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Olhos Azuis

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Olhos Azuis

Argumento de José Joffily e Jorge Duran

Roteiro de Jorge Duran e Melanie Dimantas

São Paulo, 2010

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Coleção Aplauso

Coordenador-Geral Rubens Ewald Filho

Governador Alberto Goldman

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Diretor-presidente Hubert Alquéres

GOVERNO DO ESTADODE SÃO PAULO

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No Passado Está a História do Futuro

A Imprensa Oficial muito tem contribuído com a sociedade no papel que lhe cabe: a democra-tização de conhecimento por meio da leitura.

A Coleção Aplauso, lançada em 2004, é um exemplo bem-sucedido desse intento. Os temas nela abordados, como biografias de atores, di-retores e dramaturgos, são garantia de que um fragmento da memória cultural do país será pre-servado. Por meio de conversas informais com jornalistas, a história dos artistas é transcrita em primeira pessoa, o que confere grande fluidez ao texto, conquistando mais e mais leitores.

Assim, muitas dessas figuras que tiveram impor-tância fundamental para as artes cênicas brasilei-ras têm sido resgatadas do esquecimento. Mesmo o nome daqueles que já partiram são frequente-mente evocados pela voz de seus companheiros de palco ou de seus biógrafos. Ou seja, nessas histórias que se cruzam, verdadeiros mitos são redescobertos e imortalizados.

E não só o público tem reconhecido a impor-tância e a qualidade da Aplauso. Em 2008, a Coleção foi laureada com o mais importante prêmio da área editorial do Brasil: o Jabuti. Concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), a edição especial sobre Raul Cortez ganhou na categoria biografia.

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Mas o que começou modestamente tomou vulto e novos temas passaram a integrar a Coleção ao longo desses anos. Hoje, a Aplauso inclui inúmeros outros temas correlatos como a his-tória das pioneiras TVs brasileiras, companhias de dança, roteiros de filmes, peças de teatro e uma parte dedicada à música, com biografias de compositores, cantores, maestros, etc.

Para o final deste ano de 2010, está previsto o lançamento de 80 títulos, que se juntarão aos 220 já lançados até aqui. Destes, a maioria foi disponibilizada em acervo digital que pode ser acessado pela internet gratuitamente. Sem dúvida, essa ação constitui grande passo para difusão da nossa cultura entre estudantes, pes-quisadores e leitores simplesmente interessados nas histórias.

Com tudo isso, a Coleção Aplauso passa a fazer parte ela própria de uma história na qual perso-nagens ficcionais se misturam à daqueles que os criaram, e que por sua vez compõe algumas pá-ginas de outra muito maior: a história do Brasil.

Boa leitura.Alberto Goldman

Governador do Estado de São Paulo

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Coleção Aplauso

O que lembro, tenho.Guimarães Rosa

A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa Ofi cial, visa resgatar a memória da cultura nacio nal, biografando atores, atrizes e diretores que compõem a cena brasileira nas áreas de cine ma, teatro e televisão. Foram selecionados escritores com largo currículo em jornalismo cultural para esse trabalho em que a história cênica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída de ma nei ra singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato en tre biógrafos e bio gra fados. Arquivos de documentos e imagens são pesquisados, e o universo que se recons-titui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetória.

A decisão sobre o depoimento de cada um na pri-meira pessoa mantém o aspecto de tradição oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor .

Um aspecto importante da Coleção é que os resul -ta dos obtidos ultrapassam simples registros bio-grá ficos, revelando ao leitor facetas que também caracterizam o artista e seu ofício. Bió grafo e bio-gra fado se colocaram em reflexões que se esten-de ram sobre a formação intelectual e ideo ló gica do artista, contex tua li zada na história brasileira.

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São inúmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pen-samento crítico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso país. Muitos mostraram a importância para a sua formação terem atua do tanto no teatro quanto no cinema e na televisão, adquirindo, linguagens diferenciadas – analisando-as com suas particularidades.

Muitos títulos exploram o universo íntimo e psicológico do artista, revelando as circunstâncias que o conduziram à arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens.

São livros que, além de atrair o grande público, inte ressarão igualmente aos estudiosos das artes cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido o processo de criação que concerne ao teatro, ao cinema e à televisão. Foram abordadas a construção dos personagens, a análise, a história, a importância e a atua lidade de alguns deles. Também foram exami nados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correção de erros no exercício do teatro e do cinema, a diferença entre esses veículos e a expressão de suas linguagens.

Se algum fator específico conduziu ao sucesso da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –,

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é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu país.

À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficácia a pesquisa documental e iconográfica e contar com a disposição e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleção em curso, configurada e com identida-de consolidada, constatamos que os sorti légios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filma-gem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais – que neste universo transi tam, transmutam e vivem – também nos tomaram e sensibilizaram.

É esse material cultural e de reflexão que pode ser agora compartilhado com os leitores de to do o Brasil.

Hubert AlquéresDiretor-presidente

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

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Apresentação

Quantos roteiros você não escreve por dia? Seja quem for o ser humano, engenheiro ou marce-neiro, são dezenas os roteiros escritos. Desde pequeno, tentamos caprichar nas histórias que temos para contar. Há dias em que os roteiros surgem aos borbotões, com a visão de um acon-tecimento –um fato-, com a lembrança de algo que comove, ou com o encontro de um amigo. E por aí, vai...

Ou seja, idéias a gente sempre encontra por aí. Um roteiro é uma idéia ou um sentimento latente que você tenta juntar e transformar numa his-tória. Mas, escrever uma história é tão sofrido e demorado, que a maior parte das histórias é aban-donada pelo meio. Eu diria que 99% das idéias que surgem são abandonadas depois de poucos minutos diante de uma folha em branco. Algu-mas poucas, teimosas, permanecem. Dessas que permanecem, eu diria que 99% não são filmadas. Permanecem roteiros para sempre. Tanto as que são filmadas, como as que ficam apenas roteiros, precisam de artistas dedicados e habilidosos, sen-síveis e ao mesmo tempo pragmáticos. Esses são os roteiristas. Eles se diferenciam dos escritores de romance em muitos aspectos, mas talvez o mais significativo deles seja o fato de que o que

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os roteiristas escrevem não tem vida própria. Ou seja, não existe se não for filmado. Todo o esfor-ço e sofrimento que demanda a escritura de um roteiro podem resultar em nada; podem não ter proveito algum. Ao contrário de um romance, que por si só encontra – ou não- leitores interessados, um roteiro só existe quando se transforma em filme. Como peça literária, não desperta interesse. Nem seria para despertar, pois um bom roteiro cultiva o substantivo – que é filmável- e dispensa o adjetivo, complemento nominal que desperta interesse e colore uma narrativa tradicional. Sua publicação só desperta o interesse de leitores especializados, dedicados ao cinema.

Um bom roteiro, ensinam os mestres, é substan-tivo, vive de fatos, de acontecimentos. Pode até viver de não fatos, o que de qualquer modo é um exercício de oposição, tomando esse rumo contrário ao fato. Então, a vida de roteirista é muito arriscada. E arriscada também é a vida de um produtor, que tem de investir na possibilida-de de ter uma história filmável. O risco da vida de roteirista é grande porque seu esforço pode ser em vão. Já o produtor, pode se dar conta que o que a princípio seria um filme, não tem fôlego para tal. É um investimento menor, mas nem por isso menos frustante. Aliás, se há um investimen-to bom em cinema, é o de desenvolver projetos.

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Eu estava querendo fazer um filme sobre o comportamento do Serviço de Imigração que atende nos aeroportos dos países do primeiro mundo. O estímulo surgiu do longo convívio com um deportado. Meu amigo, que, digamos, se chamava Raimundo Nonato, tinha sido depor-tado quando estava já no terminal do aeroporto JFK nos EUA. A partir daí ele viveria a inusitada situação de não poder entrar em sua própria casa, pois essa casa ficava no país de onde fora mandado embora. Por outro lado, já há mais de 5 anos havia desmontado sua casa no Brasil. Ou seja, um impasse substancial.

Deportado, Raimundo ficou na minha casa matu-tando como fazer nova investida para conseguir voltar para sua casa. Ao longo de três meses, enquanto matutava, me contava detalhes do episódio. Aos seus depoimentos juntavam-se outros de colegas que tinham sofrido o mesmo constrangimento. Certos? Errados? Às vezes me parecia uma coisa, às vezes julgava o inverso, mas algo me intrigava sempre: como o sujeito quer ficar num país que não o deseja alí ? Depois, tam-bém entendi que esse desejo pode mudar con-forme a necessidade de mão de obra. Se o país precisa, abre a fronteira, se não é o caso, fecha. Enfim, o assunto rendia e passávamos algumas horas do dia planejando o regresso de Raimun-

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do. Até que, plano amadurecido, ele partiu de volta para os EUA e para sua casa. Nós ficamos alí em Copacabana, tentando acompanhar o percurso do amigo. Tomando vinho, no conforto do lar, esperávamos a notícia, calculando cada momento: o avião já pousou? E o pessoal já está na fila da Migra? Passou? Enfim, instalados em casa, acompanhávamos o desfecho. Até que Raimundo nos ligou, avisando que estava tudo bem, passara na Migra e até o Jeep que ficara os três meses parado no estacionamento tinha pegado de primeira. Tanto planejamento dera certo e ele estava já a caminho de casa.

Ficou aquela saudade e o assunto. Convidei o Jorge Durán para pensarmos sobre o tema e escrevermos um argumento. Durán, trouxe o documentário Olhos Azuis, onde uma pedagoga americana, Jane Elliot, organizava uma oficina sui-generis. A proposta da pedagoga era ofere-cer a possibilidade dos americanos conhecerem na prática as dores de pertencer a uma minoria. Os interessados, os olhos azuis, sentavam-se no chão, tendo em sua volta um semi-círculo for-mado por representantes de minorias, chamados de olhos negros. A pedagoga estimulava o con-fronto, duvidando da verdade das respostas dos olhos azuis e tinha início um duelo, no qual ela sempre saia vencedora e os olhos azuis subme-

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tidos por sua lógica implacável. O documentário nos serviu de inspiração.

Em seguida veio a Melanie Dimantas e depois de três ou quatro meses tínhamos uma primeira versão do roteiro. Éramos três. Como antes de serem roteiristas, Duran e Malanie são pessoas originais e com interesses diversos, as persona-gens que surgiam eram igualmente diversas. E elas foram conduzindo a história. Se as decisões das personagens sob pressão são mais revelado-ras, na história que montávamos não faltavam essas ocasiões. Na nossa migra, pressão era o que não faltava.

Em 1999, cinco ou seis meses depois de come-çarmos os trabalhos, já sem fôlego de continuar a reescrever o roteiro, demos por encerrado os trabalhos. Agora, precisávamos de dinheiro para continuar a empreitada. Como outros projetos se mostraram mais viáveis, Olhos Azuis foi sendo empurrado com a barriga, até que 8 anos depois anunciavam-se as condições de produção. Voltei para o roteiro e reli. Reparei que o tempo havia interferido na história e aquela que estava alí contada parecia não me interessar mais. Além do que, era preciso adaptar o roteiro ao tama-nho do cheque da captação. Enquanto pensava nos meios de produção, lia e relia, preocupado. Até que pedi ao Paulo Halm para sugerir novos

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caminhos, tendo como base o tratamento de 1999. Pepe sugeriu. Mais do que isso, operou mudanças radicais no roteiro e fez uma proposta, que entre outras heresias, assentava a história em duas vertentes, a da Migra, numa versão mais radical, e a do Marshall, o protagonista, cruzando o estado de Pernambuco de Recife a Petrolina em busca de redenção.

Consultei a co-produtora Heloisa Rezende. Ela gostou. Propus algumas alterações, das quais a mais substancial era o desvio da história de Mar-shall para a de Bia, fazendo com que a dupla se embrenhasse no sertão.

Como sabemos, um roteiro pode ser escrito eter-namente, assim como também pode acontecer com a montagem de um filme. Mas, felizmente, o cronograma de produção foi montado e, tendo início a preparação, interrompemos as mudan-ças. E agora, eles estão aí.

Existe um sabor em conhecer as origens de qualquer projeto, espero que a breve apre-sentação tenha tido um pouco esse gosto. E, certamente, a publicação dessas duas versões, terá suas curiosidades.

José JoffilyAgosto 2009

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Versão Blue6A

1º de março de 1999

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Olhos Azuis

Versão Blue6A – 1º/3/99

1– INT. – QUARTO/CASA DA MÃE DE ANTÔNIO CARLOS – NOITE UMA LEGENDA NOMEIA UMA CIDADE DO NOR-DESTE DO BRASIL.Enquanto passam os créditos iniciais do filme, vemos um homem na penumbra. Seu nome é AN-TONIO CARLOS, ele tem 35 anos e sua cor morena, seus cabelos crespos e feições nordestinas o carac-terizam como um tipo bem brasileiro. Ele está dei-tado na cama de um quarto de casarão antigo, de pé direito alto e assiste a um documentário na TV.O filme mostra um workshop que a pedagoga norte-americana, Jane Elliot, realiza com vo-luntários. Nesse treinamento, os voluntários, todos de olhos azuis, representam, de maneira simbólica o setor da sociedade norte-americana que controla o poder, e como tal serão submeti-dos a um exercício pedagógico. Trata-se de um jogo calcado na inversão de papéis: os olhos azuis se submetem humildemente às vicissitudes cotidianas dos excluídos da sociedade. A expe-riência consiste num confronto verbal entre os voluntários e a PEDAGOGA, tendo como juri uma platéia de gente de olhos de outra cor que não azuis. Ela interroga, metodicamente, os voluntários, provoca-os, exercitando seu poder

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arbitrariamente. Ela é a representante dos ex-cluídos, daqueles de olhos de outra cor que não azuis. Ela se apropria do discurso dominante e, em nome dos dominados, expõe a hipocrisia do discurso das elites sociorraciais. Sistematicamen-te, a PEDAGOGA duvida, ou nega as afirmações dos voluntários, tornando tudo o que eles dizem suspeito. Perverte a lógica e o sentido do que afirmam. Leva-os a experimentar, a sentir na própria carne a sensação de medo, de impo-tência, de desespero que as minorias raciais, sexuais, religiosas vivem na América do Norte. O filme documenta, com uma narrativa simples a emocionante experiência.O documentário está perto do fim quando ter-minam os créditos do filme.O homem está sério, comovido pelo que viu. Seu olhar cai sobre duas malas de viagem. Fe-cha os olhos. A luz da tevê ilumina o quarto. A câmera inicia um movimento como se fosse saindo pela janela.

FADE OUT:2 – EXT. – LARGO POEIRENTO – NOITESONHO. O clima da cena é alegórico. Um largo amplo e poeirento do sertão seco do Nordeste, iluminado pela luz da lua.Inesperadamente, surge A. CARLOS. Vem caval-gando em velocidade, facão na mão. Puxa a rédea do cavalo. Salta do animal levantando poeira.

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Enfrenta um touro que investe contra ele. Derruba-o segurando-o pelos chifres.Com o facão, mata o touro. Levanta a cabeça do animal morto. Solta um grito primal.

3 – EXT. – CASA DA MÃE DE ANTÔNIO CARLOS – AMANHECERNo sobrado, uma das janelas está iluminada de forma pouco realista pela luz da TV ligada. As nuvens passam voando rápido pelo céu, de-senhando sombras no antigo sobrado.

FADE OUT:4 – INT.– QUARTO/CASA DA MÃE DE ANTÔNIO CARLOS – DIAA luz clara da manhã ilumina o amplo quarto onde dorme Antonio Carlos. Os ruídos de uma feira nordestina invadem o ambiente. Um raio do sol, irreal, sobe e ilumina intensamente duas malas preparadas para viagem.A. CARLOS acorda sobressaltado. A primeira coisa que ele vê é o rosto sorridente de LUISA, 7 anos, abrindo a porta.

LUISA(cantando)Bom dia nada custa aos nossos corações, devemos dar bom dia aos nossos irmãos ...(alegre)Acordei primeiro!

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Ele sorri e a abraça.

A. CARLOSE você, senhorita, por que acordou tão cedo?

LUISASó pra te dar mais um beijinho.

A. CARLOSHm! Então dá, é disso que eu gosto!

Ela pula em cima dele. Ele a abraça, carinhoso. Ela lhe dá muitos beijos no rosto todo.

A. CARLOS(continuing; rindo)Ei, garota, guarda uns beijinhos pra depois!

LUISA(abraça-se a ele)Quando você for embora de novo eu não vou mais poder te beijar.

A. CARLOS levanta-se num pulo.

A. CARLOSMas enquanto eu estou aqui, vamos aproveitar.

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Abre a janela e depara-se com a feira: numa das barracas, a que fica próxima da casa, pendura-ram a cabeça do animal do seu sonho.

5 EXT. – FEIRA - DIAA imagem é vista pelo visor de uma câmera de vídeo. Quem grava a imagem é LUISA. Ela vai descrevendo o que vê:

LUISAMatinhos, banana, maçã, tangerina, gra-viola, cupuaçu, galinhas, pé de galinhas, ovos de galinha, um ovo de dinossauro.

A. Carlos se diverte com a filha. Andam pela feira de mãos dadas: nas barracas, vende-se de tudo. Param para ouvir um trio com violão, sanfona e triângulo. A. CARLOS grava imagens do sanfo-neiro e da filha. A menina dança. Ela obriga o pai a dançar xaxado.Um fotógrafo de lambe-lambe. Diante da máqui-na, ANTÔNIO CARLOS e LUISA tiram uma foto.Uma barraca de artesanato de renda. LUISA olha ávida os vestidos.

A. CARLOSEscolhe um pra você e um pra tua mãe.

Ela escolhe os dois vestidos, um maior e outro menor.

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LUISAEsse ela vai amar de paixão. Cê não acha?

A. CARLOSAcho. Você dá para ela?

LUISADá você, ué! Tem medo dela?

A. CARLOS(desconversa)Quer mais um vestido, brincos, um colar?

EM OUTRO LUGAR: A. CARLOS e a filha esbarram num cego de óculos pretos. A bengala do cego cai. A. CARLOS a devolve.

A. CARLOS (continuing) Aqui a bengala, Mundinho!

Sente-se que tem afeto pelo homem. O cego reconhece a voz.

CEGOAntonio Carlos?

A. CARLOSEm pessoa.

O cego o abraça apertado.

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CEGOE você não tava morando na América do Norte, menino?

A. CARLOSVim ver a terrinha. Conferir se tá tudo no lugar.

CEGOAqui nada sai do lugar. É a mesma gas-tura de sempre.

6 – EXT. – FEIRA E BARRACA – DIAMUNDINHO e ANTONIO CARLOS estão comendo todo tipo de comidas regionais. A. CARLOS sente os sabores com prazer. A filha o admira.

A. CARLOSMas que maravilha de pimenta. Esta comidinha não tem melhor em nenhum lugar do mundo.

A pimenta forte quase o faz chorar. A filha ri dele. Com o CEGO bebem pinga enquanto a cozinheira GORDA serve mais comidas; LUISA a escuta atenta.

GORDATeu pai era um capeta! Quando eu passa-va, ele corria pra me levantar a saia. Ah, se

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fizesse isso hoje em dia! Você está um pão. A América do Norte te fez bem, rapaz.

A filha está feliz com a fama do pai.

CEGOTeu pai vivia sonhando ser o herói. Eta, menino doido!

7 – EXT. – IGREJA – DIA (FLASH BACK) Na escadaria da igreja rústica, ANTÔNIO CAR-LOS, 6, e mais três moleques da mesma idade brincam de pirata. As escadarias são o navio. Sentado num banquinho o CEGO participa da brincadeira, puseram nele uma coroa de rei improvisada. A CARLOS é o capitão e fala um inglês de mentira. Avistam terra. Dá ordens aos marujos em inglês.

CEGO (O.S.)Viajava o mundo todo vivendo grandes aventuras. E eu com ele. Ora era rei, ora prisioneiro.

8 – INSERT – EXT. – FEIRA E BARRACA – DIAAINDA NA BARRACA: encantada, LUISA ouve o relato do CEGO.

9 – EXT. – IGREJA – DIA (FLASH BACK) Surgem três inimigos que atacam a tripulação do navio.

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Combatem de espada. Ferozes gritos de feridos, ordens em inglês de mentirinha. A. CARLOS ex-pulsa os invasores.

A. CARLOS(em portinglish)Viva o rei the king. Yes king-kong, fu-man-chu, wana you wana do you liberty. God save de king.

A tripulação grita em coro levantando as espadas.

10 – EXT. – FEIRA – BARRACAA. CARLOS, saudosista. LUISA grita, braço em alto empunhando uma espada imaginária.

LUISAWrons, wrace de kingui!

A. CARLOSGod save the King, Lu.

CEGOE eu era rei por um dia, e viajava com teu pai pra ver a China, a Índia, com este olhos que nunca viram nada. Eu fiquei por aqui e ele foi ver o mundo!

A menina olha o pai com admiração.

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11 – EXT. – IGREJA – FIM DE TARDECéu avermelhado. O largo ficou vazio. MUN-DINHO e ANTONIO CARLOS estão sentados na escadaria da igreja. LUISA está deitada, com a cabeça apoiada nas pernas do pai. Os dois ami-gos bebem pinga.

A. CARLOS(nostálgico)Eu dou muito duro lá, camarada. Não tem essa pinguinha, esse feijãozinho de corda, esse cheiro de música que entra com ervas e te deixa assim plantado no chão. Tem neve e frio no inverno...

LUISA olha o pai com amor e pena. O pai a olha com saudade.

LUISAFica, pai! Aqui você tem eu. Você não tem saudade de mim?

Abraça a menina com força.

A. CARLOSTenho saudade só de te olhar, menina.

LUISAEntão fica comigo...(mais para ela mesma) ...e com a mãe.

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A. CARLOS(determinado)Sabe, Mundinho? Chega de viajar, vou ficar aqui pra sempre.

O CEGO canta-lhe versos.

CEGO (CANTANDO)Se cantar não é problema,Viver tampouco é dilema.Partir por não ter que ficar,

A canção segue nesse fim de tarde, quase noite, enquanto pai e filha afastam-se cantando estró-fes da música do cego.

CEGOficar por não ter que partir.Tudo dá voltae volta ao mesmo lugar.O aventureiro fica ouo aventureiro vai,na bagunça do destino o nó se desfaz.A vida é o bem maior que ele traz.Se cantar não é problema,viver tampouco é dilema...

12 – EXT. – INT – CASA DA MÃE DE ANTÔNIO CARLOS – NOITEPela janela do casarão vemos uma mulher de mais de 60 anos, vestida com camisola de dor-

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mir antiquada, deitada na cama com LUISA. É ALZIRA, mãe de Antonio Carlos e avó de Luisa. Olham um álbum de fotos de família. Viram as páginas e vêm as fotos: um casal e três filhos. Fotos de diversas épocas.

ALZIRAQuando meu pai, seu avô, morreu, teu pai tinha a tua idade. Sua tia Diana era um ano maior.

LUISAComo o vovô morreu?

ALZIRAEle era piloto de avião e bateu numa palmeira quando ia aterrisar.

LUISA(soltando um risinho)Parece coisa de desenho animado!

ALZIRA(olham uma foto)Olha a cara de capeta do teu pai. Ele adorava a rua. Sabe como eu fazia pra ele não fugir?

LUISAComo?

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ALZIRA (O.S.)Eu obrigava ele vestir as roupas da tia Diana para ele ficar com vergonha e não fugir.

LUISA (O.S.)E ele?

13 – EXT. – TELHADO DA ANTIGA CASA – DIA (FLASH BACK) No segundo andar de um sobrado, o menino A. Carlos, 11 anos, e uma menina mais ou menos da mesma idade, sua irmã Diana, amarram uma corda comprida na janela. Vestido de mulher, Antonio Carlos desce pela corda até encontrar os amigos.Diana desce atrás.

ALZIRA (O.S.)Fugia do mesmo jeito! E a Diana ajudava ele.

14 – EXT. – CAMPO DE FUTEBOL – DIA (FLASH BACK) Um campinho de futebol. A molecada joga pe-lada em meio da poeira. DIANA, vibra com as jogadas do irmão que corre atrás da bola vestido de menina.

LUISA (O.S.)Vestido de menina?

ALZIRA (O.S.)De menina.

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15 – INSERT – QUARTO – NOITENO QUARTO DE ALZIRA: LUISA está rindo às gargalhadas.

16 – EXT. – CAMPO DE FUTEBOL – DIA (FLASH BACK) Ouvem-se as gargalhadas cúmplices da neta e da avó. Dois meninos maiores que A. Carlos es-tão rindo das roupas dele. Ele parte para cima. Engalfinha-se com um deles, rolam pelo chão. Soca o moleque falastrão na cara. Sobre as ima-gens entra a voz de Alzira.

ALZIRA (O.S.)E quem ria apanhava. Moleque briguen-to. Apanhava mas não chorava nunca. Tirava sangue do nariz dos meninos.

17 – INT. – CASA DA MÃE DE ANTÔNIO CARLOS – NOITENO QUARTO DE ALZIRA: Luisa está impressionada.

LUISASangue do nariz?

ALZIRAE da boca.

18 – INT. – CASA DA MÃE DE ANTÔNIO CARLOS – NOITEA. CARLOS sai de um quarto no extremo do corredor. Está de bermuda, descalço, espreita.

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Anda rápido. Chega até o quarto onde estão ALZIRA e LUISA. A porta está aberta. Não quer ser visto. ALZIRA e LUISA olham o álbum. Passa rápido para não ser visto mas LUISA percebe a sombra do pai.

Lépida, Luisa pula da cama e consegue ver o pai esgueirando-se pelo corredor até desaparecer por uma porta.

19 – INT. – QUARTO DE MARIETA – NOITEUm quarto amplo e mobiliado com moveis an-tigos e pesados.Uma sacola de viagem e roupas espalhadas in-dicam que a mulher nua deitada na cama está de visita. É MARIETA, 33 anos.ANTÔNIO CARLOS estende no pé da cama o vestido que comprou na feira. Fica ali de pé um tempo, olhando com desejo para a mulher. Não resiste, deita-se ao lado e beija-lhe o corpo.Meio acordada, meio dormindo, Marieta gosta, deixa-se levar pelo prazer mas logo o afasta. Falam em murmúrios:

MARIETAQue bafo de cana!

A. CARLOSBobagem, vem cá, me abraça...

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MARIETAPára! Esqueceu que a gente tá separado?

Ele insiste em abraça-la. Ela relaxa.

A. CARLOSAh, que saudades de você. Você é tão gostosa, Marieta, eu não consigo te es-quecer. Penso tanto em você.

MARIETA afasta-o mais uma vez.

MARIETADe pensar morreu um burro...!

A. CARLOSQuando eu estou lá, sozinho e fudido, eu penso:(meio canastra)I’m someone, I have a family. I love you, Marieta.

MARIETA(rindo)Em inglês vale tudo, né seu sacana.Você não vai me enrolar; você me agarra, eu acabo dando pra você e me iludindo. Cai fora.

A. CARLOS faz mais um intento, mas sente que perdeu e desiste.

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Do lado de fora do quarto, pela porta entrea-berta, LUISA escuta os pais. Afasta-se da porta recuando, sorrindo.

20 – EXT. – CASA DA MÃE DE A. CARLOS – DIAA família está almoçando. LUISA observa tudo. ALZIRA, a mãe de A. CARLOS é o centro das atenções. Ela pega um prato mais pesado, a mão enverga e o derruba. Diana, a filha, a ajuda.

ALZIRA (QUEIXOSA)Minha mão tá fraca. Nem crochê dá mais para fazer. E eu fico tão sozinha!

DIANA faz careta para MARIETA de lá vem ela.

A. CARLOSVelha, eu estou lá trabalhando para você.

ALZIRAVocê me deixou sozinha por sete anos e vai embora de novo.

DIONISIANO(meio alto)Mãe, e eu não conto? I’m here.

LUISA ri e MARIETA a repreende com olhar carinhoso.

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ALZIRAVocê só sabe beber, menino. E a sua irmã só sabe reclamar de mim!

DIANACoitaaada! Mãe, não vai estragar a festa, né?

ALZIRA(venenosa)E você, Marieta, não sente essa tristeza, esse vazio, né? Tua casa tá sempre cheia de amigos!

MARIETAGraças a Deus, dona Alzira! Só uma coi-sinha, minha cara ex-sogra, eu e Antonio Carlos estamos separados, se lembra?

ALZIRAE então o que você está fazendo aqui?

OS FILHOSOlha a Luisinha, mãe! deixa disso!

ALZIRA(não se contendo)Esperando ganhar carro novo? Mais um apartamentinho?

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(desabafa com a neta)E o seu pai, dando duro lá longe, em vez de economizar, gasta tudo...

MARIETAA senhora está possuída ou o quê? (para os outros convivas)Vocês vão me desculpar, mas essa senho-ra devia estar servindo para fazer soro antiofídico.

LUISA abraça a avó.

DIANAChega! Comprar um apartamento para a Luisinha é jogar dinheiro fora? Comprar uma casa pra senhora é esbanjar dinheiro?

ALZIRATodo mundo fica contente com as coisas que ele compra lá de longe, mas eu não. Eu quero ele perto de mim.

DIANA faz blague.

DIANATão pequenininho...

A. CARLOS abraça a mãe, carinhoso.

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A. CARLOSVou te levar pros esteites no verão, mãei-nha. Vão você e a Luisinha. A Marieta não, a Marieta fica, ela tá muito durona, né mãe?

MARIETA sorri e o clima se descontrai.

DIONISIANO(bêbado)É isso, minha gente. Alegria, alegria. Um brinde pro mano aventureiro. Esta família tem um herói. Saúde!

LUISA levanta um copo de cerveja. MARIETA tira o copo dela.

21 – EXT. – ILHA – DIAIlha tropical, mar verde, quente. ANTONIO CAR-LOS mostra a ilha à LUISA. Vão caminhando no meio da vegetação circundante. Antonio Carlos, com a câmera de vídeo, grava imagens deles. A. CARLOS mostra-lhe uma caverna.

A. CARLOSEu e tua mãe escolhemos este lugar para fazer você.

LUISAComo assim?

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A. CARLOS(fazendo piada)Nós dois sentamos aqui e escrevemos uma cartinha pedindo uma menininha muito espertinha...

LUISACartinha, pai?

A. CARLOSÉ, cartinha para a cegonha.

LUISAEu sei como são feitos os bebês.

A. CARLOSJura?

LUISATá me achando com cara de quê? Bebês são feitos com aquele girino que o pai coloca no ovinho da mãe!

Antonio Carlos reage.Chegam numa elevação da qual se vê o mar. É uma paisagem deslumbrante.

A. CARLOSCom o dinheiro que eu estou ganhando vou fazer aqui uma casa linda e cheia de

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plantas. Não é lindo? Tudo junto, mar, sol, cachoeira...

LUISAEu prefiro neve.

A. CARLOSNeve na cidade é fria, suja, chata. Um monte de gente quebra a perna escorre-gando no gêlo e nos cocôs congelados.

LUISAPosso ter um poodle com lacinho?

A. CARLOSArghh! Tô brincando, pode sim.

22 – EXT. – ILHA – PRAIA – FIM DE TARDEO rádio cebolão toca alto. Alguns casais dan-çam. Pequena orgia à beira-mar. A. CARLOS, já meio de porre, está abraçando apertado três homens, da sua idade. LUISA está com o pai e observa tudo.

A. CARLOSMeu Deus! Os três patetas!

HOMEM 1 Harry, Moe, e Joe inteiros.

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A. CARLOSComo é que vocês estão?

HOMEM 1Continuamos na merda, mas você, olha só pra você!

A. CARLOSEstou na merda... em inglês.

HOMEM 2Até parece! Tá dizendo isso pra consolar a gente?

HOMEM 1Falam que tu tá ficando rico, rapaz!

A. CARLOSQue nada. Juntei uns trocados mas traba-lho que nem um boi no arado!

HOMEM 2 É verdade que as gringas adoram uma pica brasileira?

HOMEM 3(dando um toque)Olha a menina!

HOMEM 1Bonitinha como a mãe.

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A. CARLOS faz um comentário com expressão facial.

HOMEM 1(continuing)A vida lá deve ser muito boa!

A. CARLOSNem melhor nem pior. Lá o trabalho é mais bem pago, você vale pelo que faz.

Passa a mão na cabeça da menina que escuta com atenção.

HOMEM 2Lá tem, como é mesmo que se diz negócios?

A. CARLOSBusiness!

HOMEM 2Isso! Tu tá mais norte-americano que a Carmen Miranda.

PASSAGEM DE TEMPO. Enciumado, ANTÔNIO CARLOS olha MARIETA dançando sensualmente com um dos três patetas. Sua irmã DIANA per-cebe o ciúme dele. LUISA também.

DIANAVocê esperava o quê? Uma Penélope?

Não, mano, é só Ulisses virar as costas que o

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palácio se enche de pretendentes. E olha só que mulherão...

Cheia de sensualidade, DIANA capricha nos passos.

A. CARLOSCacete! Mulher é um bicho danado!Nunca se sabe o que tem na cabeça.

ANTÔNIO CARLOS repara que LUISA espera uma reação dele.Quase à força, tira MARIETA do braços do amigo.

OS TRÊS AMIGOS(em coro)Está com ciúmes?

A. CARLOSVão tomar no...

Dança com MARIETA. Beija o pescoço, e a ore-lha dela. Ela finge indiferença. LUISA gosta de vê-los juntos.

A. CARLOS(continuing)Quer me deixar maluco? Você não sabe que eu te amo?

MARIETAJuramento de bêbado vale?

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Ele a obriga a beijá-lo. Ela se entrega.LUISA está feliz ao ver os pais se afastando da festa aos beijos e abraços. Bebe um restinho da cerveja de uma garrafa.

23 – ILHA – CAVERNA E CACHOEIRA – FIM DE TARDEANTÔNIO CARLOS e MARIETA.

A. CARLOSVem comigo amanhã.

MARIETA

Não vou largar tudo para ir atrás de você. Você foi embora porque quis. Veio uma vez e a gente mal se viu.

A. CARLOS

Trabalho feito um camelo...

MARIETA

Não vem com essa. Eu me garanto, não preciso da tua grana.

A. CARLOS

Você acha que não valeu a pena?

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MARIETA

Aqui você era jornalista, tinha um emprego legalzinho. E lá, você é o quê? Poderíamos ter feito tudo juntos. Mas pra você isso não tinha aventura, era muito sem tesão.

A. CARLOSVocê me deixou ir sem reclamar.

MARIETAVocê ia de qualquer jeito. Ia ficar um ano... e, ó, já se passaram sete!

A. CARLOSMe pede para eu ficar.

MARIETAEntão fica!(agressiva)Estou te pedindo agora. Fica!

Ele não sabe o que responder.

A. CARLOSNão posso desistir agora.

MARIETAPor quê?

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A. CARLOSTenho compromisos... Não posso ficar aqui agora! Você me entende?

MARIETA Como vou te entender? Vai embora mas quer ficar...

A. CARLOSIsso! quero ir, e quero ficar!

MARIETAJuntou dinheiro, comprou casa, aparta-mento, lanchonete, taxi, caminhão. Que mais você quer?

A. CARLOSVou fechar um negócio muito bom lá.

MARIETA(incrédula)Tem certeza que é por isso que quer ir?

A. CARLOS(reflete; sincero)Não sei!

MARIETAEsse é o A. Carlos que eu conheço!

A. CARLOS

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Não tenho nada para contar pra Luisa, apenas que trabalhei feito um cão, tra-balhei demais, trabalhei muito, de dia e de noite e juntei uma boa grana. Só isso.

MARIETA(não sem ironia)E não foi por isso que você foi embora?

A. CARLOS(parece triste)Acho que todo homem tem somente uma casa. Mesmo que não more nela, ela sempre será a sua casa. Eu não sei mais onde é a minha casa!

MARIETA o protege. Abraçam- se estreitamente.

MARIETAPelo menos você tem pra onde voltar.E pra você não esquecer de mim...

Ela o beija, o abraça, o faz deitar-se.

24 – INT. – CASA DE ANTÔNIO CARLOS – DIA A. CARLOS está vestido, acabando de fechar a mala. A filha está triste.

A. CARLOS(culpado)Lu, eu tenho que ganhar mais dinheiro

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pra gente fazer aquela casa... para com-prar um poodle de lacinho vermelho.

LUISAPosso ir com você?

A. CARLOSMas não dá para eu cuidar de você lá. Você ia ficar sozinha que nem um peixi-nho de aquário.

LUISAEu sei cozinhar sanduíche.

A. CARLOSVamos combinar uma coisa: nas próximas férias você e sua mãe vão passear lá, com direito a Disney e tudo.

Ela ri triste. Ela lhe entrega uma fita de vídeo.

LUISAPra você não ficar sozinho.

A. CARLOS também está triste.

25 – INT. – AEROPORTO – BRASIL – DIAA. CARLOS faz check in na companhia aérea em que viaja. O destino é Miami. Anunciam a parti-da do voo dele. Ele olha para os lados como se

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procurasse alguém e, em seguida, vai em frente pelo corredor do aeroporto.

26 – INT. – AEROPORTO – CHILE – DIALALO, chileno, vestindo roupas esportivas que contrastam com a seriedade de seu rosto, olha a cordilheira que se destaca na paisagem. Em espanhol anunciam a partida do vôo da compa-nhia nacional para Miami.

27 EXT-RUA-BUENOS AIRES-DIA 27Um senhor de mais de 50 anos está sentado dentro de um táxi. Olha as ruas enquanto o carro segue seu percurso. No rádio, um indefectível tango.

CHOFERSabe cual es el mejor camino para un Argentino resolver sus problemas? El aeropuerto internacional de Ezeiza.(ri de suas palavras)Rey hay uno solo y es Maradona, pero país hay uno solo y se llama América.El resto es silencio, mi amigo. Suerte suya estar lléndose!

MARIO TAPIA(cerimonioso)Cuando un hombre debe abandonar su país para sobrevivir, es muy triste, amigo.

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28 – INT. – AEROPORTO – BRASIL – DIAJá no salão de embarque, um mulato alto, ho-mossexual assumido e agressivo, ROGÉRIO, está vestindo roupas espalhafatosas e fala alto no te-lefone público, sem se importar com quem o olha.

ROGÉRIO(implora)Chama ela, por favor. Só pra dizer adeus!(com raiva)Você não é o dono dela, mano.(desculpando-se)Tá bom, tá bom; não sou teu irmão, mas chama ela, te imploro!(descontrola-se)Ela não quer falar comigo? Mentira tua, cafajeste, escroto, cês nunca mais vão ver a minha cara.(grita)Vou pra não voltar nunca mais.

Larga o telefone com violência. Afasta-se rebo-lando, carregando uma bolsa de viagem, sempre sem ligar para quem o olha.Cruzando seu caminho, uma jovem elegante, bem tratada, PATRÍCIA, fala ao celular. A câmera fica com ela. Anunciam partida de um vôo da linha aérea nacional com destino a Miami.

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PATRÍCIA(ao telefone)Tá um caos aqui. Gente pra caramba. Um caos...(ao telefone)E o f. da p. do meu pai, pão-duro desgra-çado, me dá uma passagem classe exe-cutiva. Com as neguinhas dele, não faz economia, é tudo primeira classe. Estão chamando, querida. Lá vou eu...(imita uma vaca)Tô me sentindo como gado que vai embarcar. Tá um clima assim meio vaca mesmo. Muuu...(rindo)Te ligo de Miami. Tchau!

Ela cruza o hall andando rápido. Mais adiante, ultrapassa A. CARLOS que caminha decidido pelo túnel que leva ao avião. Ele conversa com outro passageiro. A câmera fica agora com os dois.

PASSAGEIROMiami é legal. Não aguentava mais Nova Iorque; frio danado.

A. CARLOSÉ verdade. Foi muito bom te encontrar.(meio falastrão)

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Vou precisar de sócios. Tô com um negócio que vai dar muita grana, rapaz. Me dá teu telefone.

29 – INT.– AEROPORTO – EQUADOR – DIAOs raios X mostram o interior das sacolas de viagem que passam pela esteira. Estão chamando para embarque do vôo da linha aérea local para Miami.O casal ASSUMPTA e ROBERTO aguarda que as bolsas sejam radiografadas. Ela mostra-se calma. Ele está evidentemente nervoso. Cada um deles segura um exemplar de um livro encadernado. Um em capa preta e o outro em capa branca. Eles sempre falarão em espanhol.

