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Um modelo para morrer, de Rachel Menezes.

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    Em janeiro de 2001, Mrio Covas, ento governador do estado de So Paulo, tornou-se objeto de um amplo debate ao decidir adotar total transparncia no que dizrespeito sua doena, segundo um editorial do Jornal do Brasil. A exposio pblicade sua doena e decadncia fsica causaram polmica na imprensa e na sociedade:

    A partir da, seria dispensvel viv-la em praa pblica. Os brasileiros seconstrangem todos os dias com as cenas do homem que a sombra do vigorfsico esbanjado no governo do maior estado do Brasil. As cenas se sucedem e oscidados olham para os mdicos que assistem Mrio Covas, mas que, como emexemplos recentes, no assumem a responsabilidade e a autoridade de vetar esseespetculo. ... [os mdicos] sabem perfeitamente que, no estado em que seencontra, Mrio Covas no tem condies de ser o rbitro de sua vontade at oltimo ato (Jornal do Brasil, 17/01/01, 1 pgina).

    Nos dias seguintes foram publicadas cartas de leitores, a maioria apoiando amatria, especialmente no que tange ao poder mdico e capacidade de um doentegrave tomar decises acerca do final de sua vida. Este artigo trata do tema destedebate: uma construo surgida recentemente a partir do final da dcada de 80 dosculo XX sobre o morrer e o modo de participao do doente terminal nesteprocesso. No bojo desta construo vm sendo desenvolvidas prticas institucionaise profissionais, bem como uma extensa produo discursiva sobre as possveisdeliberaes do moribundo e de sua famlia. Como outros fenmenos da vida social,o processo do morrer pode ser vivido de distintas formas, segundo os significadoscompartilhados desta experincia, o que varia segundo o momento histrico e oscontextos sociais e culturais nos quais os indivduos esto inseridos. Neste sentidoa morte no se distingue das outras dimenses do universo das relaes sociais e,em cada momento histrico, h uma produo de prticas e de retricas condizentescom o contexto social.

    Rachel Aisengart MenezesRachel Aisengart MenezesRachel Aisengart MenezesRachel Aisengart MenezesRachel Aisengart Menezes

    Um Modelo para Morrer: ltima etapa na construosocial contempornea da pessoa?1

    Campos 3:103-116, 2003.

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    Rachel Aisengart Menezes

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    A M O R T E T R A D I C I O N A L E A M O R T E M O D E R N A

    No campo das Cincias Sociais, a morte emergiu mais sistematicamente como objeto de estudos a partir da

    dcada de 60, quando surgiram as pesquisas histricas de Phillipe Aris e de Michel Foucault, alm dos trabalhos

    pioneiros de Norbert Elias. A partir desta produo, pode-se identificar duas configuraes sociais do morrer

    tratadas como tipos ideais no sentido weberiano em dois momentos histricos distintos, denominados por estes

    e outros autores como morte tradicional e morte moderna. A primeira foi detalhadamente investigada sob o ponto

    de vista histrico por Aris (1975; 1981a), o qual considera que na sociedade hierrquica ocidental a morte de uma

    pessoa afetava toda a comunidade, que participava ativamente dos ltimos momentos do moribundo (1975:198).

    Para Elias (2001), Aris encarou o modelo de morte tradicional de forma idealizada: o morrer, comparado ao

    sculo XX, era muitas vezes mais doloroso, com um espectro menor de possibilidades de alvio dos tormentos

    dos agnicos. A morte era vivenciada de forma mais familiar e onipresente, menos oculta, o que no significa que

    se tratasse de uma experincia tranqila e pacfica, uma vez que os sentimentos religiosos de culpa e medo do

    castigo eram freqentes. O nascimento e a morte tinham carter pblico: eram acontecimentos sociais, vividos na

    e pela comunidade, menos privatizados do que no sculo XX. Segundo Elias, a transformao do comportamento

    social em especial entre os sculos XVIII e XX em relao morte um dos aspectos do processo civilizador

    (2001:20).

    Tanto Foucault (1979; 1994; 1995) como Aris (1975; 1981a; 1981b) enfocaram a passagem do monoplio

    dos cuidados ao doente e ao moribundo, da famlia e dos religiosos para o mdico e suas instituies. O hospital

    geral como instrumento teraputico surge no final do sculo XVIII, concomitantemente transformao no

    conhecimento que instituiu a racionalidade antomo-clnica, estruturante da medicina ocidental moderna. Antes

    do sculo XVIII, o hospital era uma instituio de assistncia, separao e excluso no do doente a ser curado,

    mas do pobre destinado a morrer: tratava-se de um morredouro (Foucault 1979:102). No final do sculo XVIII, os

    elementos constituintes das patologias so reorganizados e a medicina passa a produzir um discurso cientfico

    sobre o indivduo, sua sade e doena. Na construo do paradigma referente racionalidade antomo-clnica

    ocorreu uma nova forma de integrao da morte no pensamento clnico, transformando a medicina em cincia do

    indivduo. De acordo com Foucault,

    Bichat fez mais do que libertar a medicina do medo da morte, ele integrou a morte em um conjunto tcnico econceitual em que ela adquiriu suas caractersticas especficas e seu valor fundamental de experincia (1994:167).

