influentes na distribuio da espcie objecto de estudo. Este ir

    permitir guiar de uma forma mais segura a escolha das variveis independentes passveis de integrar

    os modelos estatsticos preditivos.

    Esta escolha , ainda assim, muitas vezes condicionada pela disponibilidade de dados ou pela sua

    impossibilidade de traduo espacial. Esta ltima condicionante est particularmente relacionada

    com processos de interaco bitica. Estes, pela sua complexidade, dinmica temporal e espacial ou

    simplesmente por desconhecimento da sua existncia, so muitas vezes ignorados no contexto

    destes modelos, no sendo este trabalho excepo. No sentido de se proceder obteno de

    variveis com elevado poder preditivo, as relaes ecolgicas da espcie com o meio foram

    analisadas, constando no ponto seguinte.

    b) Preferncias e condicionantes ecolgicas de Anopheles atroparvus

    O ciclo de vida dos mosquitos Anopheles, assim como dos outros gneros compreende quatro fases:

    ovo, larva, pupa e adulto. Destes, os trs primeiros so exclusivamente aquticos e o ltimo

    terrestre. Esta dicotomia torna importante, no contexto deste trabalho, o conhecimento das relaes

    ecolgicas com o meio, para todas as fases do seu ciclo de vida e no apenas para aquela em que

    atinge capacidade vectorial.

    Os trs primeiros estdios so referidos por Becker et al. (2003) como tendo lugar geralmente em

    massas de guas estagnadas permanentes ou semipermanentes, tanto salobras como doces, mas com

    ligeira preferncia para estas ltimas e dispondo na maioria dos casos de boa exposio solar com

    alguma vegetao. Pires et al. (1982) atribuem uma especial importncia aos charcos temporrios

    em leitos de rios. Assim as reas preferenciais nestas fases referem-se sobretudo a guas interiores

    dulciaqucolas pouco profundas, tais como: charcos, pntanos, campos de arroz, leitos de rios e

    ribeiras com estiagem, canais de rega, tanques artificiais, lagoas e alguns lagos menos profundos.

    Outras reas tambm se devem considerar, embora partida com uma adequabilidade menor, como

    o caso das lagoas costeiras, margens de rios de guas calmas e pouco profundas, margens de

    albufeiras, lagos profundos e esturios.

    Cambournac e Hill (1938) referem que, uma vez atingida a fase adulta (cerca de 30 dias aps a

    oviposio), estes mosquitos tendem a procurar abrigo em estbulos, pocilgas, coelheiras ou outros

    tipos de instalaes animais, necessitando de se alimentar de sangue para viabilizar as suas posturas.

    Este autor refere ainda que apesar de uma elevada resistncia a temperaturas elevadas, o seu

  • 15

    comportamento bastante sensvel a variaes neste factor, sendo determinante em aspectos como a

    realizao e/ou durao do perodo de hibernao, tipo de abrigo escolhido ou estimulo

    alimentao. Deve-se ainda destacar o papel das baixas temperaturas na capacidade de resistncia

    dos adultos durante o perodo de hibernao.

    Paaijmans et al. (2007) referem a elevada importncia que os eventos de precipitao desempenham

    na mortalidade da espcie Anopheles gambiae s.l., aquando da sua fase aqutica. Estes autores

    identificam a existncia de elevados quantitativos deste factor como uma das principais causas de

    diminuio de produtividade de criadouros destes mosquitos. Considerando a sua proximidade

    filogentica e o desconhecimento acerca da existncia de estudos que analisem esta relao para An.

    atroparvus, o efeito da precipitao sobre a espcie de estudo apresenta-se tambm como

    potencialmente importante.

    Na literatura consultada no foram encontradas referncias relativas a interaces biticas

    susceptveis de alterar a sua distribuio na rea de estudo. Nestas deve-se, no entanto, considerar as

    que compreendem os seus hbitos alimentares zooflicos, e que partida implicam uma influncia

    escala local nas preferncias de habitat da espcie. A ampla distribuio europeia desta espcie

    (Ramsdale e Snow, 2000) e em Portugal (Ribeiro et al., 1988), sugere que as barreiras naturais no

    se apresentem tambm como uma condicionante importante na sua disperso e abundncia para a

    rea de estudo.

    c) Seleco das variveis independentes

    De acordo com o conhecimento existente acerca dos factores ambientais que determinam as

    condies de adequabilidade para a espcie, torna-se necessrio que estes sejam traduzidos

    espacialmente, de forma permitir a sua integrao no processo de modelao espacial.

    Aps a conjugao do conhecimento acerca da ecologia da espcie com os dados disponveis e

    tendo em conta a possibilidade de ocorrncia de sobre-ajustamento dos modelos preditivos aquando

    da utilizao de um nmero demasiado elevado de variveis independentes com registos amostrais

    reduzidos (Heikkinen et al., 2006), consideraram-se cinco variveis independentes: temperatura

    mxima mdia do trimestre mais quente, temperatura mnima mdia do trimestre mais frio,

    precipitao total anual mdia, disponibilidade e adequabilidade de zonas hmidas e disponibilidade

    e adequabilidade de uso de solo agrcola.

