12 - vírgilio - interpretação constitucional e sincretismo metodológico

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Direito constitucional

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    S..:,.i.JA J \iL)-(qi'. lo .to).l].o -. JJ,."f14

  • INTERPRETAO CONSTITUCIONAL E SINCRETISMO METODOLGICO*

    VIRGLIO AFoNSO DA SILVA

    J. IntrodupJo. 2. O IC>cal e o universal. 3. Os princlpios de interpreta filo constitucional: 3.1 Unidade d4 consrituiilo: 3.1.1 Ausincia de hierrirquia- 3.1.2 Proibiio de interpreraM isolada-3.2 Concorddncia prdtica - 3.3 Conformidade funcional - 3.4 Efeito integrridor - 3.5 Mxima tfetiYidade - J.6 Fora normativa da constituifi'o - 3.7 Interprttado conforme a constitui9}11. 4. Mtodos de i1tterpretal)o e sincretismo metodo16gico: 4.1 DJimitaJJo ou sopesamento?. 5. Inter pretado e interpretaM constitucional. 6. O faturo da interpreta4o constitucional: um breve programa.

    "'Possibly there is no room for a truly universal theory {of the constitutional interpretation]. Aftcr all, thc Jaw, including constitutional law, can vary from country to country, and from period to period evcn in one country. Even thc mo$t basic undcrstanding of the constitution and its role in thc lifc and law of a country may be diffcrent in different countries, How can there be a theory of constitutional interpretation that spans all thue diffenncesr' (Joseph Raz, -on thc authority and interpretation of constitutions: some preliminuies in Larry Alexander (ed.). Constitutionalism: Philosophical Foundations, p. 152)

    " Aos crlticos primeiros 1eitord e amigos Conrado Httbner Mendd e Diogo llosentha1 Coutinho fica, aqui, meu agradcdmento. A Conrado HObner fica tambm o agradecimento pela oportunidade que me ofercuu para discutir este texto com os olunos da Escola de Formao (2003) da Sociedade Brasileira de Direiro Plico (sbdp). A todos esses alunos, que livremente cxerram seu esprito critico, sem se satisfazer com argumentos de autoridade, dedicado este artigo. TamWm tive a opor tunidade de debater as idias aqui defendidas com meus colegas do grupo de pesquisa da Escola de Direito de So Paulo (FGV/EDESP). Na medida do posslvel, procurei aperfeioar o texto com base nos comentrios feitos.

    \

  • 116 INTERPRETAO CONmTUCONAL

    1. Introduo

    Uma das certezas mais difundidas no direito constitucional bra sileiro atual est ligada forma de interpretao da constituio. Nesse campo h uma diviso facilmente perceptvel entre o arcaico e o moderno. Arcaico crer que a interpretao da constituio deve ser feita segundo os cnones sistematizados por Savigny ainda na metade do sculo XIX.1 Moderno condenar os mtodos tradicionais e dizer que eles, por terem carter exclusivamente privatista, no so as ferra mentas adequadas para a interpretao da constituio. Ser moderno , em suma, falar em mtodos e princpios de interpretao exclusiva mente constituconal.2

    Uma breve olhada nos tpicos deste artigo pode, talvez, passar a falsa impresso de que farei, aqui, mais uma apologia a esses mtodos e princpios exclusivos do direito constitucional. No o caso. Diante das minhas dvidas acerca desses princpios e mtodos de interpreta o constitucional, e de sua funo no discurso jurdico, no me furtarei a fazer, aqui, uma anlise sobre o tema. Nesse sentido, este traba lho menos uma proposio de novos mtodos, e mais uma tentativa de anlise sistemtica do estgio atual da discusso.>

    No dificil perceber que a doutrina jurdica recebe de forma muitas vezes pouco ponderada as teorias desenvolvidas no exterior. E, nesse cenrio, a doutrina alem parece gozar de uma posio privilegiada, j que, por razes desconhecidas, tudo o que produzido na literatura jurdica germnica parece ser encarado como revestido de uma aura de cientifi.cidade e verdade indiscutfveis. No mbito da interpretao constitucional o caso pode ser considerado como ainda mais peculiar, j que no se trata da recepo de um modelo terico

    1. Deixando dt lado as posslvcis variaes terminol6gicas, os tnones de interpretao sistematiudos por Savigny so: interpretao gramatial, lgica, histrica e sistemtica (cf. Friedrich Carl von Savigny, System des hevtigm rlJmischen Rechts, pp. 212 e SS.).

    2 . .. Moderno" , alib, um adjetivo usado quase sempre como sinnimo de argumento de autoridade': Opinio abaliz.ada aquela que segue a "doutrina mais moderna': que nada mais do que aquela defendida por quem usa essa c:xpte$So. Falar em "direito constitucional moderno" ou em prindpios da moderna interpretao constitucional" E, assim, uma forma de se autolegitimar.

    3. C(, contudo, algumas ptop

  • INTERPRETAO CONSTITIJOONAL E SJNCJtETISMO METODOl.GICO 117

    1!11raizado e sedimentado em um determinado pas. B possvel que se imponha que os "novos" mtodos de interpretao constitucional N!ljnm mtodos longamente desenvolvidos pela doutrina jurdica alem e aplicados sistematicamente pelo Tribunal Constitucional daquele pas. No o so. Nesse caso, no se pode falar de uma "importao" 1lc um modelo alemo de interpretao constitucional. E por uma 1111.o bvia: um tal modelo no existe. Os princfpios de interpretao constitucional a que a doutrina brasileira, de forma praticamente uni.: forme, faz referncia so aqueles referidos por Konrad Hesse em seu manual de direito constitucional.4 No caso dos mtodos a referncia h;tseia-se no famoso artigo de Ernst-Wolfgang Bckenfrde sobre mtodos de interpretao constitucional.5 A partir dessa constatao "que ser, ainda, discutida mais adiante-, formulo algumas pergunt11s que serviro de base para a anlise contida neste trabalho:

    (1) Podem ser esses mtodos e prindpios considerados como universais?

    (2) Podem ser eles ao menos considerados como mtodos e prindpios de interpretao da Constituio Alem?

    (3) Tm eles realmente algum significado especial para a interl>retao constitucional?

    (4) H como se falar, de forma genrica, em princpios de interpretao constitucional?

    (5) So os mtodos compatveis entre si? So eles compatlveis com os princpios de interpretao constitucional?

    Tendo como fio condutor essas perguntas, o estudo que se segue est estruturado da seguinte forma: o tpico 2 dedicado a uma indagao acerca da importncia e da difuso do catlogo de princpios de interpretao constitucional de Hesse em seu pas de origem; o tpico 3 e seus subtpicos ocupam-se de uma breve anlise de cada um desses princpios de interpretao; no tpico 4 a discusso concentrase no problema dos mtodos de interpretao e da compatibilidade

    4. Cf. Konrad Hes.se, Grundzage da Vafassungsrechts der Bundtsrtpublik Dtutschland, 2, m. ns. de margem 70 e ss., pp. 26 e ss:

    5. Cf. Emst-Wolfgang Bdcenfrde, "Die Methoden der Verfassuopinterpreta tion: Bestandaufnahme und Kritik", in Staat, Verfassung, Dtmokratie: Studim zur Verfassungstlteorie und zum Verfiwungsrecltt, pp. 56 ss.

  • 118 INTERPRETAO CONSTlnJCIONAL

    entre eles; como concluso (tpico 5), so feitas breves consideraes sobre algumas razes da busca por mtodos exclusivamente constitu cionais; por fim, no ltimo tpico ( 6) sugerido um programa para a discusso vindoura acerca do tema interpretao constitucional.

    2. O local e o universal

    No h indkios de que Hesse quisesse criar uma teoria geral da interpretao constitucional. O dtulo do seu manual, por si s6, j aponta para uma confirmao disso. Trata-se de um curso de direito constitucional alemo.' Nessa obra, Hesse elenca os seguintes prind pios de interpretao constitucional: (1) unidade da constituio; (2) amcordnda prtica; (3) conformidade funciona ( 4) efeito integrador; (S) fora normativa da constituio.