ASSUMPTACalma, meu amor, não precisa ter medo, o avião não vai cair.(ao funcionário)Ele morre de medo de voar!

O funcionário sorri, compreensivo. O casal afasta-se.

ASSUMPTA(continuing)Meu amor, você quer estragar tudo?

Tranquila, ASSUMPTA chega a um canto isolado e avalia os livros que levam. Examina a capa, sente o cheiro e o peso.

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ROBERTOIsso é um presente de grego. Vamos jogar fora.

ASSUMPTAPresente a gente aceita, sem reclamar. Amor, se tudo der certo, vamos poder viver tranquilos um bom tempo. Não é isso que a gente quer?

ROBERTOE se não der certo? Qual é o preço que vamos pagar?(aflito)Vamos ficar aqui, eu gosto daqui, Quito é tão linda...

ASSUMPTA(definitiva)Roberto, eu vou continuar morando na América do Norte. Eu preciso ficar longe de tudo para escrever. E você também.Mas se você quer ficar, fica. Eu corro o risco.

Ela abre o livro que carrega. Vemos sua foto na orelha da capa. Pega o dele; e abre. Olha a foto dele.

ASSUMPTA(continuing)A gente saiu lindo nas fotos, não é?

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ROBERTOJá temos a foto de frente, só falta a de perfil com aquele uniforme listrado lá da penitenciaria.

Anunciam a última chamada do vôo da linha aérea nacional com destino a Miami.

30 – EXT. – AVIÕES – DIAAviões de passageiros levantam vôo: são das li-nhas aéreas do Equador, Brasil, Chile, Argentina, Cuba e Bolívia.

FADE OUT:31 – EXT. – RUA AMERICANA – DIAUMA LEGENDA: MIAMI. Imagens documentais mostram ruas, avenidas, casas e paisagens típicas de Miami. Num carro, vestindo uniformes, estão MARSHALL, 60 e poucos anos e BOB, mais ou menos 33. O velho observa tudo com seus olhos absurdamente azuis. Os diálogos entre os dois serão sempre em inglês.Outras imagens documentais registram prédios, decadentes ou luxuosos, pessoas comuns, mise-ráveis e abastados. Visto do alto, o carro cruza pelas ruas. Vemos negros, latinos, drogaditos e dealers em atitude suspeita. Mais adiante, um louco prega numa esquina. Um carro é detido pela polícia.

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Policiais revistam os ocupantes a procura de armas. Sobre estas ultimas imagens ouvimos a conversa de BOB e MARSHALL.Os dialogos entre eles será sempre em inglês.

MARSHALLA América na merda e eu de chinelos.

BOBIsso não é problema teu.

MARSHALLRealmente! Não consigo imaginar como vai ser amanhã.

BOBAmanhã você acorda e vai para a praia.

MARSHALLFazer o que na praia?

BOBFicar à toa, com o barrigão para o ar.(pausa)E se o teu pau ainda levantar, pode pegar uma mulher.

MARSHALL(estala os dedos)E uma interminável fila de louras vai ba-ter na minha porta.

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BOBAí você distribui senha...

Eles riem. O velho abre uma garrafinha de bolso e bebe whisky.

MARSHALL(observa Bob)Vou indicar meu sucessor.(com intenção)Tem alguma sugestão?

BOB mostra indiferença e nega com um gesto de cabeça.

MARSHALL(continuing; irônico)Tanto desinteresse é suspeito! Seu filho da puta fingido!

32 – INT. – EXT– MIAMI – LANCHONETE – NOITELocal típico norte-americano. MARSHALL acaba uma cerveja que a garçonete substitui por outra. BOB faz um lanche.

MARSHALL(silencio pesado)Estou com o sangue fervendo de raiva.É muito injusto. Eu ainda tenho muita coisa pra fazer. Amanhã vou ser mais um

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aposentado, mais um filho da puta inútil. Parece que não fiz nada que valesse a pena.

BOBBola pra frente, amigão. Tenta fazer que nem os coroas dos filmes, que nem o Morgan Freeman... O policial durão se aposenta, pega o barquinho chamado Pe-ter Pan e sai por aí singrando os mares...

MARSHALLNos filmes os caras morrem uma hora antes de sair no barquinho. E se for negro pior.

BOB(rindo)Isso lá é verdade.(mudando o tom)Mas, você é o cara mais chato da repar-tição. O mais chato e o melhor de todos.Você merece um bom descanso, Marshall.

MARSHALLO descanso eterno?

Bob ri. MARSHALL bebe a cerveja sofregamente.

BOBOlha o porre! Ainda tem trabalho.

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33 – EXT. – AEROPORTO DE MIAMI – ENTARDECERAviões de diversas linhas aéreas pousam na pis-ta do aeroporto. A bandeira norte-americana sempre presente.

34 – INT. – SAGUÃO DO AEROPORTO – NOITEPassageiros de diversos vôos no saguão. Malas, carrinhos, confusão. A Varig anuncia a chegada de vôo numero x. Os passageiros deixam o avião pela rampa; clima festivo.Famílias de turistas brasileiros, com sacolas de agências: Soletur, Stella Barros etc. Perdidos na multidão, sem se conhecerem, ANTONIO CAR-LOS, PATRÍCIA e ROGÉRIO.

35 – INT. – AEROPORTO– IMIGRAÇÃO – NOITEFilas de passageiros recém-desembarcados apresentam seus passaportes nos guichês da imigração. Os oficiais examinam os documentos, conferindo fotografias e informações diversas.MARSHALL e BOB cruzam o saguão.

36 – INT. – SALA DOS OFICIAIS – NOITESANDRA, afro-americana de 40 anos, uniformi-zada como todos os oficiais, balança um chavei-rinho dourado em forma de chinelinhos.

SANDRAOlha só, John Wayne! Tenho um presen-tinho para você.

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Entrega o chaveiro a MARSHALL. Ele olha o chaveiro.Na televisão, atrás dele, o telejornal noticia uma perseguição movida pela polícia a dois imigrantes ilegais.Vemos imagens da violenta caçada.

MARSHALLAposentadoria! Grande merda!

SANDRA(em tom de discurso)Falando sério, Marshall, você foi um puta patrão, nunca fez diferença pelo fato de eu ser mulher, negra, coroa e gorda. Um chefe e tanto. Graças a Deus que eu não sou latina nem judia, senão podia ser demais. Te devo essa!

MARSHALLDespedida me deixa com a boca sêca.

Tira da gaveta uma garrafa de whisky e enche três copinhos.Olha interessado para o noticiário na TV.No telejornal, a polícia prende os fugitivos. Espanca-os.

MARSHALL(continuing)Temos motivo para festejar!

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BOB É proibido beber em serviço, mas já que é para uma nobre causa...

MARSHALL(levantando o copo)Saúde!

BOBSaúde!

SANDRASaúde ao melhor chefe que este depar-tamento já teve!

Fica olhando o telejornal. O locutor anuncia que os dois fugitivos eram imigrantes clandestinos.

MARSHALL(bem humorado)Hoje vamos trabalhar dobrado.Ninguém entra sem explicar o que veio fazer aqui.

37 – INT. – AEROPORTO – IMIGRAÇÃO – NOITENuma das filas está ROGÉRIO paquerando um jovem.Noutra, LALO conversa com uma velhinha.A. CARLOS chama a atenção do conhecido que encontrou anteriormente; ele está numa outra

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fila, e pede por gestos que lhe telefone. PATRICIA está na frente de A. Carlos, falando pelo celular.CALIPSO, jovem de 23 anos, morena, assustada, examina seu passaporte.ROBERTO e ASSUMPTA; ele tenso, ela relax, conversam entre si.No GUICHÊ 1: Um oficial da imigração manuseia o passaporte de ORLANDO PAZ, boliviano de 35 anos, de fortes traços indígenas. Os oficiais sempre falam em inglês.

ORLANDOSou médico.

OFICIALMédico?

ORLANDOMédico residente do Metropolitan Hos-pital de Nova Iorque.

O OFICIAL examina o passaporte; confere a foto com o próprio.

OFICIAL(duvidando)Médico do Metropolitan?

ORLANDOSim, senhor. Do Metropolitan!

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GUICHÊ 2: oficial interroga LALO.

LALO(animado)Vim a passeio.

OFICIAL 2O senhor é fã do Mickey ou da Minnie?

LALODa Mônica charuto! E o senhor?

GUICHÊ 1: MARIO TAPIA, 55 anos, argentino de bigode, é interrogado.

MARIO TAPIA(seco, frio, cortante)Para mim, tanto faz Mickey ou Minnie. Vim a negócio.

OFICIALQue tipo de negócio?

GUICHÊ 3: A. CARLOS está impaciente; olha irritado para PATRÍCIA, à sua frente, que ainda fala pelo celular.

PATRÍCIA(ao telefone)Isto aqui fede, menina. Como você sabe,

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só vem lixo pra Miami. E como eu detesto pobre, já imaginou né...

Sem parar de tagarelar, com total descaso, en-trega seu passaporte ao OFICIAL.

PATRÍCIA(continuing)Avisa para o pessoal onde vou estar em Paris... anota o endereço...

OFICIALQuanto tempo pretende ficar?

PATRÍCIA(soberba, para o oficial)Como assim?(ao telefone)Calma, querida, já te dou o endereço.

OFICIALQuanto tempo pretende ficar?

PATRÍCIATwo weeks. Maybe less. I’m flying to Paris.(ao telefone)Anota o endereço... 36, rue de Clichy.(Arrogante. Ao oficial, que aguarda)Algum problema?

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OFICIAL 1Por favor, a srta. acompanhe o guarda.

Um guarda da imigração aparece prontamente.

PATRÍCIA(espantada)Qual é o problema?

Ignorando-a, o oficial chama o seguinte passageiro.

OFICIALNext!

A. CARLOS ri dela. Demora-se em obedecer a chamada do oficial.

OFICIAL(continuing; irritado)Next!

A. CARLOS pula e entrega o passaporte, olhan-do com ironia PATRICIA que argumenta com o GUARDA.

OFICIAL(continuing)Quanto tempo pretende...

A. CARLOS(interrompe-o. Fala inglês razoável)Tempo indefinido.

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OFICIALQuanto tempo pretende...

A. CARLOSUm bom tempo. Tenho autorização para isso, não tenho? Tenho trabalho, docu-mentação...

O OFICIAL o observa friamente.

OFICIALQuanto dinheiro o sr. está trazendo?

A. CARLOSMeu dinheiro está num banco norte--americano.

38 – INT. – AEROPORTO – CORREDORES – NOITEA. CARLOS segue o GUARDA. Ao lado dele ca-minham ORLANDO PAZ e PATRÍCIA.

A. CARLOSIsto é um absurdo. Tenho uma conexão para Nova Iorque em 50 minutos. Vou perder minha conexão.

ORLANDO parece mais calmo. PATRÍCIA liga mais uma vez o celular enquanto ajeita sua frasqueira Vuitton.

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PATRÍCIA(ao telefone)Alô, Tânia? Chama meu pai!(pausa)Interrompe essa merda de reunião...Alô, alô! Merda!

Ela fecha o telefone com violência, e continua caminhando.

PATRÍCIA(continuing; para o oficial)Is there any phonebooth here?

O oficial parece não ouvi-la.

39 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITENo salão amplo, há cerca de 100 cadeiras prega-das no chão, todas viradas de frente para duas salas menores. As salas são separadas por divisó-rias, e por divisórias de vidro com o salão maior, onde estão os passageiros detidos. Predomina gente jovem, homens e mulheres, muitos deles tipos mestiços de branco, índio, negro. PATRICIA, A. CARLOS e ORLANDO entram no salão.

40 – INT. – AQUÁRIO – NOITEAtravés da janela de vidro, MARSHALL, BOB e SANDRA observam o salão que continua enchen-do de gente.

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MARSHALLAlguma coisa um de vocês vai ganhar hoje. Talvez um cargo superior para o melhor da classe?

SANDRA(jogando verde)Mas isso é para o queridinho do Bob.

MARSHALLViu isso na sua bola de cristal?

SANDRAAinda posso sonhar com um aumento de salário, não posso? Vestidos Calvin Klein, apertadinhos...(fazendo pose de modelo)Um corpinho lipoaspirado. Um carrão, um marido zero km... Sonhar não custa nada!

MARSHALLE você, Bob? Para que te serviria o cargo?

BOB Mais dinheiro é básico!

MARSHALL... e mais poder.

SANDRAIsso significa que já escolheu ele?

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MARSHALLSe ele provar que é bom para o cargo.(sugestivo)Senão...

MARSHALL espalha na mesa uma pilha de passaportes.

MARSHALL(continuing)Sandra, você escolhe.

SANDRAComo assim?

MARSHALLDeixa a tua intuição falar. Escolhe sete, dez, 12. Escolhe quantos quiser.

Bebe whisky. Ela começa a tarefa. Vai escolhendo passaportes, um por um. Separa 13 passaportes de diversos países e os isola do resto.

MARSHALL(continuing)Com 20 dólares você consegue um passa-porte falso em qualquer lugar do mundo.

BOBEu aposto que são todos legítimos.

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SANDRAPodem não ser! O chefe tem razão!

BOBIsso é paranóia. Se o passaporte não vale nada, o que vale então?

MARSHALLO nosso olho. Eles...(indica o salão)sempre vão dizer que são inocentes.

BOBE são culpados de quê? Você tem algo pessoal contra eles?

SANDRAE você tem algo a favor?

BOBEu não tenho nem a favor nem contra!

MARSHALL(aponta para o salão)Para mim todos são suspeitos e ponto final. É uma questão de método.

BOBNão bota pelo em ovo, Marshall.

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MARSHALLAposto os pelos do meu ovo que deste mato sai coelho.

SANDRAFaço questão de inspecionar o pagamen-to da aposta.

Risos. SANDRA escolhe passaportes. Toca-os numa cômica encenação de vidente. Em todos vemos detalhes dos nomes e as fotos. O primeiro em que se detém é o documento de Antonio Carlos.

SANDRA(continuing)Este é um aventureiro, um navio perdido nas tempestades.

41 – INSERT – SALA DE ESPERA – NOITEA. CARLOS olhando as pessoas do salão. O salão está lotando.

SANDRA (O.S.)(referindo-se a Assumpta)Mulher fálica, quente.

ASSUMPTA observa tudo a sua volta.

42 – INT. – AQUARIO – NOITESANDRA segura o passaporte de Roberto nas mãos.

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SANDRAArtista, esforçado e dependente.

43 – INSERT – SALA DE ESPERA – NOITEROBERTO limpa o suor da testa.

44 – INT. – AQUÁRIO – NOITESANDRA toca a foto de MARIO TAPIA no pas-saporte. Sua atitude muda. Fica séria, como se estivesse em transe. Olha a foto de MARIO TA-PIA. Um tango bem tradicional sobe em fade.

45 – INT. – AEROPORTO – BANHEIRO – NOITEFrente ao espelho, MARIO TAPIA examina o rosto, desliza os dedos sobre o lábio superior alisando o bigode.

46 – INT. – SALÃO ANTIQUADO – NOITEEm falso raccord, uma mão de mulher desliza os dedos pelo cabelo e a nuca de MARIO TAPIA. Ele sorri, sedutor.Uma pequena orquestra capricha nos acordes do tango. A mulher está de costas, vestido de-cotado, belos ombros aparecendo.Ele a enlaça. Dançam com maestria. Ela sempre de costas, ele de frente. Pés e pernas fazendo passos, entrelaçando-se, parando, avançando, deslizando.

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47 – INT. – AQUÁRIO – NOITEO tango morre em fade. SANDRA cambaleia. MAR-SHALL e BOB sorriem, como quem assiste a um espetáculo. Ela parece em transe e geme. Acorda.

SANDRAEstranho, algo ruim... pesado.Energia negativa!

BOB e MARSHALL batem palmas. SANDRA, embora perturbada, alcança outro passaporte. Olha a foto. Um homem magro e de bigodinhos: é o LATINO. SANDRA muda de atitude, rompe o clima sério e faz comédia.

SANDRA(continuing)Ferrado.

Toca outro passaporte, idêntico ao do LATINO.

SANDRA(continuing)Ferrado...

Toca outro passaporte ainda mais.

SANDRA(continuing)Ferrado, ferrado, ferrado, ferrado.

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BOB pega a bolsa dela, como sentindo-lhe a energia.

BOBBruxa de Salem.

SANDRARi, Bob, ri dos poderes de Sandra!

Mostra os passaportes escolhidos a MARSHALL.

SANDRA(continuing)Pronto, chefe. Estes aqui são quentes. O resto pode dispensar. Eu garanto.

MARSHALLIsola esse pessoal. Solta o resto do gado. Vai, velha bruxa.

48 – INT. – SALÃO DE ESPERA – NOITEO salão está sendo esvaziado. A. CARLOS observa os oficiais que vigiam a porta que comunica com o corredor do aeroporto.Numerosos passageiros estão abandonando o salão; eles reclamam, xingam, pedem informa-ções aos oficiais, que parecem não ouvi-los. Os OFICIAIS deixam o salão conduzindo os últimos cinco passageiros e fecham a porta.

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Agora o salão parece muito maior. Espalhados, em silencio, tensos, perplexos, na expectativa ficaram ASSUMPTA, ROBERTO, ORLANDO, PATRÍCIA, LALO, A. CARLOS, MARIO TAPIA, ROGÉRIO e CALIPSO. Também ficou o LATINO com a delegação de quatro desportistas. Entre essas personagens os idiomas falados serão o espanhol, o português ou a mistura de ambos.

A. CARLOSQue é que está havendo?

ORLANDOJá passei por isto antes, mas nunca vi algo assim.

Pela janela do aquário, MARSHALL, BOB e SAN-DRA observam o salão. E são observados por aqueles que ficaram. MARSHALL serve whisky para os colegas.

MARSHALLOlha lá, estavam confiantes, agora, ó, estão asssustados. Vocês tão vendo como é o ser humano. Essa foi a primeira lição: baixar a moral da tropa. Acho que agora tá na hora de começar!

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49 – INT. – AQUÁRIO – NOITEA. CARLOS explica, enquanto BOB examina o passaporte. É contido e impessoal. MARSHALL os observa. SANDRA, ao lado dele.

A. CARLOSEstou tirando meu green card. Tem um documento oficial anexado no passaporte.

MARSHALL o observa e A. CARLOS por um mo-mento sorri para ele, sem receber o troco de volta.

BOBJornalista!

A. CARLOSSim. Mas agora mexo com comércio. Há produtos brasileiros que interessam aqui.

BOB(interrompendo)Foi de férias ao Brasil?

Examina o passaporte. Examina o documento anexado.

A. CARLOSFui visitar minha filha.

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BOBO senhor não é casado com uma norte- -americana?

A. CARLOSEu não sou casado de verdade no Bra-sil. Aqui eu fui casado com uma norte--americana.

50 – INT. – AQUÁRIO VIZINHO – NOITENo AQUÁRIO VIZINHO, SANDRA está sentada na cadeira. Examina o passaporte de ASSUMPTA, que parece tranquila. ASSUMPTA presta atenção ao diálogo do aquário onde está Antonio Carlos. SANDRA a olha e recebe um sorriso simpático.

SANDRAEscritora...

ASSUMPTASim...

A. CARLOS (O.S.)Vivemos juntos dois anos.

SANDRAEquador! É bonito lá?

ASSUMPTARecomendo.

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MARSHALL surge na porta; a chama. SANDRA pula da cadeira, Marshall se senta.

BOB (O.S.)

Como podemos localizar a sua esposa, a norte--americana. O nome dela...

51 – INT. – AQUÁRIO – NOITEBOB e A. CARLOS. SANDRA entra no aquário.

A. CARLOSLynn Robinson. Mas não sei aonde ela anda.

BOBPor quê?

A. CARLOS(constrangido)Ela foi embora... sem aviso prévio.

BOB vai continuar. SANDRA se adianta.

SANDRA(irônica)E o senhor chorou muito pelo abandono?

A. CARLOS(solícito)Desculpe mas... isso é importante?

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SANDRA(interrompendo)Cariño, aqui tudo nos interessa! Uma curiosidade. Por que não casou no Brasil e casou aqui?

A. CARLOSMotivos pessoais.

SANDRAMe dê uma pista...

A. CARLOS(acuado)Motivos pessoais.

52 – INT. – AQUÁRIO VIZINHO – NOITE As pernas de ASSUMPTA são o assunto. MAR-SHALL observa ASSUMPTA. Ela o ignora; está atenta ao diálogo na sala ao lado. O norte--americano estica os braços, respira fundo, sacode a cabeça para espantar o porre que se anuncia.

BOB (O.S.)Como se chamam seus sogros norte--americanos?

A. CARLOS (O.S.)(tentando lembrar)Eram dois velhos. Viviam numa cidade pe-quena no Arizona. Realmente não lembro.

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53 – INT. – AQUÁRIO – NOITEBOB observa A. CARLOS com neutralidade. SAN-DRA já o condenou.MARSHALL aparece na porta, intervém, seco.

MARSHALLAlguma vez visitou seus sogros?

A. CARLOSQuando nos casamos, fomos visitá- los.

MARSHALLComo se chamava o lugar?

Ele não responde. Foi pego de surpresa.

54 – INT. – AQUÁRIO VIZINHO – NOITEASSUMPTA está tensa.

A. CARLOS (O.S.)Sedona, isso!

A resposta a deixa aliviada, sorri.

55 – INT. – AQUÁRIO – NOITEMARSHALL gratamente surpreso.

MARSHALLVocê conhece Sedona?

A. CARLOS Conheço sim.

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MARSHALLE como foram até lá? Por terra?

A. CARLOS(inseguro)De avião... e também por terra.

MARSHALLGostou de lá?

A. CARLOSGostei... Uma cidade... como outra qual-quer... só fui lá uma vez.

SANDRA(irônica)Os sogrinhos? Foram simpáticos?

MARSHALL olha-o inexpressivo.

56 – INT. – AQUÁRIO – NOITEASSUMPTA no lugar em que estava A. CARLOS. Ela mostra-se calma. BOB gosta do que vê, ob-serva-a um tempo a mais do necessário. SANDRA está num canto da sala e percebe.

ASSUMPTAEu e o meu marido visitamos universida-des. Fazemos contatos.Conseguimos convites para recitais, conferências.

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MARSHALLÉ mesmo?

BOB revisa o passaporte.

ASSUMPTAO interesse da juventude daqui pela América do Sul é enorme.

BOB(examinando o passaporte)Tem múltiplas entradas.

ASSUMPTAEstamos sempre viajando. Somos poetas.

MARSHALLE isso é profissão?

BOB se impacienta. Faz um gesto para ele ficar de fora.ASSUMPTA e BOB encaram-se de frente, olho no olho.

ASSUMPTAPara muita gente não é.(jovial)Às vezes me perguntam: em que traba-lha? Eu digo que escrevo poesia.E me dizem: ah, que interessante! Mas você trabalha mesmo em quê?

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SANDRA ri. ASSUMPTA desvia o olhar e sorri para ela. BOB só consegue olhar para ela. ASSUMPTA muda o tom e fala para BOB.

ASSUMPTA(continuing)Em Nova Iorque, você está no centro do mundo. E esses convites nos permitem ficar escrevendo em paz.

57 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITEROBERTO muito tenso, de pé, olhando o aquário. Percebe o jeito com que BOB olha para sua mulher.

ASSUMPTA (VOZ)No Equador, a gente não consegue viver de escrever.

58 – INT. – AQUÁRIO – NOITEBOB muda o tom. Fala mais suave, o tom é mais pessoal. SANDRA dá um sorriso sacana, enten-dendo tudo.

BOBOnde vocês vão se hospedar?

ASSUMPTAEm casa de amigos.

BOBPode me dar os nomes, telefones?

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ASSUMPTA(segura)Quer anotar? Phillip Glass...

BOBO músico...

MARSHALL(interrompe, frio)Senhora, poderia nos dar telefones de amigos latinos, ilegais como vocês?Isso melhoraria a sua situação e a do seu marido rapidamente.

SANDRA abandona a sala. Muito segura, AS-SUMPTA nega a oferta com um gesto definitivo. BOB fala um espanhol razoável.Nitidamente, faz isso para agradá-la.

BOBVocê já publicou algum livro?

ASSUMPTAJá...

BOBTem algum aí com a senhora?

ASSUMPTA duvida um segundo: entrega-lhe o livro de capa dura que estava em sua bolsa. Na

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contracapa BOB vê a fotografia dela. Compara-a com ela ao vivo. Ficam se olhando um segundo a mais do que o necessário.Visto do aquário, ROBERTO está pálido, ofegan-te, em pânico.

59 – INT.– SALA DOS OFICIAIS – NOITEEstão somente BOB, MARSHALL e SANDRA.

SANDRA(sarcástica)Você é muito cafajeste, chefe.Tripudia dela porque é mulher.

MARSHALL diverte-se. BOB também. Isso a irrita.

SANDRA(continuing; para Bob)Você acha que não reparei? Ficou deslum-brado com as coxas dela, babão.

MARSHALL(debocha dela)Ela está mentindo, tá na cara que vivem aqui!

BOBPor que mentiria?

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SANDRASaquei tudo!(para Bob; sarcástica)Está imaginando ela sussurando poemas na tua orelha nojenta!

BOBO chefe que bebe e você que fica de porre?

60 – INT. – SALÃO DE ESPERA NOITEROBERTO está nervoso e mal consegue ficar parado no lugar.

ASSUMPTAFinalmente vou saber o que um gringo acha do que eu escrevo. O gringo jovem pediu meu livro.

ROBERTO(espantado)E você entregou?

ASSUMPTAVamos ver o que acontece.

ROBERTO quase grita.

ROBERTOVocê é louca?

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O resto dos detidos presta atenção neles. AS-SUMPTA muito segura, aperta-lhe o pulso.

ASSUMPTA(sussurra)Não dê bandeira!

ROBERTO(sussurra)Vamos continuar escrevendo, presos por tráfico de drogas?

ASSUMPTAVamos continuar escrevendo? Você de cho-fer o dia todo e eu de garçonete toda noite?

61 – INT – SALA DOS OFICIAIS E AQUÁRIO – NOITEMARIO TAPIA entra no aquário vazio, impassí-vel, observa tudo; senta-se. BOB e MARSHALL o observam da sala dos oficiais.

MARSHALLSardinha ou tubarão?

BOBSardinha.

MARSHALLBom, vamos ver.

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Entram no aquário. BOB se senta e abre o pas-saporte. MARSHALL observa de um canto. BOB interroga de forma fria, porém, não agressiva, faz TAPIA sentir-se confortável.

BOBPoderia especificar a natureza de seus interesses nos EUA?

MARIO TAPIASim. Posso. Sou cidadão argentino. Tra-balho com comércio exterior.

BOBO senhor é empresário?

MARIO TAPIANão, exatamente. Sou aposentado. Fui professor. 30 anos de magistério! Mas não dá para viver de aposentadoria.

MARSHALLA aposentadoria fede em qualquer lugar do mundo.

Enquanto ele fala vemos as imagens seguintes.

62 – INT. – HOTEL ARGENTINO – DIAAlguém geme, sofre. Um homem está deitado, dormindo. Não vemos seu rosto.

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MARIO TAPIA (O.S.)O meu país é muito injusto com seus velhos, com aqueles que deram a vida por ele...

Na mesa de cabeceira há um copo de vidro com o emblema do GRAN HOTEL. Ao lado do copo, uma pistola. Um passaporte argentino identifica o dono: MARIO TAPIA. Na foto do documento ele está de bigode. O despertador dispara.O homem acorda suando, sobressaltado. Ao sentar-se, vemos que é MARIO TAPIA sem o bigode. Olha as horas. Está atrasado.Apanha a pistola, com intimidade examina o mecanismo.Agora a pistola está sobre o mármore da pia do banheiro, junto, um bigode falso dentro de uma caixinha.Em frente ao espelho, banho tomado, barbeado, MARIO TAPIA observa o rosto. Experimenta um bigode falso que parece verdadeiro mas lhe dá um ar quase cômico. Sorri de si mesmo.

BOB (O.S.)O senhor poderia me fornecer dados de seus contatos aqui nos EUA?

Figuras fantasmagóricas, homens, mulheres, velhos, crianças, estão na porta do banheiro. MARIO TAPIA assusta-se com as imagens refle-

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tidas no espelho. Apavorado, empunha a arma.Dispara. Estoura a chama do disparo, como um flash que vela a imagem.

63 – EXT. – RUA DE BUENOS AIRES – DIAMARIO TAPIA deixa o hotel com a mala na mão. Caminha tenso, olhando as pessoas, como se temesse algo.

MARIO TAPIA (O.S.)Ironside Company, telefone, em Miami, 345-6277. Saint Mark Trade & Co, em Milwalkee, 5567-8786.

Fixa-se numa mulher com lenço cobrindo a ca-beça, de costas para ele. Aperta o passo. Repara num velho que o olha. Desvia-se do caminho. Anda mais rápido, quase fugindo.

64 INT-AQUÁRIO-NOITE 64Como se tivesse vivido o pesadelo, MARIO TA-PIA sua abundantemente. Enxuga a testa com um lenço.

MARIO TAPIA(simpático)A gente tem que inventar, para sobreviver...

MARSHALL balança a cabeça afirmativamente, concordando em tudo com o argentino.

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MARIO TAPIA retira cartas comerciais de uma pasta e entrega a BOB que as examina.

MARIO TAPIA(continuing)E Salvatore & Brothers Corporation, em Tampa. 9806-5890.

BOBBoa memória. Qual delas é de autopeças para automóveis?

MARIO TAPIASalvatore & Bro.

BOBAqui diz...(numa das cartas)que é a Saint Mark Trade..

MARSHALLIsso não é relevante!

MARIO TAPIAEu me confundi. Aliás, na situação em que estou, qualquer um se confundiria.

BOBOk. Aguarde no salão, por favor.

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MARIO TAPIAVou passar a noite aqui?

MARSHALLEu espero que não!

Ele deixa a sala. SANDRA tem um arrepio.

SANDRA(fazendo piada)Vocês não sentem o cheiro de enxofre.

MARSHALL(farejando)Sinto o cheiro do malte escocês!

Enche um copo de whisky.

65 – INT.– AQUÁRIO E AQUÁRIO VIZINHO – NOITEMARSHALL está sentado com os pés sobre a mesa. Da porta que comunica os dois aquários, SANDRA faz para ele gestos com as mãos, mostrando as curvas de um corpo de mulher. Bob interroga Ca-lipso. As perguntas se sucedem sem interrupção.

BOB (O.S.)Seu nome?

CALIPSO (O.S.)Calipso Menendez Torres, 23 anos, cubana.

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SANDRA e MARSHALL trocam olhares significativos.

BOB (O.S.)Como conseguiu visto de saída?

CALIPSO (O.S.)Recebi um convite oficial. Para dançar numa companhia norte-americana.

BOB (O.S.)Pode provar isso?

CALIPSO mostra um fax. BOB examina o fax mal impresso, a assinatura indefinida, o carimbo quase apagado. Do aquário vizinho, SANDRA consulta MARSAHLL com o olhar. Ele faz um gesto de vai. SANDRA obedece.

SANDRA(maliciosa, dando uns passos de dança)Que tipo de dança você faz? Dança do ventre?

CALIPSO(contida)Não sou o tipo de bailarina que estão pensando.

SANDRAEu não estou pensando nada.

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BOB Você dança o quê? Balé clássico?

MARSHALL levanta-se, vai até a porta. Olha BOB e CALIPSO.

CALIPSOClássico e moderno. Fui convidada por uma companhia de Nova Iorque para dançar uma temporada.

BOBQuanto tempo pretende ficar?

66 – EXT. – HAVANA – DIA E NOITEIMAGENS SEM SOM: As paisagens da cidade parecem velhas fotografias de lugares, casas, pessoas. Antigos carros, táxis caindo aos pedaços. Triciclos-táxis que levam turistas.

CALIPSO (O.S.)O convite não estipula prazo. E depende do visto que me deem!

Ficou de noite e vemos um antigo teatro municipal.

BOB (O.S.)Gostaria de ficar na América do Norte?

CALIPSO (O.S.)Por um tempo sim.

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67 – INT. – TEATRO DE HAVANA – VELHO SO-BRADO – NOITEIMAGENS SEM SOM: Ensaio da companhia de dança. Na coreografia destaca-se CALIPSO.

BOB (O.S.)(ironia)Pretende voltar a Cuba?

68 – INT. – HAVANA – QUARTO DE CALIPSO – NOITE IRROMPE O RUIDO REALISTA: Uma festa anima-da, o pequeno quarto de Calipso está lotado de jovens, velhos, amigos, bailarinos.Dançam, bebem, fumam.

CUBANO 1Tem mais é que ir.

CUBANO 2E largar tudo?

CALIPSONão estou largando...

CUBANO 2O país investe em você. E aí quando tá na hora de retribuir, alguém acena com um punhado de dólares e você vai.

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CUBANO 3(fazendo piada)Punhado de dólares? Onde?

CUBANA 1Promete que vai voltar, para contar como são os norte-americanos na América.

Ela fica em silêncio.

69 – EXT. – RUAS DE HAVANA – AMANHECER Amanhece no malecón, as ondas batem com força levantando nuvens de água. Uma onda forte vem e molha Calipso e seu namorado. Eles riem e se abraçam.

BOB (O.S.)Pretende ficar nos EUA?

70 – INT. – AQUÁRIO – NOITEBOB e MARSHALL observam CALIPSO.

CALIPSO(segura)Não. Quero conhecer Europa, Japão...(com leve ironia)Deve ser muito interessante, não acha?

BOBEspere no salão!

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Ela sai.

BOB(continuing)O problema dela é ser cubana, não é?

MARSHALLPrimeiro e único problema! Mas ela é muito gostosa!

71 – INT. – AQUÁRIO – NOITEA entrevista agora é com ORLANDO. MAR-SHALL observa.

BOBEstá vindo de La Paz?

Na menção ao nome de La Paz, MARSHALL e SANDRA trocam olhares significativos. Ela deixa a sala. ORLANDO percebe a desconfiança deles.

ORLANDOEstou.

MARSHALLFoi fazer o quê na Bolívia?

ORLANDO(não sem ironia)Acontece que eu sou boliviano.

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72 – INT. – SALA DOS OFICIAIS – NOITEA porta que dá para o AQUÁRIO está aberta. SANDRA opera um computador e escuta o in-terrogatório. Procura na Interpol pelo nome de ORLANDO PAZ. Vão aparecendo fichas.

ORLANDO (O.S.)(calmo)Aproveitei as férias para visitar a família.

BOB (O.S.)Ficou, deixe eu ver, cinco anos sem tirar férias?

ORLANDO (O.S.)Férias eu tirei. Apenas não fui pra Bolívia.

73 – INT. – AQUÁRIO – NOITEMARSHALL observa ORLANDO. BOB examina o passaporte calmamente. Atende quase cordial-mente o boliviano. MARSHALL é agressivo.

BOBSeu contrato vence em poucos dias.

ORLANDOVão renová-lo, certamente.

MARSHALLE você já pensou em ser médico na sua terra?

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ORLANDOJustamente. Não pretendo ficar aqui na América.

BOBNão vão lhe renovar o contrato?

74 – INT. – VILA BOLIVIANA – DIAImagens como fotografias sem movimento. Uma aldeia vista do alto da montanha.

ORLANDO (O.S.)Vão renovar. Na verdade eu tive que adiantar a viagem, por motivos pessoais. Mas vão renovar.

Um velho ÍNDIO deitado na cama, rosto sulcado de rugas, pele queimada de sol e vento frio. Olha a câmera. ORLANDO está olhando o velho, sentado na cadeira ao lado. Uma velha ÍNDIA observa o velho e o jovem.

75 – INT. – CEMITÉRIO ENTRE MONTANHAS – DIA Uma bela paisagem. Montanhas a perder de vista. Cumes nevados. Uma llama e ovelhas pastando. No cemitério, ORLANDO, vestindo terno e gravata, e a VELHA ÍNDIA, assistem ao funeral. Um caixão é coberto de terra. Ele toma a mão da velha.

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BOB (O.S.)Não estou entendendo! Vão renovar ou não o contrato?

A mão bem cuidada do filho acaricia a mão da mulher índia.Um grupo de índios realiza alguma cerimonia ritu-al, com cantos e dança. ORLANDO, deixa-se levar pelo ritmo repetitivo, pela cantoria em Aymara.

76 – INT. – AQUÁRIO – NOITESANDRA volta da sala dos oficiais. Com um gesto de negação informa a MARSHALL.

SANDRANada consta!

ORLANDOVão me renovar o contrato!(pesa as palavras)Mas sou eu que não quero ficar.

SANDRA(irônica)Não quer ficar?

ORLANDONão.

BOBPor quê?

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ORLANDOAcho que não tenho muito mais a apren-der aqui.

SANDRA intervém. BOB fica contrariado, mas não interfere.

SANDRA(irônica)E na Bolívia? Teria mais coisas a aprender?

ORLANDOTecnicamente? Acho que não. Em outros sentidos, sim.

SANDRATá querendo dizer o quê?

ORLANDO(direto e gentil)O que a senhora sabe sobre seus ances-trais?

BOB percebe a intenção da pergunta. Espera a reação de SANDRA.

SANDRAQue ancestrais?

ORLANDODa sua origem africana.

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SANDRA(reagindo, ríspida)Isso não interessa. Você não me respondeu!

BOB deixa a cadeira, sorrindo. Sai da sala atento ao diálogo.SANDRA ocupa a cadeira.

ORLANDOVou tentar lhe responder. Aqui na Améri-ca do Norte, um médico cuida dos pacien-tes com equipamentos de última geração.

77 – INT. – SALA DOS OFICIAIS – NOITEDetalhe de café sendo vertido em dois copos. BOB bebe café, ouvindo atento.

ORLANDO (O.S.)No interior da Bolívia, um médico não conta com scanners, aparelhos de ultra-sonografia, lasers, etc.

BOB ouve interessado.

78 – INT. – AQUÁRIO – NOITEBOB entra, oferece um café a MARSHALL. Ele não aceita.

ORLANDOO que adianta lá é a intuição. E isto vai me custar recuperar. Vai ser como aprender medicina de novo.

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BOB o olha com interesse. Chega na mesa.

BOB(ríspido, para Sandra)Com licença.(ela levanta-se)Pretende ficar quantos dias?

ORLANDOO tempo de embalar as minhas coisas e me despedir dos amigos.

MARSHALL intervém. Muda o tom do interroga-tório, tornando-o mais rápido, agressivo.

MARSHALL(interrompe)Quem garante que você não vai ficar por aqui sem contrato? Esse é que é o problema.

BOB se irrita com a interferência de MARSHALL.

ORLANDOPosso lhe assegurar que não vou ficar.

MARSHALLJá ouvi muita gente falar isso antes.

Esse é problema de todos vocês!

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ORLANDODesculpe, mas o Unabomber, aqueles dois garotos que dispararam na turma da escola, são norte-americanos legítimos... eles é que são um grande problema pra vocês. Não eu.

BOBEspere no salão.

ORLANDO sai. BOB pega o carimbo e põe o visto de entrada.

SANDRAQue índio pernóstico. Carimbou o passa-porte dele?

BOBEle está falando a verdade.

MARSHALLEle riu da tua cara!

SANDRANa nossa cara!

BOBPosso lhe pedir um favor, cidadã afro- americana?

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SANDRAPode, cidadão anglo-saxônico casado com uma cidadã anglo-judia que tem um filho anglo-saxo-judeu!

BOBQuando eu estou interrogando, não meta o bedelho. Obrigado.

SANDRAUau! Senti firmeza! Bate que eu gamo!

MARSHALLO proximo é meu: presta atenção, Bob.Você está perdendo pontos!

79 – INT. – AQUÁRIO – NOITEMARSHALL conduz o interrogatôrio. BOB ob-serva.

MARSHALLFaz o quê no Chile?

LALOCompro empresas e depois as vendo.

80 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITEAs mãos de A. CARLOS. Tenso, ele estuda as linhas da mão.