    Seria ainda eventualmente interessante incluir outros factores susceptveis de influenciar a

    distribuio de espcies, como possveis interaces biticas ou eventuais barreiras biogeogrficas,

    no entanto, a falta de conhecimento acerca destas, aliada indisponibilidade de informao

    espacial, impossibilita a sua incluso.

  • 16

    Temperaturas extremas mdias

    A incluso de modelos representativos da variao espacial da temperatura foi considerada tendo

    em conta a influncia que esta tem, quer de forma directa sobre o comportamento e fisiologia da

    espcie, como j descrito anteriormente, quer de forma indirecta, atravs da sua influncia sobre

    outros factores ecolgicos como a variao dos valores de profundidade e disponibilidade de guas

    paradas. Para isso foram consideradas duas variveis: a temperatura mxima mdia do trimestre

    mais quente e a temperatura mnima mdia do trimestre mais frio, para o perodo 1950-2000. A

    opo de utilizao destas duas variveis, em simultneo, para representar um nico factor

    ecolgico prende-se com uma melhor representao dos seus contrastes espcio-temporais, algo que

    no seria possvel de obter com a utilizao de um modelo anual mdio.

    A informao espacial respeitante a estas variveis foi obtida directamente em estrutura de dados

    matricial, derivadas do projecto Worldclim. Este projecto tem por objectivo fornecer informao

    bioclimtica mundial gratuita, num detalhe considerado elevado ( 1km2), de forma a permitir a sua

    integrao em processos de modelao espacial (Hijmans et al., 2005). So encontrados vrios

    exemplos de utilizao desta informao em modelao biogeogrfica (e.g. Giriraj et al., 2008).

    Hijmans et al. (2005) efectuaram estes modelos atravs de processos de interpolao espacial de

    informao proveniente de vrias fontes e referentes ao perodo 1950-2000, sobre as quais foi

    aplicado um algoritmo constante na aplicao informtica Anusplin v. 4.3. Os modelos resultantes

    foram comparados com outros existentes, ainda que de menor resoluo espacial, tendo-se

    reconhecido a existncia de algumas discrepncias. Estas, no entanto, dizem respeito sobretudo a

    locais onde se regista uma reduzida densidade de dados de base, ou em grandes reas montanhosas.

    de referir ainda, em favor da fiabilidade desta informao, que data da sua realizao os

    modelos Worldclim constituam-se como os que incorporavam maior quantidade de informao de

    base (Hijmans et al., 2005). A representao cartogrfica destes modelos visvel nas figuras 1a e

    2a em anexo.

    Precipitao anual mdia

    A utilizao de valores de precipitao foi considerada devido potencial aco directa que

    desempenha sobre a capacidade produtiva dos criadouros, como verificado para outras espcies

    (Paaijmans et al., 2007), assim como sobre a disponibilidade e caractersticas de habitat dos trs

    primeiros estdios de vida de An. atroparvus, nomeadamente nos regimes dos cursos de gua,

    profundidade de massas de gua e disponibilidade de charcos temporrios.

    A informao espacial contnua deste factor para Portugal Continental foi tambm obtida atravs da

    base de informao do projecto Worldclim, para o perodo 1950-2000, sendo a sua metodologia de

  • 17

    realizao semelhante dos modelos de temperatura referidos anteriormente (Hijmans et al., 2005).

    A representao cartogrfica do modelo visvel na figura 3a em anexo.

    ndice de disponibilidade e adequabilidade de zonas hmidas

    A incluso de informao relativa proximidade e abundncia de zonas hmidas, depreende-se

    como de elevada importncia para a espcie considerando a sua relao directa com a

    disponibilidade de habitat para os trs primeiros estdios do seu ciclo de vida.

    Parte da informao desta varivel foi adquirida recorrendo informao Corine Land Cover 2000.

    Desta foram consideradas todas as reas pertencentes s classes indicadas no quadro Ia em anexo.

    O facto de um modelo correspondente aos limites espaciais destas reas de interesse ser

    espacialmente descontnuo, leva a que, no contexto deste trabalho, seja necessria a sua

    transformao para uma superfcie contnua. A forma utilizada para estabelecer esta continuidade

    foi atravs do clculo da sua densidade espacial. Esta densidade calculada de forma simples,

    correspondendo ao nmero de clulas que contm determinada tipologia de zona hmida num raio

    de 10 km. O valor de 10 km foi um valor definido subjectivamente, mas que se considera permitir

    caracterizar toda a envolvncia do local do registo referente disponibilidade deste tipo de reas.