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    Um Modelo para Morrer: ltima etapa na construo social contempornea da pessoa?

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    Atravs de um processo ocorrido a partir do sculo XV, as realidades e os sentimentos da infncia e da

    famlia foram sendo transformados, em uma revoluo profunda e gradual (Aris 1981b:231). No sculo XIX, com

    a expanso do processo de medicalizao do social, as famlias passaram a delegar os encargos dos cuidados dos

    seus moribundos s instituies mdicas ento fortalecidas e reorganizadas. Houve, pois, um deslocamento do

    lugar da morte: das casas, com a participao da comunidade, para o hospital lugar dos mdicos. Como

    conseqncia do surgimento do hospital administrado e controlado pelos mdicos surge a segunda forma de

    morte: a moderna. Em seus primeiros anos, o sculo XX assistiu ao declnio da morte tradicional, na qual

    ... a morte de um homem modificava solenemente o espao e o tempo de um grupo social que podia estender-se comunidade toda, por exemplo aldeia (Aris 1981a: 309).

    A partir da 1 Grande Guerra, a morte moderna se instaura como prtica social no Ocidente. Os avanos

    tecnolgicos voltados para a guerra, a partir das duas guerras mundiais, foram tambm aplicados medicina, de

    modo que no sculo XX ocorreram tanto uma racionalizao do morticnio em massa como uma passagem para

    uma prtica mdica racionalizada e tecnologizada. Atravs da delegao social dos doentes ao saber mdico e s

    suas instituies, a famlia e o enfermo foram silenciados paulatinamente. A morte passou a ser ocultada socialmente,

    tornando-se rotinizada e institucionalizada. Aps a dcada de 60, amplia-se a produo crtica nas Cincias Sociais

    sobre a morte moderna, seus processos de ocultamento social e instaurao do silncio em torno da morte e de

    seus desgnios. Os estudos tratam tambm da despersonalizao dos internados em hospitais, alm do crescente

    poder mdico em detrimento dos desejos do moribundo e de sua famlia. A morte moderna eminentemente

    medicalizada, em um processo no qual este evento inscrito em regras e rotinas institucionais, que privilegiam a

    competncia e a eficcia mdicas. Neste modelo, o moribundo encontra-se entregue s mos do poder mdico,

    com poucas possibilidades de acesso ao conhecimento do que se passa consigo e s opes teraputicas. Vrios

    autores analisaram criticamente este processo, dentre os quais Kbler-Ross (1969; 1974; 1975), com sua descrio

    dos estgios psicolgicos por que passa o doente diante da conscincia da proximidade da morte. Contudo, sua

    produo foi apropriada pelas equipes mdicas como um modelo no qual os pacientes deveriam ser classificados,

    e no como um apelo escuta de suas demandas. No campo das Cincias Sociais, Glaser e Strauss (1965; 1968)

    trataram da trajetria do doente no morrer, bem como das estratgias defensivas desenvolvidas pela equipe

    institucional em relao morte. Nestas produes iniciais e em outras que se seguiram, emergia como problemtica

    central o poder mdico e a conseqente desumanizao, assujeitamento ou objetificao do enfermo que seu

    exerccio implicava.

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    Rachel Aisengart Menezes

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    A M O R T E C O N T E M P O R N E A

    Em contraposio crescente expanso do poder mdico surgiram diversos movimentos pelos direitos dos doentes,

    a partir da dcada de 70. As reivindicaes abrangeram desde o direito de morrer com dignidade at a

    regulamentao da eutansia. Por fim, houve a emergncia de um discurso propondo um novo modo de prtica

    em relao morte em conseqncia de doena crnica terminal, no qual a relao de poder entre o doente (e sua

    famlia) e a equipe profissional seria transformada. Em 1967 surge o primeiro hospice em Londres, fundado por

    Saunders2 . Cerca de quinze anos aps, com a epidemia de AIDS, alm dos desenvolvimentos tcnicos de combate

    ao cncer e a outras doenas degenerativas, outros hospices foram fundados, bem como servios de assistncia

    domiciliar paliativa. A proposta dos hospices consiste em minorar o mximo possvel a dor e o desconforto do

    doente e, simultaneamente, possibilitar sua maior autonomia e independncia. A internao em instituio deve

    ser efetuada somente quando no possvel a manuteno do enfermo em sua residncia.

    Do silncio, ocultamento e negao passou-se, particularmente aps a dcada de 80, colocao da morte

    em discurso. Este novo modelo do morrer nomeado pelos autores que investigam o tema como morte neo-

    moderna, ps-moderna ou contempornea (Walter 1996:195). Equipes mdicas de vrios pases do Ocidente

    voltaram-se para o estudo e pesquisa da condio do doente terminal, resultando no desenvolvimento de novas

    especialidades mdicas, como a Clnica da Dor e a Medicina Paliativa que, em vrias universidade dos Estados

    Unidos, Canad e Europa tornaram-se disciplinas obrigatrias na formao de profissionais de sade. A proposta

    dos Cuidados Paliativos surgiu no Brasil algumas dcadas aps a fundao dos primeiros hospices na Inglaterra e

    nos Estados Unidos. A primeira unidade de assistncia paliativa foi implantada no Brasil em 1986, no Rio de

    Janeiro. A maior parte da bibliografia sobre o tema originria da Inglaterra, Estados Unidos, Canad, Austrlia e

    Frana, uma vez que no Brasil a literatura ainda muito restrita3 .