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MARSHALL (O.S.)Que tipo de empresas compra e vende?

ORLANDO esconde o rosto no braço apoiado na cadeira do lado.

LALO (O.S.)Empresas falidas.

Do AQUÁRIO, BOB observa o salão. Vê ROBERTO quando apóia a cabeça no ombro de ASSUMPTA e ela apoiando a sua na dele.

LALO (O.S.)(continuing)Eu as ponho em ordem, levanto o fatu-ramento e vendo. Simples, né?

81 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITEMARIO TAPIA estuda o salão, observa tudo: estuda as portas de saída; o guarda armado num canto.

82 – INT. – BANHEIRO – NOITE MARIO TAPIA está no box da privada. Tira dos bolsos as peças desmontadas de uma pistola. Monta-as com extrema perícia.Por último examina as balas no carregador. Ex-perimenta a arma. Sai do box. No espelho sobre a pia aperta o bigode contra o lábio.

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LALO (O.S.)Compro barato e vendo caro! Esse é o segredo do negócio!

83 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITEROGÉRIO faz alongamento. CALIPSO soma-se ao exercício. Os desportistas, ao fundo, olham o brasileiro com malícia. PATRÍCIA ainda tenta ligar seu celular, desiste e o joga no chão enfu-recida. O aparelho se espatifa.

MARSHALL (O.S.) E o senhor veio comprar empresas falidas nos Estados Unidos?

84 – INT. – AQUÁRIO – NOITELALO se fazendo de simpático. BOB olha-o friamente.

LALO(piadista)Não, mas se o senhor tiver alguma para vender, é só falar!

MARSHALL(seco)Acho que o senhor vai ter que ir procurar no Japão.

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LALO(recuando)Só vim espairecer um pouco.

MARSHALL(seco, ríspido)Quanto dinheiro carrega?

Algo irritado e exibicionista, LALO mostra um bolo de notas.

LALOCinco, cinco e pouco. O suficiente...

MARSHALLSuficiente para quê? Conte!

LALO100, 500, 1.000, 1.250, 1.750... 5.754 dólares.

MARSHALLNa sua declaração consta $5.000.

LALOQuanto mais melhor. Vou torrar mesmo...

MARSHALLTem algo mais a corrigir na sua declaração?

LALOComo assim?

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SANDRAVocê não veio só a passeio.

LALO responde com uma risada sarcástica.

LALOUma coisa lhe asseguro: Eu não vim tra-balhar de lixeiro, ou de garçon.(de relance, olha Sandra)Tem gente aqui nos Estados Undidos que faria esses serviços com mais qualificação que eu!

SANDRA toma as dores e fica raivosa. LALO deixa a sala ao convite de BOB.

MARSHALLEle está falando a verdade. Damos o visto?

85 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITELALO acabou de deixar o aquário; está preocu-pado, pensativo.Senta perto de MARIO TAPIA. ROGÉRIO fica atento. A. CARLOS e ORLANDO o observam. Percebe-se que LALO está preocupado.

LALOQual é o critério desses putos?

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ORLANDONão é a lei, com certeza.(pausa)É preciso muita paciência.

A. CARLOSPaciência às vezes se confunde com humilhação.

MARIO TAPIAComo le fué?

LALO(perplexo)“Ellos no tienen sentido del humor”.Você faz uma piadinha e te olham com cara de velório.

ORLANDOFingir aceitar não é o mesmo que aceitar.

ROGÉRIOEssas bichas norte-americanas não têm humor nenhum.

Todos concordam com gestos ou exclamações.

LALO(justificando-se)Nós, chilenos, fazemos piadinhas por

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tudo. Y te miran como si hubieras come-tido un crimen.

O grupo vai se aproximando aos poucos. Somen-te ROBERTO ficou distante.

ASSUMPTALos latinoamericanos somos así. Si no nos reimos de la propia desgracia, nos vamos a reir de que?

LALO(animando-se)Mas dei o troco naqueles babacas.Calei a boca daquela negra metida.Quer saber de uma coisa? Eles que se fodam. E tem mais: as chilenas dão de dez nessas gringas tetudas, sem sal, sem pimenta. Tomar no cú!

86 – INT. – SALA DOS OFICIAIS – NOITENa mesa sanduíches, catchup, mostarda, refri-gerantes. BOB e SANDRA comem com fome. MARSHALL entorna seu whisky. A discussão é ácida, ríspida.

SANDRARacista escroto!

BOBOlha quem está falando.

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SANDRATá me chamando de racista?

BOBEstou te chamando de racista! Não lem-bra como falou índio pernóstico?

SANDRAE aquele não é índio mesmo?

BOBE você não é negra? Isso te incomoda?

SANDRASou, sim! Mas aquele chileno acha que negro é pra recolher o lixo! A gente de-via mesmo era fuder com ele, botar na cadeia! E vocês ficaram calados, por quê? Porque pensam como aquele escroto.

BOBNão exagera!

MARSHALLCalma, princesa. Ele foi escroto, sim. Mas o visto dele é legal. É isso que interessa pra nós. Vamos dar o visto para ele!

SANDRAQuer dizer que pro babaca do chileno as regras da imigração tão valendo?

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BOB(algo agressivo)O boliviano também falou a verdade.

SANDRAEsse não entra!

BOBQuer dizer que a declaração de um médico índio vale menos que a de um yuppie arro-gante? Hein, cidadão anglo-saxônico-ame-ricano? Melhor dito, irlandês de merda!

MARSHALL(satisfeito)Saúde! Gostei te ver mostrando as unhas!

87 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITEA expressão atormentada do rosto de LALO con-trasta com suas roupas coloridas. Está sentado entre A. CARLOS e TAPIA. O primeiro observa-o, discretamente. LALO, toma uma decisão: telefo-na pelo celular. TAPIA estica a orelha para ouvir o chileno. Atendem; uma voz de mulher.

LALOAlô? Eduarda? Sou eu.

EDUARDA (O.S.)Filho da puta...

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LALOMeu amor... não desliga, por favor, meu amor, me ouve! Ocorreu uma coisa ter-rível, amor...

88 – INT. – CASA DE LALO – NOITEUma casa elegante. No sofá, EDUARDA, 26 anos, está deitada, furiosa, chorosa. Amigas a rodeiam.

EDUARDA(falsa)Ah, sim? Ocorreu o quê, amor?

LALO (VOZ)Amor, imagina, estou no aeroporto, aqui em Miami...

EDUARDA(surpresa)Em Miami?

LALO (VOZ)Me detiveram e não sei porquê.

EDUARDAE eu com isso? Por mim, que te ponham na cadeia!

Desliga com violência.

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EDUARDA(continuing; furiosa)A pérola está em Miami...

AMIGASCafajeste / filho da puta / nojento!

89 – INT. – SALÃO DE ESPERA – NOITELALO olha o telefone perplexo. Sente-se ob-servado, levanta a vista. Encontra o olhar de A. CARLOS. MARIO TAPIA está olhando pra ele.

LALO(finge fair play)Mulheres! Quando grudam na gente, é que nem chiclete no sapato.

A. CARLOSEu que o diga. Mas a gente precisa delas.

LALOE elas abusam da gente por isso!

A. CARLOSE como abusam.

MARIO TAPIA(cúmplice)Os sinais de fumaça entre os apaches são mais eficientes que um homem tentando se entender com uma mulher!

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LALO(fingindo interesse)É a mais pura verdade! O sr. é argentino?

MARIO TAPIADe Buenos Aires.(apresenta-se)Mario Tapia, prazer.

LALOLalo Gonzales.(parece reconhecê-lo)E já não vi a sua cara antes? No jornal? Na televisão? O sr. não é ator de telenovela?

MARIO TAPIAMe encantaria ser. Lamentavelmente, sou o mais anônimo dos aposentados argentinos.

90 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITENum canto do salão estão ASSUMPTA e RO-BERTO. Falam espanhol, baixinho. A. CARLOS aprecia as belas pernas dela.

ROBERTOEstou passando mal.(decidido)Eu decidi.

ASSUMPTAAmor, se acalme.

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Ele tira seu livro da bolsa de viagem. Sai quase correndo.Todos reparam nele. E reparam quando AS-SUMPTA segue, aparentando calma, até o ba-nheiro de homens. Ela percebe que o guarda está distraído e entra no banheiro.PATRICIA olha-os com cara de nojo. Está perto de A. CARLOS.

PATRÍCIA(para si)Meu Deus, que que eu tô fazendo aqui?(olhando para a cara de indio de Orlando)Deve haver algum engano. Quem é essa gente?

91 – INT. – AEROPORTO – BANHEIRO – NOITE Roberto está trancado num box, em pé, ao lado da privada, e com um pequeno cortador de unhas tenta rasgar a capa dura do livro que tem a sua foto.

ASSUMPTA (O.S.)Calma, amor. A sorte vai nos ajudar.

ROBERTONunca vi a sorte ajudar os fudidos.

No banheiro, na porta do box, ASSSUMPTA fala baixinho.

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ASSUMPTA(irônica)Ontem, você se achava um artista em es-tado de graça, hoje, parece um rebotalho na sarjeta.

No box, lutando para arrancar a coberta da capa do livro.

ROBERTOQual a novidade? Sou um fraco, você sempre soube. E agora sou um fraco desesperado.

Na porta do box, ASSUMPTA está visivelmente impaciente com aquela conversa.

ROBERTO (O.S.)A gente forçou uma barra. Eu não sirvo para estas coisas.

No box, finalmente, Roberto consegue rasgar a cobertura da capa.

ROBERTOO mal não está nos outros, está em nós mesmos.

Assim que acaba de tirar a capa, revela-se coca-ína prensada.

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Joga o pó na privada. Faz o mesmo com a con-tracapa. Mais calmo, puxa a descarga. Sai do box.ASSUMPTA lava as mãos na pia. Ele quer abraçá-la. Ela segura firme e desafiadoramente a geni-tália do marido.

ASSUMPTA(sarcástica)Tem horas que é preciso mostrar o que você tem aqui. Tem horas em que é pre-ciso ser homem.

Mexeu nos brios dele. Ele quer beijá-la à força. Ela se defende. Ele insiste. Lutam, com raiva. Aparece o guarda na porta. O casal, sem muito ligar para ele, pára de brigar. Se olham com rancor. Saem do banheiro.

92 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITEORLANDO e A. CARLOS conversam em portunhol.

A. CARLOSDe onde você é?

ORLANDOSou boliviano de Santa Cruz de la Sierra. Orlando Paz.

A. CARLOSAntonio Carlos, sou brasileiro. Sou da paz.

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ORLANDODeu para notar.

A. CARLOSPelo sotaque?

ORLANDONão. Porque vocês falam alto, reclamam sem acanhamento. Um pouco como os argentinos.

A. CARLOS(Finge-se de ofendido)Como os argentinos? Está querendo me ofender, camarada?

Repara que ORLANDO o levou a sério.

A. CARLOS(continuing)Não me leve a sério, amigo. Talvez a gente seja assim mesmo, um pouquinho espalhafatoso!

PATRICIA, parece perdida, anda pela sala, er-rática, agarrada à frasqueira e à bolsa como se naquele lugar só tivesse ladrão. Dá de cara com o grupo de latinos. Eles parecem acuados, uns se protegendo nos outros. São pobres e magros, malvestidos. Usam macacão esportivo que pa-

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rece um número maior ou um número menor, mas jamais do tamanho certo para seus corpos. LATINO, o líder do grupo, de terno, a observa.É cordial.

PATRÍCIAExcuse me, may I?

LATINOSi, como no, en que puedo servirla, señorita?

Ela não entende. Os latinos se entreolham.

PATRÍCIA(não entende espanhol)Falam português?

LATINO(sério)Si claro, un poco: obrigado, bossa nova, Roberto Carlos...

Eles continuam a olhar para a jovem perua.

PATRÍCIA(impaciente)Parlez vous français?

LATINOComo dijo, señorita?

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PATRÍCIA(bem alto)Que porcaria de língua vocês falam?

A câmera volta para A. CARLOS, que observava PATRÍCIA, e faz um gesto de quem se sente envergonhado.PATRICIA encolhe-se num canto. Repara em ROGÉRIO, que se prepara para falar para um gravadorzinho de bolso.

PATRÍCIA(continuing; para si)Só me faltava uma bicha!

ROGÉRIO fala para um gravadorzinho na mão. À sua voz se sobrepõe as imagens dos detidos no salão.

ROGÉRIOO que eu tenho a ver com eles, e eles comigo? Tudo, e nada! E com eles...(mostra o aquário com os norte-americanos)Protegidos pela redoma de vidro, somos todos iguais: cucarachas!(canta, escandaloso; imita Carmen Miranda)La cucaracha, la cucaracha / Já no puede caminar / Porque no tiene, porque le fal-tan / las dos patitas de atras!

Desafia o olhar de todos que o olham no salão.

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93 – EXT. – FAVELA – DIAA belissima paisagem do Rio de Janeiro, do alto de uma favela. O mar azul. ROGÉRIO, vestido normalmente, de calça e camisa de homem, que não escondem a sua homossexualidade.Usa um relógio caro, uma pulseira e anéis. Ba-lança uma sacola fina cheia de presentes. Dois rapazes olham-no e assobiam.Outros homens riem.

ROGÉRIO(encara-os)Tá olhando o quê? Nunca viu?

MOLEQUESBichona / Veado / Perobo / Baitola

ROGÉRIO não se acanha, fala dramaticamente para os meninos.

ROGÉRIOComer ou ser comido, essa é a questão.

Da esquina de uma viela olha-o uma mulher magra, envelhecida.Está temerosa de se aproximar. ROGÉRIO a descobre e se emociona. Esquecendo de tudo e todos corre femininamente para a velha, provo-cando assobios, vaias, insultos.

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Quando está perto dela, um homem parecido com Rogério, chega ao lado da velha, abraça-a de forma protetora, força-a a virar-se e afastar-se com ele, apesar da relutância dela.ROGÉRIO se detém, engole a forte emoção que sente. Vira-se melodramaticamente e desce a escada da favela entre vaias, insultos grosseiros, assobios.

94 – INT. – BANHEIRO DOS OFICIAIS – NOITE BOB telefona pelo celular olhando-se no espelho.

BOBAlô? Rebecca? Desculpe te acordar.Queria te dizer que eu te quero pra ca-ramba. Só isso.(ouve)Você anda pensando em me deixar?(ouve)Eu também não. Boa-noite. Não desliga: eu tenho te decepcionado muito? Você me acha muito escroto?

Fica ouvindo.

FADE OUT:95 – EXT. – CASA DE BOB – JARDIM – DIAFaca afiada corta a carne malpassada. Ao redor da churrasqueira BOB está cortando a carne, o sangue escorre levantando a fumaça. Ao seu lado, MARSHALL. Está com um indefectível copo

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de martini na mão e pondera sobre a vida, pa-rece que está inclinado a transformar qualquer papo naquele tipo de conversa perigosa.Um bebê, toma sol num colchonete perto de uma piscininha. Ao lado a mãe, REBECCA, uma moça ruiva e simpática. Ela está algo enfastiada do papo do velho. O clima é tenso entre Rebecca e Marshall e Bob está sentadinho em cima do muro.

MARSHALLA gente nem sabe mais quem são nossos vizinhos. No meu tempo, acordar de ma-nhã e abrir a porta era como se olhar no espelho. Hoje, você abre a janela e vem de lá um...(remedando)Buenos dias, senõr.

Rebecca não se aguenta mais.

REBECCAJá imaginou acordar de manhã todo dia, abrir a porta e ter que elogiar o jardim da vizinha, o gato da vizinha...(imitando)Bom dia, querida! Tuas flores estão ma-ra-vi-lho-sas.

O velho pede o apoio de BOB às suas teses.

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MARSHALLBob, parece que tua mulher engoliu um disco hippie dos anos 60. Vai me chamar de conservador escroto em menos de um minuto!

REBECCAJá estou chamando já!

Bob faz uma cara de quem já ouviu essa conversa várias vezes.Rebecca cobra dele uma posição.

REBECCA(continuing; com raiva)Ei, rapaz. Arrisca uma opinião, pelo menos.

MARSHALL observa o casal.

BOB(controlando a ira)Certo, amor. Uma opinião!

Serve um pedaço de carne sangrenta para o velho. REBECCA está com raiva dele e recusa a carne. JUANITA, empregada da casa, vem buscar o bebê para dormir. MARSHALL a interpela.

MARSHALLJuanita, você gosta de seus patrões?

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JUANITAEles são legais.

MARSHALLE está feliz em morar nos EUA?

JUANITAMeus pais são costarriquenhos, mas eu nasci aqui.

MARSHALLEm que seus pais trabalham?

JUANITANão se preocupe: eles têm green card. Mais alguma dúvida?

MARSHALLNão, Juanita.

JUANITA leva o bebê. MARSHALL bebe martini, como quem bebe água. Provoca REBECCA.

MARSHALL(continuing)Você paga a ela o mesmo que pagaria a uma empregada nascida no Maine?

REBECCAPago bem mais do que se paga por aí.

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Com uma garrafa de whisky à sua frente, Mar-shall simula ser uma cigana diante de uma bola de cristal.

MARSHALL (TOM)Vejo cristalino o futuro: Juanita vai casar, ter muitos, muitos filhos. Uns sete, oito. Vejo os moleques roubando doces e co-mendo escondidos. Isto antes de planejar um golpe!

REBECCA(para Bob)E você pensa como ele, querido?

BOB não responde. Serve os martinis. Como vin-gança REBECCA põe um CD com música latina e dança.

REBECCA(continuing; cantando em espanhol)Oye, como va? Que ritmo bueno para bailar. Marshall, mira que cosa, hombre! Podemos inventarlo todo, pero este ritmo, jamas!

MARSHALLIsso é verdade!

MARSHALL bêbado, cai na dança. REBECCA aproxima-se dançando e fala baixo para BOB.

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REBECCANão procure o problema fora de casa; o problema está aqui dentro!

96 – INT. – CASA DE BOB – DIANa sala, BOB e REBECCA. BOB troca as fraldas do filho.

REBECCAEle é um chato, um reacionário! E você vai pelo mesmo caminho.

BOBEu não concordo com o que ele fala!

REBECCAQuem cala consente, meu filho.

Ele reage furioso: discutem em sussurros, por causa do bebê.

BOBVocê quer me foder? Ele é um bêbado, mas sempre foi legal comigo.

REBECCAMeu filho, um dia você vai ter que agir de acordo com o que você pensa.O que é mesmo que você pensa?

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BOBQue a teoria fica bem lá na universidade.

REBECCAVocê quer é o cargo dele!

BOBEu preciso do cargo dele, porque vou ganhar mais, a nossa vida vai melhorar e você vai poder aumentar a Juanita que ganha uma merda de salário, vamos combinar, né?

REBECCAE por que não falou na hora?

BOBEu tô sem saco para discussão que não leva a nada.

REBECCAE pra quê você tem saco ainda?

BOB(meio agressivo)Para te comer e te fazer gozar.

REBECCA(fazendo ironia)Isso tá meio difícil.

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Ele a abraça, tentando amenizar o clima. Ela retribui.

BOBVocê já não gosta mais de mim?

REBECCA(sem muita convicção)Gosto! Mas a tua cara mudou.

Ele vai até o espelho e se olha fazendo expres-sões diversas.

BOBQual das caras você prefere?

REBECCA (O.S.)A que está por trás de todas essas.

FADE OUT:97 INT-AQUÁRIO-NOITE 97SANDRA olha ROBERTO. Ele está nervoso e não consegue parar de olhar o livro de ASSUMPTA sobre a mesa de Bob. MARSHALL o observa.

SANDRAEstá muito quente aqui?

ROBERTO concorda. BOB entra no aquário.

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SANDRA(continuing)Tua mulher também ficou com muito calor!

BOB(intervindo)O que veio fazer nos EUA?

ROBERTOVim visitar as faculdades de literatura.

98 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITEMuito controlada, ASSUMPTA olha o marido que está no aquário.

ROBERTO (O.S.)Eu e a minha mulher! Somos poetas.

99 – INT. – AQUÁRIO – NOITEMARSHALL deixa a sala, entra no aquário vizinho.

BOBVocê também já publicou um livro?

ROBERTO(precipitando-se)Sim. Mas estou repensando tudo. Não fi-quei contente com o resultado. Se pudes-se retirava a edição toda e tacava fogo.

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100 – INT. – AQUÁRIO VIZINHO – NOITEPela cortina entreaberta, MARSHALL bebe lenta-mente seu whisky e observa ASSUMPTA e os viajan-tes que olham para o aquário onde está ROBERTO.

101 – INT. – AQUÁRIO – NOITEBOB abre o passaporte de Roberto. Encontra entre as folhas uma comprometedora carteira do Sindicato de Motoristas de Nova Iorque.Detalhe do documento com o nome Roberto Perez inscrito nele.BOB olha ROBERTO em silêncio. BOB reflete, tenso. Decide-se.Devolve-lhe a carteira de motorista, cobrindo-a com a mão.

BOBQuanto tempo pretendem ficar?

ROBERTO30, 60 dias, no máximo.

BOBPode esperar lá fora.

ROBERTO sai tropeçando na cadeira. BOB vai até a porta que dá ao aquário vizinho.

BOB(continuing)O que achou dele?

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MARSHALLUm bundão. Fosse eu, liberava o passa-porte dela e mandava ele de volta pro Equador pra tacar fogo nos livros dele.

BOB(sarcástico)Teu olfato é infalível, mestre.

MARSHALLUma homenagem às pernas dela.

SANDRA(sarcástica)Ela não é pro bico de vocês.Cafajestes! Ela prefere sonhadores; homens-criança!

MARSHALL(provoca Bob)Então o Bob ainda tem chance. Ele foi um sonhador. Foi por isso que a Rebecca se apaixonou por você, rapaz?Cuidado! Na hora do vamos ver, elas preferem homens de verdade.

BOB engole em silêncio.

SANDRA(procura, exagerando)Tem homem aqui? Onde, que eu não vi?

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102 – INT. – AQUÁRIO – NOITEMARSHALL e BOB ouvem LATINO atentamen-te, mas encontram dificuldade para entender o espanhol popular que ele fala. Os dois não acreditam nele e o tratam com certo desprezo.Examinam duas cartas e um fax com logo e ca-rimbo de uma associação.

LATINO(empolgado,em espanhol)É a primeira vez que uma associação de taekwon-do de Honduras é convidada para um evento nos EUA. Mas se não con-seguirmos descansar esta noite, como va-mos competir em igualdade de condições?

MARSHALL finge que está convencido. SANDRA retorna ao aquário. Os oficiais falam sempre em inglês; Latino em espanhol.

SANDRANão consegui falar com a tal associação de Kung fu.

LATINOTaekwon-do! Mas falei muitas vezes com eles nesse telefone!

SANDRAO telefone que você deu é de uma lavanderia.

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(imitando)Lavanderia Chiquititas, buenas noches.

No SALÃO, estão atentos ao que acontece no AQUÁRIO.

LATINOJustamente, o dono da lavanderia é o nosso contato.

SANDRA(parece sincera)E vocês têm alguma chance de ganhar a competição?

LATINOTemos garra.

SANDRAÉ mesmo! A garra é fundamental!

LATINOE além do mais, não temos nada a perder...

SANDRA(sarcástica)Não tem nada a perder mesmo!

Os norte-americanos esquecem do LATINO. Con-versam entre eles.LATINO não entende o que falam.

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MARSHALLO que você acha, Bob?

BOBQuem não tem nada a perder é um ini-migo poderoso.(para Marshall, com intenção)Lembra do Vietnã?

MARSHALLLembro muito bem.

Tira a camisa da calça e vai se desabotoando para mostrar o torax.

BOB(rindo)Pelo amor de Deus! Não vem de novo mostrar a cicatriz!

MARSHALL (SE ARRUMANDO)Foi você que puxou o assunto.

BOB volta a examinar a documentação.

BOB(continuing)Os passaportes estão com visto de entra-da regular...

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SANDRASe eles são atletas, eu sou a Madonna!

MARSHALL(para Latino)O que é o taekwon-do, mais precisamente?

Agora Latino não parece entender o inglês.SANDRA traduz em espanhol capenga.

LATINO (decorado)É uma arte marcial que ensina o auto- -conhecimento e respeito ao próximo.Desenvolve a agilidade, o equilíbrio, a flexibilidade, a força e a resistência.

MARSHALLVocês fariam uma demonstração da sua arte para nós?

SANDRA traduz.

LATINO(animadíssimo)Claro! Agora? Me dá um tempinho?

MARSHALL concorda. LATINO deixa a sala quase correndo.

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SANDRAEssa foi de gênio, chefe!

BOB(sem raiva)Vocês dois são os maiores filhos da puta que já conheci.

SANDRA(sarcástica)Se ficou com nojo, vai pro Equador, cariño.

103 – INT. – AQUÁRIO – NOITEPATRÍCIA está em primeiro plano. Pega sua car-teira de cigarro.

PATRÍCIAMay I?

BOB aponta o sinal de não fumar. Ela guarda a carteira.

BOBComo é que você conseguiu sair do Brasil com teu passaporte vencido?

PATRÍCIANão sei. Não pedi por favor a ninguém. Talvez seja porque as pessoas me conhe-cem. E conhecem minha família. Meu pai é um político muito influente...

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BOBE por que viaja tanto?

PATRÍCIAPasso 6 meses fora do Brasil, geralmente no verão. Eu não suporto o calor!

BOBFolgo em saber que algumas pessoas po-dem se dar a esse luxo no Brasil!

PATRÍCIATem gente educada no Brasil também!Não é só miserável que temos por lá.

BOB Certamente, gente muito bem-educada.

PATRÍCIASe precisar, é só dar uma ligada pra em-baixada. O embaixador é nosso.

BOBNão sei como aceitaram seu passaporte e deram o visto. Vai ter que regularizar a situação no seu país.

PATRÍCIA(alterada)Eu não vou poder entrar?

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BOBNão!

PATRÍCIAMinha amiga tá me esperando em Aspen pra gente ir à Europa...

BOBAguarde no salão, por favor.

PATRÍCIAAguardar o quê? O que que tem pra aguardar?

BOB faz um sinal para ela se retirar.

104 – INT. – SALÃO DE ESPERA – NOITEROBERTO está deprimido, fala com ASSUMPTA.

ROBERTOVai ver que o preço é esse, o fim do nos-so casamento. E eu não posso viver sem você. Vão me deportar.

ASSUMPTANão vai nada! Se ele quisesse, acabava contigo na hora! Se te devolveu a carteira não vai usá-la para provar que você é ilegal.

ROBERTO(rancoroso)Ele é poderoso.

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ASSUMPTALamentavelmente, ele é poderoso.

ROBERTO(com intenção)As olhadas que te dava nas pernas é que eram poderosas.

ASSUMPTA(carinhosa)Ele foi muito bem-educado.

ROBERTOMuito bem-educado. E você também, né?Uma eduçação assombrosa.

ASSUMPTADeixa de bobagem numa hora dessas.Nem lembro da cara dele.

ROBERTOO teu livro estava na mesa dele.Estamos liquidados. A gente devia ter ficado em casa.

ASSUMPTAVocê já se desfez da sua culpa.Quem está com a cabeça a prêmio, sou eu.

ROBERTOEu vou contigo até o fim.

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ASSUMPTACalma, leãozinho.

DISSOLVE TO:105 – INT. – LIVRARIA – QUITOASSUMPTA e ROBERTO assinam livros de poe-sia – edição barata, livros de capa mole – numa antiga livraria da cidade. Poucos convidados. O casal troca olhares. Não parecem felizes.

EXT - RUA DE QUITO - NOITERuas do bairro colonial de Quito. Um labirinto de igrejas, conventos. Altares barrocos. ROBERTO, ASSUMPTA percorrem as ruelas. Bebem whisky de uma garrafa.PASSAGEM DE TEMPO. AMANHECER.O casal continua bebendo e brindando. Sobre uma fonte, Roberto faz uma performance. Está beba-do. Trocam olhares. Ele declama cheio de amor.

ROBERTOApenas algumas palavras engolem as horas do leão / Eu te amo. / No olho cor de mel, o tempo para. / A presa vive, in-variável e graciosa, / dançando no olho cor de mel.

Cambaleia e a abraça. Cheios de desejo, eles se agar-ram. Transam encostados no muro de uma igreja.

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106 – INT. – RUA DE QUITO – DIAO bairro colonial. Muito movimento, igrejas coloniais. ROBERTO, ASSUMPTA e o AMIGO conversam enquanto caminham.

ROBERTOPensei que com a venda dos livros daria para comprar as passagens de volta.

AMIGO(rindo)Roberto, quando você vai aprender que ninguém compra livros de poesia?

ROBERTOSe você pagar as passsagens e emprestar US$ 1,500...

AMIGOQuanto vocês fazem como chofer e garçonete?

ROBERTOBem mais do que isso.

AMIGODois artistas como vocês, se desgastando em trabalhos de merda, servindo gringos nojentos!

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ASSUMPTAÉ o que tá na mão! Não temos green card!

AMIGOVocês podem ganhar, cada um, 10 mil dólares de uma tacada.

ROBERTO(desconfiado)Como?

AMIGOLevando cocaina!

ROBERTONem pensar.

ASSUMPTAComo é o negócio?

AMIGODois exemplares do livro de vocês, deixam de valer US$10 cada, e passam a valer US$10.000 cada.

O casal se entreolha. ROBERTO abaixa a cabeça. ASSUMPTA demora um pouco. Depois tira de uma sacola dois exemplares.

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DISSOLVE TO:107 – INT. – SALÃO DE ESPERA – NOITEROBERTO está chorando. Todos no salão o ob-servam. Comovido, ROGÉRIO se aproxima.

ROGÉRIOVocê não é o único, amigo. Para eles somos todos cucarachas. Não importa quem você seja, para eles estamos sempre fazendo alguma coisa muito errada.

A. CARLOS está perto de ORLANDO, estão olhan-do o casal.PATRÍCIA se aproxima deles.

PATRÍCIA(para A. CARLOS)Escuta, meu nome é Patrícia Magalhães Leite de Barros, meu pai é...

A. CARLOSEu sei quem é seu pai.

PATRÍCIAO senhor não teria um celular para me emprestar?

A. CARLOSPor que não usa o seu?

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Patrícia mostra o seu celular espatifado.A. CARLOS indica LALO que está ao lado. Ela se aproxima de LALO que a recebe negando com o dedo.

LALOA bateria está acabando.

PATRÍCIA(histérica)Preciso falar com papai!

Todos a olham, quase rindo.

A. CARLOS(sacaneando)Faz o seguinte: grita bem alto “Papai, pa-pai, esta gente pobre, nojenta, fedoren-ta, miserável está me chateando, papai...”

Todos riem. Furiosa, ela tenta bater em A. CAR-LOS sem conseguir; se afasta. Ela esbarra em ROGÉRIO, quase o derruba.

ROGÉRIOEi! cuidado, Patricinha de Copacabana!

PATRÍCIAVocê vai pra Nova Iorque? Se você vai, me avisa que eu nem paro lá. Vou direto

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para a Europa. Deus me livre de ficar esbarrando com gente feia como você.

ROGÉRIOE você é linda, né?! Já se olhou no espe-lho? Já imaginou seus cabelos pixaim sem o tubo de creme importado?Meu amor, você tem um pé na cozinha, e não tem dinheiro que tire teu cheiro de senzala.

PATRÍCIAPartindo de uma bicha, isso é elogio.Tá com inveja do quê? Da minha xoxota? Do meu útero que tem um bebê dentro? Isso você pode sentar e esperar que nun-ca, nunquinha vai ter.

ROGÉRIOMeu Deus! Que mulher fina!

PATRÍCIAFiníssima e riquíssima!

A. CARLOSMas tão cucaracha como todos aqui, princesa.

O entrevero entre os brasileiros soa grego para os outros latinos.

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A. CARLOS(continuing)Por que será que você está aqui, hein? Será por que você também é uma fudida que nem nós?

PATRÍCIAViados, nojentos, filhos da puta!

Ela se encolhe num canto, esconde a cabeça entre os braços.

DISSOLVE TO:108 – INT. – APARTAMENTO LUXUOSO - DIAPATRÍCIA inspeciona uma empregada uniformi-zada fazendo suas malas. Duas amigas a ladeiam.

PATRÍCIAPõe a cachemira amarelinha. Aquela fofinha.

As amigas fofocam.

AMIGA 1Tua mãe já sabe?

PATRÍCIAMinha mãe está na China.

AMIGA 2E você tá pensando em ter?

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PATRÍCIAE você acha que eu sou louca? Vou atrás dele em Aspen e contar tudo.Faço uma cena de novela, choro e depois que ele estiver aqui na minha mão, me mando pra Paris. Lá eu decido.

PATRÍCIA abraça um ursinho de pelúcia gigante.

PATRÍCIA(continuing)Mas que ia ser um bebê fofo isso ia!

Elas riem.

CORTA PARA:109 – INT. – BANHEIRO – NOITEPatrícia vomita na privada. Levanta-se, lava o rosto e se vê com cara de latina, desfigurada e cansada. Abre a bolsa e derrama um Channel nº 5 nos cabelos.

110 – INT. – SALA DOS OFICIAIS – BANHEIRO – NOITEBOB, sentado na privada lê o livro de ASSUMPTA. Enquanto lê murmura um poema e vemos flashes provocados pela sua imaginação.

111 – INSERT – CENAS EM NOVA IORQUEROBERTO e ASSUMPTA transam. ROBERTO se vira; vemos que é BOB abraçando-a.

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Ela escreve num apartamento frio; põe um co-bertor nas suas costas nuas; ela se vira e sorri. Sorri para BOB.

BOB(murmurando)Receita... Lave o rosto / esfregue-ocom borracha,/ deixe-o sem linhaspara que eu desenhe nele, / macacose pássaros e uma folha de palmeira./Deixe escorrer uma gota e eu farei oolho negro/ do menino de Guayaquilperdido nas grutas de Nova Iorque./

112 – INT. – BANHEIRO DOS OFICIAIS – NOITEBOB lava as mãos e fica se olhando no espelho. Repete um verso: Lave o rosto, esfregue-o com borracha, deixe-o sem linhas...

113 – INT. – AQUÁRIO – NOITEROGÉRIO enfrenta MARSHALL e BOB.

ROGÉRIOExplicar o quê?

MARSHALL e BOB ficam em silêncio.

ROGÉRIO(continuing)Eu tenho green card, meu filho, que eu lutei muito para conseguir e agora isso?

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SANDRARelax, baby!

114 – INT. – AQUÁRIO VIZINHO – NOITEDa sala vizinha, A. CARLOS ouve o diálogo, ten-so, irritado.

ROGÉRIO (O.S.)Por que vou relaxar? Levo horas esperan-do para chegar em casa? Vocês não têm respeito pelo ser humano?

115 – INT. – AQUÁRIO – NOITEBOB abre o passaporte de ROGÉRIO.

BOBMr. Filro, se tem seu green card não pre-cisa se preocupar.

ROGÉRIOFilro não, Filho!

BOB(esforçando-se)Ok, Mr... Filhou! Espere no salão!

ROGÉRIO fica agradecido pelo esforço. Sai e fecha a porta do aquário. MARSHALL bebe de uma garrafinha. De repente, fica agressivo.

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MARSHALLVocê quer ou não quer o cargo, pôrra?

BOB(indiferente)Quero! Mas não vou ficar pedindo de joelhos!

MARSHALLÉ preciso ter tesão pelo trabalho, você tem?

SANDRA(maldosa)Eu sei quem é o tesão dele.

MARSHALLDevia ter dado um pontapé na bunda dessa bicha histérica!

BOBEle não é legal? Tem o green card!

116 – INT. – AQUÁRIO VIZINHO – NOITEA. CARLOS está atento ao que falam no aquário do lado.

MARSHALL (O.S.)É uma bicha brasileira com green card!

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BOB (O.S.)E você acha que mais uma bicha na Amé-rica do Norte vai fazer diferença?

A. CARLOS mexe a cabeça num gesto de desespero.

117 – INT. – SALÃO DE ESPERA – NOITEROGÉRIO está raivoso. Faz uma banana para os oficiais no aquário. Senta num canto, perto de CALIPSO.

CALIPSOCalma.

ROGÉRIOEu tenho green card. Eles que tenham calma comigo. Vou tascar processo.Ah, vou. Me aguardem.

Faz um gesto agressivo mostrando o dedo do meio para os norte-americanos.

ROGÉRIO(continuing)Aqui pra vocês!

118 – INT. – AQUÁRIO – NOITEA. CARLOS está no aquário. Olha os oficiais com rai-va contida. MARSHALL examina o passaporte dele.

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MARSHALL(gentil)Podemos examinar sua sacola de mão?

A. CARLOS empurra a bolsa ao alcance deles. SANDRA examina peça a peça os pertences. MARSHALL abre um álbum de fotos familiares e olha. Conversa calmamente, em contraste com a raiva de A. CARLOS.

MARSHALL(continuing)É sua filha?

A. CARLOSYes, sir.

MARSHALL(olha foto de Marieta)Que bela praia! Aqui não temos praias assim. Huumm... belas mulheres.

BOB percebe a ira de ANTÔNIO CARLOS.

BOBMarshall, cuidado!

SANDRA olha mais fotos de Marieta na praia. MAR-SHALL abre um envelope com cartas e as examina.

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A. CARLOS(com ódio contido)Pode ficar com meu passaporte, carteira de motorista, talão de cheque, meus papéis.(violento)Mas tire suas patas dos meus objetos pessoais.

SANDRA deixa a bolsa e MARSHALL deixa as cartas na mesa.

A. CARLOS(continuing; calmo)Meu visto de entrada é legal, não tenho nada a esconder. Por que vocês não tra-tam a gente da mesma forma que trata-mos vocês no Brasil?

SANDRA examina a câmera de vídeo.

MARSHALL(para A. Carlos)Pode guardar.

A. CARLOS não se mexe. MARSHALL pede com um gesto e SANDRA recoloca tudo na bolsa.

SANDRA(falsa)Só estamos fazendo o nosso trabalho.

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BOB(para Marshall)Me dê o passaporte.

MARSHALL ignora o pedido. BOB controla-se. SANDRA sorri.

MARSHALLComo você se vira na Américado Norte?

A. CARLOSSou gerente de uma fábrica de alimentos. E vou começar um negócio de plantas desidratadas em Buffalo.

MARSHALL, enche dois copinhos com bebida. Oferece um a A. CARLOS que não aceita.

MARSHALLNão é coincidência? Eu nasci em Sedona, a terra dos seus sogros.Achei que nunca ia conhecer alguém que já tivesse pisado lá.(saudosista)Tomaram banho de rio?

A. CARLOS(solícito)Tomamos... é um lugar muito bonito.

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MARSHALLTeu sogro fazia o quê?

A. CARLOSNão sei bem...

MARSHALLNão tinham uma loja de ferragem em frente à praça?

A. CARLOSAcho que sim, não sei bem!

MARSHALLAcho que eles tinham uma filha chamada Lynn, como a tua mulher!

A. CARLOSPode ser.

MARSHALLUm brinde ao brasileiro que conhece o último lugar do cú da América do Norte.

BOB(para A. Carlos)O senhor aguarde no salão.

MARSHALL(agressivo)Sedona fica no meio do deserto, não tem rio.

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E jamais um safado de um brasileiro an-dou naquela rua única, cheia de poeira, onde nem loja de ferragens existe. Co-nheço bem aquela merda.

A. CARLOS perde a paciência.

A. CARLOSÉ ilegal não ter ido na fodida cidade onde moram os sogros? E onde nasceu mr. Deus? Casei para foder com a filha, não com a sogra.

MARSHALL(gritando)E a mulher brasileira é verdadeira ou falsa? E a filha que você tem no Brasil? É verdadeira ou falsa?

119 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITENo salão todos expressam raiva, medo, angústia, etc. Ouvem-se os gritos da discussão no aquário.

SANDRA (O.S.)Chefe, calma...

MARSHALL (O.S.)Quanto pagou pelo casamento arranjado?

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120 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITEMARSHALL avança sobre A. CARLOS.

MARSHALL(fora de si)Última pergunta: deu tempo pra ao me-nos uma trepada?

A. CARLOS levanta-se bruscamente.

BOB(intervindo)Marshall!(ao brasileiro)Pode esperar lá fora...