    Alm disso foi ainda considerada a atribuio de diferentes ponderaes a cada uma das reas, de

    acordo com a adequabilidade indicada na sua caracterizao ecolgica e em conjugao com o

    conhecimento de especialistas. Para isso foram definidas trs classes: uma, considerada como a que

    oferece menores condies como criadouro de An. atroparvus; outra, com as condies

    consideradas intermdias; e uma terceira onde se incluem as tipologias consideradas possuidoras de

    condies ptimas. A tipologia de reas hmidas agrupadas em cada uma destas classes visvel no

    quadro IIa em anexo.

    Para cada uma destas classes foi calculada a sua densidade, sendo os trs modelos posteriormente

    agregados com uma ponderao definida linearmente por cada uma das trs aptides consideradas,

    como consta na equao seguinte:

    sendo M o modelo final, m1 o modelo de menor aptido, m2 o de aptido intermdia e m3 o de maior

    aptido. Este modelo foi posteriormente relativizado para um intervalo de 0 a 100 como consta na

    equao seguinte:

    em que, x corresponde ao valor de cada uma das clulas constituinte do modelo, e max(M) ao valor

    Mr = ( x max (M ) ) 100

    M = m1 + m2 2 + m3

    3

  • 18

    mximo encontrado no modelo M. O modelo resultante visvel na figura 4a em anexo.

    ndice de disponibilidade e adequabilidade de uso de solo agrcola

    A utilizao de um modelo de densidade de uso de solo agrcola pretende actuar como indicador da

    aptido existncia de exploraes animais, ao ar livre, ou dentro de instalaes. Esta aproximao

    parte do pressuposto, ainda que generalista, de que as reas com maior intensidade agrcola

    apresentam maior apetncia a possuir exploraes de animais, quer como actividade econmica,

    quer para consumo domstico. Para mais, este indicador no necessita de entrar em conta com as

    preferncias alimentares de An. antroparvus, visto que este aparentemente no possui apetncia por

    nenhuma espcie em particular (Ribeiro et al., 1992).

    A realizao deste modelo baseou-se na informao Corine Land Cover 2000, tendo-se desta

    extrado os usos de solo com utilizao agrcola. semelhana do modelo relativo s zonas

    hmidas procedeu-se, com recurso a conhecimento de especialistas, ponderao das classes de uso

    por apetncia existncia de animais. Alm das classes de uso agrcola, inclui-se uma classe de uso

    respeitante a todas as reas no agrcolas. Estas classes e ponderaes atribudas encontram-se no

    quadro IIIa em anexo. Foi tambm utilizado um raio de 10km para o clculo do valor de densidade,

    tendo-se procedido posteriormente ponderao e relativizao do modelo como efectuado para a

    varivel anterior. O modelo resultante visvel na figura 5a em anexo.

    d) Anlise das relaes entre variveis independentes

    A escolha e utilizao de variveis independentes para integrao com modelos correlativos para

    modelao da distribuio de espcies deve ter em considerao a sua possvel multicolinearidade

    (Guisan e Thuiller, 2005). A multicolinearidade pode ser entendida como a existncia de duas ou

    mais variveis independentes numa anlise de regresso mltipla (binria ou no) que se encontram

    altamente correlacionadas. Esta situao pode causar instabilidade nos coeficientes dos modelos

    dificultando a sua interpretao (Christensen, 1997), ainda que no afecte os seus resultados

    preditivos.

    De forma a prevenir a ocorrncia de multicolinearidade entre variveis foi calculada uma matriz de

    coeficientes de correlao de Pearson entre as variveis independentes. A opo por este mtodo

    baseia-se no princpio referido por Berry e Felman (1985), de que variveis com correlaes com

    valores de r >-0,7 ou r

  • 19

    matriz resultante visvel no quadro I.

    Quadro I Matriz de coeficientes de correlaes de Pearson das variveis independentes.

    Precipitao

    reas agrcolas 1 - - - -Precipitao -0,51 1 - - -

    Trimestre frio 0,2 -0,64 1 - -Trimestre quente 0,44 -0,69 0,63 1 -Zonas hmidas 0,19 -0,25 0,48 0,29 1

    reas agrcolas

    Trimestre frio

    Trimestre quente

    Zonas hmidas

    Com a anlise do quadro I possvel verificar a inexistncia de correlaes superiores aos limites

    de -0,85 e 0,85. possvel assim integrar quaisquer destes na totalidade dos modelos estatsticos de

    integrao considerados para o presente trabalho.

    2.3.3. Mtodos estatsticos de integrao da informao

    O nmero de modelos de integrao estatstica passvel de ser utilizado na modelao correlativa da

    distribuio de espcies elevado e diverso (Guisan e Zimermann, 2000). O seu papel o de obter

    valores de resposta que traduzam a adequabilidade do habitat atravs da conjugao dos valores das

    variveis independentes respeitantes distribuio conhecida da espcie.

    Possivelmente a caracterstica mais importante e que tem sido alvo de vrios estudos prende-se com

    a comparao dos seus desempenhos preditivos (e.g. Brotons et al., 2004; Segurado e Arajo, 2004;

    Tsoar et al., 2007), mas ainda assim estes modelos diferem em vrias outras caractersticas, que

    muitas vezes condicionam ou potenciam a sua utilizao na modelao da distribuio de espcies.