    A produo sobre o novo modelo de morte pode ser dividida em trs reas: a primeira voltada a profissionais

    de sade. A segunda, de divulgao ampla como produo literria, cinematogrfica, teatral, matrias divulgadas

    pela imprensa e circulao de mensagens atravs da internet, alm de sites especficos sobre a temtica visa a

    divulgao do modelo da boa morte e sobre as formas de realiz-la. Do conjunto de textos tcnicos, livros de

    depoimentos ou de ajuda e auto-ajuda, emerge um discurso comum: o do direito do morrer bem, com autonomia

    e dignidade. Na radicalizao da cultura do individualismo, que valoriza a vida nica e singularmente vivida, emerge

    o conceito da boa morte como a escolhida e produzida pelo indivduo que est a morrer. A terceira vertente de

    produo sobre o tema surge cerca de trinta anos aps a emergncia do movimento pelo hospice e dez anos aps

    o estabelecimento dos Cuidados Paliativos como especialidade mdica (em alguns pases, como Inglaterra e

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    Um Modelo para Morrer: ltima etapa na construo social contempornea da pessoa?

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    Estados Unidos), refletindo sobre esta prtica. Os autores destas pesquisas pertencem a distintos campos do

    conhecimento, como Cincias Sociais, Psicologia, Enfermagem, Antropologia, Medicina, tica e Biotica. Na maior

    parte destes estudos, h concordncia acerca do fato de que a viso e a prtica dos profissionais de sade foi

    transformada em relao ao processo de morte.

    Visando compreender como se articulam nesta nova produo discursiva as deliberaes em torno do

    morrer bem como uma ltima etapa na construo da identidade pessoal , sero enfocados textos advindos

    tanto da literatura de divulgao do iderio da boa morte, como da recente produo reflexiva sobre o tema.

    T R A J E T R I A PA R A R E A L I Z A O D O M O D E L O C O N T E M P O R N E O

    A tomada de decises do indivduo que est a morrer depende de trs requisitos iniciais: primeiro, o conhecimento

    do avano de sua doena e da proximidade da morte atravs de comunicao da equipe mdica; segundo, a

    expresso dos desejos e sentimentos do paciente para as pessoas de sua relao; o terceiro requisito refere-se

    escuta e atuao dos que cuidam do doente (Walter 1997:31). A realizao prtica destes trs requisitos visando

    o modelo ideal complexa, dependendo de inmeras escolhas e envolvendo aspectos de vrias ordens,

    dentre os quais sero abordados apenas alguns.

    O primeiro aspecto que emerge nesta construo a conscincia do indivduo da proximidade de sua

    morte, aps um certo tempo de doena grave. Diversamente do ocultamento da situao por parte da equipe

    mdica, como teria se passado no modelo da morte moderna, na nova modalidade os profissionais propem um

    esclarecimento da situao ao paciente e sua famlia. O tratamento deve ser discutido, em suas vrias etapas,

    pelos diversos atores sociais envolvidos. Uma vez explicitados os limites da ao do mdico e dos desejos do

    doente, o moribundo pode deliberar sobre o perodo de vida restante, escolher procedimentos e se despedir.

    A problemtica da conscincia da morte constitui a dimenso central do estudo pioneiro de Glaser e Strauss

    (1965). Para estes autores, o conhecimento da proximidade da morte constitui um dos principais fatores explicativos

    dos modos de interao do doente com a equipe responsvel durante o perodo que antecede o bito (Herzlich

    1993:11). Em sua investigao, Glaser e Strauss explicitaram uma tipologia referente conscincia da morte.

    Utilizando a mesma tipologia, foram realizadas duas amplas pesquisas na Inglaterra, em 1969 e em 1990, sobre as

    mudanas de conduta dos especialistas acerca do dilogo com o paciente (Seale, Addington-Hall, McCarthy 1997).

    Segundo os autores, os oncologistas foram os especialistas que mais modificaram suas atitudes neste intervalo

    de tempo, optando pelo dilogo franco, enquanto os demais especialistas, especialmente os neurologistas,

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    Rachel Aisengart Menezes

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    mantiveram suas prticas de ocultamento da situao. Os autores do estudo concluem que, entre os doentes quereceberam comunicao aberta dos profissionais de sade, houve uma maior possibilidade de escolha do local damorte, sendo que a maioria optou por morrer em hospices ou em suas prprias residncias, ao invs de desejaremmorrer em hospitais. Trata-se de uma indicao de que o conhecimento do avano da doena permitiria umamaior oportunidade de opo do modo de administrao do perodo de vida restante (Seale et al. 1997:483).

