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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988: expansão, competição, identidades e desigualdades. André Filipe Pereira Reid dos Santos 2008

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Page 1: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988:

expansão, competição, identidades e desigualdades.

André Filipe Pereira Reid dos Santos

2008

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II

DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988:

expansão, competição, identidades e desigualdades.

André Filipe Pereira Reid dos Santos

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio

de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de Doutor em Ciências Humanas (Sociologia).

Orientadora: Profª Drª Maria Ligia de Oliveira Barbosa

Rio de Janeiro

Julho de 2008

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III

DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988:

expansão, competição, identidades e desigualdades.

André Filipe Pereira Reid dos Santos

Orientadora: Profª Drª Maria Ligia de Oliveira Barbosa

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e

Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências

Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Sociologia).

Aprovada por:

___________________________

Presidente, Maria Ligia de Oliveira Barbosa.

___________________________

Eliane Botelho Junqueira.

___________________________

Joaquim de Arruda Falcão Neto.

___________________________

Maria Helena de Magalhães Castro.

___________________________

Michel Misse.

Rio de Janeiro

Julho de 2008

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IV

Santos, André Filipe Pereira Reid dos.

Direito e profissões jurídicas no Brasil após 1988: expansão, competição,

identidades e desigualdades/André Filipe Pereira Reid dos Santos. – Rio de Janeiro:

UFRJ/IFCS, 2008.

vi, 217f.: il.; 31 cm.

Orientador: Maria Ligia de Oliveira Barbosa. Tese (doutorado) –

UFRJ/IFCS/Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, 2008.

Referências: f. 143-158.

1. Sociologia. 2. Direito. 3. Sociologia das Profissões. 4. Profissões Jurídicas. 5.

Identidades Profissionais. 6. Desigualdades Sociais. I. Barbosa, Maria Ligia de. II.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais,

Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. III. Direito e profissões

jurídicas no Brasil após 1988: expansão, competição, identidades e desigualdades.

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V

A Merinha, que apostou que eu chegaria até aqui, mas não pode presenciar este momento. A

luta dela pela vida foi um exemplo e tanto. Saudades da minha mãe!

A Zuna, que passou por grandes dificuldades, mas não deixou de estar ao nosso lado. Valeu,

pai!

A Telminha e Nina que foram meu ponto de equilíbrio em todos os momentos. A partir de um

determinado período a vida cotidiana passou a ser vivida direta e intensamente em função

delas.

Amo vocês!

E que venham Tito e Pedro!

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VI

Agradecimentos

A Maria Lígia de Oliveira Barbosa, minha orientadora, pelas críticas e sugestões e

pela paciência comigo. Esse trabalho chegou ao final também pelos seus incentivos e

cuidados. Nunca me esquecerei de você!

A Ricardo Falbo e Michel Misse, pelas sugestões e exortações que fizeram na banca

de qualificação. Vocês mudaram os rumos da tese!

A Amélia Rosa de Sá Barretto, pela acolhida em seu lar, por seus ouvidos atentos e

pelos conselhos para a vida.

A Beatriz Proba, pela presteza em agendar as entrevistas no MP.

A Andréa Paladino e Kosta Matevski, pela consultoria.

Aos profissionais entrevistados, que contribuíram muito para o resultado final da tese.

O anonimato imposto para a preservação das fontes não diminui a importância de cada um de

vocês.

À Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, pela indicação dos contatos dos

Defensores selecionados para entrevista.

À Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (ADPERJ), na

figura de seu presidente Denis Praça.

Ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

A Ângela, Claudinha e Denise, atenciosas funcionárias do PPGSA.

À Coordenação de Estudos Legislativos (BANDEP), pelo envio dos dados solicitados

sobre as ocupações e os estudos acadêmicos dos deputados federais brasileiros.

Ao pessoal da FDV que esteve comigo em boa parte do tempo do doutorado.

Ao pessoal do Unicuritiba, minha nova casa.

Àqueles que foram meus alunos e ouviram partes dessas minhas idéias.

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VII

RESUMO

DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988:

expansões, competições, identidades e desigualdades.

André Filipe Pereira Reid dos Santos

Orientadora: Profª Drª Maria Ligia de Oliveira Barbosa

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em

Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e

Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Sociologia).

Para análise das profissões jurídicas brasileiras, a sociologia das profissões representa importante abordagem que abre caminho para a compreensão do significado atual desses grupos. A partir do processo de redemocratização política do Brasil as profissões jurídicas planejaram e executaram um projeto profissional. O trauma da ditadura militar foi um argumento fundamental para reforçar a importância do direito e das profissões jurídicas para redemocratização do país. E os movimentos sociais foram levados para dentro da Assembléia Nacional Constituinte de 1987, transformando as lutas sociais em lutas políticas por novos direitos legislados. As próprias profissões jurídicas participaram intensamente da construção da Constituição de 1988, marcando seu espaço de poder para essas profissões. O campo jurídico se expandiu junto com o campo político a partir do processo de redemocratização política do país, mas essa expansão do poder das profissões jurídicas (projeto profissional) não aconteceu de forma homogênea nem harmônica. Há lutas entre algumas profissões jurídicas que remetem a lutas por identidades e por controle sobre determinadas áreas do espaço social. O Ministério Público e a Defensoria Pública no Rio de Janeiro demonstram essa luta e seus principais fatores, marcando disputas por identidades e estabelecendo novas desigualdades entre as próprias profissões jurídicas. Palavras-chave: Sociologia das Profissões; Profissões Jurídicas; Ministério Público; Defensoria Pública; Identidades Profissionais; Desigualdades Sociais.

Rio de Janeiro

Julho de 2008

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VIII

ABSTRACT

DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988:

expansões, competições, identidades e desigualdades.

André Filipe Pereira Reid dos Santos

Orientadora: Profª Drª Maria Ligia de Oliveira Barbosa

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em

Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e

Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Sociologia).

For the analisys of brasilian legal profession the sociology of profession represents an important aproach which opens the door to understanding the current significance of these groups. Since the begining of the political redemocratization in Brasil, legal professions have planned and executed a professional project. The trauma left after the military regime government was a crucial argument to strenghten the importance of law and legal professions for the redemocratization of the country. The social movements were taken into the 1987 National Constitutional Assembly, transforming the social struggles into political struggles for the new rights. The legal professions participated intensely in the building of the 1988 Constitution, demarkating their space within the system of power. Legal field has expanded together with the political arena since the redemocratization process but the expansion of power of legal professions (professional project) has not happened in a homogenous and harmonic way. There are conflicts between some legal professions that go back to struggles for identity and certain social areas. District Attorney Office and Public Defender Office in Rio de Janeiro clearly demonstrate the struggle for identity and creating new inqualities between legal professions. Key words: Sociology of Professions; Legal Professions; District Attorney; Public Defender Office; Professional Identities; Social Inequality.

Rio de Janeiro

Julho de 2008

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IX

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADPERJ Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro

AMB Associação dos Magistrados Brasileiros

AMPERJ Associação do Ministério Público do Estado do rio de Janeiro

ANAMATRA Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho

ANC Assembléia Nacional Constituinte

BANDEP Coordenação de Estudos Legislativos da Câmara do Deputados

CONAMP Associação Nacional dos Membros do Ministério Público

DPGE-RJ Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro

ENC Exame Nacional de Cursos

IES Instituição(ões) de Ensino Superior

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

MPF-RJ Ministério Público Federal - Procuradoria da República no Estado do Rio de

Janeiro

MP-RJ Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

OAB-RJ Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio de Janeiro

UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

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X

SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS, p. 1 Capítulo 1 – ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS SOBRE PROFISSÕES, p. 7 1.1 FUNÇÕES SOCIAIS DAS PROFISSÕES, p. 7 1.2 A CONTRIBUIÇÃO INTERACIONISTA, p. 12 1.3 PROFISSÕES E PODER, p. 14 1.4 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES JURÍDICAS, p. 26 1.5 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES NO BRASIL, p. 30 Capítulo 2 – DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS: análises da estrutura e do funcionamento do campo jurídico e descrições do campo jurídico brasileiro, p. 35 2.1 DIREITO E BUROCRACIA, p. 35 2.2 CAMPO JURÍDICO, p. 38 2.2.1 O ensino jurídico, p. 39 2.2.2 As Associações Profissionais, p. 42 2.3 BREVE DESCRIÇÃO DO CAMPO JURÍDICO BRASILEIRO: ensino do direito, profissões jurídicas, associativismo e instâncias de consagração, p. 44 2.3.1 Ensino do Direito no Brasil, p. 44 2.3.2 Profissões Jurídicas no Brasil, p. 48 2.3.3 Associações no Campo Jurídico Brasileiro, p. 54 2.3.4 Instâncias de Consagração das Profissões Jurídicas Brasileiras, p. 55 Capítulo 3 – PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL: elaboração e execução de um projeto profissional a partir da redemocratização política, p. 63 3.1 PRIMEIROS JURISTAS BRASILEIROS, p. 63 3.2 PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS O FIM DA REPÚBLICA VELHA, p. 67 3.3 PROFISSÕES DO DIREITO E DITADURA MILITAR, p. 70 3.3.1 O Terror Militar, p. 72 3.3.2 O Ensino Jurídico durante a Ditadura Militar, p. 75 3.4 O PERÍODO DA REDEMOCRATIZAÇÃO POLÍTICA E A CONSTITUIÇÃO DE 1988, p. 78 3.4.1 A Participação dos Profissionais do Direito na Elaboração da Nova Constituição Brasileira, p. 82 3.5 EXPANSÃO DO ENSINO DO DIREITO APÓS 1988 E CONTROLE DE MERCADO, p. 91 3.6 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E DAS RELAÇÕES SOCIAIS, p. 95

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XI

Capítulo 4 – MINISTÉRIO PÚBLICO VERSUS DEFENSORIA PÚBLICA NO RIO DE JANEIRO: identidades e desigualdades, p. 100 4.1 INSTITUIÇÕES JURÍDICAS ESCOLHIDAS, p. 102 4.1.1 Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro, p. 102 4.1.2 Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, p. 107 4.2 IMPRESSÕES E COMENTÁRIOS SOBRE AS ENTREVISTAS, p. 109 4.3 ANÁLISES DAS ENTREVISTAS COM DEFENSORES PÚBLICOS E PROMOTORES DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, p. 113 4.3.1 Problemas Sociais Brasileiros, p. 113 4.3.2 Imagens da Pobreza, p. 115 4.3.3 A Pobreza no Brasil, p. 115 4.3.4 O Comportamento dos Pobres, p. 116 4.3.5 Rendimentos Profissionais, p. 119 4.3.6 Desigualdade de Rendimentos entre Defensoria e MP, p. 119 4.3.7 Isonomia de Rendimentos entre Defensoria e MP, p. 124 4.3.8 Defensoria versus MP, p. 126 4.3.9 A Clientela da Defensoria, p. 132 CONSIDERAÇÕES FINAIS, p. 140 REFERÊNCIAS, p. 143 ANEXOS, p. 159

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Para apresentar esta tese escolhemos duas vertentes, uma experimental e outra

acadêmica. Por isso chamamos esse início de Considerações Iniciais, em vez de Introdução. A

parte experimental está em forma de apresentação das agruras de uma pesquisa de doutorado.

Chamamos de experimental porque não se vê muito esse tipo de apresentação por aí. Toda

novidade é também um experimento. Já o que chamamos de apresentação acadêmica está em

forma de pequena antecipação daquilo que se pode (ou não) esperar desta tese. É a introdução

mais clássica, com apresentação em forma de resumo daquilo que o leitor lerá mais à frente,

tentando dar uma idéia das hipóteses e discussões a serem realizadas.

AGRURAS DE UMA PESQUISA DE DOUTORADO

Quando lemos um trabalho científico, às vezes achamos que o resultado final da

pesquisa ou o texto final foram frutos unicamente das escolhas do pesquisador. E essa

imaginação do leitor vai também fazendo a fama do autor. Quando o trabalho está bom,

pensamos: “que capacidade de fazer análises!”, “como usa adequadamente a metodologia e a

teoria!”, “como argumenta bem!”. Quando o trabalho está ruim, é um Deus nos acuda: “o

orientador não deveria...”, “mostra desconhecimento...”, “imagina, sem nenhum respaldo,

que...” E por aí vai. Estando bom ou ruim o trabalho, as críticas dos leitores, que

primeiramente são os próprios pares, quase sempre toma uma visão planificada, sem

considerar as ranhuras, os relevos da trajetória do autor ou das dificuldades encontradas para a

produção do trabalho. Talvez não se possa mesmo exigir dos leitores que eles saibam de

aspectos particulares da trajetória do pesquisador. Mas o próprio pesquisador poderia/deveria

expressar mais os seus sentimentos em relação ao trabalho e às dificuldades enfrentadas para

sua realização.

Nem sempre os resultados das pesquisas vão ao encontro das expectativas e hipóteses

do pesquisador. E nem sempre as hipóteses de trabalho são concebidas a priori. Daí a

importância de relatar um pouco a experiência da pesquisa. Algumas vezes o

desenvolvimento das pesquisas vai impondo novas hipóteses que anteriormente não haviam

sido pensadas. Vamos tendo que fazer adequações à pesquisa, o que inclui métodos e teorias.

O que estamos dizendo é que o produto final das pesquisas nem sempre é esperado, e isso é

muito eliasiano. Não há um controle absoluto do pesquisador sobre suas fontes e hipóteses de

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2

trabalho. Esse controle é sempre relativo, precisando de alterações no percurso. Essa

constatação não deve diminuir o peso das críticas que devem ser feitas pelos pares, mas deve

dar ao pesquisador a certeza de que ele não é tão brilhante nem tão “fraco” quanto as críticas

possam pintá-lo. Porque ele não é dono da verdade. Porque ele não é senhor absoluto de suas

pesquisas e de seus resultados. Numa sociedade em que o binômio sucesso/fracasso baliza os

julgamentos morais, o campo científico às vezes parece não estar tão imune a essa lógica de

mercado. Mas os efeitos que esse tipo de julgamento tem sobre o pesquisador e seus trabalhos

– porque separar trabalho e trabalhador é cada vez mais difícil mesmo no campo científico –

pode ser menos pernicioso na medida em que ele tiver maior consciência de suas limitações e

virtudes. Em nossa sociedade, o sucesso costuma encobrir uma multidão de erros e fracassos

pessoais. Mas o campo científico às vezes é até mais cruel, não deixando que os deslizes da

carreira sejam esquecidos, nem pelos pares nem pelo próprio pesquisador que cometeu algum

erro considerado grave, seja na área metodológica, teórica ou mesmo pessoal.

Torna-se impossível apresentar brevemente os capítulos que virão a seguir sem antes

apontar, minimamente, alguns aspectos do percurso nada linear que foi feito até chegarmos ao

resultado final da tese. Passamos por todo tipo de experiência no decorrer do curso de

doutorado: não recebemos bolsa de fomento à pesquisa; mudamos de Niterói para Vila

Velha/ES; depois, de Vila Velha para Campo Mourão/PR; e, por fim, de Campo Mourão para

Curitiba; trabalhamos como professor de sociologia e antropologia em cursos de graduação

tão distintos quanto Desenho Industrial, Direito, Serviço Social, História, Ciências Sociais e

Administração; trocamos de orientadora; vimos nascer e crescer nossa filha; estamos

esperando mais dois filhos; enfrentamos perseguições acadêmicas; desemprego;

desentendimentos familiares; doenças; morte na família; entre outras experiências boas e

ruins. Enfim, este trabalho está repleto de fracassos e sucessos das mais diferentes ordens.

Talvez haja até mais fracassos, mas fizemos o nosso melhor. Seria insuportável pensar no

resultado final da tese fora desse contexto. Ou pensar numa outra tese em meio a tudo o que

passamos. Se o contexto fosse outro, muito provavelmente a tese também teria outros

contornos.

Quando fomos aprovados para o doutorado, tínhamos um projeto por demais

grandioso. No decorrer do tempo fomos alterando e reduzindo o projeto inicial até chegarmos

ao que estamos defendendo aqui. Parte das alterações realizadas e seus principais motivos

serão demonstrados aqui, porque entendemos, como Bourdieu (2003, p. 18), que a exposição

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3

dos resultados da pesquisa é também uma exposição de si mesmo, é um correr riscos. Estamos

assumindo esses riscos como parte da discussão necessária ao amadurecimento das questões

levantadas e ao ingresso definitivo no campo da sociologia brasileira.

O QUE (NÃO) ESPERAR DESTE TRABALHO

Esta tese de doutoramento tem como fio condutor as transformações ocorridas nas

profissões jurídicas brasileiras após a Constituição de 1988, que tiveram reflexo sobre todo o

sistema de justiça, que chamamos, lato sensu, de Direito. Entendemos Direito não só como

normas, mas como sistema (não num sentido funcionalista) de justiça, algo como o que

Bourdieu chama de campo jurídico, que não é só Poder Judiciário, mas que inclui uma

infinidade de instituições e agentes com atuações político-jurídicas. Aliás, a impossibilidade

de separar o campo político do campo jurídico vai estar presente em quase todas as nossas

análises, ressaltando que Direito e Política são como duas faces de uma mesma moeda.

Propomos, então, o oposto daquilo que pretendia o positivismo jurídico clássico, que seria a

separação entre esses dois mundos que para nós é coexistente: o jurídico e o político.

No Capítulo 1 apresentaremos uma discussão breve, embora com o cuidado de não

torna-la superficial demais, das principais abordagens sociológicas para análise das

profissões. Seguimos basicamente a abordagem teórico-analítica da sociologia das profissões,

começando pelos funcionalistas, passando pelos interacionistas, até chegar aos weberianos.

Entre os funcionalistas, mostraremos a importância de Carr-Saunders e Parsons para criação

desse novo campo da sociologia; as modificações empreendidas pelo olhar de Goode e

Merton; e a permanência do funcionalismo na recente abordagem de Abbott. No

interacionismo, destacaremos os sociólogos Hughes e Freidson. O interacionismo propõe uma

maior proximidade com o objeto a ser analisado pelo sociólogo, no caso, a profissão a ser

analisada. Já entre os que podem ser chamados de weberianos, porque relacionam profissões a

poder, formas de organização do poder, passaremos por Johnson, Larson, Collins, Starr, Elias

e Bourdieu. Daremos maior atenção aos weberianos, em particular a Elias, porque será nosso

principal aporte teórico para algumas análises que faremos em capítulos posteriores. Por fim,

passaremos por uma breve apresentação da sociologia das profissões jurídicas e pela

Sociologia das Profissões no Brasil, destacando seus principais autores e temas. Este primeiro

capítulo tem um cunho mais teórico.

Page 15: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

4

Já o Capítulo 2 tem um aspecto mais descritivo, com análises da estrutura e

funcionamento das profissões jurídicas à luz das teorias de Larson, Bourdieu, Merton e

Collins e com descrições do campo jurídico brasileiro. Dentre as análises do funcionamento

do campo jurídico, passaremos pela discussão sobre o papel do estado (que preferimos grafar

com letra minúscula) e da burocracia para as profissões jurídicas. Apresentaremos também a

importância do ensino do direito e das associações profissionais para a constituição do campo

do direito. Por fim, faremos uma descrição do campo jurídico brasileiro, passando por: ensino

do direito, profissões jurídicas, associativismo e instâncias de consagração. A descrição do

campo jurídico brasileiro será acompanhada de pequenas análises e discussões sobre a

realidade do campo jurídico no Brasil, para isso utilizaremos mais autores brasileiros. Na

descrição das profissões jurídicas, utilizaremos a Classificação Brasileira de Ocupações

(CBO), que é uma espécie de catálogo oficial das profissões brasileiras. Faremos uso da CBO

com as devidas ressalvas sobre o papel de reconhecimento do poder das profissões,

desempenhado pelos códigos oficiais de classificação profissional.

No Capítulo 3 partiremos para uma análise mais próxima de nossa realidade social e

de nosso tempo. A partir de um breve histórico das profissões jurídicas no Brasil, entraremos

numa discussão um pouco mais densa sobre o período de transição conhecido como

redemocratização política, passagem da ditadura militar para a democracia. Este período será

enfocado a partir de dois eixos de análise: o trauma causado pela ditadura militar na sociedade

brasileira e o uso ideológico desse trauma social para elevação das profissões jurídicas a um

patamar importante de poder na sociedade brasileira pós-88. Esses dois eixos vão se integrar

justamente no período denominado de redemocratização política, particularmente durante a

Assembléia Nacional Constituinte de 1987, e conformará o que estamos chamando –

utilizando um conceito larsoniano – de projeto profissional.

