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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA CELSO DE ASSIS PACHECO NETO A TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS – DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA À CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS CURITIBA 2018

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

CELSO DE ASSIS PACHECO NETO

A TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS – DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA À CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS

CURITIBA

2018

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CELSO DE ASSIS PACHECO NETO

A TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS – DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA À CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS

Projeto de monografia como requisito parcial à aprovação na disciplina de monografia I, no segundo semestre de 2018, na Faculdade de Direito de Curitiba.

Orientadora: Professora Doutora Luciana Pedroso Xavier

CURITIBA

2018

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CELSO DE ASSIS PACHECO NETO

A TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS – DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA À CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formadas pelos

professores:

Orientador: ____________________________________

Professora Doutora Luciana Pedroso Xavier

____________________________________

Professor Membro da Banca

Curitiba, de de 2018

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RESUMO

O presente trabalho pretende demonstrar primeiramente a evolução histórica dos contratos, sendo abordado ao longo do tempo como as condições originais dos contratos passaram a ser flexibilizadas, em função da ocorrência de fatos supervenientes após a celebração dos mesmos. Desse modo, foi contemplada a transição do princípio pacta sunt servanda como único, para sua conjugação com a nova cláusula rebus sic standibus. Em seguida, foi comentado sobre a prevalência do interesse público nos contratos administrativos e os pressupostos da teoria da imprevisão neste campo do Direito. Por fim, concluiu-se o trabalho com uma análise das sessões referentes à alteração de contratos nas Leis de licitações brasileiras, desde 1986 até o Projeto de Lei 6814/17 ainda em discussão. O objetivo é demonstrar que a imprevisibilidade e a segurança jurídica devem ser tratadas de maneira prática para efetivar as políticas públicas de investimentos do país. Para tanto, estão sendo criados mecanismos que visam a resolução eficiente de eventuais divergências entre as partes nas hipóteses de imprevisão, pois a função social do contrato se dá quando o mesmo é concluído, ou seja, quando o objeto da avença é entregue para o Poder Público.

Palavras-chave: imprevisão, contratos administrativos, interesse público, revisão contratual.

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ABSTRACT

The present study intends to demonstrate first the historical evolution of the contracts, being approached over time as the original conditions of the contracts began to be flexibilized, due to the occurrence of supervenient events after the celebration of the same. Thus, the transition from the principle pacta sunt servanda as sole, to its conjugation with the new rebus sic standibus clause was contemplated. Then, it was commented on the prevalence of public interest in administrative contracts and the premises of the theory of unpredictability in this field of Law. Finally, the study was concluded with an analysis of the sessions regarding the alteration of contracts in the Laws of Brazilian biddings, from 1986 until Bill 6814/17 still under discussion. The objective is to demonstrate that unpredictability and legal certainty must be handled in a practical way to implement the country's public investment policies. To this end, mechanisms are being created to efficiently resolve possible disagreements between the parties in the hypotheses of unpredictability, since the social function of the contract is given when it is concluded, that is, when the object of the agreement is handed over to the Power Public. Key words: unforeseen, administrative contracts, public interest, contract review.

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FIGURA

Figura 1 Matriz de Riscos – Edital de Licitação 351/2018 da Sanepar ................................... 48

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 8

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONTRATOS .................................................. 10

2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ...................................................................................... 10

2.2. A PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ........................................................................................................ 23

2.3 DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA ............................................................... 25

2.4 DO PRINCÍPIO REBUS SIC STANDIBUS OU TEORIA DA IMPREVISÃO ................ 28

3 INFLUÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ....... 31

4 PRESSUPOSTOS DA TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ................................................................................................. 33

5 REVISÃO DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS ............................................... 34

5.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS ...................................................................................... 34

6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 52

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 54

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1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem o intuito de, identificados os preceitos das cláusulas

pacta sunt servanda e rebus sic stantibus, descrever a aplicação da teoria da

imprevisão em revisões de contrato, com o fito de não afastar o cumprimento de sua

função social. Após breve entendimento da evolução histórica dos contratos, inicia-

se a análise dos mecanismos de acompanhamento do feito acordado, ensejando no

cumprimento do desiderato em sua essência, em detrimento de detalhes

inicialmente avençados, os quais, eventualmente podem sofrer alterações, devido a

superveniências.

As motivações para o surgimento dos fundamentos pacta sunt servanda e

rebus sic standibus, a fim de tornar explícito o contexto da aparição do pensamento

de que os contratos devem ser cumpridos, independem da manutenção de todas as

condições firmadas entre as partes.

Ainda é exposta a razão da mudança que trouxe maleabilidade em possíveis

condições adversas. Enfatizou-se os contratos cujos objetos são complexos, tais

como obras de engenharia, em que comumente acontecem revisões contratuais.

Será abordada a aplicação de ferramentas citadas nas recentes legislações, tais

como a matriz de risco, utilizada em contratos celebrados no âmbito do RDC

(Regime Diferenciado de Contratações- Lei n° 12462/11) e pela Lei das Estatais (Lei

n°13303/16). Tal instrumento foi implementado para que a segurança jurídica do

contrato fosse fortalecida com a definição da titularidade dos ônus decorrentes de

imprevistos durante o contrato.

O nascimento do princípio pacta sunt servanda e da cláusula rebus sic

stantibus estará presente ao longo do texto para que seja verificado o momento em

que passa a vigorar a obrigatoriedade do cumprimento dos contratos, ainda que,

primeiramente, não haja subordinação do adimplemento à condição das partes.

Posteriormente, entendendo o contexto histórico, será verificada a razão da

mudança que trouxe flexibilização em possíveis condições adversas.

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É válido ressaltar que o conteúdo deste trabalho se baseia na prática jurídica

brasileira, ou seja, atentará somente aos problemas e possíveis soluções que sejam

compatíveis com a legislação pátria, com a contemporaneidade nacional, deixando

de lado assim teorizações importadas em respeito à prática social do país.

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2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CONTRATOS

Ao longo do trabalho se desenvolverá uma pesquisa que retrate a evolução

dos contratos, desde suas definições e conceitos primordiais até a abordagem do

princípio pacta sunt servanda que posteriormente é complementado pela cláusula

rebus sic stantibus, trazendo-os ao contexto dos contratos administrativos.

2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS

De acordo com Claudia Lima Marques (2005), 1‘’ a ideia de contrato vem

sendo moldada, desde os romanos, tendo sempre como base as práticas sociais, a

moral e o modelo econômico da época. O contrato por assim dizer, nasceu da

realidade social.’’

Ou seja, o conceito de contrato se desenvolve de acordo com as mudanças

de paradigmas da sociedade de cada época, conforme a sociedade reagia perante

as mudanças econômicas, políticas e sociais do país.

Segundo MAUSS. 2, As trocas e acordos, em sociedades primitivas e arcaicas

eram realizadas entre grupos de pessoas, pois as circunstâncias daquela época não

eram desenvolvidas suficientemente para permitir tratos entre indivíduos. Nesse

contexto, não havia simplesmente a cessão de uma dádiva, mas a relação era mais

abrangente, em que o líder de um clã ou tribo podia oferecer ou aceitar, em troca de

prestígio, as mais diversas gratificações. Por exemplo, eram oferecidos banquetes,

mulheres, crianças, festas, feiras e outros, para outra tribo da qual se desejasse uma

relação de respeito, de autoridade, de aceitação da condição de domínio de

determinado espaço. Desse modo, desenvolvia-se uma relação geral e permanente

entre tribos.

Outra questão a ser destacada é que as trocas não ocorriam somente com bens e

riquezas materiais, mas transcendiam a coisas sem valor econômico agregado

definido, com valor simbólico, envolvendo em certos casos crenças e espiritualidade

das partes. Desse modo, os contratos continham, às vezes, elementos místicos, que

1 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 37 2 MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão nas sociedades arcaicas. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Editora Cosac & Naify, 2003, Página 191- 200.

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formavam um sistema de prestações totais acordado, não se atendo a explicitar o

trato por regras ou formalidade.

Tempos depois, a partir do advento do Direito Romano, as avenças passaram

a ser realizadas também entre indivíduos. Começaram a surgir formatações

contratuais mais próximas das utilizadas contemporaneamente. Algumas

modalidades de contrato persistem até hoje. Pode-se citar os contratos de compra e

venda, de locação, mandato e sociedade empresarial. Nos primórdios do Direito

Romano, havia uma diferenciação entre pacto e contrato. Os pactos eram acordos

informais, enquanto os contratos preconizavam o aceite das condições através de

uma causa civilis, gerando necessariamente uma obrigação jurídica, ao contrário do

pacto.

Enfatiza-se também que os canonistas foram precursores da ideia de que

para um acordo ser constituído, bastava a declaração das vontades das partes.

Iniciaram a adoção dos princípios referentes ao consensualismo e da autonomia da

vontade 3.O consensualismo, este que é caracterizado pela vontade das partes

como quesito suficiente para o cumprimento do contrato, teve seu início no final da

idade Média, implementado durante Idade Moderna.

Como visto, o excesso de formalidade, comum no início do Direito Romano,

foi aos poucos sendo substituído por modos mais simples de pactuar. O

consentimento passou a ser suficiente para a celebração do acordo. (GOMES, p.35)

O crescimento do comércio do período clássico favoreceu o desenvolvimento

de novos conceitos, mais adequados para as circunstâncias ali vividas. Surgiu a

necessidade de figuras contratuais mais flexíveis. Até então, eram adotadas as

modalidades em que o nexum e a stipulatio constituíam a base do acordo. Porém, a

rigidez desses contratos limitava a ação prática da execução ou entrega do objeto. O

cumprimento do que havia sido combinado, devido às intransigências intrínsecas ao

contrato, acabava por convergir a uma série de dificuldades porque, em tese,

necessariamente, o acordo deveria ser realizado exatamente como combinado.

3 GOMES, Orlando. Contratos. 25ª ed. Rio De Janeiro: Forense, 2002, p. 5

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No período clássico, o nexum e a stipulatio foi aos poucos dando espaço a

acordos mais flexíveis, em que excepcionalmente, celebrava-se um contrato formal,

chamado de contrato literal, com o credor registrando a dívida do devedor.

Na tendência de flexibilização, surgiram os contratos reais, de um lado o

contrato de mútuo, correspondente ao empréstimo de coisas fungíveis, prescindindo

da formalidade demasiada do nexum; de outro lado, o depósito; o comodato; e o

penhor, considerados como a entrega da coisa sem a cessão da propriedade,

gerando-se o dever de restituição após a entrega.

Gaio classificou os contratos em verbais, reais, literais e consensuais. Cada

um desses tipos contratuais possuía procedimentos específicos, com sua própria

tutela processual e suas respectivas formas e ações contratuais típicas.

Durante o II século d.C, a regra de que os pactos não geravam obrigações foi

sendo atenuada, sendo reconhecida a obrigatoriedade de determinados pactos,

como os adjetos; os pretorianos; e os legítimos.

