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Disciplina /41059 Sociologia da Famlia I

41059 Sociologia da Famlia I

Autor: SebentaUA, apontamentos pessoais E-mail: [email protected] Data: 2007/08 Livro: Leandro, Maria Engrcia (2001) "Sociologia da Famlia nas Sociedades Contemporneas", Lisboa, Universidade Aberta, (at pgina 186) Caderno de Apoio: Nota: Apontamentos efectuados para o exame da disciplina no ano lectivo 2007/2008

O autor no pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento no pretende substituir o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questo.SebenteUA apontamentos

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SOCIOLOGIA DA FAMILIA I1 A emergncia do pensamento sociolgico acerca da famlia1-1 A famlia nas cincias 1.1.1 Perspectiva interdisciplinar No interior da Cincias Sociais com particular destaque para os ltimos dois sculos, o estudo da famlia comum a Vrias disciplinas, designadamente, a histria, a antropologia, a demografia, o direito, a sociologia, a psicologia, a psicanlise e as cincias politicas. Mas sobretudo a historiografia alem, apoiada nos estudos jurdicos, lingusticos, mitolgicos e arqueolgicos e sempre preocupada com a questo das origens dos povos e dos estados da nao alem que, para alm de exercer uma influncia notvel, a este propsito, consegue recuar aos sculos obscuros. Por sua vez, a demografia histrica preocupa-se mais com o desenvolvimento das estruturas demogrficas da famlia, isto , com a evoluo das construes humanas a partir dos agentes, ligados em cadeia genealogia e tambm atravs das polticas dos casamentos. Importa, todavia, referir que esta viso socio-historica evolucionista sobre a famlia s comea a sofrer algum abalo por volta dos anos vinte deste sculo com os trabalhos de A Radcliffe-Brown (1942) que, sendo antroplogo, no deixou de se interessar pela dimenso histrica do fenmeno. 1.1.2 A famlia objecto de pensamento social e cientifico Socorrendo-se da perspectiva histrica, quer atravs das prprias viagens como A Tocqueville e F. Le Play ou das leituras de viagens e de etnlogos como fez E. Durkheim, quer dos estudos histricos empreendidos por F. De Coulanges, K. Marx, F. Engels e M. Weber, todos revelam que a famlia no um corpo abstracto no seio da sociedade, uma entidade em si mesma. Pelo contrrio, assinalam que a sua forma, estrutura e contedo se inscrevem num contexto social bem definido. 1.1.3 As perspectivas sobre a famlia na primeira metade do sculo XX No continente europeu, com o alvor do sculo XX e ate acerca dos anos sessenta, verifica-se alguma mudana a propsito da famlia enquanto o objecto de preocupao social e sociolgica. Tudo parecia indicar que o designado modelo clssico da famlia conjugal do sculo XIX estava solidificado e permanecia de boa sade. Da que a famlia deixe de ser, praticamente, um objecto privilegiado de analise dos cientistas sociais. Aquilo que globalmente caracteriza este movimento, semelhana da do sculo XIX, quer em termos de situao social quer do olhar dos cientistas sociais, prende-se, mais uma vez, com o surto de mutaes sociais e familiares que assola as sociedades ocidentais contemporneas. Assim, as mulheres acedem ao mercado de emprego e mais generalizadamente a todos os graus de escolarizao, as hierarquias intrafamiliares esbatem-se, as leis jurdicas modificam-se, a natalidade decresce, as rupturas conjugais aumentam e com elas as famlias monoparentais e recompostas, as formas de vida familiar diversificam-se. 1.2 O dealbar da sociologia da famlia 1.21 As primcias da sociologia da famlia em Frana no quadro do pensamento social Desde o sculo XVIII que, em Frana, se esboam as primcias de uma sociologia da famlia, que consiste, antes de mais, em observar e, a partir da, retirar regras gerais, reconstruir hipteses susceptveis de explicar os factos colectivos e criar modelos de explicao capazes de compreender o real e, possivelmente, procurar prever o futuro.SebenteUA apontamentos

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A Comte afirma que na sociedade, a famlia, constituindo a verdadeira unidade social, o grmen das diversas disposies que caracterizam a unidade social, pois ela que educa as pessoas para a vida social. Ao mesmo tempo, desenvolve um princpio de subordinao no interior da famlia: da esposa e dos filhos em relao ao marido-pai, ou seja, dos sexos e das geraes. F. Le Play, estabelece uma tipologia da organizao familiar na Europa distinguindo: Famlia patriarcal - formada por todos os filhos que se casam, os seus conjugues e a sua prole vivendo no mesmo espao habitacional sob a autoridade do pai, progenitor; Famlia tronco - na qual um nico filho, normalmente, o mais velho varo, escolhido para herdeiro, coabita com os pais bem como a sua esposa e prole e, eventualmente, os outros filhos solteiros ou at os deficientes, se porventura os houver; Famlia instvel - que, separando-se dos filhos logo que estes se autonomizam, se reduz, de novo, ao casal progenitor e acaba com a morte dos mesmos. Este autor foi um defensor acrrimo da famlia tronco. 1.2.2 O surgimento universitrio da sociologia da famlia Cabe a E. Durkheim ser o fundador da sociologia da famlia, no mbito universitrio, quando em 1888, na Universidade de Bordus, profere um curso designado de Sociologia da Famlia e em 1892 curso da Famlia conjugal. O grande interesse da obra de Durkheim e este propsito, consiste em correlacionar a organizao ou sistema familiar cm as demais formas ou sistemas de organizao social e recorrer abordagem de ndole comparativa, no que se refere a outras sociedades, quer contemporneas quer mesmo do passado. Para muitos, a famlia no um agrupamento natural constitudo por parentes; pelo contrrio, uma instituio social resultante da organizao social das sociedades e, como tal, deve ser explicada. Deste modo, em termos cientficos como em qualquer outro domnio do social, devem ser banidas as tendncias moralizadoras, ideolgicas, porventura algo estereotipadas, e at os simplismos de anlise. C. Lvi-Strauss, francs, aparece como um continuador de Durkheim, a aproximao revela-se mais em termos de mtodo a introduo do mtodo da anlise estrutural do que das teorias propriamente ditas. Assim, o ponto de vista evolucionista de Durkheim substitui-se, agora, pelo ponto de vista estrutural de C. Levis-Strauss. Contudo, h neles um ponto comum: ambos conduzem anlise da famlia e do parentesco. 1.2.3 O carcter scio-histrico da sociologia da famlia nos Estados Unidos De facto, com a sociologia americana atinge-se um novo patamar na emergncia-solidificao da Sociologia da famlia, um domnio bastante desenvolvido entre 1945-1956. Na ausncia de trabalhos de ndole histrica e outros que integrassem a dimenso emprica, a concepo da famlia e das teorias que da decorrem, jamais isentas de ideologia, vo no sentido da noo de uma famlia concebida, apenas, em ermos da estrutura nuclear conjugal. Esta , ento, definida como um subsistema dotado de funes e de papis especficos, segundo os sexos e as geraes, no conjunto do sistema social. Anos vinte-trinta, privilegiando os estudos empricos abordagem da famlia numa crise e da assimilao social. Nos anos trinta, a sociologia da famlia americana aparece mais ligada aos estudos de ordem tcnica, visando conhecer os problemas sociais ligados ao desemprego, crise que da decorre e necessidade da interveno do Estado no conjunto destas questes. A obra de F. E. Frazier, sobre a famlia dos negros nos Estados Unidos nos anos trinta, representa um importante contributo neste sentido. No aps-guerra T. Parsons e R. Bales por um lado, preconizava-se um modelo de famlia, a famlia nuclear conjugal, que melhor servisse os interesses das ideologias politica e econmicas vigentes; porSebenteUA apontamentos

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outro lado, estes trabalhos, foram objecto de varias criticas, devido ao seu carcter ideolgico, designadamente, em termos das relaes de gnero e das relaes entre as geraes, falta de apoio em estudos empricos e adaptao de que eram alvo, perante as mutaes sociais em curso, por volta dos anos sessenta. Assim, foi necessrio esperar pelo incio dos anos sessenta para que os trabalhos de W. Goode viessem introduzir uma ruptura decisiva na sociologia da famlia nos Estados Unidos, tanto sob o ponto de vista terico como metodolgico. Analisa a famlia numa perspectiva dinmica, debruando-se sobre aspectos to variados como a relao entre a famlia e a estrutura social, os fundamentos da famlia, o casamento, a domesticidade, as relaes conjugais e de parentesco, a questo das geraes e das idades, a diversidade das formas familiares em diferentes culturas e sociedade luz das mudanas sociais em curso. 1.2.4 As metamorfoses da sociologia da famlia em Portugal a) O tempo dos percursos Aludindo, agora, ao percurso da sociologia da famlia em Portugal pode dizer-se que pontuado por trs etapas fundamentais: 1 Remonta ao princpio do sculo XX, com os trabalhos de alguns socilogos franceses e portugueses ligados escola de F. Le Play. Entre os primeiros, destacam-se os trabalhos de L. Poinsard (1910), J. M. Fontes e M. A Pimenta (1918) e P. Decamps (1935). A partir das sessenta e nove monografias levadas a efeito em varias regies do pas pelos Le playsianos, 16 das quais a sul do Tejo, P. Decamps identificou cinco formas de famlia: A famlia desorganizada ou instvel - unies de facto com maior predominncia nas classes operrias a sul do Tejo; A grande comunidade familiar - mais predominante nas montanhas do norte; A famlia tronco - com maior incidncia no noroeste de Portugal; A familia nuclear conjugal A pequena comunidade - composta em geral, por dois casais, espalhada por diversas regies do pas. b) O tempo das inter-conexes e da procura Estes cientistas vieram a confirmar, a imagem dum pas marcado por clivagens sociais, econmicas e demogrficas. H a salientar que o desenvolvimento da sociologia da famlia acompanha, de perto, o desenvolvimento da sociologia em Portugal. Ambas so tributrias da conjuntura politica, econmica, social e cultural que ento se vivia na sociedade portuguesa. Uma nova era se abre, em termos da investigao sociolgica e que abrange domnios to variados como o trabalho, a vida sindical, a estratificao social, as migraes internas e externas, a educao, o espao rural os nveis de sade, as transformaes sociais e curso, entre outros aspectos. Todavia, tendo em conta o contexto politico da poca, no deixavam de se apresentar alguns limites, a este propsito. No mbito das cincias sociais, durante agum tempo, a sociologia portuguesa afigura-se mais de carcter terico, e interessa-se, sobretudo, pelo macro-social. A sociologia da famlia, que viria a desenvolver-se a partir dos finais dos anos setenta e a solidificar-se durante os anos oitenta-noventa, participa tambm deste quadro de mutaes. Ainda aqui trs elementos concorrem para esta inter-confluencia:SebenteUA apontamentos