Nossa hipótese aqui é de que o projeto profissional das profissões jurídicas brasileiras

foi concebido e executado durante a redemocratização política do país. E como todo projeto

profissional ele continua em elaboração/execução. Mostraremos que a expansão do campo

jurídico após 1988 acompanhou a expansão do campo político que se iniciou antes, durante a

redemocratização política do país. Para fazer toda essa discussão não deixaremos de lado

outros fatores importantes como: a expansão do ensino superior brasileiro já durante o período

militar; a expansão do ensino do direito após 1988 e o controle de mercado do ensino do

direito, realizado pelas associações profissionais; e a judicialização da política e politização da

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5

justiça, que são fatores recentes que têm avançado em todo mundo. Neste capítulo lançaremos

mão de inúmeros autores nacionais, como José Murilo de Carvalho, Oliveira Vianna, Afonso

Carlos Marques dos Santos, Miguel Baldez, Joaquim Falcão, Luiz Werneck Vianna e Ricardo

Falbo, entre outros.

O Capítulo 4 se propõe a ser mais empírico, com análises do trabalho de campo que

realizamos entre defensores públicos e promotores de justiça do Rio de Janeiro. Este capítulo

se iniciará com a afirmação de que a expansão ocorrida no campo jurídico brasileiro não

alcançou todas as profissões jurídicas de igual modo. Quer dizer, embora haja após 1988 uma

expansão do número de faculdades de direitos e, conseqüentemente, de profissionais do

direito na sociedade brasileira, essa expansão não ocorre indistintamente em todas as

ocupações jurídicas. Para desenvolver essa idéia, mostrando que a expansão das profissões

jurídicas após 1988 não foi uniforme, destacaremos uma competição entre defensores

públicos e promotores de justiça, que têm conseqüências para a própria prestação jurisdicional

destas profissões e para a construção da identidade dessas diferentes profissões jurídicas. A

luta entre as profissões jurídicas escolhidas se estabelece no estado do Rio de Janeiro, mas

bem poderia ser em qualquer outro estado brasileiro. A competição entre essas profissões

imiscui aspectos identitários e remuneratórios, em alguns momentos mascarados

ideologicamente sob o discurso de proteção/defesa dos pobres e da sociedade brasileira.

Nossa hipótese primeira aqui, retirada da abordagem teórica de Elias sobre a relação

estabelecidos/outsiders, seria a de que o tipo de clientela atendida pela Defensoria – os

economicamente hipossuficientes da sociedade brasileira – são a causa da baixa remuneração

dos defensores quando comparados aos promotores de justiça na maioria dos estados

brasileiros. Esta hipótese nos levou ao trabalho de campo com realização de entrevistas e

observações participantes que permitiram o desenvolvimento de outras linhas de investigação.

Numa dessas entrevistas um promotor nos deu um fio que nos levou à meada: além do

conflito entre defensores e promotores há uma tentativa do MP de constituir uma visão de

mundo partilhada pelos promotores de justiça, compondo uma estratégia profissional por

autoridade profissional (Starr). A busca por poder por parte do MP se dá pela via de uma

autovalorização da própria instituição e ajuda a construir a identidade profissional dessa

importante profissão jurídica brasileira. Esta autoridade profissional do MP brasileiro se

constrói para dentro da instituição fundada na ideologia de um profissionalismo calcado na

técnica jurídica e para fora na visibilidade da importância da instituição para a democratização

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6

do país. Mas além desses dois fatores, passa também pelo monopólio de um importante

espaço de atuação profissional, a denúncia penal, e pelo controle interno dos próprios pares.

Por tudo que já apresentamos até aqui esperamos que tenha ficado clara a proposta do

título do trabalho: o direito e as profissões jurídicas brasileiras se expandiram durante a

redemocratização política brasileira, em particular após a promulgação da Constituição de

1988, ampliando as competições por poder entre as profissões jurídicas e no campo do direito

como um todo – por exemplo, entre as faculdades de direito. Essas competições são por

poder, em todos os sentidos, e geram diferenciações (identidades) e desigualdades (inclusive

econômicas) no campo do direito. Nossas escolhas teóricas, metodológicas e de construção do

texto (forma e linguagem) foram feitas sempre para privilegiar a simplificação do argumento,

embora nem sempre isso aconteça. A banca de qualificação do projeto, composta por Misse e

Falbo, foi fundamental para alterações nos rumos das pesquisas. Já a banca de defesa, com

Castro, Misse, Junqueira e Falcão, realizou um segundo e mais importante crivo ao

desenvolvimento e transformação de nossas idéias. Mas a responsabilidade pelo que está

escrito aqui é toda do autor.

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7

1 ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS SOBRE PROFISSÕES.

Quando surge uma nova instituição ou um novo campo cientifico nem sempre se sabe

imediatamente o que está surgindo e nunca se sabe onde as mudanças sentidas vão parar. Com

o campo da sociologia das profissões também foi assim: começou como uma abordagem

sociológica do fenômeno das ocupações modernas e hoje já se constitui, ou se auto-intitula,

um campo autônomo dentro da sociologia, com autores e teorias próprias, com objetos de

pesquisa próprios e com sua própria historicidade.

Numa abordagem funcionalista, autores como Carr-Saunders, Parsons, Goode e

Merton foram imprescindíveis para os primeiros passos e o desenvolvimento da sociologia

das profissões. Posteriormente, Freidson realizou importantes contribuições para a sociologia

das profissões, já de uma perspectiva que podemos chamar de interacionista. Mas os

weberianos serão responsáveis pela sedimentação da sociologia das profissões como sub-

campo da sociologia. E fazem isso ao enfocar o poder profissional, explicitando suas

ideologias e seus projetos. Mas é claro que todos os teóricos da sociologia das profissões

anteriores foram importantes para que os weberianos chegassem a imprimir mudanças

significativas na sociologia das profissões, como veremos aqui.

1.1 FUNÇÕES SOCIAIS DAS PROFISSÕES

Os funcionalistas levantaram as primeiras questões da sociologia em torno do papel

das profissões nas sociedades modernas. De uma maneira geral os funcionalistas deram ênfase

à formação profissional e à constituição dos papéis profissionais como decorrência da

modernização das sociedades, dando especial valor aos profissionais na estrutura social. Para

Durkheim, a divisão social do trabalho se organizava a partir da divisão técnica do trabalho,

uma divisão funcional. As profissões desempenhariam funções específicas dentro do corpo

social em prol da harmonia, do bom funcionamento, do próprio corpo. Para ele, o

desenvolvimento da divisão do trabalho era a base de desenvolvimento da organização e

identificação dos grupos sociais. A identificação profissional seria quase automática,

decorrente da divisão técnica do trabalho. Seria uma consciência de pertencimento ao grupo,

fruto de um processo de socialização. Os demais funcionalistas não se afastaram muito desses

pressupostos durkheimianos.

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8

A sociologia das profissões começa a tomar forma como ramo autônomo da sociologia

a partir da década de 1930. Os trabalhos do inglês Carr-Saunders foram emblemáticos dos

primeiros passos do que viria a ser conhecido posteriormente como sociologia das profissões.

O verbete “profession”, elaborado por Carr-Saunders e Wilson, para a Enciclopédia de

Ciências Sociais, publicada em 1934, foi uma primeira tentativa de definir/conceituar

profissão. Segundo Dubar, no verbete, o autor define profissão da seguinte maneira: “dizemos

que uma profissão emerge quando uma quantidade definida de pessoas começa a praticar uma

técnica definida fundamentada em uma formação especializada”. (2005, p. 170) A partir desta

primeira definição de profissão, que Dubar afirma que se tornou clássica, fica marcada a

importância da formação para o surgimento de uma profissão. Esta seria uma formação dita

superior, especializada, o que dá às profissões um aspecto elitizado.

Para Carr-Saunders e Wilson, as profissões modernas descendiam das guildas,

corporações de ofícios da Idade Média, e incorporavam um sentido de missão, vocação1, que

apontava para o surgimento das associações profissionais como instituições responsáveis pela

ajuda mútua dos profissionais e pela demarcação entre os profissionais e os não-profissionais,

os qualificados e os não-qualificados. Nesta perspectiva não se fazia nenhuma crítica às

profissões, pelo contrário, entendia-se as profissões como resultado normal (natural) do

processo evolutivo das técnicas nos “países civilizados”. É como se os profissionais fossem

substituir progressivamente a mão-de-obra não-qualificada nas sociedades modernas,

condenando os não-qualificados à extinção.

Foi na sociologia americana, graças a Talcott Parsons e seus pupilos, que, no final da

década de 30, a sociologia das profissões encontrou seu maior impulso inicial. Sem jogar fora

as concepções básicas propostas por Durkheim e por Carr-Saunders e Wilson2, Parsons inclui

a relação profissional-cliente como parte da construção dos papéis profissionais, ressaltando

que as profissões atendem às necessidades da sociedade. Para ele, a sociedade necessita do

trabalho dos diferentes grupos profissionais. Falar em diferença ao invés de desigualdade não

é sem propósito em se tratando do funcionalismo. Como cada parte do corpo tem uma função

específica, não há hierarquias para o funcionalismo, mas diferenciação. Os funcionalistas se

1 “Reconhecemos uma profissão como uma vocação, fundada num treinamento intelectual prolongado e especializado que capacita ao exercício de um serviço particular”. (1934, p. 478) (tradução livre) No original: “We recognize a profession as a vocation founded upon prolonged and specialized intellectual training which enables a particular service to be rendered.” 2 Dubar (2005, p. 171), citando Heilbron, destaca “a grande semelhança” do verbete “Profession” de 1934, feito por Carr-Saunders e Wilson, com o de 1968, feito por Parsons.

Page 20: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

9

preocupam eminentemente com o funcionamento da estrutura social e não com os processos

históricos de formação da estrutura.

Em relação ao processo de profissionalização, a dimensão do conhecimento é a mais

importante para Parsons. O funcionalismo parsoniano liga profissão a trabalho e educação,

porque a formação é a integração do profissional ao corpo social para o desempenho de sua

função. O processo de profissionalização tem a função de garantir a coesão social e a

socialização dos profissionais. Para ele, a universidade moderna é a base das profissões e, por

isso, os profissionais são verdadeiros vocacionados a desempenhar uma missão na sociedade e

não meros negociantes. “Ao contrário dos negócios [...] as profissões são marcadas pelo

‘desprendimento’”3. (Parsons, 1939, p. 458 – tradução livre)

As diferenças (de prestígio, remuneração e autonomia) entre as profissões decorrem,

segundo ele, da competência do grupo profissional na realização de suas tarefas. Com isto, ele

acaba dividindo profissões (sentido mais nobre) de ocupações (sentido menos nobre). Toda

profissão é uma ocupação, mas nem toda ocupação é uma profissão. A profissão teria a

preocupação de devolver à sociedade os conhecimentos desenvolvidos, e ocupa o topo da

estratificação ocupacional.

William J. Goode, outro funcionalista4, desenvolve um pouco mais a idéia de

diferença entre as profissões ao definir o processo de profissionalização como o

desenvolvimento de um corpo abstrato de conhecimentos. Aqui se coloca a questão da

identidade social das profissões, processo de socialização e formação da identidade do grupo

profissional, discutindo a relação entre grupo profissional e sociedade. Rodrigues afirma que,

segundo Goode,

A sociedade concede às profissões autonomia em troca da capacidade de controlo; recompensas e prestígio em troca de competência; monopólio através de licenças em troca das melhores prestações ou serviços. É a sociedade que confere poder às comunidades profissionais, que oferecem como contrapartida principal uma procura constante de elevação dos níveis de formação dos seus membros. (2002, p. 10, 11)

O controle social sobre as profissões, para Goode, é feito pelos próprios grupos

profissionais, numa espécie de concessão feita pela sociedade como um todo para os grupos

3 No original: “But by contrast with business in this interpretation the professions are marked by ‘disinterestedness’” 4 Dubar (2005, p. 175) e Rodrigues (2002, p. 10) concordam que Goode seja um dos mais importantes pupilos de Parsons.

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10

profissionais. Goode trata os grupos profissionais organizados como comunidades

homogêneas que desempenham papéis intermediários entre a sociedade e as profissões.

Barbosa chama a atenção para o fato de que “a base dessa homogeneidade é o longo período

de treinamento ao qual os seus membros são submetidos”. (1993, p. 185) Este treinamento

profissional seria responsável pela transmissão e reprodução dos valores profissionais.

A abordagem de Goode sobre o controle social das profissões aponta para um aspecto

duplo na relação sociedade-profissões: a sociedade mantém o controle sobre os profissionais,

que desempenham funções específicas no corpo social, e os grupos profissionais protegem os

profissionais da sociedade como um todo.

Robert King Merton é também um sociólogo funcionalista, mas devemos considerar

que ele tentou incorporar em sua abordagem algumas discussões realizadas por Freud e por

Weber e seus seguidores. Embora ele tenha sido influenciado pela leitura que Parsons fazia de

Weber, afinal Parsons traduziu para o inglês a obra do autor alemão e foi professor/orientador

de Merton, deu um passo à frente na abordagem funcionalista ao distinguir funções

manifestas de funções latentes.

Para Merton um grupo social, as profissões, por exemplo, cumpre funções objetivas,

esperadas, manifestas, para os membros do grupo ou mesmo para o sistema social ou cultural

como um todo. Mas além de cumprir sua função manifesta, a função à qual se destina ou que

se espera, o grupo social pode cumprir funções latentes, funções não intencionadas pelo grupo

ou mesmo desconhecidas do próprio grupo. Segundo ele, os sociólogos só faziam análises do

visível, dos fatos objetivos da vida social, deixando de lado os fenômenos sociais não

esperados ou não reconhecidos pelo grupo social estudado. “O conceito de função latente

amplia a atenção do observador para mais além de se saber se a conduta consegue ou não a

sua finalidade confessada”. (Merton, 1970, p. 131)

Pensando especificamente as profissões Merton mostra, usando para isso a medicina,

que a vocação de servir à sociedade (o ideal de prestação de serviço à sociedade) que o

médico teria, e que começa a se aperfeiçoar numa longa formação, segue paralelamente a uma

segregação social dos não vocacionados. Se a formação profissional permite a socialização

dos futuros profissionais nos valores de serviço à sociedade, uma vez com o diploma na mão

os agora profissionais o utilizariam também como forma de se distinguir dos não-

profissionais, daqueles que não enfrentaram o longo e difícil percurso da formação. A

Page 22: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

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formação profissional, ao mesmo tempo em que iguala os formandos (função manifesta),

estabelece uma hierarquia entre eles e os não-profissionais, ou falsos profissionais, depois de

formados (função latente).

Assim, de “profissão” aberta a todos os que sentem a vocação para a realização de um ideal do serviço (função manifesta), o grupo profissional passa a ser, nesse modelo, uma “organização fechada”, preocupada antes de tudo com sua própria reprodução (função latente). (Dubar, 2005, p. 195)

Merton ainda não analisa esta relação como uma relação de luta por poder, mas como

contradições da formação profissional. A função manifesta e a função latente não são

excludentes e podem ser identificadas num mesmo objeto de pesquisa. Merton também vai

dar atenção aos intelectuais na burocracia e ao papel das associações profissionais, como

veremos no capítulo 2.

Andrew Abbott é outro autor que não chega a romper com o funcionalismo, embora

tenha se afastado um pouco mais dos funcionalistas em sua teoria dos sistemas profissionais,

chegando a introduzir uma noção de competição. Para Abbott, a divisão do trabalho está dada

e os grupos profissionais lutam por áreas específicas da divisão do trabalho. O sistema

profissional se assemelha a um sistema funcional. Só que o instrumento de organização da

disputa no sistema profissional é o grau de abstração do conhecimento que a profissão

controla. Quanto mais abstrato o conhecimento, maior o poder da profissão. O grau de

abstração do conhecimento profissional é uma medida da probabilidade de um grupo

profissional vencer uma disputa com outro grupo profissional. Rodrigues, elencando os cinco

principais pressupostos da teoria de Abbott, aponta como item quatro que

o principal recurso na disputa jurisdicional, e a característica que melhor define profissão, é o conhecimento abstracto controlado pelos grupos ocupacionais: a abstração confere capacidade de sobrevivência no competitivo sistema de profissões, defendendo de intrusos, uma vez que só um sistema de conhecimento governado por abstracção permite redefinir e dimensionar novos problemas e tarefas. (2002, p. 94)

Profissões que não conseguem tornar o seu corpo de conhecimentos suficientemente

abstrato tendem a desaparecer. Para melhor entender as relações sociais que um grupo

profissional estabelece com seus conhecimentos, Abbott cria o conceito de jurisdição.

Jurisdição é uma espécie de laço entre o grupo profissional e seus conhecimentos específicos.

Como há campos de conhecimentos da divisão do trabalho que estão sendo disputados por

mais de um grupo profissional, o autor afirma que estará configurado aí um conflito

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12

jurisdicional. Assim como Parsons e os demais funcionalistas, Abbott chama a atenção para a

importância da educação (conhecimento) na autonomia dos grupos profissionais.

1.2 A CONTRIBUIÇÃO INTERACIONISTA

Os chamados interacionistas, provenientes, sobretudo, da Escola de Chicago, também

contribuíram para a sociologia das profissões, principalmente no aspecto metodológico. Os

principais autores dessa abordagem são Hughes e Freidson.

Everett Hughes faz uma aproximação interessante das profissões com as religiões, mas

que em alguns momentos parece mais poético que sociológico, sem desmerecimento da

importância da poesia. Para ele, há profissão essencial à sociedade (sagrada) e sociedade

essencial à profissão (profana). Quer dizer, há profissões que desempenham funções

essenciais e outras que desempenham funções secundárias na sociedade. Para estas últimas

parece até que a sociedade é mais importante para ela do que ela para a sociedade. Quem

define o que é ou não “sagrado” é a própria sociedade, segundo ele. É a sociedade também

que autoriza o exercício profissional pela distribuição da licença para atuação, que pode ser

simbolizado pelo diploma, e que determina o mandato social dos profissionais, sua missão.

Hughes segue discutindo os problemas relacionados às profissões fazendo sempre um

paralelo com as religiões, onde ele trata de ritual, iniciação, disciplina, conversão... Mas a

maior contribuição da abordagem interacionista é a possibilidade de análise da socialização

do profissional. Esta socialização profissional não está restrita à formação profissional, como

nos funcionalistas, mas acontece também na atuação profissional, no mercado de trabalho,

através de três olhares: um olhar para o outro (profissional), um olhar para a estrutura

(profissional) e um olhar para si mesmo (como profissional). Fica marcada a relevância da

subjetividade do profissional para Hughes, psicologizando, de certa maneira, a abordagem

sociológica das profissões. Dubar afirma que o interesse desta abordagem “reside menos na

originalidade e no rigor do ‘modelo’ apresentado do que em sua fecundidade operacional”.

Afirma ainda que,

Hughes e os sociólogos às vezes agrupados sob o rótulo de “escola de Chicago” tiveram o grande mérito de vincular estreitamente o universo do trabalho aos mecanismos de socialização. [...] Hughes enfatiza o fato essencial de que o “mundo vivido do trabalho” não podia ser reduzido a uma simples transação econômica (a utilização da força de trabalho em troca de um salário): ele mobiliza a personalidade individual e a identidade social do sujeito, cristaliza suas esperanças e sua imagem de Si, engaja sua definição e seus reconhecimentos sociais. (2005, p. 184, 186, 187)

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Como o funcionalismo restringe a possibilidade de análises empíricas, uma vez que o

indivíduo não exerce papel relevante para aquela corrente teórica, o interacionismo, que

valoriza o poder criativo dos indivíduos, apresenta melhor capacidade metodológica para a

análise empírica. O interacionismo está preocupado com análises qualitativas, criando

inferência a partir dos fatores para o surgimento de um fenômeno social. Por isso, para os

interacionistas é preciso que se escolha uma margem de diferenças qualitativas (diferentes

profissões, por exemplo), considerando a regularidade das diferenças.

Embora Eliot Freidson seja também considerado um interacionista, rótulo que ele

mesmo rejeita, ainda mantém algumas características funcionalistas, como veremos. Para o

interacionismo o estudo de caso deve ser feito comparativamente, comparando profissões,

como já dissemos. Uma vez que os funcionalistas consideravam os indivíduos sem poder

criativo, suas análises das profissões corriam o risco de reprodução das ideologias

profissionais. Barbosa afirma que

Se esta abordagem (o funcionalismo) teve o mérito inegável de “construir os princípios de coerência do conjunto de características das profissões, isto é, uma teoria do funcionamento, e mesmo da gênese, dos grupos profissionais” (Chapoulie, 1973, p. 91 – grifo da autora), ela pode ser criticada por uma proximidade excessiva ao seu objeto. (1999, p. 186, 187)

Freidson (1975) questiona justamente as ideologias profissionais ao tentar entender

empiricamente a relação entre médicos e pacientes em seu livro Profession of Medicine,

embora ele mesmo às vezes pareça não resistir a estas ideologias. Freidson promove um maior

afastamento do sociólogo para com o objeto de pesquisa (profissões) do que os funcionalistas,

mas ainda mantém algumas características funcionalistas, como veremos.