    Uma das principais distines, assim como condicionantes na sua escolha, prende-se com o tipo de

    dados possveis de integrar. Estes so considerados tanto ao nvel da varivel de resposta, que pode

    ser contnua (e.g. abundncias), dicotmica (presenas-ausncias) ou de presena apenas, como nas

    variveis independentes, que podem ser contnuas ou categricas. Os modelos que requerem

    variveis resposta do tipo contnuo, compreendem alguns dos mtodos mais comuns em estatstica

    preditiva, como as regresses lineares mltiplas (e.g. Caldwell, et al., 2004). Os que integram

    registos de presenas e ausncias (ou pseudo-ausncias), baseiam-se no contraste entre os valores

    referentes a estes dois tipos para obter o valor de resposta. Nestes incluem-se mtodos como as

    regresses logsticas binrias, modelos aditivos generalizados, redes neuronais artificiais ou rvores

    de classificao e regresso (e.g. Thuiller, 2003). Os modelos que utilizam apenas registos de

  • 20

    presena podem ainda ser desagregados em duas tipologias: os que requerem ou geram dados

    representativos da variabilidade existente na rea de estudo e os que utilizam unicamente

    informao relativa aos locais onde foi encontrada a espcie. Dentro do primeiro grupo encontram-

    se algoritmos mais complexos como Maxent (Philips et al., 2006) ou DesktopGarp (Stockwell e

    Peters, 1999); no segundo encontram-se sobretudo tcnicas de medio de similaridade como as

    mtricas de Gower e de Mahalanobis (e.g. Tsoar et al., 2007).

    Os modelos diferem ainda em algumas outras caractersticas de relevo, como o tipo de resposta

    obtido ser do tipo contnuo ou categrico, na possibilidade de anlise interpretativa do contributo

    das variveis independentes ou no grau de integrao com informao espacial. Esta ltima, por

    vezes ignorada, apresenta-se muitas vezes difcil de superar pela complexidade inerente ao processo

    de espacializao dos resultados obtidos. De modo a ultrapassar esta barreira, existem vrias

    aplicaes que integram directamente a informao em formatos de dados tpicos de programas SIG

    (e.g. Maxent; DesktopGarp, OpenModeler...). No entanto, a larga maioria e sobretudo os modelos

    mais recentes na rea necessitam que se proceda posteriormente espacializao dos seus

    resultados (e.g. rvores de classificao ou regresses de modelos aditivos generalizados).

    Tendo em conta esta elevada variabilidade, a escolha de um nico mtodo implica a perda de vrias

    potencialidades presentes noutros. Alm disso, a explorao de vrios mtodos em simultneo

    sugerida na modelao da distribuio de espcies, como forma de diminuir a incerteza do processo

    (Pearson et al., 2006). Considerando estas prerrogativas e o potencial ganho tanto informativo como

    de desempenho preditivo dos resultados, optou-se pela utilizao de trs modelos distintos na

    integrao de dados: distncia de Mahalanobis, regresso logstica binria e redes neuronais

    artificiais.

    a) Distncia de Mahalanobis

    A distncia de Mahalanobis (D2) corresponde a uma medida de afastamento n-dimensional a um

    valor mdio de um conjunto de dados. Esta medida, quando aplicada modelao da distribuio de

    espcies, como o caso, calcula a similaridade existente entre o valor multidimensional mdio do

    conjunto de registos de presenas da espcie e cada um dos locais da rea de estudo considerada.

    A sua forma de clculo dada pela equao seguinte:

    D2 = (x - m)T C-1 (x - m)

    correspondendo x ao vector de valores das variveis independentes, m ao vector de valores mdios

    de x, T indica a transposio de vector, C-1 corresponde matriz invertida da covarincia das

    variveis independentes. Os resultados correspondem a unidades padronizadas de distncia, sendo

    que as isolinhas dos seus valores em torno do centro mdio formam espaos multidimensionais,

  • 21

    correspondendo estes a uma elipse aquando da utilizao de apenas duas variveis ou um elipside

    quando o seu nmero superior.

    Este mtodo caracteriza-se por necessitar apenas de registos de presena, permitindo desta forma

    reduzir a influncia de eventuais erros ou enviesamentos existentes no conjunto de registos de

    ausncias. A menor avidez de dados relativos distribuio das espcies e maior simplicidade, que

    caracteriza a maioria dos mtodos com apenas registos de presenas, faz, no entanto, com que estes

    apresentem geralmente desempenhos preditivos inferiores aos que integram os dois tipos de registos

