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Eduardo Fortuna O Sistema de Pagamentos Brasileiro I 18/04/2006 O Sistema de Pagamentos Brasileiro I Nas matérias anteriores analisamos alguns dos aspectos do papel desempenhado pelos bancos na prestação de serviços no dia a dia das pessoas e das instituições. Mencionamos, também, alguns aspectos do sistema de pagamentos que garante a agilidade e a segurança na prestação desses serviços. Nesta matéria vamos iniciar o aprofundamento do tema sobre o atual sistema de pagamentos brasileiro, mais conhecido em mercado como o novo SPB. Até a implantação do SPB o sistema de pagamentos era estruturado, essencialmente, através de quatro câmaras de compensação. Na primeira delas, o Sistema Especial de Liquidação e Custódia – Selic – eram compensadas as operações de mercado primário e secundário com títulos públicos federais e com os depósitos interfinanceiros em reserva – DI Reserva, exclusivo de bancos comerciais e múltiplos com carteira comercial – com liquidação financeira na conta de reservas bancárias, às 23 horas do mesmo dia da negociação, ou seja, na nomenclatura de mercado, em Dzero. Para evitar o risco de perda por parte do comprador, a transferência da custódia do título do vendedor para o comprador estava vinculada à correspondente liquidação financeira do valor em reais do comprador para o vendedor, ou seja, através da utilização do mecanismo de entrega contra pagamento (Delivery Versus Payment – DVP). Caso houvesse problemas de liquidação, a operação podia ser desfeita, evitando-se, o risco de perda do comprador, mas, certamente, transferindo-o para o Banco Central – BC –, que agiria como o emprestador de última instância que objetiva evitar a possibilidade do risco sistêmico que poderia surgir pela quebra da cadeia de negociação em seus pagamentos e recebimentos.Evitava-se, assim, o risco sistêmico, mas estimulava-se o risco moral (moral hazard), ou seja, o risco de incentivar os bancos a serem mais agressivos em seus negócios e, portanto, menos criteriosos em suas operações, relaxando seus controles de crédito e operacional, por saber que sempre poderiam contar com o apoio do onipresente e salvador BC. Na segunda delas, a inicialmente chamada Central de Liquidação e Custódia de tulos Privados e atualmente denominada Câmara de Custódia e Liquidação – Cetip – eram registrados e liquidados as operações de mercado secundário com títulos privados e alguns títulos públicos federais, além das operações de mercados primário e secundário de títulos públicos estaduais e municipais, sempre com liquidação financeira via reservas bancárias, até as 16 horas do dia seguinte ao da negociação, ou seja, na nomenclatura de mercado, em D + 1. Além disso, era feita a ponte para a liquidação financeira via reservas bancárias, das operações realizadas na Bovespa, em D + 5, e na BM&F, em D + 1.

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Eduardo Fortuna O Sistema de Pagamentos Brasileiro I 18/04/2006

O Sistema de Pagamentos Brasileiro I

Nas matérias anteriores analisamos alguns dos aspectos do papel desempenhado pelos bancos na prestação de serviços no dia a dia das pessoas e das instituições. Mencionamos, também, alguns aspectos do sistema de pagamentos que garante a agilidade e a segurança na prestação desses serviços. Nesta matéria vamos iniciar o aprofundamento do tema sobre o atual sistema de pagamentos brasileiro, mais conhecido em mercado como o novo SPB.

Até a implantação do SPB o sistema de pagamentos era estruturado, essencialmente, através de quatro câmaras de compensação.

Na primeira delas, o Sistema Especial de Liquidação e Custódia – Selic – eram compensadas as operações de mercado primário e secundário com títulos públicos federais e com os depósitos interfinanceiros em reserva – DI Reserva, exclusivo de bancos comerciais e múltiplos com carteira comercial – com liquidação financeira na conta de reservas bancárias, às 23 horas do mesmo dia da negociação, ou seja, na nomenclatura de mercado, em Dzero.

Para evitar o risco de perda por parte do comprador, a transferência da custódia do título do vendedor para o comprador estava vinculada à correspondente liquidação financeira do valor em reais do comprador para o vendedor, ou seja, através da utilização do mecanismo de entrega contra pagamento (Delivery Versus Payment – DVP).

Caso houvesse problemas de liquidação, a operação podia ser desfeita, evitando-se, o risco de perda do comprador, mas, certamente, transferindo-o para o Banco Central – BC –, que agiria como o emprestador de última instância que objetiva evitar a possibilidade do risco sistêmico que poderia surgir pela quebra da cadeia de negociação em seus pagamentos e recebimentos.Evitava-se, assim, o risco sistêmico, mas estimulava-se o risco moral (moral hazard), ou seja, o risco de incentivar os bancos a serem mais agressivos em seus negócios e, portanto, menos criteriosos em suas operações, relaxando seus controles de crédito e operacional, por saber que sempre poderiam contar com o apoio do onipresente e salvador BC.

Na segunda delas, a inicialmente chamada Central de Liquidação e Custódia de Títulos Privados e atualmente denominada Câmara de Custódia e Liquidação – Cetip – eram registrados e liquidados as operações de mercado secundário com títulos privados e alguns títulos públicos federais, além das operações de mercados primário e secundário de títulos públicos estaduais e municipais, sempre com liquidação financeira via reservas bancárias, até as 16 horas do dia seguinte ao da negociação, ou seja, na nomenclatura de mercado, em D + 1. Além disso, era feita a ponte para a liquidação financeira via reservas bancárias, das operações realizadas na Bovespa, em D + 5, e na BM&F, em D + 1.

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Da mesma forma que no Selic, a Cetip também utilizava o mecanismo de entrega contra pagamento, sendo que neste caso não havia a garantia do BC para o risco de perda do comprador.

Na terceira delas, o Serviço de Compensação de Cheques e Outros Papéis – Compe –, era realizada a compensação de todos os cheques, documentos de crédito e títulos para pagamento que transitam por todo o sistema bancário, independente do fato de seu valor ser alto ou baixo. Cheques de valor igual ou superior a R$ 300,00 eram liquidados financeiramente via reservas bancárias em D + 1, e os de valor inferior, em D + 2.

Finalmente, na quarta delas, no sistema de Câmbio, eram realizadas todas as operações interbancárias com moeda estrangeira, sempre com liquidação financeira em reais via reservas bancárias em D + 2, sendo que a liquidação financeira em moeda estrangeira era feita em Nova York.

Em nenhuma dessas duas últimas havia a garantia do BC para a possibilidade de perdas das partes envolvidas.