Os pactos adjetos constituíam direitos e obrigações suplementares, com força

obrigatória e eram realizados no ato da constituição do contrato de compra e venda.

Esses pactos são considerados acordos que modificam certos requisitos

contidos em um contrato preexistente, podendo atenuar ou acentuar as obrigações

do devedor. Os contratos podiam ser estabelecidos tanto durante, como

posteriormente à celebração.

Os pactos pretorianos eram acordos unilaterais, quando havia a solicitação da

parte supostamente lesada para que o pretor ratificasse o acordo, em que se firmava

o compromisso de respeito a todas as convenções, desde que as mesmas não

contivessem fraude, ilegalidade ou dolo.

Finalmente, os pactos legítimos surgiam a partir das constituições imperiais,

no qual as partes convocavam um árbitro para a solução de eventual lide.

Já durante o período justiniano, o acordo de vontades já bastava para gerar

obrigações, não sendo mais necessário o acréscimo de elemento objetivo, o que

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fomentou em uma considerável mudança nos procedimentos de análise de um

contrato, o que foi utilizado posteriormente como alicerce para a otimização do

consensualismo e a consagração do princípio da autonomia da vontade.

Pelo exposto, pode-se observar que a evolução do Direito Romano contribuiu

com relevância para construir o alicerce do sistema moderno de contratos, posto

que, nessa época nasceram tipos contratuais utilizados até a atualidade. Além disso,

lançou as bases do consensualismo e da autonomia da vontade, premissas

fundamentais para o Direito Contratual, que nos séculos XVIII e XIX atingiu seu

pleno desenvolvimento.

Após a queda do Império Romano, o Direito Germânico passou a

preponderar. Os contratos mantiveram um grande apego ao simbolismo e aos

rituais. As transações eram realizadas sem a utilização da moeda e raramente

haviam celebrações de contratos, já que a comunidade convivia apenas em núcleos

familiares, não havendo relações comerciais com frequência.

A compreensão de que a obrigatoriedade tinha origem no contrato e não na

vontade das partes, permaneceu do século XII ao XVII, pois os contratos eram

considerados espécimes definidos, onde as partes o incorporavam quando

ansiavam determinadas implicações jurídicas.

Deste modo, não obstante a escolha de participar do contrato ou não

coubesse exclusivamente às partes, o contrato não era conduzido conforme o

interesse de uma das partes, mas com o fito de alcançar uma justiça comutativa no

contrato, o que demonstra que a normatização dos acordos consistem em um

instrumento de equilíbrio, paz e justiça social, corroborando a afirmativa feita

previamente de que a verdadeira fonte das obrigações não era a vontade das

partes, mas sim o contrato.

O crescimento do mercado ensejou maior celeridade às relações contratuais

e as tornou menos complexas, viabilizando assim a adoção de determinados tipos

de acordos que somente vinculariam as partes caso tivessem validade e não

modificassem os elementos primordiais dos contratos. O desenvolvimento do

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comércio também propiciou o nascimento de outros tipos de contratos, que viabilizou

o surgimento de transações financeiras e operações de crédito.

Depois da queda do Império Romano, o Direito Germânico passou a

prevalecer. As relações de simbolismo e rituais no surgimento das obrigações ainda

eram fortes. As trocas eram realizadas sem utilização de moeda e havia poucas

celebrações de contrato, pois a sociedade convivia em núcleos familiares, com

atividades comerciais escassas.

Deste modo, a escolha de contratar ou não, embora coubesse

exclusivamente às partes, a sua condução não ocorria conforme o interesse de uma

parte ou de outra, mas com o fito de alcançar uma justiça comutativa no contrato,

razão pela qual a normatização dos acordos consistiam em um instrumento de

equilíbrio social, de paz e justiça. Esse fato corrobora a afirmativa feita

anteriormente, de que a fonte das obrigações não era a vontade das partes, mas sim

o contrato.

Essa estruturação do contrato viabilizou a troca de riquezas na sociedade, o

que permitiu com que o formalismo preponderante no Direito Romano e durante a

Idade Média fosse deixado de lado para conceber que a vontade das partes

propiciaria o nascimento de uma relação de obrigações, estabelecida com o

aparecimento do pensamento liberal e com os desdobramentos da Revolução

Francesa.

Aos poucos o formalismo foi perdendo espaço para a palavra que, uma

vez empenhada, ganhava força de lei. O Direito Canônico contribuiu para a doutrina

da autonomia da vontade. As obrigações eram ajustadas apenas pelo

consentimento das partes. Os canonistas atribuíam uma condição sagrada em

respeito à promessa verbal. Desse modo, passou a ser considerado pecado o

descumprimento das condições pactuadas. As solenidades características da época

Romana, tipicamente formais, foram substituídas pela simples promessa, que criava

a obrigação por si só. A valorização da palavra com força de contrato fortaleceu o

catolicismo, pois a fé cristã se disseminava por meio da oratória.

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Assim, a Igreja defendia que o simples pacto faria surgir a obrigação

jurídica, a qual possuiria força obrigatória a partir do ato do homem, popularizando o

princípio ex nudo pacto nascitur, ou seja, quando a palavra era dada

voluntariamente, a obrigação moral e jurídica ocorria para o indivíduo de maneira

implícita. Desse modo, estabelecia-se o contrato como um instrumento abstrato e

como padrão jurídico4.

Na Alemanha do século XVII, representando a escola Naturalista, Kant

apud Marques5 defendeu que “a autonomia da vontade seria o único princípio de

todas as leis morais e dos deveres que lhes correspondem”.

O naturalistas defendiam que a manifestação de vontade seria fonte das

obrigações, e que as mesmas deveriam obrigatoriamente ser cumpridas, com força

de lei, cujos deveres decorreriam naturalmente do empenho da palavra. Apenas

outra manifestação de vontade poderia alterar o acordo inicial.

Houve também forte influência das teorias econômicas do século XVIII. O

liberalismo econômico pregava a ideia de igualdade, ditada pela Revolução

francesa, em que a liberdade de condições do contrato serviria para todas as

pessoas, independente de sua posição social, tornando o mercado justo e seguro.

Houve também a contribuição do modelo capitalista, com a influência do

desenvolvimento comercial, com simplificação nas relações de troca de mercadorias.

Um dos exemplos dessa facilitação é a criação da moeda, que permitiu o surgimento

das operações de crédito, não sendo mais o escambo a única modalidade de

atividade comercial. Assim, a garantia do cumprimento do contrato passou a ocorrer

por meio do repasse de valores monetários, inferindo às transações segurança

jurídica para o credor, mesmo em casos de entregas futuras das mercadorias.

O surgimento do Modelo de Contrato Moderno, sofreu grande influência

de Rousseau, que criou a Teoria do Contrato Social, a qual compreende o contrato

como instrumento de validação da autoridade do Estado, isto é, o contrato nasce a

partir do momento em que os indivíduos abrem mão de parcela de sua liberdade 4 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 43 5 KANT, Kritk der Praktischen vernunft Apud Reale/Nova p. 60 citado por Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 44

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natural, para adquirir a liberdade civil, com zelo ao bem comum, constituindo um

acordo de vontades e obrigações entre os cidadãos que fazem parte de um

determinado estado6.

O contrato não deve ser compreendido como o nascimento do que é o

pactuado entre os indivíduos, mas como o pilar de toda a autoridade. Vale assim

dizer, que o contrato não define as condições pactuadas por assim estipular o

direito, mas porque o direito passa a ter validade por se originar de um contrato7.

Durante o desenrolar da Revolução Francesa, os burgueses objetivavam

modificar a organização do poder ilimitado dos monarcas, defendendo os princípios

de justiça, equidade e liberdade, para conquistar mais riquezas, em especial bens

imóveis. O Contrato, com isso, acabou se fortalecendo, pois o seu uso possibilitou

aos burgueses sucessos na aquisição das propriedades da monarquia decadente.

Deve-se ressaltar que com o advento da autonomia da vontade, o

conteúdo do contrato não mais era discutido em termos de justiça interna.

Gradualmente prevaleceu a ideia de que havia igualdade de condições entre as

partes na celebração do contrato, o qual seria naturalmente justo devido ao

consenso, fruto da vontade das partes. O juiz não desempenharia mais o papel de

analisar no contrato questões de igualdade ou justiça.

Em 21 de Março de 1804, passou a vigorar o Código Cívil Francês ou

Code, e repercutiu em todo o mundo como um marco do Direito. O Código Civil

Brasileiro de 1916 também foi influenciado por ele, pois os ideais liberais ali

propostos fizeram valer preponderantemente a autonomia da vontade, mantida

assim até a conclusão da revisão da legislação cível brasileira, marcada com a

publicação do Novo Código Civil em 2002, apesar das tendências em outro sentido

ocorridas em outros países, assim como a promulgação da Constituição Federal de

1988 e o Código de Defesa do Consumidor.

O Código Civil francês – Code – em seu artigo Art.1134 determinava que:

6 RIBEIRO, Paulo Silvino. "Rousseau e o contrato social"; Brasil Escola. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/rousseau-contrato-social.htm>. Acesso em 07 de setembro de 2018. 7 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.46

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“... Les convéntions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux qui les

ont faîtes.”, traduzido por Reale8 como: “As convenções legalmente formadas têm

lugar das leis para aqueles que as fizeram”.

Tal artigo merece a citação pelo fato de representar o marco da

autonomia da vontade como valor jurídico supremo, sendo notória a resolução das

divergências entre leis de diferentes regiões no antigo regime feudal. O

reconhecimento da igualdade dos indivíduos perante a lei contribuiu com a

diminuição da desigualdade social.

Dois aspectos da liberdade correspondentes à época da Revolução

Francesa devem ser comentados. O primeiro se refere à possibilidade de decidir

contratar ou não, ainda tendo as partes o direito da escolha de parceria e de qual

tipo de negócio seria realizado. O segundo se refere à liberdade de definir as

condições do pactuado, podendo as partes discutir livremente os termos e conteúdo

do contrato.

É importante salientar que a vontade somente poderia ser considerada

válida para constituir obrigações entre as partes, somente em caso de, entre elas,

haver livre consentimento, além de não conter qualquer tipo de vícios intencionais,

como coação ou fraude. Essa vontade consciente e sem vícios estaria apta a

associar as partes do contrato conforme o interesse comum das partes, constituindo

a obrigatoriedade dos contratos, respeitando o princípio pacta sunt servanda.

Em seguida, surgiu a necessidade de remodelar a teoria contratual, dob

apelo social em virtude da busca de proteger as classes economicamente mais

vulneráveis, o que fez com que o contrato, sofresse alterações com foco na função

social, como já mencionado.

Após a Revolução Francesa, com o advento da Revolução Industrial, os

resultados advindos da implementação da autonomia da vontade e da liberdade

contratual, passaram a ser mais nítidos, com a exploração da riqueza conquistada.