    (Austin e Meyers, 1996). A distncia de Mahalanobis, ainda assim, caracteriza-se por ser um dos

    mtodos com desempenhos mais elevados dentro deste grupo (Tsoar et al., 2007). Alm disso, os

    seus resultados so de fcil interpretao e no so afectados pela existncia de diferentes escalas de

    medida nas variveis, nem por possveis correlaes entre estas. Esta conjugao de factores

    associada incerteza que muitas vezes caracteriza a identificao segura de ausncias (ou baixas

    densidades) (Brotons et al., 2004), fez com que fosse um dos mtodos escolhidos para incluso

    neste trabalho.

    b) Regresso logstica binria

    A regresso logstica binria corresponde a um modelo estatstico pertencente classe dos modelos

    lineares generalizados. De um modo simples, esta calcula a probabilidade de determinado tipo de

    resposta da varivel dicotmica em funo do valor das variveis independentes. Este modelo

    apresenta-se particularmente bem adaptado ao tipo de estudo a que aqui se aplica, uma vez que

    utiliza uma varivel dependente dicotmica (e.g. presena/ausncia), no assumindo a sua

    distribuio normal (lvarez-Arbes e Felicsimo, 2002). Os valores resultantes expressam-se num

    intervalo entre 0 e 1 e so entendidos como a probabilidade de adequao do habitat espcie.

    Caracteriza-se tambm por ser um modelo de fcil integrao com dados SIG matriciais atravs da

    aplicao directa da sua equao sobre os dados representativos das diversas variveis. Para se

    entender o seu modelo multivariado, necessrio inicialmente ter em considerao a curva logstica

    traduzida pela seguinte expresso:

    P 1

    1 e (a bX )

    em que P corresponde probabilidade de uma resposta do tipo presena, e a base do logaritmo

    natural, e a e b aos parmetros do modelo. O valor de a corresponde probabilidade de P quando a

    varivel X igual a zero e b a um valor que faz o ajustamento da probabilidade com a variao do

    valor de X. Esta funo comummente visvel sob a forma grfica como consta na figura 2.

  • 22

    Figura 2 Expresso grfica generalizada da funo logstica (Fonte: http://www.123exp-math.com/)

    A estimao dos parmetros da equao obtida por uma funo de mxima verosimilhana. Para

    isso os parmetros so testados de forma iterativa (aleatoriamente ou por aprendizagem) sendo

    escolhidos os que apresentarem a mxima verosimilhana (probabilidade condicional dos dados por

    determinada estimao de parmetros) com os dados da amostra. A sua forma multivariada dada

    por:

    P e(0 1X1 2X2... nXn)

    1 e(0 1X1 2X2... nXn)

    em que P corresponde probabilidade de adequao espcie, e base do logaritmo natural, 0 um

    valor constante, 1 a n aos coeficientes da regresso e X1 a Xn a cada uma das variveis

    independentes.

    Este modelo tem como mais-valia o facto de permitir a interpretao da relao entre as variveis

    independentes e a dependente, atravs dos valores de parmetros obtidos. Esta conjugao de

    caractersticas tem tornado a regresso logstica binria como um dos modelos estatsticos mais

    usados e divulgados em processos de modelao da distribuio de espcies (Guisan et al., 2006),

    tendo por isso sido escolhido para integrar este trabalho.

    c) Redes neuronais artificiais

    As redes neuronais artificiais podem ser entendidas como modelos estatsticos adaptativos,

    baseados na estrutura de funcionamento do crebro. Dizem-se adaptativos porque conseguem

    aprender a estimar os parmetros de uma populao, utilizando um pequeno nmero de exemplares

    desta (Abdi, 2003). A sua estrutura constituda por unidades simples, designadas de neurnios, por

    analogia com as unidades cerebrais e por arcos que podem efectuar vrios tipos de ligao entre os

  • 23

    neurnios.

    Estes modelos estruturam comummente as suas unidades em vrias camadas, em que a primeira

    geralmente designada de camada de entrada, e a ltima, a de sada. As camadas intermdias, quando

    existentes, so designadas de camadas ocultas. Seguindo esta estrutura para um modelo preditivo, a

    informao a ser analisada pela rede d entrada pelos neurnios da camada de entrada e propagada

    atravs dos arcos (ligaes entre camadas) para a camada seguinte. Posteriormente, o resultado

    deste processamento propagado para os neurnios da prxima camada, e assim por diante at que

    seja atingida a camada de sada. Este fluxo tem como objectivo apreender as associaes existentes

    entre os padres das variveis consideradas no dependentes (de entrada) e as dependentes (de

    sada). O processo de aprendizagem realizado atravs da alterao dos valores de ponderao (por

    atenuao ou amplificao), atribudos aos arcos que ligam cada neurnio, em funo do

    desempenho obtido, ou seja a diferena entre valores modelados e valores obtidos (erro resultante).

    Em termos de modelao preditiva, pode-se considerar as redes neuronais como sendo a tentativa

    contnua de optimizao de um nmero de parmetros no lineares de forma a melhor traduzir a

    relao existente entre um conjunto de valores de entrada com um conjunto de valores de sada.

