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iNTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO

O direito processual brasileiro passa por um momento de crises e transformações. É perceptível que o modelo atual é incapaz de solu-cionar vários dos objetivos da jurisdição, tais como o de conceder um processo seguro e efetivo. Por mais que tais problemas já existissem, o aumento do acesso à justiça, à informação e a existência de uma socie-dade em constante mudança intensificaram as dificuldades e mesmo a própria percepção de sua existência. Diversas reformas legislativas fo-ram realizadas. Houve a introdução da antecipação da tutela, do proce-dimento monitório, do cumprimento de sentença no mesmo processo, a concessão de maiores poderes executivos ao magistrado etc. Uma das propostas para a qual tem caminhado o direito é a valorização da atua-ção dos precedentes na dinâmica do processo judicial.

O Código de Processo Civil aprovado no início de 2015, inegavel-mente, reforça a tendência da introdução de precedentes obrigatórios no Brasil. Essa recepção legislativa de um instituto alienígena, com a amplia-ção da existência de precedentes obrigatórios, exige que sejam feitos es-tudos para verificar a forma de construção de uma teoria dos precedentes brasileira. A decisão tomada nos casos concretos passa a ter uma maior importância, uma vez que irá influenciar, a partir da norma jurídica geral dela extraída, uma série de outros casos semelhantes. Essa constatação leva a novas preocupações, em especial, à decisão que opera uma mudan-ça de um posicionamento jurisprudencial. A mudança jurisprudencial deixa de ser algo de menor importância para tornar-se, em uma sistemá-tica de precedentes, uma decisão paradigmática que irá influenciar outros casos que iriam funcionar com a norma judicial anterior.

Mesmo que se admita que os precedentes existam nos países que fazem parte do common law e o civil law, a preocupação com o desen-volvimento de uma teoria a eles aplicável surge apenas quando a sua atuação no tráfego jurídico é valorizada, ou seja, quando o país deixa de se utilizar apenas de precedentes persuasivos e passa a adotar, também, os obrigatórios. As diversas reformas legislativas, bem como o aumento

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do diálogo com as soluções jurídicas de outros países, influenciaram no aumento da importância concedida às decisões judiciais. O precedente deixa de ser exemplo para tornar-se uma fonte relevante do direito.

Quando há uma superação de precedente, que é importante para vários outros casos concretos, surge a preocupação com a sua eficácia temporal. A decisão judicial, sob o ponto de vista individual, resolve um fato que ocorreu no passado, porém, esse ponto de vista é modifica-do em uma teoria dos precedentes. Essa mudança de posicionamento, em certas hipóteses, gera uma surpresa injustificada nas partes do pro-cesso judicial e mesmo em face dos demais jurisdicionados que atuaram com base no precedente ora superado. O órgão jurisdicional não pode ignorar a segurança jurídica e a confiança legítima dos jurisdicionados no entendimento anterior. A eficácia temporal do precedente passa a ser um fenômeno extremamente relevante na dinâmica da atuação dos jurisdicionados, que não devem ser indevidamente surpreendidos por uma mudança completamente inesperada e com eficácia retroativa.

Essa situação faz com que surja a necessidade de estudos aprofun-dados sobre a teoria dos precedentes e sobre alguns aspectos específi-cos, dentre eles a superação dos precedentes e a sua eficácia temporal. Cumpre à doutrina pátria desenvolver estudos sobre a temática com o objetivo de adaptar o stare decisis ao direito brasileiro.

Em uma sistemática que rejeitava a função criativa e também de orientação proporcionada decorrente da interpretação normativa dos tribunais, a norma geral criada por essas decisões não tinha aptidão para orientação dos jurisdicionados. A valorização existia apenas em face do texto normativo, como se ele fosse capaz de sanar todos os pro-blemas jurídicos. O desenvolvimento de uma nova teoria da interpre-tação gerou uma percepção diversa: o fenômeno jurídico, mesmo nos países do civil law, precisa ser compreendido como uma amálgama dos textos normativos e das normas judiciais.