Com isso, no final do século XVIII a sociedade se desenvolveu de tal maneira que as

estruturas econômicas e sociais tiveram que sofrer modificações relevantes, com

consequências importantes para o Direito, com ênfase nos contratos.

O célere aumento da produção agrícola e de minérios, aliado à ampliação

da infraestrutura para o transporte dos itens produzidos, forçou o desenvolvimento 8 REALE p. 90, apud Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.46

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18

industrial significativamente, voltando-se as atenções para o setor fabril em

detrimento da produção agrícola.

O desenvolvimento acelerado da industrialização impactou em mudanças

relevantes, que causaram uma queda nas atividades agrícolas, especialmente as

artesanais e familiares, e por outro lado uma ascensão do empresariado,

provocando uma polarização de classes distintas, quais sejam: os detentores dos

meios de produção e os proletários.

Apareceram naturalmente, conflitos entre classes, pois os interesses

diferentes faziam convergir para a concentração do poder econômico do

empresariado e à exploração desmedida dos trabalhadores, que desempenhavam

as suas atividades em condições abusivas, demonstrando que, na realidade, a

igualdade preconizada na legislação não se verificava na prática.

Devido às desigualdades, a classe proletária reagiu, manifestando-se

contra os abusos. Surgiram assim os primeiros movimentos sociais, apoiados pelos

pensadores da época. A Igreja teve participação na discussão, defendendo uma

doutrina social em suas encíclicas, com vistas a uma mudança cultural, em que a

moral individual deveria dar espaço a uma ética social, e o Estado deveria

salvaguardar o bem comum, protegendo a sociedade, em especial as classes mais

fracas, por meio da prática da cidadania.

O aumento da produção industrial, com as atividades manufatureiras em

série impulsionou a produtividade, reduzindo os custos e o tempo requerido dos

trabalhadores, ocasionando grande disponibilidade de produtos no mercado,

gerando a sociedade de consumo. Essa mudança gerou alterações também nas

esferas contratuais, pois como o volume de transações aumentou, era necessária

agilidade nas negociações. Foram criados então modelos contratuais padronizados,

para que situações semelhantes fossem contempladas com celeridade. A produção

em massa forçou que também os contratos fossem elaborados em massa, e não

mais se estudando os casos individualmente9.

Os termos dos contratos padronizados eram decididos pelo vendedor, o

que fatalmente resultou em limitação da liberdade contratual, já que ao consumidor

restava apenas o direito de escolher assinar ou não determinado contrato, sem

9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro Volume III – Contratos e Atos Unilaterais 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p.4

Page 19: &(1752 81,9(56,7È5,2 &85,7,%$ )$&8/'$'( '( ',5(,72 '( &85 ... · &(1752 81,9(56,7È5,2 &85,7,%$ )$&8/'$'( '( ',5(,72 '( &85,7,%$ &(/62 '( $66,6 3$&+(&2 1(72 $ 7(25,$ '$ ,035(9,62

19

domínio das condições do acordo. Essa forma fragilizou o equilíbrio contratual,

permitindo aos empresários inseriram cláusulas abusivas perante o contratante.

A partir do fim da Primeira Guerra Mundial surgiram novos conflitos entre

classes, obrigando o Estado a adotar uma postura mais rígida, chegando a intervir

nos contratos com o fim de diminuir a força do individualismo, passando a atuar em

função da sociedade, para manter a ordem pública e procurar restabelecer a

normalidade das atividades econômicas. O Estado iniciou a tomada de medidas

assistencialistas, criando órgãos governamentais jurídicos e sociais com a

institucionalização de direitos trabalhistas, previdência social e oferta de recursos em

sistema de crediário para impulsionar o consumo.

O Estado passou a ter maior participação como interventor dos contratos,

determinando procedimentos de controle e fiscalização e mais tarde, com a

elaboração de leis que restringiam a liberdade individual em favor da função social,

até chegar a ditar os termos e condições de alguns contratos, prática essa

denominada de dirigismo contratual. Carlos Roberto Gonçalves10 , referindo-se aos

artigos 421 e 422 do Código Civil diz que:

“O contrato tem uma função social, sendo veículo de circulação de riqueza,

centro da vida dos negócios e propulsor da expansão capitalista. O código

Civil de 2002 tornou explícito que a liberdade de contratar só pode exercida

em consonância com os fins sociais do contrato, implicando os valores

primordiais da boa-fé e da probidade.”

Pelo exposto, o dirigismo contratual acaba por substituir a prevalência da

autonomia da vontade por regras que a limitam, no sentido de assegurar o equilíbrio

e a justiça dos contratos.

Constatou-se que a liberdade individual, agora limitada, correspondia a

apenas ao aspecto formal, sem atingir o material. Em decorrência da concentração

da oferta de produtos, bens e serviços no poder de um reduzido número de

empresas, a escolha do parceiro contratual acabou por sofrer grande impacto, pois

com os monopólios e oligopólios, a falta de concorrentes muitas vezes impossibilita

mais de uma alternativa como solução, levando o contratante à simples aceitação

das convenções nos termos proposta pela outra parte.

10 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro Volume III – Contratos e Atos Unilaterais 3 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p.4

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20

Enquanto as alterações do Direito ocorriam mundo afora entre o final do

século XIX e início do século XX, consolidando o princípio da função social dos

contratos, no Brasil, essa cultura começou a ganhar corpo apenas com o advento da

promulgação da Constituição Federal de 1988. Nela, foi enfatizado que era na

pessoa humana que se baseava o fundamento do Estado Democrático de Direito.

Entre seus objetivos constam a sociedade livre, justa e solidária, conforme citado no

seu artigo 3º, inciso I. Esse preceito fomenta alterações nas relações contratuais,

com garantia da função social da propriedade e a defesa do consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor, vigente desde 1990, estabeleceu

regras no sentido de preservar contratantes eventualmente vulneráveis, procurando

impedir propostas e cláusulas lesivas, devido ao excesso de ônus a uma das partes.

O contrato, necessariamente, deve respeitar a boa-fé objetiva, passando a ser

permitida a interferência do poder público, inclusive, na alteração do contrato

privado.

Vale lembrar que a autonomia da vontade, ainda se revela presente nos

contratos atuais. Porém, não possui mais integralmente a característica original, em

que a liberdade individual era plena. Hoje esse princípio é associado com novos

preceitos, previstos na Constituição Federal e nas legislações infraconstitucionais.

A atuação do estado liberal em decorrência da aplicação do conceito de

função social deu lugar a contratos, que além de satisfazer aos interesses

particulares, devem cumprir as diretrizes que protegem a sociedade, garantindo o

exercício de atividades econômicas de forma que o contrato deixou de ser um

instrumento voltado exclusivamente para a satisfação dos interesses puramente

individuais, conduta típica do Estado liberal, tendo de cumprir também sua função

social, bem como a diretriz constitucional de que a atividade econômica deveria ser

exercida de forma organizada e sustentável.

Segundo LOBO11, recentemente, houve a implementação dos

fundamentos do Estado Social, em que a intervenção do Estado nas relações

comerciais privadas, antes preservada para casos excepcionais, passa a ser

utilizada via de regra. Obedece-se a priorização da função social do contrato em

detrimento da sua tradicional função individual. Nessa época, a administração

pública prescindiu de prerrogativas de soberania para realizar investimentos públicos 11 LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito Civil - Contratos. 1ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p.22

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mediante contratos. Tal fenômeno foi considerado como uma evasão do Direito

Público para o Privado.

No campo do contrato administrativo, a legislação brasileira teve forte

influência do Direito Francês, cita PELEGRINO 12 que o Estado, pelo fato de

defender o interesse público, deveria ser tratado como parte privilegiada nos

contratos. Para tanto, ao Estado são conferidos direitos superiores ao do contratado

particular, havendo expressa vantagem unilateral do contrato, por meio das

cláusulas exorbitantes, conhecidas assim por justamente exorbitar as regras de

direito comum.

É importante observar que no Direito Privado, o consumidor do serviço

das empresas é a parte mais vulnerável por não possuir domínio sobre a elaboração

dos termos e condições dos contratos. Já no Direito Administrativo, a parte

vulnerável são as empresas particulares que são contratadas pelo Poder Público, do

mesmo modo não tendo influência sequer sobre a descrição do objeto ou definição

de seus próprios deveres e direitos.

Tal desigualdade fere os paradigmas do estado Democrático de Direito, assim como

o princípio da tutela da confiança, segundo Ricardo Gesteira Ramos de Almeida13.

Deveria, portanto, haver um esforço em coibir eventual abuso de direito por parte da

Administração, porém, os julgados nos tribunais brasileiros, na medida em que se

aplica o regime jurídico do contrato administrativo da cláusula exorbitante, causam

em muitas ocasiões lesões significativas para o contratante particular.

Opondo-se ao princípio das cláusulas exorbitantes, também denominada por

CRETELA 14 como cláusula de privilégio, a legislação francesa criou o '"fato do

príncipe", referente a todo ato emanado do Poder Público que onera o contrato

administrativo a ponto de impedir a sua execução. Por ele a oneração, chamada

álea administrativa, desde que insuportável, impedindo a execução do ajuste, obriga

o Poder Público a compensar os prejuízos da outra parte a fim de dar continuidade à

12 PELEGRINO, Carlos Roberto. Os Contratos da Administração Pública. Artigo publicado Rio de Janeiro: 1990, p.86 13ALMEIDA, Ricardo Gesteira Ramos de. Da incompatibilidade entre as cláusulas exorbitantes do contrato administrativo e os paradigmas do Estado Democrático de Direito. O princípio do Estado Democrático de Direito e o princípio da tutela da confiança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2441, 8 mar. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/14466>. Acesso em: 8 set. 2018. 14CRETELLA JÚNIOR, José. Dicionário de direito administrativo, 3ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1978.

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avença ou, na impossibilidade de prosseguir, procede a rescisão com as devidas

indenizações.

Na ocorrência de fatos imprevistos que causem ônus excessivo ao particular

contratado, como alteração das leis fiscais ou de leis sociais, ou até mesmo novas

exigências da administração decorrentes de seu direito de modificação unilateral,

pela álea administrativa, o prestador tem direito de ser integralmente indenizado.

Na França, a teoria do "fato do príncipe", abrangia todo e qualquer ato de

autoridade pública, que viesse a onerar, direta ou indiretamente, o contratante

particular, fora dos riscos normais e previsíveis, cabendo a responsabilidade do

pagamento de todos os prejuízos à Administração.

A teoria vigiu até 1949, quando o Conselho de Estado passou a limitar sua

aplicação unicamente nos casos em que o ônus decorria a partir de fato gerado pela

administração concedente. As demais situações, em que o prejuízo era gerado por

fatores estranhos ao contrato, a hipótese era remetida para a teoria da imprevisão15.