    Um episdio ilustrativo do modo de comunicao franca segundo o novo iderio narrado por Hennezel(1995): uma operria aposentada de 70 anos foi internada na Unidade de Cuidados Paliativos, com cncer de terocom mltiplas metstases e um quadro de confuso mental. A profissional foi ao seu quarto acompanhada pelacuidadora que fizera a solicitao, encontrando a enferma com os cabelos desalinhados, o olhar assustado,fazendo movimentos bruscos com os braos e pernas, e falando palavras aparentemente desconexas, dentre asquais o termo morrer. Sua filha, perplexa, ao ouvir essa palavra, pedia me que se acalmasse, pois ela estava nainstituio para curar-se, ao que a senhora redobrava a agitao. Com a chegada das profissionais, que buscavamtranqilizar as duas senhoras, a enferma aos poucos comeou a enunciar frases, at dizer, com grande clareza: euvou morrer, ao que a cuidadora retrucou, abraando-a: ns estaremos aqui para lhe acompanhar at o final.Hennezel descreve a dificuldade de aceitao da filha:

    Mame, no diga isto! Que vergonha! Diante do desamparo desta filha visivelmente despreparada para umaseparao, e de sua dificuldade em relao tentativa corajosa de sua me no confronto com a morte, eu meaproximo. Sua me est nos dizendo o que sente. Devemos escut-la e deixar que ela nos diga o que quer. assim que podemos ajud-la! Voltando-se para sua filha que chora silenciosamente, a senhora comea a ditarsuas ltimas vontades. Ela quer ver todos seus filhos e netos, expressar seus ltimos desejos e se despedir.Percebe-se que ela voltou a ser ela mesma, uma mulher que governa sua vida, importante que ela delibere ato final. Sem dvida, sua forma de morrer com dignidade (Hennezel 1995:43)4 .

    Segundo a autora e outros profissionais que militam pela causa do morrer bem, o moribundo sabe quesua morte se aproxima. Cabe ao profissional facilitar sua expresso, pois, aquele que pode dizer eu vou morrer,pode tambm ser ator de sua partida, organizando-a, como esta senhora (Hennezel 1995:45). Talvez a dificuldadede aceitao da filha se deva sua proximidade das prticas mdicas do modelo anterior, no qual a verdade ocultada do paciente. Com a interveno das profissionais, as posturas da me e da filha modificaram-se: a filhaaceitou, com tristeza, os desejos de sua me. Alguns dias aps o episdio de agitao, a profissional retornou aoquarto da doente e ouviu o relato da cerimnia do adeus, na qual sua famlia estivera sua volta. No ideriocontemporneo atravs da ajuda de um profissional habilitado que um doente terminal pode permanecer comoindivduo, autnomo, independente, com desejo prprio. No caso descrito, a senhora pde decidir e atuar como

    pessoa singular a partir de uma intermediao muito especfica de profissionais. Assim, para que o doente delibere

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    Um Modelo para Morrer: ltima etapa na construo social contempornea da pessoa?

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    seus ltimos desejos, necessrio um processo de negociao com a autoridade profissional e com as pessoas

    de suas relaes.

    De acordo com o recente iderio, h um segundo requisito para alcanar a boa morte: que o moribundo

    expresse seus prprios desejos. Para Hennezel (1995:47) e para outros autores que divulgam o modelo, no basta

    que o doente terminal em seu processo de construo de identidade pessoal conhea seus desejos, necessrio

    tambm que ele os expresse, que seja escutado e reconhecido. Segundo Hennezel, uma vez concludo o relato

    de sua vida, a pessoa pode relaxar e morrer em paz (1995:147). A nova proposta percebida socialmente pelos

    que militam em seu favor e pelos que j usufruram de seus recursos como um avano em relao ao modelo

    anterior de morte. Entretanto, a prtica de seu iderio no simples, uma vez que a expresso dos sentimentos do

    paciente envolve outros atores sociais, por vezes com relaes afetivas complexas. O caso de Paul, relatado por

    Hennezel, ilustrativo. De acordo com esta autora, ao receber a visita de uma psicloga, um doente pode reagir

    de vrias formas, segundo o maior ou menor contato com a linguagem e os saberes psicolgicos. Paul fazia parte

    de um meio intelectual que valorizava o falar de si. Ao perceber que o final de sua vida se aproximava, decidiu pela

    internao na mesma unidade de cuidados paliativos onde seu companheiro fora cuidado at morrer. Aps a

    morte de seu companheiro, a vida no fazia mais sentido para Paul, que ento interrompeu o tratamento contra a

    AIDS. No momento da internao o rapaz apresentava problemas neurolgicos que o impediam de andar e havia

    perdido a viso do olho esquerdo. Antes da internao Paul organizara todos seus papis e documentos e, a partir

    de ento, sua esperana resumia-se em morrer o mais rapidamente possvel. Em conversa com Hennezel, o

    doente fala de seus pais, que vieram do interior para acompanh-lo:

    Eu no suporto eles! Jamais lhes disse que sou homossexual. Eles nunca souberam nada de minha vida, nosabem que eu vivi com algum que morreu aqui no ano passado. No tenho nada a dizer a eles. Agora eles vmaqui me ver todos os dias, sentam-se e me olham com tristeza. As horas passam, pesadas, penosas, no falamosnada, eu finjo dormir, no agento mais! Eu ia v-los regularmente, falava de meu trabalho, de minha empresa,eles estavam orgulhosos. Nunca falei de minha vida ntima pois eles no suportariam (Hennezel 1995:92).

