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CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEXTO “A ILÍADA, DE HOMERO” DE
JOSÉ MARTÍ
PEREIRA, Fábio Inácio1 - PUCPR
Grupo de Trabalho – História da Educação
Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo
Este trabalho tem o objetivo de refletir sobre o artigo La Ilíada, de Homero, realizado pelo pensador cubano José Martí (1853-1895). O artigo foi publicado na Revista La Edad de Oro, no período do seu exílio nos Estados Unidos, em 1889. Um dos principais intelectuais e líderes políticos do processo de independência cubana, o autor deixou uma obra extensa redigida em diversos gêneros e voltada para temas de diversas áreas do conhecimento. Ele não escreveu um livro, mas sua obra - composta por artigos, crônicas, discursos, poemas, peças de teatro, novelas, cartas, dedicatórias e traduções - assumiu uma alta posição em termos quantitativos e qualitativos. O artigo em questão, La Ilíada, de Homero, possibilita compreender a formação clássica do autor, sua proposta de integração de conteúdos literários e históricos, bem como suas ideias de formação do homem por meio de temas contemporâneos. Entende-se que o trabalho realizado pelo escritor lança luzes no debate sobre a história da educação do século XIX, especialmente em relação aos estudos entre a tradição e a modernidade. Nesse sentido, vale considerar sua proposta e a abrangência das suas ideias educacionais por meio de fontes clássicas, tendo em vista os interesses sócio-político-econômicos para Cuba. A abordagem do texto privilegia a percepção da construção do trabalho e busca relacioná-lo aos propósitos do autor no contexto de sua produção. A reflexão indicou que a compreensão da perspectiva e alcance do seu texto deveria passar por um crivo crítico e por uma avaliação com base nos referenciais de sua elaboração.
Palavras-chave: História da Educação. América Latina. Ilíada. José Martí.
Introdução
A revista La Edad de Oro é considerada uma das maiores expressões da preocupação
de José Martí2 com as questões culturais de seu tempo. Em suas quatro edições, publicadas
1 Mestre em Educação: Universidade Estadual de Maringá. Professor Adjunto da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Membro do Grupo de Pesquisa Transformação Social e Pensamento Educacional. E-mail: [email protected]. 2 José Martí nasceu em Havana, em 28 de janeiro de 1853. Foi enviado para o exílio, em 1871, por se opor ao domínio colonial espanhol sobre Cuba. Cursou Direito, Filosofia e Letras, nas universidades de Madri e Saragoça. Deixou a Espanha em fins de 1874, conheceu a França e foi para o México, lugar em que terminou seus estudos de jornalismo. Entre várias estadas pela América Latina, só a partir de 1881 fixou-se em Nova
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entre julho e outubro de 1889, a revista se propunha a formar o seu público leitor com temas
importantes da cultura geral, bem como estimular seu interesse pelo estudo dos problemas
sócio-político-econômicos da época. Assim, ao mesmo tempo em que servia a tendência geral
de formação científico-cultural, dava vazão às aspirações do autor em discutir a transição
política e econômica de seu país.
Escrita3 nos Estados Unidos, a revista foi criada no período de maturidade do
pensamento de José Martí, como resultado da análise que realizou, daquela sociedade e de seu
modelo educativo, sempre tendo em vista a independência cubana. Considerando a
independência uma tarefa difícil e urgente, era necessário lançar mão de todos os recursos
disponíveis, no caso, ele lançou mão da publicação, reconhecida como uma das mais
importantes obras para o público infantil na época.
A revista La Edad de Oro foi publicada em Nova Iorque e alcançou uma dimensão
continental. Direcionada inicialmente para um público infantil, ela ganhou a atenção dos
leitores adultos e mereceu destaque em diversos periódicos da América Latina. Além de
textos sobre viagens, biografias, descrições de jogos e de costumes, fábulas e poemas, o autor
abordava temas relacionados ao conhecimento científico, à indústria, às artes, à história e à
literatura.
Não cabe, nos limites deste artigo, analisar o conjunto dos textos produzidos por José
Martí na revista La Edad de Oro. Restringimo-nos, portanto, a abordar o artigo La Ilíada de
Homero, com o objetivo de identificar os aspectos por ele valorizados na obra de Homero, ou
seja, que conteúdos desse artigo poderiam ser utilizados na formação do homem cubano.