Anteriormente ao Estado de Direito não existia nenhuma lei que submetesse

o Estado ao ordenamento jurídico. Com o Direito Administrativo, os súditos, aqueles

que simplesmente deveriam observar condescendentemente às ordens do

soberano, passaram a cidadãos, perto do início do século XIX,, quando se firmou

que a ação do Estado nas suas relações contratuais seria regulada pelo Direito

Administrativo, assim passando a vigorar os direitos dos administrados, outrora

apenas súditos.

Porém, numa visão crítica do advento do Direito Administrativo, Gustavo

Binenbojm16 considera:

A associação da gênese do direito administrativo ao advento do Estado de

direito e do princípio da separação de poderes na França pós-revolucionária

caracteriza erro histórico e reprodução acrítica de um discurso de

embotamento da realidade repetido por sucessivas gerações, constituindo

aquilo que Paulo Otero denominou ilusão garantística da gênese. O

surgimento do direito administrativo, e de suas categorias jurídicas peculiares 15 MEIRELES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo, 9 ed., São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1990, p. 172/173. 16 BINENBOJM, Gustavo, Uma teoria do direito administrativo, 1ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 11.

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(supremacia do interesse público, prerrogativas da Administração,

discricionariedade, insindicabilidade do mérito administrativo, dentre outras),

representou antes uma forma de reprodução e sobrevivência das práticas

administrativas do Antigo Regime que a sua superação. A juridicização

embrionária da Administração Pública não logrou subordiná-la ao direito; ao

revés, serviu-lhe apenas de revestimento e aparato retórico para sua

perpetuação fora da esfera de controle dos cidadãos.

Não é leviano afirmar que o Direito Administrativo, devido à sua herança do

Absolutismo, conforme Almeida17, “que já nasce marcado pelo "gene" da

imperatividade, sob um ideário claro de desigualdade entre o Poder "Público" e os

indivíduos”.

Portanto, vale dizer, que o nascimento do Direito Administrativo justificava a

quebra da isonomia, sob o argumento de que o interesse público deve prevalecer

sobre os interesses particulares, tal qual, nas relações entre o soberano e seus

súditos, os interesses do primeiro tinham supremacia.

2.2. A PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

É importante ressaltar que o que diferencia os contratos privados dos

contratos Administrativos, é a implementação do princípio da supremacia do

interesse público sobre o direito privado. Vale dizer, que havendo nos contratos

administrativos eventuais conflitos entre o interesse público e os interesses privados,

é imprescindível que seja dada primazia ao interesse público, pois é ele que tem a

função de salvaguardar a coletividade.

Vale citar o entendimento de CRETELLA18 no que concerne às cláusulas

exorbitantes:

17ALMEIDA, Ricardo Gesteira Ramos de. Da incompatibilidade entre as cláusulas exorbitantes do contrato administrativo e os paradigmas do Estado Democrático de Direito. O princípio do Estado Democrático de Direito e o princípio da tutela da confiança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2441, 8 mar. 2010. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/14466>. Acesso em: 8 set. 2018. 18CRETELLA JÚNIOR, José. Dicionário de direito administrativo, 3ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 1978.

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24

Os contratos públicos da Administração, ao contrário, pelas características

especialíssimas de que se revestem, estão sujeitos a regime autônomo,

típico, que "ultrapassa", "derroga" ou "exorbita" as normas do direito comum,

o que é evidente, porque as pessoas administrativas, quando contratam, não

se encontram na mesma situação dos simples particulares: outras as

finalidades, outras as condições, outro o regime jurídico. "Cláusulas" que

escapam ao direito comum, chamadas exorbitantes ou derrogatórias,

inserem-se nos contratos administrativos, dando-lhes fisionomia peculiar,

diversa da que revelam os contratos do direito privado. No contrato

administrativo, fica o Estado em posição privilegiada, visto que se acham, em

jogo, fins de interesse público.

Deve-se enfatizar que este princípio impôs aos contratos Administrativos a criação

das cláusulas exorbitantes ou derrogatórias, que ultrapassam a função das normas

de direito privado, já que para o direito público é indispensável salvaguardar o bem

comum, fazendo com que a Administração passe a assumir uma posição

privilegiada no Contrato Administrativo, recebendo prerrogativas exógenas ao direito

privado, de rescindir unilateralmente o contrato e punir a empresa particular que não

cumpre com a sua obrigação contratual.

Nos Contratos Administrativos, é indispensável a presença de uma pessoa jurídica

de direito Público, no caso, a Administração que tem como função a consecução de

interesses públicos e que sempre deve assumir uma posição privilegiada em relação

ao contratado, tal posição privilegiada se manifesta com a presença das cláusulas

exorbitantes, que não poderiam estar presentes nos contratos privados já que

ultrapassam os limites de suas regras, o que ensejaria em abuso ao direito dos

particulares.

Não obstante à grande importância dada ao princípio da supremacia do interesse

público, vale frisar que a sua aplicação não é absoluta, já que os direitos individuais

nunca devem ser prescindidos da Administração, cabendo a ela sempre respeitar os

princípios da razoabilidade e proporcionalidade, não podendo colocar os direitos

individuais em risco, equiparando o interesse individual e o público quando

necessário.

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25

2.3 DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA

O princípio pacta sunt servanda, também conhecido como princípio da

força vinculante dos contratos durante o Direito Romano, era compreendido como lei

entre as partes do contrato, isto é, os contratos não deveriam sofrer qualquer tipo de

intervenção externa e deveriam ser cumpridos do mesmo modo como pactuado no

momento da celebração do contrato. Vale ressaltar ainda que o Pacta Sunt

Servanda foi, durante a efervescência do pensamento liberal (tomada do poder pela

burguesia e deterioração do Estado Monárquico), retomado para que a vontade,

como manifestação contratual de indivíduos, tivesse a devida validade e o acordo

fosse sempre cumprido em respeito a própria deliberação das partes.

É importante salientar que a obrigatoriedade dos contratos não é em todo

absoluta, já que deve-se considerar que o princípio pacta sunt servanda vincula as

partes do objeto avençado nos limites determinados pela lei, sempre respeitando os

princípios basilares do contrato, como a boa-fé e o da igualdade.

Como entende VENOSA19:

Essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual. O ordenamento

deve conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a

cumprir o contrato, ou a indenizar pelas perdas e danos. Não tivesse o

contrato força obrigatória estaria estabelecido o caos. Ainda que se busque o

interesse social, tal não deve contrariar tanto quanto possível a vontade

contratual, a intenção das partes.

Deve-se entender que a partir do momento em que são cumpridos os

requisitos de validade do contrato, as obrigações que surgem em consequência

devem ser fielmente cumpridas por suas partes. Os contratantes, uma vez que

determinaram certos termos e condições do contrato, não podem mais alterá-los, em

virtude do princípio da intangibilidade dos contratos, intrínseco ao pacta sunt

servanda. O compromisso firmado por simples promessa cria uma força vinculantiva

a tal que o acordo deveria ser exatamente cumprido, conforme o combinado.

19 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. 18º ed. São Paulo: Editora Atlas, 2018, p.18

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26

Nesse sentido, ressalta VENOSA20 ‘’Decorre desse princípio a

intangibilidade do contrato. Ninguém pode alterar unilateralmente o conteúdo do

contrato, nem pode o juiz, como princípio , intervir nesse conteúdo.’’

O pacta sunt servanda era a ferramenta que assegurava aos

contratantes, a maior autonomia possível, limitados aos desejos transformados em

obrigações das partes, permitindo-se ocorrer uma economia livre e descentralizada.

O liberalismo pregava a abstenção da intervenção do Estado nas relações entre os

indivíduos. Conforme MARQUES21, ‘’se o indivíduo era livre e tinha a possibilidade

de auto-obrigar, tinha direito também de defender-se contra a imputação de outras

obrigações, para as quais não tenha manifestado a sua vontade.’’

Como explica LOBO22,

Radicam no princípio da força obrigatória os dois principais efeitos

pretendidos pelas partes contratantes: a estabilidade e a previsibilidade. A

estabilidade é assegurada, na medida em que o que foi pactuado será

cumprido, sem depender do arbítrio de qualquer parte do contrato ou das

mudanças externas, inclusive legislativas. A previsibilidade decorre do fato de

o contrato projetar-se para o futuro – futuro antecipado -, devendo suas

cláusulas e condições regular as condutas dos contratantes na presunção de

que permaneceriam previsíveis.

Pelo exposto, a estabilidade e a previsibilidade são efeitos que a força

obrigatória deve trazer como resultado do pacto. Por isso, são considerados

imprescindíveis para garantir a segurança jurídica dos contratos.

Ou seja, o contrato era intangível, devido à obrigatoriedade das partes no

cumprimento de todo o conteúdo contratual, não sendo possível a aplicação de

qualquer revisão judicial do mesmo. A função do juiz, que também tinha vínculo com

o contrato, era unicamente representar com objetividade o que a lei claramente

20 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. 18º ed. São Paulo: Editora Atlas, 2018, p.18 21 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.49 22 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.49

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27

designava. Segundo Montesquieu, o juiz era somente a boca da lei – ‘’la bouche de

la loi.’’ Conforme AZEVEDO23:

Com o fito de corroborar a validade do princípio da obrigatoriedade,

muitos juristas debateram se a sua fundamentação poderia transcender o conceito

da vontade, encontrando além de argumentos referentes ao cumprimento do

contrato social em si, também a avaliação das consequências para aqueles que

descumprissem sua palavra, perdendo assim a confiança de eventuais futuros

parceiros contratuais.

Vale frisar que o princípio pacta sunt servanda foi proveitoso para os

burgueses que praticavam reiteradamente diferentes tipos de transações, pois

garantia maior segurança a elas e obstava qualquer tipo de intervenção externa.

Diante disso, percebe-se que o princípio foi útil à ascensão dos burgueses, na

medida em que as transações eram feitas com maior celeridade, já que não sofriam

qualquer intervenção e não poderiam ser modificadas.

A única limitação ao princípio pacta sunt servanda, dentro da concepção

clássica, trata-se da exceção por caso fortuito ou força maior, mencionada no artigo

393 e parágrafo único do Código Civil. Vale citar o artigo 393 do Código Civil e fazer

um breve comentário sobre a definição de caso fortuito e força maior:

‘’Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de

caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles

responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato

necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

O caso fortuito é considerado como uma eventualidade causada por

humanos, devendo ser imprevisível e inevitável. Um exemplo de caso fortuito seria

uma greve ou uma guerra, que impediria o cumprimento de uma obrigação. Já a

força maior é compreendida como um evento causado por forças da natureza, tais

como terremotos, tempestades, os raios, tsunamis, etc.

23AZEVEDO, Antônio Junqueira de. O direito pós moderno e a codificação. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p.57-58

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28

Como anteriormente mencionado, o contrato era compreendido como lei

entre as partes, mas não como uma categoria geral dos contratos, isto é, não é

aplicável a todos os indivíduos, é aplicado restritamente às partes daquele

determinado contrato, ou seja, deve-se dizer que o contrato vincularia apenas as

partes que celebraram o acordo, não podendo vincular terceiros.

