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Sistema Penal & Violência Revista Eletrônica da Faculdade de Direito Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS ISSN 2177-6784 Porto Alegre Volume 5 – Número 2 – p. 350-353 – julho/dezembro 2013 Os conteúdos deste periódico de acesso aberto estão licenciados sob os termos da Licença Creave Commons Atribuição-UsoNãoComercial-ObrasDerivadasProibidas 3.0 Unported. RESENHA Lições para o controle da corrupção no Brasil Lessons for the control of corruption in Brazil LUCIANO VAZ FERREIRA DOSSIÊ PENSAMENTO POLÍTICO E CRIMINOLÓGICO Editor-Chefe JOSÉ CARLOS MOREIRA DA SILVA FILHO Organização de RICARDO JACOBSEN GLOECKNER JOSÉ CARLOS MOREIRA DA SILVA FILHO

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  • Sistema Penal & Violncia

    Revista Eletrnica da Faculdade de Direito Programa de Ps-Graduao em Cincias Criminais

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul PUCRS

    ISSN 2177-6784

    Porto Alegre Volume 5 Nmero 2 p. 350-353 julho/dezembro 2013

    Os contedos deste peridico de acesso aberto esto licenciados sob os termos da Licena Creative Commons Atribuio-UsoNoComercial-ObrasDerivadasProibidas 3.0 Unported.

    Resenha

    Lies para o controle da corrupo no Brasil

    Lessons for the control of corruption in Brazil

    Luciano Vaz Ferreira

    DossiPENSAMENTO POLTICO E CRIMINOLGICO

    Editor-Chefe Jos Carlos Moreira da silva Filho

    Organizao deriCardo JaCobsen GloeCkner

    Jos Carlos Moreira da silva Filho

  • Sistema Penal & Violncia, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 350-353, jul./dez. 2013 351

    Resenha / Review

    Lies para o controle da corrupo no BrasilLessons for the control of corruption in Brazil

    Luciano Vaz Ferreiraa

    resenha de:

    KLITGAARD, Robert. A corrupo sob controle. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

    De tempos em tempos, um novo escndalo de corrupo noticiado pela mdia brasileira. O tema volta a fazer parte das discusses e a sociedade expressa a sua revolta. Pouco tempo depois, os fatos caem no esquecimento e perde-se mais uma vez a oportunidade de uma efetiva reforma das instituies brasileiras. Neste contexto, a academia jurdica geralmente silencia, usando como escudo uma interpretao muito particular e distorcida da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, ao afirmar que no cabe ao jurista imiscuir-se em

    assuntos de contedo poltico. fcil identificar este crculo vicioso, o difcil romp-lo. De acordo com a pesquisa Barmetro

    Global da Corrupo 2013 (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2013), 70% dos brasileiros entrevistados acreditam que a corrupo um srio problema para o pas. Ainda, 81% responderam que os partidos polticos so extremamente corruptos. De modo geral, sabe-se que a proliferao da corrupo conduz a consequncias

    nefastas, como desperdcio de dinheiro pblico, direcionamento de recursos para atividades improdutivas, aumento das desigualdades sociais e instabilidade no regime poltico (KLITGAARD, 1994, p. 55-63). Apesar do interesse e da reconhecida importncia do tema, a corrupo no tem sido tratada com frequncia no meio

    acadmico, visto que a produo cientfica na rea escassa. De um lado tem-se a percepo popular que v

    o controle da corrupo como fundamental para o desenvolvimento da sociedade brasileira, de outro, tem-se uma academia inerte, que pouco contribui intelectualmente no aperfeioamento dos mecanismos de controle do fenmeno. Neste cenrio, faz-se necessria a apresentao de uma obra clssica sobre o tema, A Corrupo

    sob Controle (Controlling Corruption) de Robert Klitgaard, de modo a introduzi-la a novos leitores. Apesar de no se tratar de uma obra jurdica, seus ensinamentos e discusses apresentadas podem ser teis para novas pesquisas fundamentadas na cincia do direito que possuem como objetivo enfrentar o problema da corrupo.

    Klitgaard considerado como um dos maiores especialistas em corrupo no mundo. Doutor em Polticas Pblicas pela Universidade de Harvard, j lecionou em diversas faculdades, nos Estados Unidos (Yale e Harvard), Paquisto (Karachi) e frica do Sul (Natal). O ponto que mais impressiona em sua biografia sua

    carreira como consultor em polticas pblicas, desenvolvida no assessoramento a vrios governos de pases em desenvolvimento e organizaes internacionais.

    a Doutorando em Estudos Estratgicos Internacionais (UFRGS), Mestre em Direito (UNISINOS), Bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais (PUCRS). Assessor Jurdico da Secretaria da Justia e dos Direitos Humanos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Pesquisador da American University (Washington, DC). Professor de Direito Internacional.