A. CARLOS(a Marshall)Tem aí um documento expedido por um juiz norte-americano me autorizando a sair e a entrar no país.

MARSHALLQuem decide quem entra na América é o Depto. de Imigração de Fronteiras.E o Depto de Imigração de Fronteiras se chama Uncle Marshall.

BOB mostra o documento do juiz norte-ameri-cano a MARSHALL. Ele examina o documento.

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BOBO documento é legal...

MARSHALL lê com calma.

MARSHALLQuanto pagou por este documento?

ANTONIO CARLOS está estarrecido.

BOBO documento é legal!

MARSHALL rasga o documento. BOB está per-plexo. SANDRA tensa.

A. CARLOS(provocando)Já que o sr. é tão chegado a experiências, como a que está fazendo com a gente, talvez aceitasse se submeter a uma, só para variar o ponto de vista...

MARSHALL(escande as palavras)Eu, me submeter a uma experiência?

A. CARLOS(tom seco)Chutar cachorro morto é fácil. Mas cuida-

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do; como o senhor sabe, nem todos são cachorros mortos! Alguns só se fingem de mortos!

Antônio Carlos está furioso. Encara Marshall sem medo, fixa-se em seus olhos absurdamente azuis. Detalhe dos olhos. Ele se agarra a essa evidência para virar o jogo.

A. CARLOS(continuing; sem medo)Já ouviu falar da experiência dos olhos azuis? Da sra. Jane Elliot?

MARSHALLGostou dos meus olhinhos? Quem é essa Elliot?

A. CARLOSUma educadora, sua compatriota. Ela po-deria lhe ensinar, mr. Deus, a virar gente, antes do seu fígado estourar.

BOB observa um e outro.

BOBPode se retirar. Aguarde no salão.

A. CARLOS sai.

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MARSHALLEsse filho da puta estava me desafiando?

BOB solta uma gargalhada.

BOB(futucando-o)Não sei. Ficou mordido com o brasileiro, ou ficou com medo dele?

MARSHALLEu vou ter medo de barata?

MARSHALL serve copinhos de whisky e oferece a BOB e SANDRA.

BOBPra mim chega.

SANDRAMinha úlcera está reclamando.

121 – INT. – SALÃO DE ESPERA – NOITEA. CARLOS parece calmo. De repente, ele chuta uma cadeira.Os desportistas e LATINO, que treinavam golpes e movimentos, se imobilizam.

A. CARLOSO filho da puta rasgou o meu documento. Rasgou na minha cara.

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MÁRIO TAPIAIsso é totalmente ilegal!

ORLANDOQue absurdo!

A. CARLOS(desespera-se)Vou ter que começar tudo de novo!

ASSUMPTAA gente tá nas mãos de um bêbado recalcado.

A. CARLOS(desespera-se)Que merda estamos fazendo aqui?

PATRÍCIA Isso que eu tô perguntando faz horas. Que que eu tô fazendo nessa loucura?

A. CARLOS senta. CALIPSO se agacha e amarra o cadarço do sapato dele, que estava desamarrado. LALO retira do bolso uma garrafinha de metal.

LALO(para A. CARLOS)Dê um teco, vai lhe fazer bem!

A. CARLOS bebe; sente-se melhor.

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A. CARLOSÉ muito bom!

LATINO vê a garrafinha e interrompe o treina-mento com um grito espetacular. Aproxima-se do grupo. LALO oferece a bebida a MÁRIO TAPIA.Sorrisos simpáticos.

LALOO Pisco chileno mata qualquer amargura!

LATINOY el tequila también!

CALIPSONada como un mojito.

ORLANDOUm gole não vai me fazer nada. Não me embebedo fácil. Saúde.

ROBERTO recebe a garrafinha.

ROBERTOLicor dos Deuses.

ASSUMPTA bebe com prazer; olha dissimulada-mente para o AQUÁRIO. ROBERTO percebe. BOB a está olhando, ou olhando o grupo. Chega a vez de ROGÉRIO.

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ROGÉRIOVocês não têm medo que eu tenha a maldita?

ORLANDONinguém pega Aids bebendo um trago.

PATRÍCIAEu não bebo!

A. CARLOSNão fuma, nem cheira? Só mente um pouquinho!

Ofendida, PATRICIA pega a garrafa e bebe, um gole curto e um segundo gole, mais longo. Satis-feita com seu ato de heroísmo encara o grupo: eles compreendem o gesto. LATINO recebe a garrafa e bebe. Os atletas estão de boca sêca. Ele entrega a garrafa para seus companheiros.

LATINOHoje pode, hoje é um dia especial.

E passa a garrafinha aos atletas; ela está vazia.

LALO(brincando)Os atletas têm que cuidar da saúde.

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MÁRIO TAPIA(emocionado)Amigos, nós, latino-americanos somos irmãos na desgraça!

LALO(piadista solta acordes de tango)Tchan, tchan! tchan! tchan!

122 – INT. - SALA DOS OFICIAIS – NOITEBOB bebe café. O velho bebe mais uma dose de whisky.

BOBUma coisa eu aprendi contigo hoje: a limpar a bunda com as leis.

MARSHALLMentir tira toda a verdade de qualquer declaração dele.

BOBEu mandaria ele para a corte. Ele merece ter o direito de se defender!Se quer saber, eu nunca rasgaria um do-cumento legal.

MARSHALLPara fazer este trabalho, Bob, ás vezes é preciso perder os escrúpulos.

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BOB enfia essa filosofia de bêbado bem no fundo!

MARSHALLEu vou me entender com ele!

BOB(advertindo)O cara te fez entrar no jogo dele. Se não parar de beber, ele vai fuder contigo!

MARSHALL abre os braços e fica equilibrado numa perna só.Depois faz o teste de levar o dedo ao nariz. Senta.

MARSHALLEu me lembro de quando você veio pra trabalhar comigo. A primeira vez que me viu bebendo quis me denunciar!

BOBDevia ter te denunciado.

MARSHALLVinha cheio de ideais, a tua língua des-fiava a Constituição de cor.

BOB sorri amarelo.

MARSHALL(continuing)Até de racista me chamou. Mas aqui,

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aprendeu muita coisa comigo, não aprendeu? Aprendeu que aqui dentro é o mundo de verdade...

BOBAprendi sim: aprendi um monte de merda contigo. E continuo aprendendo.(irônico)Aprendendo o quê?

123 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITEOs desportistas LATINOS fazem sua exibição. Coordenadamente, realizam exercícios de arte marcial oriental. Não são do ramo. MARSHALL e SANDRA assistem com um tom falsamente sério. BOB encabulado percebe que ASSUMPTA o olha indignada.

LALO(para A. Carlos)Com esses guerreiros podemos invadir a América do Norte! Índios fus...(um gesto de caratê)Rá.

A. CARLOSPô, cara, vê se se manca!

Desculpa-se com gestos.

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BOB(Para Marshall, irritado)Eu vou trabalhar, você fica por aí...

MARSHALL o segura com autoridade.Acaba a exibição. Palmas esparsas. LATINO re-cebe os parabéns.

ORLANDOBela apresentação!

LALO(discursivo)Vocês deram uma lição de como o esporte derruba fronteiras e línguas.Rá ... Parabéns, rapazes.

MARSHALL(falsamente sincero) Parabéns, foi uma excelente exibição.

LATINOMuito obrigado!

MARSHALLE quem você acha que ganha: um prati-cante de taekwon-do ou um de caratê?

LATINO não percebe a ironia.

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LATINO

O de taekwon-do se sai melhor. A base do taekwon-do são os pés, enquanto a cabeça e os braços se armam para a defesa.

MARSHALL(imita um movimento)Aquele movimento de ataque...

LATINOCon los pies en el suelo, el peso en la mente, los brazos arriba de la cabeza y ...

MARSHALL dá-lhe um golpe de caratê fatal. LATINO se estatela no chão.

MARSHALLSe rompe a defesa. O caratê venceu.

ROGÉRIO(sofrendo)Filho da puta!

LALO ri mas sente vergonha e se cala. A. CAR-LOS, CALIPSO, MÁRIO TAPIA ficam indignados. SANDRA não gostou do que viu.BOB encontra o olhar de ASSUMPTA. Seu mal- -estar é grande. MARSHALL encurrala o LATINO – mas fala para todos.

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MARSHALLNão existe a tal associação de tae kwon do.

LATINOE o fax com o convite?

MARSHALLÉ falso.

Marshall investe contra Latino, fazendo-o recuar. BOB segura o chefe pelo braço.

MARSHALL(continuing; Para A. Carlos)Copacabana, meus olhos azuis estão te aguardando.

A. CARLOS(contido, irônico, em inglês)Estou esperando.(entredentes, em português)Babaca!

MARSHALL consulta BOB e SANDRA.

MARSHALLDeportamos ou não?

SANDRANão tenho nada com isso!

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MARSHALL faz o mesmo gesto de César: auto-riza a morte, esticando o braço com o polegar indicando o chão.Chegam dois policiais. MÁRIO TAPIA se levanta tenso. Os atletas aglutinam-se ao redor do chefe.

ROGÉRIO(fala para o gravador) É tudo tão nojento. O maior espetáculo da terra é o da humilhação!

124 – INT. – AQUÁRIO – NOITENa sala, SANDRA, MARSHALL, BOB; ele olha o salão pela janela.

SANDRA(cautelosa)Você não acha que exagerou um pouqui-nho, chefe?

MARSHALL(para Sandra)Você deu o tal telefonema para a lavan-deria Chiquititas?

SANDRA(algo culpada)Não.

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MARSHALL(rindo)Você é o meu melhor cão farejador.

SANDRA(com rancor)Eu sei farejar não porque seja um cão, ou melhor, cadela.

Mas porque sou negra. Eu reconheço um fudido a quilômetros. Não mereço um prêmio por isso?BOB olha o salão. Os atletas estão sendo retira-dos escoltados por policiais. LATINO consegue ir até a janela. Encara BOB e fala num espanhol cheio de marra, de gírias, bem popular.

LATINOEu vou voltar pra te pegar, barata bran-ca! Não vou esquecer da tua cara, nem daquele filho da puta! Me esperem!

125 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITEAgrupam-se A. CARLOS, MÁRIO TAPIA, ROBERTO, ROGÉRIO, ASSUMPTA e CALIPSO. Estão deprimi-dos. Depois de uma pausa, todos se viram para LALO que está falando no celular, aos gritos.

LALO(grita)Não desliga, amor... Amor, você não pode

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me tratar assim, feito cachorro.Não desliga, por favor... Eu te...

Desligam.

LALO(continuing; raivoso, emocionado)Quer me ver rastejando. Eu já estou rastejando...

DISSOLVE TO:126 – EXT. – CASA DE LALO E CORDILHEIRA – DIAA cordilheira fechando o horizonte. Bairro resi-dencial de chalés modernos, elegantes. LALO está na janela da casa moderna, em Santiago, CHILE.

127 – INT. – CASA DE LALO – DIA Eduarda está diante de Lalo.

EDUARDA(incisiva)Lalo, é sua última chance: quer ficar co-migo e ter filhos ou não?

Como se nada sentisse, LALO dá sua palavra final:

LALONão!

Da parede para o chão, um porta-retratos se faz em cacos.

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128 – EXT. – RUA E CASA DE LALO – AMANHECERDo segundo andar, arremessam uma mala que cai no jardim.

129 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITELALO voltando à realidade, repara que todos o rodeiam.

ROGÉRIO(compreensivo)Amas y no eres amado?

Fotos de família de um álbum aparecem em primeiro plano. São fotos de EDUARDA e LALO que passam de mão em mão.O casal numa praia, num aniversário, se beijan-do. Ouvimos as pessoas falando.

ASSUMPTA (O.S.)(com raiva dele)E você fugiu, como um rato?

CALIPSO (O.S.)(incisiva)Ela está te dando o troco.

A. CARLOS (O.S.)(defende-o)Ele deve ter suas razões! Todos nós temos!

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ASSUMPTA (O.S.)(agressiva)Anda, chora. Mostra o meninão da ma-mãe que tá atrás desse machão.

Vemos LALO que está quase chorando.

ROGÉRIOVocê quer parecer durão, mas não é. Y por eso arrastras las cadenas de un amor perdido!

LALO(lamenta-se)Por que entrei nesse avião maldito?

ROGÉRIO(misterioso)Está escrito nas estrelas: é a lua minguan-te. Não é bom viajar.

ROBERTO(supersticioso)É mesmo?

ROGÉRIOLua minguante, faz tudo fechar, até o coração dos homens...

130 – INT. – SALA DOS OFICIAIS – NOITEComputador: Entram imagens da INTERPOL. Elas identificam MÁRIO TAPIA como sendo, na verda-

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de ALBERTO ANTICE: oficial de exército argentino, condenado por crimes contra direitos humanos e indiciado pelo assassinato de um refugiado argen-tino e de uma cidadã norte-americana nos EUA.MARSHALL cochila. BOB, ao computador vendo a ficha com a foto do argentino sem o bigode.

131 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITEOs viajantes veem BOB com dois policiais cami-nhando na direção deles.Do aquário, MARSHALL observa tudo. BOB fala com os policiais, indicando ANTICE.ANTICE recua em direção ao banheiro.

132 – INT. – BANHEIRO – NOITE

ANTICE se olha no espelho.

133 – INT. – BUENOS AIRES – SALÃO DE DANÇA – NOITE Tango. O bandoneon dá os últimos acordes do tango. Pés e pernas fazendo passos, entrelaçan-do-se, parando, avançando, deslizando.O tango está no auge, perto do fim. ANTICE está exaltado, dominando a mulher, de quem ainda não vemos o rosto.Ele dominou a mulher, inclinando seu corpo sobre o dela. Ela dobra a cintura, deixando o torso cair, apoiado no braço dele. A luz bate no rosto: o rosto é uma caveira.

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134 – INT. – BANHEIRO – NOITEANTICE- TAPIA se vê no espelho, fora de foco. Segura a pistola na mão. Os policiais entram no banheiro. Ele aponta a arma contra o coração e dispara. Cai morto.BOB debruça-se sobre o cadáver e arranca o bigode postiço de ANTICE.

135 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITETodos estão amontoados num canto do salão.

LALOQuem diria? Eu sabia que conhecia aque-la cara de algum lugar...

A. CARLOSA Luisa me pediu pra ficar. A Marieta me pediu pra ficar... e eu...

No visor da câmera de vídeo, vemos imagens da ilha e de LUISA.

LUISA(fala para câmera)Pai, peguei a câmera escondida de você pra te falar uma coisa, duas coisas. Primei-ro, para você se lembrar de mim. Porque quando você está longe, você não me vê e aí pode esquecer que eu estou aqui. Outra coisa é que eu só fico pensando

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na casa da ilha. Vai ser muito legal ter uma casa, pra você voltar e ficar, e nunca mais viajar(mostra uma foto de revista com um poodle branco)Ah, esse aqui vai ser o Nicolau. Pai, volta logo, te amo de paixão.

Todos estavam olhando as imagens de LUISA.

PATRÍCIA(aflita)Eu estou grávida e não quero esse filho. Eu quero tirar ele daqui.(faz um gesto como se puxasse a barriga)Arrancar fora e esquecer...

ROBERTO abraça ASSUMPTA.

ROBERTO(sussurra)Vamos jogar fora teu livro. Depois vai ser tarde.

ASSUMPTAVai ser tarde pra quê?

A. CARLOSSete anos trabalhando aqui, das 10 ho-ras da noite até as 8 horas da manhã, 2.755 dias.

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Nunca fui a um museu, nunca subi no Empire States. Por que estou aqui?Pela grana?

136 – INSERT – IMAGENS DE NOVA IORQUE, MIAMI – DIA – NOITEImagens em câmera lenta, ou fotos P & B, de ros-tos e atitudes de latinos, imigrantes de diversos lugares do mundo, em N. Iorque e outras cidades. O esforço do trabalho, a miséria e a alegria. Tam-bém vemos os lugares que as pessoas mencionam.

ROGÉRIO (O.S.)Eu nunca fui na Broadway, nunca vi um musical da Barbara Streisand que eu amo. Ainda não fiz nada, meu Deus, nada!

ASSUMPTA (O.S.)Nunca fui a um restaurante caro, não pedi champagne, caviar...

ORLANDO (O.S.)Nunca entrei no Metropolitan Museum.

ROBERTO (O.S.)Imigrante está sempre esperando a ma-mada que nunca vem.

ROGÉRIO (O.S.)No Brasil eu estaria morrendo. Aqui, pelo menos eu estou sobrevivendo.

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137 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITEROGÉRIO está encolhido sobre si mesmo.

ROGÉRIOMas quando vejo a mamãe, quero ficar com ela, para sempre.

A. CARLOSQuando estou no Brasil quero vir para cá, quando estou aqui quero estar lá.

ORLANDOEu estou voltando!

A. CARLOSPor que as mulheres deixam partir os homens que amam?

ROGÉRIO (DRAMÁTICO)Para que possam voltar, esfarrapados, sujos e famintos.

ASSUMPTA(para Roberto)Um homem que nunca ganhou uma guerra, qualquer guerra, nenhuma mulher quer.

ROGÉRIOEu não quero ser mulher: eu sou o ideal de mulher.

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ASSUMPTAO que me dá prazer? Eu não sei.

ROBERTO(cantando para Assumpta)É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe...

ROGÉRIOO que eu mais queria, perdi. Não tenho mais, não posso tocar, nem me aproximar.

DISSOLVE TO:138 INT-EXT-HOTEL-RIO DE JANEIRO-NOITEA sacola de presentes que ROGÉRIO carregava na favela está jogada no chão. Está sofrendo mas não chora. Como não consegue fechar a mala, derruba-a espalhando o conteúdo.Descarrega toda a frustração, a ira, chutando a sacola de presentes, espalhando-os pelo quarto.Ele rasga o invólucro dos presentes, joga vesti-dos, sapatos de mulher pela janela.Quebra um vidro de perfume no espelho de uma velha penteadeira. Num caco do espelho partido alisa seu rosto e geme.

139 – INT. – SALA DE ESPERA – NOITETodos estão rodeando ROGÉRIO. Ouvindo-o.

ROGÉRIODe meu, só tenho a minha doença. É isso que me sobrou.

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Sem fôlego, cambaleia como se fosse desmaiar. ASSUMPTA o ampara, o faz sentar, o abraça. A sacola dele cai; LALO o abana com uma revista. ORLANDO toma-lhe o pulso, olha as suas pupilas.

ROGÉRIO(continuing; canta baixinho)Não existe un momento del dia,/ en que pueda apartarte de mi./ El mundo parece distinto/ quando estás junto a mi!

BOB sai do aquário com o livro de ASSUMPTA. Cruza o salão, indo ao encontro dela.

ROGÉRIO(continuing; cantando afinado e feminino)No hay bella melodia. / En que no surjas tú./ Ni yo quiero escucharla / si no la es-cuchas tú.(aumentando o tom)Es que te has convertido...

CALIPSO deixa-se levar pela dança.ROBERTO não encontra o olhar de ASSUMPTA que está olhando para BOB.

ASSUMPTAEn parte de mi alma. / Ya nada me con-forma... Si no estás tu también./

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ROBERTO com ódio dela. ORLANDO murmura entoando para si:

ORLANDOMas allá de tus labios / del Sol y las estrellas.

LALO(com muito sentimento)Contigo en la distancia./ Amada mia estoy!.

BOB chega até ASSUMPTA. É evidente a atração entre eles. BOB entrega o livro a ASSUMPTA.

BOBOs poemas são muito bonitos. E a edição tambem! Parabéns.

ROBERTO(raivoso, sem pudor)O diálogo Norte-Sul está esquentando.

Todos o ouvem constrangidos. Levanta-se para brigar, porém, a presença de Marshall, que cami-nha pelo salão observando um e outro, o detém.MARSHALL, bêbado, parece um gendarme vi-giando prisioneiros.SANDRA segue-o de perto. Ele para em frente de A. CARLOS. O clima de confronto e briga é patente. BOB e SANDRA estão na expectativa.

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MARSHALL(com voz pastosa)Você vai ter que se explicar comigo, Co-pacabana! Agora.

BOBVamos para a sala, Marshall.

MARSHALLNão precisa, não tem segredo nehum.

BOBFalei com o sócio dele. Seus dados ban-cários conferem!

MARSHALLCai fora.

SANDRAVamos conversar com ele na sala...

MARSHALL(grita)Fecha essa matraca, beiçuda!

SANDRA sente o perigo.

BOB(olhando o relógio)Seis horas da manhã, cara. Fim do expe-diente. Tu tá aposentado já.

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MARSHALL(sarcástico)UUUh! Calma, tô fazendo hora extra!

Dá uma gravata em BOB. Ele se desfaz do golpe. Todos na sala de espera estão tensos. Marshall se senta no meio dos detidos e esparrama os braços.

MARSHALL(continuing; apontando A. Carlos)Mr. Robert, posso fazer um último pedido para este senhor?

BOB fica em silêncio.

MARSHALL(continuing; para A. Carlos)O que é essa experiência dos olhos azuis?

A. CARLOS toma coragem e explica as regras do jogo.

A. CARLOSÉ um jogo onde quem tem olho azul vira cucaracha. E quem tá por cima sente na pele o que é estar por baixo.

MARSHALL(divertido)Pra que isso?

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A. CARLOSÉ um jogo, um jogo educativo pra ma-chos. Quer experimentar?

MARSHALLTopo.

SANDRAVai dar merda. Eu não vou perder meu emprego por causa de um bêbado apo-sentado.(para Bob)Vocês que são brancos que se entendam! Hasta la vista, baby!

Ela sai da sala de espera.

BOB (para A. Carlos) Vou lhe dar o visto e caia fora.

MARSHALL(provoca A. Carlos)Vai querer entrar nos EUA, com o rabo entre as pernas? Não tem peito para fazer o joguinho comigo?

BOB espera a reação do brasileiro. Os viajantes aguardam a resposta dele. A. CARLOS duvida.

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A. CARLOSTopo... se você encerrar esse jogo e liberar todos os que tão detidos.

MARSHALL(para Bob)Pode liberar agora se quiser.

BOB(para Marshall)Vamos conversar, velho? Estou te pedin-do!

MARSHALLVocê não vai querer que no meu último dia de trabalho, um cucaracho ria da minha cara! Libera o resto e deixa ele se entender comigo.

140 – INT. – BANHEIRO – NOITEANTÔNIO CARLOS está no banheiro. Está tenso, suando. Lava as mãos e molha o rosto, para se acalmar. Se olha no espelho.

A. CARLOS(sussurrando)O que você tem a perder?

Pelo espelho, Antonio Carlos vê Calipso entrar.

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A. CARLOS(continuing)Por que você amarrou meus sapatos?

CALIPSOPra você não tropeçar.

A. CARLOS se deixa beijar no rosto e depois na boca.

141 – INSERT – EXT – LARGO – DIAFLASH: ANTÔNIO CARLOS é atacado pelo touro, como no início do filme.

142 – INT. – AQUÁRIO – MADRUGADABOB entrega o passaporte a ORLANDO. MAR-SHALL faz um gesto de despedida irônica.

143 – INT. – SALA DE ESPERA – MADRUGADAROGÉRIO sai do aquário.

ROGÉRIOBob, eu te amo, te amo pra sempre, te amo demais. Você é uma gracinha.

Despede-se de todos.

ROGÉRIO(continuing)Sobrevivemos, somos cucarachas, porra, com muita honra!

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Faz um gesto macho.

144 – INT. – SAGUÃO AEROPORTO MIAMI – AMANHECERROBERTO e ASSUMPTA correm pelo saguão do aeroporto.

ROBERTOVocê ficou olhando pra’quele filho da puta.

ASSUMPTAEu? Deixa disso. Vamos embora, tô louca pra chegar em casa. Vamos.

Dá um beijo nele. Eles partem. Saem de quadro e a câmera corrige para Patrícia num orelhão.

PATRÍCIAAlô? Quero falar com o embaixador Fle-cha de Lima...(sua boca se enche)É Patrícia Magalhães Leite de Barros... ôi, tio?

145 – INT. – AVIÃO PARA CHILE – AMANHECERLALO avança pelo corredor do avião, senta numa poltrona. Ao lado de uma jovem bonita. Disca o celular, ouve-se uma mulher do outro lado.

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LALO(falando baixo)Perdoname amor, estoy volviendo.(canta baixinho)Me importas tu, y tu, y nadie mas que tu!

O que ouve o deixa feliz. Num repente de feli-cidade canta.Surpreende a jovem que estava lendo.

LALO(continuing)Ojos negros, piel canela, que me llegan a desesperar...

Percebendo o sorriso da jovem. Brinca com ela, sedutor.

LALO(continuing)Me importas tu, y tu, y tu, y nadie mas que tu.

A jovem gostou dele.

146 – INT. – AQUÁRIO – AMANHECERCALIPSO pega seu passaporte com o visto de entrada. Sensual, como uma profissional:

CALIPSO (sacaneando) Posso fazer alguma coisa especial por vocês?

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Ela deixa a sala.

MARSHALLAté cubano entra e sai daqui como se fosse da própria casa.

BOBVamos cair fora logo. Só falta teu amigo brasileiro.

MARSHALL se adianta e pega o passaporte de A. CARLOS.

147 – INT. – SALA DE ESPERA E AQUÁRIO – AMANHECERA. CARLOS ficou sozinho no salão.No AQUÁRIO: MARSHALL segura o passaporte de ANTÔNIO CARLOS.

BOBNão há nada contra ele, deixa o cara entrar.

MARSHALL(gritando)Tenho um trato com o brasileiro e vou até o fim. Nem que eu tenha que rasgar esta merda de passaporte.

ANTÔNIO CARLOS aproxima-se do AQUÁRIO. Não ouve bem o que eles discutem, nem sabe porque gritam.

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BOBSe você não se acalmar, vou reportar o que aconteceu hoje aqui!

MARSHALL está furioso.

MARSHALLVai me trair?

BOBMe entrega o passaporte, anda, estou cansado.

Tenta tirar-lhe o passaporte. MARSHALL o en-cara com violência. Caem num corpo a corpo desajeitado que derruba a mesa. Um confronto nada cinematográfico nem glamouroso.Arrastam-se pelo chão.ANTÔNIO CARLOS vê seu passaporte voar das mãos do velho.Entra no aquário e o recolhe assustado. Segura o documento como quem defende a vida.Cansados de brigar, MARSHALL e BOB desistem. Exaustos, ficam sentados no chão. Reparam em A. CARLOS. MARSHALL começa a rir.

MARSHALL Que despedida mais absurda!

BOB Uma despedida e tanto.

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MARSHALLE que porre! Minha cabeça dói.(para A. Carlos)Vem cá. O desafio está de pé?(para Bob)Se ele se acovardar, manda de volta pra Copacabana.

BOB concorda.

BOB(abraçando-o)Você é um otário, mesmo. Vá em frente!

ANTÔNIO CARLOS não sabe o que fazer. BOB encoraja-o.

MARSHALLÉ para fazer o que? É para piscar os meus olhinhos azuis, meu bem?

A. CARLOSFica onde está. Agora você é aquele que é detido na fronteira, interrogado, tratado como lixo.Agora, no nosso jogo, quem tem olho azul é que é um merda, sem nenhum direito. Entendeu agora?

MARSHALLVá em frente!

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ANTÔNIO CARLOS adota uma postura diferente, como se fosse o outro, investido de autoridade e poder imanente. Ele fica frio, seco.

A. CARLOS(para Bob)O chefe agora sou eu. Você fica do meu lado, mesmo que discorde.

BOB concorda.

A. CARLOS(continuing; interroga Marshall)Você quer que eu lhe dê o visto para entrar na América do Norte?

MARSHALLEu sou daqui, não preciso de visto.

A. CARLOSNão te perguntei de onde você é? Será que os babacas que têm olho azul não têm imaginação? Não podem abstrair um pouco? Eu te perguntei o seguinte:Você quer o visto pra entrar nos EUA ou não?

MARSHALLQuero. Eu tenho direito a entrar. Sou um homem honesto, trabalhador, educado e

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por isso tenho direito ao visto. Além do mais, tenho endereço fixo, contracheque. Sou viúvo e posso mostrar a certidão de casamento...

Seco e frio, A. CARLOS corrige.

A. CARLOSNão lhe perguntei se você era honesto, se era viúvo, se chorou muito quando tua mulher empacotou. Eu perguntei se queria um visto ou não.

MARSHALLNão sou como a maioria dos que pedem visto, que mentem pra entrar.

A. CARLOS consulta BOB.

A. CARLOSFoi isso que eu perguntei? Eu perguntei se ele acha que é picareta ou não? Já que não tem alcance pra responder o que eu pergunto, vamos mudar de pergunta.

BOB concorda com A. CARLOS.

A. CARLOS(continuing)O que você pretende fazer na América do Norte?

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MARSHALL reflete e responde:

MARSHALL(na dúvida)Trabalhar?

A. CARLOS(com ironia)Trabalhar?

MARSHALLQue nem um camelo...

A. CARLOSA palavra é escravo.

MARSHALLCamelo. Que diferença faz?

A. CARLOSEu disse escravo! Você repete: escravo! Não aceitou as regras do jogo?

MARSHALLEscravo... vou trabalhar 15 horas por dia, juntar dinheiro e mandar para a minha madrecita.

A. CARLOSEssa lenga lenga de trabalhar, poupar, é

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conversa fiada de olhinhos azuis. Os olhi-nhos azuis mentem, casam por interesse.

Trabalham MUITO, dormem pouco, comem mal, alimentam o gato e assistem TV.São neuróticos, vivem com medo de serem ex-pulsos do paraíso.

MARSHALL grita com raiva.

MARSHALLEsses são vocês!

A. CARLOSO que você diz não interessa a ninguém. Interessa o que eu digo.Agora responda, olhos azuis, o quê você faria pelos EUA?

MARSHALL está violentado.

MARSHALLFaria qualquer coisa pela América do Norte.Lutaria pelo meu país, mesmo que isso me custasse a vida. Já fiz isso no Vietña(levanta a camisa para mostrar a cicatriz)

A. CARLOSVocê nunca morreria por este pais. Só diz isso para conseguir o visto. Quer assistir a um show da Broadway?

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MARSHALLQuero, por que não?

A. CARLOS fala em português.

A. CARLOSVocê não faria isso porque é um imigran-te que só quer saber de ganhar dinheiro, poupar e se mandar. Não comeria em restaurantes caros porque não ia querer gastar dólar. Dava tudo pra ser um cuca-racha, né? Uma barata de casca dura que resiste a tudo. Tudo passa, a cucaracha resiste. Você é mais um verme mole, gor-do de olhos azuis que olha para nossas mulheres morenas, gostosas e as deseja. Só que nunca vai ter...

A. Carlos repete em inglês.

A. CARLOS(continuing)Você é mais um verme mole, gordo de olhos azuis que olha para nossas mulhe-res morenas, gostosas e as deseja. Só que nunca vai ter...

Marshall escuta aquilo com olhos turvos. BOB fica calado.MARSHALL reage de repente, violentamente: como ANTONIO CARLOS está muito perto dele, desfere-lhe um murro na cara, fazendo-o rolar pelo chão.

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BOB reage para defender o brasileiro, mas MAR-SHALL o detém com um gesto.Fala, sem rancor, mas com firmeza:

MARSHALLDevia voltar à advocacia, Bob. Teria filas de cucaracha pra você!

Levanta-se e estende a mão para ajudar ANTÔ-NIO CARLOS a se levantar. Receoso, ANTÔNIO CARLOS aceita a ajuda do velho.MARSHALL não lhe solta a mão. Aperta com força, despedindo-se:

A. CARLOSO soco doeu, filho da puta!

Marshall sorri.

MARSHALLFoi um soco de macho!

Acomoda o paletó, a gravata, sacode a poeira e deixa o aquário cambaleando dignamente. Sente-se bem-humorado.

MARSHALL(continuing; para Bob)O cargo é teu. Boa sorte.

BOB(aliviado)Vai descansar. Passa lá em casa amanhã.

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BOB entrega o passaporte a ANTÔNIO CARLOS. Ele o abre: está com o carimbo de entrada.

A. CARLOSQuer me explicar que merda é essa que aconteceu?

A. CARLOS(continuing)Quem é esse maluco? O que ele queria?

BOBAdios, amigo.

148 – EXT. – PISTA DO AEROPORTO – AMANHECERO sol está nascendo. MARSHALL tira a camisa e caminha em sua direção. Ouve-se a canção instrumentalizada: La cucaracha, la cucaracha ya no puede caminar porque le faltan porque no tiene, las dos patitas de atrás...COMO NUMA COREOGRAFIA: Funcionários, em-pregados do aeroporto e tripulação dos aviões pontuam o arranjo , jogando malas, ligando motores, fazendo sinais, fechando uma porta, pe-gando lixo no avião. De dentro de uma lixeirinha de um banheiro de uma aeronave latina sai uma simpática baratinha cascuda. A imagem congela.

FIM

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7º Tratamento

24 de setembro de 2007

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OLHOS AZUIS

Sétimo Tratamento – 24/10/2007

Um filme de José Joffily

Argumento:José JoffilyJorge Duran

RoteiroPaulo Halm Melanie Dimantas

LETREIRO: No meio do caminho de nossa vidaEncontrei-me por uma selva escura,Porque o caminho reto havia desaparecido

(Dante, Inferno I, 1-3)

CENA 1. PRESÍDIO. PARLATÓRIO. INT. DIA.Marshall, um homem de 60 anos, ainda forte e vestindo uniforme de presidiário, se aproxima da mesa onde está Bob, um sujeito de 30 e poucos anos, moreno, bem apessoado. Os dois se olham, longamente.

BOBEntão... como você está?

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MARSHALLBem. Se tem uma vantagem de estar aqui é que tenho tempo de sobra pra pensar. Tenho pensado muito nas coisas que fiz. E nas coisas que tenho que fazer, daqui pra frente. (T) Fez o que eu te pedi?

BOBFiz... deu um trabalhão, mas vendi tudo. Carro, casa, as ações. Depositei tudo na tua conta pessoal.

MARSHALLÓtimo.

BOBVocê está mesmo certo disso?

MARSHALLEstou.

BOBVocê podia usar esse dinheiro pra se cui-dar... vai precisar...

MARSHALLEu já me decidi, Bob.

Novamente o silêncio. Bob faz menção de sair, mas se detém.

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BOBIa me esquecendo...

Retira do bolso um pequeno embrulho. Os olhos de Marshall brilham.

MARSHALLVocê trouxe.

BOB

Tive que negociar alguns favores pra entrar com isso aqui... Seja discreto.

Bob entrega o embrulho a Marshall. A sirene do término da visita toca. Marshall e Bob trocam apertos de mão. Bob se retira.

Marshall guarda o embrulho, retorna à sua cela.

CENA 1 A – PRESÍDIO, CELA, INT, DIA.Marshall entra em sua cela, que tem as paredes forradas com mapas, fotos, etc.Marshall certifica-se de que não é visto, abre o embrulho...É uma pequena handycam. Marshall liga a câmera. Pela primeira vez (estabelecendo código), olha as imagens que se formam na telinha.Imagens amadoras dos pés de uma criança e um adulto na areia da praia.Passa em fusão para:

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CENA 2. RECIFE ANTIGO. RUAS. VÁRIOS AMBIEN-TES. EXT. DIAOs casarões e prédios decadentes de Recife Velho.Fim de carnaval. As ruas estão quase desertas, a decoração de carnaval já em decomposição. Pou-cas pessoas fantasiadas perambulam pelas ruas de prédios e casarões velhos, ao som de uma música que ecoa, distante. Marshall atravessa as ruas do centro de Recife. Ele está visivelmente embriaga-do e desorientado, cabelo desgrenhado, a barba por fazer. Anda meio a esmo, sem nenhum rumo.INSERT – Imagens em vídeo. Um homem brinca com uma criança de seus 8 anos, eles riem, se abraçam, correm pela areia da praia. Marshall traz uma garrafa de cachaça, que bebe, enquanto caminha. Esbarra nos transeuntes, está completamente embriagado.Uma jovem mulher muito bonita, vestida com uma sumária fantasia de anjo, nada mais que um par de asas de penas sobre o biquíni pequeno, dança se insinuando para Marshall. Ela é bem jovem e bonita (seu nome é Bia, como veremos mais adiante ). Mas Marshall não parece se interessar por ela. Ela insiste.

BEATRIZ (EM INGLÊS)Vem dançar, gringo. Aproveita que hoje é o último dia.

Ela dança o frevo para Marshall, que a observa e bebe. Parece tonto, se apoia na parede de um casarão.

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A garota dança, meio embriagada, também. Parece em transe. A imagem da menina vestida de anjo se desva-nece à sua frente.Ele bebe, esfrega os olhos, cansado.INSERT – Imagens em vídeo. O homem – Nonato – e a menina – Luisa – correm pela praia.Marshall se afasta dali. Bia o vê já distante.

BEATRIZ (EM INGLÊS)Gringo! Volta!

Mas Marshall já está muito longe para ouví-la.

CENA 2 A. RECIFE ANTIGO. PONTE. EXT. DIAMarshall atravessa uma das pontes, apoiando-se na amurada. Algunas pessoas fantasiadas cru-zam por ele,as fantasias já decompostas. Chega a um ancoradouro, vários barquinhos de pesca ancorados. Ele bebe um gole de cachaça, o sol forte o atordoa. Ele vê a praia. Caminha meio trôpego até lá.

CENA 2 B. RECIFE. BRASÍLIA TEIMOSA. PRAIA. EXT. DIA.As ondas rebentam nos arrecifes. Marshall fica olhando o mar, enquanto bebe.Retira do bolso uma handycam. Liga.As imagens surgem no monitor da handycam.Marshall observa as imagens, bebendo, nervoso.

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CENA 3. RECIFE. PRAIA. EXT. DIA.A imagem da handycam é desequilibrada e os enquadramentos se alternam amadoristicamen-te. Diante da câmera, de costas para o mar, No-nato, cerca de 32 anos, moreno, forte, responde carinhosamente às questões de sua filha em off:

LUISA (OFF) Fala, pai.

NONATO O que?

LUISA (OFF) Uma coisa bem bonita.

NONATOLuisa.

LUISA (OFF) Ah, pai, não vale...

NONATOA coisa mais linda do mundo.

LUISA (OFF) Eu não sou coisa, sou gente.

NONATOA pessoa mais linda do mundo. E a que eu mais amo. De quem eu vou sentir sau-dades todo o tempo.

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LUISA (OFF) Eu também vou sentir saudades de você pai.

Ela abaixa a câmera. Os dois se abraçam, emo-cionados, mas só vemos seus pés.A imagem congela. A câmera apaga.Escurecimento.

CENA 4. RECIFE. BRASÍLIA TEIMOSA. PRAIA. EXT. DIA.Marshall perambula pelas areias da praia vazia, bastante embriagado. Ele caminha trôpego pela beira do mar, fala coisas incompreensíveis, bal-bucia uma espécie de canção, em inglês. Num dado momento, perde o equilíbrio e cai sentado na areia, e ali permanece. Parece não ter mais forças para se levantar. INSERT – Imagens em vídeo. Nonato e Luisa to-mam banho no mar.Marshall leva a garrafa de cachaça à boca, bebe um longo gole. É o último. Observa a garrafa vazia com alguma tristeza. Os olhos do velho, insuportavelmente azuis, rebrilham. Atira fora a garrafa. Procura nos bolsos pelo cigarro, acha o maço amassado, retira dele um dos últimos cigarros, acende com dificuldade e fuma. Olha o mar, à sua frente. As ondas quebram, pequenas. A espuma dissolve-se quase aos seus pés. INSERT – Imagens em vídeo. Nonato e Luisa brincam, no meio do mar.

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O sol começa a se pôr, no horizonte. Apesar da visão ser bela, a expressão de Marshall é triste.

MARSHALL Somente um louco desesperado trocaria o paraíso pelo inferno. E no entanto... vocês fazem tudo para entrar no inferno, tudo. Mas eu era o guardião do inferno. Cérbero. O cão de três cabeças colocado no portal do inferno para impedir vocês de entrar. Era esse o meu trabalho.