No entanto, no que há de interessante nesta corrente teórico-metodológica, há também

de problemático, porque o interacionismo não prescinde totalmente do funcionalismo, razão

pela qual se poderia colocar Freidson junto com os funcionalistas5. Isso porque para o

interacionismo o indivíduo escolhe numa estrutura social dada. A estrutura social não é

questionada ou discutida. A preocupação do interacionismo é com a relação entre indivíduos

num determinado espaço social, e não com o processo de formação social das organizações,

das instituições e mesmo da estrutura de relações sociais.

5 Barbosa (1999) classifica o trabalho de Freidson como “paradigma funcional fraco” porque ele mantém uma certa divisão do trabalho como “limitador da capacidade de agência das profissões” e porque não problematiza o poder nas competições profissionais.

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14

Freidson trabalha com identidades profissionais, mas ainda não no sentido de

identidades coletivas, discutindo as diferenças intraprofissionais. Para ele, os excluídos de um

grupo profissional são aqueles que não tiveram competência para entrar ou se manter no

grupo. Embora ele sinalize com um processo de disputa intraprofissional, o poder ainda não

aparece como um problema, mas como decorrência do conhecimento que a profissão

acumula. O poder dos médicos na sociedade americana, por exemplo, decorreria de sua

competência, e serviria para garantir a homogeneidade do grupo profissional, o que de certa

maneira apresenta uma função social para o poder profissional: organizar e controlar a

atuação profissional e garantir a felicidade e o bem geral da sociedade.

Se Abbott permitiu o questionamento das disputas interprofissionais, embora para este

a disputa ainda acontecesse em termos cognitivos, Freidson permitiu a análise de disputas

intraprofissionais. Principalmente quando dá ouvidos aos próprios profissionais na

investigação de seus dilemas e conflitos para a construção das identidades profissionais. O

método qualitativo largamente utilizado pelos interacionistas acaba privilegiando um olhar

sociológico sobre a construção interna do grupo profissional a partir de suas lutas identitárias.

O problema desse tipo de investigação é que muitas vezes ele reproduz a ideologia do grupo

profissional, já que o próprio grupo estará sendo entrevistado. Embora o interacionismo tenha

emprestado importante contribuição para análise dos grupos profissionais, são os weberianos

que irão impactar a sociologia das profissões ao enfocar o poder profissional, explicitando

suas ideologias e seus projetos.

1.3 PROFISSÕES E PODER

As abordagens teóricas que associam profissões a poder descendem da linha

weberiana de pesquisa e análise. Para Weber, profissão era “aquela especificação,

especialização e combinação dos serviços de uma pessoa que, para esta, constituem o

fundamento de uma possibilidade contínua de abastecimento ou aquisição”. (1999, p. 91) A

definição weberiana de profissão destaca a capacitação (“especialização”), o individualismo

metodológico (“uma pessoa”) e a competição (“possibilidade contínua de abastecimento ou

aquisição”). A profissão seria o meio do indivíduo capacitado se inserir no mercado para

satisfazer suas necessidades materiais (“abastecimento”) ou imateriais (“aquisição”).

Aquisição pode subentender posições sociais, honras, títulos, enfim, poder social.

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Os autores que serão apresentados agora, e que servirão de base para as análises que

faremos das profissões jurídicas na sociedade brasileira, são representantes da tradição

weberiana. Preferimos apresentar as principais abordagens teóricas por autor, em vez de por

tema/afinidade, para ficar de uma maneira que julgamos mais didática. Ademais, como já

dissemos, já há um tema em comum entre os autores apresentados: o poder. Podemos dizer

que o poder é algo que aparece em todos eles como uma categoria unificadora, doadora de

sentidos, e diferenciadora, estabelecendo os limites entre os que estão dentro e os que estão

fora das disputas e honras prezadas pelos profissionais. As profissões se estabelecem como

unidade integradora e excludente ao mesmo tempo, cumprindo a dupla função de fechar os

grupos profissionais em si e estabelecer a competição com os outros grupos profissionais. O

poder das profissões estaria exatamente na capacidade de doar sentido aos que pertencem ao

grupo profissional e estabelecer a dominação de um grupo sobre outros e sobre a sociedade.

Mas cada autor apresentado contribui de maneira específica para uma análise sociológica do

poder profissional.

Numa perspectiva histórica da importância das abordagens teóricas de matizes

weberianas para a sociologia das profissões, podemos afirmar que Terence Johnson (1972) foi

um dos primeiros autores a relacionar profissões a poder. O título sugestivo de seu livro,

Professions and Power, já aponta esta tentativa do autor relacionar as profissões a uma lógica

de competição por poder social. Rodrigues vai além e afirma que

Com a contribuição de Johnson pode dizer-se que se inicia uma nova fase marcada pela preocupação de alargamento do campo de observação, isto é, passar da visão internalista das profissões para o estudo em simultâneo das interações estabelecidas com o exterior, a estrutura de classes da sociedade envolvente e, sobretudo, o Estado. (2002, p. 50)

Johnson insere o poder alcançado pelas profissões numa dimensão maior de luta por

poder na estrutura das classes sociais6. Para ele, a separação entre economia e política está no

fundamento do poder alcançado pelos grupos profissionais, mascarando a expansão capitalista

6 Ao falar em classes sociais, precisamos dizer também que a importância do marxismo para as ciências sociais durante quase todo o século XX não pode ser desconsiderada como fator que também contribuiu para um olhar sociológico sobre as profissões. Por um tempo a sociologia das profissões discutia as classes médias antes mesmo de discutir as profissões porque as profissões eram vistas como locus de atuação das classes médias, que atuavam, principalmente, como profissionais liberais ou na estrutura burocrática do estado. De uma perspectiva marxista, os grupos profissionais respondem a uma divisão econômica do poder em classes sociais, ficando as classes médias entre a burguesia e o proletariado. No passado, as teorias de classes eram as mais utilizadas para estudo de desigualdades. Com o avanço das teorias de estratificação, concomitante à perda de prestígio do marxismo no plano teórico, as teorias de classes foram perdendo espaço na análise sociológica. Sobre o tema da relação das classes médias com as profissões, cf. Grusky; Sorensen (1998) e Barbosa (1998).

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sob a marca do profissionalismo. Sua abordagem mistura marxismo com aspectos da

sociologia weberiana, como vai acontecer também com Larson.

Magali S. Larson (1977), entende a profissionalização como uma estratégia para

conquistar poder, prestígio e renda na sociedade. Esta estratégia se desenvolve

simultaneamente na ordem econômica, defendendo um monopólio legal de atuação num

mercado profissional, e na ordem sócio-simbólica, promovendo o status social da profissão.

Para ela, as profissões são uma forma de organização da desigualdade social nas sociedades

modernas e de imposição da perspectiva dos grupos dominantes sobre os demais grupos

profissionais. Barbosa reforça este ponto afirmando que segundo Larson “com o

fortalecimento das profissões inaugura-se uma nova forma de desigualdade estrutural”.

(1993b, p. 8)

Na estrutura de estratificação social as profissões lutam por remuneração e prestígio.

As lutas profissionais às vezes são perceptíveis, outras não, mas elas existem e demarcam

territórios de poder político e econômico, de identidades e desigualdades. Como o grupo

dominante consegue impor as regras do jogo social para os outros grupos, organizando e

controlando o acesso ao conhecimento e às profissões, a profissionalização acaba se

resumindo numa tentativa de conversão de recursos escassos (qualificação) em outra ordem

de recursos (econômicos e de poder). Larson dá ênfase ao controle da produção da expertise,

valorizando a formação.

O principal instrumento de avanço da profissão, mais do que o altruísmo profissional, é a capacidade de reivindicar habilidades esotéricas e identificáveis – que é para criar e controlar uma dimensão cognitiva e técnica. (Larson, 1977, p. 180 – tradução livre)

Para ela, o controle sobre a dimensão cognitiva, controle do sistema de ensino, e sobre

a dimensão mercadológica, fechamento do mercado, são fundamentais para a tomada do

poder profissional e para a realização de um projeto coletivo de mobilidade social. O

fechamento do mercado serve para que as profissões criem “necessidades” por seus serviços

e, com isso, tornem-se indispensáveis à sociedade. As profissões controlam a produção e

satisfação de “necessidades” sociais.

Larson dá uma outra grande contribuição à sociologia das profissões ao analisar a

relação entre burocracia e profissões. Mas vamos deixar esta parte para o próximo capítulo.

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O sociólogo americano Randall Collins (1989) parte de uma análise da relação entre

educação e estratificação e discute as profissões como grupo de status. Educação e economia

são as duas grandes áreas temáticas utilizadas por ele para tentar entender se a educação

contribui para o desenvolvimento econômico de uma sociedade, particularmente a sociedade

norte-americana. Para Collins, as sociedades modernas vão de um sistema de privilégios a

uma meritocracia técnica. Mas ele diminui a importância da educação, do conteúdo do ensino,

na estratificação econômica de uma sociedade moderna. Ele chega a afirmar que a educação é

não só irrelevante para a colocação do indivíduo no mercado de trabalho, como às vezes é até

contraproducente.

Collins vê a meritocracia como uma ideologia7 posta em marcha principalmente pela

classe média e que serve para fazer uma seleção por classes sociais para o mercado de

trabalho. Ninguém mais do que a classe média assumiu o discurso meritocrático como

“verdade”, principalmente porque representaria a possibilidade de mobilidade social da

própria classe média. A classe média, mais do que as outras classes, freqüentou as escolas e se

empenhou em tornar universal e absoluto a ideologia de uma sociedade em que os mais

qualificados teriam seu posto de trabalho garantido e acesso às maiores remunerações. E se

empenhou tanto, principalmente, porque não dispunha de outros recursos, sociais ou políticos,

para alcançar mobilidade social ascendente. E toda vez que se invoca o fator educacional

(qualificação) como fator de seleção para o mercado de trabalho, está-se selecionando entre a

própria classe média. (p. 42) Ele afirma que os certificados são mais valorizados que os

conhecimentos, propriamente ditos. Os certificados seriam as credenciais para atuação

profissional numa sociedade meritocrática, que ele chama de sociedade credencialista. O

sistema de distribuição de credenciais educacionais tem sido o grande catalisador do

desenvolvimento econômico dos Estados Unidos e de expansão das profissões, segundo o

autor.

Mas para ele, só as credenciais (certificados) não bastam para encontrar um posto no

mercado de trabalho, é preciso também se apropriar de uma cultura profissional adequada,

que passa pela identificação entre a cultura escolar (incorporada na faculdade) e a cultura do

empregador. Ele argumenta que o empregador não quer correr riscos nem colocar sua

empresa em risco contratando profissionais que não tenham a cultura escolar com a qual ele

7 Para melhor entender os vários aspectos sociológicos sobre a meritocracia, o que inclui a ideologia meritocrática, e sobre a “meritocracia à brasileira”, ver Barbosa, 2001, p. 21-103.

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se identifica. O que mais uma vez retomaria o ponto central de sua tese de que não basta ter

conhecimento, nem qualquer credencial, em suma, que a educação não é tão relevante para a

seleção profissional. Ou melhor, “a educação será mais importante onde a correspondência

seja maior entre a cultura dos grupos de status que surgem das escolas e o grupo de status que

contrata os trabalhadores; será menos importante onde exista uma certa disparidade entre a

cultura educativa e a dos empregadores”8. (1989, p. 46 – tradução livre) Então, ser membro de

um grupo cultural (profissional) é a melhor arma para lutar por uma boa colocação no

mercado de trabalho. Collins também chama atenção para o poder das associações

profissionais na monopolização do mercado de atuação profissional, como veremos em lugar

adequado.

Analisando especificamente a medicina norte-americana, Paul Starr (1991) também

chega a algumas possibilidades de análises das profissões que foram importantes para a

sociologia das profissões como um todo. A contribuição de Starr pode ser identificada com o

conceito de autoridade cultural. Tomando emprestado de Hannah Arendt a noção de

autoridade para tentar entender de onde vem a autoridade cultural, o poder econômico e a

influência política que os médicos têm na sociedade norte-americana, Starr indica um

interessante caminho para pensar a profissionalização como processo de controle profissional.

Partindo das distinções feitas por Arendt9 entre autoridade, poder, força e violência,

Starr entende autoridade como meio mais eficaz de controle, e suas raízes estariam na

legitimidade e dependência. “A primeira está apoiada na aceitação, por parte do subordinado,

da idéia de que deve obedecer; a segunda, na previsão das conseqüências desagradáveis que

poderá acarretar a sua desobediência”. 10 (Starr, 1991, p. 23 – tradução livre) Para ele,

autoridade requer submissão voluntária a alguém, ou alguma coisa, que tenha, efetivamente,

legitimidade para submete-lo. Em outras palavras, a autoridade seria um casamento entre

legitimidade (para o exercício da autoridade) e submissão (ao exercício da autoridade). Não se

poderia ter autoridade sem este binômio.

8 No original: “Así, la educación será más importante donde la correspondencia sea mayor entre la cultura de los grupos de status que surgen de las escuelas y el grupo de status que contrate a los trabajadores; será menos importante donde exista uns cierta disparidad entre la cultura educativa y la de los empleadores.” 9 Essa distinção feita por Arendt está no livro “Crises da República”. 10 No original: “La primera descansa em la aceptación por parte del subordinado de la pretensión de que debe obedecer; la segunda en la previsión de las consecuencias desagradables que tendrá no obedecer”.

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Aplicando este conceito às profissões, ele afirma que o conhecimento seria a base

principal da autoridade profissional. Afirma ainda que os mais ricos e instruídos validam a

competência dos profissionais porque conseguem dialogar com o profissional, no caso o

médico, e identificar se ele tem competência, conhecimento e credenciamento, ou não.

Segundo ele, os ricos vão ao médico voluntária e freqüentemente. Já os mais pobres vão ao

médico compulsivamente, quando sentem alguma coisa, e não conseguem dialogar com o

médico, não sobrando outra alternativa senão submeter-se ao parecer médico. Os ricos se

submeteriam aos médicos por crença, na medicina e na capacidade do médico, e os pobres,

por dependência, por necessidade.

Utilizando o conceito weberiano de dominação como sinônimo de autoridade Starr

mostra que autoridade (dominação) para Weber tem uma dimensão social e que para analisar

as profissões seria preciso pensar numa dimensão cultural. Para isso, ele cria o conceito de

autoridade cultural. A essência seria a mesma do conceito weberiano de dominação, com a

diferença de que a autoridade social se aplicaria somente aos atores sociais, enquanto a

autoridade cultural se aplicaria também a produtos culturais, como obras de referência,

conhecimentos científicos, leis etc. Os conceitos de autoridade cultural e autoridade social não

seriam excludentes para Starr: freqüentemente o médico tem autoridade cultural (e o fato de

que ele é procurado, consultado, seria uma prova dessa autoridade cultural), mas não tem

autoridade social (visível, por exemplo, em sua incapacidade de impor determinado

tratamento a um paciente que se recuse a faze-lo). A autoridade cultural das profissões

serviria tanto à ordem social quanto aos profissionais.

Para Starr, a autoridade profissional se baseia: 1. na validação da competência (no

sentido de estar apto e de ser capaz) do profissional pela comunidade de seus pares; 2. em que

os fundamentos da competência profissional sejam racionais e científicos; 3. que haja uma

orientação de condutas para valores essenciais. Este último ponto fica mais em aberto na

possibilidade de interpretação do argumento do autor, porque ele defende a existência de

valores essenciais. Mas quais seriam esses valores essenciais? Essenciais pra quem? Para não

deixar de tentar entender o autor, podemos arriscar a dizer que o autor considera como

“valores essenciais” uma atuação profissional que sirva à sociedade como um todo. Ele parece

manter em seu conceito de autoridade cultural o ideal de serviço das profissões em prol do

corpo social, típico dos funcionalistas. Arriscamos esta interpretação porque no texto Starr

define profissão enfatizando aspectos típicos de diferentes escolas sociológicas em seu

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20

enunciado: auto-regulação, capacitação universitária, conhecimento técnico-científico e

orientação para o serviço e não para o ganho pecuniário. (1991, p. 30)

A luta das profissões médicas nos Estados Unidos por autoridade cultural e mobilidade

social resultou na conquista não só dos objetivos pretendidos como também na conquista do

controle de mercado, de organizações profissionais e políticas governamentais, segundo o

autor. A autoridade cultural da medicina fora convertida em privilégios. Em outras palavras,

houve uma conversão da autoridade cultural conquistada pelos médicos num longo processo

histórico-estrutural em poder econômico e influência política nos Estados Unidos. A

institucionalização da medicina na sociedade norte-americana trouxera ganhos sociais,

econômicos e políticos para as profissões médicas e seus profissionais.

A principal mudança da medicina do século XIX para a do século XX foi a

institucionalização da medicina, no sentido da institucionalização do saber médico (que

passou a ser vinculado às faculdades de medicina) e das profissões médicas (que passou a ter

associações de representação dos seus interesses, que conquistaram, por exemplo, o

monopólio de atuação). Vamos aplicar o conceito de autoridade cultural quando analisarmos o

poder do Ministério Público na sociedade brasileira após 1988.

Outro importante autor de linha weberiana que ajuda a discutir o poder das profissões

nas sociedades modernas, embora não seja considerado um autor especificamente de

sociologia das profissões, é Norbert Elias11. A sociedade para Elias é um conjunto de

indivíduos interdependentes, mostrando que os indivíduos estão ligados uns aos outros por

teias de inter-relações, desempenhando funções diferenciadas.

Cada pessoa singular está realmente presa; está presa por viver em permanente dependência funcional de outras; ela é um elo nas cadeias que ligam outras pessoas, assim como todas as demais, direta ou indiretamente, são elos nas cadeias que a prendem. Essas cadeias não são visíveis e tangíveis, como grilhões de ferro. São mais elásticas, mais variáveis, mais mutáveis, porém não menos reais, e decerto não menos fortes. E é essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras, a ela e nada mais, que chamamos sociedade. (Elias, 1994, p. 23)

11 René Moelker, um sociólogo holandês que analisa as profissões militares “descobriu”, no sentido de desvelar ao público acadêmico, textos de Norbert Elias que estavam esquecidos e que tratavam especificamente das profissões. No caso, das profissões navais. O trabalho de Moelker foi apresentado no grupo de discussões “Sociologia das Profissões”, na 6ª Conferência da Associação Européia de Sociologia (ESA), em Murcia, Espanha, 2003, sob o título “Norbert Elias and the genesis of the naval profession”. Em fevereiro de 2007, Moelker e Stephen Mennel, um dos maiores estudiosos de Elias, editaram e lançaram em livro os artigos de Elias sobre as profissões navais. O livro saiu com o título “The genesis of the naval Profession”, pela UCD Press. Este livro deve contribuir para divulgação da possibilidade de uma análise eliasiana das profissões.

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21

Com esta idéia de sociedade, Elias foge da possibilidade de pensar uma sociedade de

estruturas, sem atores sociais históricos, e de pensar uma sociedade unicamente como produto

de interesses individuais, como se a sociedade fosse um pano de fundo das escolhas

individuais. A sociedade apresentada por Elias é histórica e complexa. A complexidade se

manifesta principalmente na distribuição das funções sociais. E função para ele não é a

realização de algo para a manutenção de um todo, mas uma relação de poder. A divisão de

funções gera competição por poder. Deste modo, a sociedade aparece como um conjunto de

indivíduos em luta por poder, o que aumenta a interdependência.

No livro A Sociedade de Corte, Elias exemplifica esta idéia de competição por poder

ao mostrar como a maior ou menor distância dos cortesãos para com o rei, caracterizava

respectivamente um menor ou maior poder dentro da corte, e como o uso dessa distância

servia de instrumento para manutenção das estruturas de poder. Neste aspecto, Elias mostra

que a etiqueta surge como um instrumento de identidade social na corte, fazendo com que as

pessoas se hierarquizem por critérios de poder. Na sociedade de corte havia uma tensão e um

conflito constante por uma aproximação do rei: a competição passa pela aceitação da etiqueta

pelos cortesãos e pelo rei, que não está acima dela, uma vez que ele também faz parte da

interdependência. Elias mostra que,

a interdependência e as correntes em torno da nobreza têm um alcance ainda maior: o próprio rei [...] tinha interesse na manutenção da nobreza como camada distinta e separada. Basta a indicação de que ele mesmo se considerava “indivíduo nobre”, “o primeiro entre os nobres”. [...] Permitir a ruína da nobreza significava também, para o rei, permitir a ruína da nobreza de sua própria casa. (2001, p. 132)

Embora o rei não esteja acima da etiqueta, ele tem uma parcela maior de poder.