A Ilíada na perspectiva de José Martí
Publicado na primeira edição da revista, em julho de 1889, o artigo La Ilíada, de
Homero, foi escrito no modelo das chamadas “reducciones bíblicas”, muito comuns na época.
Iorque, onde permaneceu residente um período maior de tempo, até 1895. Nesse período, acumulou vários cargos, como o de cônsul do Uruguai, da Argentina e do Paraguai em Nova Iorque; representante da Associação de Imprensa de Buenos Aires, nos Estados Unidos e no Canadá. Foi levado à Presidência da Sociedade Literária Hispano-Americana e nomeado representante do Uruguai para a Comissão Monetária Internacional Americana em Washington. No exílio, em 1892, fundou o Partido Revolucionário Cubano, organização que liderou e que foi responsável pelo reinício da guerra independentista, em 1895. Morreu em 19 de maio do mesmo ano em uma das primeiras batalhas contra as forças espanholas na ilha, próximo a um lugar chamado Boca de Dos Rios. 3 Todos os artigos que compõem a revista La Edad de Oro foram redigidos, adaptados e/ou traduzidos por José Martí, que também se encarregou de selecionar suas ilustrações, o que não dispensou a sua participação no processo de distribuição pelo continente.
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Nesse estilo de publicação, o autor propunha divulgar conteúdos da história de outras épocas
tendo em vista a formação para objetivos contemporâneos.
Ao tratar da produção cultural da humanidade, José Martí fez uma introdução aos
aspectos gerais da epopeia de Homero, a partir de uma perspectiva literária, histórica e
formativa do pensador grego, em consonância com a finalidade educacional do projeto
editorial da revista La Edad de Oro.
O primeiro ponto a considerar, na análise que o autor fez do poema épico, é seu
evidente conhecimento das discussões, que em sua época, se faziam a respeito da autoria e da
unidade da obra.
A respeito do debate que, envolvendo grandes nomes do pensamento moderno, punha
em questão o fato de Homero ter ou não existido, ou de seus poemas serem o resultado do
trabalho de poetas distintos, ou seja, criação coletiva, popular, José Martí defendia a unidade
da obra, isto é, a ideia de que ela é produto de um único autor.
A opção por discutir a existência de Homero mostra que ele era um homem atento às
questões culturais do seu tempo, a exemplo da fluente discussão, desde fins do século XVIII,
sobre a veracidade de sua existência, por extensão, da sua autoria da Ilíada e Odisséia.
Conforme Agramonte (1991, p. 221), as ideias de José Martí sobre esse debate não eram
inocentes, mas, sim, reflexões de quem tinha condições teóricas para a análise filológica.
José Martí cita importantes estudiosos da literatura clássica como, por exemplo,
Friedrich August Wolf (1759-1824), filólogo alemão, um dos mais importantes teóricos da
época, ao afirmar que a Ilíada e a Odisséia não foram escritas exclusivamente por Homero e
que haviam sido constituídas pela justaposição de trechos épicos de diferentes épocas.
Esse debate sobre a autoria e a questão da unidade da epopeia grega, que ficaram
conhecidos como a “Questão Homérica”, discutidos por estudiosos de diversas nações,
colocava em cheque o culto a Homero.
Na esteira dos grandes debates, José Martí marca sua posição defendendo a existência
do poeta grego e da autenticidade da sua obra.
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Hace dos mil años era ya famoso en Grecia el poema de la Ilíada. Unos dicen que lo compuso Homero, el poeta ciego de la barba de rizos, que andaba de pueblo en pueblo cantando sus versos al compás de la lira, como hacían los aedas de entonces. Otros dicen que no hubo Homero, sino que el poema lo fueron componiendo diferentes cantores. Pero no parece que pueda haber trabajo de muchos en un poema donde no cambia el modo de hablar, ni el de pensar, ni el de hacer los versos, y donde desde el principio hasta el fin se ve tan claro el carácter de cada persona que puede decirse quién es por lo que dice o hace, sin necesidad de verle el nombre. Ni es fácil que un mismo pueblo tenga muchos poetas que compongan los versos con tanto sentido y música como los de la Ilíada, sin palabras que falten o sobren; ni que todos los diferentes cantores tuvieran el juicio y grandeza de los cantos de Homero, donde parece que es un padre el que habla (MARTI, 1992, p. 56-57).