Para LOBO 24, o princípio pacta sunt servanda teve seus limites mais

restringidos, visto que com o surgimento do Estado Social, a função do juiz ganhou

mais importância na revisão dos contratos, o que no início foi veementemente

criticado, por acreditarem ser nocivo à segurança garantida pela previsibilidade dos

contratos.

O princípio máximo da obrigatoriedade dos contratos aos poucos perdeu

o seu caráter absoluto, a ele permeando um novo conceito, conhecido por rebus sic

standibus, ou Teoria da imprevisão, que constitui exceção ao pacta sunt servanda.

Por outro lado, é válido salientar que a força obrigatória permanece indispensável

para a consecução da segurança jurídica almejada nos contratos.

2.4 DO PRINCÍPIO REBUS SIC STANDIBUS OU TEORIA DA IMPREVISÃO

Antes de iniciar a conceituação sobre a cláusula rebus sic standibus, ou,

sinonimamente, a chamada Teoria da Imprevisão, mostra-se indispensável entender

ao atinente à origem desta cláusula. Como cita GONÇALVES25:

‘’Essa teoria originou-se na Idade Média, mediante a constatação, atribuída a

NERATIUS, em torno da aplicação da condictio causa data causa non secuta, de

que fatores externos podem gerar, quando da execução da avença, uma situação

diversa da que existia no momento da celebração, onerando excessivamente o

devedor. Como o contrato devia ser cumprido no pressuposto de que se

conservassem imutáveis as condições externas, essas modificações na situação de

fato implicariam a modificação igualmente, da execução. Essa cláusula difundiu-se

24 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.49 25 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3º ed. São Paulo Editora Saraiva, 2007, p.169

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resumidamente como rebus sic standibus, sendo considerada implícita em todo

contrato comutativo de trato sucessivo.’’

Não obstante, vale considerar que RODRIGUES JÚNIOR26 comenta que

a teoria da imprevisão teve origem já no Código de Hamurabi, por volta do século

XVIII, que permitia a revisão do contrato no caso de acontecimentos imprevisíveis e

extraordinários na colheita, o que estava disposto em sua lei 48:

‘’ se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo

ou destrói a colheita, ou por falta de água não cresce o trigo no campo, ele não

deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não

pagar juros por esse ano’’

Durante o fim do século XVIII, época que foi marcada pelo avanço do

Liberalismo, a cláusula rebus sic standibus foi esquecida até o seu ressurgimento

após o fim da Primeira Guerra Mundial, que causou uma grande oscilação na

economia da Europa, especialmente na França, onde surgiu a lei Failliot, de 21 de

Maio de 1918, que passou a permitir a revisão dos contratos acabados antes da

guerra pois a execução desses contratos se tornou excessivamente onerosa.

A cláusula rebus sic standibus é compreendida como a possibilidade de

realizar uma revisão contratual quando houver um fato superveniente imprevisível

durante o curso do contrato, gerando mudanças na forma em que o contrato seria

executado, podendo ocorrer que uma das partes se situe em extrema dificuldade e

em onerosidade excessiva e a outra enriqueça sem causa.

Vale dizer, que a teoria da imprevisão, como é também chamada a cláusula,

só poderá ser aplicada quando seja considerada impossível a previsibilidade por um

homem médio, ou seja, não deve haver a probabilidade do homem médio ter

conhecimento do que pode sobrevir ao contrato.

É importante fazer uma boa pontuação acerca dos requisitos de aplicação da

Cláusula rebus sic standibus: O primeiro requisito é que haja acontecimentos

extraordinários e imprevisíveis durante a execução do contrato; o segundo, que o

26RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão 2ª ed. - São Paulo: Atlas, 2006. p. 33.

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contrato seja a prazo ou de duração, ou seja, deve ser um contrato de execução

diferida ou sucessiva; O terceiro é que haja onerosidade excessiva para uma das

partes em detrimento à vantagem indevida da outra; e finalmente, quando for

impossível a previsão por um homem médio de um acontecimento superveniente

que possa vir a modificar as condições e os termos do contrato.

Faz-se mister citar o entendimento de LOTUFO et al 27 sobre a Teoria da

Imprevisão:

‘’Quando circunstâncias inesperadas interferem no ciclo das projeções

estimadas pelo risco e pela circunstância razoável do esperado, poderá suceder o

fim precoce do contrato, pela asfixia da sua chance de sobrevida. As partes são

livres para renegociar os efeitos das cláusulas alteradas e caso isso não ocorra,

estão legitimadas a recorrer ao Judiciário em busca da solução para o conflito

contratual, na forma do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.’’

É importante demonstrar que, na realidade, o princípio pacta sunt servanda e

a cláusula rebus sic standibus não são em todo conflitantes e não devem ser

considerados isoladamente um do outro. Atualmente podemos dizer que eles são

interdependentes e impulsionam a celebração dos contratos, já que ambos servem

como proteção de acontecimentos exteriores ao contrato que possam alterar

significativamente os termos e condições do pacto, impedindo que, por um lado,

uma das partes esmoreça de suas atribuições e, por outro, não haja injustiça

referente à onerosidade excessiva. Isto é, pode-se dizer que o princípio pacta sunt

servanda e a cláusula rebus sic standibus atuam paralelamente com o fito de

adimplemento contratual.

27LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore, como coordenadores; e demais autores. Teoria Geral dos Contratos. São Paulo Editora Atlas, 2011, p.649-650.

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3 INFLUÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

A influência do Código Civil nos Contratos Administrativos é demonstrada no

artigo 54 Lei 8.666/93 que dispõe que os contratos administrativos são orientados

por suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, com aplicação supletiva dos

princípios da teoria geral dos contratos e as disposições do direito privado.

É importante demonstrar a importância da aplicação do princípio da boa-fé nos

contratos administrativos, já que a Administração é detentora de prerrogativas, em

decorrência do princípio da supremacia do interesse público, que permite a criação

das cláusulas exorbitantes ou derrogatórias aplicadas somente aos contratos

públicos. Por ser detentora de prerrogativas, faz-se mister que a Administração

mantenha uma conduta exemplar e de boa fé, devendo sempre que possível

cumprir os contratos de acordo com o que foi pactuado durante a celebração,

podendo excepcionalmente, alterar ou rescindir o contrato, quando houverem fatos

supervenientes. Eventuais alterações não poderão prejudicar o administrado e nem

ser motivo de abuso por parte do poder público, exigindo da outra parte execução

além da inicialmente previstas sem reequilíbrio financeiro.

Diz o artigo 422 do Código Civil que "[...] Os contratantes são obrigados a

guardar, assim na conclusão do contrato como em sua execução, os princípios da

probidade e da boa fé".

Segundo BORGES28, como a Administração sempre anseia o menor custo

para as licitações, de acordo com o princípio da economicidade da Administração,

ela acaba deixando de observar princípios da boa fé e probidade abordados

precedentemente e os preceitos da teoria geral dos contratos, como o instituto

do enriquecimento sem causa disposto no artigo 884, o abuso do direito disposto no

artigo 184 e da onerosidade excessiva disposta nos artigos 478 ao 480.

O Abuso do Direito, como exposto pelo artigo 187 do Código Civil: ‘’Também

comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo, excede manifestamente os

28BORGES, Alice Gonzalez. Reflexos do Código Civil nos Contratos administrativos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público nº 9, Fevereiro/Março/Abril, 2007. Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com.br\redae.asp>. Acesso em 10/09/2018.

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limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons

costumes’’

O Abuso de direito é compreendido como o ato realizado com a utilização da

má fé, com a intenção de lesar a outra parte. Pode-se dizer, observando grande

parte dos contratos da Administração Pública, que não há o respeito ao interesse

público verdadeiramente, que há interesses secundários em jogo, em que os

administradores buscam levar desenfreadamente mais recursos aos cofres públicos,

prejudicando ou não os contratados, violando o princípio da boa fé.

É importante abordar ao atinente ao enriquecimento sem causa, que é um

princípio geral de direito universal, disposto no artigo 884 do Código Civil: ‘’ Aquele

que sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o

indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários’’

O limiar entre o direito público e o direito privado se torna muito tênue,

aproximando-se os institutos previstos no Direito Civil, dos relativos ao Direito

Administrativo, tais como cláusulas exorbitantes, que possuem aplicação a fim, de

manter o equilíbrio econômico-financeiro.

BORGES29,, ainda menciona:

[...] que se anuncia uma verdadeira reviravolta na interpretação

desses contratos, bafejada pelos novos princípios. A jurisprudência de

nossos tribunais encontrará respaldo cada vez maior, dentro do próprio

direito privado, para conter os desvios éticos e verdadeiros abusos do

comportamento dos poderes públicos nas relações com seus contratados,

com apoio nos amplos desdobramentos dos princípios da boa fé, do abuso

de direito e do enriquecimento sem causa, que agora enriquecem nosso

Código Civil.

29BORGES, Alice Gonzalez. Reflexos do Código Civil nos Contratos administrativos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público nº 9, Fevereiro/Março/Abril, 2007. Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com.br\redae.asp>. Acesso em 10/09/2018.

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4 PRESSUPOSTOS DA TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

RODRIGUES JUNIOR30, entre outros autores, cita Gaston Jèze, que apresenta 3 pressupostos aplicáveis ao Direito Administrativo, quais sejam:

Em primeiro lugar, é necessário que se encontre na presença de um evento independente da vontade das partes contratantes; em particular da vontade da administração. Se não, trata-se do fato do príncipe. Isso é o que se denomina entre a álea econômica e a álea extraordinária. Em segundo lugar, é preciso que o evento não possa ter sido previsto pelas partes contratantes; senão não existe imprevisão (imprevisão quanto ao evento propriamente dito). Finalmente, é preciso que o evento tenha por consequência sido modificado de maneira relevante a economia do contrato, ou seja, ocasionar para o contratante, cujas perdas ultrapassarem todas as previsões que fossem possíveis no momento do contrato (imprevisão quanto à importância das consequências).

RODRIGUES JUNIOR propõe a classificação dos pressupostos em: formais, subjetivos e objetivos.

No primeiro tipo, os pressupostos formais, são avaliadas as questões relativas a suporte negocial, forma e momento da arguição e ônus da prova.

A seguir, os pressupostos subjetivos se relacionam a legitimidade para sua arguição e qualidade da parte legítima.

Por fim, os pressupostos objetivos dizem respeito a requisitos de aplicabilidade e colocação como forma de revisão ou resolução de contratos.

30RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão 2ª ed. - São Paulo: Atlas, 2006. p. 248-251.

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5 REVISÃO DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

5.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS

A legislação brasileira teve influência da doutrina européia, em especial da

francesa, alemã e italiana.