No conjunto de suas operações, tradicionalmente, essas câmaras executavam a liquidação das operações que nelas transitavam, através do Sistema de Liquidação de Valores Defasados Líquidos – LDL (Deferred Net Settlement – DNS) –, no qual as operações de pagamento e recebimento de documentos e/ou a compra e venda de títulos públicos e privados são registradas ao longo do dia e compensadas por diferença ao final do dia, para, então, sensibilizar, no confronto de créditos e débitos as contas de reservas bancárias dos bancos junto ao BC. Entretanto, em nenhuma dessas câmaras coexistiam mecanismos de gerência de riscos que permitissem solucionar os problemas de falta de liquidez ou, mais grave ainda, da insolvência de seus participantes.

Ou seja, como as mensagens de liquidação financeira, enviadas por todas essas câmaras ao BC, não recebiam críticas quanto à disponibilidade de saldo positivo em conta de reservas bancárias, o sistema de pagamentos anterior ao novo SPB podia, portanto, permitir a manutenção de saldo negativo de um banco ao longo de todo um dia de operação, na expectativa, e não na certeza, de um lançamento a crédito, salvador, que revertesse o saldo de negativo para zero ou para positivo, ao final do dia. Dessa forma, era o BC que assumia todo o risco de insolvência do sistema, ao conceder, aos seus participantes, crédito sem limite e sem garantia, via saque a descoberto nas contas de reservas bancárias. Estima-se que em 12/2001, último mês do ano que antecedeu a implantação do novo SPB a concessão desse crédito circunstancial e indesejável pelo BC tenha atingido um valor entre 6 bilhões e 7 bilhões de reais.

Por tudo o acima exposto, os dois pilares básicos que nortearam o novo SPB foram:

• todos os riscos anteriores incorridos pelo BC devem ser, irreversivelmente, transferidos para todos os participantes do mercado; e

• as novas câmaras de compensação,custódia e liquidação – clearings –, adaptadas ou criadas para atender o SPB, devem ter agilidade e flexibilidade necessárias e suficientes para gerir as garantias exigidas aos participantes, de forma a assegurar a liquidação das operações, mesmo na ocorrência da inadimplência de uma contraparte. Além disso, as novas clearings, além de operar a transferência

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eletrônica de recursos dentro do conceito de Liquidação Defasada Líquida – LDL –, deverão estar aptas a fazê-la em sistema de compensação contínua, seja de forma individual (um pagamento de um participante para outro), bilateral (dois ou mais pagamentos compensados por diferença entre dois participantes), ou multilateral (três ou mais pagamentos compensados por diferença entre três ou mais participantes), sempre pelo valor líquido apurado – netting.

Para tanto, na implementação do novo SPB, muito foi, está sendo atualmente e ainda será investido no futuro em infra-estrutura tecnológica para interligar bancos, clearings e BC.

Na próxima matéria vamos dar continuidade ao tema.

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Eduardo Fortuna O Sistema de Pagamentos Brasileiro II 25/04/2006

O Sistema de Pagamentos Brasileiro II

Na matéria anterior iniciamos o aprofundamento do tema sobre o atual sistema de pagamentos brasileiro, mais conhecido em mercado como o novo SPB, aprendendo como ele era estruturado anteriormente a sua implantação. Nessa matéria vamos dar continuidade ao tema.

As premissas e objetivos públicos que nortearam a estruturação do novo SPB podem ser estabelecidos da seguinte forma:

• os sistemas de pagamentos são um mecanismo essencial para garantir a efetividade do mercado financeiro, dessa forma eles devem amortecer os choques financeiros e garantir a estabilidade dos mercados monetário nacional e internacional;

• as forças de mercado sozinhas, não necessariamente atingem os objetivos de segurança e de eficiência desejados, já que os operadores e participantes não necessariamente têm condições de suportar os riscos e custos envolvidos;

• para garantir o objetivo de segurança de um sistema de pagamentos é necessário, em primeiro lugar, identificar e entender como os vários tipos de riscos surgem ou são transmitidos dentro do sistema;

• os sistemas de pagamentos consomem uma parcela significativa de recursos que é compensada pelos seus resultados práticos;

• a segurança e a eficiência do sistema de pagamentos não devem ser os seus únicos objetivos públicos; e

• os diferentes aspectos dos objetivos de segurança e eficiência devem ser perseguidos pelas diferentes agências e participantes do setor público envolvidos no sistema de pagamentos, entretanto, o BC tem um papel central em função de seu interesse primordial na estabilização financeira.

A partir dessas premissas e objetivos vejamos a forma como foi organizado o novo SPB para permitir a transferência consentida de riscos do BC aos participantes do mercado, e como as clearings foram estruturadas para garantir uma operacionalização ágil e flexível do novo modelo, com o máximo de segurança nas liquidações e na minimização dos riscos de inadimplência das contrapartes.

O projeto de constituição do novo SPB foi aprovado em reunião do BC de 30/06/99, fundamentado no estabelecimento de diretrizes que permitissem o melhor gerenciamento do risco sistêmico e tendo como pilar básico centralizador das operações a implantação de um sistema de transferência de grandes valores com liquidação bruta – operação por operação, em tempo real, internacionalmente conhecido como Real Time

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Gross System – RTGS, e aqui denominado de Sistema de Transferência de Reservas – STR –, criado e regulamentado pela Circular BC 3.100, de 28/03/02, e seu regulamento anexo.

A viabilização do STR teve como base de suporte conceitual e operacional a alteração do regime de monitoramento pelo BC, para o tempo real, ou seja, no momento de sua ocorrência, da conta de reservas bancárias das instituições financeiras autorizadas a possui-las. Para tanto, as diretrizes aprovadas, e sobre as quais se fundamentaram o relacionamento e a operacionalização entre o BC e as instituições financeiras monetárias – os bancos –, as clearings e todos os demais participantes do mercado no novo SPB foram as seguintes:

• a definição do papel do BC, incluindo: (i) a regulamentação da liquidação financeira da conta de reservas bancárias; (ii) as exigências operacionais aos seus titulares; (iii) as exigências operacionais às clearings autorizadas a operar; e (iv) o estabelecimento das regras de controle de riscos a serem seguidas no SPB.

• a redução do risco de crédito do BC, incluindo: (i) o monitoramento em tempo real do saldo da conta de reservas bancárias de cada instituição; (ii) o estabelecimento dos horários a serem seguidos no lançamento dos resultados financeiros obtidos nas diferentes clearings; e (iii) o estabelecimento de contratos com deveres e responsabilidades entre o BC, as instituições titulares de conta de reservas bancárias e as clearings autorizadas.