    Figura 3 Modelo genrico do tipo perceptro mltipla camada (adaptado de: Sarip, 2005, p. 4)

    O modelo utilizado para efectuar esta investigao apresenta uma estrutura perceptro mltipla

    camada. Esta estrutura, sendo uma das mais populares, constituda por uma camada de entrada,

    uma ou mais camadas ocultas e uma camada de sada (figura 3).

    Tendo em conta a sua natureza no paramtrica, a utilizao de redes neuronais indicada,

    sobretudo, nos casos em que as relaes existentes entre dados de entrada e dados de sada no so

    conhecidas com exactido, ou quando so de extrema complexidade e no lineares, como

    frequentemente o caso das relaes ecolgicas (Lek e Gugan, 1999). Deve-se ainda referir que este

    um dos algoritmos que tem obtido resultados preditivos com desempenho mais elevado neste tipo

  • 24

    de aplicaes (Thuiller, 2003; Segurado e Arajo, 2004).

    2.3.4. Calibrao dos modelos preditivos

    Anteriormente implementao dos mtodos preditivos considerados, necessrio proceder

    preparao da informao dependente sob a forma de dados de calibrao e dados de validao. Os

    dados de calibrao correspondem a registos que iro integrar o modelo preditivo, ou seja, valores

    nos quais este se ir basear para efectuar a estimao. Os registos de validao correspondem a

    registos que so utilizados para averiguao do desempenho preditivo de cada um dos modelos

    obtidos, na sua forma mais comum, atravs da comparao do seu valor com os valores estimados.

    Considerando a existncia de um nmero total relativamente reduzido de registos (n=92), foi

    considerada a utilizao de um mtodo de validao cruzada com separao de registos por

    conjuntos (k-fold). Este mtodo consiste na obteno de vrios conjuntos de registos de validao

    independentes, sendo o modelo calibrado com os restantes registos, tantas vezes quanto o nmero

    de conjuntos. Cada um destes modelos ento validado pelos respectivos registos de cada conjunto.

    A utilizao deste mtodo evita uma excessiva utilizao de registos de validao como acontece

    aquando da utilizao de um conjunto nico, permitindo assim avaliar modelos em que o nmero de

    registos reduzido (Hirzel et al., 2006). Assim, foram considerados trs conjuntos, cada um dos

    quais com 13 registos, 2 de ausncias e 11 de presenas, num total de 39 registos de validao. Este

    valor corresponde extraco de cerca de 15% do nmero total de cada tipo de registos por

    conjunto. A utilizao de valores de percentagem idnticos para as duas classes permite que a

    prevalncia da espcie (proporo entre registos de ausncia e presena da espcie), transmitida

    pelos registos calibrao, permanea inalterada. A sua escolha foi efectuada de forma inteiramente

    aleatria.

    A informao respeitante s variveis independentes foi tambm compatibilizada, tendo sido

    convertida para estruturas matriciais com resoluo espacial de 1km2 (clula quadrada de 1000m).

    Este valor foi considerado ideal, tendo em conta vrios factores: a posio geogrfica dos

    levantamentos ser referente localidade onde foi efectuado, estimando-se aqui a existncia de um

    erro posicional no superior a 500 metros; ser um valor que no implica uma elevada capacidade de

    processamento informtico considerando a extenso da rea de estudo; e, por fim, por corresponder

    ao nvel mximo de detalhe espacial obtido para algumas das variveis independentes (temperatura

    e precipitao).

    Para cada um dos mtodos foi realizada a incluso simultnea das cinco variveis independentes

    anteriormente referidas. Uma seleco destas a priori propicia uma maior uniformizao nos

  • 25

    resultados obtidos pelos diferentes mtodos, permitindo uma melhor avaliao comparativa

    posterior. Os prprios procedimentos de seleco automtica de variveis so sensveis a pequenas

    alteraes nas variveis dependentes, podendo levar a uma escolha substancialmente diferente de

    variveis independentes (Guisan et al., 2002). Estes podem ainda originar modelos biologicamente

    implausveis ou integrantes de variveis irrelevantes ou com rudo (Pearce e Ferrier, 2000). Esta

    escolha reforada ainda pelo facto do conjunto de variveis considerado derivar de uma reviso

    bibliogrfica relativamente exaustiva acerca dos factores ambientais influentes na distribuio da

    espcie em estudo.

    a) Modelao com recurso distncia de Mahalanobis

    A calibrao do modelo da distncia de Mahalanobis foi efectuada directamente sobre a informao

    espacial com recurso ao mdulo Mahalanobis Distances (Jenness, 2003), para o programa SIG

    ArcView. Este mdulo utiliza os registos de presena para gerar valores mdios das variveis

    independentes e uma matriz de covarincias. Posteriormente efectua a inverso da matriz de

    covarincias e aplica a equao que traduz a medida de distncia a toda a extenso da rea de

    estudo. Devido separao dos dados em trs conjuntos para efeitos de validao houve

    necessidade de se efectuar trs modelos com base em cada um dos conjuntos de registos de

    presenas. O modelo final (figura 4), foi obtido atravs da mdia dos resultados desses trs

    modelos. O quadro II apresenta alguns valores estatsticos de cada um dos modelos obtidos.