Como ilustração às dificuldades em relação a se manter previsibilidade em

obras complexas, cita-se um dos artigos mais conhecidos do Código Civil Italiano,

um dos mais citados na jurisprudência referente à revisão de contratos daquele país.

Trata-se do artigo 1664, intitulado Caráter oneroso ou dificuldades na execução, cujo

preceito atualizado consiste em:

“Quando, por efeito de circunstâncias imprevisíveis, se verifiquem aumentos

ou diminuições do custo dos materiais e da mão-de-obra que impliquem um

aumento ou uma diminuição superior a um décimo do preço global acordado,

o adjudicatário ou o fornecedor podem pedir a revisão desse preço. A revisão

só pode ser concedida no que respeita à diferença que excede a décima

parte.”

Em 1990 a redação deste mesmo artigo era:

"Se no curso da obra se manifestam dificuldades de execução derivadas de

causas geológicas, hidrológicas ou similares, não previstas pelas partes, que

tomam notadamente mais onerosas a prestação do construtor, este tem

direito a uma compensação eqüitativa".

O objetivo de mencionar tal artigo é demonstrar que as questões de

imprevisibilidade em obras públicas concorrem via de regra para incertezas devidas

a geologia, hidrologia e semelhantes, as quais somente serão suficientemente

conhecidas durante a obra. Na fase anterior, referente aos projetos, são efetuados

estudos amostrais para que as incertezas diminuam, porém a imprecisão do projeto

sempre estará presente, em maior ou menor grau.

A legislação brasileira caminha na busca de soluções, para que, tanto a

segurança jurídica quanto o justo direito ao reequilíbrio financeiro estejam presentes

nos contratos de obras públicas.

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35

A seguir é mostrada de modo simplificado a trilha percorrida no tema de

Alteração de Contratos desde a primeira publicação do Decreto-Lei Federal nº

2300/86; sua republicação em 1987; a nova Lei 8.666/93 que revogou o Decreto-Lei

2300/86; a Lei Federal 12.462/11, criada para acelerar obras urgentes do Governo

federal; a Lei das Estatais, como é conhecida a Lei Federal 13.303/2016 e,

finalmente; o Projeto de Lei 6814/17, que tramita desde 2013 no Congresso

Nacional, cujo conteúdo pretende substituir a Lei 8.666/93 em vigência atualmente.

A fim de possibilitar o confronto das redações das leis ao longo de 1986 até a

proposta de lei de 2017 para licitações, a seguir, segue transcrita na íntegra a

sessão III - Da Alteração dos Contratos, constante do CAPÍTULO III – Dos

Contratos, referente à revisões contratuais, na lei Federal 2300/1986, que dispunha

sobre licitações e contratos da Administração Federal:

“Art. 55. Os contratos regidos por este Decreto-lei poderão ser alterados nos

seguintes casos:

I - unilateralmente, pela Administração:

a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor

adequação técnica aos seus objetivos;

b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de

acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por

este decreto-lei;

II - por acordo das partes:

a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;

b) quando necessária a modificação do regime de execução ou do modo de

fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade nos termos

contratuais originários;

c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de

circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial;

d) para restabelecer a relação, que as partes pactuaram inicialmente, entre os

encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa

remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do

inicial equilíbrio econômico e financeiro do contrato.

§ 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais,

os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até

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25% do valor inicial do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de

equipamento, até o limite de 50% para os seus acréscimos.

§ 2º Se no contrato não houverem sido contemplados preços unitários para

obras ou serviços esses serão fixados mediante acordo entre as partes, respeitados

os limites estabelecidos no parágrafo anterior.

§ 3º No caso de supressão de obras ou serviços, se o contratado já houver

adquirido os materiais e posto no local dos trabalhos, deverão ser pagos pela

Administração pelos custos de aquisição, regularmente comprovados.

§ 4º No caso de acréscimo de obras, serviços ou compras, os aditamentos

contratuais poderão ultrapassar os limites previstos no § 1º deste artigo, desde que

não haja alteração do objeto do contrato.

§ 5º Quaisquer novos tributos ou novos encargos legais que venham a ser

criados, alterados ou extintos, após a assinatura do contrato e, comprovadamente,

reflitam-se nos preços contratados implicarão na revisão destes para mais ou para

menos, conforme o caso.

§ 6º O acréscimo ou redução de tributos e novas obrigações legais que se

reflitam, comprovadamente, nos preços contratados, implicará na sua revisão, para

mais ou para menos, conforme o caso.

§ 7º Em havendo alteração unilateral do contrato, que aumente os encargos

do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento o equilíbrio

econômico-financeiro inicial.”

Na republicação da Lei Federal 2300/86, em 27 de Julho de 1987, o

texto do artigo 55 permaneceu o mesmo em toda a Seção II, exceto os artigos 5º ao

7º, que foram aglutinados em apenas dois, com as seguintes alterações,

representadas em negrito as inclusões e entre parênteses as exclusões:

“[...]

§ 5º Quaisquer (novos) tributos ou (novos) encargos legais que venham a

ser criados, alterados ou extintos, após assinatura do contrato e,

comprovadamente, (de comprovada repercussão) reflitam-se nos preços

contratados(,) implicarão (a) na revisão destes para mais ou para menos, conforme o

caso.

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§ 6º O acréscimo ou redução de tributos e novas obrigações legais que se

reflitam, comprovadamente, nos preços contratados, implicará na sua revisão, para

mais ou para menos, conforme o caso.)

§ (7º) 6º Em havendo alteração unilateral do contrato, que aumente os

encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o

equilíbrio econômico-financeiro inicial, sendo que as alterações de que tratam as

alíneas "c" e "d" do item II deste artigo e seus §§1º e 4º restringem-se aos

casos de força maior efetivamente comprovada.”

Pode-se concluir, pelas pequenas modificações efetuadas, que a

preocupação maior era com a segurança jurídica dos contratos, pois procurou-se

apenas deixar mais clara a condição de restrição daquilo que poderia ser

considerado imprevisível, com a inclusão da expressão: casos de força maior

efetivamente comprovada.

Lembre-se que a lei 2.300/86, assim como as subsequentes, até hoje, tratam

sob uma única regulação, tanto aquisições de bens comuns, catalogados, como

aquisições de bens e serviços complexos, como obras públicas de características

complexas, sendo exceção apenas o RDC, elaborado exclusivamente para obras e

publicado em 2011.

A lei 8.666/93 revogou o Decreto-Lei 2.300/86. Representam-se, do mesmo

modo as inclusões em negrito e as exclusões entre parênteses, as seguintes

alterações na redação da Seção III - Da Alteração dos Contratos, do Capítulo III -

DOS CONTRATOS, do artigo 65, análogo ao artigo 55 do decreto revogado:

“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as

devidas justificativas, nos seguintes casos:

I - [...]

c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição

de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada

a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro

fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens

ou execução de obra ou serviço;

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d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre

os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa

remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do

equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de

sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências

incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou,

ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe,

configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

§ 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições

contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços

ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do

contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o

limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.

§ 2o Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites

estabelecidos no parágrafo anterior, salvo:

I - (VETADO)

II - as supressões resultantes de acordo celebrado entre os

contratantes.

§ 3º (2o) Se no contrato não houverem sido contemplados preços

unitários para obras ou serviços, esses serão fixados mediante acordo entre

as partes, respeitados os limites estabelecidos no § 1o deste artigo (anterior).

§ 4o (3º) No caso de supressão de obras, bens ou serviços, se o

contratado já houver adquirido os materiais e posto no local dos trabalhos,

estes deverão ser pagos pela Administração pelos custos de aquisição

regularmente comprovados e monetariamente corrigidos, podendo caber

indenização por outros danos eventualmente decorrentes da supressão,

desde que regularmente comprovados.

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§ 4º No caso de acréscimo de obras, serviços ou compras, os

aditamentos contratuais poderão ultrapassar os limites previstos no § 1º deste

artigo, desde que não haja alteração do objeto do contrato.)

§ 5o Quaisquer tributos ou encargos legais (que venham a ser) criados,

alterados ou extintos, após a assinatura do contrato, bem como a

superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da

apresentação da proposta, de comprovada repercussão (e

comprovadamente reflitam-se) nos preços contratados, implicarão a(na)

revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.

§ 6o Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os

encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por

aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial (, sendo que as

alterações de que tratam as alíneas "c" e "d" do item II deste artigo e seus

§§1º e 4º restringem-se aos casos de força maior efetivamente comprovada).

§ 7o (VETADO)

§ 8o A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de

preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou

penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele

previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias

suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam

alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila,

dispensando a celebração de aditamento.”

Como é possível observar diante das alterações ocorridas na Lei 8.666/93 em

relação à lei 2.300/86, revogada, é que a preocupação dos legisladores parecia ser

essencialmente sobre valores financeiros e prazos, buscando definir com mais

clareza de que se tratam de marcos contratuais com a finalidade de se constituir

como parâmetro para cálculos de reajustes. Também à expressão força maior foram

acrescentados: na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém

de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do

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ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe,

configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

Isso demonstra claramente a tentativa de que a questão da imprevisibilidade

ser tratada com segurança jurídica era uma preocupação crescente para o Poder

Legislativo.

O tema referente a alteração dos contratos, diferentemente do Direito Privado,

desperta interesse nas contratações administrativas. Nesse campo, a modificação

unilateral se aplica sem ferir os demais princípios e são fixados limites para o acordo

consensual. Segundo JUSTEN FILHO31 são várias questões disciplinadas pelo

artigo 65. A alteração do contrato reflete uma competência discricionária do Poder

Público, isso não significa no entanto que as alterações podem ser impostas como e

quando aprouver a Administração. Ao contrário, essa competência, não lhe

assegura o direito de alterar em qualquer circunstância, somente em casos atípicos.

Mesmo que consensual, deve-se evitar a modificação do contrato como regra

geral. Havendo necessidade, a mesma não deve ser radical, nem tampouco, frustrar

os princípios de obrigatoriedade e isonomia.

A alteração unilateral não prescinde do consenso. Na verdade, a lei, impõe, a

alteração consensual em determinadas hipóteses. JUSTEN FILHO, exemplifica a

recomposição da equação econômico financeira quando a alteração é unilateral, de

modo consensual, pois tal recomposição exige acordo entre as partes.

No caso de alteração unilateral, presume-se que após a assinatura do

contrato, é revelada circunstância anteriormente não conhecida acerca da execução

das obrigações pactuadas, a qual, soluciona, o objeto de modo mais adequado

tecnicamente, concorrendo à uma melhoria qualitativa.

A Lei 8666.96 também admite que a administração modifique o objeto de tal

modo que o valor inicial do contrato seja modificado, em função de aumento ou

diminuição quantitativa do objeto.

31JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Rev. , atual e ampl – São Paulo. Editora: Revista dos Tribunais, 2015. Página 522.