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O primeiro prende-se com a vinda de antroplogos estrangeiros para o nosso pas. Com Ftima Brando (1985,1994), trabalhos sobre a questo da herana na regio do Alto Minho tendo, a seu cargo a formao de licenciados em sociologia e depois em antropologia social, aqui retoma, de novo, as questes sobre a famlia e estabelece contactos com o Combridge Group, procurando, assim, implementar o mtodo que, ento desenvolviam, ou seja, a investigao comparativa. O segundo elemento que se prende com a organizao de seminrios, no principio dos anos oitenta, dedicados essencialmente s questes da famlia. c) O tempo das estratgias de solidificao Em boa verdade, s em finais dos anos oitenta, em Lisboa por iniciativa de um grupo de jovens investigadores, um terceiro elemento confere sociologia da famlia em Portugal o estudo de disciplina autnoma no quadro do ensino e da investigao universitrios, afirmando-se, designadamente no ICS e no ISCTE, no mbito das cadeiras de opo. 1.3 A abordagem sociolgica do conceito de famlia 1.3.1 A ambiguidade da noo de famlia A concepo de famlia restrita, separada da parentela e dos serviais domsticos, aparece, pela primeira vez em Frana, no dicionrio de Rechelet em 1640. Todavia. O equivalente famlia nuclear conjugal, ou seja o grupo formado pelo pai, a me e os filhos, s aparece em 1835 no dicionrio da Academia. A famlia tem-se tornado uma noo polissmica, em virtude da diversidade das suas estruturas, formas de organizao e representaes No obstante, apesar da variedade de formas e de sentido segundo D. Behnan (1992), as ideias clssicas, praticamente de forma estereotipada, apontam para dois grandes tipos de famlia: a nuclear a alargada A famlia tronco, por exemplo, seria uma variao entre estas duas modalidades de famlia. C. Levi-Strauss - a famlia tem uma natureza dual: Ordem natural uma vez que lhe confiada, pela generalidade das sociedades, a reproduo da espcie e os cuidados da prole, normalmente at idade adulta ou, pelo menos at juventude. Ordem social pois que toda a sua existncia pautada por um conjunto de regras que emanam da sociedade. B. Bawin-Legros (1988) para quem o termo famlia familiar e ambguo, relaciona-se com a tal dupla dimenso biolgica e social. No primeiro caso, em consequncia da realizao mais imediata da sexualidade e da procriao e no segundo, em virtude das suas funes e a geometria dos laos que pe em jogo, pelo sistema de representaes que constri e a partir do qual toma forma. Em suma, no direito romano mais antigo a famlia era constituda pelo conjunto de elementos pessoais e patrimoniais que viviam sujeitos autoridade de pater familis. Regista-se um acordo comum entre historiadores, antroplogos e socilogos, segundo os quais nenhuma forma de famlia universal. Sendo assim, a noo de famlia poder ser entendida como ...um estratagema que consiste em utilizar uma palavra simples e mtica, qual etiqueta cmoda para mascarar formaes heterogneas nas suas estruturas e funes materiais e simblicas. Poder dizer-se que a famlia, sendo formada por um grupo de indivduos unidos pelos laos de aliana, de sangue, jurdicos e/ou religiosos, se eleva acima do biolgico e do material mais imediato. o espao onde se desencadeiam os principais acontecimentos da vida humana: unio, procriao, nascimento, partilha da vida e da morte, ainda que, tanto o nascimento como a morte, tendam a passar da casa familiar para o nascimento instituio e morte-instituio, como sejam os hospitais, clnicas e lares da terceira idade, como bem refere L. V. Thomas (1985, 1991).

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Adoptando a definio de C. Levi-Strauss (1979), a famlia, como grupo social apresenta pelo menos trs caractersticas mais ou menos comuns. Tem a sua origem no casamento. Compreende o marido, a esposa, os filhos nascidos dessa unio e, eventualmente, ouros parentes aglutinados a este grupo. Estes membros esto unidos por laos de aliana, de sangue, legais e/ou religiosos e obrigaes de natureza econmica, social, cultural ou ideolgica. Possui ainda uma rede bem definida, quer pelas leis quer pelos costumes, de direitos e obrigaes sexuais e um conjunto diversificado de sentimentos psicolgicos, coo o amor, a afeio, o respeito, a sujeio ou outros, incluindo os que decorrem dos constrangimentos sociais e culturais. P. Laslett- define grupo domestico, como aquele que integra pessoas identificveis por trs aspectos a localizao, o funcional e o parentesco parece corresponder melhor realidade familiar do passado e do presente. Sendo assim, fazem parte do grupo domstico os indivduos que vivem em coabitao, que partilham um conjunto de actividades, de elementos e de modos de vida e que esto unidos por uma rede de laos que integram a consanguinidade e a aliana (parentesco). 1.3.2 A famlia concebida luz duma tipologia de laos Os laos de aliana reforados pelos laos jurdico e/ou religiosos antecediam os laos de sangue. Era o casamento que, institucionalizando e fundamentando a famlia, oficializava a sexualidade e a procriao e garantia a estabilidade do grupo. A relao que decorre dos laos de sangue, independentemente da sua qualidade, ultrapassa mesmo as barreiras da vida e da morte, portanto, do tempo-espao, como sublinha L. V. Thomas. Numa perspectiva conceitual pode inferir-se que a famlia formada por um conjunto de pessoas unidas por trs tipos de laos: Aliana Sangue Institucionais Isto , exclusivamente jurdicos ou jurdicos e religiosos. No caso das unies de facto estamos perante famlias onde os laos jurdicos e religioso esto ausentes mas prevalecem os laos de aliana e de sangue, logo que haja filhos. Logo que se trate de novas configuraes familiares decorrentes de rupturas conjugais anteriores, normalmente designadas de famlias recompostas, mesmo casadas, pode acontecer que os novos esposos no tenham filhos comuns, o que, em termos demogrficos e de reelaborao dos laos patrenofiliais e fraternais, no um fenmeno de somenos importncia. O que caracteriza estas famlias a rede de relaes familiares que devem reinventar para poderem articular as anteriores e as actuais, como bem o fazem notar. 1.3.3 procura dum conceito da famlia contempornea J. Kellerhals, P. Y. Trout e E. Lazega (1984), retendo apenas a famlia nuclear conjugal, alis a estrutura mais difundida na contemporaneidade, dizem que esta hoje definida como a coabitao e a cooperao socialmente reconhecidas de um casal e dos seus filhos. Y. Castelan (1982) diz que a famlia pode ser definida como uma reunio e indivduos, unidos pelos laos de sangue e vivendo sob o mesmo tecto, numa comunidade comum de servios.

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2 Famlia e Sociedade2.1 Perspectiva histrica da famlia 2.1.1 A famlia na memoria do tempo e do espao 2.1.2 Fundamentos gregos e romanos da famlia Aristoteles preconiza a existncia da famlia nuclear conjugal ligada a uma residncia comum, embora com algumas particularidades em relao poca moderna. A famlia que, em torno da casa, integrava trs tipos de relaes elementares: Senhor- escravo A associao marido-esposa Os laos pais-filhos. Roma, do sculo II a c, a concepo de famlia aqui algo de diferente. Por exemplo, a mulher, esposa e me no tem aqui qualquer estatuto, em termos de cidadania, contrariamente mulher casada ateniense (grega), e a sua existncia s tem razo de ser em funo do pater famlias. Na poca, no integrava, apenas a habitao familiar, mas tambm os bens e as pessoas que viviam debaixo do mesmo tecto, inclusive, os escravos e os servidores, pelo que a noo de famlia designava um conjunto de elementos pessoais e patrimoniais sujeitos autoridade do chefe, o pater-familias. 2.1.3 A famlia nas civilizaes rabes, chinesas, indiana e japonesa Quanto primeira, secularmente tem-se preconizado a famlia poligmica (actualmente cerca de quatro milhes no mundo), pois o Islo permite ao homem casar-se, em paralelo, no mximo, com quatro mulheres. Famlia chinesa, dir-se- que esta sendo decalcada sobre o modelo de organizao clnica, parecia estvel no tempo, durante a vigncia do regime imperial e, de certo modo, durante a Republica. As famlias recebiam o sobrenome do cl a que pertenciam e a partir daqui eram estabelecidas as regras de exogamia (casamentos entre membros de diferentes grupos). Indiana, est associada ao sistema de castas que, frequentemente, faz com que os grupos domsticos e as famlias sejam indivisos, isto , cada indivduo casa-se na sua casta e sujeita-se s prprias concepes acerca da famlia. Lembremos to-somente que o sistema familiar indiano integrando a monogamia contempla tambm a poliandria. Japonesa. Dir-se-, que esta tem apresentado igualmente uma tendncia para a transformao. A organizao familiar japonesa, indissocivel da noo de casa, de tipo patriarcal e de linhagem patrilinear, ora aparece tributria dos interesses governamentais, ora da organizao politica e social, tal como acontece nos ltimos tempos. Isto significa que o grupo familiar, enquanto alfobre de lealdade e piedade filial, que por extenso se reflecte no campo poltico, continua a gozar de grande prestgio e influencia na civilizao japonesa. 2.1.4 A perspectiva scio-histrica e antropolgica Continuando a ver as coisas com o andamento da histria, no podemos deixar de nos referir ao contributo scio-histrico e antropolgico de L. Morgan (1974), para quem a propriedade desempenha um papel fundamental na passagem da famlia de formas mais alargadas, para outra mais conforme aos tempos modernos, embora estes, na sua perspectiva, possam dizer respeito a um passado muito mais recuado que os sculos XVII-XVIII. Assim, salienta o sentido primitivo do vocbulo famlia, derivado do latim famulus que, com o tempo, foi investido da significao de lar-patrimonio e no de descendncia e parentesco que estavam associados a gens. J. Goody, recuando no tempo, pe em realce uma distino fundamental entre a civilizao eurositica e a africana, em termos de organizao econmica, familiar e civilizacional.SebenteUA apontamentos