    Figura 4 Adequabilidade de habitat para Anopheles atroparvus com base na distncia de Mahalanobis

  • 26

    Quadro II Estatsticas descritivas simples dos modelos da distncia de Mahalanobis.

    Q1 Q3

    8,35 9,01 0,05 3,13 5,74 11,32 158,2

    8,42 8,77 0,06 3,27 5,75 11,18 152,48

    8,17 8,61 0,03 3,14 5,55 10,87 156,41

    Mdia D.P. Mnimo Mediana Mximo

    1 Conjunto de calibrao

    2 Conjunto de calibrao

    3 Conjunto de calibrao

    Com a anlise do quadro II possvel verificar que a amplitude de valores obtidos para este mtodo

    relativamente elevada, sendo o seu valor mais baixo (que neste modelo representativo de uma

    maior adequabilidade espcie) correspondente a 0,03 unidades padronizadas, tendo o local mais

    distinto da mdia multidimensional que caracteriza a presena da espcie um valor de 158,2. Ainda

    assim, a anlise dos seus quartis evidencia uma concentrao de valores junto do incio da sua

    distribuio, correspondendo o valor mximo registado para o 3. Quartil, a somente 11,32

    unidades. Deste modo evidencia uma tendncia deste modelo para a criao de reas de elevada

    adequabilidade, considerando uma variao linear da adequabilidade entre os seus valores mximo

    e mnimo.

    b) Modelao com recurso regresso logstica binria

    A realizao da regresso logstica binria foi efectuada no programa de tratamento estatstico

    Minitab 14. O grau de ajustamento de cada modelo foi verificado atravs do teste de Hosmer-

    Lemeshow. Este teste efectua a diviso das probabilidades obtidas, calculando posteriormente um

    teste de qui-quadrado entre as frequncias observadas e as esperadas. Posteriormente, este teste

    realiza um clculo do valor de probabilidade do qui-quadrado, com 8 graus de liberdade sobre o

    ajustamento da regresso. Se o seu valor for superior a 0,05 considera-se a no existncia de uma

    diferena significativa entre os valores modelados e os valores efectivamente observados, como

    idealmente pretendido. Foi ainda verificada a quantidade de classificaes correctas de registos de

    calibrao dos modelos para um limiar de probabilidade de 0,5. A espacializao dos resultados foi

    obtida pela aplicao da equao da regresso, com os parmetros obtidos por cada modelo, no

    interpretador de lgebra de mapas do SIG Ilwis 3.4 Open. O quadro III apresenta a percentagem de

    classificaes correctas para este limite e os resultados dos testes de Hosmer-Lemeshow para cada

    um dos trs modelos realizados, constando na figura 5 o modelo final, resultante da sua mdia.

  • 27

    Quadro III Testes de Hosmer-Lemeshow e percentagem de classificaes correctas para os modelos de

    regresso logstica.

    H-L (p)

    1 Conjunto de calibrao 0,527 96,9 64,3

    2 Conjunto de calibrao 0,962 96,9 57,1

    3 Conjunto de calibrao 0,942 96,9 71,4

    % presenas correctas (L=0,5)

    % ausncias correctas (L=0,5)

    Figura 5 Adequabilidade de habitat para Anopheles atroparvus com base na regresso logstica binria

    Pode-se verificar atravs da anlise do quadro III, que a totalidade dos modelos apresentou valores

    no significativos para o teste de Hosmer-Lemeshow, indicando uma elevada proximidade entre os

    valores modelados e os valores efectivamente observados. Relativamente aos valores de

    classificaes correctas verifica-se uma tendncia geral para melhores classificaes correctas para

    as presenas, com um valor uniforme de 96,9%. Esta situao pode dever-se ao facto da razo de

    prevalncia da espcie apresentar um peso muito superior deste tipo de registos, incutindo ao

    modelo uma tendncia para sobre-estimao de probabilidade de presena.

    c) Modelao com recurso a rede neuronal artificial

    Para a implementao deste modelo de estimao utilizou-se a aplicao informtica Tiberius Data

    Mining. A camada de entrada da sua estrutura perceptro mltipla camada integra as diversas

    variveis independentes, correspondendo a camada de sada ao conjunto de valores de presena (1),

  • 28

    ou ausncia (0) da espcie. Foi ainda considerada unicamente uma camada oculta, com um nmero

    de neurnios idntico aos constantes na camada de entrada (5). A opo por este valor prende-se

    com a possibilidade de ocorrncia de um sobre-ajustamento aos dados, derivado de um nmero

    demasiado elevado de parmetros em mtodos de estimao no paramtricos, como as redes

    neuronais (Liu et al., 2007).

