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a fazenda Pública no ordenamento Jurídico braSileiro

Rogério Augusto Boger Feitosa1

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. A Fazenda Pública em sua dimensão material - 3. A questão da prestação de serviços públicos de caráter econômico - 4. As prerrogativas da Fazenda Pública no ordenamento brasileiro - 5. Considerações finais - 6. Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

A ‘Fazenda Pública’ vem sendo tratada pela doutrina como o conjunto de en-tidades administrativas que, dotadas de personalidade de direito público, sub-metem-se a um regime jurídico peculiar que lhes garante instrumentos para melhor promover a defesa do interesse público.

No entanto, é fácil perceber que essas entidades às quais formalmente se atribui personalidade de direito público são algumas vezes constituídas ob-jetivando o exercício de atividades econômicas, cuja exploração é conferida constitucionalmente a pessoas de direito privado. Enquanto isso, verifica-se a existência de entidades administrativas criadas com personalidade jurídica de direito privado que, por sua vez, têm como finalidade a realização de funções eminentemente estatais.

Ciente desse desvirtuamento, mostra-se necessário diferenciar cada um dos entes que compõem a Administração Indireta, de modo a apenas incluir no con-ceito de ‘Fazenda Pública’ aqueles que se direcionam a atividades cuja execução seja efetivamente de incumbência do Poder Público para, somente depois, defi-nir o regime jurídico aplicável.

2. A FAZENDA PÚBLICA EM SUA DIMENSÃO MATERIAL

A expressão ‘Fazenda Pública’ não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro. Há muito tem sido utilizada para se referir ao âmbito de atuação do Estado no que tange à gestão das suas finanças2. Entretanto, em sentido mais

1 Procurador do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio.

2 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 7ª Ed., São Paulo: Dialética, 2009, p. 15.

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próprio aos direitos processual e administrativo, essa expressão costuma ser empregada para fazer alusão às entidades com personalidade de direito público que compõem as diferentes estruturas administrativas dos entes federativos, notadamente quando atuam em juízo.

Nessa acepção mais específica, afirma-se que se enquadram no conceito de ‘Fazenda Pública’ a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, bem como suas autarquias e fundações públicas de direito público. Por sua vez, consideram-se excluídas dessa concepção as empresas públicas e sociedades de economia mista, visto que gozam de personalidade jurídica de direito pri-vado e a elas se aplicao regime jurídico inerente às regras de livre mercado (v. art. 173, § 1º, da CF)3, assim como as fundações públicas de direito privado4.

Com efeito, tal compreensão confere peculiar relevância à personalidade jurídica – se de direito público ou de direito privado – atribuída ao ente da Ad-ministração no momento da edição da lei que o constituiu ou que autorizou a sua constituição; ou seja, define a sua inclusão, ou não, no conceito de ‘Fazenda Pública’ e, por consequência, o regime jurídico aplicável a partir de uma opção política tomada no âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo.

Ocorre que, não raras vezes, o Poder Executivo, mediante sua iniciativa re-servada de lei, e o Poder Legislativo, no exercício de sua função legislativa, aca-bam por conferir a entidades da Administração Indireta formas jurídicas não consentâneas com o ordenamento jurídico. É comum deparar-se com a exis-tência de empresas públicas ou sociedades de economia mista que exercem ati-vidade típica de Estado, ao mesmo tempo em que alguns entes autárquicos ou fundacionais se revelam verdadeiros exploradores de atividade econômica.

Não há como negar que, em alguma medida, esses Poderes gozam de certa liberdade no que toca à definição da forma jurídica da pessoa administrativa a ser instituída. Entretanto, essa escolha não pode perder de vista os contornos materiais constitucionalmente concebidos para as diferentes entidades da Ad-ministração Indireta, em particular, o propósito de sua criação.

O Constituinte de 1988, ao tratar da ‘Ordem Econômica e Financeira’, teve especial cuidado ao estipular as situações e os meios de intervenção do Esta-do no domínio econômico. Primeiramente, estabeleceu como regra geral a in-tervenção indireta na economia, por meio das atividades de normatização e regulação, permitindo a intervenção direta, ou seja, a exploração de atividade econômica pelo Estado, apenas de modo excepcional, nos casos previstos na Constituição ou quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou

3 Ibid., p. 16-17.4 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª Ed., rev., ampl. e atual., São

Paulo: Atlas, 2012, p. 522.

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a relevante interesse coletivo5. Em seguida, deixou claro que essa intervenção direta deveria ser feita principalmente mediante a constituição de empresas públicas e sociedades de economia mista, as quais, por sua vez, se submeteriam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, impedida a concessão de pri-vilégios, sejam civis, comerciais, trabalhistas ou tributários.

Ao dispor o Constituinte Originário que as empresas públicas e sociedades de economia mista devem precipuamente servir de instrumento de intervenção do Estado no domínio econômico, atribuiu, por exclusão, às entidades autárqui-cas e fundações públicas o desempenho das demais atividades descentraliza-das. Dessa forma, parece ter acolhido os critérios já adotados pelo Decreto-Lei 200/67 para delimitar os contornos jurídicos e as funções passíveis de serem atribuídas aos entes da Administração Indireta6.

É verdade que os conceitos normativos constantes do Decreto-Lei 200/67 revelam-se ainda coerentes com o Direito Administrativo atual, notadamente no tocante às finalidades atribuídas às entidades em questão. No entanto, a despeito dessa coerência, necessário se faz um exame mais detido e minucioso do objeto e das atividades que devem legitimamente ser desempenhadas por essas entidades, delimitando a sua dimensão material independentemente da sua forma jurídica, sob pena de determinar-se a incidência do regime próprio à ‘Fazenda Pública’ ou daquele inerente à iniciativa privada a partir da simples e, muitas vezes, imprópria escolha tomada no âmbito político.