Esta obra possui, como marco teórico principal, o denominado ne-oconstitucionalismo e a sua vertente no direito processual, o formalis-mo-valorativo. Por mais que existam divergências quanto ao conceito e a própria denominação do neoconstitucionalismo, as características dessa fase metodológica relativas à eficácia normativa dos princípios e, com isso, toda a inclusão de um novo raciocínio advindo da Teoria

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Geral do Direito, além da constitucionalização do direito serão impor-tantes para todo o desenvolvimento desta obra. Da mesma forma, o formalismo-valorativo e o modelo processual por ele implementado, o cooperativo, serão utilizados para uma adequada compreensão dos aspectos processuais da eficácia temporal da superação de precedentes.

O objetivo deste trabalho é o de compreender o fenômeno da eficá-cia temporal na superação de precedentes e a sua forma de adaptação ao direito brasileiro. Para que seja possível verificar as formas de adaptação da modulação da eficácia temporal na superação de precedentes, várias outras abordagens precisam ser feitas.

A metodologia utilizada será, primordialmente, a pesquisa biblio-gráfica nacional e estrangeira, incluindo a consulta a livros e periódicos, sejam eles físicos ou virtuais. A principal experiência estrangeira em termos de eficácia temporal dos precedentes é a americana, país que já se utilizou da superação prospectiva, tendo sido alvo de estudo apro-fundado pela doutrina. será feita, também, a utilização da análise de decisões judiciais que se refiram ao tema tratado. A pesquisa, então, irá focar em investigação bibliográfica e na análise de precedentes dos tri-bunais superiores (sTF e sTJ) e como esses tribunais estão trabalhando com a possibilidade da modulação de efeitos. Não haverá análise detida dos julgados provenientes do sTF em que a modulação ocorreu no controle concentrado de constitucionalidade e sem que houvesse uma decisão anterior, uma vez que o foco desse trabalho é a teoria dos pre-cedentes e a modulação na superação de precedentes. No entanto, por vezes haverá menção a esses precedentes para ilustrar alguns raciocínios e alguns posicionamentos do tribunal que podem influenciar na modu-lação existente na superação de precedentes.

No primeiro capítulo, trabalha-se com a construção da norma da segurança jurídica no direito brasileiro a partir, principalmente, do de-senvolvimento teórico realizado por Gianmarco Gometz1 e Humberto ávila.2 É inegável que a segurança é um aspecto essencial do fenômeno

1. GOMETZ, Gianmarco. La certezza giuridica come prevedibilità. Torino: Giappi-chelli Editore, 2005.

2. áViLA, Humberto. Segurança jurídica entre permanência, mudança e orientação no direito tributário. são Paulo: Malheiros, 2011.

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jurídico e, ao mesmo tempo, um dos seus grandes desafios em uma so-ciedade com um tempo de mutação cada vez menor. A segurança jurí-dica, então, passa a ser examinada sob uma perspectiva de flexibilidade, amoldando-se à sociedade na qual está inserida, saindo de um aspecto estático para um dinâmico. Ainda no primeiro capítulo, será feito um estudo analítico dos elementos da segurança jurídica, bem como da sua forma de atuação a partir de uma análise da Constituição pátria.

No segundo capítulo, o tema é a construção do princípio da con-fiança legítima. Esse tema, que tem recebido atenção da doutrina es-trangeira e brasileira, ainda passa por vários momentos de indefinição, desde a sua origem até a sua eficácia. Ora se fala em origem a partir da segurança jurídica, ora há menção à boa-fé objetiva. isso sem esquecer sua intensa identificação com a tutela da proibição do venire contra factum proprium. O que esse capítulo almeja propor é um conceito de confiança legítima que possa funcionar tanto no direito público como no direito privado, além de ultrapassar as discussões e diferenças apon-tadas entre ele, a boa-fé objetiva e a segurança jurídica.