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Os estudos dos etnlogos e antroplogos vieram revelar-nos que a cada grupo tnico correspondia uma determinada forma e estrutura familiar, um sistema de parentesco e uma instituio matrimonial que ora se aproximavam ora se distanciavam umas das outras. O estudo da estrutura familiar em Frana, no Antigo Regime, tendo em conta as estruturas e os modos de organizao da decorrentes, distingue cinco formas de famlia: Os isolados Os grupos domsticos sem estrutura familiar A famlia conjugal A famlia alargada A famlia simples Na Inglaterra, entre os sculos XV-XVIII, P. Laslett (1969), nos seus trabalhos, apresenta quatro formas de famlia: Grupos domsticos sem estrutura familiar, A famlia nuclear conjugal, A famlia formada por grupos domsticos alargados, A famlia que decorre de grupos domsticos complexos. 2.1.5 O olhar socio-historico sobre a famlia em Portugal ao longo do sculo XX Em Portugal, os estudos de L. Poinsard (1910), de F. Fontes (1918) e de P. Deschamp (1935,1959), tambm detectaram diferentes modalidades de grupos domsticos. Este ltimo fala de cinco formas de famlia: A famlia desorganizada e instvel ou unio de facto dominante entre os assalariados agrcolas ao sul do Tejo, A grande comunidade - composta por vrios casais e um grande numero de parentes coresidentes, nas montanhas do norte, A famlia tronco no Noroeste, A famlia de casal simples A pequena comunidade - composta em geral por dois casais, existentes em diversas regies do pas. 2.2 O grupo domstico nas sociedades modernas e contemporneas 2.2.1 A Noo de grupo domstico A realidade mostra-nos que o grupo domstico bastante diverso de uma sociedade, de uma regio e de uma poca para outra. No obstante, patenteia sempre dois pontos comuns: independentemente da sua dimenso e estruturas, o lugar onde, pelo menos aparentemente se tecem os laos mais intensos entre sexos e as geraes; formado por um grupo de pessoas que, para o melhor e para o pior, partilham o mesmo espao de vida. Por isso, tal como o refere M. Segalen (1986) a noo de coabitao e de residncia comum, essencial neste domnio. Embora na maioria dos casos, famlia e grupo domstico tendam a confundir-se e a serem sinnimos um do outro, na realidade nem sempre as coisas so assim to claras. A primeira, sendo mais limitada que a de grupo domstico, reenvia, essencialmente, para o lao conjugal: le jeune mnage. Nesta ptica, o mnage em sentido lacto, sendo constitudo pelo pai, a me e os filhos identifica-se mais com o conceito moderno de famlia conjugal e forma, simultaneamente, um grupo domestico. Grupo domestico supondo sobretudo a coabitao e a partilha de um espao e decerto de alguns servios, pode no constituir, automaticamente, uma famlia, na medida em que esta, regra geral, tende a exigir a existncia de certos laos, como vimos anteriormente, o que nem sempre acontece com os coabitantes no interior de alguns grupos domsticos.SebenteUA apontamentos

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INE 1991 define famlia institucional como - um conjunto de indivduos residentes num alojamento colectivo que, independentemente da relao de parentesco entre si, observam uma disciplina comum, so beneficirios dos objectivos de uma instituio e so governados por uma entidade interior ou exterior ao grupo. M. Weber define o grupo domestico como um espao onde existem relaes comunitrias de sexo, entre pais e filhos com particular destaque para as me-filho, de fratria (conjunto de irmos), de autoridade exercida pelos mais fortes sobre os mais fracos, de educao dos mais velhos em favor dos mais novos, isto , da sua prole e de partilha de um espao de coabitao. Em suma a sociedade domstica uma comunidade que assegura as necessidades regulares da vida quotidiana dos familiares, tanto em bens como em trabalho. 2.2.2 O grupo domstico associado famlia alargada Famlia alargada define-se, em geral, por um grupo que para alm de um casal simples, integra, tambm, outros casais e parentes solteiros, podendo estes ser: Ascendentes no caso dos membros suplementares que a integram pertencerem a uma gerao mais velha que a do chefe de famlia. Descendentes se os outros membros que a integram pertencerem a uma gerao mais nova do que a do chefe de famlia. Poder ser tambm colateral se integra elementos advindos famlia por esta via. 2.2.3 O grupo domestico associado famlia tronco Famlia tronco de cariz patriarcal, pode dizer-se, antes de mais, que se trata de uma estrutura intermdia entre o grupo domstico alargado e o grupo domstico simples. Entre outros aspectos, distingue-se das anteriores pela natureza das relaes de poder e pela presena de um menor nmero de casais coabitantes, pois nunca ultrapassa dois, podendo integrar alguns colaterais como o caso dos irmos solteiros ou at dos deficientes. Assim, o casal mais velho que exerce a autoridade, at que proceda sua transmisso ao herdeiro, normalmente, o filho varo mais velho que, por sua vez, dever assegurar a continuidade do grupo e do patrimnio que o legitima. 2.2.4 O grupo domestico associado famlia conjugal e monoparental Se voltarmos o nosso olhar para o designado grupo domstico simples, correspondendo designada famlia nuclear conjugal, alis o mais difundido, apresenta uma estrutura triangular formada pelos pais, casados ou no, e pelos filhos. Normalmente, este grupo vive em residncia neolocal e independente dos outros membros do parentesco. Diga-se ainda que, apesar da sua antiguidade e embora nem sempre reconhecido como grupo domstico equivalente a uma famlia, outro grupo nuclear em grande difuso, frequentemente em virtude de anteriores rupturas familiares, o que decorre da famlia monoparental. Neste caso, verifica-se apenas uma estrutura dual: um dos pais e os filhos, ou mesmo um dos avs e os netos. 2.2.5 Os grupos domsticos decorrentes da comunidade tcita e da zadruga As comunidades tcitas, datadas da Alta Idade Mdia, emergem, regularmente, em circunstncias sociais e econmicas particulares, mais relacionadas com as formas de vida rural e econmica agrria. Na sua forma de organizao singular, subsistiram at o sculo XVII, no centro de Frana. Porm, no era uma forma de grupo domstico muito difundido. Tratava-se de uma comunidade familiar, constituda por cerca de trinta a quarenta pessoas e por vezes mais, que, obrigatoriamente, mesmo perante a lei, partilhavam a habitao e a comensalidade, isto , a mesma panela e o mesmo fogo H. Dossourd. Este termo designa, simultaneamente, um grupo domstico particular e um territrio agrcola comum. Sendo assim, o patrimnio indiviso e todos devem contribuir no s para a sua preservao como para o seu aumento.SebenteUA apontamentos

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O exerccio da autoridade, emerge de uma pratica democrtica de eleio do detentor da autoridade perante o grupo, pois que os membros votantes elegiam, entre si, um chefe, muitas vezes o mais velho. O mesmo acontecia com a mulher que nunca poderia ser esposa ou parente prxima do homem eleito, que governaria as outras mulheres. A comunidade zadruga, na Jugoslvia, com organizao idntica anterior. Assim, por exemplo, os jovens casais, embora em construo anexas grande casa, tinham casas separadas para a dormirem com a sua famlia, mas nunca para a tomar as refeies. O poder da mulher era menos reconhecido. Em contrapartida, o homem, alis legitimado pelo poder religioso, detinha uma autoridade forte, comparada com o caso da comunidade tcita em Frana. O casamento neste caso, de carcter exgeno, ou seja, entre pessoas diferentes zadrugas. 2.2.6 Consideraes gerais. 2.3 A famlia na sociedade contempornea 2.3.1 Entre a economia e a famlia No sculo XIX, sobretudo com a industrializao progressiva das sociedades ocidentais e as sucessivas mutaes da decorrentes, no deixaram de se produzir profundas transformaes no universo familiar. A lgica destas modificaes prende-se, antes de mais, com a implementao progressiva de um novo sistema econmico em torno do capitalismo e o processo de industrializao que desencadeia. Com ele, transformam-se os meios as relaes de produo, as sociedades vo passando, paulatinamente, de uma lgica econmica do trabalho, baseada, essencialmente, no trabalho agrcola, artesanal e comercial familiar, para uma outra do imprio da mquina, da separao entre o espao de habitao e o espao de produo e, por conseguinte, para um regime de salrio. Ingresso da mulher no mercado de trabalho - sculo XIX verifica-se uma vantagem adiciona: a prestao de trabalho e a contrapartida de um salrio autnomo, abrem mulher o processo da sua emancipao. Foi sobretudo, o espao salarial que ofereceu mulher profissionalizada a possibilidade de deixar de estar confinada ao espao domstico, de aceder a outro tipo de relaes sociais e familiares, bem como a outras prerrogativas e, porventura, a algumas desvantagens. 2.3.2 A mulher e a famlia a caminho da sociedade do emprego Todo o esforo reflexivo a propsito das grandes transformaes nas sociedades contemporneas ocidentais, acaba por ter em conta as que, relacionando-se com a economia e a reorganizao do mercado de emprego, conduzem a profundas alteraes familiares. Entre estas, como acabmos de verificar, as que se relacionam com a profissionalizao da mulher no se revestem de somenos importncia. 2.3.3 Factores de ndole politica e cultural A estes factores de mudana sociais e econmicas juntam-se tambm outros de carcter poltico e cultural. Recuando no tempo, quanto ao primeiro inegvel que as revolues politicas da modernidade dos finais do sculo XVIII, tanto na Amrica como em Frana, bem como, posteriormente, noutros pases, como por exemplo, em Portugal no principio do sculo XIX, preconizavam um ideal de igualdade e de liberdade. Doravante, o fundamento mais a lei divina advinda dum Deus omnipotente, mas a lei humana, baseada em fundamentos racionais e perante a qual todos so livres e iguais. 2.3.4 As descobertas cientificas e os seus efeitos nos comportamentos familiares Coube cincia e tcnica, atravs das descobertas biolgicas e medicinais colocar ao alcance de toda a gente e, por isso, popularizar um vasto leque de meios, que proporcionando as condies da sua eficcia, contribuem para alterar profundamente os comportamentos familiares. Entre outros aspectos, os seus efeitos manifestam-se, claramente, a nvel das prticas anticonceptivas que permitem mulher dominar a sua prpria fisiologia e agir sobre ela, logo que se trata da sexualidade e da contracepo.SebenteUA apontamentos