Inicialmente, quanto às entidades autárquicas, aparentam consentâne-os com a teleologia constitucional os termos especificados pelo Decreto-Lei 200/67 ao estabelecerem como objeto de sua atuação as “atividades típicas da Administração Pública” (art. 5º, inc. I). Isso porque essas entidades, enquanto pessoas jurídicas de capacidade exclusivamente administrativa7, servem de pe-

5 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 3ª Ed., Rio de Janeiro: Atlas, 2010, p. 83-86.6 Art. 5º. Para os fins desta lei, considera-se: I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com per-

sonalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentra-lizada. II - Emprêsa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patri-mônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Govêrno seja levado a exercer por fôrça de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade eco-nômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta. IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personali-dade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funciona-mento custeado por recursos da União e de outras fontes” (grifo nosso)

7 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª Ed., rev. e atual., São Paulo: Ma-lheiros, 2009, p. 160-161.

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culiar instrumento ao Poder Público quando este deseja exercer atividades liga-das às suas competências constitucionais de forma descentralizada, através da criação de uma nova pessoa jurídica de direito público, vinculada, sim, ao ente federativo criador, mas dotada de personalidade jurídica, patrimônio e receitas próprios e autonomia suficiente ao exercício das funções especificadas em lei.

Nesse diapasão, o consagrado professor José dos Santos Carvalho Filho ex-plicita de forma bastante completa, embora sucinta, o que compreende do ter-mo ‘autarquia’:

“À luz desses elementos, pode-se conceituar autarquia como a pessoa jurí-dica de direito público, integrante da Administração Indireta, criada por lei para desempenhar funções que, despidas de caráter econômico, sejam pró-prias e típicas do Estado”8.

Note-se que tal conceito de cunho eminentemente material depende funda-mentalmente do significado conferido à expressão ‘funções próprias e típicas do Estado’, eis que uma compreensão equivocadamente alargada pode vir a des-naturar a própria natureza da entidade. Todavia, para elucidar que atividades podem ser caracterizadas como ‘atividades tipicamente administrativas’, é ne-cessário, antes disso, definir quais são aquelas consideradas ‘atividades admi-nistrativas em sentido lato’.

Sem embargo da existência de classificações concebidas por importantes doutrinadores9, é possível agrupar as atividades administrativas em sentido lato em cinco grandes grupos. São eles: 1) a gestão de bens públicos; 2) o exer-cício do poder de polícia; 3) a intervenção do Estado na propriedade; 4) a pres-tação de serviços públicos; e 5) a intervenção do Estado no domínio econômico.

De forma bastante concisa, a noção inerente ao primeiro grupo consiste na ideia de utilização e de conservação dos bens públicos10 pela Administração, de modo a atribuir-lhes destinação compatível com a sua natureza, bem como garantir a manutenção de sua existência, qualidade e finalidade11. Já o exercício

8 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 464.9 Mostra-se relevante mencionar a classificação formulada pelo renomado professor Celso Antônio Ban-

deira de Mello mediante a qual as atividades administrativas são reunidas em 6 (seis) diferentes grupos: 1) a prestação de serviços públicos, 2) a intervenção do Estado no domínio econômico e social; 3) o cumprimento das normas que estabelecem limitações administrativas à liberdade e à propriedade, 4) a imposição das sanções previstas para as infrações administrativas; 5) o sacrifício de direitos; e 6) a gestão dos bens públicos (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 661-663). Ressalte-se apenas que, quanto à intervenção no domínio social, indicada pelo mencionado autor como uma das atividades administrativas exercidas pelo Estado, parece-nos despicienda a sua menção, tendo em vista que, em nosso entender, toda ou qualquer atuação administrativa relacionada pode ser facilmente enquadrada no ‘exercício do poder de polícia’, na ‘prestação de serviços públicos’ de natureza social ou, ainda, na intervenção do Estado no domínio econômico, mediante o fomento da atividade privada.

10 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 1147-1148.11 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 38ª Ed., atual., São Paulo: Malheiros, 2012, p.

579-580.

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do poder de polícia pode ser conceituado como toda atuação do Estado direcio-nada a “condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos indi-viduais em benefício da coletividade ou do próprio Estado”12. Por sua vez, a in-tervenção do Estado na propriedade alcança o conjunto de medidas restritivas ou supressivas a ela impostas com o objetivo específico de adequá-la à função social a que está condicionada13. Quanto à prestação de serviços públicos, esta corresponde à execução de toda e qualquer atividade destinada a “satisfazer ne-cessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado”14. Por fim, a intervenção do Estado na atividade econômica envolve a atuação deste em atividades de normatização e regulação ou, ainda, o exercício direto da atividade econômica.

Desses cinco grandes grupos, parece-nos que ao menos os quatro primeiros se enquadram integralmente em ‘atividades tipicamente administrativas’. Isso porque não é possível imaginar pessoas de direito privado atuando na gestão de bens públicos, exercendo poder de polícia, intervindo na propriedade ou pres-tando serviços públicos, salvo quando autorizadas expressamente pelo Estado.

Quanto ao último grupo, deve-se ter em mente a diferenciação já mencio-nada entre intervenção indireta, realizada mediante normatização e regulação das relações jurídicas firmadas em ambiente de mercado, e intervenção direta, que consiste na efetiva exploração de atividade econômica pelo Poder Público. Enquanto esta tem caráter excepcional – repita-se, permitida apenas nos casos previstos na Constituição ou quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo –, sendo, portanto, ordinariamente realizada pela iniciativa privada, aquela representa atividade eminentemente administrativa, correspondendo, na realidade, a verdadeiro exercício do poder de polícia.

Dessa forma, é correto dizer que as autarquias podem ter por finalidade a execução de qualquer das atividades inseridas em um dos quatro primeiros grupos citados ou, ainda, intervir na economia por meio das atividades de nor-matização e de regulação, lhes sendo vedado apenas o exercício de atividade econômica.

Corroborando, pois, esse entendimento, o professor José dos Santos Carva-lho Filho leciona que:

“Ao fixar os contornos jurídicos das autarquias, o Decreto-lei nº 200/1967 consignou que seriam elas destinadas a executar atividades típicas da ad-ministração pública, expressão que, é fácil notar, suscita dúvidas de seu sentido (...).

12 Ibid., p. 137.13 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 769.14 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 374.

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Em nosso entender, porém, o legislador teve o escopo de atribuir às au-tarquias a execução de serviços públicos de natureza social e de atividades administrativas, com a exclusão dos serviços e atividades de cunho econô-mico e mercantil, estes adequados a outras pessoas administrativas, como as sociedades de economia mista e as empresas públicas”15 (grifo nosso).