Segundo Elias, “o rei se encontra numa situação única dentro da corte. Qualquer outro

indivíduo está submetido a uma pressão vinda de baixo, dos lados e de cima. Apenas o rei não

experimenta pressão alguma vinda de cima. Mas a pressão dos que ocupam um nível abaixo

do seu certamente não é insignificante”. (2001, p. 134)

Entender o conceito de interdependência em Elias passa pela necessidade de

reconhecer que este conceito tenta resolver a dicotomia indivíduo-sociedade e pressupõe as

noções de função, poder e competição. Todas elas aumentando a interdependência entre os

indivíduos. Este modelo eliasiano permite analisar as profissões pensando os profissionais

como indivíduos inseridos numa interdependência, como ele mesmo explica:

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Não podemos abandonar o problema da interdependência de Luís XIV, mesmo tratando-se de um soberano tão poderoso, sem acrescentar algumas palavras sobre o significado fundamental dessa investigação. Na maneira de pensar cotidianamente, muitas vezes parece que os súditos são dependentes do soberano, mas que a recíproca não é verdadeira. Não é fácil mostrar que a posição social de um soberano, por exemplo, a de um rei, surge das interdependências funcionais de uma sociedade, exatamente no mesmo sentido que a de um engenheiro ou de um médico. (Elias, 2001, p. 154)

A partir do estudo da etiqueta como instrumento de competição por poder na

sociedade de corte, onde Elias descreve a estratificação social daquela sociedade, ele mostra

também como as etiquetas vão se modificando historicamente através de um maior controle

da conduta (autocontrole). Para ele, a era moderna se caracteriza acima de tudo por uma

mudança da conduta e sentimentos humanos que aconteceu sem planejamento com a

passagem da sociedade de corte para a sociedade moderna através de um maior controle dos

afetos e das pulsões. Segundo a perspectiva dele, “parte das tensões e paixões que antes eram

liberadas diretamente na luta de um homem com outro terá agora que ser elaborada no interior

do ser humano. O campo de batalha foi transportado para dentro do indivíduo”. (1993, p. 203)

O processo civilizador é este processo histórico de racionalização dos afetos e pulsões

que dá origem à modernidade. Importante salientar que o processo civilizador como a

passagem de um conceito de Cultura para um conceito de Civilização, é um processo que

“aconteceu, de maneira geral, sem planejamento algum, mas nem por isso, sem um tipo

especifico de ordem”. (Elias, 1993, p. 193) Embora não haja uma razão para o processo

civilizador, este processo não é irracional. Há uma ordem nesse processo.

Elias formula uma teoria da modernidade a partir de uma mudança social ocorrida na

Europa ao longo de um processo histórico e sem planejamento dos atores sociais. A etiqueta

da sociedade de corte foi a expressão de um início de constrangimento rumo à Civilização: a

grande concentração de poder acaba favorecendo o surgimento de cerimoniais de socialização

responsáveis pela regularidade das condutas. Mas ocorre também o surgimento de novas

profissões para suprir as crescentes necessidades dos cortesãos. “O que se vê [...] é uma

profusão de criados, uma diferenciação dos serviços prestados”. (Elias, 2001, p. 65)

As profissões podem ser analisadas também segundo esta lógica, realizando uma

competição por poder, incorporando e reproduzindo as regras de competição racionalmente

instituídas, mesmo que esta competição não seja realizada conscientemente pelos indivíduos e

grupos sociais o tempo todo. As regras sociais de competição profissional, assim como as

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etiquetas na sociedade de Corte, submetem não só as profissões menos prestigiadas da

estrutura social, mas também as profissões dominantes.

No texto em que Elias analisa as profissões navais na Inglaterra ele faz uma espécie de

reconstrução histórica, sem se preocupar muito com datas, do surgimento das profissões

navais, apenas a partir de aspectos que ele considerou importante da evolução das profissões

navais inglesas. Partindo de uma briga entre dois profissionais navais pelo comando de fato de

uma esquadra marítima financiada pelo governo inglês para dar a volta ao mundo12, Elias

mostra que mais do que desavenças pessoais estavam envolvidas na briga também lutas entre

grupos sociais distintos daquela sociedade. A briga envolveu Francis Drake, um marítimo

profissional forjado na prática, e seu ex-amigo Thomas Doughty, um gentleman da corte da

rainha Elizabeth, e aconteceu durante a viagem, resultando no assassinato de membro da

classe dominante, militar formado em boas escolas, por Drake, um membro dos grupos

sociais dominados que, na embarcação que de fato comandava, invertera a hierarquia social.

Tal briga não só expressa uma disputa num campo novo de atuação profissional como teve

conseqüências posteriores no próprio desenvolvimento das profissões navais na Inglaterra,

com a famosa separação entre profissionais formados em escolas apropriadas e os forjados na

lida.

Drake começou a viagem dividido entre os gentlemen e os marujos. Porque ele

desejava ser um gentleman e em alguns momentos “via a si próprio no papel de um

proeminente gentleman” (Elias, 2006, p. 77), mas era visto por todos como um tarpaulin ou

“um súdito de baixa extração de Sua Majestade, a rainha”, segundo citação que Elias faz da

biografia de Drake. (2006, p. 77) Elias afirma categoricamente que Drake “se encontrava,

pelo menos no início, entre ambos os lados, sem na verdade pertencer a nenhum”. (p. 80) Mas

com o decorrer da viagem as tensões entre Drake e Doughty se acirraram até que Drake

assumiu o comando de fato do navio, como esperavam os marujos (tarpaulins). Drake e

Doughty “pertenciam não apenas a grupos sociais e profissionais diferentes, mas também

concorrentes entre si”. (p. 83) Ambos os personagens agiam em conformidade com a

figuração social em que viviam, reproduzindo o ethos de seus próprios grupos sociais.

Quando chegaram à região da Patagônia, “Drake, nas palavras de seu subcomandante,

12 Doughty recebera da rainha a incumbência de comandar a esquadra numa expedição marítima, mas Drake esperava ser o comandante porque se sentia mais capacitado para isso.

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‘executou Thomas Doughty’” (p. 88), matando, assim, alguém de um estrato social superior

ao seu.

Recontando os primeiros passos das profissões navais na Inglaterra, Elias mostra que a

arte da navegação deveria ser exercida por pessoas que conhecessem o trabalho manual a ser

realizado num navio e, ao mesmo tempo, por pessoas que fossem hábeis diplomatas. Mas

esses atributos não eram encontrados numa mesma pessoa, senão em pessoas que advinham

de classes sociais distintas, o que representava um problema social levado para dentro dos

barcos através de desentendimentos pessoais e profissionais. A briga de Drake e Doughty foi

expressão da desigualdade de suas origens sociais, principalmente porque gentlemen não

realizavam trabalhos manuais e marujos não comandavam embarcações. Ao longo dos

séculos esta briga foi perdendo sentido na história das profissões navais à medida que as

diferenciações sociais foram mudando13 e as escolas de formação naval passaram a incorporar

em seus currículos a necessidade dos dois tipos de formações exigidas para a boa prática

profissional14.

Mais do que analisar um caso concreto de surgimento de uma nova profissão no século

XVI, Elias propõe, como lhe é peculiar, uma teoria geral para estudo da gênese de uma

profissão ou outra instituição. Para Elias, “o conflito é uma das características básicas de uma

instituição nascente”. (2006, p. 110) Esses conflitos se dão no interior da nova profissão e

entre profissões, numa tentativa de firmar posições de poder nas e das novas instituições. Se

Elias vê os conflitos como condição sine qua non da vida em sociedade, é nas instituições, nas

profissões, por exemplo, que eles se materializam. O estudo das profissões para Elias é a

análise, sobretudo, de conflitos profissionais. Elias ao tentar definir profissões afirma que:

profissões, despojadas de suas roupagens próprias, são funções sociais especializadas que as pessoas desempenham em resposta a necessidades especializadas de outras; são, ao menos em sua forma mais desenvolvida, conjuntos especializados de relações humanas, O estudo da gênese de uma profissão, portanto, não é simplesmente a apreciação de um certo número de indivíduos que tenham sido os primeiros a desempenhar certas funções para outros e a desenvolver certas relações, mas sim a análise de tais funções e relações. (2006, p. 89)

13 “No curso do século XX, ‘gentleman’ tornou-se um termo genérico, vago, que se refere mais à conduta que à posição social. (...) durante os séculos XVII e XVIII, no entanto, tinha um significado social muito estrito. Tratava-se, durante o período de formação da profissão naval, da marca distintiva dos homens das classes altas e de algumas porções das classes médias, uma designação que os diferenciavam do restante do povo”. (Elias, 2006, p. 92) 14 Para Elias, “o novo processo de guerra marítima criou a necessidade de haver pessoas que, em uma nova esquadra, fossem marinheiros e militares ao mesmo tempo”. (2006, p. 95)

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25

Nota-se que a noção de interdependência, vista na definição que Elias faz de

sociedade, é tão importante para sua perspectiva teórico-analítica que reaparece aqui em sua

definição de profissões, colocando o desempenho da atividade profissional como destinada a

atender a “necessidades especializadas de outras” pessoas. No verbete “professions”, escrito

por Elias mais de dez anos após a publicação de seu artigo sobre profissões navais, ele já

incorpora à definição de profissão, além da necessidade de formação adequada e da existência

de competições profissionais, o papel das associações profissionais para mediação das lutas

profissionais, estabelecendo os limites e possibilidades das próprias profissões, bem como

para o condicionamento do ethos dos profissionais. (1964, p. 542)

Outra maneira de analisar as profissões utilizando a teoria de Elias é pensar as lutas

profissionais a partir da figuração estabelecidos/outsiders. Os estabelecidos não seriam apenas

os “melhores”, os donos da situação, eles, de alguma maneira, fazem com que os outsiders se

vejam como inferiores, penetras, excluídos. Elias apela para uma característica de construção

psico-cultural do estigma dos excluídos, dos outsiders, que afetaria a auto-estima do grupo e

dos indivíduos membros do grupo. A inferiorização de um grupo se dá sempre numa relação

de interdependência entre os dois (ou mais) grupos que compõem a luta pelo poder social. O

contato de membros do grupo estabelecido com membros dos outsiders desqualificaria os

primeiros diante de seus pares, como se eles pudessem ser contaminados pela inferioridade e

mediocridade dos segundos. Quando a coesão e o poder do grupo estabelecido são altos, os

indivíduos estabelecidos dão valor à opinião dos outros membros de seu próprio grupo, e

retiram valor, ou tornam-se indiferentes, às opiniões dos outsiders, inclusive evitando-os.

O que produziria esta relação conflituosa entre estabelecidos e outsiders seria a

intolerância para com o diferente, seja ele pobre, rico, branco, negro, amarelo, magro, gordo,

jovem, idoso, estrangeiro, homem, mulher, homossexual etc. Com as categorias sociológicas

em questão (estabelecidos e outsiders), Elias permite analisar como as desigualdades sociais

se estabelecem psicológica e culturalmente nas relações sociais, servindo de suporte para a

reprodução das desigualdades materiais.

A estigmatização, como um aspecto da relação entre estabelecidos e outsiders, associa-se, muitas vezes, a um tipo específico de fantasia coletiva criada pelo grupo estabelecido. Ela reflete e, ao mesmo tempo, justifica a aversão – o preconceito – que seus membros sentem perante os que compõem o grupo outsider. [...] o estigma social que seus membros atribuem ao grupo dos outsiders transforma-se, em sua imaginação, num estigma material – é coisificado. (Elias, 2000, p. 35)

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Para Elias, o que estaria por trás da relação entre estabelecidos e outsiders seria uma

luta pelas chances de poder, que geraria, inconscientemente, embora não irracionalmente, uma

identidade social binária do tipo “nós” e “eles”. Isto tem um quê de doentio, segundo sua

perspectiva, pois, “um ideal do nós hipertrofiado é sintoma de uma doença coletiva” (p. 43,

44). E ele mesmo apresenta uma solução para esta patologia social ao lembrar, no posfácio à

edição alemã, que a redução da desigualdade nos ou entre os grupos humanos estaria

diretamente ligada à capacidade de redução do temor recíproco, individual e coletivo, dos

estabelecidos e outsiders. A abordagem eliasiana será chave para a interpretação da relação

entre MP e Defensoria Pública no Rio de Janeiro, como veremos no capítulo 4.

Por fim, Pierre Bourdieu entende uma profissão como um grupo social dotado de

recursos sociais específicos para delimitar seu próprio campo no espaço social. Estes recursos

sociais são desenvolvidos e utilizados em duas vertentes ao mesmo tempo: institucional e

individual. Nestes dois eixos pode-se pensar: 1. a força e a importância que as instituições têm

no processo de criação identitária das profissões e; 2. como os indivíduos naturalizam suas

“visões de mundo” profissionais. Para Bourdieu, a construção do mundo está diretamente

ligada à construção de uma “visão de mundo”. E a construção de “visões de mundo” próprias

às profissões e aos profissionais é atributo das profissões enquanto ator coletivo, como

veremos mais à frente em relação ao direito. Para ele, o simbólico é parte do real. O simbólico

é tão vivo quanto o real. Retomaremos de maneira mais aplicada a teoria de Bourdieu no

capítulo 2 para apresentar e analisar as principais questões relacionadas ao campo do direito.

A abordagem bourdieusiana foi importante para o desenvolvimento recente de uma sociologia

das profissões jurídicas.

1.4 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES JURÍDICAS

As primeiras preocupações acadêmicas com as profissões jurídicas aconteceram já na

segunda metade do século XIX. Mas até o primeiro quartel do século XX os interesses nas

profissões jurídicas ainda estavam centrados na qualidade do ensino jurídico (Brewer, 1896),

na consolidação das profissões jurídicas no mercado de trabalho como um campo de atuação

intelectualmente fecundo e economicamente próspero (Sweet, 1890) e com a ética dos

profissionais (Abbott, 1892; Abbot, 1902). As análises sobre as profissões jurídicas ainda

tinham um caráter mais histórico (Tempany, 1885) e prospectivo (Roscoe, 1885; Randall,

1903) e eram feitas quase sempre por juristas que eram também entusiastas das ciências

sociais. A partir de finais do século XIX e início do XX, seguindo uma linha funcionalista de

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análise, Blackwell (1895), Platt (1903) e Andrews (1908), entre outros, começaram a

questionar se as profissões jurídicas não estavam se mercantilizando e, portanto, se afastando

do que era considerado um nobre objetivo de luta pela realização do direito, negligenciando o

aspecto vocacional da profissão.

Este tipo de análise foi recorrente ao longo de todo o século XX, seguindo a tendência

também encontrada entre os sociólogos funcionalistas. Basta lembrar dos trabalhos de outros

juristas como Snively (1934), Mc Calpin (1983), Armstrong (1987) e Bowie (1998), sobre a

indefinição dos limites entre profissão e negócio no mundo do direito. Trata-se de uma

discussão que assume um ponto de vista conservador, idealizando as profissões jurídicas e

gerando insatisfação com a realidade porque ela passa longe das expectativas idealizadas. A

profissão jurídica é idealizada como uma profissão nobre, mas, na prática, é descoberta como

um nicho de atuação para ganhar dinheiro, bastante dinheiro. Esta constatação não é bem

assimilada por quem deseja que os profissionais do direito sejam pessoas chamadas

(vocacionadas) a desempenhar sua função social, em detrimento dos ganhos auferidos com

isto. Nesta perspectiva, as profissões jurídicas têm uma espécie de missão na sociedade, lutar

pelo direito posto como única e suficiente maneira de resolução de conflitos15 e defender os

valores liberais, que fundamentam o direito moderno e as profissões jurídicas.

Quase contemporâneo de Parsons (1902-1979), talvez Roscoe Pound (1870-1964)

tenha sido o primeiro a utilizar sistematicamente a sociologia para analisar especificamente as

profissões jurídicas, embora ainda pecando pelo excesso de ideologias profissionais em suas

análises. Desde o início do século XX os textos do proeminente advogado americano Pound,

professor da Universidade de Harvard, chamavam a atenção para o tipo de formação dada aos

estudantes de direito, futuros profissionais do direito. Num artigo escrito em 1940 e publicado

no ano seguinte, Pound (1941) relaciona atuação profissional com formação acadêmica,

criticando o modelo tradicional formalista de ensino do direito nos Estados Unidos e

sugerindo que os estudantes de direito se deparassem, já na faculdade, com análises de casos

concretos que os preparasse para o exercício da profissão. As críticas que ele fez ao ensino

jurídico americano foram bem sucedidas, uma vez que a maioria dos cursos de direito nos

Estados Unidos, ao longo do século XX, passaram a adotar o modelo proposto por Pound de

estudos de caso.

15 Neste sentido, o opúsculo “A luta pelo Direito”, escrito em 1891 por Rudolph Von Ihering é emblemático.

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28

No início do século XX, havia também espaço para discussões sobre a desigualdade de

gêneros no acesso às profissões jurídicas (Greig, 1909), embora não fosse muito comum. Este

tipo de preocupação analítica só foi consagrada a partir dos anos 1970, depois do movimento

feminista ocupar espaços nas sociedades, e talvez só tenha efetivamente se firmado a partir de

meados dos anos 1980, como veremos adiante.

Depois da II Guerra Mundial, a sociologia deixou um pouco de lado as profissões

jurídicas, com raras pesquisas e análises sobre o tema, só voltando a produzir análises

relevantes a partir da década de 1960 e 197016. As pesquisas realizadas pelos professores

Mauro Cappelletti, Bryant Garth, David M. Trubek e Marc Galanter, recolocaram as

profissões jurídicas no centro do debate a partir de uma abordagem mais sociológica, embora

eles estivessem mais relacionados à sociologia do direito do que à sociologia das profissões.

Os dois primeiros foram responsáveis pela pesquisa internacional sobre empecilhos ao acesso

efetivo à justiça e as soluções dadas nas diferentes sociedades. A pesquisa, conhecida como

Projeto de Florença, gerou um relatório fabuloso que foi publicado em forma de livro17 e se

tornou referência para o estudo do acesso à justiça. Numa das partes do livro os autores

sugerem mudanças nas profissões jurídicas, com a adoção de profissionais parajurídicos com

treinamento específico para solucionar determinados problemas jurídicos, como forma de

reduzir as barreiras para o acesso à justiça. Já Trubek (1992) e Galanter (1991) se dedicaram a

estudar o ensino do direito nos Estados Unidos e outros temas relacionados às profissões

jurídicas como mercado de trabalho e o direito em sociedades periféricas (Trubek, 1971;

Galanter, 1984).

Dos sociólogos do direito ninguém se dedicou tanto, e com tanto êxito, a estudar as

profissões jurídicas quanto Richard L. Abel, a partir da década de 1980. Abel (1988; 1989;

1995; 1997) destaca-se principalmente pelas coletâneas que organizou para a discussão

teórico-analítica das profissões jurídicas ao redor do mundo. Seus livros intitulados

“Advogados na Sociedade” (tradução nossa), publicados em quatro volumes, tentaram mapear

os advogados e seus papéis em tradições jurídicas tão diversas como a “Civil Law” e a

16 Vale ressaltar a importância dos movimentos de contestação do direito, ocorridos nas faculdades norte-americanas a partir da década de 1960, “Law and Society” e “Critical Legal Studies” como propulsores das análises sociológicas do direito. Junqueira (1993, p. 38-43) esboça o panorama desses movimentos nos Estados Unidos e sua repercussão na sociologia do direito brasileira. 17 Parte do relatório foi publicado no Brasil com o título “Acesso à Justiça”, em 1988. O livro foi traduzido e revisado pela atual ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie Northfleet, primeira mulher a ser escolhida para o STF.

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“Common Law” e em sociedades periféricas, além de discutir as teorias adequadas ao estudo

comparado das profissões jurídicas.

Mais recentemente, uma nova leva de estudiosos das profissões jurídicas tem surgido

em toda parte. Mas desta vez as análises sobre as profissões jurídicas estão saindo do campo

da sociologia do direito e tomando o campo da sociologia das profissões. No caso das

profissões jurídicas, a sociologia das profissões tem emergido como um campo autônomo

advindo da sociologia do direito. Autores como a americana, Carrie Menkel-Meadow (1987),

a francesa Anne Boigeol (1989) e a canadense Joan Brockman (2001) vão se firmando como

grandes nomes da sociologia das profissões, dando ênfase ao mundo do direito em suas

análises. Em particular estas autoras têm interesse de pesquisa no papel das mulheres nas

profissões jurídicas, discutindo a feminização destas profissões.