  • Resenha: Lies para o controle da corrupo no Brasil Ferreira L. V.

    Sistema Penal & Violncia, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 350-353, jul./dez. 2013 352

    Um dos principais desafios enfrentados pelo autor reside na superao de alguns mitos que envolvem

    o fenmeno da corrupo. um erro frequente limitar geograficamente e temporalmente o problema. Para

    quem defende esta tese, a corrupo um mal que corri exclusivamente os pases subdesenvolvidos e de democracia jovem, que estariam fadados a sofrerem cada vez mais com esta prtica. Klitgaard refuta este argumento, apontando que a corrupo um fenmeno antigo, com manifestaes em vrias civilizaes ao

    longo da histria (KLITGAARD, 1994, p. 24; p. 27). No sculo IV a.C., o analista poltica indiano Kautilya

    classificou quarenta formas de corrupo dos servidores pblicos e explicou como um sistema de fiscalizao

    aleatria seguido de punies e recompensas pode prevenir essas atividades (SEN, 2010, p. 351). Durante o medievo e na era moderna a venda de cargos eclesisticos e pblicos era comum na Europa (KLITGAARD, 1998, p. 24). Dante Alighieri, em sua obra em sua obra Divina Comdia colocou a alma dos corruptos para sofrerem eternamente no oitavo crculo do inferno, fato que demonstra o repdio corrupo em sua poca (TANZI, 1998, p. 559). No se pode esquecer que os votos que garantiram a abolio da escravido nos Estados Unidos foram supostamente obtidos por suborno. Sendo assim, o autor defende que pases como o Brasil, ao invs contentarem-se com explicaes fatalistas baseadas em um suposto determinismo cultural,

    devem estudar as experincias de controle da corrupo que j foram testadas, com objetivo de desenvolver

    suas prprias polticas pblicas sobre o tema. Esta fuso entre os conhecimentos tericos e prticos o principal atrativo da obra em anlise. Em

    sua estrutura, so intercaladas, ao longo dos 8 captulos distribudos em 262 pginas, anlises de casos reais e construes tericas inspiradas. Quanto ao pblico alvo, o autor deixa claro, desde o incio, que seu trabalho direcionado para os gestores pblicos oriundos de pases em desenvolvimento (KLITGAARD, 1994, p. 18). Sendo assim, o livro serve como um interessante manual de apresentao das principais estratgias de controle da corrupo, com comentrios sobre iniciativas de sucesso. Diferentes situaes envolvendo prticas corruptas fazem parte dos relatos, apontando-se os principais desafios enfrentados e as solues encontradas

    na implementao de polticas anticorrupo em um determinado pas. Os casos tratados dizem respeito reestruturao da fiscalizao tributria nas Filipinas, a criao de um rgo anticorrupo em Hong Kong, a

    represso do suborno nas reparties aduaneiras em Singapura, o combate s fraudes nas licitaes na Coreia do Sul e o controle da corrupo em um departamento de distribuio de alimentos em um pas fictcio.

    A partir destes casos, Klitgaard extrai algumas concluses importantes. Para o autor, o problema da corrupo no advm de uma suposta imoralidade dos indivduos e que s poderia ser superada atravs de uma poltica de educao moral a ser aplicada em sucessivas geraes (KLITGAARD, 1994, p. 12). A corrupo simplesmente existe por que esto presentes incentivos para a prtica. A partir desta proposta, possvel abordar o problema inspirado no raciocnio econmico, representado pela suposio de que os agentes envolvidos

    em um esquema de corrupo realizam clculos de custos e benefcios na definio de suas condutas. Como

    uma mudana de conscincia moral algo utpico (imagine superar o famoso jeitinho brasileiro), a sada

    residiria na reforma das instituies, que passariam a sustentar um sistema de dissuaso e incentivos capaz de desestimular o uso da corrupo. A corrupo deixa de ser uma questo moral e passa a ser um problema de poltica pblica (KLITGAARD, 1994, p. 13).