Para o pensador cubano era improvável que o texto tivesse sido escrito por muitas
mãos, uma vez que o poema possuía unidade e não havia mudanças no modo de falar e de
pensar de seus personagens. Acrescente-se a isso que não havia mudança no estilo e na
harmonia dos versos construídos.
As suas conclusões resultavam da condição de estudioso das línguas clássicas, que
conhecia as diversas traduções existentes do livro. Respaldado nesse conhecimento, ele
destacava suas características, qualidades e defeitos, ao tempo que valorizava as traduções:
inglesa, alemã e francesa e desaconselhava a leitura da tradução castelhana da obra.
En inglés hay muy buenas traducciones, y el que sepa inglés debe leer la Ilíada de Chapman, o la de Dodsley, o la de Landor, que tienen más de Homero que la de Pepe, que es la más elegante. El que sepa alemán lea la de Wolff, que es como leer el griego mismo. El que no sepa francés, apréndalo enseguida, para que goce de toda la hermosura de aquellos tiempos en la traducción de Leconte de Lisle, que hace los versos a la antigua, como si fueran de mármol. En castellano, mejor es no leer la traducción que hay, que es de Hermosill, porque las palabras de la Ilíada están allí, pero no el fuego, el movimiento, la majestad, la divinidad a veces, del poema en que parece que se ve amanecer el mundo [...] (MARTI, 1992, p. 62-63).
Para Maria Cancela (1989, p. 508), a análise realizada por José Martí das traduções
demonstrava a preocupação com a compreensão do original, como composição literária e com
o entendimento de que a arte de traduzir é um “transpensar”. Fato este que o faria romper com
a distância histórica da produção da obra clássica e, a partir dela, propor reflexões sobre o
homem de seu tempo.
Esse cuidado com a tradução demonstrava também o objetivo de manter o “espírito”
do texto grego que, como afirmava, não poderia ser encontrado na tradução espanhola da
obra.
José Martí não se manifestava apenas a respeito da qualidade das traduções da Ilíada,
mas também sobre seu conhecimento da gramática latina, assim como o de rudimentos do
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grego e traduções de fragmentos de textos clássicos (CANCELA, 1989, p. 508). Isso revelava
seu interesse em aprofundar os estudos literários tendo em vista a formação do homem.
Vale considerar que, em relação ao estudo das línguas clássicas — grego e latim —,
defendeu o ensino de conteúdos gerais da humanidade, dos quais seria possível extrair
conhecimentos relevantes para o homem de seu tempo.
Puesto que se vive, justo es que donde se enseñe a conocer la vida. En las escuelas se ha de aprender a cocer el pan de que se ha de vivir luego. Bueno es saber de coro a Homero: y quien ni a Homero, ni a Esquilo, ni a la Biblia leyó ni leyó a Shakespeare, - que es hombre no piense, que ni ha visto todo el sol, ni ha sentido desplegarse en su espalda toda el ala. Pero esto han de aprenderlo los hombres por sí, porque se enseña de suyo, y enamora, y no se ha menester maestro para las artes de gracia y hermosura. Y es bueno, - por cuanto quien ahonda en el lenguaje, ahonda en la vida, - poseer luces de griego y latín, en lo que tienen de lenguas raizales y primitivas, y sirven para mostrar de dónde arrancan las palabras que hablamos: ver entrañas, ilustra (CANCELA, 1989, p. 508).
Desse modo, os estudos literários antigos não eram considerados por José Martí como
pura erudição e deleite pela forma estética ou correção de linguagem. Ele dava destaque à
possibilidade desses textos iluminarem as novas aspirações do homem moderno.