    Uma lista semelhante difkil de ser encontrada em outras obras de direito constitucional alemo. Uma breve anlise dos principais compndios de direito constitucional alemo pode dar uma idia disso. No se pretende, aqui, fazer uma estudo baseado em manuais universitrios.7 Mas, visto que normalmente tais obras pretendem fornecer uma viso global de um determinado ramo do direito em um determinado pars, de se esperar que, no caso do direito constitucional, tais prindpios de interpretao sejam ao menos mencionados nesse tipo de trabalho. ,Pntrento,..Pr

  • INTERPRETAO CONSTITUCIONAL E SINCRETISMO METOOOLGICO 119

    tuio. Maunz e Zippelius, que tambm dedicam um tpico interpretao constitucional, igualmente no mencionam os princpios acima elencados.9 Em Pieroth e Schlink pode ser encontrada apenas uma referncia interpretao sistemtica, que no faz parte do rol dos "modernos" mtodos de interpretao constitucional.1 Stein e Frank mencionam tambm apenas mtodos "arcaicos' como interpretao gramatical, histrica e teleol6gica.11

    Mais interessante - ou mais frustrante, caso o objetivo seja encontrar alguma referncia aos princpios de interpretao constitucional aqui discutidos - a leitura da coletnea de ensaios sobre o tema organizada por Ralf Dreier e Friedrich Schwegmann, exatamente na poca em que essa discusso estava no seu auge na Alemanha, h mais de um quarto de sculo.'2 A coletnea rene trabalhos dos juristas que, at ento, haviam produzido relevantes trabalhos sobre o tema, incluindo os dois trabalhos de Peter Schneider e Horst Ehmke, intitulados exatamente "Princpios- da interpretao constitucional' apresentados em 1961 no congresso anual da Associaao Alemjl dos Professores de Direito do Estado.13 Entretanto, nessa coletnea podem ser encontradas apenas algumas breves referncias unidade da constituio. O mesmo ocorre com o artigo de Gerd Roellecke sobre os princpios de interpretao constitucional na jurisprudncia do Tribunal Constitucional Alemo: E nas decises desse Tribunal as referncias unidade da constituio so quase sempre no sentido de interpretao sistemtica. is

    8. Cf.. Pr Badura, Staaurecht: Systematisehe Erlauterung des Grundgt5ttus fr die Bundesrepublik Deutschland, pp. 15 e s.s., tpkos Al4 e AlS.

    9. Deutschu Staatsrtchts, 7 I, pp. 43 e ss. 10. Cf.. Bodo Pieroth e Bemhard Schlink, Grundrtclite-Staatsrecht 11, p. 73, Rn.

    318 es.s. 11. Ct: Edciart Stein, Staatsrht. 18' ed., 6, II, pp. 33 e ss. 12. Cf. RalfDttier e Friedrich Schwegmann, Probltme der Verfassungsinterpreta

    tion: Dokumentation einer K1mrrovme, 1976. 13. All!m dos trabalhos de Schneider e Ehmke, a coletnea rene obras de

    llrnst Forsthoff, Aluander Hollcrbach, Peter Lerche, Herbert Krger, Christian voo Pcstalozza, Martin Kricle, Fricdrich MUiler, Ernst-Wolfgang Bckenfrdc e Peter Hberle.

    14. "Prinzipien der Verfassungsinterpretation in der Rechtsp.rechung des Bun dcsver&s.\ungsgerichts': pp. 31 e ss.

    15. Sobre cua associao entre unidade da constitui4o e interpreta4o sistem4ti tll cf. tpko 3.1.2 deste artigo.

  • 7 N?-..

    120 INTERPRErAO CONSTITUCIONAi.

    Na literatura brasileira, contudo, a mesma lista ou listas quase idnticas podem ser encontradas em profuso." Quando por aqui se fala em prindpios de interpretao, fala-se sempre em: unidade da constituio, efeito integrador, mxima efetividade, conformidade funcional, concordncia prtica, fora normativa da constituio e interpretao conforme a constituio. So sempre os mesmo sete prindpios - ao rol de Konrad Hesse, como se v, a doutrina brasileira acrescenta dois outros prindpios: o da mxima efetividade e o da interpretao conforme a constituio -, sempre nos mesmos termos, quase sempre at mesmo na mesma ordem.

    Por que esse rol de princpios, que tem um papel to secundrio em seu pais de origem -se que desempenha realmente algum papel-, faz tanto sucesso no Brasil? A mim me parece que se trata, no campo do direito constitucional, de uma busca por emancipao e de um certo anseio por modernidade, que con$C8Uem ser satisfeitos quando reproduzimos-ainda que irrefletidamente-aquilo a que temos acesso, nonnalmente com mais de 20 anos de atraso. Nesse cenrio, como j dito acima, a doutrina alem vem desempenhando um papel cada vez maior.'7

    A propagao que os "princpios de interpretao constitucional" alcanaram no Brasil pode ser considerada, por isso, exacerbada. 16 Mas

    16. Cf., por exemplo, Inocncio Mirtires Coelho, lnterpretaao Constitucional, pp. 130-141, e "Constitucionalidade/inconstitucionalidade: uma qucstlo politka? pp. 60; Alexandre de Moraes, Direito Constitucional Administrativo, pp. 64-65; Paulo Arnnio Tavares Buechele, O Principio da Proporcionalidade e a Interpmaao da Constituiao, pp. 98-110; Wilson Antnio Steinmetz, Colwo de Direitos Fundamentais e Prinpio da Proporcionalidade, pp. 94-100; Willis Santiago Guerra Filho, Teoria Pro cessual da onstitui4o, 21 ed., pp. 178-182; Rogrio Gesta Leal, Pasptrtivas Hmne nlutiau dos Direitos Humanos e Fundamentais no Brasil, pp. 154-155; Fernando Luiz Ximenes Rocha, "Hermenutica constitucional pp.111-115; Francisco Meton Mar ques de lima, O Resgate dos Valores na I11terpretailo Constitucional, pp. 325-329; George Salomo Leite, Interpretaao Constitucional e T6piai Jurdica, pp. 48-50; Amandino Teixeira Nunes Jr., "'A moderna interpretao constitucional Revisra da Proamuiori4-Geml do INSS 8/60-62. Essa lista apenas exemplificativa, mu d uma idlia da diwlgafo do catlogo de Konrad Hesse no Brasil. A mesma lista integra tambm currculos de faculdades de Direito e , at mesmo, estudo obrigatrio para candidatos a alguns concursos pliblicos.

    17. A ponto de ser quase que obrigatria a citao de expresses em Alemo para que um trabalho seja digno de nota.

    18. Uma amostra interessante da discrepncia entre a recepo du idias de Hesse na Alemanha e no Brasil - e tambm da obrigatoriedade do uso de expttssu

    eduardoHighlightNa literatura brasileira, contudo, a mesma lista ou listas quaseidnticas podem ser encontradas em profuso." Quando por aqui sefala em prindpios de interpretao, fala-se sempre em: unidade daconstituio, efeito integrador, mxima efetividade, conformidadefuncional, concordncia prtica, fora normativa da constituio einterpretao conforme a constituio. So sempre os mesmo seteprindpios - ao rol de Konrad Hesse, como se v, a doutrina brasileiraacrescenta dois outros prindpios: o da mxima efetividade e o dainterpretao conforme a constituio -, sempre nos mesmos termos,quase sempre at mesmo na mesma ordem.

  • INTERPRETAO CONSTltUCONAL E SINCRETISMO METODOLGICO 121

    a pouca difuso que esse rol de princpios de interpretao alcanou em seu prprio pas de origem no seria, em si, um problema, no fosse tambm a pouca importncia prdtica que esses principios tm para a interpretao constitucional.19 A uma anlise mais detida de cada um deles, dando nfase ao que costuma ser considerado mais importante -a unidade da constituio -, sero dedicados os prximos tpicos.

    3. Os princlpios de interpretafO constitucional A tese aqui defendida - a de que os difundidos "prindpios de

    interpretao constitucional" no desempenham papel relevante na interpretao da constituio - baseia-se em algumas premissas centrais, que ficaro claras ao longo dos prximos tpicos. Em linhas gerais, a irrelevncia desses princpios revelada quando se percebe que alguns deles em nada se diferenciam dos cnones tradicionais de interpretao. Mas a irrelevncia pode basear-se tambm na impossibilidade de aplicao desses prindpios em conjunto com outras prticas ou mtodos de interpretao constitucional.

    3.1 Unidade da constituiao

    Nem sempre se quer dizer a mesma coisa quando se fala em "unidade da constituio.NQJil)ajmm,tsJlJ.J$..l',..d}m" simelcsmente QJle o intm>_r deve COJ1!iderar:.t\Q!.lt"1c!ruJm2J

  • 122 INTERPRETAO CONSTITUCIONAL

    ser encontrado na formulao de tl.!f! Roben_o Barroso! que confere ao conceito de "unidade da constituio" um outro significado:.inc:t__-je hie!a.!guia ent- CO!J!ti!!.lsioa._!!:2! Examinarei essas duas concepes nos tpicos abaixo, comeando pela ltima.

    3.1.1 Ausncia de hierarquia

    Quando se fala que no h hierarquia entre as normas constitucionais, pode querer-se, com isso, dizer que no h hierarquia formal ou que no h hierarquia material.