O venezuelano Rogelio Perez-Perdomo (2005) é outro que se destaca nas análises

atuais das profissões jurídicas, dando ênfase às profissões jurídicas na América Latina e sua

relação com a política nacional e às transformações ocorridas nas profissões jurídicas em

tempos de Globalização. Este último trabalho ele editou em parceria com o importante

professor de História do Direito, Lawrence Meir Friedman (2003). Yves Dezalay (1995) é um

sociólogo francês que vem se destacando por estudar as elites jurídicas nas mais diferentes

sociedades, como parte de suas pesquisas sobre Globalização e transformações do campo do

poder. Por fim, outro que merece destaque e que vem analisando as profissões jurídicas,

inclusive com aporte teórico da sociologia das profissões é David S. Clark (1995).

Não podemos deixar de dizer que no Brasil, alguns sociólogos fizeram importantes

trabalhos sobre as profissões jurídicas, tais como, Sérgio Miceli (1979), José Murilo de

Carvalho (1980), Sérgio Adorno (1988), Luiz Werneck Vianna (1997), Eliane Botelho

Junqueira (1997), Edmundo Campos Coelho (1999) e Maria Tereza Sadek (1995), entre

outros. Mas foi Maria da Glória Bonelli (1996; 1998; 1999; 2002) uma das primeiras

pesquisadoras a analisar as profissões jurídicas a partir da perspectiva teórica específica da

sociologia das profissões, utilizando principalmente a teoria freidsoniana para isso. Marli

Diniz (2001) também deu alguma ênfase às profissões jurídicas ao relacioná-las com o estado

brasileiro. Outros pesquisadores começam a trilhar o caminho da sociologia das profissões no

Brasil, escolhendo as profissões jurídicas como seus objetos de pesquisa. Entre eles podemos

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citar, Cátia Aida Silva (2001), Rogério Bastos Arantes (2002) e Fabiano Engelmann (2006) 18.

Essas novas pesquisas e publicações colocam o campo do direito como importante objeto de

análise da sociologia das profissões também no Brasil e permite um olhar mais atento aos

processos de profissionalização dentro do direito e suas lutas por poder e identidade na

sociedade brasileira19. E é exatamente tratando de maneira mais ampla a sociologia das

profissões no Brasil que encerraremos este capítulo.

1.5 SOCIOLOGIA DAS PROFISSÕES NO BRASIL

No Brasil, os maiores avanços na sociologia das profissões aconteceram com Marinho

(1985), Schwartzman (1987), Simões (1989), Grün (1990), Coelho (1992), Barbosa (1993),

Bonelli (1993), Sadek (1995), Diniz (1995), Machado (1996) e Vianna (1997). Mas os

avanços produzidos por estes autores não seriam possíveis sem o desbravamento do campo da

sociologia das profissões, realizado desde meados dos anos 60, por Nogueira (1967), Durand

(1972), Donnangelo (1975), Pastore (1979), Kawamura (1981), Faria (1983) e Falcão (1984).

Para fazer uma apresentação mais sintética20 dos usos da sociologia para análise das

profissões no Brasil, correndo o risco até de ser simplista, podemos dizer que se formaram,

inicialmente, três eixos de pesquisas e análises sobre profissões no Brasil:

1. o primeiro eixo seria mais independente e sem muita conseqüência em

termos de institucionalização de uma escola de pensamento em sociologia

das profissões, e aí se incluem os trabalhos de Nogueira, Donnangelo,

Durand, Pastore, Kawamura, Falcão, Schwartzman, Sadek e Simões.

Podemos até chamar este eixo de sociologia que analisa profissões e

18 Podemos incluir nosso trabalho anterior (Santos, 2004) nesta nova leva de análises sociólogas das profissões jurídicas. Destaque deve ser dado à dissertação de Ribeiro (2005) sobre os magistrados adeptos da corrente chamada de Direito Alternativo. 19 Junqueira afirma como proposta a possibilidade de uma sociologia aplicada ao direito que pudesse ser, por exemplo, uma sociologia das profissões jurídicas. (2002, p. 91) 20 Não é nossa intenção fazer uma análise por dentro de cada trabalho dos autores mencionados, uma espécie de resenha das obras. Bonelli e Donatoni (1996) já tentaram fazer isso.

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31

mercado de trabalho e destacar a importância de instituições estrangeiras21

na formação de alguns destes autores, bem como do uso, principalmente, de

variáveis políticas na realização das análises;

2. 2. o segundo eixo, que podemos chamar de eixo da Unicamp, do início da

década de 1990, liderado por Faria e Miceli22, que rendeu os trabalhos de

Grün23, Bonelli e Barbosa; e

3. 3. o terceiro eixo, do IUPERJ, da segunda metade da década de 1990,

liderado por Coelho, e que rendeu os trabalhos de Marinho, Machado e

Diniz24.

Em relação às profissões escolhidas para análise pelos autores brasileiros aqui citados,

as profissões clássicas foram preferidas: medicina – Donnangelo (1975) e Machado (1996);

engenharia – Simões (1989) e Barbosa (1993); e direito – Falcão (1984), Bonelli (2002;

2006), Sadek (1995; 1998; 1999; 2000; 2001; 2003; 2006) e Vianna (1996; 1997; 1999).

Alguns autores analisaram duas destas profissões, todas elas ou algumas delas e outras mais:

Nogueira (1967); Marinho (1985); Schwartzman (1987; 1992); Diniz (1995); Coelho (1999).

Outros autores analisaram os bancários – Grün (1990); e os cientistas sociais – Bonelli (1993).

21 Entre os autores que tiveram suas obras decisivamente marcadas por uma passagem por instituição estrangeira: Nogueira fez mestrado na Universidade de Chicago, sob orientação de Everett Hughes, expoente do interacionismo simbólico; Falcão fez mestrado em Harvard, sob orientação de David Trubek, um importante autor da sociologia do direito que fez análises comparativas sobre profissões jurídicas; Pastore fez doutorado em Wisconsin-Madison (1968) e em 1973 começou a trabalhar com profissões e mercado de trabalho – quando produziu duas monografias sobre o tema – e quase sempre usando estratificações ocupacionais para analisar desigualdades sociais no Brasil; Schwartzman fez doutorado em Berkeley; Sadek fez pós-doutorados na Universidade da Califórnia e na Universidade de Londres; Simões fez doutorado na LSE, em Londres. Em Schwartzman parece não haver relação direta entre sua passagem por uma instituição estrangeira e sua produção sociológica sobre profissões, uma vez que se passaram quase 20 anos entre sua formação no exterior e sua produção sociológica sobre profissões. Durand foi orientado em seu mestrado na USP por Luiz Pereira, sociólogo da educação. Kawamura foi orientanda de mestrado de Azis Simão, na USP, que orientou outros trabalhos que tangenciaram a problemática das profissões, mas cuja área temática principal estava mais próximo da sociologia do trabalho. Ele foi também seu orientador de doutorado. Não conseguimos identificar a formação de Donnangelo. 22 Durante o início da década de 1990 Faria e Miceli, junto com o grupo de alunos do doutorado em Ciências Sociais da Unicamp se constituíram num grupo de pesquisa sobre o tema das profissões. O Idesp, dirigido por Miceli, e o Cebrae, dirigido por Faria, eram instituições de pesquisa que davam suporte a pesquisadores que enveredavam pela área da sociologia das profissões. 23 Embora Grün tenha sido orientado por Miceli no doutorado, não podemos esquecer que ele havia sido orientado por Maria Andréa Loyola no mestrado, que tinha feito um pós-doutorado em Sociologia da Saúde e das Profissões Médicas na EHESS, França, tendo rendido um importante trabalho de análise das profissões médicas (L'éspirit et lê corps: des thérapeutiques populaires dans la banlieue de Rio), em 1983, e que foi traduzido para o português no ano seguinte, e publicado pela Difel, como: Médicos e Curandeiros: conflito social e saúde. 24 Diniz foi orientada por Coelho no mestrado e seu doutorado foi concluído sob orientação de Nelson do Valle Silva, embora tenha sido iniciado sob orientação de Coelho.

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32

Quanto à relação entre formação superior e escolha do objeto de pesquisa (profissão a

ser analisada) dos autores aqui mencionados, devemos considerar que os sociólogos

brasileiros tiveram, em geral, o cuidado de se distanciar do objeto escolhido, analisando

profissões que não faziam parte das profissões de sua formação original. Bourdieu salienta a

necessidade do sociólogo se afastar dos objetos de pesquisa:

Os artifícios das pulsões são inúmeros, e fazer a sociologia do seu próprio universo pode ser a maneira mais perversa de satisfazer, por caminhos sutilmente desviados, essas pulsões reprimidas. Por exemplo, um teólogo que se fez sociólogo pode, quando começa a estudar os teólogos, proceder a uma espécie de regressão e pôr-se a falar como teólogo ou, pior, servir-se da sociologia para acertar suas contas de teólogo. (2003, p. 51)

Dos autores brasileiros mencionados, somente Falcão (1984), Bonelli (1993) e Vianna

(1997) analisaram em algum momento suas formações/profissões de origem: direito, ciências

sociais e direito, respectivamente. Mas fizeram isso com a cautela esperada por Bourdieu.

Sobre as principais abordagens teóricas utilizadas pelos autores brasileiros, temos

desde o interacionismo simbólico de Hughes, em Nogueira (1967), até o neoweberianismo

(ou neomarxismo?) de Larson, em Diniz (1995), passando pelo funcionalismo de Abbott, em

Bonelli (1993). A relação entre profissão e poder está sendo cada vez mais utilizado nas

análises brasileiras sobre profissões. Mas os autores brasileiros costumam mesclar mais de um

autor da sociologia das profissões na hora de fazer análises da realidade profissional

brasileira, entendendo mesmo o conceito de profissão como histórico-contextual, um conceito

“ folk”, como afirma Coelho (1999, p. 26), referindo-se a uma observação feita por Freidson

sobre o conceito de profissão.

Os sociólogos brasileiros procuram aproveitar as melhores contribuições que os

autores da sociologia das profissões deram para este campo de análise. Esta utilização pouco

ortodoxa da teoria sociológica tende a tornar a análise mais rica de detalhes ao considerar

diferentes aspectos teórico-metodológicos dos principais autores da sociologia das profissões

e diferentes aspectos analíticos da historicidade brasileira. Mas há sempre o risco de ser feito

um “balaio de gato”, como se dizia antigamente de alguma coisa mal realizada ou realizada de

maneira confusa. Em geral os autores fazem análises quantitativas e qualitativas das

profissões escolhidas, reconhecendo as limitações de cada um destes dois instrumentos, e a

possibilidade de ampliação do olhar sociológico na utilização dos dois conjuntamente.

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33

Infelizmente, os dois principais polarizadores da sociologia das profissões no Brasil já

morreram: Coelho (1939-2001) e Faria (1941-2001). Mas felizmente, eles fizeram discípulos,

que já são responsáveis pela formação de uma terceira e/ou quarta geração de sociólogos que

analisam as profissões como objeto de pesquisa sociológico.

Mais recentemente destacam-se novos pólos de pesquisa e análise em sociologia das

profissões. Entre eles, devemos citar: 1. os trabalhos realizados na Escola Nacional de Saúde

Pública da Fiocruz, sob a direção de Maria Helena Machado, na linha de pesquisa “Profissão,

Trabalho e Formação em Saúde”, com algumas dissertações e teses já defendidas sobre os

profissionais de saúde; 2. o grupo de pesquisadores da UERJ, do Instituto de Filosofia e

Ciências Sociais e do Instituto de Medicina Social, entre eles Jane Dutra Sayd e Kenneth

Rochel Camargo Júnior, que tem avançado no tema, principalmente, da relação entre

formação e atuação profissional na área de saúde; 3. as pesquisas desenvolvidas e orientadas

por Maria Ligia de Oliveira Barbosa, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e

Antropologia da UFRJ, na linha de pesquisa “Produção e Efeitos de Desigualdades Sociais”,

que começa a mostrar bons resultados nas análises das profissões e suas relações com as

desigualdades sociais; e 4. as linhas de pesquisa da UFSCar, já mais consolidadas,

conduzidas, principalmente, por Grün (“Mudanças de interesses simbólicos operantes entre os

gerentes”) e Bonelli (“O mundo profissional do direito e as relações entre profissionalismo e

estado” e “Processos de profissionalização no Brasil contemporâneo”)25. Mais recentemente,

Fabiano Engelmann foi admitido como professor adjunto do Departamento de Ciências

Sociais da UFSCar, reforçando o time da sociologia das profissões.

A sociologia das profissões está de fato se expandindo bastante no Brasil. Hoje já

temos pesquisas de profissões de enfermagem a prostitutas, passando por agrônomos,

arquitetos, economistas, jornalistas, psicólogos e astrólogos, entre outros. Há também no

encontro anual dos cientistas sociais (ANPOCS) e nos encontros da Sociedade Brasileira de

Sociologia (SBS) grupos temáticos próprios para a sociologia das profissões e suas

problemáticas. Foi criada em 27/07/2005 a comunidade virtual “Sociologia das Profissões”,

no site de relacionamentos Orkut. Dois anos depois a comunidade contava com 27 membros

de todo o Brasil, entre interessados na área e pesquisadores. 25 Não incluímos as produções derivadas das orientações feitas por Sadek como um dos novos eixos da sociologia das profissões porque o interesse dela pela ciência política parece marcar também a obra de seus pupilos. Embora os trabalhos produzidos por Arantes (2002) e Nunes (2001), entre outros, sejam importantes para a sociologia do direito e para a sociologia das profissões jurídicas, eles não utilizam eminentemente abordagens sociológicas em suas análises, dando ênfase às abordagens e métodos da ciência política.

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34

Neste capítulo empreendemos um esforço para demarcar o terreno da sociologia das

profissões a partir de uma breve apresentação dos principais tipos de abordagens teóricas

deste novo campo da sociologia. Nem todas as abordagens aqui apresentadas e discutidas

serão utilizadas para lançar luz sobre alguns problemas específicos a serem analisados mais à

frente, sendo o caráter instrumental da teoria invocado mais restritamente quanto aos autores

de linha weberiana. Em especial as abordagens de Elias, Larson e Bourdieu. Mas essa

reduzida instrumentalidade das teorias apresentadas não diminui a importância deste capítulo

e nem das demais abordagens da sociologia das profissões que não serão usadas nos próximos

capítulos. A descrição e discussão de diferentes abordagens teóricas, num plano mais

histórico e resenhístico, como fizemos, é importante não só para mostrar o desenvolvimento

da sociologia das profissões como para demonstrar uma expectativa particular de

desenvolvimento desse novo campo da sociologia também no Brasil, como já vem

acontecendo. Mas, sobretudo, permite chamar atenção para a importância de nosso objeto e

para a forma escolhida de análises.

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35

2 DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS: análises da estrutura e do

funcionamento do campo jurídico e descrições do campo jurídico brasileiro.

Iniciaremos o capítulo discutindo a relação entre direito e burocracia na teoria sociológica e

dando algumas definições que nos ajudarão no decorrer dos próximos capítulos.

Posteriormente, faremos uma breve explanação da abordagem bourdieusiana dos campos,

mais especificamente sobre o campo jurídico, o que inclui o ensino do direito e as profissões

jurídicas. Em seguida, passaremos a uma descrição mais detalhada das profissões jurídicas no

Brasil, utilizando o Código Brasileiro de Ocupações como base. Discutiremos e

descreveremos ainda a importância das associações profissionais para as profissões e os

profissionais. Por fim, descreveremos o cenário atual das instâncias de consagração das

profissões jurídicas brasileiras.

2.1 DIREITO E BUROCRACIA

Antes de passarmos propriamente ao campo do direito, é preciso ressaltar que não há

como discutir a expansão do direito – aqui pensado como sistema de justiça26 –, dos direitos –

como lutas político-jurídicas por reconhecimento e por distribuição dos bens sociais27 – e das

profissões jurídicas nas sociedades modernas sem tratar, mesmo que brevemente, da

importância das burocracias para estas transformações sociais que envolvem o direito. O

direito moderno é burocrático e necessita de uma estrutura burocrática para se realizar.

Quando Weber pensa a burocracia como elemento que expressa a racionalidade

característica do mundo moderno, afirma que a burocracia seria o modelo mais bem acabado

de dominação racional e legítima: a burocracia seria a melhor maneira de gerir o poder e

organizar o trabalho nas sociedades complexas. A burocracia, para Weber, baseia-se numa

crença na legalidade ou racionalidade de uma ordem, rompendo com a perspectiva religiosa

do mundo. Para Weber, a burocracia teria um caráter democrático, uma vez que seus

procedimentos (os procedimentos burocráticos) são universais, não se destinando a nenhum

indivíduo em particular, nem atendendo a interesses particularistas e casuísticos. Esta mesma

burocracia, racionalizada, lançaria as bases do direito moderno, racional e sistematizado.

26 “O sistema de justiça é mais amplo do que o poder judiciário”. (Sadek, 1999, p. 11) 27 Fraser, 1998.

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36

Na sociologia das profissões havia um debate sobre o papel do estado no processo de

profissionalização. Alguns autores entendiam que as profissões entre os anglo-saxões se

desenvolveram sem a participação do estado, voltando-se para o mercado, o que caracterizaria

as profissões liberais típicas, medicina e advocacia. Já a profissionalização nas sociedades

européias continentais, França e Alemanha, por exemplo, teria sido atrelada ao estado, o que

retiraria o poder e a autonomia das profissões. Fora o etnocentrismo deste tipo de análise, que

dá maior valor a um modelo de desenvolvimento que a outro, ao coloca-lo como padrão,

precisamos considerar que ao fim e ao cabo o estado foi importante para os dois modelos,

mesmo que ele tenha aparentemente atuado menos em um modelo que em outro.

Larson afirma a necessidade do estado em ambos os processos de profissionalização,

desfazendo a idéia de que a sociedade norte-americana teria sido berço das profissões liberais,

enquanto a sociedade francesa teria dado à luz as profissões burocráticas. As profissões, para

ela, só podem atuar no mercado e se organizar como grupo social porque, em última instância,

o estado permite isso, seja pelo reconhecimento e regulamentação de uma profissão, seja pelo

oferecimento de sua estrutura, a estrutura burocrática estatal, para a realização das atividades

profissionais de determinadas profissões, como é o caso do direito. Prazos, cargos, funções,

editais, concorrências, atestados, hierarquias, enfim, toda a estrutura burocrática do estado e

seus procedimentos típicos podem ser um espaço em potencial para o desenvolvimento de

uma atuação profissional específica. Neste sentido, a autora mostra que não há contradição

entre burocratização e profissionalização. Pelo contrário, provavelmente não há e nem haveria

profissionalização e atuações profissionais sem a existência desta estrutura de suporte e

possibilidades que é a burocracia estatal. Burocratização e profissionalização são partes do

processo de racionalização capitalista. Barbosa (2003) afirma que Larson “mostra como a

burocracia é um dos recursos sociais mais relevantes para as profissões modernas

assegurarem seus nichos no mercado de trabalho e seu poder social”. (p. 598)

Outro aspecto que precisa ser considerado é o espaço (e a liberdade) de atuação de

alguns profissionais na estrutura burocrática, particularmente, dos intelectuais. Para a análise

que faremos no capítulo 3 sobre os intelectuais na estrutura burocrática, a abordagem de

Merton se mostra adequada28. Merton (1970) discute a relação entre direito e burocracia a

partir da relação entre intelectuais e burocracia pública, considerando os intelectuais como

28 Referência para análise dos intelectuais na sociedade brasileira tornou-se o trabalho de Miceli (2001). Este trabalho contém importante artigo em que o autor discute de maneira crítica os principais estudos empreendidos sobre intelectuais brasileiros.

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37

“especialistas no campo do conhecimento social, econômico e político” (p. 288) que

desempenham papéis sociais. Intelectual para ele é uma categoria de pensador presente nos

mais distintos campos do conhecimento. Ele inclui os advogados, lato sensu, profissionais do

direito de uma maneira geral, entre os intelectuais de uma sociedade29. Para ele, há dois tipos

básicos de intelectuais, os burocráticos e os independentes. A burocratização exige pessoal

intelectualmente especializado e converte estes intelectuais absorvidos na estrutura

burocrática em técnicos com o passar do tempo. O intelectual burocrático, agora técnico,

deixa de reconhecer seu papel no todo, dedicando-se à realização de tarefas. “Não chega a ver

que a ação traz implícitas as suas conseqüências”. (p. 292)

Para Merton a burocracia traz mudanças graduais no intelectual, “transformando-o em

técnico apolítico, cujo papel é servir a qualquer estado social que aconteça estar no poder”. (p.