• a irrevogabilidade e incondicionalidade dos pagamentos – finality –, ou seja: (i) quando executadas através do STR e depois de lançadas na conta de reservas bancárias, as ordens de pagamento não poderão ser canceladas, ou seja, serão irrevogáveis e incondicionais; e (ii) quando as ordens forem compensadas por valores multilaterais líquidos, na liquidação financeira ao final do dia no BC, via clearings, terá a garantia de liquidação– certainty of settlement – e também não poderão ser canceladas, ou seja, serão irrevogáveis e incondicionais.

• o conhecimento pleno dos participantes do SPB em relação aos riscos associados aos sistemas em que operam, incluindo: (i) a definição dos riscos em operar no SPB; (ii) a explicitação de suas responsabilidades individuais e conjuntas perante eles; e (iii) os mecanismos de repartição de perdas, em caso de inadimplência de um dos participantes.

• a redução da defasagem entre a contratação das operações e a sua liquidação financeira, incluindo: (i) a introdução do STR, apoiado no monitoramento do saldo da conta de reservas bancárias em tempo real e nos princípios de finality e de certainty of settlement; e (ii) a própria ação conjunta do mercado na busca de sua eficiência operacional para a minimização dos riscos que lhe foram transferidos com o novo SPB.

• a estruturação de clearings com novos mecanismos de redução dos riscos e de contingência adequados, incluindo: (i) a sistemática de entrega contra pagamento – delivery versus payment – DVP; (ii) o estabelecimento de limites bilaterais pelos participantes e o estabelecimento de limites multilaterais pelas clearings, ambos monitorados em tempo real; (iii) as garantias fornecidas pelos

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participantes às clearings; (iv) as regras de repartição de perdas nos casos de inadimplência; e (v) as condições para a execução das garantias.

• a adoção de base legal adequada consolidada pela Lei 10.214, de 27/03/01, e que entrou em vigor de forma inicial em 22/04/02.

Na próxima matéria vamos dar continuidade ao tema.

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Eduardo Fortuna O Sistema de Pagamentos Brasileiro III 03/05/2006

O Sistema de Pagamentos Brasileiro III

Na matéria anterior demos continuidade ao aprofundamento do tema sobre o atual sistema de pagamentos brasileiro, mais conhecido em mercado como o novo SPB. Nessa matéria vamos dar continuidade ao tema.

As efetivas ações do BC para a viabilização das diretrizes que nortearam a criação do SPB, seja sob o enfoque específico das contas de reservas bancárias, ou sob o enfoque específico da constituição e estruturação dos sistemas de processamento e das câmaras de compensação – clearings –, foram e estão em funcionamento:

No tocante às contas de reservas bancárias

• Para evitar que o BC tenha que assumir o risco de falta de liquidez dos bancos comerciais ou múltiplos com carteira comercial (as instituições financeiras monetárias, ou seja, as que têm conta de reserva bancária junto ao BC), eles não podem, em hipótese alguma, e em nenhum momento do dia, ter saldo negativo em sua conta de reserva bancária.

• Como conseqüência, as instituições não podem mais sacar a descoberto de suas contas de reservas bancárias, pois a maior parte de suas movimentações passa a ser feita através de operações em tempo real, mediante a disponibilidade de recursos em reais ou em títulos públicos federais.

• As instituições detentoras da conta de reservas bancárias passaram a possuir a atividade do "Piloto de Reservas", representada pela ação de um profissional especializado, para garantir a permanente disponibilidade de recursos na conta de reservas bancárias e que, a cada momento, fosse capaz de honrar os compromissos do banco e de seus clientes.

• Todas as contas de reservas bancárias passaram a ser monitoradas pelo BC através do Sistema de Transferência de Reservas – STR –, seja em tempo real a cada operação, na modalidade conhecida como Liquidação Bruta em Tempo Real – LBTR –, ou seja pela compensação líquida de saldos, na modalidade conhecida como Liquidação Defasada Líquida – LDL.

• Foi estabelecido um sistema de prioridade de lançamento das movimentações nas contas de reservas bancárias, de forma a garantir velocidade, consistência e segurança do conjunto de operações.

• As instituições que necessitem garantir sua liquidez ao longo de um dia de operações, para fazer face ao seu fluxo de pagamentos, podem obter recursos em reais junto ao BC – pela operação de redesconto intradia – a custo zero, com o registro em tempo real do resultado financeiro na conta de reservas bancárias. Essa operação é viabilizada através da venda de títulos públicos federais de sua

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carteira, desde que o façam com o compromisso de recompra ao final desse mesmo dia – Repurchase Agreement – Repo. É o BC quem determina diariamente quais os títulos que devem ser aceitos como garantia nas operações de Repo.

• As operações de movimentação nas contas de reservas bancárias não podem ser canceladas, pois os lançamentos são finais, ou seja, irrevogáveis e irreversíveis. A correção de um valor lançado em uma operação errada exige uma operação inversa à anterior, para a restituição do valor erradamente lançado, pois apenas a instituição detentora de uma conta de reservas bancárias pode executar lançamentos a débito desta conta e a crédito de uma outra conta.

• Para poderem participar da compensação no SPB e contribuir para retirar a responsabilidade de risco do BC, cada um dos bancos participantes deve disponibilizar recursos em sua conta de reservas bancárias, ao início de cada dia, no momento da abertura das operações de movimentação, e que são utilizados ao longo de todo o dia. Os valores destes pré-depósitos – pre funding – são variáveis, pois devem ser compatíveis com a média histórica diária, para uma determinada janela de operações, de cada um dos bancos participantes. (Para efeito da avaliação da importância dessa medida e de sua comparação com os dias atuais, mencione-se que na implantação do SPB houve a necessidade de um pré-depósito global no entorno de R$ 6 bilhões).

Os grandes bancos, pela sua enorme disponibilidade de caixa, não tiveram grande dificuldade em cumprir estas ou outras quaisquer exigências, mas para as pequenas instituições, a implantação do SPB tornou-se um momento de reflexão sobre o custo de oportunidade de permanecerem com a sua carteira de banco comercial, pois o controle de liquidez se tornou uma variável crítica na gestão dos negócios bancários.

É importante observar, como veremos na continuidade dessa matéria, que os impactos diretos do SPB sobre as contas de reservas bancárias das instituições financeiras monetárias desdobraram-se em importantes inovações nos produtos bancários e na relação do banco com seus clientes, quer fossem pessoas físicas ou jurídicas.

O primeiro destes desdobramentos, tendo como fulcro o aumento das operações em tempo real, refere-se ao aspecto tecnológico que teve como base a implantação integrada de um sistema de processamento de ordens de transferência eletrônica de fundos e a criação, pelo setor privado, de uma rede de telecomunicações, exclusivamente dedicada ao sistema financeiro, abrangendo as instituições financeiras com conta de reservas bancárias, as instituições clearings e o BC com os seus sistemas – STR, Selic e outros. Este conjunto tecnológico, conhecido como Sistema de Mensageria – SM –, passou a permitir a movimentação de mensagens entre as instituições envolvidas no SPB, padronizadas e operadas por sistemas criados dentro de rígidos padrões de segurança e confiabilidade, definidos pelo BC.