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2.3.5 As influencias culturais na ordem do dia Importa lembrar que, logo que a cultura com os seus grandes sistemas de valores que constituem um suporte simblico e do fora e coeso a esta ou aquela atitude, entram em profunda mutao, geralmente, perdem algo do seu impacto na regulao dos comportamentos individuais, familiares e sociais. Simultaneamente, a religio e a Igreja com a famlia e a escola, tradicionalmente as principais instncias socializadoras, vo sendo atingidas neste seu predomnio, ou seja, de agentes de transmisso intergeracional quase exclusivas, passaro a ser umas entre muitas outras confessionais ou no (partidos polticos, sindicatos, seitas, etc), mas que conjuntamente, qui, algumas em oposio, influenciam, doravante, os novos valores sociais e a sua transmisso inter-geracional. Estes so, agora, de outra ordem, mais direccionadas para o material e para o imediato e, por conseguinte, muito mais efmeros e mutantes. A cultura tradicional e os seus valores tendo-se instalado e no cultivando em si a fora necessria para a sua prpria renovao e revitalidade, dificilmente tm conseguido resistir aos efeitos das mudanas culturais em curso, decorrentes do processo da modernidade ou como diria G. Balandier (1994) da supermodernidade que atinge todas as sociedades ocidentais e de alguma forma, mesmo se com matizes diferenciados no espao e no tempo, tende a globalizar-se. Tendo em conta estes aspectos, importa comear por olhar as mudanas operadas em matria da escolha do conjugue. no sculo XIX que se esboam as grandes tendncias de mudana neste domnio. De facto, a famlia orientava-se pela autoridade-obedincia; visava dar continuidade ao grupo e ao seu principal elemento agregador: o patrimnio; regia-se pela razo tradicional e pela vontade e, praticamente, fazia tbua rasa dos sentimentos individuais. A esta concepo de famlia ope-se a da famlia moderna e contempornea. E. Shorter (1977) a famlia moderna emerge com a grande valorizao dos sentimentos no interior da clula domstica, em detrimento de outros aspectos, at ento extremamente valorizados. P. Aris diz que a famlia se torna moderna com a descoberta da infncia e a valorizao da escola em funo da criana. E. Durkheim dizia que a famlia moderna era relacional e tinha menos horizonte inter-geracional, precisamente, porque valorizava mais as relaes do que a reproduo patrimonial, uma vez que a industrializao da sociedade e, por conseguinte, o trabalho assalariado conferiam mais independncia ao individuo, em relao parentela e vizinhana. 2.3.6 A famlia contempornea e a sua relao com a escola Em boa verdade, a realidade permite constatar que a par de um certo numero de pais que parecem interessar-se menos pela escola, em grande parte, pertencentes a grupos sociais de condio modesta, outros investem cada vez mais na escolarizao dos filhos, como estratgia de valorizao do capital familiar, ainda que este reverta bastante a favor do individuo. E. Durkheim ao invs do capital econmico, o capital cultural incorporado, p que significa que nem sempre oferece total garantia de transmisso e reproduo. F. De Singly h sempre os falhados da escola, apesar dos esforos familiares e da prpria escola, desde que no haja trabalho pessoal do aluno. A famlia de hoje, mesmo no interior da de condio social modesta, investe cada vez mais na escolarizao dos filhos, em busca de um futuro melhor para os mesmos. 2.3.7 As imbricaes sociais e familiares: a razo e o amorSebenteUA apontamentos

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claro que a relao entre estas duas instancias se transformou profundamente. At a um passado, no muito recuado, o indivduo aceitava, sem grande resistncia, submeter as suas preferncias pessoais s regras e aos interesses familiares. Contudo, o esprito do nosso tempo d muito mais importncia autonomia individual e qualidade das relaes, valorizando, acima de tudo e em todos os momentos, a sinceridade e a autenticidade reais, ainda que as mesmas estejam sujeitas ao efmero, pois que os sentimentos, frequentemente, se expem aos imponderveis de ndole afectiva, psicolgica e social. L. Roussel (1989) avana com duas explicaes: o A primeira decorre do conflito permanente entre a idealizao do outro que provoca o sentimento amoroso e a realidade desse mesmo outro, revelada pela vida em comum, uma vez que a imagem do cnjuge no resiste, duradoiramente, aos constrangimentos banais da vida quotidiana. o A segunda mais radical, explica a precaridade do sentimento amoroso devido s contradies que encerra. Dir-se- que vivemos numa poca em que o amor conjugal e afectividade emocional que lhe est associada, independentemente da sua durao, se querem fortes e exclusivos. deste modo, toleram-se menos as situaes duplas mais ou menos assumidas. Na verdade, a famlia tradicional, perante as mudanas econmicas e sociais, tendo cedido o passo em favor de uma outra forma de famlia nuclear conjugal, abriu a passagem para outro tipo de prerrogativas: passa sobretudo, a regular-se pelos princpios de obrigao de liberdade e igualdade. assim, o social e o institucional vo cedendo perante o voluntarismo individual. 2.3.8 A relao entre a famlia e a religio catlica Vendo agora estas mutaes em correlao com a religio, o que se nos oferece dizer que se, como bem o afirma M. Segalen e J. Goody, o cristianismo construiu um modelo de famlia na Europa e que se estendeu a outros povos atravs da missionizao e da colonizao, constata-se, todavia, que a sua grande influencia se vai debitando. Na verdade, a religio, no sculo XIX, vai perdendo influncia junto da classe operaria. No sculo XX, essa perda de influncia faz-se sentir a nvel das obras de caridade e assistncia que vo passando, progressivamente, para o domnio do Estado-previdncia. Ao mesmo tempo, aumenta a secularizao que se vai instalando um pouco por todo o lado. Tal como noutros domnios, a religio hoje vivida de modo fragmentado, isto , observam-se certos aspectos que mais se coadunam com os interesses pessoais, imediatos ou no, e ignoram-se os outros. Basta pensarmos, por exemplo, na doutrina da Igreja catlica em matria de concepo. Contudo, acrescente-se que muitos cristos, mesmo no praticantes, continuam a preferir contrair o casamento religioso. Na perspectiva de A. Torres (1996), quatro aspectos fundamentais parecem poder explicar estes comportamentos: o O pragmatismo o A fora da tradio portanto uma certa presso social e familiar que aqui e ali ainda se faz sentir, o O ritualismo uma maior grandiosidade da festa, o Certa forma de conjurar os fantasmas do divorcio face indissolubilidade deste casamento religioso. 2.3.9 A redescoberta e revalorizao da famlia nos finais do sculo XX Passando do plano das mutaes ao das representaes-valorizao da famlia do nosso tempo, constatamos que, apesar dos anncios da morte da famlia ou das reprovaes contra a mesma, dados os constrangimentos exercidos sobre a liberdade individual, ao longo dos ltimos decnios, ela aparece cada vez mais valorizada pela grande maioria das pessoas. Dois factores primordiais explicam, de algum modo, a mudana de atitudes verificada a este propsito.SebenteUA apontamentos

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Em primeiro lugar recorde-se que, desde os anos setenta, se tem instalado uma crise social e cultural que teima em persistir: o desemprego aumenta e com ele a pobreza, a marginalizao, a delinquncia, a excluso social e as injustias sociais acentuam-se. A famlia, apesar de todas as transformaes por que tem passado, continuando a usufruir duma aura tradicional de segurana e de apoio aos familiares, aparece, normalmente aos indivduos, como uma enseada onde se encontra abrigo, paz, compreenso, proteco, amor, reconhecimento individualizado, solidariedade e resposta para as questes fundamentais da vida presente, em contraponto com uma sociedade inspita, para os que vivem em situaes anlogas. Em segundo lugar, prende-se, provavelmente, com as profundas transformaes jurdicas e culturais que se tm operado acerca da famlia. Desta maneira, esta apresenta-se, nos nossos dias, como mais compreensiva, mais dialogante, menos dominadora, mais respeitadora da liberdade das pessoas e at, por excelncia, como o espao da partilha das vrias dimenses da vida individual e social, deformao e expresso da personalidade de cada um e do grupo domstico em conjunto. 2.3.10 A velha e a nova questo das funes sociais da famlia No contexto social, as funes da famlia, no passado, no muito recuado atribuam-se-lhe, essencialmente, trs funes: o Reprodutora Educativa o Econmica. Estas, ainda que com elementos novos e, certamente, aliadas a outras, continuam a estar presentes nos nossos dias, embora sejam vividas de modo diferente: A reproduo da espcie poderia ser feita margem da famlia, Todavia, todas as sociedades conhecidas no mundo continuam a atribuir esta funo famlia. Quanto educao temos de reconhecer que se tm operado grandes mudanas. De facto, a famlia hodierna (actual) partilha, cada vez mais, a funo educativa com outras instituies estatais, designadamente a escola ou similares e at com os mass media e os grupos de pares. Importa sublinhar que no seio da famlia que a criana desabrocha para a vida, aprende os primeiros rudimentos da linguagem, a relacionar-se com os outros, a sociedade e at com a vida do alm, uma vez que aqui que comea por elaborar ou recusar um certo sistema de crenas, sem deixar, contudo, de ir formalizando um sistema simblico e um conjunto de representaes que orientam o seu processo de socializao, conjuntamente com todas as outras influencias externas.A famlia e a escola educando e socializando, ainda que coadjuvadas pelas demais instancias educativas, orientam os destinos dos indivduos e dos cidados. Nas sociedades contemporneas vai-se tomando maior conscincia desta acentuada imbricao. Porm, em ultima instncia, a famlia educadora, at porque adopta estratgias de mobilizao educativa, muito mais do que a escola por si s, que vai delineando o pendor das trajectrias individuais e sociais. Funo Econmica, apesar de correntemente de tentar fazer crer que a famlia deixou de ter uma funo econmica e macro social para passar a ter, antes, uma funo micro-social e de consumo (T: Parsosn, R. Balles, 1955), as coisas so bem mais complexas. Se em virtude da separao do trabalho emprego, a famlia deixou de ser uma unidade de produo no sentido tradicional do termo continua a ter uma importante funo econmica. O papel econmico da famlia, embora dependente do mercado de trabalho e do emprego, primordial para a sobrevivncia.