Por consequência, entendemos que deve ser considerada materialmente ‘autarquia’ a entidade da Administração Indireta destinada ao desempenho dasmencionadas atividades tidas como tipicamente estatais, independente-mente da forma jurídica a ela atribuída, enquadrando-se, assim, no conceito de ‘Fazenda Pública’ para todos os efeitos. Constatando-se, porém, a criação de uma entidade descentralizada sob a forma de autarquia, mas se a ela for atri-buída a execução de atividade econômica, terá natureza material de verdadeira empresa estatal, incidindo sobre ela todo o regime jurídico aplicável às pessoas jurídicas de direito privado.

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, quando teve a oportunidade de enfrentar questões relacionadas à aplicação de regras que compõem o regime jurídico peculiar à Fazenda Pública a autarquias que atuam no exercício de ati-vidade econômica, entendeu pelo afastamento de tais normas, desprezando o aspecto meramente formal a elas atribuído:

RECURSO ESPECIAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - NEGATIVA DE PRESTA-ÇÃO JURISDICIONAL - NÃO OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE - BANCO REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO DO EXTREMO SUL (BRDE) - OBSERVÂNCIA AO PROCEDIMENTO ESTABELECIDO PELO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PARA EXECUÇÃO DE QUANTIA CERTA CONTRA FAZENDA PÚBLICA - IMPOSSIBI-LIDADE - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. Não existe negativa de pres-tação jurisdicional no acórdão que, a despeito de adotar fundamento diver-so daquele pretendido pela parte, efetivamente decide de forma fundamen-tada toda a controvérsia. 2. O rito previsto pelos artigos 730 e seguintes do Código de Processo Civil, aplicável à execução de quantia certa contra a Fazenda Pública, não é aplicável ao ente que, a despeito de formalmente ser considerado uma autarquia, na realidade, em razão de explorar atividade econômica, mediante fomento de setores da economia, se reveste de natu-reza de empresa pública, como sucede in casu. 3. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 579.819/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TER-CEIRA TURMA, julgado em 04/08/2009, DJe 15/09/2009) (grifo nosso)

PROCESSUAL CIVIL. AUTARQUIA ESTADUAL. PRESCRIÇÃO. A autarquia es-tadual que desenvolve atividade econômica está sujeita ao mesmo regime de prescrição das pessoas jurídicas de direito privado. Recurso especial não conhecido. (REsp 218.074/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TER-CEIRA TURMA, julgado em 07/04/2003, DJ 25/08/2003, p. 296)

De modo semelhante às autarquias, as fundações públicas receberam con-tornos normativos específicos pelo Decreto-Lei 200/67, complementados pela

15 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 466-467

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legislação civil no que versa sobre a matéria. Segundo as normas jurídicas apli-cáveis, as fundações públicas foram concebidas como entidades que, sem fins lucrativos, se destinam ao desempenho de atividades de cunho fundamental-mente social, não lhes sendo disponível o exercício de atividades econômicas.

Nessa mesma linha, o Código Civil de 2002, repetindo em seu artigo 62, caput, dispositivo já existente na legislação civil revogada, explicitou em seu pa-rágrafo único as finalidades passíveis de ser conferidas às fundações, indepen-dentemente da natureza do seu instituidor:

“Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pú-blica ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.

Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religio-sos, morais, culturais ou de assistência” (grifo nosso).

Em outras palavras, despidas necessariamente de qualquer finalidade liga-da à obtenção de lucro, essas entidades visam estritamente ao desempenho de atividades sociais e que trazem benefícios aos membros da coletividade16.

Perceba-se que tais fins podem muitas vezes ser confundidos – e de fato o são – com destinações comumente atribuídas a entidades autárquicas, eis que a persecução de escopos de cunho social pode significar verdadeira ‘prestação de serviço público’. Exemplificativamente, não é difícil imaginar a criação de uma fundação pública com objeto vinculado à assistência social, à saúde ou à educa-ção. Nesses casos, dúvidas não há de que o desempenho de suas atividades será idêntico ao de autarquias às quais sejam conferidas iguais finalidades.

Em razão dessa similitude, os tribunais do país, a despeito de ainda existir alguma dissonância na doutrina pátria17, já sedimentaram o entendimento de que, nessas situações, as fundações públicas teriam natureza jurídica de direi-to público, sendo consideradas verdadeiras ‘fundações autárquicas’, ou ‘autar-quias fundacionais’. E, sendo equiparadas às autarquias, recebem todo o trata-mento jurídico a elas aplicável, restando abrangidas também pelo conceito de ‘Fazenda Pública’18.

16 Ibid., p. 513-514.17 Perfilhando o entendimento em sentido contrário, José dos Santos Carvalho Filho sustenta que “(...), cau-

sa grande estranheza que uma fundação criada pelo Estado se qualifique como pessoa de direito público, ainda mais quando se sabe que o recurso do Poder Público a esse tipo de entidade de direito privado visava a possibilitar maior flexibilidade no desempenho de atividades sociais iguais às colimadas pelas fundações instituídas por particulares. Causa também grande confusão e parece bastante incongruente a caracterização das fundações públicas como espécie do gênero autarquia” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 515-516).

18 É possível verificar que essa compreensão já foi adotada em inúmeras decisões pelo STF e pelo STJ, de modo que, considerando fundações públicas que desempenham atividades próprias das autarquias como verdadeiras entidades autárquicas, se determinou a aplicação do regime inerente a entidades des-ta espécie. Citam-se como exemplos a Fundação Nacional de Saúde (v. STF, RE 215.741/SE, 2ª Turma,

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Todavia, essa equiparação não extingue a possibilidade de criação pelo Estado de efetiva fundação de direito privado, com a sua consequente submissão ao regi-me jurídico próprio das fundações dessa natureza. Nesse caso, não poderá ela ser tida como pessoa jurídica integrante da ‘Fazenda Pública’, afastando-a necessaria-mente da incidência das normas intimamente ligadas a esse conceito, ressalvada, apenas, a aplicação de certas regras decorrente de determinação constitucional.