O segundo destes desdobramentos exigiu a assunção dos riscos pelo setor privado, a partir da definição de regras mais rígidas de gerenciamento de riscos para as clearings privadas que foram constituídas ou reestruturadas, dentro da ordem jurídica definida pela Lei 10.214, que criou o SPB..

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Todas estas e outras inovações representaram custos, fossem tangíveis como os financeiros, ou intangíveis como os gerenciais e, como resultado, a instituição que não tivesse massa crítica, retaguarda financeira e competência no gerenciamento das mudanças, mais uma vez teria de repensar o seu negócio. Não é à toa que o processo de fusão e aquisição de bancos comerciais se acelerou nos últimos anos.

Na próxima matéria vamos dar continuidade ao tema, detalhando um pouco mais essas inovações e sua implementação.

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Eduardo Fortuna O Sistema de Pagamentos Brasileiro IV 09/05/2006

O Sistema de Pagamentos Brasileiro IV

Na matéria anterior, demos continuidade ao aprofundamento do tema sobre o SPB. começando a conhecer as efetivas ações tomadas pelo BC, sob o enfoque específico da constituição e estruturação dos sistemas e câmaras de compensação que deram suporte e viabilizaram o sucesso do SPB, quais sejam: o Sistema de Mensageria; o Sistema de Transferência de Reservas – STR; os diferentes sistemas de lançamento, em tempo real, do BC; e as várias câmaras de compensação privadas – clearings houses – para os lançamentos de valores líquidos defasados – netting – dos diferentes tipos de ativos liquidados dentro do novo SPB.

O Sistema de Mensageria

Toda a dinâmica do SPB foi fundamentada nos conceitos de processamento desse sistema.

A comunicação entre os diferentes sistemas do SPB, seja de débito ou de crédito de valores, ou de simples confirmação, somente pode ser feita através de uma das centenas de mensagens específicas, com protocolo padronizado, especialmente criadas para o atendimento de cada movimentação dentro do SPB.

Na sua essência, o Sistema de Mensageria demanda e processa todo o relacionamento entre as instituições financeiras e seus clientes, seja com o STR, com os sistemas de lançamento em tempo real do BC ou com as câmaras de compensação privadas. .

É importante que fique claramente entendido que, no SPB, o Sistema de Mensageria, à exceção dos lançamentos comandados em tempo real pelos sistemas proprietários do BC, segue o conceito de "comando de liquidação pelo devedor", no qual todos os pagamentos devem ser feitos a crédito de uma conta de reservas bancárias.

Dessa forma, as transferências de recursos das contas de reservas bancárias sempre serão comandadas pela instituição financeira devedora, a débito de sua conta de reserva bancária que, como já vimos, não poderá ficar negativa em nenhum momento, e a favor da conta de reserva bancária da instituição financeira credora do lançamento.

Tal fato aumenta a responsabilidade das instituições financeiras no tratamento das mensagens e no cumprimento dos horários para a concretização dos pagamentos, e, como conseqüência, a necessidade de uma maior competência no exercício da atividade bancária, dentro de um conceito de cooperação operacional integrada.

O Sistema de Transferência de Reservas – STR

O núcleo do SPB é o Sistema de Transferência de Reservas – STR –, pois é o único veículo para a movimentação das contas de reservas bancárias das instituições financeiras que estão autorizadas pelo BC a possuí-las e movimentá-las.

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Por esta razão, toda e qualquer movimentação de valores a débito ou crédito dessas contas, demandadas pelo Sistema de Mensageria – SM –, seja através das várias câmaras de compensação privadas, dos diferentes sistemas de lançamento do BC, ou do próprio STR, obrigatoriamente circula através do STR.

O STR tem como característica principal, quando do recebimento de mensagens de transferências na conta de reservas bancárias diretamente das instituições financeiras, ou a partir dos diversos sistemas de lançamento do BC, a adoção do sistema de liquidação bruta em tempo real – LBTR – operação a operação.

As transferências efetuadas diretamente pelas instituições financeiras no STR deveriam, obrigatoriamente, atender, no início da implantação do SPB em 22/04/02, às operações que envolvessem valores elevados (estipulou-se, por motivos precaucionais da Febraban, um valor inicial de R$ 5 milhões). Esses valores foram decrescendo à medida que o SPB se consolidava, estando atualmente em R$ 5 mil.

No caso específico das transferências de recursos originadas das câmaras de compensação privadas, há, ao longo do dia, um intervalo de tempo específico – janela de liquidação do STR – para a sensibilização imediata, pelo valor líquido especificado, das contas de reservas bancárias envolvidas.

Além disso, o STR só permite que uma transferência de recursos seja efetivada, independente da origem da mensagem, caso haja recursos disponíveis na conta de reservas bancárias da instituição financeira que estiver sendo debitada – instituição pagadora ou devedora.

Outra das grandes revoluções do SPB, via o STR, é a possibilidade de transferência em tempo real de valores entre contas correntes de bancos diferentes, independentes de sua localização geográfica, desde, é claro, que sejam respeitadas as exigências de disponibilidades de saldo na conta corrente do cliente debitado e também da disponibilidade de recursos na conta de reservas bancárias do banco sacado.

A utilização do STR é cobrada às instituições financeiras pelo número de mensagens processadas – enviadas ou recebidas –, sendo o encargo cobrado tanto do emissor quanto do recebedor. Há um desconto de 50% para as mensagens enviadas no intervalo de tempo entre 6:30 e 8:00 da manhã.

Na próxima matéria vamos dar continuidade ao tema.

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Eduardo Fortuna O Sistema de Pagamentos Brasileiro V 16/05/2006

O Sistema de Pagamentos Brasileiro V

Na matéria anterior começamos a conhecer as efetivas ações tomadas pelo BC, sob o enfoque específico da constituição e estruturação dos sistemas e câmaras de compensação que deram suporte e viabilizaram o sucesso do SPB. Nessa matéria vamos dar continuidade ao tema detalhando um pouco mais sobre esses sistemas.

Sistemas de Lançamentos em Tempo Real do BC

Neste grupo de sistemas que executam os lançamentos pelo método da liquidação bruta em tempo real – LBTR –, podemos classificar os seguintes sistemas: o Sistema Especial de Liquidação e Custódia – Selic; o Sistema de Depósitos Compulsórios; o Sistema de Redescontos; o Sistema do Tesouro Nacional; o Sistema do Meio Circulante; e o Sistema de Lançamentos Diversos – SLB.