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Conforme jurisprudência (RESP 666.878/RJ, 1º Turma, rel. Min. Denise

Arruda, J. 12.06.2007, DJ, 29.06.2007):

‘’1. É licito à Administração Pública proceder à alteração unilateral do contrato em duas hipóteses: (a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica; (b) quando for necessária a modificação do valor contratual em decorrência do acréscimo ou modificação quantitativa do seu objeto. ‘’ 2. [...] 3. O poder de alterar unilateralmente o ajuste representa uma prerrogativa à disposição da administração para concretizar o interesse público. Não se constitui em arbitrariedade nem fonte de enriquecimento ilícito. 4. A modificação quantitativa do valor contratado ‘’ acréscimo/supressão’’ deve corresponder, em igual medida à alteração das obrigações dos sujeitos da relação jurídica. (A Administração Pública e particular), ou seja, a variação do preço deve guardar uma relação direta de proporcionalidade com o aumento/ diminuição do objeto, sob pena de desequilíbrio econômico-financeiro, enriquecimento sem causa e frustração da própria licitação;

A lei ainda possibilita a modificação de regime de execução ou do modo

fornecimento no caso de obras, a execução em regime de empreitada global, pode

ser proposta no lugar da execução sob regime de empreitada unitária, porém não

pode ser imposta. Necessariamente, essa definição deve ser realizada de comum

acordo entre as partes, no inciso II, alínea ‘’c’’, é prevista a alteração das condições

de pagamento, que podem ser relacionadas às condições da execução do contrato,

desde que não atinja o conteúdo econômico. Na sequência, a alínea ‘’d’’, disciplina a

alteração para promover a recomposição do equilíbrio econômico financeiro.

Sobre o parágrafo 2º, do artigo 65, que define as limitações para as

alterações, pode-se afirmar que o mesmo tem sido tema de discussão e polêmica

em torno da sua interpretação. JUSTEN FILHO32 comenta que existem os

defensores de que nenhuma modificação poderia ultrapassar o limite do parágrafo

1º, mas ele discorda. Explica que a recomposição da equação econômico-financeira

não está sujeita a limites de valor, podendo-se admitir, se conveniente a rescisão do

contrato. Sobre acréscimo ou supressão, cita que ‘’o Parágrafo 2º refere-se à

vedação à acréscimo ou supressão. Examinando o elenco do inciso I, identifica-se

claramente que a hipótese se configura no caso da alínea ‘’b’’, esse é o dispositivo

que trata de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto. A redação do

parágrafo 2º tem clara e inquestionável em relação com o disposto, na alínea ‘’b’’ do

inciso I.’’

32JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Rev. , atual e ampl – São Paulo. Editora: Revista dos Tribunais, 2015. Página 522.

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JUSTEN FILHO conclui que aplicar a redação do parágrafo 2º, em casos de

inadequação do projeto, resulta em desfecho descabido. Ou seja, não sendo

possível manter-se a solução técnica proposta na celebração do contrato, em

determinados casos, pode ser necessária a indispensável alteração com valor

superior a 25%, ou a rescisão do contrato.

A Lei Federal 11462/11, que Institui o Regime Diferenciado de Contratações

Públicas – RDC, é regulamentada pela Lei 8.666/93.

Porém, na sua Subseção I - Do Objeto da Licitação, da Seção II - Das Regras

Aplicáveis às Licitações no Âmbito do RDC, prevê no:

“Art. 9o Nas licitações de obras e serviços de engenharia, no âmbito do RDC, poderá

ser utilizada a contratação integrada, desde que técnica e economicamente

justificada e cujo objeto envolva, pelo menos, uma das seguintes condições:

[...]

§ 4o Nas hipóteses em que for adotada a contratação integrada, é vedada a

celebração de termos aditivos aos contratos firmados, exceto nos seguintes casos:

I - para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso

fortuito ou força maior; e

II - por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor

adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública,

desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado,

observados os limites previstos no § 1o do art. 65 da Lei no 8.666, de 21 de junho de

1993.

§ 5o Se o anteprojeto contemplar matriz de alocação de riscos entre a

administração pública e o contratado, o valor estimado da contratação poderá

considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e as contingências

atribuídas ao contratado, de acordo com metodologia predefinida pela entidade

contratante.”

Duas novidades dessa lei merecem destaque. A primeira se refere à

contratação da obra sem projeto executivo concluído, nos chamados regimes semi-

integrado e integrado de contratação. A segunda é a alusão à matriz de alocação de

riscos, que tenta dividir as responsabilidades dos riscos da obra entre o contratado e

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a Administração. É importante salientar que a partir de estatísticas do Ministério do

Planejamento, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) elaborou estudos,

divulgados no dia 12 de julho de 2018, em que se constatou que, há 2.796 obras

paralisadas no país. Dessas, 517 são de infraestrutura, principalmente na área de

saneamento básico, que inclui serviços de água e esgoto. Esses números

evidenciam que a questão da imprevisibilidade ainda deve ser mais debatida no

Brasil.

Por fim, a Lei Federal 13303/16, que dispõe sobre o estatuto jurídico da

empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na sua Seção II - Da

Alteração dos Contratos do CAPÍTULO II - DOS CONTRATOS, em analogia ao

artigo 65 da Lei 8666/93 teve as seguintes alterações, representadas, igualmente, as

inclusões em negrito e as exclusões entre parênteses:

“Art. 81. Os contratos celebrados nos regimes previstos nos incisos I a V do

art. 43 contarão com cláusula que estabeleça a possibilidade de alteração, por acordo

entre as partes, nos seguintes casos:

(I – unilateralmente pela Administração:)

[...]

(II – por acordo das partes)

[...]

§ 8o É vedada a celebração de aditivos decorrentes de eventos

supervenientes alocados, na matriz de riscos, como de responsabilidade da

contratada.”

Pode-se observar que as alterações da lei 13.303/2017 resumem-se

praticamente à inserção da matriz de risco no artigo 81, que trata das Alterações

Contratuais, mantendo toda a redação da Lei 8.666/93, artigo 65, e à exclusão de

diferenciação entre proposição de alteração unilateral ou por acordo entre as partes.

O artigo 81 prevê os casos e condições de alteração de contratos de

empresas públicas ou de economia mista, sendo que seu inciso I dispõe sobre

alterações qualitativas, com redação idêntica à do artigo 65 da Lei 8.666/93. De

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acordo com GUIMARÃES33, tais alterações somente são aceitáveis se houver uma

dificuldade superveniente, cuja identificação ocorra somente após a celebração do

contrato e requeira a alteração, sem a qual haveria impossibilidade de execução do

objeto. Segundo o autor, não se prestam à correção de falhas ou complementações

de detalhes de projeto ou plano de obra, que deveriam constar do conjunto de

elementos que instruem o certame, porém por algum motivo foram omitidos.

As alterações qualitativas também não podem descaracterizar o objeto. A

relação lógico-causal entre o objeto descrito no edital e o efetivamente executado

deve ser mantida, sem modificar sua finalidade.

O inciso II, que dispõe sobre as alterações quantitativas, permite a

modificação dos valores previstos originalmente em função de modificações

causadas por aumento ou diminuição das quantidades definidas para o objeto do

certame.

As condições de aceite são as mesmas da Lei 8666/93 já comentadas.

Ressalta-se que as partes devem entrar em consenso para realizar os acréscimos

ou supressões necessárias.

Esse inciso prevê que as alterações sejam apenas de ordem quantitativa, não

ensejando obrigatoriamente na alteração de outras condições contratuais. Desse

modo, o objeto permanece com suas características essenciais, sem mudança de

sua natureza. No entanto, é possível que elas influenciem no prazo, que pode ser

prorrogado. Dessa maneira, tanto a alteração de quantidade quanto do prazo podem

provocar eventual desequilíbrio da equação econômico-financeira, nesse caso

havendo necessidade de aditamento também para esses quesitos, com fulcro no

inciso IV do artigo 81.

A fixação de preços unitários para obras em que deve ser realizada a

alteração, caso o contrato não o tenha previsto, deverá ocorrer, em consenso entre

as partes, observados os limites do parágrafo 1º, ou seja, 25% ou 50%, dependendo

do caso.

33GUIMARÃES, Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch. Lei das Estatais: comentários ao regime jurídico licitatório e contratual da Lei nº 13.303/ 2016. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017, p.266

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45

O parágrafo 4º traduz que a responsabilidade civil do Estado, que

GUIMARÃES34, entende: ‘’consiste no dever jurídico imposto ao poder público em

responder pela reparação dos prejuízos de ordem material em materiais provocados

por ações ou omissões, sendo elas, lícitas ou ilícitas. ‘’ Pode, portanto, ser

necessário indenizar o particular por outros danos que eventualmente tenham sido

causados pelas supressões efetuadas, se tais danos forem devidamente

comprovados. Sobre a garantia, é direito do particular, ter a garantia reduzida na

mesma proporção do valor suprimido.

Assim como, na lei 8666/93, o mesmo inciso IV, prevê a possibilidade de

alterar o regime de execução da obra. Essa modificação, exige, a constatação

técnica de que os termos originariamente previstos não podem ser aplicados ao

contrato em questão e ainda de que decorreu de circunstâncias imprevisíveis,

quando da elaboração do edital, ou devido a fatos supervenientes.

A deliberação da mudança de regime por parte do Poder Público, não exime o

contratado de aceitar o novo modo de execução, sendo indispensável a sua

anuência. Nesse caso, a convergência da vontade de ambas as partes é

fundamental.

O inciso V, admite a alteração das condições de pagamento previstas

originalmente no contrato desde que, acompanhada de medidas que mantenham o

equilíbrio econômico financeiro da contratação. Conforme JUSTEN FILHO35, essa

alteração prevista na lei ‘’não atinge o conteúdo econômico devido ao particular, mas

circunstâncias acessórias relacionadas às condições de sua realização.’’

O inciso VI prevê que, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou

previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da

execução do ajustado ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do

príncipe, configurando aléa econômica extraordinária ou extracontratual, o equilíbrio

econômico financeiro do contrato deve ser mantido.

34GUIMARÃES, Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch. Lei das Estatais: comentários ao regime jurídico licitatório e contratual da Lei nº 13.303/ 2016. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017, p.89 35JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Rev. , atual e ampl – São Paulo. Editora: Revista dos Tribunais, 2015. Página 525.

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GASPARINI 36 ensina que caso fortuito se refere a ‘’acontecimento

imprevisível e irresistível causado por força externa ao Estado, do tipo do tufão e da

nevasca’’; cita como exemplos de força maior, greve ou grave perturbação da

ordem; conceitua fato do príncipe como ato ou fato da autoridade pública- é toda a

determinação estatal, positiva ou negativa, geral e imprevisível ou previsível, mas de

consequências incalculáveis, que onera, extraordinariamente ou que impede a

execução do contrato e obriga a Administração Pública a compensar integralmente,

os prejuízos suportados pelo contratante particular’’.