Após apontadas as bases normativas que fundamentam a modulação de efeitos, o terceiro capítulo passa ao direito processual, de forma a anali-sar o stare decisis no direito brasileiro. Não se pode trabalhar com a modu-lação de efeitos na superação de precedentes, sem antes entender alguns aspectos essenciais da própria teoria dos precedentes. Apenas mediante a compreensão do que significa a adoção dessa teoria no direito brasileiro, bem como de suas técnicas, é que será possível entender a relevância da preocupação com a eficácia temporal na superação de precedentes.

Uma vez definidos aspectos gerais da teoria dos precedentes, o tra-balho, no quarto capítulo, volta-se à análise específica da modulação de efeitos na superação de precedentes. A discussão sobre a temática teve origem nos EUA, com uma evolução bastante interessante na década de 60, muito embora as críticas à teoria tenham feito com que a su-prema Corte daquele país tenha abandonado a superação prospectiva posteriormente. De toda forma, não se pode ignorar todo o relevante material que deixou como aprendizado, inclusive, porque a discussão permanece viva nos tribunais e na doutrina.

No Brasil, a temática começou a ser discutida no controle de cons-titucionalidade, existindo, na atualidade, a autorização legal para a mo-

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dulação de efeitos no controle de constitucionalidade concentrado. É importante a realização do histórico da temática no direito brasileiro, para que se possa perceber como ocorreu a evolução de um dogma da eficácia ex tunc da decisão de inconstitucionalidade, até a discussão da eficácia da superação do precedente no direito brasileiro.

A verdade é que ainda há certa resistência dos tribunais à realização da modulação de efeitos, em face da ausência de autorização legal, mui-to embora o CPC/2015 venha a resolver esse aspecto, autorizando-a de forma genérica. Há específico debate na doutrina brasileira acerca da regra geral para a eficácia da superação de precedentes, visto que há tanto o posicionamento de que a regra seria a eficácia retroativa, como aqueles que defendem que seria prospectiva. Ainda no capítulo é feita uma análise da fundamentação jurídica da eficácia temporal da supe-ração de precedentes, em especial, a partir de várias decisões advindas do sTF que trabalharam com o tema. Ao final, tem-se uma proposta de parâmetros para quais os requisitos que devem estar presentes para a superação prospectiva de precedentes.

O último capítulo volta-se aos aspectos processuais da superação prospectiva de precedentes. Para além dos aspectos materiais, que fun-damentam e exigem que seja realizada em certos casos, é necessário estudar vários outros elementos. A natureza jurídica da modulação de efeitos é capaz de gerar inúmeras diferenças quanto à possibilidade de cognição de ofício e os meios para que seja alegada. Discute-se ainda o quorum necessário para a decisão, uma vez que, mesmo no CPC/2015, não há qualquer menção a ele, havendo debate sobre a (in)aplicabili-dade do quorum de 2/3 exigido no controle concentrado de constitu-cionalidade. Examina-se a possibilidade de as partes requererem a mo-dulação, em especial, analisa-se a discussão do cabimento da superação prospectiva em favor da Fazenda Pública.

Outro tema ainda bastante ignorado pela doutrina é a competência para a decisão de modulação de efeitos. Ainda não há uma efetiva de-finição de quais tribunais, em tese, podem realizar essa superação pros-pectiva. Para tanto, é feito um breve estudo dos aspectos federativos do Brasil, das competências legislativas e, em especial, de quais precedentes possuem caráter obrigatórios e quais tribunais podem editá-los. Outro

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aspecto trabalhado é a relação entre o princípio da cooperação e a de-cisão de modulação.

O método utilizado no presente trabalho foi o hipotético-dedutivo, fazendo uma análise investigativa, a fim de que sejam formuladas hi-póteses de referência para as observações a serem feitas acerca do tema em estudo e a posterior análise da aplicação das conclusões alcançadas nos casos concretos.