    Hennezel se prope a conversar com os pais de Paul, o que bem aceito pelo doente. No encontro com o

    casal, surge a dvida sobre o modo de contgio, ao que a profissional pergunta se o casal no possui nenhuma

    idia. O pai de Paul responde, envergonhado: s vezes, nos perguntamos se ele no homossexual, como nunca

    se casou.... Hennezel responde ao casal: Paul sofre muito por no ter conseguido contar a vocs. O pai retruca

    que isso no possvel e solicita psicloga: no quero que ele saiba que ns sabemos. A profissional tenta

    demov-lo a respeito dessa deciso.

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    Rachel Aisengart Menezes

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    um assunto encerrado! Eu amo meu filho, sua vida, eu a respeito, mas no quero falar sobre isto com ele. Eu[Hennezel] olho para a me, em busca de uma aliada. Ser que ela no sente que isto poderia ajudar seu filho?Mas o pai est decidido, no falar sobre isto com seu filho. Eu aprendi a ouvir. Sei que os acontecimentosseguem um caminho, em seu ritmo. Antes de deixar o casal, informo que Paul espera que eu lhe fale de suareao. Ele ficar aliviado ao saber que vocs o amam e que respeitam sua vida, digo a eles (Hennezel 1995:95).

    A interveno mediadora da profissional remetida a um iderio de expresso das verdades, visando ameta da boa morte. Mas a aceitao e incorporao da prtica de expresso da interioridade restringe-se acertos contextos culturais. Diversamente de seus pais, do interior do pas, em sua vida em Paris Paul adquiriu umcapital cultural, passando a pertencer a um universo intelectual que valoriza o cultivo de si. Psicloga e pacienteconhecem e falam o mesmo idioma da subjetividade: os dois atores consideram condio necessria preservaoda identidade at a morte, a prtica de um relato da vida. Para Hennezel este relato seria um ato de reafirmao daautonomia do indivduo, j reduzida pela doena. Uma tenso constitutiva de nossa sociedade ocidentalcontempornea fica evidenciada neste caso: as duas geraes so portadoras de mensagens e valores divergentes.H um paradoxo no fato de que a funo da famlia moderna uma estrutura marcadamente hierrquica sejareproduzir sujeitos que venham a se tornar indivduos, voltados igualdade e liberdade. O mandamento deproduo de sujeitos autnomos implica a renncia da prpria famlia de origem e de seus valores, como ocorreucom Paul: adquiriu autonomia em relao sua origem e buscou horizontes mais amplos para a construo de si.Seus pais orgulham-se de sua ascenso social e econmica, mas no compartilham do mesmo iderio, de modoque a cumplicidade idealizada por Paul (e tambm por Hennezel) no se realiza. Na passagem de um horizontesocial regido pela atribuio para o regido pela aquisio, instaura-se a crena na construo de uma identidadeindividual singular. Pode-se considerar que Paul e Hennezel so representantes do que Simmel denominou deindividualismo qualitativo, cujo tema central a singularidade (1964:81).

    A prtica do relato da vida remetida construo de significados para a vida e morte do doente, comotambm visa propiciar aos que o cercam uma oportunidade de crescimento. A literatura de ajuda norte-americanasobre o morrer bem veicula um script pessoal para seus doentes, visando uma concluso adequada de seusrelacionamentos, em cinco frases: eu te perdo; perdoe-me; obrigada; eu te amo e adeus (Byock 1997:140).Segundo Byock, os hospices dos Estados Unidos utilizam amplamente este modelo das cinco frases, considerandoque, ao expressar estas frases, o indivduo ter condies de alcanar uma boa morte.

    H ainda um terceiro requisito na trajetria do morrer bem, referido escuta e atuao dos que cercam odoente. No caso de Paul, tanto sua expresso como a atuao dos profissionais so marcados pelos saberespsicolgicos referidos a um processo de busca de si. Nessa situao, a atuao dos familiares concernia palavra,

    uma vez que no surgiram discordncias relativas aos cuidados corporais. O caso de Terry, narrado por Byock,

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    Um Modelo para Morrer: ltima etapa na construo social contempornea da pessoa?