CENA 5. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITE.A discussão já no meio, alta tensão. Marshall, com seu uniforme de chefe da imigração, anda em redor de Nonato que parece visivelmente nervoso. Ao lado de Marshall, estão também Bob (já visto anteriormente), que também usa um uniforme e SANDRA, 40 anos, negra, robusta, ambos funcionários da imigração.

MARSHALLQuanto pagou pelo casamento arranja-do? Dois mil, cinco?

Marshall avança sobre Nonato.

MARSHALL(FORA DE SI)Última pergunta: deu tempo pra ao me-nos uma trepada?

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Nonato levanta-se bruscamente.

BOB (INTERVINDO)Marshall! (ao brasileiro) Pode esperar lá fora...

NONATO (A MARSHALL)Tenho um documento expedido por um juiz norte-americano me autorizando a sair e a entrar no país.

MARSHALLQuem decide quem entra na América do Norte é o Departamento de Imigração de Fronteiras. E o Departamento de Imigra-ção de Fronteiras se chama Uncle Marshall.

Bob mostra o documento do juiz norte-america-no a Marshall. Ele examina o documento.

BOBO documento é legal...

Marshall lê com calma.

MARSHALLQuanto pagou por este documento?

Nonato está estarrecido.

BOBO documento é legal!

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Marshall rasga o documento. Bob está perplexo. Sandra tensa.Nonato faz menção de investir sobre Marshall. É contido por Bob.

NONATOFilho da puta!

MARSHALLVou provar que você tá mentindo, cuca-racha filho da puta.

CENA 6. RECIFE. BRASÍLIA TEIMOSA. PRAIA. EXT. DIA.Marshall faz um esforço, se levanta, caminha para dentro do mar. Consegue avançar um pouco, mas logo é derrubado pelas ondas. Meio aturdido, é arrastado para dentro do ma r. Princípio de pânico, ele se sente preso dentro das ondas que quebram, um pouco mais fortes. Com esforço, consegue recuperar o fôlego, e se arrasta para a areia. Respira ofegante, cansado e um pouco assustado. O rosto sujo pela areia.

MARSHALLPor que tinham que tentar entrar? O para-íso não era bastante para vocês? Filhos da puta mal-agradecidos, eu os impedi de en-trar no inferno. Eu devia ter deixado que entrassem. Abrir as portas e estender o

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tapete vermelho. Sejam bem-vindos, seus cucarachas de merda, o inferno os espera!

INSERT – Imagens em vídeo. Imagens amadoras de Nonato, Marieta (uma mulher de 30 anos) e Luisa. Eles brincam, se abraçam, rolam na areia. O ponto de vista de quem filma é alternado. Ora é a menina (fora de quadro) que filma os adultos, ora Marieta (fora de quadro) que filma Nonato e Luisa. Marshall se contorce na areia, vira o rosto para o céu. O céu agora começa a escurecer.

CENA 7. RECIFE. AEROPORTO. INT. DIA.Imagens amadoras em vídeo. Apenas o rosto de Nonato bem grande em quadro. Ora desfoca, ora volta ao foco.

LUISA (OFF)Promete?

NONATOO que meu amor?

LUISA (OFF)Que não vai esquecer de mim?

NONATOTá louca, minha filha? Esquecer de você?

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LUISA (OFF)Promete que vai pensar em mim o tempo todo?

NONATOPrometo, filha.

LUISA (OFF)Mesmo que esteja fazendo um dia lindo? Não... mesmo que esteja caindo neve? Cai neve lá, né, pai?

NONATOEu vou sempre pensar em você, o tempo todo. Dia e noite, faça sol, chuva ou mes-mo que esteja nevando. Eu sempre vou pensar em você.

Uma lágrima escorre do rosto de Nonato. Ele seca, rápido.

LUISA (OFF)Ih, eu vi... tá chorando!!!

NONATOChorando nada, onde já se viu? E desde quando homem chora? Eu, hein...

Começa a rir. Ouvimos o riso de Luisa em off.

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CENA 8. RECIFE. BRASÍLIA TEIMOSA. PRAIA. EXT. DIA.Marshall olha o céu. Seus olhos azuis se apertam.

MARSHALLPor que vocês não são felizes aqui? Por que eu não sou feliz em lugar nenhum?

A expressão de Marshall é puro desespero. Marshall fecha os olhos num esgar, como que tentando evitar uma visão desagradável.

MARSHALLNão existe paraíso. Apenas o inferno. O inferno está dentro de nós...

Marshall respira ofegante. Uma sombra encobre seu corpo. Ele olha e contra o sol, vê a silhueta de uma mulher. A mulher (BIA) está exatamente contra o sol e o contraluz cria uma espécie de auréola sobre ela. É uma visão meio mágica, onírica, irreal. Marshall olha a mulher, aturdido. Ela estende a mão para ele. Sorri.

BIA (EM INGLÊS, OFF)Quer vir comigo?

Marshall desmaia.Escurecimento.

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CENA 9. FLASH-BACK. AEROPORTO. BANHEIRO DOS OFICIAIS. INT. NOITE.Marshall está vestido de modo impecável. Bar-beado, o cabelo bem alinhado. Ajeita a grava-ta, confere os botões da farda, retira um fiapo de linha de um dos punhos da camisa. Parece satisfeito com a inspeção. Segue até a privada, começa a urinar. A expressão sóbria de Marshall dá lugar a um esgar de dor. Ele olha o interior do vaso e percebe que só urinou sangue. Marshall sua, agora. A testa está empapada. Se recompõe, dá a descarga, fecha o tampo do vaso. Lava as mãos, molha um pouco o rosto. Se olha no es-pelho, a expressão assustada não desapareceu. Ele tira do colarinho uma medalhinha religiosa (St. Patrick), a beija, murmura algumas coisas, incompreensíveis. Recolhe a medalhinha, pa-rece mais calmo. Marshall seca o rosto e atira fora a toalha de papel. Procura nos bolsos um cigarro, mas antes de acender, desiste. Murmura um palavrão, entredentes. Atira fora o cigarro amassado, sai.

CENA 10. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DOS OFICIAIS. INT. NOITEMarshall sai do banheiro, a expressão mais tran-quila. É recebido com aplausos pelos funcioná-rios: Bob, Sandra e outros oficiais.

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COROO Marshall é um bom companheiro, o Marshall é um bom companheiro, nin-guém pode negar...

Marshall esboça um sorriso amarelo. Sandra balança um chaveirinho dourado em forma de chinelinhos.

SANDRAOlha só, John Wayne! Tenho um presen-tinho para você.

Entrega o chaveiro a Marshall. Ele olha o chaveiro.

MARSHALLAposentadoria! Grande merda!

SANDRA (EM TOM DE DISCURSO)Falando sério, Marshall, você foi um puta patrão, nunca me discriminou pelo fato de eu ser mulher e negra. Um chefe e tanto.

BOBQueria ver se ele seria tão condescenden-te se você fosse latina ou muçulmana...

SANDRAOra, ele nunca te discriminou, mesmo sa-bendo que você é uma bicha enrustida...

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Bob aponta o dedo médio em riste para Sandra, ela faz uma expressão de deleite. Riem.

MARSHALLEu fico realmente muito grato. Mas ao contrário de mim, amanhã todos seguem trabalhando. Então, vamos acabar com essa palhaçada e voltem aos seus postos.

Os demais funcionários se retiram, na sala ficam apenas Marshall, Bob e Sandra.

MARSHALLDespedida me deixa com a boca seca.

Tira da gaveta uma garrafa de whisky e enche três copinhos.

MARSHALLTemos motivo para festejar!

BOBÉ proibido beber em serviço, mas já que é para uma nobre causa...

MARSHALL (LEVANTANDO O COPO)Saúde!

BOBSaúde!

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SANDRASaúde ao melhor chefe que este depar-tamento já teve!

Sandra se afasta. Na sala agora apenas Marshall e Bob. Marshall se serve novamente, bebe. Bob o observa, com alguma apreensão.

BOBOlha o porre...

MARSHALL (SILÊNCIO PESADO)Estou com o sangue fervendo. É muito injusto. Eu ainda tenho muita coisa pra fazer. Um bando de terroristas querendo foder com a América do Norte e eu dei-tado na grama, queimando debaixo do sol... Sem falar na porra dos ilegais que invadem nossa terra pra se dar bem às nossas custas. Que adianta? Amanhã vou ser mais um aposentado, mais um filho da puta inútil. Parece que não fiz nada que valesse a pena.

BOBNão fique assim, você fez um belo trabalho. Vai entrar pra história do departamento.

MARSHALLGrandes coisas, história é passado. E as coisas acontecem aqui e agora. Os EUA na merda e eu de chinelos.

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BOBAmanhã você não terá mais que pensar nisso...

MARSHALLRealmente! Não consigo imaginar como vai ser amanhã.

BOBAmanhã você acorda e vai para a praia.

MARSHALLFazer o que na praia?

BOBFicar à toa, com o barrigão para o ar. (pausa) – E se o teu pau ainda levantar, pode pegar uma mulher.

MARSHALL (ESTALA OS DEDOS)E uma interminável fila de louras vai ba-ter na minha porta.

BOBAí você distribui senha...

Eles riem.

MARSHALL (OBSERVA BOB)Vou indicar meu sucessor. (com intenção) Tem alguma sugestão?

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Bob mostra indiferença e nega com um gesto de cabeça.

MARSHALLTanto desinteresse é suspeito! Seu filho da puta fingido! Vamos trabalhar...

Bob também deixa a sala. Sozinho, Marshall toma um novo gole. A expressão amargurada.

CENA 11. RECIFE. KIT-NET. INT. DIA.Um ventilador de teto gira lentamente.Marshall abre os olhos. Aos poucos vai recuperando a consciência. Está deitado numa cama de solteiro, nu. Olha ao redor, surpreso. Está num pequeno quarto, com pouca mobília. O lugar é pobre, mas bem cuidado. Há pelo apartamento diversos pôs-teres de reproduções de grandes pintores. Mapas e postais de alguns lugares do planeta: Paris, Londres, Amsterdã, Berlin... Num quadro, há fotos de Bia acompanhada de homens, quase todos mais velhos, visivelmente estrangeiros, louros, ruivos. Marshall estranha o lugar. Quando procura suas roupas, vê...Bia, debruçada no chão do quarto, vestindo apenas uma sumária calcinha. Ela está cercada por um monte de livros e cadernos. Bia parece estudar, consultando os diferentes livros. Faz anotações no caderno.

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Enquanto estuda, balança a cabeça e os pés ao som da música que escuta num I-pod. Marshall a observa, sem reconhecê-la.Ao perceber que Marshall acordara, ela abre um belo e alvo sorriso.

BEATRIZBom dia!

Marshall olha a menina, perturbado. Instintivamen-te, procura suas roupas, que estão espalhadas pelo chão, próximo da cama. Veste as calças, apressado.Bia sorri, fecha os cadernos, vai guardá-los numa estante no outro lado da sala.

BEATRIZPuxa, você dormiu quase 48 horas. Já estava ficando preocupada...

Na estante há uma cafeteira elétrica. Ela serve uma caneca com desenhos de Miró, traz pra Marshall. Ele reluta, mas aceita. Bebe.

BEATRIZDesculpa, mas acabou o açúcar.

MARSHALL Quem é você? Que lugar é esse?

BEATRIZPoxa, já esqueceu de mim? Pensei que eu ia ficar na tua vida pra sempre...

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MARSHALLO que aconteceu?

BEATRIZVocê bebeu demais, gringo. Apagou na praia. Eu te encontrei lá, mais morto do que vivo e te trouxe pra cá. Deu uma trabalheira. Tive que pedir ajuda aos vi-zinhos pra te carregarem até aqui.

Bia aperta um baseado, acende.

BEATRIZQuer fumar? Marijuana?

Marshall reluta, acaba aceitando. Fuma a maco-nha como se fosse cigarro, engasga. Beatriz dá uma gargalhada.

BEATRIZÉ maconha, homem! Nunca fumou, não? Toma um careta, vai...

Joga um maço de cigarros para Marshall, que saca um. Acende, dá uma tragada, se acalma.

MARSHALLNão me lembro de nada.

Marshall observa Beatriz, desconfiado. Ela se-gue fumando o baseado, relaxada. Ele repara

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no seu corpo, um belo corpo ainda adolescente. Ele parece aturdido.

MARSHALLNós... transamos?

BEATRIZClaro.

MARSHALLQuantos anos você tem?

BEATRIZNão entra em pânico. Eu já sou grandi-nha. Não fizemos nada ilegal.

MARSHALLComo é seu nome?

BEATRIZBeatriz. Mas pode me chamar de Bia. E você, como se chama? Ou esqueceu também?

MARSHALLMarshall.

BEATRIZAmericano?

Marshall concorda, num meneio de cabeça, enquanto se veste. Quando está quase todo

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vestido, tenta encontrar os sapatos. Não os vê. Procura por debaixo da cama, nada. Beatriz se diverte com a cena. Ele engatinhando na sala, procurando os sapatos por baixo dos poucos móveis. Finalmente, ele desiste.

MARSHALLCadê meus sapatos?

BEATRIZXiiiiiiiiiiiii... acho que você perdeu na praia. Você tava muito doido, hein, gringo. Entrou no mar de roupa e tudo, tomou o maior calhau, quase que a onda te leva...

Marshall desiste de procurar os sapatos, fica sentado no chão, desanimado.

BEATRIZMas a câmera eu salvei...

Entrega pra ele uma handycam. Ele pega a câ-mera como se fosse o seu bem mais precioso.

BEATRIZVocê é cineasta? Que é que você faz, hein? Filmes pornô? Se estiver precisando de uma atriz...

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Ela faz uma pose supostamente sensual, mas Marshall a ignora, mais interessado na câmera. Ele liga a câmera, olha as imagens.Na telinha vemos imagens amadoras de Nonato, ele parece feliz. Ao contrário, Marshall parece triste ao ver aque-las imagens. Desliga a câmera.

BEATRIZNão fica assim. Você quase morreu, mas agora está tudo bem.

Beatriz se aproxima dele, faz um carinho no rosto dele.

BEATRIZPra sua sorte, eu tava lá e te salvei. Você me deve a vida, gringo... e a trepada, também. Espero que você seja generoso, porque foi uma puta trepada.

MARSHALLVocê é puta?

BEATRIZQual é, tenho cara de puta? Mas a vida tá cara. Se quiser, pode me dar um agra-dinho por eu ter te salvado.

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Marshall procura a carteira nas calças. Confere, meio desconfiado.

BEATRIZTá tudinho aí... pode conferir. Não mexi em nada...

Marshall pega umas notas de dólares, meio sem contar e oferece à Bia.

BEATRIZNão me ofenda. Já disse que não sou puta.

Marshall recolhe o dinheiro, meio sem graça.

MARSHALLDesculpe...

BEATRIZFaz o seguinte. Você não tá com fome? Eu tô varada de fome. Me paga o almoço, e estamos quites.

Beatriz beija Marshall e começa a se vestir. Ele a observa, ainda desorientado. Joga um vestidinho curtinho sobre o corpo, passa desodorante nas axilas, perfuma o corpo.

BEATRIZVamos?

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CENA 12. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO/ SALÃO DE ESPERA/ SALA DOS OFICIAIS. INT. NOITEAtravés da janela de vidro, Marshall, Bob e Sandra observam a sala de espera, onde estão os viajan-tes detidos. A sala de espera da imigração está cheia. Na maioria, latinos. Pessoas de diferentes origens e idades. Algumas famílias completas. Mas a maioria é formada por viajantes solitários. Nonato está sentado entre CALYPSO, 25 anos, cubana, morena, bonita, tipo bem latino e o grupo de tipos com traços indígenas, vestindo agasalhos desportivos, cinco ao todo. Eles têm um tipo bem indígena e falam entre si um dialeto. São liderados por AUGUSTIN, 35 anos, o mais índio de todos, mas que se destaca por usar óculos de grau, que lhe dá uma aparência ao mesmo tempo estúpida e intelectual. Mais afastados, um casal bem vestido, com ar europeizado: ASSUMPTA, 35 anos, bonita, ar decidido e MARTIN, 44 anos, jeito de intelectual, algo ansioso. Eles são argentinos. Todos parecem perplexos, assustados.

MARSHALLAlguma coisa um de vocês vai ganhar hoje. Talvez um cargo superior para o melhor da classe?

SANDRA (JOGANDO VERDE)Mas isso é para o Bob, queridinho do chefe.

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MARSHALLViu isso na sua bola de cristal?

SANDRAAh... Joguei verde e colhi maduro, quer dizer que ainda posso sonhar com um aumento de salário?! Que bom... Vesti-dos Calvin Klein, apertadinhos...(fazendo pose de modelo) Um corpinho lipoaspi-rado. Um carrão, um marido zero km... Sonhar não custa nada!

MARSHALLE você, Bob? Para que te serviria o cargo?

BOBMais dinheiro é básico!

MARSHALL... e mais poder.

SANDRAIsso significa que já escolheu ele?

MARSHALLSe ele provar que é bom para o cargo.(sugestivo) Senão...

Marshall espalha na mesa uma pilha de passa-portes.

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MARSHALLSandra, você escolhe.

SANDRAComo assim?

MARSHALLDeixa a tua intuição falar. Escolhe sete, dez, doze. Escolhe quantos quiser.

Bebe whisky. Ela começa a tarefa. Bob apenas observa sentado numa mesa.

MARSHALLCom 20 dólares você consegue um passa-porte falso em qualquer lugar do mundo.

Sandra escolhe passaportes. Toca-os numa cô-mica encenação de vidente. Em todos vemos detalhes dos nomes e as fotos. O primeiro em que se detém é o documento de Nonato.

SANDRAFerrado.

Toca outro passaporte. É o passaporte de Assumpta.

SANDRAFerrada...

Toca o de Martin

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SANDRAFerrado!

Toca o de Calypso.

SANDRAFerrada.

Toca outros passaportes, vemos diversos rostos dos latinos vestidos de uniforme.

SANDRAFerrado, ferrado, ferrado, ferrado.

Mostra os passaportes escolhidos a Marshall.

SANDRAPronto, chefe. Estes aqui são quentes. O resto pode dispensar. Eu garanto.

MARSHALLVamos trabalhar.

CENA 13. FLASH-BACK. AEROPORTO, SALÃO, INT. NOITE.Sandra entrega os passaportes para alguns dos estrangeiros que estão na sala, e os dispensa. Eles saem, aliviados.

NONATOE a gente?

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SANDRAVocês esperam.

NONATOPor quê? O que há de errado?

SANDRAEu disse para esperar. Logo serão chamados.

Ela retorna ao aquário. Pelo vidro, Nonato ob-serva Sandra conversando com Marshall e Bob.

NONATODroga, vou perder minha conexão.

O grupo de desportistas discute entre si, na sua língua indígena. Augustín manda eles se acal-marem, se dirige a Nonato.

AUGUSTIN ( EM ESPANHOL)O senhor poderia me explicar o que está acontecendo?

NONATOEstão checando nossos documentos. Não se preocupem, é praxe.

CENA 13 A. MESMO AMBIENTE. INT. NOITEAfastados dos demais, estão Assumpta e Martin. Ela parece tranquila, ele bastante ansioso. Nas mãos, trazem livros grossos, de capa dura.

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ASSUMPTAMeu amor, calma. Você quer estragar tudo?

Tranquila, Assumpta avalia os livros que levam. Examina a capa, sente o cheiro e o peso.

MARTINIsso é um presente de grego. Vamos jogar fora.

ASSUMPTAPresente a gente aceita, sem reclamar. Amor, se tudo der certo, vamos poder viver tranquilos um bom tempo. Não é isso que a gente quer?

MARTINE se não der certo? Qual é o preço que vamos pagar? Vamos voltar, eu gosto de Buenos Aires. A Recoleta deve estar linda, hoje, deve estar fazendo um belo dia de sol...

ASSUMPTAMartin, eu vou continuar morando nos EUA. Preciso ficar longe de tudo para es-crever. E você também. Mas se você quer voltar pra Recoleta, volta. Eu corro o risco.

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Ela abre o livro que carrega. Vemos sua foto na orelha da capa. Pega o dele; o abre. Olha a foto dele.

ASSUMPTAA gente saiu bonito nas fotos, não é?

MARTINJá temos a foto de frente, só falta a de perfil com aquele uniforme listrado lá da penitenciária.

Assumpta sorri, segura.

CENA 13 B. MESMO AMBIENTE. INT. NOITENo outro lado do saguão, Calypso se aproxima de Nonato.

CALYPSOIsso é legal? Nos deterem aqui?

NONATOInfelizmente estamos no país deles...

CALYPSODe onde o senhor é?

NONATOEu moro aqui. Mas sou do Brasil.

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CALYPSOOh, mas que maravilha. Adoro o Brasil. Isto é, nunca fui lá, mas gosto muito. As-sisto sempre as novelas, são muito boas... seu país é muito lindo.

NONATOE você? De onde é?

CALYPSOCuba.

NONATOÉ a primeira vez aqui nos Estados Unidos?

CALYPSOPrimeira vez fora de Cuba.

NONATOTem muitos cubanos aqui.

CALYPSOEu sei, mas eu não sou como eles... amo meu país. Você fala espanhol?

NONATOUm pouquinho.

CALYPSOSerá que vão implicar comigo pelo fato de eu ser cubana?

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NONATONunca se sabe.

CALYPSOPodia ser pior, né? Eu podia ser colombiana.

NONATOÉ verdade. Iam achar no mínimo que você é uma traficante.

CALYPSOOu então, árabe. Aí eu tava realmente fodida, iam me prender como terrorista e me mandar pra Guantánamo.

NONATOPelo menos ia voltar pra Cuba, né?

CALYPSOQue horror...

Eles riem, mas logo o riso morre. Sandra se apro-xima, com expressão séria.Se dirige a um dos desportistas.

SANDRAVocê vem comigo.

O rapaz não entende. Troca olhares com os companheiros.

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SANDRAVamos, não tenho o dia todo.

O rapaz dá de ombros, pergunta aos amigos, e todos falam ao mesmo tempo no seu dialeto.

SANDRAPuta que os pariu, hoje não é meu dia.

Augustin ergue o braço, meio sem graça.

AUGUSTINDesculpe senhora, mas eles não falam inglês...

SANDRAVocê está com eles?

AUGUSTINSim. Sou o capitão da equipe.

SANDRA (COM DEBOCHE)Hummm, então venha comigo, capitão.

Augustin explica aos amigos e segue com Sandra. Os demais desportistas seguem conversando em dialeto indígena, todos meio nervosos.Da janela do aquário, Marshall vigia o salão.A expressão severa.

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CENA 14. RECIFE, CENTRO, BAR, EXT. DIA.Marshall calça sandálias havaianas menores que seu pé, que o obriga a caminhar tropegamente. Ele e Beatriz caminham pelas ruas do bairro, com seus antigos e decadentes casarões.Chegam ao bar, sentam-se nas cadeiras, Beatriz acena para o garçom.

BEATRIZ (EM PORTUGUÊS)Uma cerveja estupidamente gelada, que é pra refrescar a cabeça aqui do gringo...

Marshall fica olhando a garota, meio perdido. O garçom chega com a cerveja, Beatriz se serve e a Marshall. Ele reluta.

BEATRIZVai, bebe... Não tem nada melhor pra curar um porre do que uma cerveja bem gelada...

Ele aceita, eles brindam, bebem.

BEATRIZTu veio pra cá por quê? Turismo? Negócios?

MARSHALL Não. Eu estou procurando uma pessoa.

BEATRIZQuem você tá procurando?

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MARSHALLUma garota.

BEATRIZHummmm, isso você já encontrou... Ou ela é melhor do que eu?

Marshall retira do bolso a handycam, mostra a imagem de uma menina de oito anos, morena, sorridente, típica nordestina.

BEATRIZLindinha! Quem é?

MARSHALLA filha de um homem que eu matei.

Beatriz olha Marshall, assustada.

BEATRIZCuméquié? Não entendi direito... filha de quem? Você matou um cara, gringo? Olha lá, não quero saber de confusão...

MARSHALLDeixa eu explicar. Eu fiz uma cagada. Foi um acidente, entende? Passei dois anos na cadeia.

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BEATRIZMatou um cara e só pegou dois anos? Que moleza, hein... pensei que só no Brasil a justiça fosse essa bandalha.

MARSHALLJá disse que foi um acidente. Agora eu preciso consertar as coisas. E para isso, eu preciso encontrar essa menina.

BEATRIZSabe onde ela mora?

MARSHALLNão.

BEATRIZSabe o nome dela?

MARSHALLNão.

BEATRIZPorra, isso vai ser difícil, gringo...

MARSHALLEu preciso encontrá-la. Você me ajuda?

BEATRIZHummmmmm... sei não...

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MARSHALLEu posso pagar. Me ajuda?

BEATRIZ (EM PORTUGUÊS)Traz outra cerveja, Xico, esse papo me deixou nervosa...

Ela bebe, afobada. Marshall bebe. A expressão dele, agora triste.INSERT – Imagens amadoras de vídeo. Nonato e Luiza brincam em meio às ondas que quebram.

CENA 15. FLASH-BACK. AEROPORTO, SALA DE INTERROGATÓRIO, INT. NOITEMarshall e Bob ouvem Augustín atentamente, mas encontram dificuldade para entender o inglês rudimentar que ele fala. Os dois o tratam com certo desprezo. Examinam duas cartas e um fax com logo e carimbo de uma associação.

AUGUSTIN (EMPOLGADO)É a primeira vez que uma associação de tae-kwon-do de Honduras é convidada para um evento nos EUA. Mas se não con-seguirmos descansar esta noite, como va-mos competir em igualdade de condições?

Marshall finge que está convencido. Sandra retorna à sala.

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SANDRANão consegui falar com a tal associação de kung fu.

AUGUSTINTaekwon-do! Mas eu falei muitas vezes com eles nesse telefone!

SANDRAO telefone que você deu é de uma lavan-deria. (imitando) Lavanderia Chiquititas, buenas noches.

INSERT – Na sala de espera, Nonato, Calypso, As-sumpta e Martin estão atentos ao que acontece na sala de interrogatórios.

AUGUSTINJustamente, o dono da lavanderia é o nosso contato.

SANDRAE vocês têm alguma chance de ganhar a competição?

AUGUSTINTemos garra.

SANDRAÉ mesmo! A garra é fundamental!

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AUGUSTINE além do mais, não temos nada a perder...

SANDRA (SARCÁSTICA)Não tem nada a perder mesmo!

Os norte-americanos esquecem de Augustin. Conversam entre eles.Augustin fica meio deslocado na sala, sem saber exatamente o que se passa.

MARSHALLO que você acha, Bob?

BOBOs passaportes estão com visto de entra-da regular...

SANDRASe eles são atletas, eu sou a Beyouncé!

MARSHALLO que é o taekwon-do, mais precisamente?

Augustin parece não compreender a pergunta. Marshall repete a pergunta, em espanhol.

AUGUSTIN (DECORADO)

É uma arte marcial que ensina o autoconhe-cimento e respeito ao próximo. Desenvolve a

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agilidade, o equilíbrio, a flexibilidade, a força e a resistência.

MARSHALLVocês fariam uma demonstração da sua arte para nós?

AUGUSTIN (ANIMADÍSSIMO)Claro! Agora? Me dá um tempinho?

Marshall concorda. Augustin deixa a sala quase correndo.

SANDRAEssa foi de gênio, chefe!

BOB (SEM RAIVA)Vocês dois são os maiores filhos da puta que já conheci.

SANDRA (SARCÁSTICA)Ficou com raiva, Mr. Estevez? Será que em alguma parte de seu corpo ainda resta um pouquinho de sangue latino?

BOBTanto quanto você tem de sangue africano.

MARSHALLAgora ele te pegou, Sandra.

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SANDRAQual é a graça, irlandês? Meu povo está na América do Norte há mais tempo que o seu.

MARSHALLSeu povo? Pensei que nos EUA existisse um único povo, o glorioso povo nor-te-americano.

SANDRAOk, chefe. Qual eu trago aqui?

MARSHALLLadies first! Traz a morena.

Sandra sai. Marshall abre a garrafa, serve-se de nova dose. Bob o observa, contrariado.Marshall se aproxima da vidraça, observa Augus-tin que conversa com seus parceiros.

MARSHALLIsso vai ser divertido.

Vira o copo, num único gole.

CENA 16. RECIFE. QUARTO HOTEL. INT. NOITEBeatriz anda maravilhada pelo quarto do hotel, enquanto Marshall serve-se de whisky no bar.

BEATRIZUau, gringo, você tá muito bem instalado. Que vista!

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Inspeciona o quarto, abre o banheiro, se sur-preende.

BEATRIZCaraca, o banheiro é maior do que meu apê... e tem hidromassagem... Porra, grin-go, posso ficar morando aqui contigo? Só por uns dias?

Marshall dá com os ombros, mais concentrado em beber o seu whisky.Beatriz desaba na cama de casal king-size. Mo-mentos de descontração quase infantil.

BEATRIZNossa, que delicia. Deve ser muito bom dormir aqui... foder então, nem conta!

Marshall abre o cofre do quarto. Dele retira uma pistola e uma pequena valise. Ao ver a arma, Beatriz recua, assustada.

MARSHALLCalma, está travada.

BEATRIZNão gosto de armas.

MARSHALLÉ apenas um instrumento de trabalho.

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BEATRIZAposto que foi esse seu instrumento de trabalho que te fez pegar dois anos de cadeia...

Marshall considera, sorri, irônico. Abre a valise, nela há vários travellers-chelks e rolos de notas de dólar. Beatriz arregala os olhos. Marshall retira um bolo, entrega à Beatriz.

BEATRIZPra que isso?

MARSHALLPor sua ajuda... e mais pela trepada. É suficiente?

BEATRIZPorra, gringo, eu já te falei que não sou puta... se eu for te ajudar é por que eu fui com a tua cara.

MARSHALLVai me ajudar então?

BEATRIZVou...

Marshall faz menção de guardar o dinheiro, ela segura a mão de Marshall.

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BEATRIZ...Mas se você quiser retribuir minha ajuda, pagando o meu aluguel, por exemplo...

MARSHALLQuanto..?

Bia tira algumas notas da mão de Marshall, tira mais um pouco, considera, devolve algumas notas.

BEATRIZAcho que isso dá conta. Obrigada.

Marshall ri. Beatriz guarda o dinheiro.

BEATRIZQual a graça?

MARSHALLÉ assim que você vive? Da ajuda dos outros?

BEATRIZ (AFETADA)Sempre dependi da ajuda de estranhos.

MARSHALLHummmm, e conhece Tennessee Wil-liams? Nunca pensei que fosse encontrar isso nos trópicos. Uma puta intelectual.

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BEATRIZJá disse que não sou puta, gringo. Mas não tem lei que me impeça de aceitar ajuda de ninguém. Desde que seja de coração. (irônica) Além do mais, vocês gringos têm mais que ajudar a gente, sabe? Povos em desenvolvimento.

MARSHALLAh, além de intelectual, politizada.

BEATRIZNão debocha, vai... eu gasto uma grana pre-ta na faculdade pra aprender alguma coisa.

MARSHALLE você estuda o quê?

BEATRIZRelações internacionais.

MARSHALL ( ESPANTADO )Quer trabalhar em diplomacia?

BEATRIZAh, sei lá. Eu sempre quis conhecer outros países, outros povos... mas como nunca tive grana pra viajar, o jeito foi conhecer o mundo por meio dos homens... O que será que vou aprender com você...?

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Mas também posso te ensinar umas coisinhas...

MARSHALLNo momento, preferia que você me aju-dasse a achar a menina.

BEATRIZOk. Deixa eu ver a menina de novo...

Marshall liga a câmera, fica observando as ima-gens. Vemos imagens amadoras de Luiza, brin-cando com Nonato. Beatriz observa a câmera por cima do ombro do norte-americano.

BEATRIZDeve haver um milhão de meninas iguais a essa, aqui em Recife...

MARSHALLMas eu tenho que achá-la.

BEATRIZVai ser fodinha...

Marshall observa uma imagem, onde vemos Luiza vestindo um uniforme escolar. Ele congela a imagem, mostra para Beatriz.

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MARSHALLIsso que ela está vestindo... é uma espécie de uniforme escolar, não?

BEATRIZ

É, uniforme de escola... ei, você é esperto, grin-go. Podemos ir na escola e perguntar por ela, lá... com certeza devem saber onde ela mora. Amanhã a gente vai lá...

MARSHALLAmanhã?

BEATRIZNão sei no seu país, mas aqui escola não abre nos feriados...

MARSHALLQueria resolver isso logo...

Beatriz vai se insinuando para Marshall. Derruba-o na cama, senta em seu colo.

BEATRIZEu dou um jeito do tempo passar mais rápido.

Ela arranca o vestido, ficando apenas de calcinha sobre Marshall.

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MARSHALLNem sei se meu pau sobe mais...

BEATRIZNão se preocupe... eu dou um jeito nisso também.

Eles se beijam. Transam.

CENA 17. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITEDe pé junto à vidraça, Marshall e Sandra acom-panham o interrogatório.Bob interroga Calypso. As perguntas se sucedem sem interrupção.

BOBSeu nome?

CALYPSOCalypso Menendez Torres, 23 anos, cubana.

Sandra e Marshall trocam olhares significativos.

BOBComo conseguiu visto de saída?

CALYPSORecebi um convite oficial. Para dançar numa companhia norte-americana.

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BOBPode provar isso?

Calypso mostra um fax. Bob examina o papel mal impresso, a assinatura indefinida, o carimbo quase apagado. Sandra consulta Marshall com o olhar. Ele faz um gesto de vai. Sandra obedece.

SANDRA (MALICIOSA, DANDO UNS PASSOS DE DANÇA)

Que tipo de dança você faz? Pole dance?

CALYPSO (CONTIDA)Não sou o tipo de bailarina que estão pensando.

SANDRAEu não estou pensando nada.

BOBVocê dança o quê? Balé clássico?

CALYPSOClássico e moderno. Fui convidada por uma companhia daqui para dançar uma temporada.

BOBQuanto tempo pretende ficar?

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CALYPSOO convite não estipula prazo. E depende do visto que me deem!

BOBGostaria de ficar nos Estados Unidos?

CALYPSOPor um tempo sim.

BOBPretende voltar pra Cuba, depois?

CALYPSO (SEGURA)Sim. Mas antes quero conhecer outros países. Europa, Japão...Deve ser muito interessante, não acha?

MARSHALLMuito interessante. Mas a propósito, os barbudos do seu país permitem esse livre trânsito das pessoas.

CALYPSO (FAZENDO-SE DE DESENTENDIDA)Para a formação profissional, facilitam as viagens...

BOBEspere no salão!

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Ela sai.

BOBO problema dela é ser cubana, não é?

MARSHALLPrimeiro e único problema! Mas ela é mui hermosa!

SANDRAPensei que você fosse propor que ela fi-zesse uma demonstração, também.

Bamboleia o corpo, imitando uma dançarina de striptease. Marshall cai na gargalhada. Bob olha os colegas com algum ressentimento.

CENA 18. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE ESPERA. INT. NOITE.Bob se aproxima de Assumpta e Martin. Diante da aproximação do norte-americano, Martin se encolhe, apreensivo. Assumpta aperta sua mão, procurando tranquilizá-lo.

BOBO senhor queira nos acompanhar.

ASSUMPTAEle não fala inglês muito bem, posso ir primeiro? Somos marido e mulher, posso responder por ele.

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BOBBem, o procedimento é entrevistar todo mundo...

ASSUMPTAEle não está se sentindo muito bem, coi-tado, morre de medo de andar de avião. Tomou meia dúzia de calmantes. Eu res-pondo por ele.

Bob observa a mulher, ela já de pé, o decote bem pronunciado.

BOBOk. Pode vir.

ASSUMPTAFique tranquilo, meu amor. Eu resolvo isso num instante.

Dá um beijo na testa dele, carinhosa. Segue, sorridente, ao lado de Bob.Martin a observa, temeroso.

CENA 19. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITEMarshall examina o passaporte de Assumpta, que parece tranquila. Sandra a olha e recebe um sorriso simpático.

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MARSHALLEscritora...?

ASSUMPTASim...

Assumpta mostra-se calma. Cruza as pernas. Be-las pernas. Marshall gosta do que vê, observa-a um tempo a mais do necessário. Sandra está num canto da sala e percebe.

ASSUMPTAEu e o meu marido visitamos universi-dades. Fazemos contatos. Conseguimos convites para recitais, conferências.

MARSHALLÉ mesmo?

Revisa o passaporte.

ASSUMPTAO interesse da juventude daqui pela Amé-rica do Sul é enorme. Posso?

Ela faz menção de acender um cigarro, Marshall faz um gesto negativo com a cabeça. Ela não se abala, guarda a carteira de cigarros, sorridente. Todos os seus gestos são ensaiados, plenos de charme. É uma sedutora. Marshall a admira, mas mantém a pose profissional.

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MARSHALLNo que você e seu marido trabalham?

ASSUMPTASomos poetas.

MARSHALLE isso é profissão?

ASSUMPTAPara muita gente não é. Às vezes me perguntam: com o que eu trabalho? Eu digo que escrevo poesia. E me dizem: ah, que interessante! Mas você trabalha mesmo em quê?

Sandra ri. Assumpta desvia o olhar e sorri para ela. Marshall só consegue olhar para ela. Os seios apertados no decote. Assumpta muda o tom, agora séria:

ASSUMPTAEm Buenos Aires as pessoas se acham cosmopolitas, mas no fundo, são todos muito provincianos. Já houve um tempo em que se podia ser um escritor lá. E produzimos grandes escritores: Borges, Cortázar, Puig... mas agora, depois da crise econômica, escrever virou um acinte,

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uma ofensa àqueles que se matam de trabalhar pra não morrerem de fome.

MARSHALLDifícil imaginar você passando fome...

ASSUMPTAHá muitos tipos de fome. Fome espiritual, fome de reconhecimento.

MARSHALLE você acha que será reconhecida aqui na América do Norte.

ASSUMPTAEm Nova Iorque, você está no centro do mundo. E esses convites nos permitem ficar escrevendo em paz.

CENA 20. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALÃO DE ESPERA. INT. NOITEMartin muito tenso, de pé, olhando o aquário. Percebe o jeito com que Marshall olha para sua mulher.

MARSHALL (OFF)Onde vocês vão se hospedar?

ASSUMPTA (OFF)Em casa de amigos.

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CENA 20 A FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITEAssumpta se remexe na cadeira, sensual. Mar-shall tem dificuldades em se concentrar no trabalho, atraído por aquele constante rebolar de quadris.

MARSHALLPode me dar os nomes, telefones?

ASSUMPTAQuer anotar?

Pega um caderninho de dentro de sua bolsa, lendo ao acaso:

ASSUMPTARobert... de Niro.

SANDRAGive me a break! Não vai me dizer que você conhece ele...

Assumpta dá com os ombros, sorrindo, se sen-tindo bem à vontade.

ASSUMPTAAcredite, no meio artístico se conhece muita gente.

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MARSHALLVocê já publicou algum livro?

ASSUMPTAJá...

MARSHALLTem algum aí com a senhora?

Assumpta reluta um segundo, mas se decide: entrega-lhe o livro de capa dura que estava em sua bolsa. Na contracapa, Marshall vê a fotogra-fia dela. Compara-a com ela ao vivo. Ficam se olhando um segundo a mais do que o necessário.Visto do aquário, Martin está pálido, ofegante, em pânico.

ASSUMPTAO senhor conhece espanhol?

MARSHALLAlguma coisa...

Abre uma página, lê com alguma dificuldade:

MARSHALL (EM ESPANHOL)No olho cor de mel, o tempo pára / A pre-sa vive, invariável e graciosa, / dançando no olho cor de mel.

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ASSUMPTANuma tradução livre seria algo como... ( repete o texto, em inglês ) Mas não do-mino tanto a sua língua para fazer uma tradução que reproduza a sonoridade das palavras...

MARSHALLMe parece bom...

ASSUMPTAEntão? Estou liberada? Vai me dar o visto?

MARSHALLAinda não. Mas até lá, vou procurar co-nhecer um pouco do seu trabalho. Posso?

Retém o livro. Assumpta não perde a pose.

ASSUMPTAAdorarei ouvir sua opinião.

MARSHALLVai ser a opinião de um leigo.

ASSUMPTASão as mais sinceras.