    (a) Hierarquia fonnal: inttiitivamente possvel crer que as normas constitucionais estejam todas no mesmo nvel hierrquico e que, pelo menos formalmente, nenhuma seria superior a outra. Mas no difkil contradizer essa intuio. Basta que nos indaguemos acerca da fundamentao dessa hierarquia formal. Quando se diz que a constituio formalmente superior s leis ordinrias, essa hierarquia tem uma base clara: alterar a constituio requer um procedimento mais dificil que o necessrio para alterar as leis ordinrias. Se esse o fundamento da hierarquizao da supremacia constitucional, fica fcil perceber que no seio da constituio, h, sim, normas formalmente superiores a outras. Essas normas so as que esto protegidas contra emendas constitucionais e a prpria norma que disciplina o procedimento de emenda constituio.22 Somente se se parte do pressuposto de que essas normas so, de alguma forma, superiores s demais normas constitucionais possvel entender a razo pela qual as emendas constitucionais que pretendam alterar as chamadas "clusulas ptreas" so inconstitucioqais, enquanto as emendas que alterem os rtigos que no estejam entre essas clusulas so permitidas. Se "unidade da constituio" significa ausncia de hierarquia, no possvel, ento, que a referncia seja hierarquia formal.

    claro que se poder argumentar que, quando se aceita uma hieraquia formal no seio da constituio, necessrio seria tambm

    21. Cf. Luls Roberto Barroso, Intt:rpretQfifo e Aplio da Constituo: Fundt1-mmtos de urna Dogmtica Constihlcional Transformadora, p. 187. No mesmo sentido: Gilberto BeKvici. o principio da unidade da constituio Revista de Informaao Legislativa 145/97; Wilson Steinmeti, Coli5io de Direitos Fundame.ntais .... p. 94.

    22. Cf., sobre o tema, Virgilio Afonso da Silva, wUlisses, as sereias e o poder cons tituintc derivado RDA 226/11-32.

    eduardoHighlightser encontrado na formulao de tl.!f! Roben_oB arroso! que confereao conceito de "unidade da constituio" um outro significado:.inc:t-je hie!a.!guia ent-CO!J!ti!!.lsioa.!

    eduardoHighlightSe esse o fundamentoda hierarquizao da supremacia constitucional, fica fcilperceber que no seio da constituio, h, sim, normas formalmentesuperiores a outras. Essas normas so as que esto protegidas contraemendas constitucionais e a prpria norma que disciplina o procedimentode emenda constituio.22 Somente se se parte do pressupostode que essas normas so, de alguma forma, superiores s demaisnormas constitucionais possvel entender a razo pela qual as emendasconstitucionais que pretendam alterar as chamadas "clusulasptreas" so inconstitucioqais

  • JNTERP.RETAO CONSTilUC!ONAL E SINCRETISMO METODOlGICO 123

    aceitar a possibilidade de normas constitucionais inconstitucionais. No h, contudo, razo para tanto. Como ficou claro acima, essa hierarquia a que me refiro somente tem consequncias quando do processo de mudana constitucional- o que s6 autorizaria um juzo de inconstitucionalidade de normas constitucionais supervenientes, e no entre as normas da constituio "original"..ZJ Essa ressalva no impede, todavia, que se fale em hierarquia formal no seio da constituio.

    (b) Hierarquia material;24 mais complexa parece ser a discusso acerca da existncia de normas constitucionais que, em razo da sua matria, sejam mais importantes que outras. Essa complexidade ti1mbm apenas aparente. Ningm ignora que, com relao a algumas normas, seria muito dificil, pelo menos em abstrato, chegar a uma concluso sobre uma relao de maior ou menor importncia.25 Ningum ignora, por exemplo, que qualquer proposio sobre a 11uperioridade ou inferioridade material do direito de propriedade lit>bre o direito de igualdade lmplicaria uma discusso poltico-ideolgica que dificultaria qualquer consenso. Esses exemplos extremos nuo so suficientes, contudo, para que se possa afirmar que no h normas constitucionais mais iinportantes que outras. Ou ser que l\lgum contestaria a tese de que a norma contida no art. 91, II, da CF r. segundo a qual "ningum obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei" - mais jmportante e est, portanlu, em um nvel hierrquico materialmente superior ao da norma 1!ontida no art. 242, 28, que prev a manuteno do Colgio Pedro li na rbita federal?

    23. Sobre o tema, na jurisprudncia do STF, cf. R17 l63/872. 24. A expresso hierarquia material utilizada, aqui, por mero paralelismo

    l'.llm a idia de hierarquia formaL Com "hierarquia material quer-se dizer, somente, 11110 seria possvel decidir, em alguns ClUOs, que algumas normas slo mais importanl8 que outras. No se prende. contudo, faur uma classificao hierarquizada, her-1111ica e imutvd de valores constitucionais, nem defender a possibilidade de uma tal 1 l11ssificao - pois isso, obviamente, entraria cm choque com a possibilidade de -1111csamento de princlpios em cada caso concreto.

    25. Mas at mesmo essa dificuldade pode ser bastante mativizada, visto que 1111nparae$ abstratas de valores tm uma importncia quase desprczlvd na tomada 1111 clcdses. Uma classificao em abstrato das normas constitucionais quanto sua u11ortncia pode ter, quando muito, um valor argumentativo quando da deciso, em ruucrcto, sobre relaes de prevalencia entre elas. Sobre is.so, ct: Virgfiio Afonso da llllv11, Grundrechre und gesttzgtbtrischt Spidraume, pp. 179 e ss.

    eduardoHighlightOu ser quel\lgum contestaria a tese de que a norma contida no art. 91, II, da CFr. segundo a qual "ningum obrigado a fazer ou deixar de fazer algumacoisa seno em virtude de lei" - mais jmportante e est, portanlu,em um nvel hierrquico materialmente superior ao da norma1!ontida no art. 242, 28, que prev a manuteno do Colgio Pedroli na rbita federal?

  • 124 INTERPRETAO CONSTT111CIONAL

    f: I>:t.r.!!i:. 9u . .!U!:!PQQ.ti...de .. [email protected] algumas !1..2!!!1.,S2,gStif.i Jla,!o Q.\l.tw$ 9(

  • INTERPRETAO CONSTilUCIONAL E SINCRETISMO METODOLGICO , llS certo que a Lei Fundamental rompeu com a distino, tpica da

    Constituio de Weimar, entre proposies programticas e normas vinculanteS. Mas, mesmo que todas as normas da Constituio atual sejam normas vinculantes, no so elas, todavia, do mesmo tipo, nem esttJ no mesmo nfvel hierr

  • 126 INTERPRETAO CONSTITIJCIONAL

    No h o que retocar nessa definio. Jl - salvo engano - ponto pacfico que a interpretao das disposies constitucionais deve ser feita levando-se em considerao o todo constitucional, e no disposies isoladas. Mas, como aqui se est tratando de prindpios de interpretao exclusivamente constitucional, que pretendem ser uma superao dos chamados cnones clssicos da interpretao jurdica, no h como no se deparar com a seguinte indagao: o que h de exclusivamente constitucional no chamado prindpio da unidade da constituio? Ou, ainda, o que h de realmente superador nele?

    Vale a pena, neste ponto, relembrar a definio de "interpretao sistemtica" dada pelo rombatido Savigny, em meados do sculo XIX: "O elemento sistemtico ( .. ) refere-se conexo interna que congre ga todos os institutos e regras jurdicas em uma grande unidade"

    Veja-se tambm, para continuar no campo do direito privado, a fim de que a comparao continue clara, a seguinte passagem de Larenz: "As normas jurdicas ( ... ) no pairam umas ao lado das outras de forma desvinculada, mas esto em uma mltipla conexo entre si. Assim, as regras que formam o direito da compra e venda, o direito de locao ou o direito hipotecrio fazem parte de um regramento coordenado, que se baseia em determinados pontos de vista diretivos. Esse regramento, por sua vez, parte de um regramento ainda mais abrangente - por exemplo, aquele do direito obrigacional ou do direito das garantias reais, e ambos, por sua vez, do direito privado. Desse modo, a interpretao de uma norma deve( ... ) levar em considerao a conexo de sentidos. o contexto, a localizao sistemtica da norma e .sua funo no contexto geral do regramento em questo'34

    Em suma, no somente a constituio que compe uma unidade que exigiria uina interpretao coordenada. Engisch, por exemplo, ao discorrer sobre a interpretao sistemtica, falava em "unidade de todo o ordenamento jurdico": "O nexo l6gico-sistemtico no abarca somente o significado dos conceitos jurldicos em cada contexto con ereto de idias ( ... ). Ele diz respeito sobretudo totalidade do pensamento juddico latente na proposio jurdica individual em suas ml

    33. Sysrem ... , p.214. 34. Methodenlehre der Rechtswissensch'3ft, 6' ed., p. 437.

    eduardoHighlightNo h o que retocar nessa definio. Jl - salvo engano - pontopacfico que a interpretao das disposies constitucionais deve serfeita levando-se em considerao o todo constitucional, e no disposiesisoladas. Mas, como aqui se est tratando de prindpios deinterpretao exclusivamente constitucional, que pretendem seruma superao dos chamados cnones clssicos da interpretaojurdica, no h como no se deparar com a seguinte indagao: oque h de exclusivamente constitucional no chamado prindpio daunidade da constituio? Ou, ainda, o que h de realmente superadornele?Vale a pena, neste ponto, relembrar a definio de "interpretaosistemtica" dada pelo rombatido Savigny, em meados do sculo XIX:"O elemento sistemtico ( .. ) refere-se conexo interna que congrega todos os institutos e regras jurdicas em uma grande unidade"