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    apresenta uma questo diversa no tocante atuao dos que cuidaram da doente. Aos 24 anos, Terry j estavacasada com Paul e era me, quando sofreu uma cirurgia para remoo de um rim com cncer. O mdico seguindoa proposta de comunicao franca do quadro disse ao casal que se tratava de um tipo de cncer raro e difcil decurar. O casal recusou esse prognstico e procurou outro oncologista, mais otimista, que recomendou quimioterapia.Com a concluso do tratamento de Terry, o casal retomou sua vida normal, a conselho mdico. Terry teve mais umcasal de filhos e adotou uma menina. A famlia mudou-se para a cidade dos pais de Paul, onde vivia em umagrande casa. Terry dedicava-se inteiramente casa e s crianas, e durante 6 anos viveu saudavelmente. Aos 31anos foi constatado o retorno de sua doena: o cncer espalhou-se com rapidez, mesmo com o tratamentoradioterpico. Terry passou a apresentar dores no corpo, que aumentaram progressivamente em pouco tempo.Apesar da intensidade de seu sofrimento, a doente recusava-se a utilizar qualquer medicamento analgsico potente,temendo alterao de seu estado de conscincia. Aps oito meses em casa, com o aumento da intensidade efreqncia das crise de dor, Terry foi encaminhada ao hospice no qual Byock trabalha. Um processo de negociaofoi iniciado pelo profissional, visando o alvio da doente. Terry seguia recusando os medicamentos oferecidos, noobstante a presso exercida pela equipe, por saber que analgsicos mais potentes causam algum grau de sedao.A doente buscava viver o mais ativamente possvel, no permanecia na cama e dormia um mnimo de tempo.Segundo Byock, o casal parecia agir como se Terry no estivesse enferma: eles no abordavam o tema do avanoda doena, de modo que o mdico decidiu conversar abertamente sobre a iminncia da morte da paciente. Disse-lhes que ela provavelmente teria mais trs semanas de vida, o que chocou o casal. Terry no alterou sua decisosobre o uso de medicaes, tentou manter dentro de suas possibilidades fsicas as atividades domsticas einiciou o planejamento de seu funeral: a msica ambiental, suas roupas e as das crianas at a escolha pelacremao de seu corpo. Seus parentes foram avisados e vieram de outros estados para se despedir. O clima eratenso com a progressiva piora das dores, at que Terry atingiu um estado de paralisia fsica pela dor. Sua famlia serevezava beira do leito, e sofria ao v-la com tantas dores. A equipe do hospice tentou convencer a doente daaplicao de sedativos, at que, aps uma semana de negociao, conseguiu sua concordncia, j que o sofrimento

    tornara-se insuportvel. Finalmente Terry dormiu durante 30 horas, cercada de familiares e amigos. Para Byock,

    Terry no morreu bem no sentido usual do termo, mas morreu a seu jeito: lutando por sua vida e pelo tempode proximidade com sua famlia. Em seu processo de morrer, permaneceu fiel ao seu esprito e aos seus valores.Foi ao seu jeito: seu caminho nico (1997:193).

    O novo modelo do morrer explicitado no caso de Terry: se a boa morte no pode ser realizada, que o

    seja ao jeito do indivduo, com a manuteno da autonomia e da identidade do doente. Esta enferma optou por

    manter sua lucidez e conscincia, o que foi respeitado pelos familiares e pela equipe profissional que a assistiu.

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    Rachel Aisengart Menezes

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    O M O D E L O C O N T E M P O R N E O : S U A S P O S S I B I L I D A D E S E L I M I T E S

    O modelo contemporneo do morrer bem vem sendo investigado por diversos autores, que refletem sobre suaspossibilidades e limites de aplicabilidade nos distintos contextos scio-culturais. De acordo com McNamara (1999),que realizou observaes etnogrficas em servios de Cuidados Paliativos australianos, a boa morte um conceitoidealizado e difcil de ser alcanado, de modo que prope a morte suficientemente boa como definio maisvivel, a partir da qual o doente teria maiores possibilidades de participao na tomada de decises ao final davida. Contudo, mesmo ao tomar como referncia a morte suficientemente boa, a autora constatou uma srie dedificuldades de dilogo entre profissionais de sade a maior parte constituda por australianos formados nasconvenes da biomedicina e seus pacientes oriundos de diferentes grupos tnicos, como aborgenes ouimigrantes chineses. Assim, as possibilidades de acesso do paciente terminal tomada de decises da equipe desade podem variar. Como relata McNamara, um mdico que estava morrendo de cncer conseguiu negociar coma equipe a administrao de seus medicamentos, mas um aborgene no conseguiu alterar a conduta dosprofissionais (1999:178). As desigualdades nos cuidados aos doentes terminais so institucionalizadas e variamde acordo com os locais nos quais os indivduos esto morrendo. Em um contato inicial com a assistncia paliativapblica, no Rio de Janeiro, pude verificar que os profissionais, no lidar com seus doentes, se defrontamfrequentemente com a diversidade social. A implantao de unidades de Cuidados Paliativos brasileiras regidapelo modelo ingls, que considera que o ideal para o doente terminal seja a permanncia em sua prpria residncia.Contudo, nem todos os doentes acompanhados pelas unidades tm condies de permanecer em suas residncias.Alguns vivem em barracos, nos quais convivem cerca de dez pessoas em espaos restritos; outros em favelassem condies mnimas de higiene e salubridade; outros no possuem familiares que possam prestar os cuidadosnecessrios e podem ser enviados a asilos administrados por religiosos. Estes so os casos denominados desociais pelos profissionais do servio de Cuidados Paliativos observado. E os limites que colocam ao servio

    podem ser ilustrados pela fala de um mdico:

    A gente quer fazer cuidados paliativos direitinho, seguir o modelo.... mas no d..... Esta gente nasce que nembicho, vive que nem bicho, e a gente querendo que eles possam morrer bem, com dignidade.... no d, eles noentendem, no h condies (mdico de um servio pblico brasileiro de Cuidados Paliativos).