É bem verdade que muitas fundações instituídas pelo Poder Público acabam por se assemelhar às entidades autárquicas, chegando alguns autores até mesmo a afirmar que todas as fundações públicas equivaleriam a entidades daquele tipo e que seria uma impropriedade do ordenamento jurídico a sua previsão19. Não obstante, a própria jurisprudência já se deparou com fundações públicas cuja natureza jurídica foi reconhecida como de direito privado sob o fundamento de que visariam a objetivos eminentemente privados, sendo consi-deradas entes administrativos não equiparáveis às autarquias e, portanto, não se lhes aplicando o respectivo regime jurídico20.

Em suma, sempre que as fundações públicas exercerem atividade de conteú-do exclusivamente administrativo serão tidas como entidades de direito público equivalentes às autarquias, fazendo jus, por consequência, a todas as prerroga-tivas da ‘Fazenda Pública’. Quando, ao contrário, desempenharem atividades de

Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 04.06.1999), a Fundação Nacional do Índio – FUNAI (v. STF, RE 183.188/MS, 1ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 14.02.1997), a Fundação de Assistência ao Estudante (v. STF, RE 115.134/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ 06.05.1988), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ (v. STF, RE 101.126/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 01.03.1985), a Fundação de Ciência e Tecnologia – CIENTEC (v. STJ, REsp 480.632/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 28.10.2003), a Fundação Universidade de Brasília – FUB (v. STJ, CC 113.079/DF, 1ª Seção, Rel. Min. Castro Meira, DJe 11.05.2011), a Fundação InstitutoAgronômico do Paraná – IAPAR (v. STJ, REsp 365.894/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 13.12.2004), o Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística – IBGE (v. STJ, REsp 251.207/RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 13.08.2001), a Fundação Instituto Tecnológico de Osasco – FITO (v. STJ, REsp 207.767/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe 12.12.2008) e a Fundação de Saúde do Estado do Ceará – FUSEC (v. STJ, RMS 464/CE, 1ª Tur-ma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ 18.10.1993).

19 Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello, ao tratar das fundações públicas, opina: “É absoluta-mente incorreta a afirmação normativa de que as fundações públicas são pessoas de Direito Privado. Na verdade, são pessoas de Direito Público, consoante, aliás, universal entendimento, que só no Brasil foi contendido (...). O que se passou, entretanto, no Direito brasileiro é que foram criadas inúmeras pessoas designadas como “fundações”, com atribuições nitidamente públicas, e que, sob este aspecto, em nada se distinguiam das autarquias (...). Uma vez que as fundações públicas são pessoas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa, resulta que são autarquias e que, pois, todo o regime dantes exposto, como o concernentes às entidades autárquicas, aplica-se-lhes integralmente” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 183-185).

20 De fato, o STJ, declarando a natureza privada de algumas fundações públicas, vem determinando a sua regência pelas normas do Código Civil no que diz respeito à prescrição, não considerando aplicável a regra específica prevista no Decreto 20.910/32, dirigida apenas aos entes de direito público (v. STJ, REsp 1.270.671/RS, 2ª Turma,Rel. Min. Castro Meira, DJe 05.03.2012).

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natureza privada, devem ser consideradas pessoas jurídicas de direito privado, incidindo sobre elas o regime que lhes é peculiar, sem aquelas prerrogativas.

Por fim, reservou-se às empresas públicas e sociedades de economia mista o exercício de atividade econômica quando, verificada alguma das situações que autorizam a intervenção direta do Estado no domínio econômico, quais sejam, aquelas expressamente previstas na Constituição ou quando necessária aos im-perativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo21, desejar o Poder Público fazê-lo de forma descentralizada.

Ocorre que, como já se fez menção, o Poder Constituinte não se limitou a dis-por sobre os motivos que permitem legitimamente a constituição das empresas estatais esobre a natureza de suas atividades. Previu também que a elas se apli-caria o regime jurídico próprio das empresas privadas, impedindo a concessão de quaisquer privilégios, sejam civis, comerciais, trabalhistas ou tributários, es-pecialmente em nome do princípio da livre concorrência.

Outrossim, obstou de forma clara que lhes fossem estendidos quaisquer pri-vilégios concedidos aos entes públicos de modo a garantir iguais condições a todas as empresas que atuam em ambiente de mercado. Por conseguinte, tor-nou inaceitáveis a inserção das empresas públicas e sociedades de economia mista no conceito de ‘Fazenda Pública’ e a aplicação do regime jurídico que lhe é próprio.

Na realidade, deve ser pontuado que o regime de direito privado exigido pela Constituição para as empresas estatais não impede a incidência de algu-mas normas de direito público, como, v. g., a exigência de concurso público para a admissão de pessoal (art. 37, inc. II, da CF) e o controle pelo Tribunal de Contas dos atos de seus administradores (art. 71, inc. II, da CF), que, previstas também pelo Poder Constituinte, têm o objetivo precípuo de garantir a concretização dos princípios constantes do artigo 37, da Carta Maior. Contudo, no que tange ao exercício da atividade econômica, não é permitida a concessão de qualquer privilégio que venha a prejudicar a livre concorrência.

3. A QUESTÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE CARÁTER ECONÔMICO

À primeira vista, a distinção das diversas espécies de entidades da Administração Indireta e a delimitação das legítimas finalidades às quais elas se destinam não geram maiores controvérsias, podendo aparentar inicialmente inexistir grandes dificuldades na definição da abrangência do conceito de ‘Fazenda Pública’ e do regime inerente a cada uma delas. O problema surge quando se

21 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Op. cit.,p. 83-86.

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constata que a prestação de serviços públicos de teor econômico – quais sejam, aqueles que “rendem ensejo a que o prestador aufira lucros oriundos de sua execução”22 – pode significar a realização de atividade eminentemente adminis-trativa, cuja execução pode se dar de forma descentralizada mediante a criação de autarquias, mas, também,o exercício de atividade econômica.

Note-se que a exploração de serviços públicos dessa natureza por empresas públicas e sociedades de economia mista não encontra, a princípio, qualquer óbice constitucional, visto que tal atividade pode ser facilmente enquadrada na expres-são constitucional ‘relevante interesse coletivo’, justificando a intervenção direta do Poder Público na atividade econômica, bem como a criação dessas empresas.