  • INTERP!lETAO CONmTllCJONAL E SINCRETISMO METOOOLGICO 127

    1l11lns relaes com as outras partes constitutivas do sistema jurdico 1111110 um todo35

    Como se v - e era esse o propsito dessas trs transcries -, o 1 hmnado princpio da unidade da constituio parece em nada se 1Uferenciar daquilo que h pelo menos sculo e meio se vem chaman-110 de "interpretao sistemtica Isso pode no o invalidar como Mdia-guia para a interpretao constitucional, mas. acaba com a pretruso de exclusividade e, mais alm, com a pretenso de rompimenhl com a chamada interpretao jurdica clssica. O chamado prindtlfo da unidade da constituio , ao contrrio, uma reafirmao de 111\1 dos cnones clssicos de interpretao e a confirmao de que ele 1Lt1nbm vale no mbito constitucional:" No fim, acaba valendo tamh6m para a interpretao constitucional a antiga lio de Celsus: 1Jt1trrio ao direito julgar ou decidir com base em alguma parte da lei IJ/11 ter examinado a lei por ntro.37

    J,7, Concordncia prtica

    A idia de concordncia prtica est estreitamente ligada idia 1lti proporcionalidade,31 pois exige que, na soluo de problemas constitucionais, deve-se procurar acomodar os direitos fundamentais de forma a que todos possam ter uma eficcia tima.39 Mas h algumas 11lfcrenas.

    Em primeiro lugar, ainda que os efeitos almejados sejam os meslilOS - a acomodao de direitos fundamentais colidentes com a 1ucnor perda de eficcia possvel -, no h, na idia de concordncia

    35. Einftlhnusg in das juristisdte Dmkm, pp. 94-95. 36. Para posilo semelhante, cf. Fricdrich Moller, Die Einheit der Verf assuni. p.

    ,130: Em seu upecto metodolgico apresenta-se a 'unidade da constituio' cm parte r'dlllo um demews4rio nome para a argumtnfllilo sistenultira. seja ela geral ou ligada !( princpios constitucionais" (sem grifos no original). Um pouco mais adiante sua 1u1slo fica ainda mais incisiva, e MUller afirma que a doutrina e a prtica dominanlf.11 tm que aceitar que a constituio o constitui uma unidade. Cf. tambm, do 111csmo autor, Jurisrische Methodik. p. 215.

    37. Dittsto ), 3, 24. 38. Cf., nesse sentido, Willis Santiago Guerra Filho, Teoria Processual da Consri

    wlilo,2 M.,p.182. 39. Cf. Konrad Hesse, Grundzage dts Verfassungsrrchts ... , 2, Ili, 72, p. 27.

    eduardoHighlightComo se v - e era esse o propsito dessas trs transcries -, o1 hmnado princpio da unidade da constituio parece em nada se1Uferenciar daquilo que h pelo menos sculo e meio se vem chaman-110 de "interpretao sistemtica Isso pode no o invalidar comoMdia-guia para a interpretao constitucional, mas. acaba com a pretrusode exclusividade e, mais alm, com a pretenso de rompimenhlcom a chamada interpretao jurdica clssica. O chamado prindtlfoda unidade da constituio , ao contrrio, uma reafirmao de111\1 dos cnones clssicos de interpretao e a confirmao de que ele1Lt1nbm vale no mbito constitucional

  • 128 INTERPRETAO CONSTTIVCIONAL

    prtica, uma estrutura previamente definida para alcanar esses fins1 ao contrrio da regra da proporcionlidade, que, com suas trs sub . regras, oferece uma forma racional e estruturada para a soluo de colises de direitos fundamentais.40

    Mas a diferena mais marcante entre concordncia prtica e pro. porcionalkkuk reside na questo da exigibilidade do sopesamento, Hesse - no que seguido de perto por Mller - esfora-se em deixar claro que concordncia prtica no implica sopesamento de bens ou de valores. .M.i fi-Y!c!em. '!1!1.e.rimi,r, i!l!3.3 Conformidade funcional O topos da conformidade funcional, como estrita obedincia

    repartio de funes constitucionalmente estabelecida,42 tem origem dara como um argumento funcional contra o chamado ativismo judicial. Na Alemanha esse tipo de argumentao sobre os "limites jurdico-funcionais" da interpretao constitucional quase sempre usado como forma de restringir uma participa mais ativa do Tribunal Constitucinal em debates politico-juddicos, sob a alegao de

    40. Sobre isso, cf. Wilson Antnio Steinmetz, Coliso de Direitos Fundammtais p. 192; Virgilio Afonso da Silva, o proporcional e o razovel RT798/3D e passim.

    41. Cf. Konrad Hcssc, Grundzgedes Vtrfassungsrechts ... , 2, III, 72, p. 27; Friedrich MUJler, /uristische Methodik, pp. 220-221, e Dil! Positivitllt dt!t Grundrtchte, p. 24. Essa. rejeio do sopesamcnto baseia-se, a meu ver, em um entendimento distorcido do uso que o Tribunal Constitucioml Alemo faz desse instrumento. Cf., sobre isso, Virgilio Afonso da Silva, Grundrechte und gt$ttzgeberische Spielrifumt, pp. 62 e ss.

    42. Cf., por todos, Wil!is Smti:ago Guerra Filho, Ttoria Processual da Constitui plo, 2 cd., p. 181; e J. J. Gomes Canotilho. Direito ConJtitucional e Teoria da Constiruiplo, 5A cd., pp. 1.097 e ss.

    eduardoHighlightMas a diferena mais marcante entre concordncia prtica e pro.porcionalkkuk reside na questo da exigibilidade do sopesamento,Hesse - no que seguido de perto por Mller - esfora-se em deixarclaro que concordncia prtica no implica sopesamento de bens oude valores. .M.i fi - Y!c!em. '!1!1.e.rimi,r, i!l!

  • INTERPRETAO CONSTin/CJONAL E SINCREl'ISMO MIITOOOLOGICO 129

    JUC o campo da poHtica reservado ao legislador. Diante da dificul-1lllde em se separar, no campo constitucional, o que exclusivamente 110Utico do que exclusivamente jurdico, tem sido freqtlente a utilili\o da metfora da constituio-moldura, que seria aquela que rtpcnas define limites atividade legislativa. Segundo essa teoria, ao 't\'ibunal Constitucional caberia uma tarefa meramente negativa, isto . controlar se o legislador respeita os limites da moldura. No cabel'la ao Tribunal, entretanto, controlar a forma como o legislador "preenche" o interior da moldura. Isso seria reservado ao campo da i10Utica. com base nesse tipo de argumento que Bckenfrde e JesIL\cdt, por exemplo, pregam uma volta a uma concepo liberal de 1llreitos fundamentais, que seriam simplesmente direitos de defesa do Indivduo contra a intromisso estatal em sua esfera privada.

    No Brasil, ainda que no explicitamente, o STF segue risca essa ltMia de conformidade funcional, que, aliada a uma interpretao unacrnica e estanque da separao de poderes, serve perfeitamente 11nra justificar a omisso do Tribunal em casos de grande 'relevncia llOlltica. Serve tambm, por exemplo. para justificar a rejeio de inst1umentos que pudessem dar a esse Tribunal uma feio mais ativa, r.omo o mandado de injuno,44 j que, para o STF, o judicirio pode NOmente ser legislador negativo, nunca positivo.s

    O conceito de conformidade funcional e a idia de contraposio entre legislao negativa e positiva fariam talvez algum sentido se a Constituio Brasileira tivesse consagrado apenas os chamados direi-

    43. Para uma defesa da comtituio como molduro, cf. Matthias Jc.staedt, Grundrccl1Jsmtfalt1mg im Gesetz, pp. 72 e ss.; Karl-Eberhard Hain, Die Grundsatze des tirundgeutus, pp. 181 e ss.; Ernst-Wolfgang Bdcenfrde, "Die Methoden . in Staot, Verfassung, Demokratie: ... , pp. 53 e $$.., e "Grundrechte ais Grundsatznormen: Zur ll''8cnwlrtigen ugc der Grundrtchtsdogrnatik in Staat. Vufassung. Demokratie: ... , iip. 159 e ss.; Josef Isensec, "Verb.ssungsrecht als 'politisches Recht' 162, ns. 43 e ss., 111>. 128 e ss .. ; Christian Starck, "Die Vcrfassunguuslegung 164, ns. 4 e ss., pp. 192 e ss .. ; Rainer Wahl, "Der Vorrang der Vcrissungn, Der Stalll 20/486 e$$.