    Um dos pontos mais importantes do pensamento de Klitgaard a construo do modelo dirigente-agente-cliente para o estudo da corrupo e formulao de polticas de controle. Em linhas gerais, o dirigente pode ser representado pelo oficial de hierarquia superior na administrao pblica; o agente como o funcionrio

    subalterno responsvel por manter o contato com o cliente; e o cliente como o setor privado. Um dirigente responsvel por implementar uma estratgia anticorrupo deve saber que o agente, apesar de integrante da estrutura estatal, faz seus prprios clculos com o objetivo de mensurar os lucros de aceitar um suborno

  • Resenha: Lies para o controle da corrupo no Brasil Ferreira L. V.

    Sistema Penal & Violncia, Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 350-353, jul./dez. 2013 353

    (KLITGAARD, 1994, p. 39) e os possveis custos de ser identificado e punido. Da mesma maneira, o cliente

    ser compelido a tentar corromper o agente pblico com o objetivo de obter benefcios ou afastar custos, desde que no seja capaz de vislumbrar a possibilidade de punio (KLITGAARD, 1994, p. 85). Cabe ao Estado introduzir desvantagens para as prticas corruptas, de modo a diminuir a sua ocorrncia.

    Fica claro na leitura da obra de Klitgaard que a corrupo no deve ser um assunto exclusivamente de direito penal. A certeza da punio pode at funcionar como um mecanismo dissuasrio, mas incompleto. Iniciativas de carter preventivo devem possuir destaque, como a correta seleo de servidores pblicos qualificados, o investimento em sistemas de informao com o objetivo de detectar prticas potencialmente

    corruptas e a promoo de polticas de transparncia governamental (KLITGAARD, 1994, p. 109).

    recomendada a criao de uma agncia estatal anticorrupo com a atribuio de administrar as estratgias

    de controle de fenmeno, modelo testado em Hong Kong (Independent Comission Against Corruption) e reproduzido com sucesso em vrios pases. Nos ltimos anos, o Brasil tem implementado algumas destas

    experincias: criou a Controladoria Geral da Unio (CGU), rgo anticorrupo na esfera federal e promulgou

    a legislao de transparncia pblica, que divulga os gastos pblicos e remunerao dos servidores, com o

    objetivo de auxiliar a fiscalizao das prticas corruptas.

    Tradicionalmente, costuma-se direcionar as polticas anticorrupo apenas figura do agente, o

    funcionrio pblico. Tomando por base os ensinamentos de Klitgaard manifestados no livro, entende-se ser necessrio o desenvolvimento de mecanismos voltados ao cliente da relao corrupta. A abordagem visa desestimular a vinculao de empresas a esquemas de corrupo, que atuam como financiadoras das

    fraudes. Com a diminuio de ingresso de recursos financeiros, os ganhos ilcitos dos agentes corruptos

    so prejudicados, situao que pode acarretar a diminuio da corrupo. Recentemente, o governo brasileiro alinhou-se a esta estratgia. Uma das primeiras medidas foi a criao do cadastro nacional de empresas inidneas e suspensas, um banco de dados governamental que busca catalogar as empresas envolvidas

    com corrupo de modo a impedi-las de participarem de licitaes em todo territrio nacional. Em 2013, foi promulgada uma lei que promete reforar o controle da corrupo direcionado s empresas. A Lei n 12.846/2013 prev multa administrativa de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa acusada de participar em esquemas

    de corrupo. H a possibilidade de publicao da sentena condenatria em meios de comunicao, o que indubitavelmente afeta a imagem da empresa. Encontram-se previstas, tambm, duras medidas judiciais que implicam suspenso parcial das atividades empresrias e dissoluo compulsria.

    Como pode ser observado a partir das consideraes feitas, apesar de o livro ter sido escrito em 1988 (lanado no Brasil em 1994) sua temtica surpreendentemente atual. Suas propostas de estratgias

    anticorrupo podem ser de grande utilidade para o contexto brasileiro, tornando-se leitura obrigatria para os gestores de polticas pblicas. Ainda que no tenha sido aparentemente proposital, interessante constatar que vrias medidas anticorrupo discutidas por Klitgaard tm sido objeto de implementao no Brasil nos ltimos

    anos, o que refora a importncia da obra. Infelizmente, o livro encontra-se esgotado no Brasil. Sugere-se que

    seja realizada uma reedio no futuro, para que continue contribuindo para o cenrio nacional.

    RefernciasSEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. So Paulo: Companhia das letras, 2010.TANZI, Vito. Corruption Around the World: Causes, Consequences, Scope and Cures. IMF Staff Papers, Washington, v. 45, n. 4, p. 559-594, 1998.

    TRANSPARENCY INTERNATIONAL. Global Corruption Barometer: Brazil Disponvel em: . Acesso em: 21.09.2013.