Sem embargo, parece ser incontestável a existência de uma zona nebulosa suficientemente capaz de gerar incerteza sobre a natureza da entidade adminis-trativa que presta serviços públicos de caráter econômico. Como, então, definir o sentido material do ente ao qual foi atribuída a realização desses serviços, inde-pendentemente da forma jurídica a ele atribuída no momento de sua constituição?

É importante observar que essa questão está longe de ser meramente teó-rica. Os mais diversos entes federativos têm em suas Administrações Indiretas empresas públicas e sociedades de economia mista às quais se incumbe a pres-tação de serviços públicos que, em tese, poderiam ser executados pela iniciativa privada. A título de ilustração, há vários entes municipais que atribuem a pres-tação dos serviços de limpeza pública e de coleta de lixo a empresas estatais. Da mesma forma, a prestação dos serviços de fornecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto muitas vezes é realizada por empresas vinculadas ad-ministrativamente aos entes federativos. Isso sem falar das inúmeras empresas estatais que prestam serviços de transporte público.

Neste ponto, merece ser destacado que, quando o objeto da empresa estatal não vincular-se à prestação de um serviço público (v. g., a atividade de explo-ração de minério ou de petróleo), sendo qualificado pelo que a doutrina de-nominou de ‘atividade econômica em sentido estrito’23, não restam dúvidas de que a entidade descentralizada à qual legitimamente pode ser atribuída a sua exploração deve ser constituída sob a forma de empresa pública ou de socieda-de de economia mista. E mais! Se por acaso alguma atividade dessa natureza for destinada a entidades administrativas dotadas de outras formas jurídicas, ainda assim deverá ser considerada materialmente uma empresa estatal, com a aplicação consequente do regime jurídico próprio das empresas privadas.

No entanto, o mesmo consenso não há quando a atividade econômica de-correr da execução de um serviço público. Afinal, nesses casos, a prestação do

22 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 325.23 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Op. cit.,p. 81-83.

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serviço por uma empresa estatal lhe confere dimensão material de entidade autárquica ou, ao contrário, cabe, sim, a pessoas jurídicas daquela natureza a sua exploração? Perceba-se que a resposta a essa pergunta é absolutamente im-prescindível para se definir se o regime jurídico a que se submeterá a entidade da Administração Indireta será aquele inerente ao conceito de ‘Fazenda Pública’ ou se, de outra forma, será aplicável o regime privado.

É possível extrair da jurisprudência do STF importantes elementos para se alcançar uma solução aceitável a esse problema. Não foram poucas as situações em que o STF enfrentou essa questão, notadamente em demandas em que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – EBCT pleiteava prerrogativas próprias dos entes que compõem a ‘Fazenda Pública’, requerendo desde a de-claração da impenhorabilidade de seus bens, com a submissão dos seus débitos decorrentes de decisão judicial ao regime de precatório, até o reconhecimento da extensão da imunidade tributária recíproca.

Nessas oportunidades, a compreensão da Corte foi no sentido da equipa-ração da mencionada empresa pública às entidades autárquicas, com todas as consequências inerentes a essa decisão24. Para isso, o Tribunal se baseou ex-pressamente em dois fundamentos principais: o primeiro, que a Constituição Federal, em seu artigo 21, inc. X, atribuiu à União a competência material para a manutenção de serviço postal, de modo que, mesmo que prestado de forma descentralizada, incidiria todo o regime aplicável àquele ente federativo; o se-gundo, que esse raciocínio não violaria as normas que regem a Ordem Econômi-ca, em especial, o princípio da livre concorrência, eis que, submetido o serviço a monopólio estatal, não haveria prejuízo a eventuais empresas concorrentes.

Entretanto, pode-se observar, ainda, a existência de um terceiro fundamen-to, implícito mas relevante, a justificar o já consolidado entendimento. Quando a Constituição dispõe que a intervenção direta na economia deve ocorrer ape-nas excepcionalmente, pretende deixar para a iniciativa privada a exploração de empreendimentos que se destinam à obtenção de lucro, tendo em vista não ser próprio do Poder Público o exercício de atividades direcionadas a tal finalidade. Por esse motivo, prestando a EBCT um serviço público que, embora de caráter econômico, consiste em um fim em si mesmo – ou seja, que objetiva fundamen-talmente a realização de sua atividade, deixando para segundo plano a obtenção de ganhos financeiros –, o seu objeto parece ter mais a natureza de prestação

24 São vários os precedentes do STF nessa linha em demandas em que a EBCT foi parte. Exemplificativa-mente, citam-se o ARE 643.686/BA (STF, Plenário Virtual, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 06.05.2013), em que se reconheceu a imunidade tributária da empresa pública – ratificando o entendimento adotado no RE 407.099/RS (STF, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 06.08.2004), e os RE 225.011/MG e 220.907/RO, em cujos julgamentos se declarou a impenhorabilidade de seus bens e a exigência de expedição de pre-catório para o pagamento de dívidas decorrentes de decisões judiciais (respectivamente, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio e Rel. P/ Acórdão Min. Maurício Corrêa, DJ 19.12.2000, e STF, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 31.08.2001).

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de serviço público do que propriamente de exploração de atividade econômica, fazendo jus à sua aproximação às entidades autárquicas.

Todavia, não é difícil perceber que esses fundamentos servem também de ar-gumento para incluir outras empresas estatais no conceito de ‘Fazenda Pública’ e aplicar-lhes o regime jurídico correspondente. De fato, entendemos que, quando o ente da Administração Indireta 1) exercer atividade tipicamente administrati-va, como é o caso dos serviços públicos, 2) sujeita a monopólio estatal, portanto, sem violação a regras concorrenciais, e 3) que consista em um fim em si mesma, com a destinação do resultado superavitário ao próprio desempenho da ativida-de, se caracterizará materialmente como autarquia, mesmo que lhe tenha sido atribuída a forma de empresa pública ou de sociedade de economia mista25.

Nesse sentido, a jurisprudência dos tribunais superiores vem reconhecendo a diversas empresas estatais a natureza jurídica de entidade autárquica, como já ocorreu com a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária – INFRA-ERO (RE-AgR 363.412/BA), com a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina – APPA (RE 356.711/PR), com a Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP (RE 253.472/SP), dentre tantas outras, atribuindo a elas prer-rogativas típicas de entidades que compõem a ‘Fazenda Pública’.