    4.f. Cf, RTJ 135/l (3 ). 45. Jm> jurisprudncia reiterada no STF. Cf., por eumplo, RTJ 126/48 (68 e

    N.); 14/57 (59); 146/461 (465); 153/765 (768); 1611739 (745); 175/1.137 (l.139); 177/657 {663); 178/22 {23 e 29 e ss.). H, contudo, vozes dissonantes. O Min. Marco Aurlio Mcfio, com razo, encara "com muita U$Crv.t essa premissa segundo a qual o lil'F ( ... ) nlo pode adotar postura que acabe por implicar a normatividade positiva" (cf. RTT 1771657 (662)).

    eduardoHighlightSegundo essa teoria, ao't\'ibunal Constitucional caberia uma tarefa meramente negativa, isto. controlar se o legislador respeita os limites da moldura. No cabel'laao Tribunal, entretanto, controlar a forma como o legislador"preenche" o interior da moldura. Isso seria reservado ao campo dai10Utica. com base nesse tipo de argumento que Bckenfrde e JesIL\cdt,por exemplo, pregam uma volta a uma concepo liberal de1llreitos fundamentais, que seriam simplesmente direitos de defesa doIndivduo contra a intromisso estatal em sua esfera privada

    eduardoHighlightO conceito de conformidade funcional e a idia de contraposioentre legislao negativa e positiva fariam talvez algum sentido se aConstituio Brasileira tivesse consagrado apenas os chamados direi-

  • 130 INTERPRETAO CONSTITUCIONAL

    tos fundamentais clssicos, tambm chamados de "direitos negativos': como faz a Constituio Alem.46 Como esse no o caso, fica difkil justificar o papel do STF como mero limite negativo atividade legislativa. Se a Constituio npe prestaes positivas ao legislador e se o STF o guardio da Constituio por excelncia, como justificar a omisso do segundo diante da inrcia do primeiro? Somente com o apego a uma concepo estanque de separao de poderes, que remonta poca da Revoluo Francesa, mas que no faz mais sentido h muito tempo. A idia de conformidade funcional, nesse contexto, paree mais apta a consolidar essa viso anacrnica de separao de poderes - e no somente entre judicirio e legislativo, mas entre todos os poderes - que ser um instrumento "moderno" de interpretao constitucional.47 'J 1 1 : ' \ .\.'\- kr-" _, "' l

    3.4 Efeito integrador Segundo Hesse, o critrio do efeito integrador exige que, na reso

    luo de problemas jurdico-constitucionais, seja dada preferncia aos pontos de vista que favoream e mantenham a unidade poltico-constitucional.48 Como a aplicao desse critrio est - como o prprio Hesse salienta - limitada a pontos de vista que no sejam estranhos prpria constituio, 49 pode-se dizer que ela no passa de uma aplicao do princpio da unidade da constituio, e, portanto da interpretao sistemtica,50 em conjunto com a dia de fora normativa da constituio,51 j que o efeito integrador nada mais seria do que "dar efetividade tima" (fora normativa) unidade poltico-constitucional (unidade da constituio).

    46. por isso que a discusslo faz algum scntdo na Alemanha, mas pouco no Brasil. .

    47. Defender uma postura diferente do STF nos casos de direitos a prestaes positiv.as no significa, contudo, exigir que o STF substitua o legislador em todos os casos de omisso. Isso implicaria transform-lo cm definidor de polticas pblicas, o que no seu papel. O exglvel, contudo, seria uma posio ativa do Tribunal no Sffitido de cobrar - ou de iniciar - um dilogo consti1Ucional entre os poderes.

    48. Cf. Konrad Hcsse, Grundzage des Verfassungsrtehts ... , S 2, III, 74, p. 28. 49. Cf., em sentido contrrio, RudolfSmend, vcrfassung und Verfassrecht

    (1928) in StJJatsrechtliche Abhandlungen 1md andere AufsiJtze, 3& ed., p. 190. 50. Cf. tpico 3.l.2, supra. 51. Cf. tpico 3.6, infca.

    eduardoHighlighttos fundamentais clssicos, tambm chamados de "direitos negativos':como faz a Constituio Alem.46 Como esse no o caso, fica difkiljustificar o papel do STF como mero limite negativo atividade legislativa.Se a Constituio npe prestaes positivas ao legislador e seo STF o guardio da Constituio por excelncia, como justificar aomisso do segundo diante da inrcia do primeiro

    eduardoHighlightA idia de conformidade funcional, nesse contexto,paree mais apta a consolidar essa viso anacrnica de separaode poderes - e no somente entre judicirio e legislativo, mas entretodos os poderes - que ser um instrumento "moderno" de interpretaoconstitucional.47

    eduardoHighlightSegundo Hesse, o critrio do efeito integrador exige que, na resoluode problemas jurdico-constitucionais, seja dada preferncia aospontos de vista que favoream e mantenham a unidade poltico-constitucional.48 Como a aplicao desse critrio est - como o prprioHesse salienta - limitada a pontos de vista que no sejam estranhos prpria constituio, 49 pode-se dizer que ela no passa de uma aplicaodo princpio da unidade da constituio, e, portanto da interpretaosistemtica,50 em conjunto com a dia de fora normativa daconstituio,51 j que o efeito integrador nada mais seria do que "darefetividade tima" (fora normativa) unidade poltico-constitucional(unidade da constituio).

  • INTERPRErAO CONsrrrtJCJONAL E SINCREI"ISMO METODOLGICO UI

    3.5 Mxima efetividade O topos da mxima efetividade no figura no catlogo de Hesse e

    parece ter chegado literatura brasileira pela obra de Canotilho.51 Segundo ele, ainda que a idia de mxima efetividade estivesse ligada, na origem, s normas constitucionais programticas, esse um princpio operativo em relao a todas e quaisquer normas constitucionais.

    A mim me parece, em primeiro lugar, que a idia de mxima efetividade j est contida tanto na idia de concordncia prtica quanto -e principalmente - na idia de fora normativa da constituio, como se ver abaixo. Essa , alis, uma constante nesse catlogo de prindpios de interpretao constitucional aqui analisado: muitos dos princpios se assemelham de tal forma que fica dificil perceber a differentia speciftca de cada um ddes - isto , a caracterstica que os distinguiria dos outros prindpios e que justificaria sua existncia como prindpios autnomos.sl Alm disso, no caso da "mxima efetividade" pode-se dizer que seria dificil, nos dias de hoje, p'referir uma interpretao de algum dispositivo constitucional que lhe confira um efetividade mnima. Podese, claro, afirmar que a idia de "xima efetividade" faz sentido como idia regulativa, isto , que aponta para uma determinada direo a ser seguida, mesmo que esse mximo nem sempre possa ser alcanado. Nesse caso, ento, seria mais aconselhvel que se falasse em efetividade tima pois esse seria um cone.eito que j inclui a possibilidade do conflito entre normas e a real idia-guia para sua soluo, isto , a otimizao.54

    3.6 Fora normativa da constituio

    dificl separar o significado de topos do significado de alguns dos topoi anteriores.55 Com "fora normativa da constituio" costuma-

    52. Direito Constitucional e Teoria dtJ Constituiao, 51 ed., p. 1.097. 53. Cf., por exemplo, o caso do efeito integrador (tpico 3.-4, supra). 54. Essa , a propsito, a idia de Hesse quando prope o conito de concor

    dlncia prtica Hesse, quando da exposio desse topos, fala no somente cm otimizao; ele chega a usar a expresso "efetividade tima" { GrundziJge des Vtrfassungs rhts .. ., 2, III. 72, p. 27). A idia de otimizao tambm est na base da ttoria d

  • 132 INTERPRETAO CONSTITilCJONAL

    se querer dizer que "na soluo de prblemas jurdico-ronstitucionais deve-se dar preferncia queles pontos de vista que ( ... ) levem as normas constitucionais a ter uma efetividade tima'56 Pouco precisa ser acrescentado, pois essa definio parec.e um resumo do que j se disse sobre "concordncia prtica" e "mxima efetividade57 A nica diferena, ao mesmo tempo significativa e contraditria, a preferncia por uma "eficcia tima" em vez de uma "eficcia mxima' Significatiwi porque mais correta e compat[vel com a idia de coliso entre direitos fundamentais.sa E contraditria pelo mesmo motivo, pois se o conceito de "efetividade tima" compatvel com a idia de coliso de direitos, , ao mesmo tempo, incompatvel com uma das interpretaes que se faz da idia de unidade da constituio, caso a coliso de direitos seja solucionada dando preferncia a um dos direitos em detrimento de outros.59

    3.7 Interpretado conforme a constituio

    Sobre a interpretao confo a constituio h pouco que faJar, pelo menos aqui neste artigo, dedicado interpretao constitucional. S um fato curioso que essa fonna de interpretao seja inclufda entre os chamados princpios de interpretao constitucional, visto que fcil perceber que quando se fala em interpretao conforme a constituio no se est falando de interprettlfO constituciona pois no a

    56. Konrad Hessc, Grurulzagie de.s ungsm:hts ... , S 2, nr, 75, p. 28. Costumase traduzir e55a "eficcia tima" como a soluo hermenlutica que, wcompreendendo a historicidade das estruturas constirucionais, possibilita a 'actual.ao' normativa,garan tindo, do mesmo p. a sua dicla e permanbtcia" (J. J. Gomes Canotilho. Dirrito Constitucional e Teoria da Constituif'lo, ai., p. 1.099). Essa urna idaa antiga tamWm no Brasil Como exemplo, cf. OliVl!ra Vianna, .. Novos mtodos de exegese constitucional Rf 72/5: "O que o intrprete tem cm vista urna adaprafAo deste ou daquele texto, desta ou daquela instituo constitucional, realidade social ou t::glnda do mommt4, no sentido de uma mais perfeita tfidh1cia do regime instituldo" (sem grifos no original).