Todos estes sistemas interagem com o SM, visto na matéria anterior, são comandados e monitorados pelo BC e sensibilizam as reservas bancárias das instituições financeiras autorizadas, sempre, através do STR.

Sistema Especial de Liquidação e Custódia – Selic

Ele passou a operar em tempo real com o STR e com as instituições financeiras, liquidando suas transações primárias e secundárias de títulos públicos federais e dos depósitos financeiros em reserva – DI Reserva –, uma a uma, em suas contas de reservas bancárias.

(Lembramos que, anteriormente, no sistema de pagamento em vigor até a implantação do novo SPB, as operações de compra e venda de títulos públicos federais realizadas no País eram registradas ao longo do dia no Selic, a partir das 7 horas da manhã, com a compensação de débitos e créditos ocorrendo ao final do dia, ou seja, os lançamentos utilizavam o método da liquidação financeira defasada líquida – LDL –, com liquidação final pelo valor líquido multilateral às 23 horas do mesmo dia da transação, fato esse que deixava o sistema financeiro sujeito ao risco sistêmico)

Mantém-se o mecanismo de entrega contra pagamento – DVP –, em que a transferência da custódia do título escritural do vendedor para o comprador está associada à mensagem de liquidação financeira específica. Mas no caso do novo SPB, a troca de custódia do título e o crédito de reservas são processados em tempo real.

Do lado do comprador, não é admitida a pendência financeira da liquidação, pois o Selic não permite que a operação seja concretizada, caso o comprador não disponha dos recursos necessários em sua conta de reservas bancárias, no momento do registro do negócio.

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Do lado do vendedor, será admitida a pendência da existência do título para a concretização da operação, caso o vendedor não disponha do título em custódia no momento do registro do negócio, mas pelo limite máximo de 30 minutos.

(Lembramos que, desta forma, o BC deixa de ficar exposto ao fato de uma instituição adquirir títulos de uma outra e não ter volume de reservas bancárias suficientes para honrá-los. Por outro lado, as instituições financeiras não ficam mais expostas à possibilidade de dormirem com dinheiro em caixa por adquirir títulos de uma outra que não os tenha para entregar (venda a descoberto).)

Sistema de Depósitos Compulsórios – RCO

O sistema então em vigor, após adaptação, passou a processar as informações que sensibilizam as contas de reservas de depósitos compulsórios – sobre depósitos à vista, depósitos a prazo, depósitos judiciais, depósitos especiais de garantias realizadas, depósitos de poupança, fiança bancária e operações de câmbio –, através de um conjunto de mensagens específicas RCO, do SM, e não mais do Sisbacen.

Sistema de Redescontos – RDI

O sistema então em vigor, após adaptação, passou a processar o Redesconto Intradia, especificamente criado para o SPB a custo zero, com a venda ao BC dos títulos públicos, da carteira própria ou financiada, da instituição demandante, com compromisso de recompra ao BC ao final do mesmo dia.

Sistema do Tesouro Nacional – STN

Este sistema cuida, essencialmente, dos repasses das arrecadações da Secretaria da Receita Federal – SRF – dos repasses das arrecadações do Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS – e dos demais pagamentos feitos diretamente ao STN, através de DARF e/ou GRPS.

Sistema do Meio Circulante – CIR

Este sistema substituiu as atuais funções do Sisbacen, como veículo de solicitações para as movimentações de saques e depósitos de numerário, entre as instituições financeiras – bancos comerciais, múltiplos com carteira comercial e caixas econômicas – e entre estas e o BC, por um conjunto de mensagens padronizadas e de horários rigorosamente programados do SM. Para habilitar-se a qualquer saque ou depósito de numerário, a instituição financeira deve ter inicialmente emitido uma mensagem de previsão semanal. A efetiva requisição de saque deve ser feita com 48 horas de antecedência no caso de o sacado ser o BB, e de 24 horas quando o sacado for o BC.

As mensagens do CIR são as primeiras a serem processadas na abertura do processamento diário de todo o conjunto de sistemas do SPB, às 6:30 da manhã.

Sistema de Lançamentos Diversos – SLB

Este sistema, além de executar a liquidação das operações entre as instituições financeiras com conta de reservas bancárias e as instituições financeiras autorizadas a

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operar pelo BC, mas que não disponham de conta de reservas bancárias, também processa os demais lançamentos diretamente efetuados pelo BC, tais como a cobrança de multas e tarifas.

Assim, todo o conjunto de sistemas de lançamento do BC, da mesma forma que o STR, já está sintonizado dentro do conceito de "quanto mais rápido for completada a transação, menor é o risco financeiro envolvido e menores são os custos de processamento envolvidos para os operadores".

O objetivo final de todo o SPB foi o de que toda e qualquer transação, fosse de pagamento ou recebimento ou fosse de compra ou venda, ocorresse de forma automática e em tempo real, com intervenção humana somente em casos especiais, dentro do moderno conceito internacional de processamento direto (Straight Trough Processing – STP).

Na próxima matéria vamos dar continuidade ao tema, aprendendo sobre as câmaras de compensação.

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Eduardo Fortuna O Sistema de Pagamentos Brasileiro VI 23/05/2006

O Sistema de Pagamentos Brasileiro VI

Nas matérias anteriores demos início ao conhecimento das efetivas ações tomadas pelo BC sob o enfoque específico da constituição e estruturação dos sistemas e câmaras de compensação que deram suporte e viabilizaram o atual sucesso do SPB. Nessa matéria vamos dar continuidade ao tema iniciando o detalhamento dessas câmaras de compensação – clearing houses.

Todas as câmaras foram estruturadas dentro do conceito de liquidar as operações que nelas transitam, através do Sistema de Liquidação de Valores Líquidos Defasados (Deferred Net Settlement – DNS) que, no SPB, passou a ser conhecido como Liquidação Defasada Líquida – LDL.

Operacionalmente, os lançamentos entre as instituições financeiras em cada uma das clearings são comandados pelo Sistema de Mensageria – SM -, e vão sendo registrados, ao longo do dia, para serem compensados por diferença ao final do dia em um valor único – netting –, para, então, sempre via Sistema de Transferência de Reservas – STR –, sensibilizar no confronto de créditos e débitos as contas de reservas bancárias das instituições financeiras autorizadas junto ao BC.

Em resumo, no novo SPB todas as clearings se caracterizam como entidades criadas para viabilizar as liquidações entre as instituições financeiras, na forma LDL, com acesso direto à conta de reservas bancárias das instituições no BC, sempre via STR.

Além disso, todas as clearings têm, entre outras funções, a responsabilidade de: liberar as operações; gerenciar os riscos envolvidos nas operações realizadas pelos participantes; e garantir as operações por elas autorizadas.