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Subjacente a esta problemtica das mudanas e das funes, pode descortinar-se, actualmente, uma outra importante funo que, implicitamente, atribuda famlia pelos prprios indivduos: a da construo da identidade e do sentido para a existncia. Na esteira de N. Elias (1987) pode comear por dizer-se que a contemporaneidade a sociedade produz os indivduos que produzem a sociedade, ou seja, no se podem dissociar os efeitos das influncias de factores sociais da aco dos indivduos em si mesmos e vice-versa. Perspectiva idntica tem F. de Singly, para quem a sociedade moderna, tendo permitido a construo de um processo de individualizao, nem por isso deixou de suscitar e intensificar, nos indivduos, a necessidade de reconhecimento recproco, isto , a construo, e monos a transmisso, de uma identidade individualizada. O indivduo tem necessidade de pertencer a um conjunto, um grupo, uma famlia, uma classe, um povo e, da outra, de ser reconhecido como membro particular de uma entidade de pertena. Esta dialctica existencial apela, deste modo, capacidade de se afirmar como sujeito nico, singular, distinto de qualquer outro e, todavia, semelhante a todos os seus. Com esta incurso, no ser despropositado dizer que a famlia advm, frequentemente, o espelho onde cada um, pode ao mesmo tempo reflectir a sua imagem e retrabalh-la atravs da imagem que lhe reenvia o outro. Deste modo, ela permite aos seus elementos encontrar as componentes que lhe permitem forjar uma certa forma de identidade personalizada, sem, contudo, ter de ser absorvido pela famlia - F. de Singly, 1996. O indivduo tem necessidade de pessoas que saibam reconhecer nele outra coisa que o sucesso, e ele prprio deve ser capaz de olhar para l das aparncias associadas s posies sociais. Basta dizer que a famlia contempornea no se define apenas como um espao onde circula o amor e se vive uma relao afectiva mais ou menos intensa. Como diz Singly Se ela concebe este bem desejado, e pouco disponvel noutros mercados, produz tambm outra coisa: a construo das identidades de cada um dos seus membros Quanto busca de significao, a famlia hodierna (actual) funciona, frequentemente, como uma ncora e como um reduto de sentido para a existncia. Em termos sociolgicos, que consequncias podem tirar deste conjunto de factores que acabmos de analisar? A famlia uma realidade do passado, do presente e do futuro, provavelmente, em relao a este ultimo, ainda bastante diferente do que hoje, porque, com efeito, se trata de uma entidade extremamente dinmica. A famlia actual, sendo uma instituio vital, no se fecha sobre si mesma, mas interage com as transformaes em curso na sociedade. A este respeito. E. Durkheim dizia que a famlia, ao mesmo tempo que se ia privatizando, se tornava cada vez mais publica, porque mais dependente do Estado e das suas instituies e, diremos ns, tambm do mercado de (des)emprego e dos efeitos que da decorrem, da mudana das mentalidades, dos costumes, da cultura e da sociedade em geral. Poder-se- dizer que hoje, mais do que nunca, a famlia, pelo menos idealmente, se torna o eixo da coeso social, contrariamente a um passado no muito recuado, em que este papel era exercido pela religio. Deste modo, a famlia o que persiste, mas tambm o que se renova, continuadamente, nos nossos dias de maneira algo radical, o que nos permite falar de uma realidade nova em destruio reconstruo. 2.4 Situao da famlia em Portugal 2.4.1 Os principais factores de mudana no interior da famlia portuguesa

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semelhana do que se passa nas outras sociedades ocidentais, embora mais tardiamente, a famlia tem sido, em Portugal, objecto de profundas transformaes, merc de aspectos to variados que decorrem do econmico, do social, do poltico, da organizao do trabalho e do emprego, do jurdico, da cultura, da religio e das mentalidades. As formas da famlia tradicional ligadas, sobretudo, s actividades agrcolas, predominantes at meados deste sculo, mantiveram-se, ou seja, a famlia alargada, a famlia complexa e a famlia nuclear conjugal, todas de cariz patriarcal. O ponto a partir do qual se desenha a mudana, prende-se coma s modificaes introduzidas na economia portuguesa, as guerras civis nas ento provncias ultramarinas, a emigrao, a alterao da relao entre o rural e o urbano, isto , este torna-se predominante em relao quele, nos anos sessenta e, posteriormente, nos anos setenta com a revoluo politica de 1974. De facto, a industrializao vai-se intensificando, exigindo mais mo-de-obra, qualificada ou no. Porm, com o desencadear simultneo da guerra civil no ultramar portugus e o aumento do xodo emigratrio para a Europa, essa mo-de-obra masculina vai-se tornando escassa, o que leva a recorrer, cada vez mais, mo-de-obra feminina. O salrio feminino vai outorgando mulher uma maior capacidade de afirmao e independncia e permite-lhe deixar de estar confinada ao seu papel de esposa e me no seio da famlia, ao mesmo tempo que leva a fazer um percurso rumo igualdade. Compreende-se que todos estes aspectos, com particular relevo para o acesso a uma escolarizao mais prolongada, mesmo de nvel superior, ao mercado de trabalho e igualdade de direitos, reconhecida juridicamente, ainda que algumas mentalidades se mostrem muito refractrias mudana concedem mulher portuguesa os trunfos necessrios para lutar pela construo de uma nova identidade e por uma maior diversidade dos modos de ser mulher tornando-a mais reivindicativa na sociedade e na famlia. 2.4.2 As principais peculiaridades estruturais e demogrficas da famlia portuguesa Aludindo s caractersticas estruturais e demogrficas da famlia em Portugal, pode dizer-se que entre os mais de trs milhes de famlias distribudas, de forma irregular, no espao nacional, semelhana de outros aspectos, contrastam as regies do interior mais ruralizado e do litoral mais urbanizado, sendo de realar nestas ultimas, as reas metropolitanas de Lisboa e Porto. Por conseguinte, as estruturas familiares e a sua diversidade e implantao acabam por ser tributarias desta distribuio scio-espacial, embora a forma predominante seja a famlia nuclear conjugal, isto , a que apresenta uma estrutura triangular constituda pelo pai, me e filho(s). Esquematizando, o que se pode ento dizer que, no princpio da ltima dcada, tendo em conta as estruturas e os ncleos, temos em Portugal 5 formas de famlia: o A famlia sem ncleo o A famlia nuclear conjugal o A famlia alargada o A famlia complexa o A famlia monoparental. O que se pode dizer com os dados da demografia que as famlias portuguesas adquiriram um comportamento neo-maltusiano em matria de natalidade. Contudo, a realidade mostra que as famlias portuguesas no recusam os filhos, visto que, em caso de infertilidade, recorrem, frequentemente, a diversos meios mdicos ou adoptivos. O que parece recusar-se, outrossim, so as famlias numerosas. 2.4.3 A entrada na vida conjugal e as rupturas familiares em Portugal Se atendermos, agora, entrada na vida conjugal, contrariamente ao que se passa em muitos outros pases europeus, em Portugal, faz-se, preferencialmente, atravs do casamento civil e em cerca de 70% dos casos tambm religioso, embora tendam a aumentar as unies de facto, difceis de contabilizar, e as praticas sexuais extra-matrimoniais entre os jovens, e, provavelmente, noutrassituaes.

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Fenmeno como a sida e menos o medo de engravidar explicam, em parte, esta mudana de comportamento. Sendo assim, entre outros aspectos, poderia haver mais razo para a coabitao juvenil assumida, mas, tal no o caso. A. Torre (1966), estudando esta questo na rea da Grande Lisboa, considera haver 4 razes para o efeito: o O pragmatismo que visa no criar dissenes com a famlia que continua a valorizar muito mais a entrada directa na vida conjugal atravs do casamento, mesmo civil, ainda que a maioria d preferncia ao religioso o O estaturio uma vez que o casamento confere um novo estatuto socialmente reconhecido o O ritualismo que se inscreve, por um lado, no seguimento da tradio e, por outro, no esplendor festivo que confere a este acto social. o O institucional que, alm de uma conformidade com as normas, no caso do casamento catlico comportando a indissolubilidade, poder, partida, dar mais garantia perante o espectro do divrcio. 2.4.4 A famlia portuguesa perante o jurdico Aludindo, depois disto, ao jurdico, poder-se- dizer que a situao familiar, a este propsito, mudou, substancialmente com a publicao da Constituio da Republica em 1976 e as suas respectivas revises em 1982, 1992 e 1997. As modificaes fundamentais relacionam-se com a noo de famlia, a natureza do casamento, os papis conjugais e parentais, a relao entre pais e filhos, as funes da famlia e o divrcio. noo de famlia, esta decorre do que est estipulado no artigo 67 e 36. O primeiro, na linha directa da Declarao Universal dos Direitos do Homem (art 16), diz que a famlia, como elemento fundamental da sociedade, tem direito proteco da sociedade e do Estado e efectivao de todas as condies que permitam a realizao pessoal dos seus membros. O segundo, aponta a famlia e o casamento como parcelas ou desmembramentos do nico direito, como quem diz, pelos menos, que a constituio da famlia passa, normalmente, pela celebrao do casamento. Nas legislaes anteriores e ainda a partir de 7 de Maio de 1940, quando se procede assinatura da Concordata entre a Santa S e o Estado portugus faz-se do casamento o nico fundamento da famlia. Ao invs, com algumas distines, parece aceitar-se agora a famlia jurdica, isto , a que decorre do casamento, mas tambm a que advm da unio de facto. A reforma de 1977, veio introduzir alteraes profundas, tanto a nvel da composio do ncleo familiar e at da sua eventual ruptura, como das relaes estruturais, no interior da sociedade conjugal. Entre outros, detenhamo-nos sobre nove aspectos fundamentais em termos de grandes repercusses jurdicas, sociais e familiares: o O vnculo da perpetuidade do casamento catlico rompido, uma vez que os tribunais civis podem decretar a dissoluo do prprio vnculo sacramental, ainda que, a nvel da Igreja catlica, esta prerrogativa no produza qualquer efeito. o Doravante, marido e esposa, pai e me usufruem das mesmas prerrogativas, no interior da famlia e no seio da sociedade. o abolida a obrigao de salvaguardar o nome patronmico da famlia. o A concepo hierrquica entre pais e filhos bastante esbatida, uma vez que o artigo 1874, estipula que pais e filhos se devem mutuamente respeito, auxlio e assistncia. o A no descriminao entre filhos nascidos dentro ou fora do casamento o que era impensvel na legislao anterior, pois que nem sequer permitia que uma pessoa casada perfilhasse um filho nascido fora do casamento. o A adopo passa a ser enquadrada e regulamentada pela lei o A maioridade, igualmente extensiva aos homens e s mulheres, como de resto j acontecia anteriormente, passa agora dos 21 para os 18 anosSebenteUA apontamentos

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o Aconcepo do casamento tambm modificada. aparece, agora, como um contrato jurdico celebrado entre duas pessoas de sexo diferente, que pretendam constituir famlia, mediante uma plena comunho de vida, das quais se exige o livre consentimento, sem o qual o casamento pode ser nulo. o O casamento, sendo em Portugal um acto jurdico, pretende institucionalizar uma relao conjugal tendencialmente duradoira e, por isso, no se admitindo o casamento a prazo. alis, o estipulado nos artigos 1789 e 1792 do Cdigo Civil de 1977 deixa bem clara esta concepo uma vez que, considerando o casamento uma acto civil, que pode ser dissolvel pelo divorcio, explicita, claramente, que no um contrato perptuo. o Por ultimo muda, profundamente, a concepo legislativa no que se refere ao divrcio. O casamento passava, assim, a ser considerado como um contrato jurdico civil. Mesmo para os casamentos catlicos, o primeiro devendo anteceder-se ao segundo, tornava obrigatrio, pela primeira vez, em Portugal. O matrimnio cannico, quando existisse, poderia ser considerado uma cerimnia privada sem direitos civis, ao invs, do que se passava at ento