    57. A dificuldade em se diferenciar mxima efetividade da dia de fora normativa da constituio pode ser percebida em recentes julgados do STF. Na dedslo do RE (AgRg) 235.794, o Min. Gilmar Ferreira Mendes julgou ser a Smula 343 do STF "afrontosa fora normativa da Constituio e ao princpio da mxima efetividade da norma constitucional ll. fcil percer que no se trata de uma afronta a um e a outro prindpio de interpretao constitucional concomitantemente, mas a uma nic.a id8a, apressada, sem distino, por ambos os prindpios.

    58. Cf. tpko 3.5, supra. 59. Cf. tpico 3.1.1, supra.

  • INTERPRETAO CONstmJCIONAL E SINCRETISMO METOOOLGICO 133

    constituio que deve ser interpretada em conformidade com ela mesma, mas as leis nfraconstitudonais. A interpretao conforme a constituio pode ter algum significado, ento, como um critrio para a interpretao das leis, mas no para a interpretao constitucional.

    4. Mtodos de interpretafiio e sincretismo metodolgico Ainda que menos propagadas do que os chamados prindpios de

    interpretao amstitudona as listas de mtodos de interpretao da constituio tambm so moeda corrente na literatura jurdica nacionaL Se no caso dos "prindpios" o grande problema reside no fato de que alguns deles em nada se diferenciam dos cnones tradicionais da interpretao jurdica, de que alguns deles se assemelham de tal maneira que no h como descobrir a especificidade de cada um deles para justificar sua existncia como prindpios autnomos e de que, por fim, um dos prindpios nem ao menos se refere interpretao da constituio, j no caso dos mtodos de interpretao constitucional o problema outro. No a irrelevncia de alguns deles 'ou a falta de diferenciao entre eles que limita a importncia da discusso. O grande problema, nesse mbito, o sincretismo metodolgico.

    Salvo engano, no h quem opte por esse ou aquele mtodo. Ao contrrio: eles so quase sempre apresentados como complementares, falando-se freqentemente em "conjunto de mtodos''." E como a discusso dos mtodos costuma ser feita em conjunto com a discusso sobre os prindpios acima analisados, o problema do sincretismo somente se agrava.

    Antes de entrar de fato na discusso acerca do que chamo.de sincretismo metodolgico, vale a pena analisar a origem da discusso sobre os mtodos. Nesse ponto, o desenvolvimento da discusso em muito se assemelha ao debate sobre os "princpios''. No caso desses ltimos, o que era a lista de um autor - Konrad Hesse - passou a ser encarado como prindpios universais e imprescindveis. No caso dos

    60. Cf., por exemplo, lnoclncio Mrtices Coelho (lnttrpretaao Constitucional, p. 107), que fala em mtodos rtciprOCAmenre complementares. A mesma tese, original mente exposta por Canotilho (cf. Direito Constitucional e Teoria da Constituido, S' cd., p. l.084), defendida tambm por George Salomo Leite (Inttrpretado Co11sti tudonal t T6pita Jurfdica, p. 52).

  • 134 lNTI:JlPRETAO CONSTllUCIONAL '

    mtodos, a lista propagada aquela que Bckenfrde elaborou pa ... seu artigo sobre mtodos de interpretao constitucional. 61 O qut l Bckcnfrde quis, com essa lista, foi apenas fazer uma sntese do est -gio da discusso na poca da publicao de seu artigo, e no propor 1 um conjunto de mtodos complementares. O prprio dtulo do artigo j suficiente para demonstrar isso: "Mtodos de interpretao cons titucional: inventrio e critica

    Bckenfrde analisa os seguintes mtodos de interpretao consti tucional: mttodo. hermeii.lutico ct"?t .111f!!. tico-problemtjfg, J:!lido .. .i_tffi..co-rlist'!:!__'!!_tojo hermenut'!!nE!etJr.'2 Da mesma forma que ocorre com a lista de prindpios de Hesse, a lista de mtodos de Bckenfrde tambm passou a ser muito divulgada no Brasil, principalmente na variante apresentada por Canotilho.63 Assim, no Brasil fala-se em mtodo hermenutico clssico, mtodo tpicoproblemtico, mtodo hermenutico-concretizador, mtodo cientffi co-espiritual64 e mtodo nonnativo-estruturante.'5 A esses costumam

    61. "Die Methoden . :. NJW 1976, pp. 2.0892.099, republicado na c.oletlnea de tudos do autor, Staat, Vtrfassung, Demokratie: ... , pp. 53-89. As citaes a seguir seguem a paginao dessa coktlna.

    62. "Die Methoden :, in Staat, Verfassung. Demokratie: - pp. 56 e ss. 63. Dirdt4 Qmstitudonal e Teoria da Constitui4o. 5& ed., pp. 1.084 e ss. 64. A expresso "cient[fico-espirituar. Iargamente d.iwlgada nos trabalhos bra

    sileiros sobre interpretao constitucional, parece soar um tanto quanto inusitada.. A origem do termo remonta querela entre as posies de Forsthoff e Smcnd sobre a interpretao da constituio. Forsthoff, em seu famoso artigo em defesa do mo jurdico clssico, rejeitava as teses de Smend, que Forsthoff chamava de geisteswsens chaftliche Methoe (cf. Ernst Forsthoff, Die Umbildung t!es Vtrfassungsgesetus, p. 44). Ainda que Wtssenschaft signifique "cincia" e Gtist signifique "esprito nlo se pode traduzir a expresso por "modo cientifico-espiritual" - e no s pela estranheza que o termo certamente causa, mas tamWm porque a expresso Gtisteswissmschaft tem um sentido prprio: ela denomina aquilo que no Brasil chamado de "ciendas humanas Ocorre que na Alemanha o Direito nlo costuma ser considerado como parte das ci!ncias humanas, e justamente essa contraposio que Forsthoff queria salientar, criticando o uso de mtodos estranhos ao dirrito, ainda que pertencentes s cincias humanas. A seguinte passagem ilustra bem contraposio: "No h:i por que se perquirir se essa conccplo dos direitos fundamentais est correl2 em sentido sociolgico ou socialfilosfit:o. O que aqui interessa somente saber se esses mtodos de compreenso das normas tn alguma utilizao que possa ser considerada como interpretao jurldiC42." (cf. Ernst Fonthoff, Die Umbiklung des Verfassungsgesetus, p. 39 - sem grifos no original).

    65. Cf. Inocncio Mrtires Coelho, Interpreto Constitucional, pp. 110 e ss.: Paulo Armlnio Tavares Butthele, O Prindpio da Proporcionalidade ... , pp. 79 e ss.;

    eduardoHighlighta lista propagada aquela que Bckenfrde elaborou pa ...seu artigo sobre mtodos de interpretao constitucional. 61 O qut lBckcnfrde quis, com essa lista, foi apenas fazer uma sntese do est -gio da discusso na poca da publicao de seu artigo, e no propor 1um conjunto de mtodos complementares. O prprio dtulo do artigo j suficiente para demonstrar isso: "Mtodos de interpretao constitucional: inventrio e critica

  • INTUPltETAO CONSTITUCIONAL E SINCRETISMO METODOLGICO 135

    NOl' muitas vezes acrescidas as teses de Hberle sobre a chamada "socie-1 lnde aberta dos intrpretes da constituio" e a teoria dos direitos fun-1lnmentai.s de Alexy. baseada na distino entre princpios e regras. No HO pretende, aqui, fazer uma anlise de cada um desses mtodos. Isso llHo possvel nem necessrio, j que, no caso dos mtodos de interttretao, o grande problema no a pouca importncia de cada mtodo, mas, como j foi dito, a idia de que esses mtodos so complementnres entre si, c.om os prindpios de interpretao acima analisados e com outras prticas de interpretao constitucional.

    O sincretismo metodolgico,66 caracterfstico do atual estgio da discusso sobre interpretao constitucional, impede que se avance na discusso acerca da tarefa da interpretao constitucional. Comum s onlises sobre o tema o fato de que esses mtodos sejam apenas resumidamente explicados- no raro com.base apenas na obra de Canotilho67 -, sem que se chegue a qualquer concluso sobre a relao entre os diversos mtodos, sua aplicabilidade e, principalmente, sobre a compatibilidade entre eles.