Inclusive, ao declarar a aplicabilidade da regra da imunidade recíproca à Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP, o STF parece ter implicita-mente acolhido os critérios acima suscitados como ratio decidendi do julgado:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECO-NOMIA MISTA CONTROLADA POR ENTE FEDERADO. CONDIÇÕES PARA APLICABILIDADE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA. COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (CODESP). INSTRUMENTALIDADE ESTATAL. ARTS. 21, XII, f, 22, X, e 150, VI, a DA CONSTITUIÇÃO. DECRETO FEDERAL 85.309/1980. 1. IMUNIDADE RECÍ-PROCA. CARACTERIZAÇÃO. Segundo teste proposto pelo ministro-rela-tor, a aplicabilidade da imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a da Constituição) deve passar por três estágios, sem prejuízo do atendimento de outras normas constitucionais e legais: 1.1. A imunidade tributária re-cíproca se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em conseqüên-cia, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em circunstâncias mais vantajosas, independentemente do contexto. 1.2. Ati-

25 É importante aqui mencionar que não se desconhece o teor da decisão proferida pelo STF, em 2013, quando do julgamento do RE 601.392/PR em que, com resultado apertado de 6 x 5, se estendeu à Em-presa Brasileira de Correios e Telégrafos – EBCT a regra da imunidade recíproca também quanto a ati-vidades exercidas em concorrência com a iniciativa privada. Porém, parece-nos mais consentânea com a Constituição a compreensão adotada pelos votos vencidos, visto que, se consolidado o entendimento que prevaleceu, se legitimará o desequilíbrio concorrencial em qualquer atividade que venha a ser de-sempenhada pela empresa pública em questão (STF. RE 601.392/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa e Rel. P/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, DJe 05.06.2013).

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vidades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumen-tar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixa-rem a salvo a autonomia política. 1.3. A desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Em princípio, o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da administração, sem que a intervenção do Estado seja favor preponderante (...) (RE 253472, Relator(a): Min. MARCO AURÉ-LIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, jul-gado em 25/08/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-04 PP-00803 RTJ VOL-00219- PP-00558).

Em vias de conclusão, é possível asseverar que o aspecto formal da pessoa administrativa apresenta-se meramente secundário quando se faz necessária a análise do seu sentido material. Dessa forma, sendo muito mais importante o exame da atividade desempenhada do que a forma jurídica conferida, não se pode excluir aprioristicamente certa entidade descentralizada do conceito de ‘Fazenda Pública’ apenas em virtude de ter sido criada como empresa pública ou sociedade de economia mista26.

Por outro lado, também não se pode pressupor que o simples exercício de atividade econômica já seja elemento suficiente para determinar a aplicação a uma empresa estatal do regime próprio das empresas privadas. É, ainda, ne-cessário que esse ente administrativo seja materialmente ‘empresa’, cujo objeto não seja equiparável a atividades tipicamente administrativas ou, se consistir na prestação de serviço público, vise principalmente à obtenção de lucro ou não seja submetido a monopólio estatal.

Diante desse quadro, é possível conceituar ‘Fazenda Pública’ como o con-junto de pessoas administrativas que, independentemente da sua forma jurí-dica, exercem atividades tipicamente administrativas, sem fins lucrativos ou desrespeito ao princípio da livre concorrência. Por conseguinte, são dotados de uma dimensão material ‘de direito público’ os entes federativos, as autarquias e fundações de direito público e as empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos de teor econômico sujeitos a monopólio estatal sem o objetivo de obtenção de lucro.

26 No sentido da necessidade de investigação do significado material das atividades exercidas pelos entes administrativos para, então, se poder definir o regime jurídico incidente, merece destaque trecho do voto do Min. Gilmar Mendes proferido no bojo do julgamento do RE 601.392/PR: “Na linha do que já foi aqui dito, estamos vivendo um momento extremamente singular. De um lado, a chamada “forma jurídica eleita” acaba levando a uma interpretação da Constituição segundo a forma, porque, por ser empresa pública, não goza da imunidade, quando, na verdade, não olhamos a substância da atividade. Por outro lado, estamos a ver que esse núcleo básico da atividade dos Correios (...). Então, é fundamental que se perceba esse modelo do subsídio cruzado para um serviço público. A forma jurídica, aqui, está marcada por acidentalidades. Nós já reconhecemos, em relação aos próprios Correios, por exemplo, o regime de precatório por conta dessas características” (grifo nosso) (STF, RE 601.392/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa e Rel. P/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, DJe 05.06.2013, p. 41-42).

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4. AS PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

Definidas, então, quais pessoas administrativas se inserem no conceito de ‘Fazenda Pública’, é preciso delimitar as peculiaridades do regime jurídico a que se submetem. Nessa linha, é possível enumerar as mais relevantes prerroga-tivas de caráter processual a elas atribuídas da seguinte forma: 1) a dispensa de procuração aos advogados públicos, 2) a atribuição de prazos processuais diferenciados, 3) o adiamento do tempo de pagamento das despesas processu-ais, 4) a possibilidade de intervenção anômala como terceiro interessado, 5) a previsão de limites ao deferimento da antecipação de tutela, 6) a exigência de reexame necessário das decisões definitivas de 1ª instância, 7) a estipulação de regra específica para a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, 8) a submissão dos débitos decorrentes de decisões judiciais ao regime de pre-catório, 9) a incidência de taxa diferenciada de juros moratórios no que tange a esses mesmos débitos, quando de natureza não-tributária, e 10) a previsão de procedimento específico para a execução de créditos fiscais.

A primeira, prevista no artigo 9º, da Lei 9.469/97, garante aos advogados públicos a atuação em juízo independentemente da existência de instrumento de procuração e se justifica em virtude de a representação judicial da ‘Fazenda Pública’ decorrer diretamente de lei27. Por consequência, não se pode aplicar aos advogados públicos a regra geral do artigo 37, caput, do CPC.