A partir dos referencias da cultura moderna, suas ideias apontavam para outra direção,
aos estudos dos textos clássicos. Todavia, não deveriam se dar por pura erudição, mas, entre
outras finalidades, deveriam aumentar o sentimento nacional. Daí suas manifestações pela
valorização da literatura nacional, bem como a instrução na língua nacional. Isto posto, a
literatura clássica era tomada como elemento de formação estética, moral e intelectual, e, em
última instância, como símbolo de rebeldia e liberdade (CANCELA, 1989, p. 506).
Em sua análise da Ilíada destaca-se também a reflexão sobre a origem divina dos
personagens: Aquiles não é apresentado como filho de homens, mas como filho de Tetis, a
deusa do mar, condição que não se diferenciava da realidade de seu tempo, afinal os reis
espanhóis justificavam seu poder com base no direito divino de governar. Com isso, José
Martí revelava sua preocupação em se fazer entender pelo público a que se destinava a
revista.
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A Aquiles no lo pinta el poema como hijo de hombre, sino de la diosa del mar, de la diosa Tetis. Y eso no es muy extraño, porque todavía hoy dicen los reyes que el derecho de mandar en los pueblos les viene de Dios, que es lo que llaman “el derecho divino de los reyes”, y no es más que una idea vieja de aquellos tiempos de pelea, en que los pueblos eran nuevos y no sabían vivir en paz, como viven en el cielo las estrellas, que todas tienen luz aunque son muchas, y cada una brilla aunque tenga al lado otra. Los griegos creían, como los hebreos, y como otros muchos pueblos, que ellos eran la nación favorecida por el creador del mundo, y los únicos hijos del cielo en la tierra. [...] Y así mandaban juntos los sacerdotes y los reyes (MARTI, 1992, p. 58-59).
Fica clara, nesse personagem, sua intenção de questionar a relação de poder de alguns,
especialmente no caso dos reis, que se outorgavam o direito de mandar nos povos, como se
isso proviesse de Deus. Ele lembra o povo hebreu, como exemplo de nação que se entendia
como favorecida por um Deus Criador.
José Martí denunciava o regime monárquico, ainda em vigor na metrópole espanhola,
o qual contestava e reivindicava a liberdade para Cuba. Essa disposição de enfrentamento foi
revelada em um de seus primeiros escritos em 1874, quando da sua chegada à Espanha, no
período de seus estudos universitários.
Na análise que José Martí faz da Ilíada, ou mesmo, como afirmam seus críticos, em
sua adaptação da obra para o público infantil do continente, o pensador assinalava também
detalhes dos trinta anos da Guerra de Tróia. De modo propositivo, tendo em vista os objetivos
políticos e sociais que pretendia alcançar, destacava, na epopeia de Ulisses, os guerreiros
Agamenon e Aquiles, cuja força expressava a necessidade de luta para que os sonhos fossem
realizados e transformassem-se em grandes vitórias.
Na Ilíada, esses personagens se distinguiam pela honra, força e coragem,
personificando, assim, um traço da moral heróica presente no ideal de homem martiano. Para
além, tornavam-se exemplos da necessidade da união por uma causa comum, ou seja,
referenciais para as lutas políticas do homem latino-americano.
Outro importante tema que se pode apreender de suas preocupações com a publicação
foi o de levar as crianças a tomar contato com a filosofia, a ciência e a política contidas na
Ilíada.
En la Ilíada, aunque no lo parece, hay mucha filosofía, y mucha ciencia, y mucha política, y se enseña a los hombres, como sin querer, que los dioses no son en realidad más que poesías de la imaginación, y que los países no se pueden gobernar por el capricho de un tirano, sino por el acuerdo y respeto de los hombres principales que el pueblo escoge para explicar el modo con que quiere que lo gobiernen (MARTÍ, 1975, v. 18, p. 330).
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Dessas ideias se verifica sua preocupação com a formação de homens para a liberdade.
Sua proposta adquiria uma característica humanista, haja vista a finalidade de ensinar os
homens a pensar para a ação, especialmente patriótica (AGRAMONTE, 1991, p. 220). Nessa
dinâmica, o heroísmo dignificado por Homero podia inspirar a ação do homem cubano que, a
exemplo dos heróis homéricos, os históricos líderes latino-americanos eram também
hipotecários de virtudes modelares, conforme se pode levantar em suas trajetórias de vida e de
lutas pelo que acreditavam ser o ideal; eles viveram, falaram e lutaram por uma sociedade
independente.