    Assim, no de se estranh.ar que em trabalhos sobre mtodos e princpios de interpretao constitucional no costumam ser usados exemplos concretos de sua possvel aplicao prtica. No se costuma examinar, por exemplo, quando se fala desse ou daquele mtodo, como

    Fnncisco Meton Marques de Lima, O Resgate dos Valores na Interpretaao Constitucional, pp. 314 e ss.; Celso de Albuquerque e Silva, Interprtta4o Constitucional Operativa, pp. 127 e ss.; Amandino Teixeira Nunes Jr., "A moderna interpretao constitucional Revista da Procuradoria-Geral do JNSS 8154 e ss.

    66. Joi mencionei, de forma breve, o problema do sincretismo metodol6gico em outra ocasio, ao tntar da distinio entre principias e regras, cf. Virglio Afonso da Silva, "Princpios e regras: mitos e equivocas acerca de uma distino Revista Latino-Americana de Estudos Constitudonais 1 (2003): p. 625.

    67. A obra de Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituiao, sa ed.), apaar da abrangncia e profundidade, tem carter didtico, pois , prccipuamente, uma. obra 11niversitdria, na meUtor acepo da palavra. Nas palavras do prprio Canotilho, o intuito de sua obra "fomccer sugestes e insinuaes incentivadoras de um melhor e mais profundo conhecimento dos problemas" (p. 16). Ainda que seu livro v muito alm dO mero fornecimento de sugestes, parece certo que o aprofundamento a que ele se refere cabe s monografias e aos artigos dedicados .a temas mais restritos. Im.-- ._11\ n .... t _tcil p!?.er gq_nq_Brasil vivc;-mu.!tas v(n.4me crj:. roqitos artigg.s e,m..Qn,Qg_!W, entr.Q..\l!..s oisy._ deveriam alimentar os manuais universitrios acabam se limitando meramente a reeroduzl-tos.! ------- ---- .

  • 136 fNTERPREl'AO CONSTITUCIONAL .

    se uma aplicao prtica de cada um deles. As anlises costumam limitar-se a expor a idia terica central de cada mtodo. Isso , obviamente, insuficiente, pois mtodos no so um fim em si mesmos, mas existem para serem aplicados. Por que, ento, no se encontram anlises jurisprudenciais concretas com base nesse ou naquele mtodo -isto , por que no so utilizados exemplos concretos da jurisprudncia do STF, ou de outros tribunais, para que seja exposto como tais casos teriam sido decididos se tivesse sido usado esse, aquele ou um conjun to de mtodos? Talvez porque essa demonstrao seja impossvel.

    Exemplos de que isso assim existem em grande nmero. Limitar-me-ei, contudo, a alguns poucos deles:

    (1) Como harmonizar a idia de unidade da constituio com a existncia de coliso entre direitos fundamentais?"

    (2) Como conciliar o mtodo estruturante e a idia de sopesa mento?

    (3) Como compatibilizar o mtodo clssico - que, na verso de Forsthoff, tem cariz marcadamente positivista - com o mtodo estru turante, explicitamente ps-positivista?

    (4) Como articular, por fim, um catlogo tpico de princpios de interpretao com mtodos que no tratam prindpios como topoi?

    Todas essas perguntas so meramente retricas, e a resposta fica clara pelo simples fato de elas terem sido formuladas. Muitas outras, implcitas no decorrer deste artigo, seriam poss(veis. Dada a limitao de espao* vou me restringir mais importante manifestao daquilo que tenho chamado de sincretismo metodolgico: a utilizao conjunta - ou a idia de que essa possibilidade existe - da teoria estruturante do direito e do sopesamento de direitos fundamentais. Como exemplo de teoria que defende o sopesamento, utilizarei a teoria dos direitos fundamentais de Alexy.

    4.1 Dlimitao ou sopesamentol

    No so necessrias grandes digresses tericas e metodolgicas para fundamentar a tese, aqui defendida, de que as teorias de Miiller

    68. Sobre isso,cf. tpico 3.1.l, supra.

  • INTERPRETAO CONmTUCIONAL E SINCRETISMO METODOLGICO 137

    e Alexy so incompatveis. Seria quase que suficiente retomar, aqui, a citao. de Friedrich Mller sobre o sopesamento que j fiz em outro traballio.69 Segundo Mller - o principal terico da teoria estruturante do direito -, o sopesamento um mtodo irracional, uma mistura de "sugestionamento lingstico "'pr-comprecnses mal-esclarecidas" e "'envolvimento afetivo em problemas jurdicos concretos' cujo resultado no passa de mera suposio.70 Parece improvvel crer que a teoria desenvolvida por Mller seja assim to facilmente concilivel com a idia de sopesamento, que ele tanto despreza. Mas a razo dessa incompatibilidade no simplesmente a opinio desse ou daquele autor sobre "sopesar direitos mas a base terico-normativa de cada uma das teorias .E explicitar essas diferenas inconciliveis no tarefa difcil. Algumas perguntas e respostas podem servir como introduo:

    Por que necessrio sopesar direitos? Porque muitos deles entram em coliso.

    Por que existe coliso entre direitos? Porque muitas vezes o deverser expresso por um prindpio incompatvel com o dever-srexpresso por outro.

    E qual o motivo dessa incompatibilidade? A amplitude do contedo desse dever-ser.

    Mesmo sem precisar entrar em detalhes acerca da teoria estruturante de Mller, posslvel identificar uma de suas principais caractersticas, pelo menos no que diz respeito extenso do dever-ser de cada direito fundamental. Segundo Mller, a racionalidade e a possibilidade de controle intersubjetivo na interpretao e na aplicao do direito s6 possvel por intermdio de uma concretizao da norma jurdica aps rdua anlise e delimitao do mbito de cada norma.71 Depois dessa rdua tarefa no h espao para colises, porque a norma simplesmente se revela como no-aplicvel ao caso concreto e no se v envolvida, portanto, em nenhuma coliso juridica relevan-

    69. Cf. Virgllio Afonso da Silva, "Prindpios e regras: mitos e equvocos acerca de uma distino' p. 626.

    70. Cf. Friedrich MUiler, Strukturiemule Rechnlehr p. 209. 71. Die PositivitiJt der Grundreditt, p. 25. MUiler faz aqui uma clara contraposi

    o rct6rica entre uma rfrdua tare& -a anlise do mbito da norma, cancteristica de sua teoria -e o frfcil sopesarnento -caracterlstico de outras teorias.

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  • 131 INlUPRETAO CONSTmJCIONAL

    te.n Logo, sem coliso no h razo para sopesamento. A concretizao da norma, seguindo os procedimentos da teoria estruturante, restringe o contedo de dever-ser de cada direito fundamental, porque delimita de antemo seu mbito normativo. Assim, se algum escreve um livro considerado ofensivo honra ou privacidade de algum e, por essa razo, o livro proibido por deciso judicial, no haveria que se falar cm coliso entre honra e privacidade, de um lado, e liberdade de expresso, do outro. Isso porque a publicao de um livro ofensivo honra e privacidade no faz parte do suporte ftico da liberdade de expresso. 0 suporte ftico de cada direito fundamental bastante restrito.

    J a idia subjacente teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy funda-se em premissa bastante diversa. Alexy defende a tese de que os direitos fundamentais tm um suporte ftico amplo. Isso significa, principalmente, que toda situao que possui alguma caracterstica que, isoladamente considerada, poderia ser subsumida hiptese de incidncia de um determinado direito fundamental deve ser considerada como abrangida por seu suporte flico, independentemente da considerao de outras variveis.73 No exemplo acima, isso significaria que o simples ato de escrever um livro, isoladamente considerado, pode ser subsumido hiptese de incidncia da liberdade de expresso e no pode, de antemo, ser excludo de seu mbito de proteo.74 Uma limitao a essa liberdade de expresso s poder ocorrer aps um sopesamento de argumentos e contra-argumentos com base nas variveis de cada caso concreto.

    Com.o se v, aps essas breves - e simplificadas75 - explicaes, no parece ser fcil defender, ao mesmo tempo, as teorias de Mller e

    72. Cf. Priedrich MUiler, Strul-turierende Rechtslthre, p. Z lZ; e Dit Positivitilt der Grundrtchte, pp. 26, '47 e 51.

    73. Cf. Robert Alexy, Theoric dtr Grundrtchte, p. 291. - 74. Como no podem tambm expresses caluniosas, difllmatrias ou injurio

    sas. Todas ebs, ainda que prima facie, esto protegidas pela liberdade de expresso. Um dever definitivo s posslvel aps os sopesamentos necessrios cm cada (ISO concreto.