    Alm dos limites colocados por diferentes contextos econmicos, h tambm aspectos ideolgicos aconsiderar. O recente iderio da boa morte foi desenvolvido inicialmente em pases nos quais o individualismo altamente pregnante. No Brasil, como em outras sociedades complexas, h distintas concepes de pessoa, quevariam de acordo com o contexto social. Os trs tipos ideais de morte tradicional, moderna e contempornea

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    Um Modelo para Morrer: ltima etapa na construo social contempornea da pessoa?

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    coexistem no Brasil. Em pequenas cidades do interior do pas, a perda de um membro pode ser vivida por toda acomunidade, e a identidade da pessoa encontra-se imbricada com a do grupo social ao qual pertence de modosemelhante ao descrito por Aris em seus estudos histricos (1975; 1981). Nos grandes centros urbanos predominao modelo da morte moderna, no qual ocorre uma perda da identidade da pessoa, em sua trajetria de doenteterminal, em virtude da crescente reduo de sua autonomia e poder decisrio. J em unidades de CuidadosPaliativos regidas pelo iderio da morte contempornea, a pessoa tem a possibilidade de constituir novas identidadesao estabelecer relaes com a equipe de cuidados paliativos. Contudo, nem todos os pacientes de unidades deCuidados Paliativos brasileiras esto informados do novo iderio e, via de regra, foram atendidos previamente porprofissionais de sade regidos pelo modelo da morte moderna, de modo que a possibilidade de participao nastomadas de decises apresenta-se como algo novo, a ser decodificado tanto pelo doente como por seus familiares.

    Alm da coexistncia dos trs modelos de morte, alguns limites se colocam para a realizao prtica domodelo contemporneo de morte, especialmente no que se refere postura dos profissionais de sade acerca datomada de decises e da autonomia do doente terminal. Mesmo na prtica dos cuidados paliativos, na qual osprofissionais postulam que a morte uma parte natural da vida e que deve ser aceita no momento em quechegar, h uma viso preeminente por parte dos mdicos de que os sintomas do morrer devem ser tratadosa qualquer custo. Para alguns profissionais, o alvio total da dor deve ser a meta dos cuidados prestados aosdoentes terminais, enquanto para outros o imperativo prosseguir tratando e atuando ativamente atravs do usodos recursos teraputicos o que significa que o modelo no incorporado igualmente por todos. Assim, podehaver uma tendncia a valorizar mais a expresso ou a autonomia do doente. No caso de Terry, relatado por Byock,o individualismo se revela atravs do imperativo da idia da manuteno da identidade pessoal mesmo aoimplicar em grande sofrimento. A reiterao do valor do indivduo feita em detrimento da reduo do sofrimentocorporal. J em outros pases, como na Inglaterra e no Brasil que utiliza, com adaptaes, o modelo de assistnciapaliativa inglesa a nfase recai sobre o controle da dor, a despeito da autonomia do paciente, o que conduz aoutros dilemas. A autoridade a tomar decises como as relativas ao alvio da dor deve ser o doente, mas muitosmoribundos no se sentem satisfeitos com os efeitos colaterais da morfina. Assim, o profissional pode serconfrontado com a seguinte questo: como um doente terminal pode articular suas necessidades e desejos se suafuno cognitiva est alterada pelos medicamentos? Como pode o enfermo se centrar nas tomadas de decisesse est incapacitado pela dor? A sedao terminal prtica comum nos servios de Cuidados Paliativos ingleses,australianos e brasileiros e esta assistncia ao morrer no considerada eutansia, pois os profissionais de sadevisam o alvio dos sintomas e no deliberadamente seqestrar o moribundo de sua morte. Consequentemente, oslimites da autoridade individual no final da vida so determinados pelos princpios ticos e morais dos vriosatores envolvidos no processo do morrer.

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    Rachel Aisengart Menezes

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    Rachel Aisengart Menezes Rachel Aisengart Menezes Rachel Aisengart Menezes Rachel Aisengart Menezes Rachel Aisengart Menezes Mestre em SadeColetiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    e doutoranda na mesma instituio.

    N O TA S

    1 N.E.: Trabalho apresentado no Frum de Pesquisa n16, Antropologia da Pessoa: Processos de Individualizao na CulturaContempornea.