MARSHALLA senhora está liberada por enquanto. Pode sair.

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Assumpta sorri, se levanta, sai do aquário rebolativa.Marshall a devora com os olhos. Depois, examina o livro.Sandra percebe, sorri.

SANDRANão sabia que gostava de poesia.

MARSHALLEstou começando a me interessar pelo assunto.

SANDRAEntão? Ela tá dentro?

MARSHALLPor enquanto não. Mas não sei se resisto a outro meneio de quadris como esse... Que culo tem essas cucarachas.

Eles riem.

MARSHALLQuem é o próximo?

SANDRAO brasileiro.

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CENA 21. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALÃO DE ESPERA. NOITEMartin está nervoso e mal consegue ficar parado no lugar. Assumpta se aproxima, segura de si.

ASSUMPTAFinalmente vou saber o que um gringo acha do que eu escrevo. Ele pediu meu livro.

MARTINE você entregou?

ASSUMPTAVamos ver o que acontece.

MARTINVocê é louca?

O resto dos detidos presta atenção neles. As-sumpta muito segura, aperta-lhe o pulso.

ASSUMPTANão dê bandeira! Qual é o seu proble-ma, hein Martin?! Você sabe que só assim a gente vai poder fazer o que realmente gostamos.

MARTINÉ....Vamos ser presos por tráfico de dro-gas e aí vai ter tempo de sobra na cadeia para escrevermos, presos...

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ASSUMPTANão fala bobagem. Trabalhando de vendedora em Palermo Viejo é que não vou continuar escrevendo mesmo. E eu quero ter livros publicados de verdade, não como esses...

CENA 22. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO . INT. NOITENonato está sentado diante dos três agentes federais. Procura manter-se calmo, solicito. Bob examina o passaporte. É contido e impessoal. Marshall os observa. Sandra, ao lado dele, fica à espera de alguma deixa do chefe.

NONATOEstou tirando meu greencard. Tem um documento oficial anexado no passaporte.

Marshall o observa. Nonato sorri para ele, sem que o cumprimento seja correspondido.

BOBProfessor?

NONATOSim. Mas agora mexo com comércio. Tenho uma pequena empresa de alimentação.

BOB (INTERROMPENDO)Foi de férias ao Brasil?

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Examina o passaporte. Examina o documento anexado.

NONATOFui visitar a minha filha.

BOBO senhor não é casado com uma norte-americana?

NONATOEu não sou casado de verdade no Brasil. Aqui eu fui casado com uma norte-ame-ricana. Vivemos dois anos juntos...

BOBComo podemos localizar a sua esposa, a americana. O nome dela...?

NONATOLynn Robinson. Mas não sei aonde ela anda.

BOBPor quê?

NONATO (CONSTRANGIDO)Ela foi embora... sem aviso prévio.

Bob vai continuar. Sandra se adianta.

SANDRA (IRÔNICA)E o senhor chorou muito pelo abandono?

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NONATO (SOLÍCITO)Desculpe mas... isso é importante?

SANDRA (INTERROMPENDO)Cariño, aqui tudo nos interessa! E mais: quem faz perguntas aqui sou eu, entendi-do?! Uma curiosidade. Por que não casou no Brasil e casou aqui?

NONATOMotivos pessoais.

SANDRAMe dê uma pista...

NONATO (ACUADO)Motivos pessoais.

BOBComo se chamam seus sogros norte--americanos?

NONATO (TENTANDO LEMBRAR)Eram dois velhos. Viviam numa cidade pe-quena no Kansas. Realmente não lembro.

Bob observa Nonato com neutralidade. Sandra já o condenou.Marshall intervém, seco.

MARSHALLAlguma vez visitou seus sogros?

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NONATOQuando nos casamos, fomos visitá-los.

SANDRAOs sogrinhos foram simpáticos?

Marshall bebe novo trago do whisky enquanto examina o passaporte de Nonato.

SANDRA (IRÔNICA)Não é toda família norte-americana que fica feliz ao ver sua filha casada com um estrangeiro.

Nonato olha os oficiais com raiva contida. Mar-shall examina o passaporte dele.

NONATOIsso não é relevante!

SANDRA (FALSA)Só estamos fazendo o nosso trabalho.

NONATOO trabalho de vocês dá direito a bisbi-lhotar a vida dos outros? Qual o motivo desse interrogatório todo? Tenho docu-mentos, estou legal. Por que não carim-bam logo meu passaporte e me deixam ir embora de uma vez? Estou perdendo meu tempo aqui...

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MARSHALLVocê vai ficar aqui o tempo que acharmos necessário.

NONATOIsso é um absurdo, um abuso... vocês não têm esse direito...

MARSHALLTemos sim. O presidente dos Estados Unidos da América do Norte assinou no dia 26 de outubro de 2001 o USA Patriot Act, que nos concede amplos poderes com o intuito de impedirmos a entrada de pessoas que desejam acabar com a gente.

NONATOQue loucura? Por acaso tenho cara de terrorista ou algo assim?

MARSHALLOs caras que derrubaram as torres gêmeas não tinham cara de terrorista. E entraram legalmente no nosso país. Um funcionário relapso de algum aeroporto achou que eles eram inofensivos e lhes concedeu o visto pra que eles matassem toda aquela gente e sangrassem o nosso país.

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NONATOEu nunca fiz nada de errado. Estou nos Estados Unidos há sete anos, legalmente, nunca me meti com política nem com nada de ilegal. Nunca tomei sequer uma multa de trânsito. Tudo o que eu quero é trabalhar e ganhar o meu dinheiro em paz. Porra, foi pra isso que eu vim para os Estados Unidos.

SANDRANão se exalte...

MARSHALLSe o senhor não tem nada a temer, por-que o nervosismo? Acalme-se. São apenas perguntas de praxe. Se estiver tudo em ordem, o senhor vai atravessar aquela porta e retomar sua vida. Portanto, co-labore conosco.

NONATOOk, ok, eu respondo o que quiserem... desde que isso termine logo e eu possa ir embora daqui...

SANDRAVoltando então à minha pergunta... os seus sogros? Foram simpáticos com o senhor?

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CENA 23. HOTEL. QUARTO. INT. NOITE.Marshall e Beatriz estão deitados na cama, nus. Ela termina de apertar um baseado, acende, passa para Marshall que dispensa. Ela fuma e observa o americano. Vê uma longa cicatriz que atravessa as costas dele.

BEATRIZPorra, tremendo corte, esse?

MARSHALLUma lembrancinha que os vietcongues deixaram pra mim....

BEATRIZTu lutou mesmo no Vietnã? Porra, mas isso foi há muito tempo, né? Tu é tão velho assim?

MARSHALLTinha mais ou menos a sua idade, quando fui pra lá... achava que estava ajudando a livrar o mundo da ameaça comunista e defendendo a democracia daqueles pobres amarelos. Eu era um babaca idealista, acreditava nessas coisas... Uma bela noite, meu esquadrão cruzou com um bando de charlies no meio de uma daquelas florestas escuras... levei cinco tiros...perdi um dos rins mas ganhei uma

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medalha. Depois os políticos fizeram o acordo de paz e os comunas ganharam a guerra. Perdi meu rim esquerdo à toa. Mas tive mais sorte do que os outros, que morreram ou ficaram entrevados numa cadeira de rodas... Eu ganhei uma meda-lha e arrumei um bom emprego.

BEATRIZQue é que você fazia lá nos States? Tu é uma espécie de policial ou coisa parecida? Agente da CIA, do FBI?

MARSHALLTenho cara de tira?

BEATRIZTem... e daqueles bem durões...

MARSHALLEu era chefe da emigração do Aeroporto de Nova Iorque.

BEATRIZQue é que faz um chefe de emigração?

MARSHALLÉ uma espécie de buldogue que o governo do Tio Sam bota na porta dos aeroportos

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pra afugentar pessoas que não queremos que entrem na América do Norte

BEATRIZEu já pensei em ir pros States... Queria ir à Disneylândia... Cê acha que iam me deixar entrar?

MARSHALLEu não deixaria.

BEATRIZPor que? Qual o meu problema?

MARSHALLO problema é que todos vocês querem ir pra América... e a América já está cheia de vocês. Cheia de piranhas cucarachas, de traficantes cucarachas, de desempre-gados cucarachas, de babacas cucarachas que acreditam naquela babaquice de sermos a terra das oportunidades, etc e tal... então, eu estava lá pra manter a porta bem fechada e mandá-los de volta pros seus países de merda...

BEATRIZPorra, que emprego mais escroto. Pior que polícia...

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CENA 24. FLASH-BACK. AEROPORTO, SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITEMarshall enche dois copinhos com bebida. Ofe-rece um a Nonato que não aceita.

SANDRAEntão... os seus sogros o trataram bem?

NONATOFamília é igual em qualquer lugar. Acho que gostaram de mim... não importa.

MARSHALLComo se chamava o lugar? A cidade dos seus sogros?

Ele não responde. Foi pego de surpresa.

NONATOÉ uma cidadezinha no Kansas...

SANDRAExistem muitas cidadezinhas no Kansas... o senhor não lembra qual?

MARSHALL (IRÔNICO)Por acaso... seria Oz?

NONATONão. Era... Modoc, isso! Como poderia esquecer?

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Marshall parece gratamente surpreso.

MARSHALLVocê conhece Modoc?

NONATOConheço sim.

MARSHALLE como foram até lá? Por terra?

NONATO (INSEGURO)De avião... e também por terra.

MARSHALLDe avião até Scott City?

NONATOSim...

MARSHALLE depois pegaram a Estadual 96?

NONATONão lembro direito... acho que sim.

MARSHALLGostou de lá?

NONATOGostei... Uma cidade... como outra qual-quer... só fui lá uma vez.

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MARSHALLNão é coincidência? Eu nasci em Modoc, a terra dos seus sogros. Achei que nunca ia conhecer alguém que já tivesse pisado lá. (saudosista). Modoc... Tomaram banho no rio?

NONATO (SOLÍCITO)Tomamos... é um lugar muito bonito.

MARSHALLTeu sogro fazia o quê?

NONATONão sei bem...

MARSHALLNão tinham uma loja de produtos agrí-colas em frente à Union Pacific?

NONATOAcho que sim, não sei bem!

MARSHALLAcho que o velho Robinson tinha uma filha chamada Lynn, como a tua mulher!

NONATO

Pode ser.

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MARSHALLUm brinde ao brasileiro que conhece Mo-doc, o cú do mundo dos Estados Unidos.

CENA 25. RECIFE. RUAS, EXT. DIA.Uma escola pública. Pela porta saem várias crian-ças uniformizadas. Do outro lado da calçada, Marshall observa as crianças, com alguma espe-rança. Mas o grupo se dispersa. Ele atira fora o cigarro. Beatriz surge de dentro da escola, segue em direção à Marshall.

MARSHALLEntão?

BEATRIZO nome da garota é Luisa... e ela estu-dava mesmo aqui. Mas largou a escola. A diretora disse que ela se mudou com a família para outra cidade. Ela tá vivendo em Petrolina agora.

MARSHALLPetrolina? E isso fica perto daqui?

BEATRIZNão, fica longe à beça. No outro lado do estado...uns 700 km daqui.

Marshall parece decepcionado. Acende outro cigarro.

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MARSHALLVocê sabe chegar lá?

BEATRIZEm Petrolina? Porra, tem que pegar a estrada e viajar sertão adentro...

MARSHALLVocê me leva?

BEATRIZPorra, gringo... isso não estava nos pla-nos... Ir à Petrolina? É longe pra caralho...

MARSHALLEu pago.

BEATRIZOnde é que eu fui amarrar a minha égua. Tá bom, vamos. Mas trate de alugar um carro que eu não vou despencar pra Pe-trolina num ônibus pé-duro, não. E ó, o carro tem que ter ar-refrigerado, que faz um calor danado na estrada... ah, outra coisa. Tô com duas mensalidades atrasa-das na faculdade? Dá pra você quebrar o meu galho?

Eles seguem pela rua.

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CENA 26. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITEMarshall continua bebericando e encarando No-nato. O brasileiro sua, afrouxa o colarinho, está visívelmente cansado e tenso. Sandra entra com uma bolsa. Nonato a reconhece, fica perturbado.

MARSHALL (GENTIL)Essa bolsa é sua? Podemos examiná-la?

Nonato assente, incomodado. Sandra examina peça a peça os pertences, que retira da bolsa e coloca sobre a mesa. Retira uma handycam. Marshall examina a câmera de vídeo.

MARSHALLPosso ver? Adoro filmes...

Liga a câmera. As imagens mostram Nonato e Luiza.

MARSHALLÉ sua filha?

NONATOYes, sir.

Marshall continua observando as imagens. Agora vemos Nonato namorando uma mulher jovem (Marieta), de biquíni, na praia de Boa Viagem. Eles se beijam. São as mesmas imagens vistas anteriormente.

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MARSHALL Que bela praia! Aqui não temos praias assim. Hmm... belas mulheres.

Nonato começa a ficar furioso, Bob percebe.

BOBMarshall, cuidado!

MARSHALLQuem é a gostosa?

NONATOMinha ex-mulher.

MARSHALLComo é que você larga uma mulher dessas?

NONATOEla me deixou.

MARSHALLPoxa, você é azarado. Dois casamentos, duas vezes abandonado...

Nonato se remexe na cadeira, irritado. Marshall se delicia com as imagens da handycam.

MARSHALLHummmm, muito bonita a sua ex... Engra-çado como as mulheres do teu país usam

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esses biquínis minúsculos... Difícil distinguir uma mãe de família de uma puta. Porque aqui na América do Norte quem usa um bi-quíni desses é puta, sabe? Mas claro, Brasil e EUA são países bem diferentes. Outros costumes, outra moral... Mas ela é real-mente muito bonita. Espero que o senhor tenha feito uma boa troca. Sua esposa... a norte-americana...como se chama mesmo?

NONATOLynn...

MARSHALLEla é tão bonita como essa sua amante brasileira? Posso chamá-la de amante, não? Já que o senhor não era realmente casado com ela...

BOBPega leve, Marshall...

MARSHALLDizem que as brasileiras são muito boas de cama... em comparação às nossas puritanas e recatadas cidadãs norte-americanas. Deve ter sido ruim trocar uma morena tesuda como essa por uma branquela sardenta do Kansas, não?

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Marshall se delicia repetindo a imagem de Ma-rieta de biquíni, em frame-to-frame.

NONATO (COM ÓDIO CONTIDO)Pode ficar com meu passaporte, carteira de motorista, talão de cheque, meus papéis.(violento) Mas tire suas patas dos meus objetos pessoais.

MARSHALLCalma... Não é nada pessoal, só estamos fazendo nosso trabalho.

Nonato o observa com raiva. Marshall desliga a câmera, coloca de volta na bolsa.

MARSHALLPode guardar. Aguarde lá fora.

Nonato não se mexe. Olha desafiador para Mar-shall, que entende e cede. Marshall pede com um gesto e Sandra recoloca tudo na bolsa, que fica sobre a mesa de Marshall. Nonato, sai, irritado.

CENA 27. FLASH-BACK. AEROPORTO, SALA DE ESPERA. INT. NOITENonato vai sentar ao lado de Calypso. Ela parece preocupada.

CALYPSOPensei que você não fosse sair nunca.

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NONATOAquele babaca implicou comigo.

CALYPSO Ele é poderoso.

NONATOLamentavelmente, ele é poderoso.

CALYPSOQuanto tempo eles vão nos reter aqui?

NONATOO tempo que eles quiserem... merda, perdi minha conexão.

Perto deles, os hondurenhos estão se exercitando.

CALYPSOO que eles estão fazendo?

NONATONão sei. Coitados... estão condenados.

CALYPSOVocê acha que...?

NONATOVão ser mandados de volta. Tá na cara.

CALYPSOE a gente? Será que eles vão nos deixar entrar?

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Nonato olha para Calypso, sem resposta. Ela suspira, angustiada.

CENA 28. CARRO. ESTRADA. ZONA DA MATA. EXT. DIAUm carro segue pela autoestrada, saindo do pe-rímetro urbano, entrando na zona da mata. Ao volante, Marshall dirige, concentrado. No banco de carona, esparramada, com os pés apoiados no painel, Beatriz passa protetor solar pelo corpo. Ao terminar de se besuntar, começa a passar o creme em Marshall, que estranha. Ela empapuça o americano de creme, que fica com o rosto todo branco, com uma expressão cômica. Ele se olha no retrovisor, faz uma expressão de contrariedade.

BEATRIZNão ficou muito bonito, mas é melhor do que virar churrasquinho de gringo... Esse sol não é moleza, queima mesmo...

Ele se conforma, segue guiando. Ela procura na bolsa e retira um CD. Coloca no som do carro. Um rockão pesado irrompe das caixas, perturbando o norte-americano.

MARSHALLNão tem nada menos barulhento?

BEATRIZPreferia Frank Sinatra?

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MARSHALLAlguma música brasileira... você não gos-ta de bossa nova?

BEATRIZBossa nova, Marshall? Isso é música de velho...

MARSHALLRock é que é música de velho... dancei mui-to rock and roll quando tinha a sua idade.

BEATRIZJura? E já existia rock and roll nos tempos das cavernas?

MARSHALLMas não era essa barulheira, não... era coisa boa. Led Zeppelin...

BEATRIZVelharia.

MARSHALLDeep Purple...

BEATRIZVelharia.

Beatriz começa a apertar um baseado.

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MARSHALLGratefull Dead... conhece? Música de maconheiro. Você ia gostar...

Beatriz só de calcinha e sutiã, está esparramada no bagageiro do carro tomando sol.

BEATRIZ (GRITANDO)A gente já tá no século 21, gringo...

MARSHALLNão parece...

Ao longo da estrada, um grupo de bóias-frias está cortando canas, num terreno recém-quei-mado. Eles usam farrapos e estão enegrecidos pela fumaça. Entre os cortadores de cana, estão mulheres e crianças. Marshall diminui a velocidade do carro e observa os boias-frias.

MARSHALLPra esses daí, o século 21 ainda não chegou...

BEATRIZMiséria é igual em qualquer canto, em qualquer lugar.

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MARSHALLNão te incomoda?

BEATRIZSe eu fosse um bóia-fria desses, me in-comodaria... mas vai se acostumando, gringo. Daqui pra frente acabou o Brasil do cartão-postal...

Eles seguem pela estrada. Os boias-frias seguem trabalhando, sob o sol a pino.

CENA 29. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITESob o olhar de Marshall, Bob interroga nova-mente Calypso.

BOBNão conseguimos falar com a companhia de dança.

CALYPSOMas eu estou dizendo a verdade.

BOBNão estou dizendo que você esteja men-tindo, senhorita. Mas a verdade é que sua documentação não está ajudando. Esse fax não é um documento muito confiável. Sem a confirmação...

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CALYPSOE por que eu falsificaria esse convite?

BOBSenhorita, minha função é impedir que pessoas entrem ilegalmente no meu país.

CALYPSOPessoas como eu?

BOBNão é uma questão pessoal, senhorita.

CALYPSOSe eu fosse inglesa ou francesa, o senhor seria assim tão rigoroso?

Bob parece sem resposta. Marshall se impacienta.

MARSHALLIngleses e franceses não tentam invadir nosso país diariamente, senhorita. Temos que ser rigorosos. Nós temos direito a escolher quem pode entrar e viver em nosso país.

CALYPSOEu não tenho direito a entrar aqui? Só porque sou cubana?

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MARSHALLSe seus documentos forem legais, não te-nho porque me opôr. Pelo contrário, será um prazer ter uma moça tão encantadora em nossa cidade. Aliás, farei questão de ir vê-la dançando. (para Bob) Termine logo com ela.

Sai.Bob está sem graça.

CALYPSODeve ser difícil pra você fazer esse tra-balho. Barrar diariamente pessoas como você, tratá-las como lixo.

BOBPessoas como eu?

Indicando o nome no uniforme de Bob, onde está escrito ESTEVEZ.

CALYPSOSeu sobrenome não parece muito ianque. De onde o senhor veio, Mr. Estevez?

BOBEu sou norte-americano.

CALYPSOMéxico? Porto Rico?

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BOBNasci em New Jersey. Meu pai era mexi-cano. Minha mãe norte-americana.

CALYPSOO fato de você ser mais claro não te faz menos latino do que eu ou outros... Seu pai entrou na nos Estados Unidos legal-mente, Mr. Estevez?

BOBMeu pai não está em discussão. Por favor, aguarde lá fora.

Calypso se retira. Bob parece perturbado. Examina os documentos de Calypso, pega o carimbo, fraqueja.

MARSHALL (OFF)Ela te levou no bico...

Marshall está encostado na porta.

BOBOs documentos são legais... vou permitir a entrada dela.

MARSHALLSe ela fosse feia, você seria assim, tão condescendente?

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BOBIsso não vem ao caso.

Marshall vai à mesa, pega a garrafa, serve nova dose. Bebe.

BOBPorra, você tá bebendo demais.

MARSHALLEu me lembro de quando você veio pra trabalhar comigo. A primeira vez que me viu bebendo quis me denunciar!

BOBDevia ter te denunciado.

MARSHALLEra cheio de ideais, conhecia a Constitui-ção de cor.

Bob sorri amarelo.

MARSHALLAté de racista me chamou. Mas aqui, aprendeu muita coisa comigo, não aprendeu? Aprendeu que aqui dentro é o mundo de verdade...

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BOBAprendi sim: aprendi um monte de merda contigo. E continuo aprendendo.

MARSHALLPara fazer este trabalho, Bob, às vezes é preciso perder os escrúpulos.

BOBEnfia essa filosofia de bêbado bem no fundo!

MARSHALLVocê quer ou não quer o cargo, porra?

BOB (INDIFERENTE)Quero! Mas não vou ficar pedindo de joelhos!

Sandra aparece na porta.

SANDRAHora do show... os indiozinhos estão prontos para a demonstração.

MARSHALLVamos nos divertir um pouco.

CENA 30. CARRO, ESTRADA. EXT. DIA.Eles seguem pela estrada. A paisagem vai mu-dando, à medida que avançam. Ora a estrada é

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cercada por canaviais da zona da mata, depois vai passando pelo agreste mais seco. Finalmente chegam ao sertão. A vegetação completamente seca, crestada. Marshall observa a paisagem.Num determinado trecho da estrada, avistam um acampamento de sem-terra.Dezenas de barracas de lona armados no acos-tamento da estrada. A bandeira do MST tremula num mastro. Marshall observa as barracas, impressionado.

MARSHALLO que é isso?

BEATRIZAh, são os sem-terra...

MARSHALL??

BEATRIZCamponeses, gringo, gente que não tem terra pra trabalhar. Então, eles invadem as fazendas pra forçar o governo a arru-mar terra pra eles...

MARSHALLE eles conseguem?

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BEATRIZNem vão conseguir. Cê acha que negui-nho vai entregar a terra deles prum ban-do de camponês fudido? Nunquinha. Eles vão passar o resto da vida nessas barracas, esperando... aí um belo dia, a policia chega, mete o sarrafo neles e enxota eles daqui. Aí eles invadem outra fazenda e ficam esperando a polícia expulsar de novo. E assim vão vivendo a vida.

MARSHALLE o que você acha disso?

BEATRIZO que eu acho vai mudar alguma coisa? Ces´t la vie...

MARSHALLEngraçado como nada te incomoda...

BEATRIZE porque ia me incomodar? Sempre foi assim. Nunca vai mudar. E é por essas e outras que eu quero é cair fora daqui, o mais rápido possível.

MARSHALLE ir pra onde?

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BEATRIZAh, eu quero ir pra Europa. Londres, Paris, Amsterdam... O que eu quero é cair fora daqui.

MARSHALLE como você pensa em viver lá?

BEATRIZDo mesmo jeito que vivo aqui.

MARSHALLÀ base de favores?

BEATRIZTem muito gringo generoso lá fora. E eu faço amizades fácil. De repente até arrumo um marido. Pode ficar sossegado que de fome eu não vou morrer.

MARSHALLE você acha que vão te deixar entrar?

BEATRIZBem, se eu der azar de pegar um buldo-gue que nem você na imigração, aí fo-deu... Mas eu tento de novo. Em alguma vez eu vou conseguir passar. E aí, gringo, quando eu entrar na Europa, eu sumo, desapareço, ninguém vai conseguir me pegar... Não acredita? Pode acreditar...

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Marshall balança a cabeça, cético.Eles seguem pela estrada, deixam o acampa-mento para trás.

CENA 31. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE ESPERA. INT. NOITEOs desportistas hondurenhos fazem sua exibi-ção. Coordenadamente, realizam exercícios de arte marcial oriental. É evidente que não são do ramo. Marshall e Sandra assistem com um tom falsa-mente sério. Bob encabulado percebe que Calypso o olha indignada. Nonato acompanha a demonstração, constrangido.Mais afastados, Assumpta e Martin também observam o show.

BOB (PARA MARSHALL, IRRITADO)Eu vou trabalhar, você fica por aí...

Marshall o segura com autoridade.Acaba a exibição.

MARSHALL (FALSAMENTE SINCERO)Parabéns, foi uma excelente exibição.

AUGUSTINMuito obrigado!

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MARSHALLE quem você acha que ganha: um prati-cante de taekwon-do ou um de caratê?

Augustin não percebe a ironia.

AUGUSTINO de taekwon-do se sai melhor.

MARSHALL Tem certeza?

Marshall dá-lhe um golpe de caratê “fatal”. Augustin se estatela no chão.

MARSHALLO caratê venceu.

NONATO (CONTIDO)Filho da puta!

Sandra não gostou do que viu. Bob encontra o olhar de Calypso. Seu mal-estar é grande. Mar-shall encurrala Augustin – mas fala para todos.

MARSHALLNão existe a tal associação de taekwon-do.

AUGUSTINMas e o fax com o convite?

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MARSHALLÉ falso.

Marshall investe contra Augustin, fazendo-o recuar. Bob segura o chefe pelo braço.Marshall consulta Bob e Sandra.

MARSHALLDeportamos ou não?

SANDRANão tenho nada com isso!

BOBVocê é o chefe.

Marshall faz o mesmo gesto de César: autoriza a morte, esticando o braço com o polegar indi-cando o chão. Chegam dois policiais. Os atletas aglutinam-se ao redor do Augustin. Discutem em seu dialeto. Estão todos perplexos.

MARSHALLEles vão embora no primeiro vôo. Até lá... prenda-os no banheiro.

CENA 32. FLASH-BACK. AEROPORTO. BANHEIRO. INT. NOITE.Os policiais algemam Augustin e os demais hondurenhos um a outro, e o último no cano da

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privada. Da porta do banheiro, Marshall e Sandra observam. Um pouco mais atrás, Bob, Nonato e Calypso observam, constrangidos.

SANDRA (CAUTELOSA)Você não acha que exagerou um pouqui-nho, chefe?

MARSHALL (PARA SANDRA)Você deu o tal telefonema para a lavan-deria Chiquititas?

SANDRA (ALGO CULPADA)Não.

MARSHALL (RINDO)Você é o meu melhor cão farejador. Mi-nha cadela.

SANDRA (COM RANCOR)Eu sei farejar não porque seja uma, cade-la. Mas porque sou negra. Eu reconheço um fodido a quilômetros. Não mereço um prêmio por isso?

Marshall dá um tapinha no rosto dela, irônico. Retorna à sala.Sandra olha os hondurenhos presos, fica cons-trangida.

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Os hondurenhos estão alquebrados, uns de pé, outros sentados, unidos uns aos outros pelas alge-mas. Nonato e Calypso os observam, condoídos.

AUGUSTINPor que fazem isso com a gente? Não fizemos nada de errado. Não somos bandidos. Só queríamos trabalhar. Em Honduras não dá pra gente viver. Não há trabalho. Aqui na América do Norte há tanto trabalho. Gastamos todo nosso dinheiro para vir pra cá.

SANDRASinto muito, eu só faço o meu trabalho.

Do aquário, Marshall grita:

MARSHALLTraz o brasileiro pra cá.

Sandra toca no braço de Nonato, ele a repele, instintivamente.

SANDRAO chefe está te chamando.

NONATOEu ouvi.

Segue para o aquário, acompanhado de Sandra.

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CENA 33. CARRO, ESTRADA, INT/EXT. DIA.Urubus sobrevoam o céu. Ao redor da estrada, agora o cenário é desola-dor. Pouca vegetação, uma vasta paisagem árida. Gado magro procura pelo que resta do pasto seco em terrenos cercados. Marshall seca o suor. A luminosidade fere seus olhos, ele tem dificuldade de manter os olhos abertos. A estrada parece bifurcar à sua frente. O carro ziguezagueia na estrada. Marshall recu-pera o controle do carro. Esfrega os olhos, seca o suor. Está exausto.

BEATRIZEi, não quer dar uma parada?

MARSHALLNo próximo posto... a gente aproveita e reabastece...

O carro segue pela faixa de asfalto em meio ao sertão.Eles cruzam por um homem de bicicleta. No ba-gageiro, ele carrega um pequeno caixão branco de anjinho. Bia faz o sinal da cruz, emocionada. Marshall olha atordoado. O homem com o anji-nho vai ficando para trás.O carro segue pela estrada.

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CENA 34. POSTO DE GASOLINA, PARADA DE CAMINHÕES, EXT. DIA.O carro para numa parada de caminhões, em meio à estrada. É um típico posto de estrada, com algumas bombas de gasolina, uma lojinha, borracheiro. Alguns caminhões parados. Mar-shall salta do carro, abatido. Dá algum dinheiro à Beatriz.

MARSHALLCompra alguma coisa pra beber... Onde fica o banheiro?

Beatriz indica o reservado. Marshall segue para lá, algo apressado.Beatriz perambula pelo posto, esticando os braços, cansada.

CENA 35. POSTO DE GASOLINA, BANHEIRO, INT. DIA.O banheiro é infecto. Não há privadas e sim bu-racos no chão. Marshall abre duas ou três portas dos box procurando algo melhor. Mas os ba-nheiros estão igualmente imundos. Escolhe um deles, fecha a porta e a câmera permanece ali. INSERT – Bia, feliz da vida toma um refrigerante. Marshall abre a porta, seu rosto está muito sua-do e ele muito fraco. Recosta-se descansando e enxuga o rosto na manga da camisa.

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De costas, caminha de volta para o posto dei-xando uma visível trilha de sangue no cimento.

CENA 36. POSTO DE GASOLINA. PARADA DE CAMINHÕES. EXT. DIA.Descontraída, sentada no batente de um bar, Bia oferece o refrigerante a Marshall. E sem sequer levantar os rosto, não percebe o estado dele.

BEATRIZTudo bem?

Marshall concorda, com a cabeça. Ele segue para a bomba de gasolina. Beatriz repara nos fundilhos de suas calças. Estão man-chados, sujos. Ela sorri, faz menção de falar algo, mas desiste. Termina a coca-cola, segue perambulando pelo posto. Marshall abastece o carro. Está suando em bicas, a camisa empapuçada. Beatriz perambula entre os caminhões estacionados, com seu shortinho apertado, cavado, atraindo os olhares dos demais. Ela parece divertir-se em ser comida com os olhos. Ela avista um cruzeiro à beira da estrada, se ajoelha, se persigna, reza baixinho.Arranca umas flores silvestres e deposita junto à cruz. Um alvoroço chama sua atenção. Instin-tivamente ela corre em direção ao carro que está cercado por motoristas. Ela rompe o cerco dos motoristas, e vê Marshall caído no chão. A

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mangueira da bomba de gasolina ainda na mão. Ela se aproxima de Marshall, assustada.

BEATRIZ (EM PORTUGUÊS)O que aconteceu? Que vocês fizeram com ele???

MOTORISTANada, moça... ele caiu de repente... deve ter sido o sol...

BEATRIZ (EM INGLÊS)Fala comigo, gringo? Marshall?

Ela tenta reanimá-lo. Ele ergue o rosto, a ex-pressão assustada. Balbucia algo, ininteligível. Beatriz repara numa mancha no cós das calças de Marshall.

CAMINHONEIROIh, o gringo se borrou todo...

Beatriz tenta erguer Marshall, mas quando o move, percebe que a mancha que sujava suas calças marcou o chão. Ela examina: é sangue. Ela se assusta.

BEATRIZ (EM PORTUGUÊS)Porra, ele tá sangrando... Tem algum mé-dico aqui perto? Algum pronto-socorro?

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FRENTISTAO mais perto fica lá em Matinhos... uns 12 quilômetros seguindo em frente...

BEATRIZEra só o que me faltava, o gringo ficar doente... me ajudem aqui...

Os caminhoneiros ajudam Beatriz a colocar Marshall no banco do carona. Ela senta-se ao volante, arruma o espelho retrovisor, se ajeita na poltrona, liga o carro.O carro sai pela estrada.

BEATRIZVai dar tudo certo, gringo... a gente vai ver um médico...

Marshall não responde. A cabeça encostada na janela, observa a paisagem. O céu azul, límpido. A paisagem árida.

CENA 37. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITE Marshall bebe, com sofreguidão. Já está visivel-mente alterado. À sua frente, Nonato parece cada vez mais nervoso. Sandra e Bob trocam olhares apreensivos.

SANDRAEsse velho bêbado tá perdendo o con-trole... Vai arrumar uma confusão e nós é que vamos pagar o pato...

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BOBEle invocou com esse brasileiro...

SANDRA Por mim carimbava logo o passaporte desse cara e mandava ele embora daqui... Fala com ele, Bob, ele te respeita... antes que dê uma cagada.

BOBMarshall... acho que isso já está indo longe demais... os documentos desse senhor são legais, temos mais gente pra interrogar, eu sugiro que...

MARSHALLSugere o que, Bob? Que deixemos esse mentiroso entrar? Que ele possa entrar nos Estados Unidos sem maiores proble-mas e depois sequestre um avião pra atirar em cima das nossas cabeças?

BOBVocê está ficando paranóico... e bêba-do (para o Nonato: ) O senhor aguarde no salão.

MARSHALLEle fica... e vai ficar aqui até eu provar que ele é uma ameaça para nosso país.

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NONATO (AGRESSIVO)Espera aí! Se os árabes jogaram aviões em vocês a culpa não é minha. Se o mundo odeia a América do Norte é por causa das cagadas que vocês mesmos fizeram...

MARSHALLVocês não nos odeiam, vocês têm inveja de nós. E é por isso que vêm para cá... para tomar nossos empregos, nosso wellfare, nossas casas com nossos belos jardins gramados. Nisso vocês são piores até do que os malditos árabes. Porque esses a gente pode prender, matar, mas vocês, ilegais, vocês entram pelas frestas do nosso país, pelos buracos, pelos es-gotos. . Não é à-toa que chamam vocês de cucarachas. São insetos que ficam fuçando nosso lixo, comendo o resto de nossa comida...

BOBChega, Marshall...

MARSHALLPor que têm que vir pra cá, hein? Não po-diam ficar quietos no país de vocês?? Nós não temos obrigação de sustentar vocês.

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NONATO (ESTOURANDO)Quer saber por que queremos entrar no seu país? Quer mesmo? É exatamente porque nossos países são pobres. Mas sabe por que os nossos países são pobres? Porque durante séculos vocês tiraram tudo de bom que tinha na nossa terra. Foi assim na América Latina toda. Vocês foram lá e tiraram tudo que tínhamos. Por isso que agora queremos entrar nos Estados Unidos. Pra poder recuperar al-guma coisa que um dia já foi nossa.

MARSHALL

Uau, que discurso! Típica lenga-lenga comunista... De comunista pra terrorista, é só estalar os dedos...

NONATOIsso é apenas a História.

MARSHALLNão a que eu aprendi na minha escola... Aliás, na escola a gente nunca sabia exa-tamente o que existia abaixo do México. Brasil, Guatemala, Argentina, Bolívia, era tudo a mesma coisa. Uma única merda.

CENA 38. POSTO MÉDICO. INT/EXT. DIA.O posto médico é limpinho, apesar de pobre. Resume-se a uma saleta, onde há uma maca e

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uma cadeira de dentista. Pela janela, do lado de fora do consultório, Beatriz observa, preocupa-da. O médico, um velho sertanejo com o rosto crivado por rugas que parece o próprio solo calcinado do sertão, examina Marshall. Marshall está sem camisa. O médico ausculta seu peito, tira sua pressão. Bia fuma, aflita.Após algum tempo, o médico olha Marshall preocupado. Com gesto, pede para que ele se vista. Marshall veste sua camisa, desce da maca. A expressão de ambos é pesada.

BIAQue é que ele tem, doutor? É grave?

MÉDICOAqui não tenho condições de cuidar dele. Talvez em Recife. Num hospital maior, mais aparelhado...

BIAEle tá dizendo que devíamos voltar pra Recife.

MARSHALLNão.

BIAEle não quer voltar...

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MÉDICOSem tratamento, ele só vai piorar...

MARSHALLPergunta pra ele quanto tempo eu tenho?

BIAEle quer saber quanto tempo ele tem...

Marshall e o médico trocam olhares.

MÉDICOPouco.

Bia vai traduzir, mas Marshall parece ter com-preendido. Marshall aperta a mão do médico, agradecido.

MARSHALLObrigado, doutor...

Beatriz olha o médico, desalentada. Marshall sai do consultório.

CENA 39. POSTO MÉDICO, RUA, EXT. DIA.Marshall sai do posto médico, caminha até o carro, acompanhado por Beatriz. Ele avista uma birosca, do outro lado da rua e se apruma, em direção a ela.

BEATRIZOnde é que você vai?

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MARSHALLEu preciso de uma cerveja.

Ela o segue, eles entram na birosquinha.

CENA 40. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALÃO. INT. NOITE.Escoltados pelos policiais, Augustin e os hondu-renhos são levados para a área de embarque. Nonato e Calypso trocam olhares solidários e tristes com eles. Assumpta observa, condoída. Martin está lívido, apavorado.Na porta do aquário, Marshall observa, frio. Ao seu lado, Bob e Sandra parecem constrangidos.Antes de ser retirado para fora do Salão, Augus-tin se vira, rompe o cerco dos policiais.

AUGUSTINEu vou voltar pra te pegar, barata bran-ca! Não vou esquecer da tua cara, gringo filho da puta! Me espere!

É arrastado, à força, pelos policiais, para a sala de embarque.Nonato e Calypso encaram os norte-americanos.Marshall não parece nem um pouco intimidado.

MARSHALLVamos continuar o trabalho...

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CENA 41. FLASH-BACK. AEROPORTO. BANHEIRO. INT. NOITEMartin está trancado num box, em pé, ao lado da privada, e, desesperado, tenta rasgar a capa dura do livro que tem a sua foto. Encostada na porta, Assumpta tenta acalmá-lo.

ASSUMPTACalma, amor. A sorte vai nos ajudar.

MARTINNunca vi a sorte ajudar os fodidos.

No banheiro, na porta do box, Assumpta fala baixinho.

ASSUMPTAOntem, você se achava um artista em es-tado de graça, hoje, parece um rebotalho na sarjeta.

No box, lutando para arrancar a capa do livro.

MARTINQual a novidade? Sou um fraco, você sempre soube. Só que agora sou um fraco desesperado.

Na porta do box, Assumpta está visivelmente impaciente com aquela conversa.

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MARTINA gente forçou uma barra. Eu não sirvo para estas coisas.

No box, finalmente, Martin consegue rasgar a capa.

MARTINO mal não está nos outros, está em nós mesmos.

Assim que acaba de tirar a capa, revela-se a co-caína prensada.Martin joga o pó na privada. Faz o mesmo com a contracapa. Mais calmo, puxa a descarga. Sai do box.Assumpta lava as mãos na pia. Ele quer abraçá-la. Ela segura firme e desafiadoramente a genitália do marido.

ASSUMPTATem horas que é preciso mostrar o que você tem aqui. Tem horas em que é pre-ciso ser homem.

Mexeu nos brios dele. Ele quer beijá-la à força. Ela se defende. Ele insiste. Lutam, com raiva. Aparece o guarda na porta.

GUARDAOut!

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O casal, sem muito ligar para ele, para de brigar. Se olham com rancor. Saem do banheiro.

CENA 42. AEROPORTO. SALA DE INTERROGA-TÓRIO, INT. NOITEMarshall serve-se de uma dose de whisky. Bebe. Examina os passaportes espalhados pela mesa, nervosamente. Separa o de Assumpta. Examina-o. Bebe novo gole. Pega o livro, abre numa pá-gina aleatória. Bebe nova dose e lê um poema.