Fazem parte deste conjunto de clearings:

Como Clearing de Pagamentos:

• o Serviço de Compensação de Cheques e Outros Papéis do BB – Compe – para a liquidação de cheques e outros papéis de valor inferior a R$ 5 mil, ressalvando-se que especificamente, em seu caso, caso ela não garante as operações nela cursadas;

• a Câmara Interbancária de Pagamentos da Febraban – CIP –, para a liquidação de cheques e outros papéis de valor igual ou superior a R$ 5 mil;

• a Câmara de Compensação da Tecban, para a liquidação dos cartões de débito e ordens de crédito; e

• as Câmaras de Compensação da Visanet e da Redecard, para a liquidação dos cartões de débito e dos cartões de crédito.

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Como Clearing de Ativos (concorrendo, entre elas, para a liquidação das operações com os títulos de renda fixa privados e públicos e os títulos de renda variável):

• a Câmara de Liquidação e Custódia – Cetip, ressalvando-se que especificamente em seu caso ela não garante as operações nela cursadas.

• a Clearing de Ativos da BM&F, criada a partir da aquisição dos direitos de clearing à CBLC pela BM&F e consolidada com a aquisição do Sisbex à BVRJ e que começou a operar, após a implantação do SPB, em 05/2004.

Como Clearing de Câmbio, a Clearing de Câmbio da BM&F e como Clearing de Derivativos a Clearing de Derivativos da BM&F.

Não custa relembrar que a liquidação e a custódia dos títulos públicos federais e dos depósitos interfinanceiros feitos através de reservas bancárias pelas instituições financeiras autorizadas a operar pelo BC – o DI Reserva –, continuam sendo feitas pelo Selic, mas, agora, em tempo real, sempre via STR.

Todas essas clearings têm de ter um patrimônio segregado, dentro do conceito de patrimônio de afetação, instituído no direito brasileiro pela Lei 10.214, de 27/03/01. Com este instrumento, elas podem operar com segurança jurídica, permitindo que os riscos de quaisquer medidas de caráter judicial deixem de afetar os recursos que por elas transitam.

Assim, os recursos dos clientes que por elas transitam não se "comunicam" juridicamente com os demais bens da clearing. Como exemplo, as clearings de Ativos, de Câmbio e de Derivativos são, todas elas, de responsabilidade da BM&F, mas seus patrimônios são separados entre si.

Para garantir as transações e minimizar seu risco, todas as operações cursadas nas clearings são feitas dentro do conceito de entrega contra pagamento (Delivery Versus Payment – DVP), ou seja, elas sempre estão agindo como contraparte garantidora, seja dos ativos seja dos recursos financeiros nelas cursados.

Nos casos de inadimplência, elas acionam os mecanismos de salvaguarda criados para garantir o pagamento dos recursos ou a entrega dos ativos aos credores e, posteriormente, assumem a execução das ações de cobrança sobre os devedores.

Fica claro que, para assumirem a garantia das operações nelas cursadas, as clearings são extremamente rígidas quanto aos lançamentos recebidos das instituições financeiras, exigindo-os, dessa forma, como sendo irrevogáveis e irreversíveis, e transferindo, assim, uma enorme responsabilidade de risco para as instituições financeiras geradoras das transações.

A mensagem é muito clara: "Façam certo, ou paguem pelos seus erros".

As instituições financeiras, por sua vez, para não se tornarem a parte penalizada em assumir o risco de todo o processo, naturalmente, têm de ser extremamente cautelosas, criteriosas e seletivas em relação às operações com seus clientes e, dessa forma, fecham

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o ciclo para o aumento da segurança operacional contra os riscos de inadimplência de todo o sistema, objetivo final do SPB.

Na próxima matéria vamos detalhar a atuação dessas clearings.

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Eduardo Fortuna O Sistema de Pagamentos Brasileiro VII 30/05/2006

O Sistema de Pagamentos Brasileiro VII

Na matéria anterior demos início ao detalhamento resumido das câmaras de compensação – clearings –, que dão suporte ao SPB. Nessa matéria vamos dar continuidade ao tema.

O Serviço de Compensação de Cheques e Outros Papéis do BB – Compe

A Compe sempre foi altamente eficiente no processamento de uma enorme quantidade de operações mas não tem qualquer instrumento de gerenciamento de riscos para transações de alto valor, tais como a exigência de garantias e o estabelecimento de limites operacionais por instituição.

Uma clearing de varejo deve ter seu foco no custo da transação, enquanto que uma clearing de altos valores deve ter o seu foco no gerenciamento dos riscos. Daí a importância de separar estes dois conceitos de processamento, dentro do novo SPB.

A liquidação de suas operações continua sendo feita, dentro do conceito LDL, no dia seguinte ao da compensação – D + 1 –, para cheques de valor igual ou superior a R$ 300,00, e em D + 2, para os cheques de menor valor.

Um cheque, eventualmente sem fundos, é devolvido dentro do SPB, da mesma forma que o era antes do SPB.

Na fase inicial do SPB, foram desestimuladas as operações de valor superior a R$ 5 mil via Compe, de forma que as instituições financeiras, via tarifas mais caras ou outros mecanismos indutores, incentivassem seus clientes a realizarem suas operações de valores altos com instrumentos eletrônicos mais seguros, fosse através da CIP ou, então, diretamente via STR.

Para induzir os bancos a promoverem a migração, evitando operar valores superiores àquele, foi utilizado um mecanismo de exigência crescente de recursos tais como os pré-depósitos diários das instituições financeiras na Compe, de forma que, a partir de janeiro de 2003, ficou financeiramente inviável operar valores elevados via Compe.

A Compe não pode ser considerada como uma nova clearing do SPB, pois não incorpora o conceito de uma câmara de compensação sistematicamente importante, por não ter os mecanismos de segurança por ela exigida. A tendência de longo prazo parece ser a de extinção de suas funções.

Como exemplo, desde 18/02/04, os Documentos de Ordem de Crédito – DOC – não circulam mais pela Compe, pois passaram a ser compensados pela CIP, sendo que os DOC de valor superior a R$ 5 mil, necessariamente, deixaram de existir, substituídos que foram pela Transferência Eletrônica Disponível – TED.

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A Câmara Interbancária de Pagamentos da Febraban – CIP

Esta câmara foi criada para permitir a liquidação pelo sistema LDL, no mesmo dia – D zero –, das operações interbancárias e entre clientes, nos casos de cheques e outros papéis de valor elevado, inicialmente, igual ou superior a R$ 5 mil.

Os cheques e os DOC de valor superior a R$ 5 mil representavam, em 01/03/02, apenas 2% dos 216 milhões de documentos compensados a cada mês, mas já representavam àquela época mais de 80% do valor mensalmente movimentado.