293) Para ele, o intelectual burocrático vai perdendo sua criatividade e poder social, prestígio

acadêmico, por exemplo, e se tornando um servo da estrutura burocrática, em última

instância, do político, tendo que pensar soluções práticas para os problemas estudados. Por

outro lado, o intelectual independente tem maior capacidade de escolha, autonomia para

decidir seus projetos, e, por isso, seria mais idealista, menos preocupado em dar uma resposta

concreta a um problema analisado, em forma de política pública, por exemplo. Estas

considerações de Merton se parecem um pouco com as análises de Bourdieu sobre as lutas por

dominação nos campos, em particular sobre liberdade de escolha e determinismo entre

dominadores e dominados do campo.

Analisando a dominação no campo da arte, Bourdieu (2005) mostra como os artistas

que produzem para o mercado são restringidos em sua capacidade de escolha porque

dominados pelo próprio mercado, que demanda um determinado tipo de arte que seja

vendável, por exemplo. Já os artistas que produzem a chamada “arte pela arte”, que não

produzem para os mercados, que produzem arte com uma preocupação mais estética que

mercadológica, têm maior liberdade de escolha na produção de suas peças. Exatamente

porque não devem satisfação a ninguém, apenas à sua capacidade criativa e estética. Estes

últimos acabam sendo mais valorizados por seus pares, por sua “independência” e sendo

elevados às posições dominantes do campo da arte. Já os artistas “mercadológicos” são

desvalorizados por seus pares, por faltar a “independência” criativa, e assumem posições

29 Há um problema de tradução da palavra lawyer (advogado) para o português. Lawyer em inglês é mais amplo do que advogado, referindo-se também a outros profissionais do direito, como era comum também no Brasil até meados do século XX, em que as pessoas se referiam aos formados em direito como advogados.

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38

dominadas no campo da arte, onde a liberdade de escolha é menor. Bourdieu aponta o papel

ideológico dessas proposições estéticas de valorização e desvalorização das artes na França,

mostrando que as posições no campo da arte respeitavam posições de classe. Esta discussão

sobre burocracia e dominação irá retornar de maneira mais sucinta e aplicada quando

analisarmos a atuação das profissões e dos profissionais do direito durante a ditadura militar

brasileiro.

2.2 CAMPO JURÍDICO

O conceito bourdieusiano de campo aplicado ao direito dá a dimensão da força do

campo jurídico como o que melhor permite entender a construção de poderes nas sociedades

modernas. O campo jurídico é o campo mais próximo do campo político, sendo indispensável

para a caracterização deste último campo. A proximidade entre estado e campo jurídico dá a

este uma força só comparável à força daquele. Collins afirma que a proximidade entre as

profissões jurídicas e o estado permite aos juristas “perpetuar sua cultura distintiva, suas

técnicas aparentemente próprias”. (1989, p. 197)

A garantia legal que o estado dá à sociedade (através de leis universais e abstratas)

ajuda a fortalecer a importância do campo do direito. Esta “necessidade” social do direito

reforça o poder do campo jurídico, que é autônomo para definir as regras do próprio campo e,

pelo seu papel dominante, para definir as regras de organização da sociedade. O poder de

nomeação que o direito tem, poder de “criar” ao dar nome às coisas coloca a dimensão da

autoridade social deste campo30, que é garantida pelo estado.

Para Bourdieu (2004), a formação do estado acontece pela via estrutural e simbólica

ao mesmo tempo. Ele entende que o estado moderno surge como construção simbólica, de

uma estrutura universal e democrática incutida nos cidadãos pela educação, num longo

processo histórico. A educação, segundo Bourdieu, servirá para ensinar as leis aos cidadãos

do estado e para criar uma visão de mundo unificada que se pudesse chamar de nacional. A

visão que o cidadão nacional tem do estado seria a visão culturalmente forjada pelo próprio

estado e transformada em natural. A naturalização da idéia de estado foi feita com

investimento nas estruturas mentais dos cidadãos a fim de introduzir uma percepção da

30 A autoridade no campo jurídico é o lugar por excelência da violência simbólica legítima. O conceito de violência simbólica como imposição de uma “visão de mundo” próprio a todos os demais grupos sociais se aproxima do conceito weberiano de dominação.

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39

“necessidade” do estado para os iguais, os concidadãos, os nacionais, unificando assim, o

estado e a idéia de estado. A cultura nacional teria sido inculcada nas estruturas mentais dos

membros da sociedade pela via educacional – homogeneizando formas de comunicação,

como leis, idioma e medidas –, resultando na criação de uma auto-imagem comum aos

nacionais, uma identidade nacional.

Bourdieu vai além e aponta a relação estreita dos juristas com a criação das ideologias

legitimadoras do estado moderno durante o processo histórico que fez nascer este novo

modelo de estado, racionalizado e universal, na França. O estado nascente tomou emprestado

do campo jurídico o poder de nomear e transformou-se numa “instância central de

nomeação” (2004, p. 110 – em itálico no original), atribuindo honrarias válidas nos mercados

controlados pelo estado e criando realidades, com a criação de leis estatais, por exemplo. Este

poder de nomeação do estado, e do direito, é quase divino, segundo o sociólogo francês, e só

ressalta a proximidade do campo jurídico e do campo burocrático com o campo do poder.

Para compreender a dimensão simbólica do efeito do Estado, [...] é preciso compreender o funcionamento específico do microcosmo burocrático; é preciso analisar a gênese e a estrutura desse universo de agentes do Estado, particularmente os juristas, que se constituíram em nobreza de Estado ao institui-lo e, especialmente, ao produzir o discurso performativo sobre o Estado [...]. É preciso deter-se especialmente na estrutura do campo jurídico, examinar os interesses genéricos do corpo de detentores dessa forma particular de capital cultural, predisposto a funcionar como capital simbólico, que é a competência jurídica [...]. Compreende-se assim que esses agentes tinham interesse em dar uma forma universal à expressão de seus interesses particulares [...], eles foram levados a produzir um discurso de Estado que, oferecendo-lhes justificativas de sua posição, constituiu e instituiu o Estado, fictio juris, pouco a pouco, deixou de ser uma simples ficção de juristas para tornar-se uma ordem autônoma, capaz de impor amplamente a submissão a suas funções, e a seu funcionamento, e o reconhecimento de seus princípios. (Bourdieu, 2004, p. 121, 122)

A educação, que exerceu importante papel na formação do mundo social moderno e na

conformação da visão sobre o mundo social moderno, segundo Bourdieu, assume uma

importância capital também na entrada para o campo do direito.

2.2.1 O Ensino Jurídico

Como vimos no capítulo anterior, a formação é um dos elementos mais importantes da

construção e da análise das identidades profissionais. A importância da formação, aliás, é

ressaltada quase unanimemente pelas diferentes abordagens sociológicas para análise das

profissões. No caso das profissões jurídicas a formação além de preparar tecnicamente o

futuro profissional, realiza o papel de adequação do olhar, da visão de mundo do futuro

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40

profissional às expectativas do grupo profissional. As profissões jurídicas têm, historicamente,

uma relação direta com o estado. A oficialização das profissões jurídicas pelo estado,

reconhecidas como necessárias para o bom funcionamento da estrutura burocrática, se

desenvolve também pelo viés do ensino jurídico. O ensino do direito serve para capacitar

(treinar) os profissionais do direito para a utilização da linguagem jurídica e para que estes

profissionais ingressem na burocracia pública, como técnicos ou como usuários desta

estrutura (como os advogados, que acompanham seus processos judiciais tramitando na

estrutura do sistema de justiça).

As faculdades de direito seriam, dessa perspectiva, um dos responsáveis pela

transferência de algum capital simbólico para os novos ingressantes do campo e pela

disseminação do habitus apropriado ao campo do direito. As faculdades de direito

produziriam produtores do campo.

O campo jurídico é o lugar de concorrência pelo monopólio do direito de dizer o direito, quer dizer, a boa distribuição (nomos) ou a boa ordem, na qual se defrontam agentes investidos de competência ao mesmo tempo social e técnica que consiste essencialmente na capacidade reconhecida de interpretar (de maneira mais ou menos livre ou autorizada) um corpus de textos que consagram a visão legítima, justa, do mundo social. (Bourdieu, 2003, p. 212)

As trajetórias dos formados em direito também vão ser fortemente condicionadas por

sua formação superior, porque as instituições podem moldar comportamentos, criar tradições

intelectuais, modos particulares de pensar. Para Bourdieu, nas sociedades modernas, a escola

teria uma função integradora, a partir da padronização do pensamento e da linguagem, mas

também uma função distintiva, a partir da diferenciação que realiza entre os alunos nos modos

de classificar e entender as coisas da vida, de construir uma visão de mundo, que varia de

acordo com as trajetórias pessoais (oportunidades) e com as diferentes escolas. Nas palavras

do próprio Bourdieu,

A escola não cumpre apenas a função de consagrar a “distinção” – no sentido duplo do termo – das classes cultivadas. A cultura que ela transmite separa os que a recebem do restante da sociedade mediante um conjunto de diferenças sistemáticas: aqueles que possuem como “cultura” (no sentido dos etnólogos) a cultura erudita veiculada pela escola dispõem de um sistema de categorias de percepção, de linguagem, de pensamento e de apreciação, que os distingue daqueles que só tiveram acesso à aprendizagem veiculada pelas obrigações de um ofício ou a que lhes foi transmitida pelos contatos sociais com seus semelhantes. (2005, p. 221)

Mesmo que o sistema escolar oferecesse oportunidades idênticas, o mesmo ensino, a

todos os alunos, ainda assim o capital cultural prévio dos alunos será sempre diferente uns dos

Page 52: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

41

outros, distinguindo os alunos, permitindo uma maior ou menor capacidade do aluno construir

seu conhecimento.

Bourdieu sempre se mostrou crítico em relação ao papel desempenhado pela educação

nas sociedades, em particular na sociedade francesa, evidenciando como a educação pode

acirrar desigualdades sociais e reproduzir as elites. No caso da educação superior, Bourdieu

(1989) mostra, por exemplo, como os alunos da Escola Nacional de Administração (ENA)

ocuparam as melhores posições do mercado tornando-se parte da elite. O acesso escolar a

essas posições sociais elitizadas se tornou tão difícil quanto era restrito o acesso à nobreza

durante o Antigo Regime. Os alunos oriundos das Escolas Superiores (Grandes Écoles)

tornaram-se verdadeira Nobreza de Estado (Noblesse d’Etat).

Ainda sobre a questão da educação, em particular sobre a expansão do sistema de

ensino e suas relações com o sistema econômico, Bourdieu e Boltanski (1998), mostram como

o sistema de ensino é autônomo em relação ao sistema econômico, tendo cada um sua lógica

própria de operação. O diploma estaria para o sistema de ensino assim como o cargo, para o

sistema econômico. Diploma e cargo seriam as “unidades monetárias” dos sistemas de ensino

e econômico, respectivamente. Para eles, a relação entre o sistema de ensino e o sistema

econômico seria conflituosa. O primeiro sistema tenderia a querer valorizar seus diplomas

enquanto o segundo, tenderia a desejar comprar pelo menor preço as capacidades

profissionais atestadas pelos portadores de diplomas. Os economistas “têm interesse em

suprimir o diploma e seu fundamento, ou seja, a autonomia do SE [sistema de ensino];

interessa-lhes a confusão completa entre o diploma e o cargo”. (Bourdieu; Boltanski, 1998, p.

136) Isso permitiria a ocupação de um cargo sem a necessidade de um diploma conferido pelo

sistema de ensino, o que dá maior poder ao sistema de ensino. A passagem por um sistema de

ensino e a posse de um diploma dá uma certa liberdade aos portadores de diplomas e reforça o

poder social do sistema de ensino, fazendo o sistema econômico, de certa maneira, refém do

sistema de produção dos produtores. “Quanto maior for a autonomia da instância produtora de

diplomas em relação à economia, menor será a dependência do diploma que ela assegura em

relação à economia. Daí, o sonho patronal de uma escola confundida com a empresa, de uma

escola ‘da casa’”. (p. 136)

A inflação de diplomas e certificados pode gerar uma luta por maiores distinções

sociais entre os portadores de diplomas inflacionados, que pode ser entendido também como

luta por estabelecer maiores distâncias sociais para com determinados grupos sociais

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42

diplomados, o que pode produzir ainda inflação de profissões ou de cargos, mesmo que

nominalmente. A simples mudança de nome de uma profissão ou de um cargo é uma

estratégia de diferenciação e mobilidade. A inflação de diplomas e a de cargos estão

interligados numa tentativa de reordenação do campo profissional. O sistema econômico tenta

dar respostas, o mais rápido possível, às variações do mercado de trabalho provocadas pelo

sistema de ensino, no caso, pela inflação de diplomas. As respostas do sistema econômico

podem ser respostas produzidas nos próprios campos profissionais inflacionados de diplomas.

Voltando ao ensino do direito e às profissões jurídicas em suas relações com o estado,

garantidor da possibilidade de desenvolvimento e expansão do campo jurídico, pelo

reconhecimento da “necessidade” do direito para a ordem burocrática e social, não podemos

deixar de considerar ainda o papel das associações no campo jurídico. Para isso,

apresentaremos as contribuições de Merton e dos outros autores que tratam do tema.

2.2.2 As Associações Profissionais

Merton (1984) entende a associação profissional como uma organização unida pela

realização de interesses próprios aos profissionais associados e, em alguns momentos, até dos

não associados. Ele explica que as associações geralmente são voluntárias, mas que algumas

profissões constrangem os profissionais a se associar. Seria o caso dos advogados, que

precisam se vincular a sua associação profissional para exercer a advocacia. Para Merton, a

associação dos advogados, assim como qualquer associação profissional, tem funções sociais

manifestas e latentes. Isso porque nem sempre os objetivos propostos pelas associações

profissionais coincidem com o que eles efetivamente realizam.

Entre as funções manifestas das associações profissionais dos advogados, estaria a

“promoção da administração da justiça” (1984, p. 200) ou o bem estar dos clientes, que

poderiam escolher um profissional chancelado pela associação. Entre as funções latentes,

estaria o cuidado, em sentido amplo, com os próprios profissionais do direito: aposentadoria

confortável, assistência à saúde, padronização de honorários etc. As associações de advogados

e de outros profissionais do direito criam motivos os mais variados para justificar a

“necessidade” de suas profissões para a sociedade e da associação para os advogados. “Os

objetivos expressos por uma associação profissional não necessitam coincidir com suas

funções reais”. (Merton, 1984, p. 202)

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43

O autor em questão demonstra ainda como algumas realizações das associações

profissionais se refletem: 1) na vida dos membros da associação, e indiretamente na vida de

sua clientela, que seria o caso das funções de apoio (moral e social) e proteção (econômica)

exercidos pelas associações profissionais; 2) na profissão como um todo, proveniente da

padronização da seleção dos ingressantes na profissão, da reciclagem técnica dos

profissionais, da prática profissional e das pesquisas que ampliem as áreas de atuação das

profissões; 3) na sociedade como um todo, em que a associação profissional se colocaria

como intermediário entre o profissional e a sociedade, gerando unidade na ação e coesão

social. As associações profissionais são organizações coesas que olham para dentro e para

fora das associações, para os associados e para a sociedade, para o bem estar dos profissionais

que representam e para cuidar da imagem das profissões na sociedade como um todo.

Para Collins (1989), as associações profissionais realizam um “trabalho político” de

criação de identidades profissionais, pela via de produção de uma cultura própria a cada

profissão, que a distinga das outras profissões, e pela via da normatização profissional.

Autonomia ante as outras profissões e controle interno são os objetivos maiores, e o que se

espera, das associações profissionais. As profissões são, para ele, grupos de status, baseados

na prática de certas atividades esotéricas e monopolizáveis e usam procedimentos misteriosos

ao leigo. As profissões precisam agir coletivamente, através das associações, para manter a

imagem de profissão ideal diante da sociedade. (p. 152, 153) Ele mesmo chega a afirmar que

as associações profissionais são como pequenos governos privados, tamanho o poder que

detém. (p. 201)

O tema das associações profissionais assumiu maior destaque a partir das abordagens

weberianas, que enfatizam, no processo de criação dos campos profissionais, o papel das

associações. De Larson a Bourdieu, passando por Collins e Starr, este tema tem sido

recorrente. É com a participação da associação profissional que se elabora e executa o projeto

profissional.

Mas não são apenas associações profissionais que atuam no campo do direito. As

associações voluntárias de luta por direitos, principalmente as ONGs de defesa de direitos,

também ocupam um importante espaço no campo jurídico. A atuação das ONGs no campo do

direito daria um interessante problema de pesquisa, já que ainda faltam análises sobre a

atuação e conseqüência das associações voluntárias no campo jurídico. Às vezes as lutas

profissionais por poder social estão “embaladas” pelo discurso da luta por direitos. Há uma

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44

interconexão entre os objetivos dos dois tipos de associações, as associações profissionais e as

voluntárias, de modo que um tipo de associação pode reforçar ou enfraquecer o outro tipo,

dependendo da composição associativa no campo jurídico.

2.3 BREVE DESCRIÇÃO DO CAMPO JURÍDICO BRASILEIRO: ensino do direito,

profissões jurídicas, associativismo e instâncias de consagração.

Neste tópico iremos apresentar uma breve descrição sobre as formas de organização

das principais áreas do campo jurídico brasileiro, quais sejam: ensino do direito, profissões

jurídicas, associativismo e instâncias de consagração. Procuramos com isso apresentar o

campo jurídico para além do mercado de trabalho. Um campo jurídico autônomo em relação a

outros campos sociais e com uma dinâmica própria de competições por poder e distinção. As

descrições deverão dar uma dimensão mínima de conhecimento dessas lutas que acontecem

no campo jurídico brasileiro e da organização deste campo. As fontes dessa avaliação são um

misto de experiência de quem está também no campo jurídico e de bibliografias sobre o tema.

2.3.1 Ensino do Direito no Brasil

No Brasil, em maio de 2008, havia 1.085 cursos/habilitações em direito. Reportagem

da Folha de São Paulo de 09/03/2007 ressaltava o crescimento do número de faculdades de

direito no Brasil. Naquela época, o Brasil contava com 1.038 cursos de direito em

funcionamento (tabela 1). Três anos antes, em 2004, o Brasil tinha 790 cursos de direito. Os

mais alarmistas chegaram a fazer previsão de 4600 cursos de direito em 2010.31 Coisa que

muito provavelmente não acontecerá devido à mobilização das próprias profissões jurídicas

com vistas a conter o avanço das faculdades de direito a partir de 2007, e que trataremos no

próximo capítulo.

31 Baseado em dados divulgados pelo MEC, em 2007, sobre a expansão dos cursos de direito, o site “Última Instância” chegou a publicar um artigo em que cogitava estatisticamente de 4.600 cursos de graduação em direito em 2010. É claro que a previsão catastrófica serviu como argumento para pressionar o MEC pela contenção da expansão do ensino do direito, o que aconteceu no mesmo ano com a participação direta da OAB, como veremos no próximo capítulo.

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45

Tabela 1: Evolução do número de cursos/habilitações em direito no Brasil.

Estado 2007 2008

Acre 03 03

Alagoas 10 13

Amapá 06 06

Amazonas 10 11

Bahia 47 55

Ceará 17 17

Distrito Federal 22 21

Espírito Santo 35 34

Goiás 32 38

Maranhão 16 16

Mato Grosso 28 30

Mato Grosso do Sul 20 21

Minas Gerais 129 136

Pará 14 16

Paraíba 15 16

Paraná 82 84

Pernambuco 24 28

Piauí 24 25

Rio de Janeiro 100 101

Rio Grande do Norte 13 14

Rio Grande do Sul 73 71

Rondônia 10 11

Roraima 03 04

Santa Catarina 60 60

São Paulo 225 232

Sergipe 09 11

Tocantins 11 11

Total 1.038 1.085

Fontes: Folha de São Paulo e MEC.

Dos mais de mil cursos de direito em 2007, apenas 87 receberam o chamado selo

“OAB Recomenda”32. (tabela 2) O selo foi criado em 2001 pela OAB para diferenciar as

melhores faculdades de direito das demais. O selo de qualidade da OAB recebeu uma série de

32 A lista com os nomes das faculdades de direito que receberam o selo de qualidade “OAB Recomenda” está no anexo I.

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46

críticas quanto à metodologia utilizada pela OAB para avaliar as faculdades de direito33 e

quanto a uma não-atribuição da instituição para avaliar a qualidade das faculdades de direito.

Ainda mais que a avaliação do ensino superior estava sendo feita pelo MEC desde 1996.