MARSHALL (MURMURANDO)Receita... Lave o rosto / esfregue-o com borracha,/ deixe-o sem linhas para que eu desenhe nele, / macacos e pássaros e uma folha de palmeira./ Deixe escorrer uma gota e eu farei o olho negro/ do menino da Recoleta perdido nas grutas de Nova Iorque...

Marshall bebe um novo gole, se aproxima da janela. De lá observa Assumpta, que está sentada ao lado de Martin. Marshall admira Assumpta. Bebe novo gole.

CENA 43. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALÃO DE ESPERA. INT. NOITEMartin parece arrasado, cabisbaixo. Assumpta acaricia seus cabelos.

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MARTINVai ver que o preço é esse, o fim do nos-so casamento. E eu não posso viver sem você. Vão me deportar.

ASSUMPTAEu vou dobrar aquele buldogue. Sou mais esperta do que qualquer um deles. Sei como convencê-los.

MARTINAs olhadas que te dava nos teus peitos foram muito convincentes.

ASSUMPTAEle foi muito educado. Pediu até pra ler meus poemas.

MARTINMuito bem educado. E você também, né? Uma educação assombrosa, um espanto.

ASSUMPTADeixa de bobagem. É um velho... um velho escroto ianque.

MARTINO teu livro estava na mesa dele. Estamos li-quidados. A gente devia ter ficado em casa.

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ASSUMPTAVocê já se desfez da sua culpa. Quem está com a cabeça a prêmio, sou eu. Se der alguma merda, eu livro a sua cara, pode ficar tranquilo.

MARTINNão. Eu vou contigo até o fim. Se você for presa, eu quero ir preso também.

ASSUMPTAMeu poeta, tão frágil, mas tão lindo. Fica tranquilo, vai dar tudo certo. A gente vai se safar dessa e você vai poder escrever em paz. Confia em mim.

Eles se abraçam. Se beijam.

CENA 44. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE ESPERA. INT. NOITEEm falso raccord, quem está beijando e acari-ciando Assumpta agora é Marshall.Ele se agarra à mulher com desejo.

CENA 45. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITE.Pela vidraça, Marshall observa Assumpta e Mar-tin se beijando.Marshall toma novo gole de whisky, retorna tropeçando para a sua mesa.

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Olha o livro, com desdém. Fecha-o e empurra-o para longe.Pega o passaporte de Martin, o carimbo de rejei-tado, ameaça carimbar o passaporte dele. Mas desiste. Afunda na cadeira, amargurado.

CENA 46. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE ESPERA. INT. NOITEBob continua parado diante da sala de interro-gatório. Calypso encara Bob, que baixa os olhos, constrangido. De repente, ele se decide.

BOBSrta. Menendez!

Ela se adianta, temerosa.Entra no aquário, acompanhada de Bob.

CENA 47. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITEMarshall está sentado na escrivaninha, tomando um trago. Bob se aproxima dele, decidido.

BOBO passaporte dela.

MARSHALLOs documentos dela não foram confir-mados.

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BOBO passaporte, por favor.

MARSHALLVocê vai passar por cima da minha au-toridade?

BOBEu chequei as informações dela. Ela está limpa. O passaporte.

Marshall não parece muito convencido, mas obedece. Entrega o passaporte a Bob.Bob carimba o passaporte de Calypso. Ela se surpreende. Bob entrega o passaporte para ela.

BOBSrta. Menendez, bem vinda aos Estados Unidos da América. Espero que sua estada em nosso país seja agradável.

CALYPSOMuito obrigada, Mr. Estevez.

Ela aperta a mão de Bob, carinhosamente. Os dois trocam olhares. Marshall percebe o gesto. Calypso guarda o passaporte, sai da sala, animada.

MARSHALLIsso pode custar a sua promoção.

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BOBEla estava limpa, Marshall. Eu chequei...

MARSHALLÀs quatro horas da manhã? Não me faça de idiota, Mister Estevez. Só espero que você tenha pego o endereço dela. Pra cobrar o visto com uma bela metida na-quele culo cubano.

BOBVá se foder.

MARSHALLTraz o brasileiro. Vou ensinar como se faz nosso trabalho direito.

CENA 48. BIROSCA. INT. NOITEUm forrozinho toca, de um velho rádio. Alguns velhos sertanejos bebem cachaça, apoiados no balcão. Em pé, ao longo do balcão Marshall e Beatriz bebem. Ela parece preocupada.

BEATRIZQue é que você tem? É grave?

MARSHALLCâncer é grave?

BEATRIZAi, meu Deus...

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MARSHALLNem parece, né? Quem olha acha que eu to vendendo saúde. Qual! Eu to podre por dentro. Tenho um tumor do tama-nho de uma bola de beisebol nos rins. Sequelas daquele tiro que levei no Vie-tnã... Comecei mijando sangue... depois passei a cagar sangue. Daqui a pouco vou começar a suar sangue por todos os poros. Mas aí já vai ser mesmo hora de acertar as contas com o criador...

BEATRIZDeve haver algum tratamento... de re-pente quando você voltar pros States, lá é tudo moderno, devem achar um jeito de...

MARSHALLEu não vou voltar mais pra América do Norte.

Beatriz olha Marshall, espantada. Ele bebe sua cerveja, aparentemente tranquilo.

MARSHALLDeve ser meio frustrante ser um médico num fim de mundo desses...

BEATRIZHein?

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MARSHALLEle me lembrou um cara que eu entre-vistei anos atrás, no aeroporto. Ele era... peruano? Não, boliviano. Isso. De La Paz. Estava retornando para os Estados Unidos, vindo do seu país... obviamente, a gente segurou ele. Com aquela cara de índio, boa coisa não podia ser. Mas ele era médico residente no Lincoln Hospital... Ele tinha voltado à Bolívia para rever a família. Mas o contrato dele com o hospital estava vencendo e eu impliquei com ele. Ele explicou que o hospital ia renovar o contrato por mais dez anos. Mas ele não queria mais ficar na América do Norte. Tinha vindo ape-nas para pegar seus pertences, e voltar de vez pra Bolívia. Aí eu duvidei: como não queria mais ficar por aqui? Porra, ele era residente no Lincoln Hospital. E ele me disse que ia voltar a ser mé-dico na Bolívia. Por que diabos voltar pra Bolívia, se ele trabalhava num dos melhores hospitais do mundo? Aí ele me disse uma coisa engraçada: ia voltar para a Bolívia para reaprender a medi-cina. Lá em Nova Iorque ele tinha toda a estrutura, os melhores laboratórios, aparelhos de última geração. Ele tinha

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ido pra Bolívia pra cuidar do pai que estava doente... mas longe de todos os aparelhos, de toda aquela puta estrutu-ra, ele não soube fazer nada pra salvar a vida do pai... Por isso ele não queria mais ficar na América. E era verdade. Eu dei o visto. Uma semana depois, ele cruzou por mim no aeroporto. Pegou o avião e voltou pra Bolívia. Hoje em dia deve estar trabalhando num posto médico igual a esse...ou pior. Engraçado que ele foi pro fim do mundo pra curar... e eu vim pro cu do mundo pra morrer.

Marshall termina a cerveja, num só gole.Beatriz olha para ele, sem ter certeza se enten-deu tudo o que ele lhe contara.O forrozinho continua tocando no rádio. Mar-shall se levanta, meio bêbado.

MARSHALLQue música maravilhosa é essa que tá tocando?

BEATRIZ

Maravilhosa? É forró.

MARSHALLDança comigo?

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BEATRIZAqui? Dá um tempo, gringo...

MARSHALLFaça essa gentileza para este pobre mo-ribundo... Dança comigo?

Beatriz consente, contrariada.Marshall a pega nos braços, tenta conduzi-la, sem ritmo. Os caboclos observam o gringo, sor-riem dele. Beatriz o interrompe, incomodada.

BEATRIZSe é pra pagar esse mico, pelo menos paga direito... deixa que eu te conduzo, é assim, ó...

Segue levando Marshall, ensinando-lhe o rit-mo. Ele tenta acompanhá-la. Aos poucos, ele aprende. Beatriz perde a marra, se solta, dança animada. Marshall também parece se divertir. Eles rodopiam, riem, se abraçam, se beijam. Eles seguem dançando. De repente, Marshall começa a tontear, para de dançar, cambaleia, por pouco não desaba no chão.Beatriz o sustenta, a custo. Marshall parece mal.

MARSHALLAcho que bebi demais...

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BEATRIZNada, você tá com febre... caralho!

MARSHALLVamos embora daqui...

Eles saem, ela apoiando ele.

CENA 49. RUA. EXT. NOITEO posto médico está fechado.Beatriz bate na porta, desesperada. Ninguém atende.Ela se volta para Marshall, que está sentado no banco de carona do carro.

BEATRIZCaralho, não tem ninguém... Que é que eu faço contigo, gringo?

MARSHALLAcho que dá pra aguentar até chegar em Petrolina...

BEATRIZTá ardendo em febre. Tu vai morrer no meio da estrada e vai sobrar pra mim.... Você precisa descansar.

Olha em redor, procurando algum albergue. A ci-dadezinha está às escuras. Todas as casas fechadas.

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No carro, Marshall parece desfalecido.Ela fica nervosa. Se decide.

BEATRIZEu jurei pra mim mesma que nunca ia voltar lá... mas foda-se.

Liga o carro, que sai pela estradinha.

BEATRIZGuenta as pontas, aí, gringo. Vou te levar num lugar pra você descansar..

No banco de carona, Marshall geme.

CENA 50. CARRO, ESTRADA. EXT. NOITEO carro atravessa o sertão.Beatriz dirige nervosa. Marshall olha a paisagem pela janela.A lua enorme no céu limpo.

CENA 51. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE ESPERA. INT. NOITECalypso está se despedindo de Nonato.

NONATOQue bom que deu tudo certo pra você.

CALYPSOVocê também vai conseguir. Tenho certeza.

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NONATOBem, então... adeus e boa sorte.

Eles apertam as mãos, mas depois trocam um forte abraço.Bob surge à porta, observa a cena.Acena para Nonato, manda-o entrar.

NONATOChegou a minha vez.

Ele faz menção de sair, Calypso o detém.Se abaixa, e amarra um dos cordões do sapato de Nonato, que estava desamarrado.

NONATOPor que fez isso?

CALYPSOPra você não tropeçar. Adeus.

Ela segue para a saída.Nonato entra na sala de interrogatório. De longe, Bob observa Calypso.Ela chega à porta, toma fôlego, sai.

CENA 52. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITEBob retorna à sala. Marshall toma um novo gole de whisky. À sua frente, Nonato o observa, tenso.

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MARSHALLMe diz uma coisa, professor, apenas para saciar minha curiosidade. Quanto você fatura?

NONATOComo?

MARSHALLVocê disse que tem um negócio aqui. Qual o seu faturamento anual?

NONATOEm torno de 60 mil... mas...

MARSHALLSessenta mil? Uau... tudo isso, lavando pratos?

NONATOEu não lavo mais pratos. Já lavei, e mui-to. E também lavei muita privada suja de merda e vômito de norte-americanos escrotos como você...

MARSHALLNão seja mal-agradecido. É graças à mer-da e ao vômito de escrotos como eu que você chegou aqui, bem vestido, com um

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inglês até razoável. E faturando 60 mil por ano. Qual é mesmo o seu negócio? Coca? Heroína?

NONATOJá disse. Tenho uma pequena empresa de alimentação... eu vendo refeições a baixo custo para trabalhadores noturnos...

MARSHALLSessenta mil por ano vendendo quenti-nha? Formidável. Não é à toa que vocês fazem qualquer coisa pra entrar nos Estados Unidos. Qualquer fodido pode chegar aqui e em pouco tempo já é um empresário bem-sucedido. Enquanto isso, nós, verdadeiramente norte-americanos, sejamos afro ou hispano-americanos ou mesmo um filho da puta irlandês como eu nem de longe tiramos 60 mil por ano... Qual é o seu faturamento anual, hein, Sandra? Não acha escroto que um cucaracha ilegal fature mais do que uma trabalhadora afro-americana? O que acha, Bob? Capaz desse filho da mãe ter um carro melhor do que o seu...

BOBChega, Marshall...

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MARSHALLNosso amigo Mr. Estevez tem um Honda 2000... Você tem carro, professor? Digo, aqui na América do Norte?

NONATOTenho. Um Ford 2004...

MARSHALLOlha só como são as coisas... Mr. Estevez, um norte-americano legítimo, ainda que 50% cucaracha, tem um carro velho ja-ponês, e um filho da mãe ilegal tem um carro 100% americano. Isso realmente não é justo. É por isso que o meu país tá nessa merda. Mas é por essas e outras que eu não vou deixar você entrar aqui.

NONATOVocê não pode simplesmente me impedir de entrar. Existem leis, eu tenho os meus direitos. Minha documentação está em ordem, isso é abuso de autoridade. Eu posso processá-lo...

MARSHALLMe processar? Essa é boa... Me processar por fazer meu trabalho direito? Quem vai te processar sou, eu, cucaracha. Vou provar que seus documentos são todos

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falsos, que tudo isso é mentira e te levar pra corte. Tu vai pegar uma cana dura por querer enganar o governo dos EUA. Tu vai implorar pra eu te mandar de volta naquele mesmo avião que você chegou... Portanto, seja um bom menino e respon-da o que queremos saber...

NONATOEstá bem, qualquer coisa. O que quer saber mais?

MARSHALLRefresque a memória desse velho saudoso. Me fale mais de Modoc... não é sempre que a gente encontra alguém que conheceu nossa terra natal... No place like a home place. Como anda a minha cidadezinha?

CENA 53. FAZENDA. CASA, EXT. AMANHECERO carro se aproxima de uma fazenda. Na varanda da casa centenária mal iluminada, se vislumbra a figura de um homem idoso. Ele não se mexe. Beatriz salta do carro, abre a cancela, vários bodes se aproximam. Ela entra no carro, avança sobre os bodes, dispersando-os. Eles perseguem o carro até próximo da casa, onde ela para.Ela desce do carro. Na varanda da casa, sentado numa cadeira de balanço, um velho seco, alto e muito magro, está lendo uma Bíblia ensebada.

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Beatriz arruma a roupa curta, se aproxima da casa, algo constrangida.Ela sobe os degraus que levam à varanda, devagar.O velho continua lendo sua Bíblia, aproximando o livro bem perto dos olhos.Ele não dá a menor atenção à Beatriz.Ela se aproxima, humilde.

BEATRIZÀ benção, vô.

Somente agora o velho parece notar a presença da garota. Ele estende a mão, vagarosa e fria-mente para Beatriz. Ela agarra a mão do velho, e a beija, com ternura.

AVÔO que você veio fazer aqui?

BEATRIZEu to com um problema, vô. A gente tava indo pra Petrolina, mas meu amigo ficou doente, não tá podendo viajar. A gente pode ficar um pouco aqui?

AVÔQuanto tempo?

BEATRIZUm dia ou dois, até ele melhorar.

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O avô folheia a Bíblia, desinteressado.

AVÔSe vocês não se importarem com a pobreza...

Beatriz corre até o carro, ajuda Marshall a des-cer. Ele mal consegue caminhar. Sobe à varanda apoiado em Beatriz. Com esforço chegam à casa.

BEATRIZEsse é meu avô, Raymundo. A gente vai ficar aqui até você ficar bom, gringo.

Marshall quer falar algo, mas mal tem forças pra se manter em pé. O velho parece ignorá-lo, con-centrado na leitura da sua velha Bíblia. Beatriz ajuda Marshall a entrar.

CENA 54. FAZENDA. QUARTO, INT., DIAA casa é ampla, antiga. Certamente já conheceu melhores dias. A mobília é pesada, móveis cen-tenários. Tudo lembra um período de fartura que ficou no passado. Beatriz derruba Marshall na cama, e o cobre com uma colcha de retalhos. Marshall sua muito. Beatriz pega água numa moringa, serve Marshall, que bebe, devagar.

BEATRIZDescansa, ...

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MARSHALLVocê é um anjo.

BEATRIZSou nada. Depois tu vai me pagar e caro por toda essa trabalheira.

Marshall suspira, adormece.Beatriz vela pelo seu sono.

CENA 55. FAZENDA. VARANDA. EXT. DIAO avô continua lendo sua Bíblia, anotando pas-sagens com um toco de lápis.Beatriz reaparece na varanda. Observa o velho. Faz menção de fazer um carinho nele, o velho a rejeita. Ela se reprime.

AVÔQue é que ele tem?

BEATRIZEle tá morrendo.

AVÔMorrer todo vivente morre.

Beatriz saca um cigarro, vai acender, se toca, joga o cigarro fora.

AVÔEle é teu homem?

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BEATRIZÉ um amigo.

AVÔSe ele morrer aqui, a gente enterra ali, debaixo daquele imbuzeiro. É um bom lugar pra repousar. É lá que eu quero ser enterrado.

BEATRIZEle não vai morrer agora, vô. Ele é forte, vai aguentar.

AVÔTem coisas piores do que morrer. Viver demais é muito mais dolorido. A gente fica enquanto os outros vão. Uns morrem, uns vão pra São Paulo, e outros viram puta.

Ele sequer olha Beatriz. O olhar perdido no es-curo da noite.

AVÔEu jurei pra mim mesmo nunca mais olhar a tua cara.

BEATRIZEu também jurei que nunca ia botar meus pés aqui... Mas foi uma emergência.

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AVÔDeus esticou meus dias pra me fazer pas-sar de novo por esta humilhação.

BEATRIZSe te incomoda tanto a minha presença, a gente vai embora agora mesmo...

AVÔFica. O moço tá doente. Não vou recusar abrigo a um doente.

Beatriz se aproxima do velho, segura suas mãos.

BEATRIZO senhor nunca vai me perdoar?

AVÔVocê me deixou.

BEATRIZEu tinha que ir, vô.

AVÔ Seu lugar era aqui, comigo.

BEATRIZEu não podia. Eu ia morrer se ficasse...

AVÔEra melhor que tivesse morrido. Eu ia ter um motivo pra chorar por você.

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Solta a mão das mãos de Beatriz. Apoiado num bastão, se ergue. Pela primeira vez vemos Ray-mundo de pé. Ele é bem alto, seco, muito ma-gro. Caminha pesado em direção à casa. Entra. Lágrimas escorrem pelo rosto de Beatriz.

BEATRIZVelho desgraçado.

CENA 56. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE ESPERA. INT. NOITEPela vidraça, Assumpta e Martin assistem ao interrogatório de Nonato.

MARTINVelho desgraçado. Está apertando o bra-sileiro há horas...

ASSUMPTAMelhor pra gente. Ele fode o brasileiro e deixa a gente entrar. Tô entendendo a lógica do buldogue. O cara é puro Darwin. Seleção natural das espécies, manja? Pra ele, só os mais fortes podem entrar neste país. Os fracos que voltem pra merda de onde vieram. Mandaram os índios embora, mas deram o visto pra cubaninha... Vão foder o brazuca, mas a gente vai entrar.

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MARTINEle está selecionando os mais fortes ou... as mais bonitas?

ASSUMPTABeleza é um pré-requisito da seleção das espécies.

MARTINTô fodido. Não sou bonito e sou covarde como uma ratazana.

ASSUMPTANão diga isso, cariño. Você escreve versos maravilhosos. E no mais, eu sou linda e forte. Isso vale por nós dois.

MARTINMe pergunto se vale a pena todo esse sofrimento? Pra quê? Devíamos voltar mesmo pra casa. A América do Norte não nos quer. Nem aos meus versos.

ASSUMPTAE por acaso alguém lá na Argentina está interessado nos seus versos?

MARTINPelo menos lá eu tinha a luz da manhã na Recoleta...

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ASSUMPTAE milhares de versos guardados dentro de uma gaveta. Cariño, você nunca conse-guiu ser publicado em Buenos Aires. Aqui, em menos de um ano, vamos conseguir publicar toda sua obra. Em capa dura.

MARTINGraças à cocaína.

ASSUMPTAPense nisso como uma justiça poética. Graças aos ianques viciados, o mundo vai ganhar um grande poeta...

MARTINIsso se conseguirmos entrar...

ASSUMPTANós vamos entrar. Nem que eu tenha que chupar os bagos daquele buldogue.

MARTINÉ bem capaz dele te propor isso.

ASSUMPTASe for esse o preço pra entrarmos...

MARTINEu devia ter nojo de você... e no entanto, eu te amo. Sou mesmo um fraco.

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ASSUMPTAUm fraco que escreve maravilhosamen-te bem. Se eu tivesse a metade do seu talento...

MARTINSe eu tivesse um terço da sua coragem...

ASSUMPTAVai ver por isso continuamos juntos. Você é um ratinho talentoso, eu sou uma leoa medíocre. Você é meu Chopin, eu sou sua George Sand. Formamos uma boa dupla, não?

Martin relaxa, sorri.

ASSUMPTANão se preocupe, cariño. Olhe aquela porta. Dentro de algumas horas nós esta-remos do outro lado. Eu te prometo isso.

MARTINPromete, minha leoa?

ASSUMPTAPrometo, meu ratinho.

Assumpta o beija com ardor.

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CENA 57. FAZENDA. QUARTO. SALA. INT. DIAOs primeiros raios de sol invadem o quarto, pelas frestas da parede de madeira.Marshall desperta, fraco. Ao seu lado, Beatriz dorme, vestida, em posição fetal.Marshall procura pelos cigarros, acha, acende um. A primeira tragada dói, ele tosse, mas depois segue fumando, tranquilo. Deixa a cama, com dificuldade.Atravessa a sala. Marshall examina os livros. Livros antigos, empoeirados. Quadros de ante-passados com ares de nobres. Realmente, aquela casa conheceu melhores tempos.

CENA 58. FAZENDA. VARANDA. EXT. DIA.Devagar, Marshall chega à varanda. No pátio, há uma centena de bodes pastando. Marshall admira os bodes. O velho está sentado na cadeira de balanço, na mesma posição ereta de antes. Ele sequer olha para Marshall, o olhar perdido no horizonte. Nas mãos, a Bíblia e o lápis.

AVÔO moço tá melhor?

Marshall não entende. Mas o velho não espera que ele responda.

AVÔ O senhor não é daqui. É gringo?

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MARSHALL (SE ESFORÇANDO, NUM PORTUNHOL)

Norte-americano.

AVÔConheci uns norte-americanos na época da guerra. Soldados. Eles vieram num jipe. Estavam procurando um terreno para construir uma pista de pouso. Esti-veram por aqui, beberam muita cachaça, tiraram fotografias, fizeram mapas. E depois foram embora.

MARSHALLNão estou entendendo...

AVÔMeus filhos também foram embora. Todos os 11. Foram pra São Paulo. Todo mundo foi embora. A última a partir foi essa minha neta. Saiu daqui pra ser puta em Recife. Só eu fiquei. E vou ficar.

Marshall olha o velho. Tenta entendê-lo. Mas o velho parece distante, fechado em si mesmo. Marshall senta-se ao lado dele. Ele segue falan-do, sem se dirigir a Marshall. O olhar perdido, a bíblia nas mãos.

AVÔUm homem tem que ter raízes. Fincar os pés na terra e não arredar. Se querem

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ir embora, que vão. Eu fico. Solidão? Eu tenho Deus e os meus bodes. Melhor companhia não há.

Beatriz aparece sonada, junto à porta. Vê Mar-shall sentado ao lado do avô.

AVÔAntes tinha a menina. Quando os pais dela foram embora, ficamos só eu e ela. Dei tudo pra essa menina. Ensinei a ler, escrever, a respeitar aos mais velhos e amar a deus sobre todas as coisas. A gente se bastava. Mas ela quis ir embora também, que eu podia fazer? Amarrar no pé da cama? Prender a sete chaves? No dia em que ela partiu, eu disse: tu tá morta pra mim.

Marshall percebe a presença de Beatriz. Os olhos dela estão em lágrimas.Ele faz menção de falar algo, ela faz um gesto com a cabeça, impedindo-o.O velho abre a bíblia. Lê uma passagem.

AVÔQue afaste do rosto as prostituições e dos seios os adultérios. Senão eu a des-pirei completamente, deixá-la-ei como no dia do seu nascimento; eu a tornarei

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semelhante a um deserto, transformarei em terra seca e a farei morrer de sede. Não amarei seus filhos porque são filhos da prostituição.

Beatriz olha o avô com ódio. Retorna para dentro da casa.Marshall não entende nada, mas percebe tudo.

CENA 59. FAZENDA, SALA. INT. DIA.Uma refeição típica do sertão. Sentado na cabeceira da mesa, como um sobe-rano, o avô puxa a reza.Beatriz finge que reza. Marshall observa avô e neta, constrangido.Uma empregada igualmente idosa, serve a comida. Eles comem, em silêncio.

CENA 60. FAZENDA, QUARTO, INT. NOITEO quarto está às escuras, mas nenhum dos dois dorme.Eles partilham um cigarro.

MARSHALLHá quanto tempo você não via o seu avô?

BEATRIZHá mais de dez anos. Desde que fui embora daqui... Era melhor que tivesse morrido.

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MARSHALLDesculpa.

BEATRIZPor quê?

MARSHALLPor te obrigar a vir aqui...

BEATRIZEsquece. Um dia eu tinha mesmo que vir...tem coisas que a gente nunca consegue escapar. Por mais que tente, é sempre obrigado a enfrentar aquilo que deixou pra trás...

As palavras de Beatriz calam fundo em Marshall.

CENA 61. FLASH-BACK. PRISÃO, CELA. INT. NOITEDeitado na cama de um beliche, Marshall de uniforme de preso, fuma e examina um Atlas. Presos à parede junto à cama, há diversos mapas do Brasil. Mashall consulta o Atlas, confere depois o mapa, risca com um lápis vermelho o traçado e assinala com um círculo a cidade de Recife.Mar-shall retira a handycam de debaixo do colchão. Liga a câmera, olha as imagens. Na telinha da câmera, vemos imagens amadoras de Nonato. INSERT – imagens amadoras em vídeo mostram Nonato de malas prontas.

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LUISA (OFF)Você volta, pai?

NONATOVolto, minha filha.

LUISA (OFF)Promete?

NONATOPrometo.

A imagem acaba. Apenas o azul da fita não gravada. A fita corre para trás. Num trecho evidentemente posado, Luisa endi-reita a câmera para si e fala diretamente para a lente.

LUISA (FALA PARA A CÂMERA)Pai, peguei a câmera escondida de você pra te falar uma coisa, duas coisas. Primei-ro, para você se lembrar de mim. Porque quando você está longe, você não me vê e aí pode esquecer que eu estou aqui. Outra coisa é mostrar uma musiquinha que fiz pra você.

Luisa sai de quadro, volta com uma sanfoninha e toca uma melodia infantil.

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A imagem congela.Marshall olha a câmera, constrangido. A luz pis-ca, Marshall guarda a câmera debaixo da cama, se vira na beliche. A luz se apaga definitivamen-te. Seu rosto é iluminado pela brasa do cigarro. A expressão decidida de Marshall.

CENA 62. FAZENDA. EXT. DIA.Marshall parece revigorado. Aperta a mão de Raimundo, agradecido. O velho sequer se levanta da sua cadeira de balanço.Marshall segue para o carro e espera.Na varanda, Beatriz tenta se despedir do avô.Ela está constrangida, ele parece indiferente.

BEATRIZAdeus, vô.

AVÔÉ a segunda vez que você me diz isso. Deus vai cuidar que seja a última.

BEATRIZEu volto.

AVÔVou estar ali... embaixo daquele imbuzeiro.

Beatriz tenta abraçar o avô, mas ele se mantém imóvel.

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Beatriz desiste, abandona a casa.Corre em direção ao carro.

BEATRIZVamos embora logo daqui.

Eles entram no carro.O carro se afasta, abrindo passagem entre os bodes e cabras.O velho fica parado na varanda, sem demonstrar nenhuma emoção.

CENA 63. CARRO, ESTRADA, INT/EXT. DIA.O carro segue pela estrada.Beatriz desata num choro amargurado.

BEATRIZEu jurei que não voltava mais... Idéia mais besta te trazer aqui. Velho escroto.

Marshall olha Beatriz, constrangido.

BEATRIZFoi ele quem me desgraçou.

MARSHALLO que?

BEATRIZEu tinha nove anos. Meus pais tinham ido para São Paulo. Eu fiquei com o meu avô.

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Alguém tinha que ficar cuidando dele. Como se ele precisasse de cuidado. Um dia ele tomou um porre, me pegou pelo braço, me deitou na cama e me comeu. Eu tinha nove anos. Fui mulher dele até os doze. Um dia passou um caminhão. O motorista se engraçou comigo. Eu per-guntei se ele me levava pra Recife. Saí daqui quase que com a roupa do corpo.

Marshall está completamente constrangido.Beatriz seca as lágrimas com raiva.

BEATRIZPôrra, bota uma música, aí, vai...

Marshall obedece, liga o som.Beatriz parece se reanimar. Ela cantarola, acom-panhando a música que toca no som. Uma placa indica a distância que falta para Petrolina.O carro se afasta pela estrada.

CENA 64. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITENonato está agitado. Sua muito, nervoso. Mar-shall bebe e o encara, friamente.

MARSHALLMe fale de Modoc... mate minhas sau-dades, vai...

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Nonato seca o suor com a mão, ansioso.

MARSHALLQue foi, cucaracha? A memória está fa-lhando?

NONATONão lembro de nada relevante, ficamos poucos dias...

MARSHALLEu saí há tantos anos de Modoc e me lem-bro tão bem de lá... Deve haver alguma lembrança que tenha ficado fresca em sua memória... Me fala do rio? Ninguém se banha nas águas daquele rio e esquece...

NONATODo rio eu me lembro. Jamais vou esquecer aquele bendito rio. Tá satisfeito? Porra, meus documentos estão todos em ordem. Carimbem logo o meu passaporte e me deixem em paz!

MARSHALL Realmente, está tudo em ordem. Papéis, documentos, tudo em ordem. Só tem um problema. (agressivo) Modoc não tem rio. Não tem rio, não tem nada, só quilôme-tros e quilômetros de plantações de milho

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e soja. Um tédio só. Conheço bem aquela merda. Você nunca esteve lá, brasileiro.

NONATOÉ ilegal não ter ido na merda de cidade onde moram os meus sogros? Na merda de cidade onde nasceu Mr. Deus? Casei para foder com a filha, não com a sogra.

MARSHALL (GRITANDO)Não é ilegal não ter visitado os sogros. Ilegal é contratar um casamento de ara-que pra obter o visto. E foi isso que você fez, brasileiro. É o que todos vocês fazem. Contratam uma piranha qualquer e arru-mam os documentos pra viver legalmente no nosso país.

SANDRAChefe, calma...

MARSHALLQuanto pagou pelo casamento arranja-do? Dois mil, cinco?

Marshall avança sobre Nonato.

MARSHALL (FORA DE SI)Última pergunta: deu tempo pra ao me-nos uma trepada?

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Nonato levanta-se bruscamente. Os dois se enca-ram, dispostos a irem às últimas consequências.

BOB (INTERVINDO)Marshall! (ao brasileiro) Pode esperar lá fora...

NONATO (A MARSHALL)Tenho um documento expedido por um juiz norte-americano me autorizando a sair e a entrar no país.

MARSHALLQuem decide quem entra nos Estados Uni-dos da América é o Depto. de Imigração de Fronteiras. E o Depto. de Imigração de Fronteiras se chama Uncle Marshall.

Bob mostra o documento do juiz norte-america-no a Marshall. Ele examina o documento.

BOBO documento é legal...

Marshall lê com calma, quase provocador.

MARSHALLQuanto pagou por este documento?

Nonato está estarrecido.

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BOBO documento é legal!

Marshall rasga o documento. Bob está perplexo. Sandra tensa.Nonato faz menção de investir sobre Marshall. É contido por Bob

NONATOFilho da puta!

MARSHALLVou provar que você tá mentindo, cuca-racha filho da puta..

Marshall abre a gaveta de sua mesa e dela retira uma pistola.Ao verem a arma, Bob, Sandra e Nonato se assustam.

CENA 65. PETROLINA. RUAS, PRAÇA. EXT. DIA.O carro de Marshall atravessa as ruas da cidade. Grande afluência de gente. Ambulantes. Mar-shall tem dificuldades em manobrar o carro em meio ao caos urbano.

MARSHALLNão imaginei que fosse uma cidade tão grande... Nunca vamos achar a garota aqui...

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BEATRIZVocê acha que eu sou monga? Quando falei com a diretora da escola de Recife peguei o nome do colégio pra onde ela veio transferida. Só temos que achar a escola e pedir o endereço dela. Para o carro, vamos a pé mesmo.

CENA 66. PETROLINA, PRAÇA, EXT. DIA.Uma enorme catedral se ergue no centro da praça. Beatriz e Marshall se aproximam dela.

BEATRIZEu vou até o colégio ver se consigo o en-dereço da menina. Você fica aqui e me espera. Não sai daqui, tá?

Marshall assente com a cabeça e Beatriz segue pela rua, sumindo em meio à multidão. Marshall senta-se nos degraus da igreja, seca o suor da testa. Uma música o distrai. Na porta da igreja, um mendigo cego toca uma pequena sanfona, uma 8 baixos bem estropiada e antiga. Marshall se aproxima do mendigo, escuta a mú-sica. O cego toca mal pra cacete, mas por alguma razão a melodia toca Marshall. De dentro da igreja começa uma oração e Mar-shall olha o interior da igreja. Ele se decide. Tira do bolso uma nota de cem reais, coloca no

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chapéu do cego, que agradece mecanicamente. O cego interrompe a melodia, retira os óculos escuros e olha incrédulo a nota de cem reais. Vai interpelar Marshall, mas ele não está mais lá.

CENA 67. PETROLINA. IGREJA. INT. DIA.Marshall atravessa o interior da igreja, que está bem vazia. Apenas algumas beatas centenárias rezando num dos primeiros bancos. O padre reza a missa, sem maior entusiasmo. A cantoria das beatas ecoa pelo interior da igreja. Marshall observa as imagens sacras. Se detém ante uma imagem de Cristo. Ele observa a imagem, que parece retribuir o olhar. A expressão severa do Cristo parece constranger Marshall. Os olhos de Cristo parecem vivos, inquisidores.

CENA 68. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITEMarshall aponta a arma para Nonato.

NONATOQue merda é essa?

Apreensivo, Bob fecha as persianas.

BOBFicou louco? Guarda essa arma.

MARSHALLVamos ver se este espertinho tem cora-gem de continuar mentindo.

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SANDRAPeraí, chefe, isso não está no regulamento

MARSHALLFoda-se o regulamento. Quem manda aqui dentro sou eu.

BOBGuarda essa arma, Marshall.

Marshall aponta a arma para Nonato, que recua, assustado.

MARSHALLVocê tem três minutos pra contar a verdade.

NONATOEsse cara está louco!

SANDRAEle pirou... to fora!

Sai, apressada. Marshall continua apontando a arma para Nonato, que está encurralado contra a parede.

MARSHALLUm...

Bob se coloca entre Marshall e Nonato.

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BOBBasta! Isso passou dos limites, Marshall.

MARSHALLVocê tá do lado dele, agora?

BOBEu só quero impedir que você faça uma besteira. Guarda essa arma, pelo amor de Deus!

MARSHALLEste filho da puta tá mentindo... como to-dos os outros. Se fazendo de coitadinhos pra invadirem nosso país...

BOBSe você não guardar essa arma agora eu vou te denunciar ao departamento. Tô falando sério.

MARSHALLE o que você acha que vão fazer comigo, hein? Me suspender? Me demitir? Daqui a poucas horas eu já vou estar mesmo na rua.

Avança sobre Nonato, arma em punho.

MARSHALLFala cucaracha... seu tempo tá acaban-do... dois....

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Num ímpeto, Bob se atraca a Marshall, tentando arrancar-lhe a arma e os dois se engalfinham. Os dois trocam socos. A luta é feia. Na confusão, a arma escapa das mãos de Marshall e vai parar aos pés de Nonato. Ele olha a arma e não pestaneja. Agarra a pistola e a aponta para os norte-ameri-canos. Ao perceberem que Nonato está armado, Marshall e Bob detêm a luta, se soltam, agora apreensivos.A pistola treme nas mãos de Nonato.

BOBCalma, rapaz... me entrega essa arma.

Nonato aponta a arma para Marshall, determinado.Marshall o encara, surpreendido.

CENA 69. PETROLINA. IGREJA, INT. DIA.Num ato de contrição, senta-se num dos bancos, baixa a cabeça, começa a rezar, baixinho. Mas aos poucos, sua contrição se desfaz. Marshall desiste de rezar, sem nenhum conforto. Ele olha novamente a imagem de Cristo, mas esta agora parece diferente, fria, apenas uma figura de madeira ou pedra sabão.Marshall abandona a igreja, amargurado.

CENA 70. CORTADA.

CENA 71. PETROLINA, PRAÇA. EXT. DIABeatriz chega à Praça da Igreja e não vê Marshall, fica preocupada. Sai andando à procura dele.

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CENA 72. PETROLINA, PONTE, EXT. DIAO sol está se pondo.Apoiado à amurada da ponte, Marshall observa o Rio São Francisco. Barcos trafegam a distância, sumindo no lusco-fusco das águas. É uma bela visão, mas Marshall parece amargurado. Ele tem uma garrafa de cachaça na mão, e bebe pelo gargalo longos goles.

CENA 73. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DO INTERROGATÓRIO. INT. NOITENonato aponta a arma para Marshall, agora decidido.Marshall aguarda, mantendo a frieza. Bob está em pânico.

BOBMe entregue essa arma, rapaz... antes que alguém se machuque

NONATONão se mete. Meu assunto é com o Mister Olhos Azuis aqui...

MARSHALLO que pretende fazer, hein, filho? Me obrigar a te dar o visto? Pensa que vai entrar nos Estados Unidos desse jeito?

NONATOVocê se acha muito superior, não é, Mr. Blue Eyes? Com sua pele clara e seus belos

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olhos azuis. Se acha melhor do que os outros. Esquece que há 100 anos seu pai ou seu avô é que estava aqui imploran-do pelo direito de entrar neste país. Se humilhando diante de um escroto como você que se achava igualmente superior a ele, só porque era um norte-americano puro-sangue, e não um imigrante irlan-dês morto de fome...

MARSHALLMeu avô era um irlandês morto de fome, sim, mas ao contrário de você, cucaracha, era branco e com os olhos azuis...

BOBNão o provoque, Marshall.

NONATOTer olhos azuis te torna melhor do que eu?

MARSHALLNão tenho culpa de ter nascido branco.

NONATOE eu sou culpado por ser mais escuro do que você e ter nascido no Brasil?

MARSHALLCulpa eu não sei, mas com certeza é um puta azar. Tenho certeza que você

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adoraria ter nascido branquinho e com os olhos claros...

BOBPelo amor de Deus, Marshall!

MARSHALLSó estou jogando o jogo dele...

NONATOPra você é apenas um jogo, né? Vamos jogar, então. Mas agora as regras muda-ram. E quem dá as cartas agora sou eu.

MARSHALLOba, e o que vamos jogar? Strip-poquer? Roleta-russa? Adoro jogos...

BOBVocês estão loucos!

Marshall e Nonato se encaram, desafiadores.

CENA 74. PETROLINA, PONTE. EXT. DIA.Apoiado à amurada, Marshall dá um gole na garrafa, amargurado. Olha o rio, que se estende à sua frente. Ele tira do bolso a pistola. Examina a arma, como se nunca a tivesse visto. Ele pega a arma, aponta para a própria cabeça, faz um esforço enorme para apertar o gatilho. Aperta

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os olhos, desesperado. A mão treme, ele desiste. Ele olha a arma, joga o revólver no rio. A arma afunda nas águas do São Francisco. Beatriz surge à distância, vê Marshall, se aproxima.

BEATRIZPorra, eu não falei pra você me esperar?

Ela repara na garrafa.

BEATRIZQualé, gringo? Resolveu amarelar?

MARSHALLO que eu vou dizer a ela?

BEATRIZTu veio dos States pra cá somente pra falar com essa menina e agora não sabe o que vai dizer pra ela?