Na CIP também existe o conceito de pré-depósito ou pré-funding, mas, nesse caso, sem o caráter punitivo e, sim, como uma estratégia para reduzir a necessidade de movimentação da conta de reservas bancárias das instituições financeiras autorizadas, ao longo do dia.

Diferentemente da Compe, a CIP tem todos os mecanismos de segurança que garantam a liquidação das transações efetuadas por seu intermédio, tais como limites de movimentação por instituição e depósitos de garantias pelas instituições usuárias, podendo, assim, ser considerada como uma câmara de compensação sistematicamente importante, dentro dos critérios exigidos pelo SPB.

A CIP, da mesma forma que o STR, só aceita pagamentos por meio eletrônico, ou seja, por meio de uma Transferência Eletrônica Disponível – TED –, que nada mais é do que um DOC Eletrônico em tempo real.

A CIP da Febraban é operacionalizada pela Cetip.

A Câmara de Compensação da Tecban

É a câmara de compensação eletrônica utilizada para a liquidação dos cartões de débito, também conhecidos como cheque eletrônico, e que foi incluída dentro do processamento do SPB.

Embora a prioridade inicial do novo SPB fosse a transferência em tempo real, ou em D zero, dos valores mais altos, a existência da Tecban, empresa controlada por 11 bancos que já administrava o serviço de cheque eletrônico de cerca de 40 instituições financeiras de grande porte, adaptou-se naturalmente como uma câmara de compensação para as operações de varejo.

Seu funcionamento é semelhante ao das novas clearings do SPB, embora sem o conceito de contraparte garantidora, mas incluindo os conceitos de LDL, pré-depósito, limites por instituição e aporte de garantias, mas diferentemente das demais clearings, suas operações acontecem durante todos os dias do ano e não só nos dias úteis como nas demais.

As transações com cartão de débito, que hoje são compensadas da mesma forma que os cheques na Compe, com o novo SPB, podem ser liquidadas no mesmo dia, pois as operações nela cursadas não precisam passar pela CIP e podem ser diretamente enviadas ao STR, agilizando o fluxo de caixa das partes credoras, visto que se trata de pagamento

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contra saldo efetivamente disponível. Para tanto, basta que sejam processadas até as 15 horas do mesmo dia, caso contrário, só serão liquidadas no dia seguinte.

Na próxima matéria vamos encerrar o tema.

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Eduardo Fortuna O Sistema de Pagamentos Brasileiro VIII 06/06/2006

O Sistema de Pagamentos Brasileiro VIII

Na matéria anterior continuamos o detalhamento resumido das câmaras de compensação – clearings –, que dão suporte ao SPB. Nessa matéria vamos dar continuidade ao tema.

As Câmaras de Compensação da Visanet e da Redecard

São as câmaras de compensação eletrônicas utilizadas nas compras que fazemos com os nossos cartões de crédito e de débito, e que foram aprovadas pelo BC, para serem utilizadas dentro do processamento do SPB.

Embora a prioridade inicial do novo SPB fosse a transferência em tempo real, ou em D zero, dos valores mais altos, da mesma forma que no caso da Tecban, as redes da Visanet e da Redecard, consolidadas no processamento dos cartões vinculados às suas respectivas bandeiras, adaptaram-se naturalmente como uma câmara de compensação para as operações de varejo do SPB. Seu funcionamento é semelhante ao das novas clearings do SPB, embora sem o conceito de contraparte garantidora, mas, incluindo os conceitos de LDL, pré-depósito, limites por instituição e aporte de garantias. Da mesma forma que a rede da Tecban, suas operações acontecem durante todos os dias do ano e não só nos dias úteis como nas demais clearings.

Em resumo, e para uma melhor compreensão de todo esse processo, a implantação do novo SPB permitiu que a liquidação financeira dos pagamentos feitos através do sistema financeiro possa ser feita dentro de três formas, a saber:

• Liquidação pelo valor Bruto em Tempo Real – LBTR –, operação por operação, em tempo real, diretamente através do STR do BC. Esse tipo de liquidação só será efetivado se houver fundos disponíveis para tal;

• Liquidação Defasada pelo valor Líquido – LDL –, pelo valor líquido compensado entre as partes envolvidas, em horários predeterminados ao longo do mesmo dia, através da CIP ou da Tecban. Este tipo de liquidação permite instruir a transferência sem a existência de fundos disponíveis para tal, mas que estará disponível até o final do dia; e

• Liquidação Compe, pelo valor líquido da mesma forma como hoje é feita, no dia seguinte ou no segundo dia seguinte, através da Compe. Este tipo de liquidação é desestimulado para valores iguais ou superiores a R$ 5 mil.

A escolha da forma de pagamento é uma decisão do cliente, em função das taxas e condições oferecidas pela instituição financeira que a executa e com a qual ele está realizando a transação.

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O conceito do LDL simplifica o processo operacional e reduz a necessidade do comprometimento prévio de um maior volume de reservas bancárias disponíveis para atender às liquidações, como ocorre no caso de utilização do conceito LBTR.

Para exemplificar o conceito LDL, ou netting, baseado no resultado líquido:

Suponha que uma instituição financeira tenha comprado R$ 1 milhão e vendido R$

1,5 milhão em ativos ao longo de um dia. O resultado líquido de suas operações, ou

seja, R$ 0,5 milhão, é que sensibilizará, via STR, a sua conta de reservas bancárias

junto ao BC.

O crédito ou o débito na conta de reservas bancárias ocorre durante a janela de liquidação que cada clearing, que trabalha no conceito LDL, tem no STR, ou seja, o prazo para lançar os resultados líquidos de todas as suas operações.

A Central de Custódia e Liquidação – Cetip, no SPB

A Central de Títulos Públicos e Privados – Cetip –, que era a sua denominação antes do SPB, registrava e negociava títulos públicos e privados de renda fixa, títulos de renda variável, derivativos e outros ativos nela registrados. A liquidação na Cetip sempre foi feita dentro do conceito LDL, através dos bancos liquidantes, sem garantia.

No SPB, passou a funcionar como uma clearing não garantidora, para o registro das operações no mercado.

Assim, para o SPB, a Cetip foi adaptada para a liquidação das operações anteriormente já realizadas com os ativos que, quando registrados na Cetip, a tivessem escolhido como clearing não garantidora de suas transações em mercado primário e secundário. A liquidação na Cetip pode ocorrer em LBTR, operação por operação, no caso dos participantes serem clientes do mesmo banco liquidante, e no conceito LDL, nos demais casos, com liquidação em D zero ou D + 1, de acordo com as partes envolvidas e o tipo da operação que esteja sendo efetuada.