Esses homens viviam em realidades de dependência ainda persistente, que
reivindicavam ações conjuntas por parte daqueles que sonhavam com um novo tempo, no
caso específico, para Cuba.
Para alavancar tal ideia, José Martí comparava os textos aborígenes com a literatura
clássica: “Qué augusta la Ilíada de Grecia! Qué brillante la Ilíada indígena! Las lágrimas de
Homero son de oro; copas de palma, pobladas de colibríes, son las estrofas indias” (MARTÍ,
1975, v. 8, p. 337).
Desse modo, suas ideias educacionais tinham em vista o esclarecimento e a retomada
histórica da identidade nacional e também continental sem, contudo, abandonar a literatura
clássica. Ao tempo em que veiculava os conteúdos da literatura clássica universal,
entrelaçava-a com a literatura latino-americana. Exemplo disso é o artigo Tres héroes,
presente em La Edad de Oro, no qual contava a história dos feitos políticos de três grandes
personagens latino-americanos: Bolívar, Hidalgo e São Martín.
Pode-se dizer que, para José Martí, a educação baseada no modelo dos heróis da
literatura clássica poderia levar ao comprometimento político dos indivíduos com as lutas de
seu próprio tempo. Aos latino-americanos divulgava a história épica daqueles antigos heróis,
assim como dos modernos, que jamais deixavam a desonra sofrida ficar impune sem lutar
bravamente pelos interesses de seu povo.
À sua época, justificava, era de usar “as armas do discernimento” levantando
trincheiras de ideias e, sobretudo, preparando-se para o combate. Assim, convocava os povos
a se conhecerem, como aqueles que lutariam juntos. Era preciso combater o desprezo pelos
povos da América, afirmava, em virtude do desconhecimento de sua realidade; conhecê-la e
orgulhar-se da América para, então, poder defendê-la (MARTÍ, 1983, p. 194).
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Com a defesa das fontes clássicas para a formação do homem americano, não se
deve esquecer que José Martí pensou uma educação destacada por ser,
predominantemente, voltada aos aspectos eufóricos do cientificismo e positivismo do final
do século XIX. Conforme se pode verificar, inclusive na própria revista La Edad de Oro,
a predominância de artigos voltados para a formação científica e para o trabalho
industrial.
Ao final daquele século, as instituições de ensino existentes pelo continente
organizavam seus currículos numa perspectiva de estudos voltados para a instrução moral
e religiosa, e para a leitura e escrita baseadas em textos literários. Esses estudos, incluindo
as línguas clássicas, voltavam-se para a ilustração e polimento intelectual dos jovens
estudantes, ocupando grande parte do currículo das escolas e universidades.
A exemplo das universidades norte-americanas, José Martí desejava colocar a
questão do ensino da literatura clássica em termos equilibrados.
Bienvenido ha sido, pues, y merece serlo, esta decisión de Harvard de ir acercando a la vida la educación universitaria, y poniendo a los alumnos comunes más cerca del alemán y francés que del latín y griego, sin cerrar por eso, - que esto jamás debe hacerse, - a los que sientan afición irrevocable por las letras, o a los que quieran conocer con más fijeza las fuentes del idioma que hablan, aquellas cátedras de lenguas y literaturas antiguas, donde se coge como la flor del espíritu nacida al calor de un cielo azul, en bandejas de plata (MARTÍ, 1975, v. 10, p. 236).
Não se opôs a esse modelo tradicional de ensino, baseado nos aspectos gerais da
cultura humana. Pelo contrário, sua concepção de educação por meio dos clássicos revelava o
desejo de que a educação respondesse às novas exigências de sua época sem perder de vista a
formação integral dos indivíduos. Ele fazia uma releitura pragmática dos grandes textos
clássicos, defendendo um modelo educacional técnico-científico e deixando claro seu
posicionamento quanto à importância do ensino da cultura clássica.
Segundo postulava, à educação caberia responder aos interesses dos homens latino-
americanos dentro da concepção científica do mundo moderno, mas sem desprezar o
desenvolvimento das capacidades intelectuais por meio dos conteúdos da cultura em geral.