No que tange aos prazos processuais, o artigo 188, do CPC, determina que os prazos para contestar e para recorrer serão contados em quádruplo e em dobro, respectivamente. Contudo, encontrando respaldo justamente na finalidade de impedir o prejuízo ao erário e ao interesse públicos, cuja promoção é atribuída a uma Administração Pública que se revela muitas vezes burocrática e inefi-ciente28, “não conseguimos ver razoabilidade na restrição dessa prerrogativa apenas à apresentação de contestação e à interposição de recursos.

Outra peculiaridade diz respeito à regra de que as despesas dos atos pro-cessuais praticados por iniciativa da ‘Fazenda Pública’ serão pagas apenas ao final do processo (art. 27, do CPC)29. No entanto, a jurisprudência do STJ já sedimentou que tal prerrogativa não se estende às chamadas ‘despesas pro-cessuais em sentido estrito’, quais sejam, aquelas que constituem verdadei-ra remuneração e terceiros, como as despesas com o transporte de oficial de

27 CUNHA, Leonardo José Carneiro da.Op. cit., p. 18-21.28 Ibid., p. 33-36.29 Por exemplo, não se exige a realização de preparo para a interposição de recurso pela Fazenda Pública (v.

STJ, REsp 1.101.727/PR, submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, Corte Especial, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 23.08.2010, e Súmula 483, do STJ: “O INSS não está obrigado a efetuar depósito prévio do preparo por gozar das prerrogativas e privilégios da Fazenda Pública”).

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justiça30, com a citação por via postal31 e referentes ao prévio depósito dos honorários periciais32, se limitando apenas às custas e emolumentos judiciais

Por sua vez, atribui-se também à ‘Fazenda Pública’ a possibilidade de inter-vir em causas em que tenha interesse, mesmo que este seja considerado indire-to ou meramente econômico (art. 5º, § único, da Lei 9.469/97). Justificando-se também pela função de proteção ao erário e ao interesse públicos, é dispensada a demonstração de efetivo interesse jurídico, exigida como requisito pelo artigo 50, do CPC, para o ingresso de terceiros no curso do processo.

Ademais, a legislação estabeleceu alguns limites aos poderes do magistrado no que tange à possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela em demandas ajuizadas contra a ‘Fazenda Pública’. Estando diante de alguma das hipóteses legais previstas nas Leis 9.494/97 e 12.016/09, não há possibilidade jurídica de deferimento de eventual pedido de concessão de medida liminar ou de execu-ção provisória das decisões já proferidas, de modo que estas somente poderão ser cumpridas após o trânsito em julgado.

Agrega-se a essas prerrogativas a previsão no artigo 475, do CPC, de norma processual que determina que as sentenças proferidas contra a Fazenda Públi-ca em demandas cujo valor ultrapasse sessenta salários-mínimos se submetam necessariamente a reexame pelo tribunal, salvo se em conformidade com a ju-risprudência do STF ou com súmula do STF ou de Tribunal Superior.

Ainda, definiu o mesmo CPC que, quando a ‘Fazenda Pública’ restar vencida nas ações judiciais, os honorários advocatícios devidos serão quantificados a partir de apreciação equitativa (v. art. 20, § 4º, do CPC), de modo a impedir um locupletamento indevido e desproporcional do advogado da parte contrária às custas do patrimônio público.

Quanto aos débitos fazendários, a Constituição impõe a sua sujeição ao re-gime de precatórios sempre que oriundos de decisões judiciais, ressalvados aqueles definidos em lei como ‘de pequeno valor’ (art. 100, da CF). Outrossim, determina que os juros moratórios somente incidam a partir do ano seguinte àquele em que deveria ter sido efetuado o pagamento (v. Súmula Vinculante 1733) e com percentual de remuneração idêntico ao da caderneta de poupança, com exceção dos débitos de natureza tributária34.

30 Nessa toada, a Súmula 190, do STJ, afirma: “Na execução fiscal, processada perante a Justiça Estadual, cumpre à Fazenda Pública antecipar o numerário destinado ao custeio das despesas com o transporte dos oficiais de justiça”.

31 Esse foi o entendimento do STJ ao julgar o REsp 1.144.687/RS, submetido também à sistemática do arti-go 543-C, do CPC (STJ, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 21.05.2010).

32 Nesse mesmo sentido, a Súmula 232, do STJ, dispõe: “A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito”.

33 Súmula Vinculante 17: “Durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos”.

34 Note-se que o STF, ao julgar conjuntamente as ADIs 4.357/DF e 4.425/DF, somente considerou inconsti-tucional a previsão do índice de correção monetária das cadernetas de poupança – a TR – e o percentual

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Finalmente, criou um procedimento especial para a execução de créditos fiscais, independentemente de sua origem (Lei 6.830/80)35. Dessa forma, esta-beleceu regras processuais que visam a facilitar a execução de créditos fazendá-rios, desde que haja a sua prévia inscrição em dívida ativa.

Ocorre que, a despeito da doutrina tradicionalmente analisar a ‘Fazenda Pú-blica’ sob um enfoque eminentemente processual, é possível perceber também a existência de um regime jurídico de cunho substantivo que pode ser aplicado indistintamente a todas as entidades da Administração Pública nas quais se ve-rifique uma dimensão material ‘de direito público’. Destarte, pode-se resumir tal regime em cinco aspectos principais: 1) a natureza dos atos praticados, 2) a responsabilidade civil por danos provocados a outrem, 3) o prazo prescricional específico previsto pela legislação, 4) a natureza dos bens que compõem o seu patrimônio, 5) o regime jurídico de contratação de pessoal e 6) a previsão de regra de imunidade tributária.

Primeiramente, quanto à natureza dos atos praticados pela ‘Fazenda Pú-blica’, observa-se que, sempre que realizados no exercício de atividades tipi-camente estatais, qualificam-se como ‘atos administrativos’. Por consequência, gozam tais atos de presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e autoexecutoriedade36.

Todavia, caso o exercício de suas funções pelas entidades fazendárias refli-ta negativamente sobre os direitos de outrem, a Constituição determina a sua responsabilização objetiva pelos prejuízos causados (v. art. 37, § 6º, da CF)37, ressalvadas as situações em que o ato ensejador do dano tenha caráter omissi-vo, quando, segundo o entendimento dominante, será necessária a constatação de ‘culpa do serviço’38.