Tabela 2: Evolução do número de faculdades de direito que ganharam o selo “OAB

Recomenda” no Brasil

Ano “OAB Recomenda”

2001 52

2004 60

2007 87

Fonte: OAB

As faculdades de direito são estruturadas para serem cursadas em pelo menos cinco

anos. Os currículos das faculdades de direito são muito parecidos com os currículos dos

primeiros cursos de direito do Brasil, no início do século XIX. Em texto de meados da década

e 1980, Falcão afirmava que das nove disciplinas do primeiro currículo de 1827, seis ainda

eram obrigatórias naquela década. (1984, p. 140) Hoje não há mais os currículos mínimos,

mas diretrizes curriculares para os cursos de direito. Tais diretrizes dão maior liberdade para

as faculdades de direito criarem seus cursos, permitindo, por exemplo, que uma matéria seja

dada sob novos nomes de disciplina. Mas pouquíssimas faculdades arriscam inovar na

estrutura do curso ou na forma das aulas, reforçando “o mesmo papel cultural do curso de

direito e a mesma formação generalista do bacharel em direito do século XIX”. (Junqueira,

1999, p. 4)

A estrutura curricular ainda mais comumente encontrada é a que coloca as chamadas

disciplinas propedêuticas (Sociologia, Sociologia Jurídica, Filosofia, Filosofia do Direito,

Ciência Política, Português, Direito Romano, Teoria Geral do Estado, Introdução ao Estudo

do Direito, Economia Política etc.) no início do curso de direito e as disciplinas

profissionalizantes (Direito Penal, Direito Civil, Direito Constitucional, Direito Tributário,

Direito Comercial, Direito do Consumidor, Direito do Trabalho, Direito Processual) mais no

final. As disciplinas propedêuticas pretendem dar uma formação cultural ampla ao estudante

de direito concentrando-se mais no início do curso e perdendo espaço na medida em que o

curso avança. Já as disciplinas profissionalizantes pretendem uma capacitação profissional e

33 Nunes, 2001.

Page 58: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

47

vão ganhando espaço paulatinamente a partir do terceiro período até se tornarem dominantes

ao final do curso.

Os professores são quase todos profissionais do direito e, por isso, em suas aulas

priorizam a prática e técnica jurídica. As aulas são predominantemente expositivas com

avaliações da capacidade do aluno reproduzir o discurso do professor. Faria e Campilongo

resgatam o seguinte diagnóstico sobre as faculdades de direito, realizado pelo CNPq em

meados da década de 1980: “os professores mais falam de sua prática forense do que das

doutrinas e da jurisprudência dos tribunais. O casuísmo didático é a regra do expediente das

salas de aula dos cursos de Direito”. (...) (1991, p. 28) Isso não mudou muito de lá para cá.

Os alunos, em geral, entram na faculdade de direito com o pensamento pragmático que

caracteriza as atuais gerações de jovens submetidos à cultura do consumo. No decorrer do

curso o tecnicismo juridicista dos professores de direito se associa ao pragmatismo trazido

pelos alunos numa mistura bombástica que produz um estudante avesso à crítica e à reflexão

e, no futuro, um profissional descomprometido com a realidade social brasileira. Faria afirma

que as faculdades de direito no Brasil não passam de “escolas de legalidade” e que “ao tentar

forjar a mentalidade estritamente legalista em flagrante contradição com uma realidade não-

legalista, os cursos jurídicos condenam os estudantes a uma (in)formação burocrática e

subserviente, incapaz de perceber as razões dos conflitos e das tensões sociais”. (1989, p. 104)

A estrutura curricular das faculdades de direito também não ajuda muito na produção

de conhecimento crítico sobre o direito: o lugar da crítica no curso de direito é mitigado pela

imensa parte destinada à reprodução de conhecimentos normativos, traduzidos pelas

discussões dos códigos legais e da “vontade do legislador”, expressão que define bem a

submissão do modelo hegemônico de ensino aos aspectos legais do direito. Faria afirma que,

os fatos nos mostram que não mais se devem confinar a cultura jurídica aos limites estreitos e formalistas de uma estrutura curricular excessivamente dogmática, na qual a autoridade do professor representa a autoridade da lei e o tom da aula magistral permite ao aluno adaptar-se à linguagem da autoridade. (1999, p. 19)

Os professores têm se qualificado mais e novos movimentos no interior do campo

jurídico têm contribuído para um aumento da crítica no campo do direito. No entanto,

professores, estudantes e profissionais do direito com um olhar mais crítico em relação ao

direito ainda estão longe de ser maioria no campo do direito.

Page 59: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

48

2.3.2 Profissões Jurídicas no Brasil

A partir da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), publicação oficial do

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), é possível listar as profissões jurídicas brasileiras e

suas principais atribuições. Utilizar um código oficial de classificação das ocupações é

problemático porque o código está impregnado de ideologias profissionais, uma vez que cada

profissão quer dar sua própria contribuição na descrição de suas atividades profissionais34. Os

autores incluídos na abordagem sociológica bourdieusiana discutem e analisam como um

grupo social estabelece as formas socialmente dominantes e negociam suas entradas nos

códigos oficiais. As discussões e análises feitas por Boltanski (1984) e Thévenot (1982; 1984)

são fundamentais para o aprofundamento desse problema importante para a sociologia das

profissões feita pelos bourdieusianos que é como se faz o reconhecimento das profissões nas

classificações oficiais das profissões. Estes sociólogos vão dizer que a entrada nas listagens

oficiais de ocupações é um processo de lutas sociais em que o grupo tenta, quando está

organizado, mostrar e receber o apoio oficial às suas próprias definições de seu trabalho. Com

isso, eles lutam para definir, oficialmente, o seu lugar na estrutura ocupacional das

sociedades. Isso pode acontecer, por exemplo, conseguindo um artigo constitucional que

defina a importância de uma profissão, como veremos no próximo capítulo em relação ao

poder social conquistado pelas profissões jurídicas brasileiras a partir da

Constituição de 1988.

A luta por reconhecimento profissional é uma luta por receber do estado uma chancela

de poder para atuar em determinados segmentos, o que passa pela tentativa de autodefinição

da profissão, que é uma espécie de autoproclamação de relevância social da profissão, de

autoproclamação de poder. Quer dizer, todas as ocupações querem mostrar à sociedade sua

“importância”, e o fazem também através do reconhecimento legal de sua profissão. E a CBO

pode ser considerada esse reconhecimento legal. Este mesmo motivo que faz com que o uso

da CBO seja vista com desconfiança num trabalho sociológico, também permite a exploração

das competições interprofissionais, já que essas lutas também se expressam em forma de leis.

A CBO explicita os resultados das lutas profissionais por classificação35. Aparece como uma

34 Se não utilizássemos a CBO para fazer uma breve descrição das profissões jurídicas no Brasil, provavelmente precisaríamos usar um livro de dogmática jurídica, o que talvez fosse mais problemático porque além das ideologias profissionais, teríamos de lidar também com o hermetismo da linguagem jurídica e legal dos doutrinadores do direito. Preferimos diminuir os problemas. 35 A lista de profissões destinadas aos formados em Direito, segundo a CBO, está no Anexo II.

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49

espécie de equivalente geral. Tentaremos, à medida que formos desenvolvendo o texto,

demonstrar algumas dessas ideologias profissionais presentes na CBO.

Na CBO as profissões de ingresso exclusivo para formados em direito estão divididas

em seis grandes famílias ocupacionais, quais sejam: magistrados, advogados, procuradores e

advogados públicos, membros do Ministério Público, delegados de polícia e defensores

públicos e procuradores da assistência judiciária. Há ainda a família ocupacional dedicada aos

tabeliães e registradores, que são profissões destinadas aos formados em direito, mas que

podem ser exercidas também por pessoas não formadas em direito mas que tenham dez anos

de experiência cartorária.

Na primeira grande família ocupacional destinada aos bacharéis em direito, a dos

magistrados (cód. 1113) há nove ocupações: ministro do Supremo Tribunal Federal (1113-

05); ministro do Superior Tribunal de Justiça (1113-10); ministro do Superior Tribunal Militar

(1113-15); ministro do Tribunal Superior do Trabalho, onde se inclui o juiz do Tribunal

Regional do Trabalho (1113-20); juiz de direito, categoria que inclui os desembargadores

(1113-25); juiz federal, que inclui o juiz do Tribunal Regional Federal (1113-30); juiz auditor

federal (justiça militar) (1113-35); juiz auditor estadual (justiça militar), e os juízes dos

tribunais militares estaduais (1113-40); e juiz do trabalho (1113-45).

Segundo a CBO, os magistrados

Atuam na área da administração pública, defesa e seguridade social. A partir da segunda instância, executam suas funções em equipe, organizados em órgãos colegiados de pares. No caso dos juízes de direito, juízes federais e juízes-auditores federais da justiça militar, trabalham também de forma individual. O cargo de juiz eleitoral é transitório, sendo exercido por juízes convocados de diferentes instâncias. Nas comarcas de menor porte, o juiz local exerce também essa atividade. (CBO 2002)

Em relação à formação e experiência necessárias ao exercício da magistratura, “o

acesso a essas ocupações ocorre por concurso público aberto a bacharéis em direito. A partir

de mais de cinco anos, podem ascender à função de ministro de tribunal por indicação do

Presidente da República”. (CBO 2002) Sobre o recrutamento dos juízes brasileiros Vianna

afirma que há “uma tendência ao ingresso precoce na magistratura, à feminização da carreira

e, muito especialmente, a uma elevação do percentual de juízes recrutados em famílias com

escolaridade superior – essas três variáveis se apresentando como interdependentes,

reforçando-se entre si”. (1997, p. 108)

Page 61: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

50

Na segunda grande família ocupacional, os advogados (cód. 2410) têm oito ocupações

diferentes para definir a profissão: advogado, advogado generalista ou assistente jurídico

(2410-05); advogado de empresa ou advogado empresarial (2410-10); advogado (direito

civil), advogado (direito de família e sucessões), advogado civilista, advogado comercial ou

advogado contratualista (2410-15); advogado (direito público), advogado (direito

administrativo), advogado constitucionalista, advogado fiscal (direito fiscal), advogado

previdenciário ou advogado tributarista (2410-20); advogado (direito penal), advogado

criminalista, criminalista ou penalista (2410-25); advogado de áreas especiais, como

advogado (abuso do poder econômico), advogado aeroespacial, advogado (agente de

propriedade industrial), advogado ambientalista, advogado (arbitragem), advogado

(biodireito), advogado (concorrência desleal), advogado esportivo, advogado (direito

internacional), advogado dos direitos da criança e do adolescente, advogado dos direitos do

consumidor, advogado (energia elétrica), advogado (propriedade intelectual), advogado

(recursos hídricos e minerais), advogado (telecomunicações) ou advogado (direito eletrônico)

(2410-30); advogado trabalhista (2410-35); e consultor jurídico, assessor jurídico, consultor,

jurisconsulto ou jurista (2410-40).

Pela CBO os advogados

Postulam, em nome do cliente, em juízo, propondo ou contestando ações, solicitando providências junto ao magistrado ou ministério público, avaliando provas documentais e orais, realizando audiências trabalhistas, penais comuns e cíveis, instruindo a parte e atuando no tribunal de júri, e extrajudicialmente, mediando questões, contribuindo na elaboração de projetos de lei, analisando legislação para atualização e implementação, assistindo empresas, pessoas e entidades, assessorando negociações internacionais e nacionais; zelam pelos interesses do cliente na manutenção e integridade dos seus bens, facilitando negócios, preservando interesses individuais e coletivos, dentro dos princípios éticos e de forma a fortalecer o estado democrático de direito. (CBO 2002)

O exercício da advocacia está atrelado à aprovação no Exame da OAB do estado de

domicílio civil do bacharel em direito.

Na terceira grande família ocupacional, intitulada procuradores e advogados públicos

(cód. 2412), há sete ocupações: advogado da União (2412-05); procurador autárquico (2412-

10); procurador da Fazenda Nacional (2412-15); procurador do estado (2412-20); procurador

do município ou procurador municipal (2412-25); procurador federal (2412-30); e procurador

fundacional ou procurador de fundação (2412-35). Essas ocupações

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51

Representam a administração pública na esfera judicial; prestam consultoria e assessoramento jurídico à administração pública; exercem o controle interno da legalidade dos atos da administração; zelam pelo patrimônio e interesse público, tais como, meio ambiente, consumidor e outros; integram comissões processantes; geram recursos humanos e materiais da procuradoria. (CBO 2002)

Esses profissionais precisam, além de aprovação em concurso público de provas e

títulos nas devidas instâncias de atuação, federal, estadual e municipal, ter a carteira da OAB,

quer dizer, precisam ter sido aprovado antes no Exame da Ordem.

Na quarta grande família ocupacional, os membros do Ministério Público (cód. 2422)

dispõem de dez ocupações para defini-los como profissão jurídica. Das dez ocupações, nove

tem o nome de procurador. São elas: procurador da república (2422-05); procurador de justiça

(2422-10); procurador de justiça militar (2422-15); procurador do trabalho (2422-20);

procurador regional da república (2422-25); procurador regional do trabalho (2422-30);

promotor de justiça (2422-35); subprocurador de justiça militar (2422-40); subprocurador-

geral da república (2422-45); e subprocurador-geral do trabalho (2422-50).

Para a CBO, os membros do MP

Atuam em favor da sociedade e da cidadania, defendendo a ordem jurídica, o regime democrático, os interesses difusos e coletivos e os interesses individuais, promovendo, privativamente, a ação penal pública e as ações civis públicas. Exercem suas funções no âmbito federal e estadual, perante a Justiça Civil, Criminal, Militar, do Trabalho e Eleitoral. Para tanto, reprimem a criminalidade, propõem ações civis públicas em defesa de direitos individuais indisponíveis, difusos e coletivos; exercem a titularidade de ações constitucionais e de ações civis; fiscalizam o cumprimento da legislação e desempenham atribuições judiciais e atribuições extrajudiciais

O ingresso na carreira se dá pela aprovação em concurso público de provas e títulos,

para aqueles que completaram o curso de direito. O MP tornou-se uma das mais prestigiadas

profissões jurídicas brasileira após 1988. Arantes mostra que a elevação do Ministério Público

de “braço institucional do regime autoritário” (2002, p. 38) a defensor de uma sociedade

incapaz de defender-se sozinha deveu-se a um poderoso lobby do MP na Assembléia

Nacional Constituinte e a um ambiente ideológico favorável, decorrente do anseio social pela

restauração da democracia.

Diríamos, desde já, que o trauma social gerado pela ditadura militar – trauma que o

próprio MP ajudou a criar ou, pelo menos, não fez muito para não acontecer – foi importante

aspecto ideológico para que o MP se colocasse como novo guardião da ordem e da justiça,

saindo da sombra do autoritarismo para a luz da democracia numa nova sociedade que estaria

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52

sendo construída. Silva (2001) chega até a mencionar “um projeto institucional muito bem-

sucedido” do MP na Constituinte, o que prefiro chamar de projeto profisional, utilizando a

abordagem larsoniana. No último capítulo daremos um maior enfoque ao MP e a estas

questões aqui já antecipadas.

Na quinta grande família ocupacional estão os delegados de polícia (cód. 2423),

autoridade policial ou delegados regionais de polícia (2423-05). Aqui entramos nos “primos

pobres” das profissões jurídicas, o que se manifesta já no fato de não haver muitas variantes

da categoria ocupacional na CBO. Os delegados de polícia

Presidem com exclusividade as atividades de polícia judiciária; dirigem e coordenam as atividades de repressão às infrações penais para restabelecer a ordem e segurança individual e coletiva. Administram atividades de interesse da segurança pública. Expedem documentos públicos e administram recursos humanos e materiais. (CBO 2002)

O ingresso na carreira se dá pela aprovação em concurso público de provas e títulos e

pela aprovação nos cursos de especialização realizados pelos aprovados na etapa do concurso

público. Desde a Constituição de 1988 é uma profissão destinada exclusivamente aos

bacharéis em direito, conforme art. 144, § 4º da Constituição. Embora ainda haja delegado

não formado em direito, a tendência é que daqui a um tempo os delegados sejam todos

formados em direito, o que de certa forma justifica a abertura de faculdades de direito

destinadas a classes populares. São os formandos por estas instituições que vão ocupar, por

exemplo, as ocupações dominadas no campo das profissões jurídicas, como a profissão de

delegado de polícia, por exemplo. “A ‘nata’ dos bacharéis que freqüentou as faculdades

tradicionais e mais competitivas estigmatiza a formação do delegado, cuja maioria é

proveniente de cursos de baixa competitividade”. (Bonelli, 2002, p. 205, 206)

Nem precisaria salientar que o risco que corre um delegado de polícia no Brasil, tanto

nos grandes centros urbanos quanto em cidades menores, é enorme. O perigo vem da

criminalidade, organizada ou não, e dos comandados, os policiais e funcionários da delegacia,

que lidam com um alto nível de corrupção, o que inclui traições, ameaças, chantagens,

denúncias e outras atitudes que tentam intimidar a boa atuação policial. Por esses motivos, o

nível de estresse a que está submetido um delegado também é enorme. Sem dúvida, é a mais

perigosa das profissões jurídicas, e a profissão que recebe a menor remuneração. Bonelli,

utilizando hipótese tipicamente eliasiana, acrescenta que “o fato de o delegado lidar com a

Page 64: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

53

‘escória social’ e o de estar sujeito a imprevistos que ameaçam sua vida também se somam

para desvalorizar a profissão”. (2002, p. 206)

Na sexta grande família ocupacional, a dos defensores públicos e procuradores da

assistência judiciária (2424), estão previstas na CBO duas ocupações: defensor público,

defensor público estadual ou defensor público federal (2424-05); e procurador da assistência

judiciária (2424-10). Segundo a CBO, os defensores públicos e procuradores da assistência

judiciária,

Prestam assistência jurídica - integral e gratuita - aos cidadãos carentes de recursos econômicos, por meio de orientação e de medidas judiciais e extrajudiciais, possibilitando seu acesso à justiça em todas as instâncias. Para tanto, exercem funções ordinárias, defendem o economicamente necessitado nas áreas penal, cível e trabalhista. Propõem ações em defesa de direitos especiais, desempenham atribuições extrajudiciais; exercem a curadoria especial. Desempenham funções especiais e gerem a defensoria. (CBO 2002)

O ingresso na Defensoria Pública se dá por aprovação em concurso público de provas

e títulos. No Rio de Janeiro o concurso para a Defensoria está entre os mais difíceis e

concorridos para profissões jurídicas do estado. Essa situação não é muito diferente nos

demais estados brasileiros que possuem Defensoria Pública.

Dos estados brasileiros apenas Santa Catarina e Goiás ainda não possuem uma

Defensoria Pública montada e atuante. Nos estados com melhores indicadores econômicos e

sociais, como Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, por exemplo, as defensorias são

compostas majoritariamente por mulheres. Segundo o diagnóstico “Defensoria Pública no

Brasil”, nestes estados o gênero feminino responde por 63,7% dos defensores públicos, com

uma média de idade em torno de 40 anos. (Brasil, 2004, p. 87) É provável que no Rio de

Janeiro, onde a Defensoria é a mais antiga do país, o percentual de mulheres seja ainda maior

que isso.

A sétima e última grande família ocupacional, a dos tabeliães e registradores (cód.

2413), não é de ingresso exclusivo a bacharéis em direito, podendo, concorrentemente,

desempenhar a profissão pessoas com experiência cartorária de pelo menos dez anos. A

família ocupacional conta com as seguintes ocupações: oficial de registro de contratos

marítimos, registrador de contratos marítimos ou tabelião de contratos marítimos (2413-05);

oficial do registro civil de pessoas jurídicas ou registrador civil de pessoas jurídicas (2413-

10); oficial de registro civil de pessoas naturais ou registrador civil de pessoas naturais (2413-

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54

15); oficial do registro de distribuições (2413-20); oficial do registro de imóveis ou

registrador imobiliário (2413-25); oficial do registro de títulos e documentos ou registrador de

títulos e documentos (2413-30); tabelião de notas ou notário (2413-35); tabelião de protestos

ou tabelião de protesto de letras e títulos (2413-40).

A descrição sumária do grupo ocupacional, constante da CBO, diz que os tabeliães e

registradores,

Formalizam juridicamente a vontade das partes, no exercício da fé pública delegada pelo Estado e de acordo com as determinações previstas em lei. Registram atos e fatos jurídicos, tais como nascimentos, casamentos, óbitos e outros e também as sociedades civis, associações e fundações, os títulos e documentos públicos e particulares, as operações imobiliárias, os contratos marítimos e as embarcações marítimas, a distribuição de títulos, feitos ajuizados e outros documentos; averbam alterações em todos estes atos e fatos. Reconhecem a veracidade de documentos e fatos, conferindo aos documentos forma e autenticidade legal e pública; aconselham e prestam informações ao usuário do serviço. Conservam o acervo e gerenciam a serventia. Prestam informações.