Com o SPB, o Sistema Financeiro da Bolsa, que anteriormente fazia a liquidação por valores líquidos de negócios da Bovespa e da BM&F, na própria Cetip (incluindo os negócios entre os fundos de pensão, as seguradoras e as pessoas jurídicas não-financeiras e suas corretoras e essas corretoras e os membros de compensação) acabou, e a liquidação de operações entre os grandes clientes e as corretoras e entre essas e os membros de compensação, no Bovespa e na BM&F, passou a ser feita por meio de TED, pelos seus valores brutos.

Para se caracterizar como uma verdadeira clearing do SPB, a Cetip teria de operar com depósito prévio e limite de operações por instituição. Assim, ela disporia de um sistema de salvaguardas, na forma das garantias individuais dos seus membros de compensação e na forma mutualizada de um Fundo Garantidor de Liquidações, independente da garantia maior dada pela própria Cetip.

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Eduardo Fortuna O Sistema de Pagamentos Brasileiro IX 13/06/2006

O Sistema de Pagamentos Brasileiro IX

Na matéria anterior continuamos o detalhamento resumido das câmaras de compensação – clearings –, que dão suporte ao SPB. Nessa matéria vamos encerrar o tema.

A Clearing de Ativos da BM&F

A CBLC, originalmente a clearing da Bovespa (mercado de ações), do Soma (mercado de balcão organizado) e da Sisbex (mercado eletrônico de títulos públicos federais e câmbio), deveria adaptar-se a todas as exigências do SPB para concorrer com a Central da Cetip na liquidação garantida das operações com títulos públicos e privados de renda fixa, títulos de renda variável, derivativos e outros ativos.

A CBLC também concorreria com o Selic, através do Sisbex, na liquidação dos títulos públicos federais, embora diferentemente do Selic, que processa a liquidação no conceito de LBTR, pois no Sisbex a liquidação é processada dentro do conceito LDL.

Por esta razão, funcionaria como uma alternativa interessante para as instituições que fossem operar com títulos público federais, mas não dispusessem de reservas imediatamente disponíveis como exigíveis pelo Selic.

No caso específico da CBLC, como ela já dispunha de uma rede de mensageria própria, esta rede concorreria com o Sistema de Mensageria criado dentro do SPB, no tráfego de suas mensagens. Caracterizar-se-ia, assim, claramente como uma nova clearing do SPB, com depósito prévio e limite de operações por instituição.

Entretanto, a CBLC cedeu os direitos de gestão e operacionalização da câmara de liquidação e de compensação de operações com títulos públicos, títulos de renda fixa e ativos emitidos por instituições financeiras para a Bolsa de Mercadorias e Futuros –BM&F –, para a implantação da Clearing de Ativos da BM&F para prestar esses mesmos serviços. Com esse objetivo, a BM&F adquiriu o controle da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – BVRJ –, adquirindo, também, o sistema de registro e de negociação Sisbex e dessa forma completou os requisitos necessários para a formação de sua clearing de ativos.

A Clearing de Câmbio da BM&F

Ela foi criada para atuar como a contraparte exclusiva de todas as operações interbancárias de câmbio, contratadas por seus participantes e aprovadas pelos seus sistemas, garantindo aos participantes a eliminação do risco de principal no processo de liquidação.

Para tanto, funciona no princípio de pagamento contra pagamento por valores líquidos compensados, em, no máximo, dois dias úteis, contados da data da contratação da operação, dentro do conceito de LDL. A clearing possui uma conta de liquidação em

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reais junto ao BC e contas em moeda estrangeira em bancos de primeira linha no exterior

As instituições devedoras e credoras em moeda nacional, respectivamente, pagam e recebem diretamente em suas contas de reservas bancárias, tendo como contrapartida a conta da clearing no BC.

As instituições devedoras e credoras em moeda estrangeira, respectivamente, pagam e recebem diretamente na conta do banco correspondente no exterior, indicado como contrapartida pela clearing, sob a supervisão do BC.

Todas essas movimentações financeiras, em moeda nacional e estrangeira, ocorrem dentro da mesma janela de liquidação do STR, definida pelo BC.

A variação diária da taxa de câmbio, entre o período de contratação e de liquidação da operação, é garantida pelos bancos participantes, mediante o depósito prévio de garantias, de acordo com os índices de variação e a taxa média de abertura do câmbio, fixados pela clearing, a partir de modelos de estimativa de volatilidade do câmbio (value at risk) e de análise de cenários de mercado (stress test).

Caracteriza-se como uma nova clearing do SPB, exigindo depósito prévio e limite de operações por instituição.

A Clearing de Derivativos da BM&F

Na BM&F, os serviços de clearing das suas operações eram prestados por um departamento interno da Diretoria de Liquidação e Custódia – DLC –, que se responsabilizava pelo registro das operações e controle das posições, pela compensação dos ajustes diários, pela liquidação física e financeira dos negócios e pela administração das garantias e dos riscos das posições em geral.

Esses serviços eram prestados aos usuários ou clientes diretos da BM&F, quais sejam: os Membros de Compensação – MC (os garantidores das operações perante a BM&F) – e seus garantidos – as corretoras de mercadorias e os operadores especiais. A liquidação das suas operações era feita pelo conceito de valor multilateral líquido em nível dos MC, ou seja, dentro do conceito LDL.

A Clearing de Derivativos foi criada a partir da adaptação da DLC ao conceito do BC, como uma câmara de compensação sistematicamente importante, e da liquidação financeira de suas operações, via STR, na conta de reservas bancárias dos MC.

Assim, pelo fato de alguns dos atuais MC autorizados pela BM&F não terem contas de reservas bancárias (caso das corretoras de valores, distribuidoras de valores ou bancos de investimento), estes terão de indicar um banco comercial ou banco múltiplo com carteira comercial que atue como banco liquidante das operações.

A liquidação financeira das operações, salvo quando especificado em contrário, continua sendo feita em D + 1, via STR, ocorrendo todas dentro de um mesmo intervalo de tempo específico – "janela de liquidação" –, definida pelo BC.

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As garantias nesta clearing são definidas em função das carteiras dos participantes, pois para cada tipo de ativo, e dependendo das características do contrato – futuro de câmbio, Ibovespa, juros, cupom cambial –, existe uma margem de risco estabelecida e atualizada. Um sistema automatizado de movimentação de garantias e um monitoramento constante da cadeia de liquidação financeira são dois mecanismos fundamentais ao sucesso de uma clearing de derivativos. A gestão do risco é feita em tempo real, para qualquer tipo de ativo negociado na BM&F, com disponibilidade de dados referentes à posição, ao financeiro e à alavancagem de cada cliente, ou agregado em nível de corretora de mercadorias, operador especial ou MC.

Na próxima matéria vamos iniciar um outro tema.