    2 Como no h um termo equivalente a hospice em portugus, utilizo sempre o original em ingls.

    3 A produo brasileira sobre o tema ainda escassa, mas h que se destacar e Dissertao de Mestrado de Neves (1998) sobre asrepresentaes do morrer em casa; a publicao organizada por Rezende (2000), baseada em um seminrio realizado em Campinas;o livro de Cesar (2001), de divulgao de prticas voltadas a lidar com a morte de modo mais tranqilo e o livro de Pessini (2001),baseado em sua Tese de Doutorado em Teologia Moral-Biotica

    4 Traduo de minha autoria, como todas a seguir.

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    Um Modelo para Morrer: ltima etapa na construo social contempornea da pessoa?

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    R E F E R N C I A S B I B L I O G R F I C A S

    ARIS, Phillipe. 1975. Essais sur lhistoire de la mort en Occident du moyen ge nos jours. Paris: ditions du Seuil.

    _____. 1981a. O homem diante da morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves.

    _____. 1981b. Histria Social da Criana e da Famlia. Rio de Janeiro: LTC.

    BYOCK, Ira. 1997. Dying well. Peace and possibilities at the end of life. New York: Riverhead Books.

    CESAR, Bel. 2001. Morrer no se improvisa. So Paulo: Ed. Gaia.

    ELIAS, Norbert. 2001. A solido dos moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

    FOUCAULT, Michel. 1979. O Nascimento do Hospital. In Microfsica do Poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal.

    ______. 1994. O Nascimento da Clnica. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitria.

    ______. 1995. Histria da Loucura na Idade Clssica. So Paulo: Ed. Perspectiva.

    GLASER, B. & STRAUSS, A. 1965. Awareness of Dying. Chicago: Aldine.

    ______. 1968. Time for Dying. Chicago: Aldine.

    HENNEZEL, Marie. 1995. La mort intime. Paris: ditions Robert Laffont.

    HERZLICH, Claudine. 1993. Os encargos da morte. Rio de Janeiro: UERJ/IMS.

    KBLER-ROSS, Elizabeth. 1969. On death and dying. New York: MacMillan.

    _____. 1974. Questions and answers on death and dying. New York: MacMillan.

    _____. 1975. Death. The final stage of growth. New Jersey: Prentice-Hall.

    MCNAMARA, Beverly. 1999. A good enough death? In Alan Petersen & Charles Waddell (orgs). Health Matters. A Sociologyof Illness, Prevention and Care. Buckingham: Open University Press.

    NEVES, Ednalva M. 1998. Da morte biolgica morte cultural: um estudo sobre o morrer em casa em Joo Pessoa-PB.Dissertao de Mestrado. Joo Pessoa: UFPB/Programa de Ps-Graduao em Sociologia.

    PESSINI, Leo. 2001. Distansia. At quando prolongar a vida? So Paulo: Ed. Centro Universitrio/ So Camilo, EdiesLoyola.

    SEALE, Clive, ADDINGTON-HALL, Julia, MCCARTHY, Mark. 1997. Awareness of dying: prevalence, causes andconsequences. Social Science and Medicine, vol. 45, n 3, 477-484.

    SIMMEL, Georg. 1964. The Sociology of Georg Simmel. New York: The Free Press.

    WALTER, Tony. 1997. The Revival of Death. New York: Routledge.

    _____. 1996. Facing Death without Tradition. In G. Howarth & P.C. Jupp (orgs). Contemporary issues in the Sociology ofdeath, dying and disposal. New York: MacMillan Press.

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    R E S U M O

    Este artigo trata de uma construo recente acerca do morrer e do modo de participao do doente terminal neste

    processo. No bojo deste constructo, que data da dcada de 1980, vm sendo desenvolvidas uma srie de prticas

    institucionais e profissionais. Visando compreender como se articulam as deliberaes em torno do morrer bem

    como ltima etapa na construo da identidade pessoal contempornea, foram enfocados alguns textos

    representativos deste iderio. O modelo contemporneo do morrer comparado com duas configuraes sociais

    tratadas como tipos ideais no sentido weberiano denominadas por diversos autores como morte tradicional

    e moderna. O novo modelo compreendido como resposta desumanizao da morte moderna e sua

    aplicao constituda pela tentativa de resgatar determinados valores do modelo tradicional. Estas trs

    configuraes da morte so entendidas como tipos histricos: a morte tradicional tende a dar lugar moderna

    que, por sua vez, tende a ser sucedida pela modalidade contempornea.

    A B S T R A C T

    This paper discusses a recent construction of dying and how the terminal patient participates in this process. A

    number of institutional and professional practices are being developed around this construction, dated from the

    1980s. Texts representatives of this view are analyzed here in order to understand how decisions are made around

    the idea of dying well as a last stage in the construction of contemporary personal identity. The contemporary

    model of dying is compared with two social configurations taken here as ideal types in the Weberian sense

    referred to by several authors as traditional and modern deaths. This contemporary model consists of an

    attempt to respond to the dehumanization of modern death, seeking to retrieve values existing in the traditional

    model. These three configurations of death are also considered as historical types: traditional death tends to be

    replaced by the modern that, in turn, is replaced by the contemporary form.

    Rachel Aisengart Menezes