    Aps a configurao da rede, indicado o tipo de aprendizagem que esta vai efectuar. O sistema

    Tiberius utiliza a retropropagao do erro, correspondendo este processo a um mtodo de

    aprendizagem por correco contnua do mesmo. Esta realiza-se em duas fases: inicialmente

    emitido um valor de teste, no sentido directo (da camada de entrada para a de sada), em que as

    ligaes das camadas apresentam um valor fixo. Posteriormente, ao atingir a camada de sada,

    gerado um sinal de erro obtido atravs da diferena entre valores estimados com os constituintes da

    camada de sada. Este sinal de erro obtido posteriormente propagado de volta atravs dos mesmos

    neurnios, sendo os pesos das ligaes reajustados de forma a aproximar, o mais possvel, os

    valores obtidos com os da camada de sada. Como medida de erro neste processo de aprendizagem

    foi definido o erro quadrtico mdio (EQM). Como perodo de treino para cada estimao foram

    consideradas 400 000 pocas (ciclo de aprendizagem em que a informao percorre a totalidade das

    camadas) e que corresponde a aproximadamente duas horas de processamento num computador

    AMD Turion 2.2 Ghz, com 1Gb de memria RAM.

    A natureza heurstica das redes neuronais artificiais, leva a que diferentes episdios de modelao

    apresentem resultados preditivos distintos. De forma a lidar com esta variabilidade, um mtodo

    comummente adoptado corresponde gerao de um conjunto de modelos por cada conjunto de

    dados, procedendo-se posteriormente ao clculo de um modelo mdio (e.g. Segurado e Arajo,

    2004). Neste sentido foram realizados trs modelos por cada conjunto de dados de calibrao, sendo

    o modelo final para aquele conjunto correspondente sua mdia aritmtica simples. O modelo final

    (figura 6) deste mtodo de integrao corresponder, por sua vez, mdia destes trs modelos

    mdios.

    A espacializao dos resultados foi obtida pela aplicao das equaes que traduzem as relaes

    encontradas pela rede neuronal artificial sobre os modelos matriciais das variveis independentes.

    Estas equaes so fornecidas pelo programa informtico em formato directamente transponvel

    para o interpretador de lgebra de mapas do Ilwis 3.4 Open.

    Para averiguao preliminar dos resultados de cada modelo foram calculadas as percentagens de

    registos de calibrao correctamente identificados, para um limite de adequabilidade de 0,5. O

    quadro IV apresenta os valores obtidos e respectivos EQM mnimos alcanados ao longo de todo o

    processo de aprendizagem.

  • 29

    Figura 6 Adequabilidade de habitat para Anopheles atroparvus com base em redes neuronais artificiais

    Quadro IV Mnimos erros quadrticos mdios e percentagem de classificaes correctas para os modelos

    de redes neuronais artificiais.

    Modelo EQM mnimo

    1 Conjunto de calibrao

    1 0,38 86,2 85,7

    2 0,34 92,3 61,5

    3 0,35 90,1 68,5

    2 Conjunto de calibrao

    1 0,33 95,4 15,4

    2 0,38 86,2 47,3

    3 0,38 82,5 78,3

    3 Conjunto de calibrao

    1 0,36 95,4 31,4

    2 0,37 88,5 54,2

    3 0,35 90,8 31,4

    % presenas correctas (L=0,5)

    % ausncias correctas (L=0,5)

    Atravs da anlise do quadro IV, verifica-se a existncia de valores de EQM mnimo bastante

    semelhantes para a generalidade dos modelos. Ainda assim, os modelos apresentam uma elevada

    variabilidade no seu comportamento preditivo, considerando um limite de adequabilidade de 0,5.

    Verifica-se, tal como para o modelo anterior da regresso logstica, uma tendncia para sobre-

    estimao de valores de presena em contraste com as ausncias, com pior desempenho preditivo.

    Esta situao encontra-se representada com particular evidncia no modelo que apresentou o valor

    de EQM mais reduzido (1. modelo do 2. conjunto de calibrao), sendo tambm este a apresentar

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    o valor mais baixo de ausncias correctas para o limite designado. Esta variabilidade, inerente

    natureza heurstica deste tipo de mtodos de estimao, evidencia a necessidade de se gerar

    mltiplos modelos a partir de um mesmo conjunto de dados, como foi efectuado.

    2.3.5. Validao de resultados

    Anteriormente interpretao e utilizao dos modelos obtidos torna-se necessrio proceder

    avaliao do desempenho preditivo de cada um. Este procedimento constitui-se como uma etapa

    fundamental no processo de modelao da distribuio de espcies. S com esta informao

    possvel avaliar a validade e aplicabilidade dos modelos obtidos (Arajo e Guisan, 2006). No

    contexto do presente trabalho, a avaliao preditiva permite ainda hierarquizar os diferentes

    modelos obtidos, possibilitando a escolha do mais adequado para a representao da distribuio da

    espcie em estudo. Muitas vezes a informao utilizada para a validao dos resultados obtidos

    apresenta problemas de dependncia espacial e temporal com os registos de calibrao, red