Associando o estudo da cultura clássica greco-romana às perspectivas histórico-
culturais modernas, José Martí propunha um modelo de formação para a construção de um
ideal de homem e de sociedade. Em suas ideias educacionais, propunha transmitir conteúdos
importantes da cultura universal associada à latino-americana, por considerá-los um meio de
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despertar o povo cubano para a luta independentista. É o que se depreende de sua sentença de
que a única forma de ser livre era sendo culto (MARTÍ, 1975, v. 8, p. 289).
Com isso, a cultura assumia especial importância em suas ideias educacionais.
Segundo Agramonte (1991, p. 181), era considerada como fonte para a liberdade e base para o
desenvolvimento de valores espirituais. Na sociedade que idealizava, a propagação da cultura
seria o meio adequado para a manutenção dos valores e princípios republicanos. Em sua
obra, José Martí abordou as formas pelas quais se deveria cultivá-la entre os povos latino-
americanos, como o fez no México (1975), na Guatemala (1877-1878) e na Venezuela (1881).
Nela, alinham-se referências, descrições e análises de livros e revistas dos mais diferentes
gêneros; suas obras encontram-se em museus e bibliotecas de vários países.
Nos Estados Unidos, prestou serviços de tradução de livros didáticos para o espanhol
para a casa de livreiros Appleton. Da série Antigüedades Clásicas, traduziu um livro sobre a
história da Grécia e outro de história romana.
Considerações finais
A partir de uma síntese das transformações que no plano teórico e prático se
produziam no final do século XIX, e do estudo da identidade latino-americana, José Martí
pensou uma proposta educacional marcada pelos aspectos eufóricos cientificistas, positivistas
e pragmatistas do final daquele século.
Tendo em vista a precária situação em que se encontrava a educação na América
Latina, José Martí convocou os principais líderes latino-americanos para a ruptura radical com
o modelo vigente por meio de uma reforma, objetivando um novo sistema educacional.
Pelo que se pode apreender, o propósito de José Martí em relação à revista era ilustrar
as crianças da América, uma vez que ela se constituía de uma variada introdução histórica ao
universo cultural daquele século. A prática de introduzir as crianças no mundo da ciência e da
tecnologia consistia numa atividade comum de boa parte da produção literária infantil de sua
época, particularmente a norte-americana, com a qual teve um contato muito próximo.
Assim, como os demais pensadores progressistas e liberais do final do século XIX,
José Martí acreditava no poder da educação para resolver os grandes problemas da sociedade.
Com esse raciocínio, defendeu a proposta de formação por meio da ciência, das técnicas
modernas, mas também estudou e divulgou a importância dos clássicos da literatura universal.
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E, com base nesses referenciais, imprimiu um caráter político aos textos de La Edad de Oro,
tendo em vista reagir à tradição cultural do colonizador.
O estudo dos clássicos da antiguidade deu a José Martí o conhecimento para propor
um conjunto de ideias que contemplava a união do pensamento clássico com os principais
avanços da sociedade moderna. O seu projeto se expressou por meio de conteúdos
importantes da cultura americana e universal, com os quais pretendia despertar um “espírito”
de amor pátrio nacional e continental. Seu discurso estava voltado para um caminho redentor,
para o qual convocou os principais líderes do continente, os quais, em seu entendimento,
deveriam romper com o modelo vigente por meio de uma reforma, na qual teria destaque o
novo sistema educacional.
REFERÊNCIAS
AGRAMONTE, Roberto. Las doctrinas educativas y políticas de Martí. Puerto Rico:
Editorial de la Universidad de Puerto Rico, 1991.
CANCELA, María Elina Miranda. En torno a Martí y el mundo clásico. In: BALLESTER,
Ana Cairo (Comp.). Letras. Cultura en Cuba. La Habana: Editorial Pueblo y Educación,
1989. p. 505-518. T. 2.
MARTÍ, José. Obras Completas. 2. ed. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1975. 27
v.
______. La Edad de Oro. Edición crítica anotada y prologada por Roberto Fernández
Retamar. 5. ed. México: Fondo de Cultura Económica, 1992.
______. Nossa América (antologia). São Paulo: Hucitec, 1983.