Ademais, o prazo prescricional atinente a qualquer direito ou ação de cunho pessoal contra a ‘Fazenda Pública’ é de cinco anos, conforme dispostono artigo 1º, do Decreto 20.910/32, e consagrado pela jurisprudência do STJ39. Pontue-se,

atinente aos juros moratórios aplicável aos débitos de natureza tributária. Quanto aos juros moratórios incidentes sobre os demais débitos da ‘Fazenda Pública’, nenhum vício foi constatado na utilização do mesmo índice de remuneração da caderneta de poupança (v. STF, ADI 4.425/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto e Rel. P/ Acórdão Min. Luiz Fux, DJe 19.12.2013).

35 CARNEIRO, Cláudio. Processo Tributário Administrativo e Judicial. 2ª Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 120-121.

36 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 411-415.37 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 9ª Ed., ver. e ampl., São Paulo: Atlas, 2010,

p. 246-248.38 Nesse sentido, o RE 409.203/RS (STF, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso e Rel. P/ Acórdão Min. Joaquim

Barbosa, DJ 20.04.2007), o RE 382.054/RJ (STF, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 01.10.2004), o REsp 1.210.064/SP, submetido ao regime do art. 543-C, do CPC (STJ, 2ª Seção, Rel. Min. Luis Felipe Salo-mão, DJe 31.08.2012) e o REsp 602.102/RS (STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 21.02.2005).

39 Pacificando controvérsia existente anteriormente, o STJ ratificou o seu entendimento no sentido de que o prazo prescricional contra a ‘Fazenda Pública’ é de cinco anos, nos termos do Decreto 20.910/32 (v.

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apenas, que, segundo a doutrina mais autorizada, tal dispositivo deve ser aplicado também aos prazos de natureza decadencial relativos a direitos oponíveis à ‘Fa-zenda Pública40, não havendo justificativa razoável para qualquer diferenciação.

Quanto aos bens das entidades que compõem a ‘Fazenda Pública’, devem eles ser considerados bens públicos para todos os efeitos, nos termos do artigo 98, do Código Civil de 2002. Dessa forma, são tidos como relativamente inalie-náveis, imprescritíveis, não passíveis de oneração e impenhoráveis41, impondo--se a execução de eventuais débitos oriundos de decisões judiciais ao regime de precatórios (art. 100, da CF).

Ainda, exige-se que a contratação de pessoal observe o regime jurídico úni-co estabelecido no artigo 39, da Carta Magna, em seus termos originais, tendo em vista que o STF, no julgamento da MC na ADI 2.135/DF, suspendeu a vigência da nova redação, dada pela EC nº 19, de 1998, em virtude da constatação de inconstitucionalidade formal decorrente da não obtenção do número mínimo de votos necessários na Câmara dos Deputados para a aprovação do respectivo trecho da emenda.

Por fim, na seara tributária, a ‘Fazenda Pública’ é agraciada com a previsão da regra da imunidade recíproca, em razão da qual é vedado aos entes federa-tivos instituir impostos sobre o patrimônio, renda e serviços uns dos outros (art. 150, inc. VI, alínea a, da Carta). Entretanto, em função do disposto no § 2º do mesmo artigo, esse privilégio é estendido a todas as entidades da ‘Fazenda Pública’ sempre que o seu patrimônio, a sua renda ou o seu serviço estiver vin-culado às suas finalidades essenciais ou às destas decorrentes.

É importante notar que todo esse rol de prerrogativas, no qual se incluíram apenas as mais relevantes, deve ser aplicado indiscriminadamente a todos os entes que compõem a ‘Fazenda Pública’. No entanto, vale a pena repisar que essa aplicação independe de ter sido atribuída à entidade eventual forma de autarquia, de fundação ou de empresa estatal, devendo-se privilegiar o exame da natureza e do modo de exercício de suas atividades.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pode perceber, não são poucas as peculiaridades do regime jurídi-co aplicável às pessoas administrativas de direito público. De fato, a legislação pátria prevê uma série de privilégios materiais e processuais – não extensíveis ao setor privado – de modo a criar melhores condições para que entes públicos exerçam as suas competências constitucionais.

STJ, REsp 1.251.993/PR, submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 19.12.2012).

40 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Op. cit., p. 72-74.41 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 1135-1139.

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Por outro lado, é pertinente lembrar que a doutrina e a jurisprudência con-sideram plenamente justificável a existência dessas prerrogativas em razão de considerá-las verdadeiros meios para a concretização dos princípios da indis-ponibilidade e da supremacia do interesse público. E, cabendo a essas entidades que compõem a ‘Fazenda Pública’, por excelência, a promoção desse interesse público, nada mais razoável do que lhes garantir um regime jurídico adequado a tal fim42.

No entanto, esse regime não pode ter a sua incidência desvirtuada em razão da forma jurídica muitas vezes inadequada conferida às entidades descentra-lizadas pelos Poderes Legislativo e Executivo, que, desatentos aos contornos materiais previstos na legislação, decidem pela criação de autarquias visando ao exercício de atividades econômicas, ao mesmo tempo em que a instituição de empresas estatais é autorizada para o desempenho de funções tipicamente administrativas.

Diante desse cenário, se não é possível confiar na adequação da forma jurí-dica dada às entidades da Administração Indireta aos fins para os quais juridi-camente se destinam, tampouco controlar essa adequação aprioristicamente, não resta alternativa senão incumbir o aplicador do Direito da verificação a pos-teriori da natureza jurídica do ente descentralizado, bem como da definição do regime jurídico aplicável.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARNEIRO, Cláudio. Processo Tributário Administrativo e Judicial. 2ª Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, 454p.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª Ed., rev., ampl. e atual., São Paulo: Atlas, 2012, 1250p.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 9ª Ed., ver. e ampl., São Paulo: Atlas, 2010, 588p.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 7ª Ed., São Paulo: Dialética, 2009, 703p.

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 3ª Ed., Rio de Janeiro: Atlas, 2010, 626p.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 38ª Ed., atual., São Paulo: Malheiros, 2012, 910p.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª Ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2009, 1102p.

42 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Op. cit., p. 31-36.

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