MARSHALLAchei que soubesse... mas agora...

BEATRIZTu veio pedir perdão, gringo? Quer que ela te perdoe por ter matado o pai dela?

MARSHALLPerdão não vai servir pra muita coisa, agora...Já estou mesmo no fim. E eu não

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vou pro céu. Vão me barrar. A imigração lá é muito mais dura do que nos States. Vão carimbar no meu passaporte: Strai-ght to hell...

Bebe um novo gole, desiludido.

BEATRIZEscuta aqui, gringo. Tu não me arrastou pra esse fim de mundo pra ficar com esse papo baboso. Agora tu vai ter que ir até o fim. Mas de preferência, sóbrio. Chega de cachaça, por hoje. Vamos procurar um hotel, tomar um bom banho e amanhã cedo a gente vai atrás da garota. Con-segui o endereço. Ela mora numa ilha, perto daqui...

Puxa Marshall pelo braço, ele se deixa levar. So-mente então Beatriz vê a sanfona, que desaba da mão de Marshall, provocando um lamento desafinado.

BEATRIZQue merda é essa?

MARSHALLComprei... quero aprender a tocar. Você me ensina?

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BEATRIZE tu acha que eu sei tocar sanfona? Va-mos logo curar essa manguaça.

Seguem para a cidade.

CENA 75. PETROLINA. HOTEL. QUARTO. INT. NOITE.Beatriz dorme nua esparramada pela cama. Ao lado dela, insone, Marshall fuma um cigarro. A garota se mexe na cama, apalpa o lado de Mar-shall, percebe que ele não está deitado.

BEATRIZVem dormir, homem...

Marshall não se move, segue fumando o cigarro. A brasa brilha na escuridão do quarto.

CENA 76. FLASH-BACK. AEROPORTO, SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITENonato continua apontando a arma para Marshall e Bob. Bob muito nervoso, Marshall desafiador.

MARSHALLSe vamos jogar, podemos beber também? Os jogos ficam muito mais interessantes acompanhados de um legítimo bourbon do Mississipi...

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Serve dois copos, estende um para Nonato.

NONATOFica onde está, não tente nenhuma gra-cinha...

MARSHALLPrefere jogar a seco? Ok., mas não há razão para desperdício...

Bebe os dois copos, em goles rápidos.Se apruma, decidido.

MARSHALLEstou pronto... o que vamos jogar?

CENA 77. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE ESPERA. INT. NOITESandra entra na sala e vê Nonato apontando a arma para Marshall e Bob. Se apavora.

SANDRACaralho!

Ela sai correndo desesperada, deixando a porta en-treaberta. Corre pelo saguão, alarmando os demais estrangeiros ali detidos. Pela porta entreaberta, Assumpta e Martin veem Nonato apontando a arma para Marshall. Se assustam, também.

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MARTINIsso não pode estar acontecendo... daqui a pouco isso vai estar cheio de policiais... Nós estamos fodidos.

ASSUMPTADeixa de ser covarde. Isso pode acabar nos ajudando.

Ela olha para a sala. Nonato aponta a arma para Marshall, decidido. Entredentes.

ASSUMPTAMate esse escroto. Mata.

CENA 78. FLASH-BACK. AEROPORTO, SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITENonato caminha pela sala, com a arma apontada para Marshall e Bob.

NONATOUm jogo que eu inventei... olhos negros x olhos azuis...

MARSHALLÉ para fazer o quê? É para piscar os meus olhinhos azuis, meu bem?

NONATOFica onde está. Agora você é aquele que é detido na fronteira, interrogado, tratado

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como lixo. Agora, no nosso jogo, quem tem olho azul é que é um merda, sem nenhum direito. Entendeu agora?

MARSHALLVá em frente!

Nonato adota uma postura diferente, como se fosse o outro, investido de autoridade e poder imanente. Senta-se na mesa de Marshall. Pega a garrafa de whisky, derrama algumas doses num copo e bebe de uma só vez. Enche mais o copo e fica com ele na mão, enquanto mantém a arma apontada na outra.

NONATOO chefe agora sou eu. Você quer que eu lhe dê o visto para entrar nos Estados Unidos?

MARSHALLEu sou daqui, não preciso de visto.

NONATOSerá que os babacas que têm olho azul não têm imaginação? Não podem abstrair um pouco? Eu te perguntei o seguinte: você quer o visto pra entrar na América do Norte ou não?

MARSHALLQuero.

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NONATOIsso... entendeu as regras do jogo. E por quê você quer entrar neste país, meu filho?

MARSHALLEu tenho o direito de entrar. Sou um homem honesto, trabalhador, educado e por isso tenho direito ao visto. Além do mais, tenho endereço fixo, contra-cheque. Sou viúvo e posso mostrar a certidão de casamento...

Seco e frio, Nonato corrige.

NONATONão lhe perguntei se você era honesto, se era viúvo, se chorou muito quando tua mulher empacotou. Eu perguntei se queria um visto ou não.

MARSHALLNão sou como a maioria dos que pedem visto, que mentem pra entrar.

Nonato consulta Bob.

NONATOFoi isso que eu perguntei? Imigrante de merda, será que não entende uma simples pergunta? Ok., já que não tem

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alcance pra responder uma coisa simples dessa, vamos mudar de pergunta. O que você pretende fazer aqui?

CENA 80. PETROLINA. RIO S.FRANCISCO, BARCA, INT. EXT. DIA.Uma pequena barca atravessa o Rio São Fran-cisco. Marshall e Bia estão na barca. Marshall está de banho tomado, penteado e de barba aparada. Aspecto sóbrio. Carrega uma bolsa a tiracolo. Ele observa o rio, enquanto a barca segue em direção à ilha.

CENA 81. PETROLINA, ILHA, EXT. DIA.A barca atraca num pequeno píer e os passa-geiros descem. Marshall observa o lugar. É uma pequena aldeia, formada por uma única rua. Uma pequena igreja ocupa o centro da aldeia. Casas simples, apenas caiadas, com antenas parabólicas. A rua é de terra. Galinhas, bodes e porcos perambulam pela rua, sem se importar com os recém-chegados. Marshall e Bia se apro-ximam da rua, observando as casas. A presença do estrangeiro chama a atenção dos moradores. Eles se detêm ante a uma pequena casa, tão igual às outras.

BEATRIZÉ aqui.

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Se aproximam da casa, que está fechada. Beatriz avança até a porta, bate palmas.

BEATRIZÓ de casa?

Ninguém responde. Uma vizinha velha como o tempo surge numa das casas, olha o casal, estra-nhando. Depois, torna a desaparecer.Beatriz insiste, bate palmas ainda mais alto. Fi-nalmente, escutam a tramela da porta se abrin-do. Uma senhora bem morena, de cabeleira bem lisa e branca, vestida de forma humilde, surge no alpendre. Ela estranha os recém-chegados.

VELHA (D. SOCORRO)Sim?

BEATRIZ (EM PORTUGUÊS)

Bom-dia. Nós estamos procurando a Luiza.

VELHA (D. SOCORRO)É minha neta. O que vocês querem com ela? Vocês são da escola?

BEATRIZNão. A senhora é a mãe do Nonato?

VELHA (D.SOCORRO)Sou sim.

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BEATRIZ ( À PARTE, PARA MARSHALL)É a mãe dele.

Marshall olha a velha, constrangido.

D. SOCORROVocês eram amigos do Nonato? Ele morreu...

BEATRIZA gente tá sabendo... ele... é... era o pa-trão do Nonato.

D. SOCORROPatrão? O patrão norte-americano? O senhor veio dos Estados Unidos até aqui... Por favor, entrem. Não reparem que a casa é de pobre. Por aqui, mister...

Marshall não entende, Beatriz o força a entrar. Eles entram na casa.

CENA 82. PETROLINA. CASA DE SOCORRO. SALA, INT., DIA.A casa é pobre, mas arrumadinha. Alguns ele-trodomésticos de última geração dividem espaço com uma mobília escura e austera dos tempos coloniais. Numa arca, há uma espécie de altar repleto de fotos de Nonato, em diversas idades. Marshall olha o altar constrangido. D. Socorro

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mostra a eles uma foto de Nonato de beca e bar-rete, com o diploma na mão, posando orgulho-so. Nonato e Marieta. Marieta grávida. Nonato embalando um bebê. Beatriz vai traduzindo em voz baixa tudo o que a velha fala.

D. SOCORRO...Essa aqui foi quando ele finalmente se formou. História, pela Universidade Fede-ral do Pernambuco... Ele sempre gostou de dar aula, sabe? Mas a vida de professor é muito sacrificada, ainda mais na rede pública. E depois que nasceu a menina, ficou difícil pra ele sustentar a filha e a mim, somente com o salário de professor. Depois que ele separou da esposa, come-çou com essa idéia de ir pra América do Norte. Disse que lá ia ter mais condições de arrumar dinheiro. E a verdade é que durante muito tempo as coisas estiveram boas. Todo mês ele mandava um dinhei-rinho pra gente. Eram 500 dólares num mês, 1.000 no outro, e assim ia. A gente nessa época morava no Recife. Tinha uma boa casa lá. Mas aí aconteceu a desgra-ça... perdemos tudo, tivemos que voltar pra cá. A menina sofreu muito, primeiro pela morte do pai, depois por ter que deixar o Recife, a escola, os amiguinhos...

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Marshall olha a velha, constrangido.

MARSHALLMinha senhora... nem sei como dizer isso... eu...

D. SOCORROFoi acidente de trabalho?

MARSHALLHein?

D. SOCORRODisseram que foi um acidente de trabalho. Ele foi enterrado lá mesmo, nunca conse-gui que a embaixada mandasse o corpo. Não entendi direito, mas disseram que ele oficialmente nunca viveu nos Estados Unidos. Vá entender uma coisa dessas? Ele morou quase dez anos lá, trabalhou, tinha casa, carro, mandava dinheiro pra gente... e eles dizem que ele nunca esteve lá? O senhor era patrão dele... me diz, o que foi que realmente aconteceu?

MARSHALL (PARA BEATRIZ)O que ela perguntou?

BEATRIZEla quer saber como o filho dela morreu.

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CENA 83. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. NOITENonato bebe um gole do whisky, balança a arma provocadoramente para Marshall.

NONATOO que você pretende fazer nos Estados Unidos?

Marshall reflete e responde.

MARSHALL (NA DÚVIDA)Trabalhar?

NONATO (COM IRONIA)Trabalhar...?

MARSHALL...Que nem um camelo...

NONATOA palavra certa é escravo.

MARSHALLCamelo. Que diferença faz?

NONATOEu disse escravo! Você repete: Es-cra-vo! Não aceitou as regras do jogo?

MARSHALLEscravo... vou trabalhar 15 horas por dia, juntar dinheiro e mandar para a minha madrecita.

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NONATOEssa lengalenga de trabalhar, poupar, é conversa fiada de olhinhos azuis. Os olhinhos azuis mentem, casam por inte-resse. Trabalham muito, dormem pouco, comem mal, enchem a pança de cerveja e assistem TV. Me diz uma coisa, olhos azuis… você gostaria de ir a um show da Broadway? Subir no Empire State e tirar uma foto lá de cima? Quer ver um jogo do New Yorkers?

MARSHALLClaro, por que não?

NONATOVocê não faria isso porque é um imigran-te que só quer saber de ganhar dinheiro, poupar e se mandar. Não, não ia querer gastar dólar com diversão. Vieram pra cá atrás do paraíso, mas vivem num inferno. São escravos, mas morrem de medo de serem expulsos do paraíso.

MARSHALLEsses são vocês!

NONATONão, isso é no que vocês transformaram a gente, olhos azuis. Mas apesar de tudo,

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nós sobrevivemos. Vocês não resistiriam à metade do que nós passamos. Você daria tudo pra ser um cucaracha, né, olhinhos azuis? Uma barata de casca dura que resis-te a tudo. Você é apenas um verme mole de olhos azuis que sabe que seus dias na Terra estão contados. E é por isso que você nos odeia. Por que, no fundo, você sabe que nós somos melhores do que vocês.

Marshall tenta balbuciar algo, mas não consegue. Nonato percebe que venceu, sente-se triunfante.

NONATOEntão, Mr. Blue Eyes? Qual a sensação de ser apenas um merda?

Súbito, uma luz vermelha atinge o peito de Nonato. Ele se surpreende e quando finalmente se dá conta, olha para frente. Pela porta entre-aberta, seguindo o facho de luz vermelha ele vê um policial apontando um enorme rifle em sua direção. Mal tem tempo de reagir. Escuta-se um estampido seco. Nonato tomba fulminado sobre a cadeira. De seu peito, irrompe uma borbulha de sangue.Marshall e Bob se entreolham assustados.Imediatamente, a porta da sala é arrombada e surge um grupo de policiais que apontam suas armas para os dois.

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POLICIALFreeeze!

Marshall e Bob são agarrados pelos policiais e empurrados contra a parede, com alguma brutalidade.

BOBPeraí, somos os reféns!

O chefe dos policiais se aproxima de Nonato, chuta a arma para longe. Marshall e Bob conti-nuam contidos pelos policiais. O chefe da SWAT examina o corpo, e com um sinal informa que Nonato está morto. Sandra invade a sala, abrin-do caminho entre os policiais da SWAT. Olha o morto, assustada.

SANDRAPorra, chefe, que merda você fez???

Marshall apenas olha o corpo de Nonato.Caído sobre a cadeira, olhos abertos, a expressão de Nonato é de perplexidade.

CENA 84. PETROLINA. CASA D. SOCORRO, SALA, INT. DIA.Marshall parece quase sufocando, é grande a sua pressão.

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MARSHALL (EM INGLÊS)A culpa foi toda minha. Eu matei o seu filho. Eu fui um filho-da-puta arrogante. Estava cego pela minha arrogância e pelo meu preconceito. E pela minha inveja. No fundo, era só isso: eu tinha inveja dele. Eu o matei. Eu sei que não tenho esse direito, mas eu vim aqui pedir o seu perdão... se a senhora puder me perdoar.

Segura as mãos da velha, emocionado.Dona Socorro olha Marshall muito profunda-mente, como se o lesse através dos olhos. Mas sua expressão alterna de compreensão para a mais banal dúvida.

D.SOCORROQue é que foi que o gringo disse?

BEATRIZEle disse que... gostava muito seu filho. Disse que a senhora devia se orgulhar por ter um filho tão honesto, trabalhador e querido. Disse que o Nonato era seu melhor empregado. E que a perda dele foi sentida por todos os seus colegas na empresa. Ele disse que se sente respon-sável pela morte do seu filho, já que ele faleceu num acidente de trabalho. E é por isso que ele fez questão de vir até aqui,

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pessoalmente, para entregar-lhe uma indenização financeira. Ele sabe que a vida do seu filho vale muito mais do que qualquer dinheiro, mas que ele espera com isso poder dar condições melhores para a senhora e para a menina.

D. SOCORROMesmo? Puxa, obrigada, obrigada...

Abraça Marshall, visivelmente emocionada. Mar-shall não entende nada. Olha Beatriz, aturdido.

MARSHALLO que você disse pra ela???

BEATRIZA verdade. Que você veio aqui pagar pelos seus pecados. Pois então pague. Em espécie.

Marshall fica atordoado. Então, saca a carteira, abre o talão de travellers-checks, assina todos, destaca e entrega a D. Socorro.

BEATRIZIsso a senhora troca num banco por reais.

D. Socorro coloca os óculos, examina os travel-lers-checks, se assusta.

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D.SOCORRONossa, quantos zeros... é muito, né?

BEATRIZMas é só um adiantamento. Quando ele vol-tar pros States, ele manda mais, né, mister?

Marshall assente com a cabeça.

D.SOCORRONem sei como agradecer...

BEATRIZNão precisa agradecer. Ele fica feliz por poder ajudar a senhora...

CENA 85. FLASH-BACK. AEROPORTO, SALA DE INTERROGATÓRIO. INT, DIA.Os primeiros raios de sol invadem a sala, pela janela estilhaçada.Paramédicos estão terminando de colocar o corpo de Nonato num saco. Marshall dá uma última olhada no rosto de Nonato, antes do zíper ser fechado. Eles levam o corpo para fora. A sala está cheia de policiais e peritos. Um deles fotografa tudo. A arma. A mancha de sangue. A garrafa de whisky quase vazia. Próximo à porta, Bob é interrogado por um detetive à paisana. Marshall observa tudo, meio estático. Sandra o observa, com rancor.

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SANDRABelo jeito de encerrar a carreira, chefe.

MARSHALLNão precisa me chamar mais de chefe, Sandra. Já são seis horas. Estou oficial-mente aposentado.

Sandra balança a cabeça com desdém, se afasta. Cruza por Bob, que acabou de ser interrogado. Os dois trocam olhares. Ela segue em direção ao detetive, que a interroga. Bob se aproxima de Marshall, perplexo.

BOBVou ter que reportar tudo o que aconte-ceu aqui, Marshall.

MARSHALLFaça o que tem que ser feito. Agora você é o chefe. Enviei sua recomendação ontem mesmo, antes de começarmos o expediente.

BOBPor quê, Marshall??

MARSHALLEu sabia que ele estava mentindo.

BOBQuantos não mentiram antes? E nem por isso deixamos de dar o visto pra eles...

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MARSHALLVai ver eu queria uma medalha, pelos meus bons serviços... Pra me gabar, enquanto estivesse curtindo minha aposentadoria.

BOBVocê é um grande filho da puta,

Abandona a sala, transtornado.

CENA 86. FLASH-BACK. AEROPORTO. SALA DE ESPERA. INT. DIA.Assumpta e Martin veem o corpo de Nonato sen-do retirado pelo saguão. Martin olha o aquário, onde vê Marshall cercado pelos policiais.

MARTINNo fundo, a América do Norte é isso. Uma terra de assassinos. Devíamos mesmo era pegar o próximo avião e voltar pra nossa casa.

ASSUMPTANão seja pendejo! É a nossa chance.

Bob está no saguão, arrasado. Assumpta o vê, e decide, puxa Martin pela mão e abordam Bob.

ASSUMPTAE a gente? O que vai acontecer com a gente?

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BOBVocês? Ah... vou pegar seus passaportes. Estão liberados.

Sensação de alívio de Assumpta e Martin. Eles se beijam. Bob faz menção de entrar na sala, Assumpta se adianta.

ASSUMPTAMeu livro.

BOBHã?

ASSUMPTAPodia me devolver o meu livro?

BOBClaro.

Ele entra na sala e retorna com os passaportes e o livro. Entrega-os ao casal.Bob chega até Assumpta, lhe entrega o livro.

BOBÉ uma bela edição. Acredito que os poe-mas sejam muito bons, também.

Assumpta sorri, agradecida e sensual.

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ASSUMPTAOs dele são muito melhores.

BOBMesmo?

ASSUMPTADepois eu te mando um exemplar. Venho pessoalmente entregá-lo.

BOBEu ficarei agradecido. Bem... Sejam bem-vindos aos Estados Unidos. Perdoem-nos por todo esse desagradável inconveniente.

Martin e Assumpta correm pelo saguão do ae-roporto.

MARTINPrecisava ficar se oferecendo pra’quele filho da puta?

ASSUMPTAEu? Deixa disso. O importante é que es-tamos dentro. Vamos embora, tô louca pra sair desse aeroporto. Vamos. Ou prefere voltar pra Recoleta e sua bela luz matinal?

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Eles trocam olhares, ele se decide. Assumpta e Martin se apressam a sair dali.Eles cruzam a porta do aeroporto. Somente ago-ra vemos um vislumbre do exterior. O skyline da cidade ao fundo. A luz explode em seus rostos. Eles se abraçam.Desaparecem na claridade.

CENA 87. PETROLINA. CASA D. SOCORRO, SALA, INT. DIA.Marshall está olhando as fotos de Nonato no altar.

MARSHALLE a menina? Queria ver a menina?

BEATRIZSim, e a Luiza? Ele faz questão de conhe-cer a filha do Nonato...

D.SOCORROEla deve estar tomando banho de rio com os amiguinhos...

CENA 88. PETROLINA, ILHA, BEIRA DO RIO. EXT. DIA.Marshall e Beatriz caminham em direção à riban-ceira do rio. Para diante de uma praia.

D. SOCORRO (VOICE-OVER)... é perto daqui... seguindo a rua prin-

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cipal, descendo a ribanceira, vocês vão encontrá-la...

Marshall avista um grupo de meninas e meninos tomando banho na beira do rio.

As crianças brincam na água, correm pela areia, dão saltos acrobáticos dentro d´água.Beatriz reconhece Luisa entre as crianças, indica a Marshall.

BEATRIZÉ ela, Luiza.

Marshall olha a menina, emocionado. Reluta, mas finalmente se decide.Beatriz faz menção de acompanhá-lo, ele a de-tém, com um gesto. Segue sozinho, ribanceira abaixo, em direção à praia. Beatriz dá com os ombros, senta-se numa pedra, acende um basea-do. Observa Marshall se aproximar das crianças.

CENA 89. AEROPORTO, SALA DE INTERROGA-TÓRIO. INT. DIA.Marshall continua parado no meio da sala, em meio à movimentação dos policiais. Um deles recolhe a bolsa de mão de Nonato. Coloca sobre a mesa, revista. Ele retira de dentro da bolsa algumas peças de roupa, a handycam. Segue

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revistando a valise. Sem que o policial perceba, Marshall pega a câmera e a examina.Marshall liga a câmera. Imagens amadoras mostram cenas de Nonato com sua filha. Eles brincam, se abraçam. Marshall avança a fita. INSERT – Imagens em vídeo. Luisa, com uma sanfoninha no colo, fala para a câmera.

LUISA (PARA A CÂMERA)Pai, volta logo, te amo de paixão.

A imagem acaba. Apenas o azul da fita não gravada. Marshall não entende o que ela fala, mas parece compreender. Marshall olha a câmera, aturdido. Marshall esconde a handycam dentro de uma gaveta, debaixo de pastas e documentos. O policial pega a bolsa de Nonato e a retira de perto de Marshall, sem perceber que ele pegou a câmera. Dois policiais fardados se aproximam.

POLICIALVamos?

Marshall assente. Um dos policiais algema Marshall.Eles arrastam Marshall para fora da sala.

CENA 90. PETROLINA. BEIRA RIO. EXT. DIA.Marshall se aproxima pela praia. Observa as

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crianças. Elas continuam brincando na água. Luisa parece uma das mais felizes. Marshall faz menção de chamá-la, mas se detém. Algo constrangido. Senta-se na areia, fica observando as crianças.As crianças reparam naquele homem branco e acham-no engraçado, riem-se dele. As crianças saem da água, Luisa se aproxima de Marshall. Ele a observa, sorri para ela. Então repara nos incríveis olhos azuis da menina. Se surpreende. Os amigos de Luisa chamam-na, insistentes.Ela corre em direção aos colegas. Antes que ela se afaste.

MARSHALLLuisa!

Ela se detém, estranhando ser reconhecida. Olha para Marshall. Ele apenas acena para ela. Ela estranha, retribui o aceno, se reúne com os amiguinhos. Todos curiosos em saber quem era o sujeito. Ela cochicha algo com eles, eles olham Marshall, riem.Eles se afastam, correndo pela beira do rio. Beatriz se aproxima, senta-se ao lado de Marshall.Eles sequer se olham. Olham o rio, à frente.O belo rio à sua frente.

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LETREIRO:O mundo todo estava diante delesPara escolherem, lá, Um lugar para o seu descanso. A providência era o seu guia. De mãos dadas, Com passos incertos e lentos, Tomaram, através do Éden, O seu caminho solitário.

(Milton – Paraíso Perdido, Livro XII )

Rio de Janeiro, 16.11.2006/7.2.2007/13.3.2007/31.3.2007/4.06.2007/16.6.2007

FIM

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Índice

No Passado Está a História do Futuro – Albert Goldman 5

Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7

Apresentação – José Joffily

Versão Blue6A – 1º de março de 1999 11

7º Tratamento – 24 de setembro de 2007 197

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Crédito das Fotografias

Estevam Avellar (Sala da Migra) 219, 221, 243, 375

Fred Jordão (Recife) 204, 210, 212, 213, 214, 408

Helder Tavares (Petrolina) 217, 226, 251, 253, 324, 326, 348, 405, 407

A despeito dos esforços de pesquisa empreendidos pela Editora para identificar a autoria das fotos expostas nesta obra, parte delas não é de autoria conhecida de seus organizadores. Agradecemos o envio ou comunicação de toda informação relativa à autoria e/ou a outros dados que porventura estejam incompletos, para que sejam devidamente creditados.

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Coleção Aplauso

Série Cinema Brasil

Alain Fresnot – Um Cineasta sem AlmaAlain Fresnot

Agostinho Martins Pereira – Um IdealistaMáximo Barro

Alfredo Sternheim – Um Insólito DestinoAlfredo Sternheim

O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger

Anselmo Duarte – O Homem da Palma de OuroLuiz Carlos Merten

Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da AlmaRodrigo Murat

Ary Fernandes – Sua Fascinante HistóriaAntônio Leão da Silva Neto

O Bandido da Luz VermelhaRoteiro de Rogério Sganzerla

Batismo de SangueRoteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton

Bens ConfiscadosRoteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos Reichenbach

Braz Chediak – Fragmentos de uma VidaSérgio Rodrigo Reis

Cabra-CegaRoteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo Kauffman

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O Caçador de DiamantesRoteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro

Carlos Coimbra – Um Homem RaroLuiz Carlos Merten

Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de ViverMarcelo Lyra

A CartomanteRoteiro comentado por seu autor Wagner de Assis

Casa de MeninasRomance original e roteiro de Inácio Araújo

O Caso dos Irmãos NavesRoteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person

O Céu de SuelyRoteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias

Chega de SaudadeRoteiro de Luiz Bolognesi

Cidade dos HomensRoteiro de Elena Soárez

Como Fazer um Filme de AmorRoteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José Roberto Torero

O Contador de HistóriasRoteiro de Luiz Villaça, Mariana Veríssimo, Maurício Arruda e José Roberto Torero

Críticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e GenerosidadeLuiz Antonio Souza Lima de Macedo

Críticas de Edmar Pereira – Razão e SensibilidadeOrg. Luiz Carlos Merten

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Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção: Os Anos do São Paulo ShimbunOrg. Alessandro Gamo

Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão – Analisando Cinema: Críticas de LGOrg. Aurora Miranda Leão

Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de SerOrg. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak

De PassagemRoteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias

DesmundoRoteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui

Djalma Limongi Batista – Livre PensadorMarcel Nadale

Dogma Feijoada: O Cinema Negro BrasileiroJeferson De

Dois CórregosRoteiro de Carlos Reichenbach

A Dona da História Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho

Os 12 TrabalhosRoteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias

EstômagoRoteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade

Feliz NatalRoteiro de Selton Mello e Marcelo Vindicatto

Fernando Meirelles – Biografia PrematuraMaria do Rosário Caetano

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Fim da LinhaRoteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards de Fábio Moon e Gabriel Bá

Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil Luiz Zanin Oricchio

Francisco Ramalho Jr. – Éramos Apenas PaulistasCelso Sabadin

Geraldo Moraes – O Cineasta do InteriorKlecius Henrique

Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo Luiz Zanin Oricchio

Helvécio Ratton – O Cinema Além das MontanhasPablo Villaça

O Homem que Virou SucoRoteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane Abdallah e Newton Cannito

Ivan Cardoso – O Mestre do TerrirRemier

João Batista de Andrade – Alguma Solidão e Muitas HistóriasMaria do Rosário Caetano

Jorge Bodanzky – O Homem com a CâmeraCarlos Alberto Mattos

José Antonio Garcia – Em Busca da Alma FemininaMarcel Nadale

José Carlos Burle – Drama na ChanchadaMáximo Barro

Liberdade de Imprensa – O Cinema de IntervençãoRenata Fortes e João Batista de Andrade

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Luiz Carlos Lacerda – Prazer & CinemaAlfredo Sternheim

Maurice Capovilla – A Imagem CríticaCarlos Alberto Mattos

Mauro Alice – Um Operário do FilmeSheila Schvarzman

Máximo Barro – Talento e AltruísmoAlfredo Sternheim

Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da SombraAntônio Leão da Silva Neto

Não por AcasoRoteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo

Narradores de JavéRoteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu

Olhos AzuisArgumento de José Joffily e Jorge DuranRoteiro de Jorge Duran e Melanie Dimantas

Onde Andará Dulce VeigaRoteiro de Guilherme de Almeida Prado

Orlando Senna – O Homem da MontanhaHermes Leal

Pedro Jorge de Castro – O Calor da TelaRogério Menezes

Quanto Vale ou É por QuiloRoteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi

Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar Rodrigo Capella

Rodolfo Nanni – Um Realizador PersistenteNeusa Barbosa

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Salve GeralRoteiro de Sergio Rezende e Patrícia Andrade

O Signo da CidadeRoteiro de Bruna Lombardi

Ugo Giorgetti – O Sonho IntactoRosane Pavam

Viva-VozRoteiro de Márcio Alemão

Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no PlanaltoCarlos Alberto Mattos

Vlado – 30 Anos DepoisRoteiro de João Batista de Andrade

Zuzu AngelRoteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende

Série Cinema

Bastidores – Um Outro Lado do CinemaElaine Guerini

Série Ciência & Tecnologia

Cinema Digital – Um Novo Começo?Luiz Gonzaga Assis de Luca

A Hora do Cinema Digital – Democratização e Globalização do AudiovisualLuiz Gonzaga Assis De Luca

Série Crônicas

Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeçasMaria Lúcia Dahl

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Série Dança

Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança UniversalSérgio Rodrigo Reis

Série Música

Maestro Diogo Pacheco – Um Maestro para TodosAlfredo Sternheim

Rogério Duprat – Ecletismo Musical Máximo Barro

Sérgio Ricardo – Canto Vadio Eliana Pace

Wagner Tiso – Som, Imagem, AçãoBeatriz Coelho Silva

Série Teatro Brasil

Alcides Nogueira – Alma de CetimTuna Dwek

Antenor Pimenta – Circo e PoesiaDanielle Pimenta

Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral Alberto Guzik

Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como OficioOrg. Carmelinda Guimarães

Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e Uma Paixão Org. José Simões de Almeida Júnior

Federico Garcia Lorca – Pequeno Poema InfinitoAntonio Gilberto e José Mauro Brant

Ilo Krugli – Poesia RasgadaIeda de Abreu

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João Bethencourt – O Locatário da ComédiaRodrigo Murat

José Renato – Energia EternaHersch Basbaum

Leilah Assumpção – A Consciência da MulherEliana Pace

Luís Alberto de Abreu – Até a Última SílabaAdélia Nicolete

Maurice Vaneau – Artista Múltiplo Leila Corrêa

Renata Palottini – Cumprimenta e Pede PassagemRita Ribeiro Guimarães

Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBCNydia Licia

O Teatro de Abílio Pereira de AlmeidaAbílio Pereira de Almeida

O Teatro de Aimar LabakiAimar Labaki

O Teatro de Alberto GuzikAlberto Guzik

O Teatro de Antonio RoccoAntonio Rocco

O Teatro de Cordel de Chico de AssisChico de Assis

O Teatro de Emílio BoechatEmílio Boechat

O Teatro de Germano Pereira – Reescrevendo ClássicosGermano Pereira

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O Teatro de José Saffioti Filho José Saffioti Filho

O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso – Pólvora e PoesiaAlcides Nogueira

O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um tea-tro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos de Maldoror – De Profundis – A Herança do TeatroIvam Cabral

O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista VilmaNoemi Marinho

Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o ArNeyde Veneziano

O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista – O Fingidor – A Terra PrometidaSamir Yazbek

O Teatro de Sérgio RoveriSérgio Roveri

Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas em CenaAriane Porto

Série Perfil

Analy Alvarez – De Corpo e AlmaNicolau Radamés Creti

Aracy Balabanian – Nunca Fui AnjoTania Carvalho

Arllete Montenegro – Fé, Amor e EmoçãoAlfredo Sternheim

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Ary Fontoura – Entre Rios e JaneirosRogério Menezes

Berta Zemel – A Alma das PedrasRodrigo Antunes Corrêa

Bete Mendes – O Cão e a RosaRogério Menezes

Betty Faria – Rebelde por NaturezaTania Carvalho

Carla Camurati – Luz NaturalCarlos Alberto Mattos

Cecil Thiré – Mestre do seu OfícioTania Carvalho

Celso Nunes – Sem AmarrasEliana Rocha

Cleyde Yaconis – Dama DiscretaVilmar Ledesma

David Cardoso – Persistência e PaixãoAlfredo Sternheim

Débora Duarte – Filha da TelevisãoLaura Malin

Denise Del Vecchio – Memórias da LuaTuna Dwek

Elisabeth Hartmann – A Sarah dos PampasReinaldo Braga

Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da VidaMaria Leticia

Emilio Di Biasi – O Tempo e a Vida de um AprendizErika Riedel

Etty Fraser – Virada Pra LuaVilmar Ledesma

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Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte:Memória e PoéticaReni Cardoso

Fernanda Montenegro – A Defesa do MistérioNeusa Barbosa

Fernando Peixoto – Em Cena AbertaMarília Balbi

Geórgia Gomide – Uma Atriz BrasileiraEliana Pace

Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no ArSérgio Roveri

Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema Maria Angela de Jesus

Ilka Soares – A Bela da TelaWagner de Assis

Irene Ravache – Caçadora de EmoçõesTania Carvalho

Irene Stefania – Arte e PsicoterapiaGermano Pereira

Isabel Ribeiro – IluminadaLuis Sergio Lima e Silva

Isolda Cresta – Zozô VulcãoLuis Sérgio Lima e Silva

Joana Fomm – Momento de DecisãoVilmar Ledesma

John Herbert – Um Gentleman no Palco e na VidaNeusa Barbosa

Jonas Bloch – O Ofício de uma PaixãoNilu Lebert

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Jorge Loredo – O Perigote do BrasilCláudio Fragata

José Dumont – Do Cordel às TelasKlecius Henrique

Leonardo Villar – Garra e PaixãoNydia Licia

Lília Cabral – Descobrindo Lília CabralAnalu Ribeiro

Lolita Rodrigues – De Carne e OssoEliana Castro

Louise Cardoso – A Mulher do BarbosaVilmar Ledesma

Marcos Caruso – Um ObstinadoEliana Rocha

Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária Tuna Dwek

Marisa Prado – A Estrela, O Mistério Luiz Carlos Lisboa

Mauro Mendonça – Em Busca da PerfeiçãoRenato Sérgio

Miriam Mehler – Sensibilidade e PaixãoVilmar Ledesma

Naum Alves de Souza: Imagem, Cena, Palavra Alberto Guzik

Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em FamíliaElaine Guerrini

Nívea Maria – Uma Atriz RealMauro Alencar e Eliana Pace

Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das OutrasSara Lopes

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Paulo Betti – Na Carreira de um SonhadorTeté Ribeiro

Paulo José – Memórias SubstantivasTania Carvalho

Paulo Hesse – A Vida Fez de Mim um Livroe Eu Não Sei LerEliana Pace

Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado Tania Carvalho

Regina Braga – Talento é um AprendizadoMarta Góes

Reginaldo Faria – O Solo de Um InquietoWagner de Assis

Renata Fronzi – Chorar de Rir Wagner de Assis

Renato Borghi – Borghi em RevistaÉlcio Nogueira Seixas

Renato Consorte – Contestador por ÍndoleEliana Pace

Rolando Boldrin – Palco BrasilIeda de Abreu

Rosamaria Murtinho – Simples MagiaTania Carvalho

Rubens de Falco – Um Internacional Ator BrasileiroNydia Licia

Ruth de Souza – Estrela NegraMaria Ângela de Jesus

Sérgio Hingst – Um Ator de CinemaMáximo Barro

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Sérgio Viotti – O Cavalheiro das ArtesNilu Lebert

Silnei Siqueira – A Palavra em CenaIeda de Abreu

Silvio de Abreu – Um Homem de SorteVilmar Ledesma

Sônia Guedes – Chá das CincoAdélia Nicolete

Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu BairroSonia Maria Dorce Armonia

Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodriguiana?Maria Thereza Vargas

Stênio Garcia – Força da NaturezaWagner Assis

Suely Franco – A Alegria de RepresentarAlfredo Sternheim

Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra Sérgio Roveri

Theresa Amayo – Ficção e RealidadeTheresa Amayo

Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza Tania Carvalho

Umberto Magnani – Um Rio de MemóriasAdélia Nicolete

Vera Holtz – O Gosto da VeraAnalu Ribeiro

Vera Nunes – Raro TalentoEliana Pace

Walderez de Barros – Voz e SilênciosRogério Menezes

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Walter George Durst – Doce GuerreiroNilu Lebert

Zezé Motta – Muito Prazer Rodrigo Murat

Especial

Agildo Ribeiro – O Capitão do RisoWagner de Assis

Av. Paulista, 900 – a História da TV GazetaElmo Francfort

Beatriz Segall – Além das Aparências Nilu Lebert

Carlos Zara – Paixão em Quatro AtosTania Carvalho

Célia Helena – Uma Atriz VisceralNydia Licia

Charles Möeller e Claudio Botelho – Os Reis dos MusicaisTania Carvalho

Cinema da Boca – Dicionário de DiretoresAlfredo Sternheim

Dina Sfat – Retratos de uma GuerreiraAntonio Gilberto

Eva Todor – O Teatro de Minha VidaMaria Angela de Jesus

Eva Wilma – Arte e VidaEdla van Steen

Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do Maior Sucesso da Televisão BrasileiraÁlvaro Moya

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Lembranças de HollywoodDulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim

Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida Warde Marx

Mazzaropi – Uma Antologia de RisosPaulo Duarte

Ney Latorraca – Uma CelebraçãoTania Carvalho

Odorico Paraguaçu: O Bem-amado de Dias Gomes – História de um Personagem Larapista e MaquiavelentoJosé Dias

Raul Cortez – Sem Medo de se ExporNydia Licia

Rede Manchete – Aconteceu, Virou HistóriaElmo Francfort

Sérgio Cardoso – Imagens de Sua ArteNydia Licia

Tônia Carrero – Movida pela PaixãoTania Carvalho

TV Tupi – Uma Linda História de AmorVida Alves

Victor Berbara – O Homem das Mil FacesTania Carvalho

Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem IndignadoDjalma Limongi Batista

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© 2010

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Olhos azuis [Filme] / Argumento de José Joffily e Jorge Duran; roteiro de Jorge Duran e Melanie Dimantas – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2010. 432p.: il. – (Coleção aplauso.Série cinema Brasil /Coordenador geral Rubens Ewald Filho)

ISBN 978-85-7060-849-9

1. Cinema – Argumentos, temas etc 2. Cinema – Roteiros 3. Filmes brasileiros – História e crítica I. Joffily, José II. Duran, Jorge III. Dimantas, Melanie IV. Ewald Filho, Rubens. V. Série.

CDD 791.437 098 1

Índices para catálogo sistemático:1. Filmes cinematográficos brasileiros : Roteiros :

Arte 791.437 098 12.Roteiros cinematográficos : Filmes brasileiros :

Arte 791.437 098 1

Proibida reprodução total ou parcial sem autorização prévia do autor ou dos editores Lei nº 9.610 de 19/02/1998

Foi feito o depósito legalLei nº 10.994, de 14/12/2004

Impresso no Brasil / 2010

Todos os direitos reservados.

Imprensa Oficial do Estado de São PauloRua da Mooca, 1921 Mooca03103-902 São Paulo SPwww.imprensaoficial.com.br/[email protected] 0800 01234 [email protected]

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Coleção Aplauso Série Cinema Brasil

Coordenador Geral Rubens Ewald Filho

Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana

Projeto Gráfico Carlos Cirne

Editor Assistente Claudio Erlichman

Assistente Karina Vernizzi

Editoração Ana Lúcia Charnyai

Selma Brisolla

Tratamento de Imagens José Carlos da Silva

Revisão Benedito Amancio do Vale

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Formato: 12 x 18 cm

Tipologia: Frutiger

Papel miolo: Offset LD 90 g/m2

Papel capa: Triplex 250 g/m2

Número de páginas: 432

Editoração, CTP, impressão e acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Nesta edição, respeitou-se o novoAcordo Ortográfico da Língua Portuguesa

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Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site www.imprensaoficial.com.br/livraria

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