Em suma, pode dizer-se que as principais linhas de fora da famlia em Portugal, embora com diferenas de calendrio, tendem a seguir as dos outros pases ocidentais, isto , diminui a fecundidade e, por conseguinte, a dimenso da famlia e, ao invs, cresce a natureza da sua privatizao, aumenta o numero de famlias de duplo ganha-po com a entrada massiva da mulher no mercado de emprego, transformamse as suas funes, estruturas e as correlativas leis, esbatem-se as tradicionais hierarquias conjugais e parentais, aumenta o divorcio e, com ele, o numero de famlias monoparentais, recompostas e reconstitudas, entre outros aspectos. 2.5 - Modalidades de controlo social sobre a famlia 2.5.1 A famlia do passado e do presente sob o olhar duma panplia de instituies Um pouco por toda a parte, a famlia, enquanto grupo domstico e instituio social, objecto de um conjunto de normas jurdicas, religiosas e sociais que, de algum modo, procuram pautar a conduta dos seus membros. H ainda a presso das normas costumeiras que, apesar de nos nossos dias terem vindo a perder algum do seu impacto, nem por isso deixam de ser menos constrangedoras. Sendo hoje algo diferentes do passado, no deixam de se impor: a procriao, a educao e proteco dos filhos, a subsistncia do grupo domestico. o apoio psico-afectivo, tanto s crianas como aos adultos, a formao da personalidade dos jovens e a elaborao e expresso da identidade individual, ainda que partilhe, cada vez mais, com o estado e as suas instituies ou outras similares, grande parte destas tarefas. 2.5.2 Do Estado para a famlia Nos nossos dias, a famlia mais independente da parentela, resiste melhor intromisso da vizinhana, investe mais na vida privada e parece, em muitos casos, fazer tbua rasa das leis e das normas sociais vigentes. Parafraseando E. Durkheim, poder continuar a dizer-se que a famlia cada vez mais privada e cada vez mais publica, exactamente porque a primeira condio extremamente tributria da segunda, ou seja, s o incremento das politicas estatais e sociais em prol da famlia, tm, de facto, permitido famlia investir, insistentemente, na sua privatizao. De contrrio, arrisca-se continuar merc das solidariedades dos prximos, designadamente do parentesco, o que no deixa de algum modo de a obrigar a submeter-se a certas formas de controlo familiar e social. 2.5.3 Da normatividade social famlia normal Aludindo, depois disto, preocupao social normativa em prol da famlia, o que se nos afigura dizer que ela no nova, como j o vimos anteriormente. Na verdade, cada poca em correlao com osSebenteUA apontamentos

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sistemas polticos, ideolgicos, religiosos e econmicos procura moldar uma certa forma de famlia e enquadr-la nesses formatos. Alis, falando de uma sociologia da famlia em A. Comte, J.Le Maistre, Le De Bonald, L.-R. De Villerm, F. Le Play, A. Tocqueville, constata-se que todos visam atingir objectivos em favor da implementao de um certo numero de medidas politicas e sociais em prol da normalizao da famlia, de forma a que esta possa ser um elemento central no fortalecimento do lao social, isto , de coeso da sociedade. Convm, contudo, sublinhar que, no nosso tempo, tendo at em conta o processo de individualizao, no s dos indivduos como da prpria famlia que tem sido possvel, graas, por um lado, passagem das sociedade do trabalho a uma sociedade salarial e s medidas sociais do Estado e, por outro, na perspectiva de L. Dumont, a uma configurao individualista que integra a modernidade na sua fase mais avanada o controlo estatal e social sobre a famlia integra alguma complexidade.

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3 Teorias Sociolgicas acerca da Famlia nas Sociedades Contemporneas3.1 A famlia perspectivada por F. Le Play 3.1.1 A obra e o pensamento de Frderic Le Play Enaltecido por uns e criticado por outros, o pensamento social de F. Le Play, com particular destaque sobre a famlia, Advm um elemento essencial para compreender a perspectiva familiar no sculo XIX. Procura estabelecer um contra ponto e uma distino entre famlia tronco e famlia instvel. O nome de F. Le Play ficou, principalmente, associado defesa de uma forma de famlia: A famlia tronco, Preocupado em desvendar os efeitos que decorrem da relao entre famlia e os imperativos econmicos, sociais e culturais que a tinham moldado, pensava que era a nica que continha peculiaridades que podiam fazer banir a desordem reinante. Deste modo, para F. Le Play a famlia, sendo o reflexo de certas formas de organizao nos mais variados contextos sociais, no se confina s fronteiras da casa e da propriedade, mas antes numa atitude mental, numa cultura ou, como diria F. De Coulanges, seu contemporneo, numa essncia. Sendo assim, alm das tradicionais funes atribudas famlia, tinha, tambm, uma funo moral, em virtude da grande influencia que exercia sobre os indivduos e a sociedade. O grande mrito de F. Le Play como homem de cincia, de politica e de interveno social, embora com objectivos que visavam preservar a ordem estabelecida, algo arreigada a um passado devoluto, foi o ter aliado a sua viso sobre a famlia, ainda que eivada de ideologia conservadora, realidade concreta. A partir de um intenso trabalho de campo afirmava a sua militncia em favor da implementao de um modelo de famlia superior a qualquer um dos outros existentes: a famlia tronco em detrimento da famlia alargada e da famlia instvel. Ainda que todas tenham um ponto comum, ou seja, a hierarquia patriarcal, divergem, porm, na sua essncia e estruturas. 3.1.2 Perspectiva le Playsiana sobre as formas de famlia A partir daqui, tomando como unidade de anlise a famlia operria, conclui que h distines significativas entre cada uma destas formas de famlia. A famlia patriarcal, de resto, mais conhecida por famlia alargada, rene um conjunto de indivduos em volta de uma organizao econmica e de uma autoridade muito centralizada: o pai, que guarda junto de si os filhos casados e os seus cnjuges e respectiva prole, em torno da casa-me, impe a sua vontade, zela pela organizao do trabalho no seu interior e procura acumular a poupana. F. Le Play diz ter encontrado, predominantemente, este modelo de famlia, entre oss camponeses russos e os pastores orientais. A segunda forma de famlia encontrada a famlia instvel, ou seja, a que se forma com o casamento, se alarga com o nascimento dos filhos e desaparece com a morte dos esposos. Trata-se da forma de famlia que, correntemente, designada de nuclear conjugal. Neste caso, segundo F. Le Play os filhos logo que se casem ou ainda antes, quando alcanam a autonomia econmica e portanto, a sua emancipao, tendem a abandonar a casa paterna. A famlia instvel pode explicar o crescimento das desigualdades sociais, na medida em que uns enveredam pela ascenso social e outros, inversamente, caiem na pobreza e na misria, em linguagem actual, dir-se-ia na pobreza e na excluso social. A terceira forma de famlia detectada por F. Le Play, foi a que designou de famlia tronco, isto , aquela em que um dos filhos escolhidos pelo pai, e associado a ele, herda, em propriedade e usufruto, os bens produtivos, ao passo que os outros irmos, na medida em que a poupana familiar o permite, criam os seus prprios meios de existncia ou partem eles prprios procura de outros meios de vida. O filho

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associado, normalmente o primognito varo, herda, tambm, os deveres do pai em relao aos irmos, aos idosos da famlia e aos que no podem viver de maneira independente. Fixando a ideia de que a famlia tronco a melhor, continua a atribuir-lhe um rol de atributos, pginas 122 e 123. Com esta posio apriorstica e este rol de elogios, poder-se- dizer que F. Le Play, parece ofuscar outros aspectos desta forma de famlia que a tornam menos capaz de se inscrever nos valores da modernidade. Nesta modalidade de famlia, os papis do pai e da me so assimtricos: ao pai tudo o que se relaciona com o androceu e, inversamente, me com o gineceu. Sendo assim, o primeiro ocupa-se, essencialmente, do exterior e a segunda do que se passa no interior do espao domstico, inclusive, da educao dos filhos. Esta for de famlia, em virtude dos seus modos de organizao patrimonial, limita o desenvolvimento do assalariado e assegura, na grande indstria, o exerccio dos valores tradicionais de proteco, por parte do patro e de obedincia e respeito por parte dos empregados. Em suma, para F. Le Play a famlia tronco a melhor porque assegura, como nenhuma outra, as trs funes essenciais da famlia: o A reproduo, o A educao, o E a segurana econmica. Ao mesmo tempo, tendo uma lgica interna e externa, pode auto-organizar-se formando uma entidade, um mundo fechado em si prprio, onde ser possvel desfrutar de todas as harmonias, tendo mesmo em conta as diferenciaes etrias e outras condies de ordem estaturia. Mas os caminhos entreabertos por F. Le Play no se confinam apologia de uma forma de famlia em vez de outras. Em termos metodolgicos, cabe-lhe ter inventado a tcnica das monografias familiares, isto , o estudo de casos, devidamente seleccionados, de modo a serem representativos da realidade que se quer estudar, policentrados sobre os vrios aspectos da vida das famlias operrias. De algum modo, inaugura, na sociologia, a prtica da observao participante. Esta continua a merecer, na actualidade, um lugar de destaque entre as vrias tcnicas de investigao sociolgica. De igual modo, o aspecto da focagem destes estudos volta do oramento familiar, trave mestra do mtodo das monografias inauguradas por F. Le Play, ou seja, o estudo extensivo do meio e intensivo de algumas famlias, merece tambm alguma proeminncia na sua obra sociolgica. Com certeza que esta concepo de investigao exige o recurso a determinadas tcnicas de pesquisa. Assim, importa comear pela observao directa para poder, em seguida, proceder a uma escolha judiciosa da famlia a estudar, isto , a mais representativa do meio social em que tem lugar a investigao e que se queira prestar a esta colaborao. Logo, o estudo intensivo de uma famlia exige um estudo prvio extensivo do contexto social em que tem lugar a investigao em causa. Mas importa, ainda, ter sempre presente que se trata de uma investigao de ndole comparativa e, como tal, exige, a priori, um enquadramento terico, previamente definido e, posteriori, obriga a uma anlise termo a termo. H que realar que o mtodo utilizado por F. Le Play inclui dados de cariz quantitativo e qualitativo que, devidamente articulados, vo permitir uma anlise mais aprofundada dos fenmenos em anlise. 3.2 O olhar de E. Durkheim sobre as metamorfoses da famlia 3.2.1 As particularidades da famlia num processo democrtico Na sua obra La division du travail social, publicada em 1893, ao fazer a distino entre solidariedade mecnica e solidariedade orgnica, sendo a primeira tributria da organizao social comunitria e aSebenteUA apontamentos