Todas as alterações contratuais são celebradas, por meio de termo aditivo,

embora a lei não expresse claramente sobre o instrumento utilizado para formalizá-

las.

Nos Parágrafos 5º e 6º é reconhecida como razão para alteração a variação

da carga tributária, que impacte nos encargos do contratado, devendo a

Administração Pública remunerar eventuais aumentos de tributos. Ainda pode-se

citar o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, que corrobora esse preceito:

‘’ XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e

alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure

igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam

obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o

qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à

garantia do cumprimento das obrigações. ‘’

Cabe lembrar que meros reajustes inflacionários, podem ser concedidos por

meio de procedimentos mais simples, a apostila prevista, no parágrafo 7º do artigo

81 da Lei 13303/16.

Por fim, o Parágrafo 8º, dispõe sobre a vedação de alterações decorrentes de

eventos supervenientes alocados na matriz de riscos do edital, que tenham sido

definidos como de responsabilidade da contratada. É importante citar o artigo 42 da

mesma lei, que, fixa um conteúdo mínimo para a cláusula de matriz de riscos. Nela

devem constar os fatos cuja imprevisibilidade existe, no entanto podem ser

36GASPARINI, DIOGENES. Direito Administrativo 13º edição. São Paulo : Editora Saraiva, 2008. Páginas 1115; 808 e 800.

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conjecturadas hipóteses de ocorrerem, e a qual parte caberá a responsabilidade de

cada item apontado. GUIMARÃES37 menciona que:

“um desses elementos diz respeito a listagem de possíveis eventos supervenientes à

assinatura do contrato, impactantes no equilíbrio financeiro da avença, o que poderá

exigir do particular um exercício de “futurologia”, sem contar a possibilidade de as

propostas apresentadas por ocasião da licitação conterem uma “gordura” nos preços

ofertados como medida de proteção do licitante.”

A seguir, a fim de ilustrar, apresenta-se matriz de riscos constante de um edital de

obra da empresa de economia mista Companhia de Saneamento do Paraná –

Sanepar, com abertura prevista em 08/11/2018:

37GUIMARÃES, Edgar; SANTOS, José Anacleto Abduch. Lei das Estatais: comentários ao regime jurídico licitatório e contratual da Lei nº 13.303/ 2016. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017, p.273

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48

Figura 1 Matriz de Riscos – Edital de Licitação 351/2018 da Sanepar

Percebe-se que a matriz é elaborada de acordo com experiências em

contratos anteriores e procura elencar situações em que havia recorrência de

pedidos de aditivos por parte de contratados, porém não havia um protocolo para as

respectivas soluções. Nela cada risco listado se aloca a uma ou ambas as partes, e

se relaciona a um respectivo procedimento de mitigação.

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49

Finalmente, o projeto de lei 8814/2017, que institui normas para licitações e

contratos da Administração Pública e pretende revogar as Lei nº 8.666/93, a Lei nº

10.520/2002, e dispositivos da Lei nº 12.462/2011, em seu artigo 101, análogo ao

artigo 65 da Lei 8666/93, possui indícios de que a caminhada em direção a uma boa

formulação que solucione, ou ao menos diminua os prejuízos decorrentes da

questão da imprevisibilidade, ainda será longa e cheia de empecilhos.

A base dessa proposta de lei continua sendo as leis anteriores, mesmo

identificados os problemas em se utilizar as mesmas leis para aquisição de objetos

absolutamente diversos nas licitações. A comparação do seu teor nas partes

pertinentes a alterações de contratos não será abordada aqui na sua totalidade, mas

será chamada a atenção para alguns aspectos relativamente inovadores que por

enquanto foram contemplados.

O primeiro é o critério de limitação do valor dos aditivos, que nas leis

anteriores se restringia ao parágrafo primeiro de todas elas, que agora vem

acompanhado de um parágrafo subsequente que, por sua característica muito mais

restritiva pode causar mais dificuldades no desenrolar das obras.

A seguir reproduz-se a redação proposta:

“§ 1º Nas hipóteses do inciso I do caput, o contratado é obrigado a aceitar, nas

mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões, que se fizerem nas obras,

nos serviços ou nas compras, de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial

atualizado do contrato, sendo que, no caso de reforma de edifício ou de equipamento,

o limite para os acréscimos é de 50% (cinquenta por cento).

§ 2º A aplicação dos limites estabelecidos no § 1º deverá ser realizada

separadamente para os acréscimos e para as supressões, salvo nos casos de

supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.

§ 3º A extrapolação dos limites estabelecidos no § 1º, quando decorrente de erro

grosseiro no orçamento do projeto, ensejará apuração de responsabilidade do

responsável técnico.”

O parágrafo primeiro segue idêntico em todas as leis, desde a lei 2300/86 e

permanece na proposição do PL6814/17. A produção do texto referente

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aparentemente advém de reiterada jurisprudência do TCU, o qual afirma no acórdão

1.536/2016, que:

“[...] a jurisprudência deste Tribunal é pacífica no sentido de entender, como regra

geral, para atendimento dos limites definidos no art. 65, §§ 1º e 2º, da Lei 8.666/1993,

que os acréscimos ou supressões nos montantes dos ajustes firmados pelos órgãos e

pelas entidades da Administração Pública devem ser realizados de forma isolada,

sendo calculados sobre o valor original do contrato, vedada a compensação entre seus

valores. Nesse sentido, podemos citar os Acórdãos: 1.733/2009, 749/2010,

2.059/2013, 2157/2013, 2.064/2014 e 1.498/2015, todos do TCU-Plenário e

4.499/2016-TCU-2ª Câmara.”

Ou ainda, em seu acórdão 2819/2011, que:

“[...]... o TCU possui firme entendimento acerca dos limites de alteração previstos

no art. 65, §1°, da Lei 8.666/1993, mais precisamente, de que, na elaboração deste

cálculo, não pode a Administração valer-se da compensação entre acréscimos e

decréscimos, devendo as alterações de quantitativos ser calculadas sobre o valor

original do contrato, aplicando-se a cada um desses conjuntos, individualmente e sem

nenhum tipo de compensação entre eles, os limites do dispositivo legal.”

Mais um conceito novo foi introduzido no PL 6814/2017, a partir da

exclusão de algumas situações da definição de alteração contratual. São citadas a

seguir:

“[,,,]§ 10. Não caracterizam alteração do contrato e podem ser registrados por

simples apostila, dispensando a celebração de aditamento:

I – a variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto

no próprio contrato;

II – as atualizações, as compensações ou as penalizações financeiras

decorrentes das condições de pagamento previstas no contrato;

III – as alterações na razão ou na denominação social do contratado;

IV – o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu

valor corrigido.”

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Assim como previsto desde o RDC, na lei 12.462/11, o artigo 19 do PL

6814/17 também insere a matriz de riscos como ferramenta obrigatória para que as

consequências da imprevisibilidade não causem problemas no acompanhamento

das obras públicas.

Nesse caso, o cálculo do valor estimado da contratação poderá considerar

taxa de risco compatível com o objeto da licitação e os riscos atribuídos ao

contratado, de acordo com metodologia predefinida pela entidade contratante.

A lei dita que a matriz de alocação de riscos deverá, por meio do

estabelecimento da responsabilidade de cada parte contratante, ser utilizada como

mecanismo com a finalidade de afastar a ocorrência de eventuais sinistros, e para

que os seus efeitos sejam mitigados.

Finalmente, chama a atenção, no PL 6814/2017 o seguinte texto, presente no

artigo 101:

“§ 13. Excetuam-se aos limites percentuais estabelecidos neste artigo as mudanças

contratuais consensuais de natureza qualitativa que atendam cumulativamente aos

seguintes requisitos:

[...]

V – a motivação da mudança contratual deve ter decorrido de fatores não previstos e

que não configurem burla ao processo licitatório;”

A menção da palavra burla, citada inclusive também em outro artigo da

proposta de lei, faz transparecer nitidamente que o princípio da boa-fé e da

moralidade não estão sendo admitidas integralmente em seu conceito mais

profundo, pois as leis devem ditar as regras do que deve ser realizado, e não entrar

no mérito do que não deve ocorrer.

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6 CONCLUSÃO

O desenvolvimento do presente trabalho permitiu verificar que a flexibilização

de termos e condições contratuais vem sendo matéria de discussão há mais de

2000 anos. Não obstante, a tentativa de reunir dois princípios, quais sejam, pacta

sunt servanda e rebus sic stantibus, conflitantes e ao mesmo tempo fundamentais,

não tem logrado sucesso pleno no campo do Direito Administrativo, especialmente

no que diz respeito aos contratos de obras de engenharia com a administração

pública, visto o considerável número de obras públicas paralisadas no Brasil.

Sempre existiu a intenção de normatizar os processos referentes às

aquisições da Administração a fim de torná-los semelhantes às transações do

mercado aberto, com o revés de se manter a prevalência do interesse público. Essa

tarefa tem sido dificultada pela resistência da Administração Pública, órgãos de

controle e fiscalização e o próprio Judiciário de usar o princípio da boa-fé e

moralidade, pois os recentes episódios de corrupção acabam por influenciar os

legisladores e fiscalizadores, contaminados pela ideia de que a presunção de

inocência pode macular os processos licitatórios.

No Brasil, cada lei criada com a finalidade de regulamentar as licitações prevê

uma seção especificamente sobre a alteração contratual. Mas, apesar de sucessivas

revisões das leis, o mesmo texto é literalmente copiado com ínfimas inserções ou

modificações.

O resultado da falta de uma análise mais profunda pelos legisladores são

redações confusas, criadas sobre textos antigos, que podem continuar a ser motivo

de serem levados aos tribunais conflitos judiciais entre o poder público e seus

administrados. No caso da Administração, há que se levar em consideração que em

cada litígio envolvendo contratos referentes a investimentos em obras públicas, não

há perdas somente para a empresa contratada, mas o interesse público, o ente que

a lei procura proteger com maior cuidado, acaba por ser o mais prejudicado. Como

citado, na expectativa da conclusão de processos judiciais concernentes a licitações

de obras, muitas vezes, grandes investimentos são paralisadas e volumes

consideráveis de recursos financeiros são desperdiçados.

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53

Por fim, a reincidência dos casos de litígio nas contratações de obras

complexas gera um clima de descrédito da Administração Pública por parte da

população prejudicada. A solução para tais entraves, gerados pela dificuldade em

resolver a questão da imprevisão nos contratos ainda não foi encontrada

definitivamente, devido a dificuldade em se colocar em prática instrumentos que

garantam a segurança jurídica. Porém, os recorrentes problemas observados nas

contratações estão passando por severas discussões, para que no futuro, os

procedimentos das novas convenções estejam de tal modo resolvidos que permitam

que o Poder Público invista seus recursos de maneira fluente, sem os óbices

atualmente observados devido a insuficiência de clareza nos critérios e definições

referentes a alterações de contratos.

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