    75. As explicaes no somente so simplficadas, como tambm exploram ape- , nas um dos pontos incompatveis entre a.s ttorias de MaUer e de.Ale:cy. Outros poderiam ser citados. O principal ddQ, por estar na base de ambas as teorias, o conceito de norma jurfdica. Alexy parte de um conceito semntico de "norma que para MUiier no mais que o inicio do procedimento de concretizao normativo. Assim, aquilo

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    Alexy, simplesmente porque ambas partem de concepes irreconci-1 iveis acerca da definio dos deveres prima facie e definitivos de cada direito fundamental. Mller defende que a definio do mbito de 1>roteo de cada direito fundamental feito de antemo/6 por intermdio dos procedimentos e mtodos de sua teoria estruturante e, (>rindpalmente, sem a necessidade de sopesamento; enquanto Alexy defende que no h decises corretas no mbito dos direitos fundamentais que no sejam produto de um sopesamento.n

    No Brasil, contudo, ambas as teorias vm sendo defendidas como Hc fossem compatveis entre si;7 e, mais ainda, como se fossem compatveis com todos os outros mtodos e princfpios mencionados e nnalisados no decorrer deste artigo. Diante disso, no vejo como no afirmar que - pelo menos no caso em discusso - o apego a uma lista tlc mtodos e princpios de interpretao constitucional, de carter meramente formal, impossvel de ser colocada em prtica conjuntamente, j que pretende misturar o imisturvel, apenas emperra qual1uer possibilidade de discusso real sobre o assunto e a c'laborao de mtodos ou critrios que sejam adequados e, mais importante, reall/lente aplicveis interpretao constitucional em geral, e da Constituio Brasileira em particular. No quadro atual, ainda que eu no seja odepto da anarquia metodolgica ao estilo de Feyerabend, prefiro ficar 110 lado do anythinggoes, como, ironicamente, ele defendia.79

    i(UC para Alexy a norma, para MUiier apenas o que ele chama de programa da 11orma. No h como se aprofundar nessa discusso, aqui; D13S fcil notar que o elemento e.entrai da teoria de Moller - o Jmbito da norma - no tmt espao na teoria 1lc A!cxy.

    76. "De antemo" significa, aqui, simplesmente que no h necwidade de sopctuncnto, pois clara a posio de Mller sobre a no-existncia de norma antts do coso concreto (Juristische Mtthodik, p. 166).

    n. Theorie dtr Grundrtehtt. p. 290. 78. Cf., sobre isso, Virgllio Afonso da Silva, .. Principios e regras: ...' pp. 625 e ss. 79. Cf. Paul Feyecabend, Wider den Mtthodenz.wang, pp. 32 e passim (h verso

    Inglesa: Against Mtthod, Londres, NLB, 1975 ). Ao lado de Karl Popper, Thomas Kuhn e hnre 1.akatos, Paul feyerabcnd foi, sem dvida, um dos autores rmis crilicos e Importantes no campo da metodologia cientifica. A leitura do trabalho de Feyenbcnd extremamente recomcndI. provocante e instig;tnte, principalmente como forma 1lc desmistificar um pouco o papel da metodologia no progrC$$0 da cincia.Aptsarde llC\15 exageros-como dizer que nio h diferena alguma entre mitos e teorias cicntlfiU1S (p. 385) -, suas provocaes servem, pelo menos. para evitar que o apego ao mh"-1/11 sirva de escudo para que no sejam discutidos problemas de c:onttdo.

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  • INTERPRETAO CONSTtlVCIONAL E SINCRETISMO METODOLGICO U 1

    Se verdade que a interpretao constitucional no igual interpretao jurdica geral - e eu estou convencido de que, pelo menos cm parte, no -. ento, tarefa da doutrina constitucional discutir tle forma concreta no somente o mtodo ou conjunto de mtodos -tlesde que compatveis - que ache aplicvel Constituio Brasileira, mas tambm iniciar uma discusso de base, isto , uma discusso de contedo, que v alm da discusso metodolgica. Ficar repetindo listns de mtodos e princpios elaborados para uma realidade e uma poca diferentes pouco acrescenta discusso. No se pode que'rer fozer direito constitucional alemo no Brasil.

    Com isso fica claro que no se quis fazer, aqui, uma manifestao por uma volta aos mtodos clssicos de interpretao jurdica. O

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    142 INTERPRETAO CONSTlnJCIONAl.

    Mesmo assim, acho que possivel elaborar um sucinto progrt. ma. que poder servir de base para os imprescindveis desenvolvi mentos futuros no mbito da interpretao constitucional. Algun dos tpicos desse programa poderiam ser algumas das teses defendi das neste artigo:

    1. O catlogo tpico dos prindpios de interpretao constitucio nal no um ponto de chegada, mas sim - e quando muito -um ponte de partida j superado. O mais recomendvel seria, portanto, dele se des vencilhar, visto que no h mais o que ser desenvolvido nesse mbito.

    2. Tambm necessrio se libertar da idia de que prindpios e mtodos aplicveis interpretao constitucional devem ser aplic veis exclusivamente interpretao constitucional. Somente dessa forma passa a no haver problemas em se aceitar que os cnones de interpretao sistematizados por Savigny valem tambm para o direito constitucional.84

    3. Sobre os quatro ou cinco mtodos de interpretao constitucional que so normalmente apresentados,15 deve-se ter em mente que eles no so necessariamente complementares e que, ao contrrio, costumam ser conflitantcs.

    4. Alm disso, quem se decidir por um desses mtodos arcar com o nus da demonstrao de sua aplicabilidade e de sua primazia. No h mais como se satisfazer com a mera exposio terica de sua idia bsica. Se se trata de um mtodo, de se presumir que ele exista para ser aplicado, e no para ser meramente exposto.u No faz sentido que a apresentao de meras listas de mtodos- tanto quanto a de meras listas de prindpios -seja considerada como um objetivo no campo da interpretao constitucional.

    83. Ct tpico 3 e seus subtpicos. 84. Cf., explicitamente nesse sentido, IClaus Stem, Verfassungsgmchtsbarktit und

    Gesttzgtber, p. 17. Entretanto, como o prprio Stern ressalta, as disposies constitucionais necessitam de algo mais que mera interpretao; elas necessitam - para usar o termo clssico marcado por Huber- su concretizadas (cf. Hans Hubcr, Rhtsrheorie, Verfassungsrht, Villktrrttht, p. 340).

    85. Cf. tpico 4, supra. 86. Tamm Feyerabmd se esforava em demonstrar a insustentabilidade da

    tese segundo a qual apenas a aposiilo abstrata de um argumento que deve ser levada cm considerao, e nilo sua demoiutrao por meio de exemplos priticos ( Wider dm Mtthodmzwang, p. 384).

  • INTERPRETAO CONSTITUOONAL E SINCRETISMO METODOLGICO lO

    5. Mais que isso, a discusso no pode se limitar mera anlise de 111todos. A interpretao constitucional pressupe uma discusso uccrca da concepo de constituio, da tarefa do direito constitucional, da interao da realidade constitucional com a realidade poltica llo Brasil e, ainda, acerca da contextualizao e da evoluo histrica tios institutos constitucionais brasileiros. e necessrio, em suma, que BC desenvolva uma teoria constitucional brasileira. 17 Isso implica, por exemplo, discutir que tipo de constituio era a Constituio de 1988 no ser promulgada, e se as mudanas constitucionais ocorridas desde ento alteraram seus fundamentos polticos, sociais e econmicos.

    6. Mas talvez a discusso mais urgente acerca da interpretao constitucional - que no guarda qualquer relao com uma discusso Acerca de meros mtodos - diga respeito ao papel do STF na interpretao constitucional. Cabe a esse Tribunal fazer valer determinados valores constitucionais? Se sim, como decidir quais prevalecem em cada caso concreto? Ou ao StF cabe apenas zelar pelo bom funcionamento procedimental do regime democrtico, deixandopara o legislador a tarefa de decidir sobre os valores constitucionais a serem concretizados? Importante ter em mente que a tarefa da interpretao constitucional ir variar de acordo com o enfoque acerca da funo da Constituio e de seu guardio na vida poltica do pafs. E no h discusso metodoldgica que prescinda dessa discusso de base.

    7. Desenvolver urna teoria da constituio aplicvel (pelo menos tambm) Constituio Brasileira no significa que mtodos ou pontos de vista desenvolvidos alhures no possam ser aplicados na interpretao da Constituio Brasileira. Significa apenas que o mtoo adotado no pode existir independentemente de uma teoria constitucional. Significa, alm disso, que cabe ao terico constitucional fundamentar a compatibilidade de uma determinada concepo de nossa Constituio com um determinado mtodo. Significa, em resumo, que no h mais espao para o otimismo metodolgico, isto , para a crena de que o resultado da interpretao constitucional depende pura e simplesmente do mtodo utilizado."

    87. Essa teoria pode - e deve - aproveitar-se da discusso internacional. Essa discusso s6 no pode ser encarada como ponto de chegada.

    88. C(, nesse sentido, Reinhold Schlothauu, Zur Krise der Verfassungsgerichtsbarkeir, pp. 165 e ss.

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