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segunda da organizao social societria, E. Durkheim coloca, diferentemente, os indivduos perante a famlia em cada uma das referidas situaes. Assim, no primeiro caso, o individuo , praticamente, absorvido pelo grupo familiar que lhe confere direitos e obrigaes, ao passo que, no segundo, o individuo, ao conquistar a sua autonomia econmica e social, acede, rapidamente, a um processo de individualizao, podendo passar sem a participao da famlia. O que se pode dizer, ento, que a relao individuo-familia- sociedade tributria dos modos de organizao econmica e social predominantes. De resto, na esteira de E. Durkheim, poder-se- dizer que a famlia dos nossos dias no nem melhor nem pior que a de outros tempos. Apenas diferente porque as circunstancias sociais actuais diferem bastante das do passado. E. Durkheim, considera ter-se passado de um tipo de organizao e solidariedade sociais para outro e tambm a famlia foi, progressivamente, objecto de transformao, passando de um cl amorfo para uma forma perfeita da famlia conjugal. Assim, diz que a famlia conjugal resulta de uma contraco da famlia paternal. Compreende o pai, a me, e todas as geraes que procriaram, excepto os filhos e as filhas dos seus descendentes. A famlia conjugal compreende apenas o marido, a mulher, os filhos menores e celibatrios. H, com efeito, entre os membros do grupo assim constitudo, relaes de parentesco peculiares, que apenas existem entre si e at ao limite de extenso do poder paterno. Nesta definio esto contidas algumas linhas de fora da sociologia durkheimiana sobre a famlia, ou seja, a contraco do grupo domestico, a separao entre a famlia conjugal e o parentesco e, por conseguinte, a privatizao e a individualizao da famlia, bem como o carcter de durao temporria, por exemplo, contra a famlia tronco de F. Le Play que E. Durkheim parece, soberbamente, ignorar. Podemos, ento, reter da obra de Durkheim, a partir do seu curso consagrado sociologia da famlia em 1892, quatro aspectos fundamentais: A famlia contempornea advm, simultaneamente, mais privada e mais dependente do estado e das suas instituies, Inversamente, ela advm mais autnoma em relao ao parentesco Homens e mulheres, individualizando-se, tornam-se mais independentes da parentela A famlia contempornea relacional. 3.2.2 A lgica do privado e do publico na famlia contempornea Seguindo o pensamento durkheimiano, j se deixou entender que a famlia contemporneo concebida como sendo cada vez mais privada e cada vez mais pblica F. De Singly, 1993. Na verdade se, por um lado, a famlia tem mais condies para se reorganizar econmica e afectivamente, em torno de um grupo de pessoas reduzido que dispensa a intromisso do parentesco e at da vizinhana, por outro, torna-se mais dependente da esfera pblica: do Estado com o seu arsenal de leis e de instituies e da sociedade civil do seu conjunto. At porque, doravante, a subsistncia do grupo familiar depende muito mais do emprego, atravs do qual se usufrui um salrio, do que do patrimnio econmico familiar. Na ptica de D. Riesman, 1964, a famlia e os mecanismos que gerem a habitao moderna urbana participam do lgica da multido solitria, isto , vivendo lado a lado ou sobrepostas e coabitando no interior duma mesma ilha-fortaleza que so os prdios modernos em andares, e, ainda, com mais razo as torres e os arranha-cus, as pessoas, muitas vezes, olham-se e no se vem, cruzam-se e no se encontram, ouvem-se mas no se escutam, relacionam-se mas permanecem indiferentes, sabem-se presentes mas ignoram-se para se refugiarem na casa-familia, ninho, abrigo e concha, na expresso potica de G. Bachelard. O Estado toma medidas e cria mais condies, atravs de subsdios e medidas de proteco de vria ordem, para gerir os riscos a que a famlia contempornea est sujeita, esse mesmo Estado, alm de noSebenteUA apontamentos

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querer, at em nome do respeito pela democracia e pela liberdade, no parece ter meios idnticos para gerir as fragilidades da famlia, hoje mais proeminentes que noutros tempos. Poder-se- dizer em termos sociais, que esta intricada relao entre a esfera da vida privada individual e familiar e a esfera publica e o apelo ao reconhecimento daquela com mais direitos sociais, logo com maior interveno dependncia do publico, se vai transformando em movimento social A. Touraine 1965. 3.2.3 A crescente autonomia familiar em relao ao parentesco Para mostrar a pertinncia desta forma peculiar de ser famlia, invoquemos, ainda, o pensamento de E. Durkheim para quem os laos de filiao se vo enfraquecendo na famlia contempornea. Tal perspectiva, permite dizer que a famlia, passando a usufruir de outras condies econmicas e sociais, pode orientar-se por uma lgica moderna que consiste numa exigncia de maior autonomia e individualizao e, ao invs, afastar uma demasiada intromisso na vida domstica familiar, o que constitui a razo fundamental deste processo em busca da autonomia. deste modo, assiste-se a uma crescente nuclearizao da famlia, ou seja, na poca do autor a uma centralizao das pessoas associada a uma contratao do grupo familiar em torno da famlia conjugal. Fica assim, claro que a famlia contempornea comporta uma zona central formada pelo grupo nuclear, pai, me e filhos e mantm depois zonas secundrias que traduzem vrias e diferentes relaes com o parentesco: os ascendentes, os descendentes e os colaterais. No entanto, E. Durkheim, em relao a esta problemtica, pes mais em destaque as relaes inter-geracionais verticais que considera de grande importncia, porque mais preocupado com o enfraquecimento dos laos inter-geracionais. As coisas ficam, hoje, bem diferentes em consequncia da drstica diminuio da natalidade. Com efeito a tendncia para o filho nico ou no no mximo dois filhos, limitando a fratria e a sua respectiva prole, priva a famlia de algumas formas de sociabilidade tradicionais. Tanto quanto a riqueza se transmite hereditariamente continua a haver ricos e pobres de nascimento. As condies morais da nossa vida social so de tal ordem que as sociedades s podero manter-se se as desigualdades exteriores nas quais so colocados os indivduos se nivelarem cada vez mais E. Durkheim. necessrio, portanto, que fora da famlia, se seja solidrio de outro grupo, mais restrito que a sociedade politica, que seja prximo de ns, nos toque de perto e seja capaz de exercer os objectivos que a famlia j no tem capacidade para o efeito. De h uns tempos a esta parte, um certo movimento familialista parece tomar corpo, uma vez que, perante um arsenal de questes sociais de mais difcil resoluo, se volta, de novo, a fazer apelo famlia e s comunidades locais procurando encontrar a remdio para um conjunto de problemas sociais no resolvidos, ao mesmo tempo que se pretende fazer diminuir os custos de certos encargos com a sade e os idosos. Em Portugal, as novas orientaes governamentais em matria de deshospitalizao e de apoio aos idosos so sintomticas a este propsito. Importa, alis, lembrar que o estudo deste fenmeno, e at a militncia em favor desta causa, constituem um dos aspectos fundamentais da obra de E. Durkheim, ou seja, o estudo das formas de solidariedade que mantm a coeso social das sociedades. 3.2.4 A individualizao familiar Como vimos anteriormente a autonomia da famlia conjugal solidifica-se persistentemente graas, por um lado, melhoria de condies econmicas e sociais e, por outro, mudana das mentalidades devido a outras influncias culturais. Sendo certo que daqui decorrem vrios efeitos de ndole individual, familiar eSebenteUA apontamentos

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social, na ptica de E. Durkheim a famlia contempornea, individualizando-se e deixando de dar primazia preservao do patrimnio econmico, investe muito mais nas relaes do que nas coisas, passando as primeiras a serem um factor primordial da vida domstica e no as segundas como no passado, o que traz algumas consequncias, logo que se tenha em conta o horizonte intergeracional. Tal facto, segundo E. Durkheim, deve-se, em grande parte, ao crescente individualismo, pois que o culto do individuo, instalando-se na sociedade vai tambm invadir a famlia onde Cada um assume cada vez mais a sua prpria fisionomia, a sua prpria maneira de pensar; ora nestas condies, o comunismo tornase praticamente impossvel, porque supe, ao contrrio, a identidade, a fuso de todas as conscincias no interior de uma conscincia comum que as absorve. Ficar, assim, claro que a valorizao do indivduo, como o predizia Durkheim, se torna omnipresente no seio das relaes de parentesco. 3.2.5 -Investimento nas relaes intrafamiliares Para Drukheim a famlia contempornea tem-se tornado relacional na medida em que investe, insistentemente, no afectivo e na qualidade das relaes intrafamiliares. Queremos muito nossa famlia porque nos agarramos s pessoas que a compem... As coisas eram bem diferentes antigamente, pois que os laos que advinham das pessoas e toda a organizao familiar tinham, acima de tudo, por objectivo, manter na famlia os bens domsticos e onde todas as consideraes pessoais pareciam secundrias comparativamente com aquelas. Com esta perspectiva, nestes tempos que so os nossos, constata-se que o relacional afectivo na esfera parental e o amoroso na esfera conjugal, ocupam um lugar primordial na famlia contempornea, pelo que no apenas uma estrutura mas tambm uma enseada onde se encontra abrigo, calor e carinho personalizado. A famlia conjugal contempornea, ao invs da do passado, edificando uma distino-separao entre a esfera do privado e a do pblico, sobrevaloriza a dimenso relacional, afectiva e sentimental entre um pequeno nmero de elementos que formam o grupo domstico. Ademais, na famlia as relaes a nvel do casal e dos filhos tornam-se mais democrticas que antigamente. Na concepo de A. Giddens (1996), a intimidade moderna, pretendendo banir as hierarquias conjugais ou simplesmente entre parceiros amorosos, forja um tipo de relao pura entre indivduos igualmente livres, autnomos e inteligentes. Dois elementos fundamentais concorrem para este facto de maneira inextricvel: A conjugao do amor e da sexualidade, que fazem com que a relao exista por si mesma e no em consequncia de qualquer outra razo exterior. neste quadro que o autor fala de amor confluente, isto , cada um se abre reciprocamente na sua relao com outro e no um ao servio do outro. Por seu lado, E. Shorter, situando a emergncia deste movimento no sculo XVIII, tambm considera que, na famlia conjugal, cada membro constri a sua individualidade e a sua esfera de aco. 3.2.6 Do conjugal ao filial nos novos tempos Habitualmente tomada como desgraa ou manifestao de anomia, a designada crise da famlia est afinal mais associada ruptura dos laos conjugais que a outras transformaes de grande flego no seio da clula familiar. Antes de mais, importa referir, que com a progressiva integrao da classe operaria atravs do emprego e da famlia, o advento e desenvolvimento do Estado-Providncia e um certo emburguesamento da classe operria, at por volta dos anos setenta, a famlia parecia definitivamente consolidada, segundo o modelo que lhe havia sido traado, quer pelo Cristianismo, quer pela ideologia burguesa desde o sculo XVIII. Decorrem baixas de natalidade, nupcialidade e, inversamente, aumento da divorcialidade e da coabitao.

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Com efeito, a fragilizao da estruturao conjugal no resulta de um dficit das medidas do EstadoProvidencia, mas antes, tambm em parte do seu sucesso, pois que, em caso de ruptura, os subsdios do estado do direito social procuram cobrir ou atenuar os efeitos destes riscos, ainda que a monoparentalidade em consequncia das rupturas conjugais conduza frequentemente a situaes de pobreza. Quanto influncia dos aspectos tecnico-econmicos, adianta-se que decorrem de dois eixos fundamentais: O primeiro prende-se, por um lado, com as mudanas estruturais no universo do trabalho, isto , uma drstica diminuio do sector agrcola e, Por outro, a crescente profissionalizao tanto de homens como mulheres ao longo das ltimas trs dcadas. Tudo isto faz com que o trabalho que exigia esforos fsicos ceda o passo ao trabalho que exige mais esforos intelectuais. Poder-se-, ento dizer que, perdendo as bases funcionais, a associao conjugal e a sua perene durao passaro, agora, a confrontar-se mais com os sentimentos amorosos e atraco sexual com todas as precariedades que os mesmos possam comportar. 3.2.7 Casamento e famlia Resta-nos olhar, agora, do lado da perspectiva de Durkheim sobre a relao entre famlia e o casamento. Sendo, praticamente, indissolvel e monogmico, apresenta duas novas caractersticas, que revelam a sua consistncia, em relao s formas de casamento anterior, passando das condies externas do casamento para a organizao das relaes matrimoniais, introduz a igualdade patrimonial entre os cnjuges, o que novo na histria das famlias ocidentais. Dir-se-, ento, que, tendo desaparecido o comunismo familiar, passar a existir o comunismo matrimonial. Interessa Tambm deixar claro que Durkheim, enaltecendo a famlia conjugal, no deixa de ter em conta algumas das suas fragilidades. Assim, iniciando-se com o casamento e terminando com a morte dos cnjuges, dissolve-se de uma gerao para outra. Mais ainda, dado que no tm horizonte inter-geraconal, os cnjuges tero que encontrar objectivos que os projectem para alm de si prprio ou da efuso das prprias sensaes momentneas. Em oposio a este cenrio e em termos de repercusses sociais, o casamento, assumindo a dimenso jurdica, faz com que os seus contraentes assumam, um perante o outro e perante a sociedade, um certo nmero de direitos e deveres, o que no , de maneira alguma, o caso da unio livre. Em seu entender, daqui decorrem muitas consequncias nefastas para a famlia e para a sociedade. Da a superioridade do primeiro em relao segunda. 3.3 A famlia nuclear americana na pluma de T. Parsons e R. Bales 3.3.1 A famlia como subsistema dum sistema geral A teoria de T. Parsons sobre a famlia inscreve-se num contexto social e econmico muito preciso: o caso dos Estados Unidos, j mais prximo de ns, isto , nos meados do sculo XX. Sob o ponto de vista social e econmico, a nvel da organizao do trabalho, triunfavam as lgicas implementadas pelo taylorismo e o fordismo, o que veio a contribuir para o aumento da produtividade. Com a sada da crise de 1929, vivia-se, ento em plena poca de expanso econmica. Daqui decorrem a solidificao do Estado- Providencia e um certo nmero de medidas econmicas, visando aumentar o bem estar e o poder de compra das famlias, inclusive, das de condio operria, aumentando o salrio do homem, chefe de famlia. mulher, enquanto boa dona de casa, cabia-lhe administr-lo e rentabiliz-lo no seio da economia domstica. A verdade, porm, que as classes laboriosas, vendo aumentar o seu poder de compra, vo, progressivamente, acedendo aquisio dos bens que elas prprias produz. Estava dado o grande passoSebenteUA apontamentos

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para a entrada na sociedade de consumo, o que constitui um factor importante para o reforo do processo de democraticidade e individualizao. Este movimento, sendo mais tardio na Europa ocidental, com a (re)construo econmica, aps a segunda guerra mundial, assume, aqui, caractersticas idnticas. T. Parsons e R. Bales (1955) fica, assim, claro que a famlia definida como um subistema que cria relaes com outros subsistemas no seio do sistema social total, sendo este concebido como um todo, integrado por vrias redes interligadas entre si. Para explicitar a importncia da famlia, no seio do sistema americano, define-se a partir de trs eixos: As funes As estruturas E os papeis. 3.3.2 Uma teoria das funes sociais da famlia Quanto s funes, consideram que estas, sendo bastante diferentes do passado, tm vindo a especializar-se volta do macrossocial e do microssocial: Macrossocial com a industrilizao, se intensifica a separao entre a casa familiar e o local do trabalho, o papel da famlia consiste, apenas, na reproduo das crianas e na formao da sua prpria identidade social. Concebida desta maneira, a famlia deixou de ter qualquer funo em relao poltica. Contrariamente ao passado, a famlia deixou de ter um papel activo, a este propsito, pois que doravante, o voto, sendo individualizado, transfere esta funo para o indivduo, enquanto tal, e no como membro da famlia. Microssocial a este nvel que T. Parsons e R. Bales situam a grande importncia da famlia, na medida em que exerce duas funes fundamentais: *** a socializao primria das crianas para que se possam tornar bons membros da sociedade *** a estabilizao da personalidade dos adultos, atravs do apoio afectivo que necessitam. Quanto ao primeiro, a familia dever socializar as crianas nos valores e normas da sociedade. Desta maneira, os pais devem prosseguir um tipo de educao que, no sendo autoritria, favorea, simultaneamente, o desenvolvimento da capacidade criadora e da descoberta dos papeis que viro mais tarde a assumir, tal como o gosto pelo sucesso, a comear pela escola, primeira aliada dos pais neste empreendimento, e pelo grupo de pares. Esta tarefa, por via de extenso, deve abranger todas as outras dimenses da vida social e cultural. O autor considera caber-lhe o principal papel na socializao, visando a formao da personalidade do indivduo, dado que esta no inata, mas desenvolve-se, to-somente, com um crescimento harmonioso que s uma famlia coerente com este modelo pode favorecer. No plano da estabilidade da personalidade dos adultos, T. Parsons e R. Bales insistem na necessidade que estes tm, de uma parte, encontrar um equilbrio emocional e, da outra, algo psicaanalizante, isto , banir os elementos residuais infantis que, porventura, ainda possam existir. Ora as responsabilidades familiares, na dupla dimenso de esposos e pais educadores, no descurando a sua dimenso se sexo, tornam-se num factor importante para o efeito. 3.3.3 Uma teoria das estruturas familiares Passando sua teoria sobre as estruturas, importa sublinhar que a famlia americana de tipo nuclear conjugal, ou seja, constituda por uma estrutura triangular: o pai, a me e os filhos. Forma uma unidade autrcica, cuja sobrevivncia econmica deve ser assegurada pelo salrio do homem, marido, pai e ganha-po. Trata-se, tambm, de um grupo familiar onde reina um sistema bilateral simtrico de parentesco, isto , tanto o ramo parental como o maternal esto, igualmente, presentes e os filhos, independentemente, do sexo e da ordem dos nascimentos tm os mesmos direitos, perante a herana.

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Outro elemento muito claro desta sociologia da famlia a relao entre a famlia e o casamento, pois que este que fundamenta aquela. Aquele retira o seu estatuto da profisso, enquanto esta o adquire atravs do estatuto do marido, ou seja, ficando numa total dependncia do marido, -lhe negada qualquer capacidade de autonomia individual e social. Para T. Parsons e R. Bales, esta famlia, sendo a que corresponde melhor s caractersticas da sociedade industrial, orienta-se por valores racionais, isto , insistindo na competncia em vez do neopotismo. Apesar desta individualizao e privatizao crescentes da famlia nuclear, as relaes com o parentesco so privilegiadas, em termos de interajuda e de visitas mais ou menos frequentes, ainda que com matrizes diferentes. 3.3.4 Uma teoria dos papeis conjugais O terceiro aspecto de T. Parsons e R. Bales sobre a famlia prende-se com a diferenciao de papis sexuados. Pensando que a famlia dever ser um espao de felicidade, pois que s assim poder contribuir para o bom funcionamento de uma sociedade altamente competitiva, preconiza que esta dever ser organizada de maneira a poder realizar estes objectivos, ou seja, de regresso a casa, o individuo deve encontrar um ambiente capaz de o compensar das agruras profissionais ou doutro desgaste exterior. Ora, segundo T. Parsons e R. Bales, a felicidade familiar assenta na diferenciao dos papeis conjugais, masculino - instrumental e femininoexpressivo. Deste modo, o homem, investindo do seu papel de ganha-po, assegura a ligao externa com a sociedade e determina o estatuto da famlia, ao passo que a me, votada ar lar, assegura o desenvolvimento da dimenso afectiva. Esta distino de papis, baseada no biolgico e no social, tem ainda uma dimenso horizontal, isto , o pai socializa os filhos neste sentido e a me procede igualmente em relao s filhas. Teoricamente, T. Parsons e R. Bales fundamentam a sua posio de distino dos papis na complementaridade dos cnjuges. Todavia, conferem ao homem um lugar preponderante, em detrimento da mulher que dever ficar numa situao de submisso confinada expresso do amor, servio e disponibilidade, em relao a este e famlia, no seu conjunto. Ao mesmo tempo, valorizando, sobretudo, a dimenso afectiva da mulher no lar, ocultam o valor do trabalho domstico que lhe est atribudo e, ao invs, impe-lhe a gratuidade. Mais ainda, segundo A. Michel, o modelo de famlia parsoniano adapta-se, dificilmente, situao da famlia operria. Segundo a tradio, normalmente a mulher quem se ocupa da administrao da casa a at da orientao do salrio que o marido lhe d para o efeito. Logo, ocupa um espao importante do papel instrumental no interior da famlia. 3.4 A famlia contempornea vista por W. Goode 3.4.1 Uma abordagem plural da questo familiar Um dos trabalhos relevantes de sociologia da famlia de W. Goode foi publicado cerca de uma dcada depois dos trabalhos de T. Parsons e R. Bales. No sendo uma rplica a estes, apresenta uma viso da problemtica familiar que se distancia da destes autores. E isto por duas razes fundamentais: Uma prende-se com a metodologia utilizada, de algum modo de cariz monogrfico, na medida em que procura analisar a famlia como um todo em interaco com o contexto social em que se inscreve, qui, mais utilitrio, em favor deste ou daquele objectivo. A outra, diz respeito ao contedo. partida, coloca-se uma questo primordial. A famlia por toda a parte, uma componente da estrutura social com a qual interage e, sendo tributria de vrios modelos de socializao, os seus mais variados comportamentos no podem ser determinados e explicao, to somente, por factores biolgicos. Comparativamente com os outros animais, alm da diferena de cuidados de ordem biolgicas, o homem o que necessita de um processo de socializao mais prolongado, que tem, normalmente, o seu ponto de partida numa famlia, sendoSebenteUA apontamentos

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