A fé pública para o exercício notarial e de registro é delegada por concurso público de

provas e títulos destinado a bacharéis em direito. Pode concorrer também pessoa não formada

em direito, desde que comprove dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro,

normalmente como titular, substituto ou escrevente juramentado, legalmente nomeado. A

Constituição de 1988 permitiu a participação desses práticos do cartório com experiência

como forma de amenizar a passagem da profissão para o campo das profissões jurídicas,

mantendo os tabeliães e registradores que já estavam estabelecidos, e devido a uma possível

carência de bacharéis em direito no interior do país. Acabou se tornando uma profissão

semijurídica, se é que podemos falar assim.

2.3.3 Associações no Campo Jurídico Brasileiro

No Brasil, o associativismo no campo do direito vem se multiplicando nos últimos

anos, defendendo interesses profissionais e/ou direitos. Entre as associações profissionais, fica

a cargo dos advogados a maior expansão nessa área. Isso se deve à multiplicação de

especialidades advocatícias, que acaba gerando uma expansão das associações profissionais,

tendo uma (ou mais) associação para cada especialidade. Há de associação de advogados

tributaristas a advogados assalariados, passando por associação de advogados defensores de

Page 66: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

55

médicos, odontólogos e hospitais e de advogados espíritas36. Há outras importantes

associações profissionais, como Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Associação

Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), entre os juízes. Ou, entre

os promotores e procuradores de justiça, a Associação Nacional dos Membros do Ministério

Público (Conamp).

Nas associações voluntárias do campo do direito, podemos destacar de entidades que

defendem direitos humanos a direitos do consumidor, passando por associações de defesa dos

animais e do meio ambiente. A intensificação das atividades associativas voluntárias pode ser

um indicador importante de democratização social na medida em que um aumento desse tipo

de associativismo pode significar uma apropriação social do direito como instrumento de luta

por transformações sociais e uma maior capacidade organizativa dos atores políticos

(cidadãos). No entanto, assim como ocorre com as cooperativas, que freqüentemente se

tornam fachadas de empresas privadas, algumas associações voluntárias foram cooptadas, ou

mesmo criadas, por corporações de interesses privados ou profissionais37.

2.3.4 Instâncias de Consagração das Profissões Jurídicas Brasileiras

As instâncias de consagração podem ser entendidas como espaços sociais destinados à

exaltação e exultação de figuras representativas em suas áreas de atuação ou em determinadas

atividades. Uma instância de consagração acaba servindo como espaço de conversão de uma

espécie de capital em outro, reforçando poder e status profissionais. No campo do direito as

instâncias de consagração por vezes extrapolam o próprio campo jurídico, realizando-se em

outros campos conexos, como o campo político, cultural ou social, por exemplo38. Não que

não haja instâncias de consagração própria ao campo jurídico. Para descrever brevemente

algumas dessas instâncias de consagração em que se realizam os profissionais do direito no

36 No anexo III há uma lista de associações que dá uma idéia da explosão do associativismo no campo jurídico brasileiro. E o Anexo IV traz um breve levantamento de algumas Associações (Profissionais e/ou Voluntárias) que compõem o campo jurídico do Rio de Janeiro. 37 Há uma série de estudos sobre essa questão, dos quais indico um mais recente que trata do tema de forma bastante crítica: Koslinski, 2007. 38 A Academia Brasileira de Letras (ABL), por exemplo, foi historicamente um importante reduto de consagração para os profissionais do direito que se arriscavam também no campo cultural. Entre os bacharéis em direito que já fizeram parte da ABL podemos destacar, entre outros, Clóvis Beviláqua, Joaquim Nabuco, Oliveira Vianna, Pontes de Miranda, Raymundo Faoro e Rui Barbosa. Entre os atuais membros que são formados em direito, destacamos Evaristo de Moraes Filho, Alberto Venâncio Filho, Afonso Arinos de Mello Franco, Candido Mendes de Almeida, José Sarney e João Ubaldo Ribeiro. Sobre a ABL funcionar como instância de consagração dos cientistas, a obra recente mais apropriada talvez seja Sá, 2006.

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56

Brasil precisávamos reafirmar essa interconexão entre os campos próximos ao campo

jurídico. No entanto, vamos tentar enfatizar as instâncias de consagração próprias do campo

do direito no Brasil39. Nem todas as instituições que serão apresentadas ou citadas aqui são

apenas instâncias de consagração. Mas todas elas funcionam, de alguma maneira, também

como instâncias de consagração. A escassez de trabalhos analíticos sobre instâncias de

consagração do direito no Brasil faz com que empreendamos uma análise apoiada em grande

parte em nossa própria experiência.

Falar em instâncias de consagração no campo jurídico é falar de um modelo de

“sucesso” para as atividades profissionais ligadas ao direito. Este modelo de sucesso é

definido pelo próprio campo do direito ou por seus subcampos profissionais, como veremos.

No campo jurídico brasileiro, as instâncias de consagração profissional são subdividas em

seus respectivos subcampos profissionais. Assim, há instâncias de consagração referentes a

cada uma das profissões destinadas exclusivamente ao ingresso de formados em direito:

magistratura, MP, Defensoria, delegados de polícia. E há instâncias de consagração que

reúnem diferentes profissões jurídicas, como as academias de letras jurídicas ou o Conselho

Nacional de Justiça (CNJ). Às vezes a própria eleição para a diretoria de uma associação

profissional ou de luta por direitos já se constitui numa instância de consagração para os

profissionais do direito.

Na advocacia, a maior instância de consagração é o Instituto dos Advogados

Brasileiros (IAB), embora Bonelli (2002) o considere uma associação. Para ser membro do

IAB é preciso candidatar-se a uma vaga. Os requisitos para a candidatura são: 1) ser advogado

inscrito na OAB; 2) ser proposto por um dos membros efetivos, há mais de 5 (cinco) anos no

pleno exercício de seus direitos sociais; 3) ter trabalhos publicados, exceto peças forenses; 4)

Curriculum Vitae; e 5) certidão da OAB. Se a candidatura cumprir todos os requisitos, será

levada à votação pelos membros do instituto a fim de saber se o candidato será aceito ou não

como membro.

O IAB foi tido por Almeida, a partir de uma análise gramsciana, como “uma das

principais referências da cultura jurídica nacional” (2007, p. 21), um verdadeiro intelectual

orgânico no campo do direito, embora oscilando entre a crítica e a submissão à realidade

político-jurídica do país. O trabalho de Almeida demonstra que o IAB fora criado em 1843

39 No Anexo V há uma lista com algumas instâncias de consagração do campo jurídico brasileiro.

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57

com o objetivo de que a instituição criasse a Ordem dos Advogados. Segundo ela, a

instituição foi criada originariamente como órgão governamental, mas “teria adotado uma

trajetória autônoma, entre outras razões, pela predisposição crítica assumida em relação à

Monarquia Imperial”. (2007, p. 19) Almeida afirma ainda que o IAB era uma “agremiação

com propósitos mais culturais do que disciplinares”. (2007, p. 74) E é este aspecto específico

que vamos relacionar com os artigos de Bonelli sobre o tema.

Sobre a história do IAB e da OAB e suas relações com o estado brasileiro, há além do

texto de Almeida, outros dois artigos de Bonelli (1998/1999; 2002) que precisam ser

mencionados. O primeiro artigo foi usado pela primeira vez num encontro da Associação de

Estudos Latino-Americanos, realizado em Chicago, em 1998 e foi publicado, com pequenas

modificações, na Revista Brasileira de Ciências Sociais um ano depois; o segundo, foi

publicado em 2002 num livro da própria autora em que publicou alguns de seus artigos sobre

o “mundo do direito”, como ela mesma chama. O primeiro artigo (Bonelli, 1998) está

disponível na internet com uma epígrafe usada deselegantemente para atacar as idéias da

autora epigrafada com a seguinte frase inicial: “Este artigo apresenta uma interpretação

distinta da acima sobre o processo de profissionalização dos bacharéis-advogados no Brasil,

durante o período imperial”. (Bonelli, 1998, p. 2) Uma versão modificada do segundo artigo

(Bonelli, 2002) foi publicada em inglês, em 2003, na prestigiosa revista Law & Social

Inquiry.

A autora busca estabelecer uma linha tênue entre as duas instituições, coisa que não

acontecia do ponto de vista do campo jurídico brasileiro que sempre teve o IAB como espaço

das elites intelectuais da advocacia brasileira. Bonelli vê profissionalização onde não havia,

como se a profissionalização da advocacia fosse a grande obsessão destas instituições. A

profissionalização da advocacia em muitos momentos, principalmente até à criação da OAB,

na década de 1930, não chegou a ser a principal preocupação do IAB, como demonstra

Almeida (2007) ao salientar o papel do IAB na política nacional. Aliás, as duas instituições

(IAB e OAB) sempre desempenharam papéis políticos na sociedade brasileira, mais até do

que papéis corporativos de classe.

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58

Os artigos de Bonelli (1998/1999; 2002) sofrem, além de análises enviesadas40 e

anacrônicas41, de algumas inconsistências históricas. A autora, por exemplo, chama o IAB de

IOAB, mas o IAB só foi chamado de IOAB durante aproximadamente 35 anos de seus mais

de 160 anos de história, mais especificamente entre 1899 e 1934, o que torna a nomenclatura

usada por Bonelli incabível e incoerente.

A separação de atribuições destas instituições (IAB e OAB) foi resolvida durante o

processo recente de redemocratização política brasileira, em que ficou destinado ao IAB o

papel de palanque político da elite advocatícia, papel histórico da instituição, e à OAB, o de

instituição responsável pela defesa da profissão em seus aspectos mais técnicos, como bem

salienta Bonelli. (2002, p. 73, 74) Nos anos 1990, após mudança no Estatuto da Advocacia, o

IAB, que historicamente foi uma casa política de divulgação e consagração das idéias de

eminentes advogados brasileiros, passou a uma atuação crítica da sociedade brasileira, da

política brasileira e da própria OAB. É claro que estamos falando do IAB nacional, com sede

no Rio de Janeiro. Porque há também IABs estaduais, cuja importância no campo do direito é

quase nenhuma.

Há outras importantes instâncias de consagração na advocacia, como vagas nas

academias de letras jurídicas e nos tribunais de justiça dos estados pelo quinto constitucional.

As academias de letras jurídicas são instituições criadas pelos próprios profissionais do direito

como forma de produção de um status social e de reprodução de uma cultura iluminada. Já o

quinto constitucional, para desespero dos magistrados de carreira42 e até de advogados43, é um

40 A crítica que Bonelli faz a Larson (1977) é descabida porque apresenta de maneira equivocada as idéias de Larson sobre projeto profissional e porque critica o que ela chama de um modelo típico-ideal descaracterizado “por perder a dimensão de generalização que lhe é indispensável”. (Bonelli, 1999, p. 62) Bonelli parece não reconhecer, por exemplo, a contribuição de Larson para a discussão do papel do Estado na profissionalização, como apresentamos no início deste capítulo. Bonelli tenta demonstrar, mas não consegue, o que ela chama de uma “fragilidade dos modelos analíticos centrados no mercado de trabalho” (1999, p. 63), modelo que ela associa, erradamente, a Larson. 41 Para Bonelli, o que ela chama de IOAB revelava desde a sua origem uma certa “tendência à difusão da ideologia do profissionalismo” (2002, p. 62), o que nos parece forçado. A autora inclusive usa de forma equivocada o termo longa duração (longue durée) tão caro às primeiras gerações da Escola dos Annales. Ao recuar até o Brasil Império para fazer sua análise sobre a profissionalização da advocacia, a autora diz que “se trata de um período histórico de longa duração” (1999, p. 62), mas fica no nível dos eventos que apontem algum contato com sua hipótese central de um profissionalismo no que ela chama de IOAB, sem descer ao nível das estruturas, como queria Braudel. 42 A ANAMATRA, a partir de 2002, sob a presidência do Juiz Hugo Melo Filho, e a AMB, algum tempo depois, entraram na luta política para derrubar o instituto do quinto constitucional na discussão da Reforma do Judiciário, mas não obtiveram sucesso. 43 Cf. Haidar, 1999.

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59

meio de ingresso de advogados e membros do MP, na segunda instância das magistraturas

estaduais ou nos tribunais superiores, visando, segundo o que consta, renovar a ótica das

decisões jurídicas. Conseguir uma indicação para assumir a vaga destinada ao quinto

constitucional da advocacia é tarefa nada fácil, o que requer um certo reconhecimento, dos

próprios pares, na atividade profissional da advocacia e/ou uma certa dose de articulações

políticas com vistas a ter seu nome escolhido, quer dizer, reconhecido pelos próprios pares.

Na magistratura as maiores instâncias de consagração profissional são, sem dúvida, os

tribunais superiores, STJ e STF. Mas a elevação do magistrado a desembargador do Tribunal

de Justiça de seu estado é uma grande honra para o profissional. Há ainda algumas academias

destinadas apenas aos magistrados, como, por exemplo, a Academia Paulista de Magistrados

(APM). O magistrado também pode ser eleito para mandatos nas associações profissionais da

categoria, como AMB, ANAMATRA ou associações estaduais de magistrados, por exemplo,

ou ainda ser escolhido para compor a corregedoria.

No MP, a promoção a procurador é a distinção mais esperada por um promotor de

justiça que tenha muitos anos na carreira. Mas não há duvidas de que este tipo de promoção

não obedece a critérios meramente objetivos, de antiguidade ou desempenho, por exemplo,

sendo a articulação política dos promotores indispensável para que seja elevado ao cargo de

procurador de justiça. Aliás, os arranjos políticos costumam dar a tônica em quase todas as

promoções que acontecem no campo jurídico brasileiro, acompanhando uma característica

comum às instituições brasileiras de consagração profissional e reforçando a proximidade do

campo do direito com o campo da política.

O membro do MP pode também ser eleito por seus pares para cargos da administração

institucional. O cargo mais importante, Procurador Geral de Justiça do Estado, é eleito pelos

membros do MP, normalmente depois de acirrada disputa interna, mas fica sujeito à lista

tríplice em que o governador escolhe entre os três mais votados pela instituição aquele que ele

julga mais adequado a ser nomeado para o cargo máximo do MP estadual44. Trata-se de cargo

político alinhado à política do governador, embora não submetido ao governo estadual,

podendo inclusive discordar desse governo. Mas isso normalmente não acontece,

transformando, na prática, o Procurador Geral em membro do secretariado do governador,

portanto, também submetido à sua política de governo. 44 No caso do Rio de Janeiro, só membros do MP com pelo menos dois anos de carreira podem candidatar-se ao cargo máximo do Ministério Público.

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60

Outra instância de consagração dentro do MP são os Conselhos Superiores dos

Ministérios Públicos estaduais, cujos conselheiros são eleitos entre membros do MP que

estejam na ativa, por seus próprios pares, para mandatos de um a dois anos, conforme cada

estado. (Brasil, 2006, p. 31) O Conselho Superior do Ministério Público é órgão de cúpula dos

MPs estaduais, responsável por discussão de políticas institucionais que visem a melhoria dos

serviços prestados pelo MP e, embora não abertamente, os rumos político-ideológicos

tomados pela instituição45. Há ainda a possibilidade de eleição dos membros do MP para o

quadro diretivo da associação profissional da categoria nos referidos estados de atuação ou em

nível nacional, o que não deixa de ser também uma instância de consagração, como já

dissemos. Na estrutura do Ministério Público da União (MPU), há quatro MPs com áreas de

atuação e estruturas organizacionais distintas: Ministério Público Federal (MPF), Ministério

Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Militar (MPM) e Ministério Público do

Distrito Federal e Territórios (MP-DFT). Os três primeiros têm seus próprios conselhos

superiores, que servem também de instâncias de consagração. O MPU também tem seu

Conselho de Assessoramento Superior.

Por fim, os membros do MP podem ser escolhidos para integrar a corregedoria da

instituição, verdadeira instância policial na instituição, responsável pela investigação de

“deslizes” cometidos por promotores e procuradores de justiça no exercício ou não de sua

atividade profissional. Em geral, são os membros mais antigos do MP que são escolhidos para

a corregedoria, o que torna este espaço de atuação mais conservador, como veremos no

capítulo 4.

Na Defensoria Pública as instâncias de consagração estão mais distantes dos

defensores públicos, ficando restrita à participação na estrutura administrativa da instituição, o

que decorre de uma candidatura e eleição pelos próprios pares. Não há mudança de status

profissional fora das disputas internas das chapas fechadas que se candidatam aos cargos da

estrutura administrativa da instituição. Não há uma categoria especial de defensor público,

como o MP tem os procuradores de justiça. Todos os defensores são defensores públicos,

independente do tempo de casa. Só se tornam Defensor Público Geral ou Sub-Defensor

Público Geral os eleitos para esses cargos, para um mandato de quatro anos, após apresentar

candidatura e fazer campanha entre os pares. Podem ser eleitos também para as associações

45 No estado do Rio de Janeiro o Conselho Superior do Ministério Público é composto de oito membros eleitos e dois membros natos, o Procurador Geral e o Corregedor Geral.

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61

profissionais da categoria em níveis estadual ou nacional e para os Conselhos Superiores das

defensorias estaduais. A Defensoria Pública da União foi criada a partir da Constituição de

1988 e ainda está se estruturando, não contando com um Conselho Superior, embora essa

tendência deva ser seguida. A corregedoria também pode ser um caminho de consagração

para os defensores públicos.

Entre os delegados de polícia, que é a mais nova profissão de acesso exclusivo a

bacharéis em direito, as instâncias de consagração estão diretamente relacionadas à luta da

categoria por melhores salários e status. Portanto, destacam-se os diretores dos sindicatos da

categoria e os eleitos para as associações profissionais ou corregedorias de polícia. Assim

como os defensores públicos, os delegados de polícia também não têm muitos espaços

destinados ao exercício da consagração profissional na carreira, provavelmente pela dimensão

menor de poder que exerce dentro dos campos das profissões jurídicas e do direito, o que está

também diretamente ligado ao volume de trabalho e ao risco na execução desses trabalhos.

Dentro do campo das profissões jurídicas, os delegados ocupam a base da estrutura de

estratificação, segundo seus próprios pares. (Cf. Brasil, 2004, p. 107)

No caso dos tabeliães e registradores, há uma coincidência entre atuação profissional e

instância de consagração. Porque os “donos de cartórios”, como são chamados esses

profissionais, ainda tem um grande poder social no Brasil. Sua atividade profissional e sua

instância de consagração se realizam no mesmo lugar, no próprio cartório. Às vezes a

instância de consagração nesse ramo profissional está ligado à infra-estrutura e localização

dos cartórios, valendo como moeda de diferenciação social a própria riqueza material auferida

com a atividade, o que pode ser também demonstrado pelo embelezamento ou ampliação dos

cartórios.

Encerramos este capítulo afirmando a complexidade organizativa e de atuação das

profissões jurídicas brasileiras e a importância da estrutura burocrática para o sistema de

justiça, para abrigar as diferentes carreiras jurídicas e permitir seu desenvolvimento funcional.

Outro aspecto que fica marcado é que a diferenciação entre as carreiras jurídicas implica um

alto nível ideológico e de poder social das profissões do direito. Embora esse poder das

profissões jurídicas se estabeleça sobre a sociedade brasileira como um todo, ele não é

uniforme em todas as carreiras jurídicas, como veremos melhor no último capítulo. Há

carreiras mais prestigiadas e outras menos prestigiadas dentro do campo do direito. E são as

entidades representativas das diferentes profissões que mediam as lutas por poder dentro da

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sociedade e do campo do direito. Por fim, fica clara a importância do campo político para o

campo jurídico, na composição política dos poderes alcançados e almejados por cada carreira

jurídica e na legitimação do poder social do campo do direito. A seguir faremos uma

discussão sobre as profissões jurídicas no Brasil, com ênfase nos períodos da ditadura militar

e da redemocratização política do país.

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63

3 EXPANSÃO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL: elaboração e

execução de um projeto profissional a partir da redemocratização política.

Neste capítulo argumentaremos que as profissões jurídicas realizaram, mesmo que de

maneira não-homogênea e um pouco incompleta, a partir do processo de redemocratização

política do país, um projeto profissional organizado principalmente em torno da

monopolização do mercado de serviços jurídicos e de aumento do prestígio social das próprias

profissões jurídicas, sob a égide da ideologia da democratização social após anos de

autoritarismo. Num certo sentido pode-se dizer que o trauma social produzido pela presença

da ditadura militar teria sido utilizado pelas profissões jurídicas, mesmo que sem consciência

disso, como instrumento ideológico para expansão da legitimidade e do poder social das

próprias profissões jurídicas, o que se realizou efetivamente na Constituição de 1988. Este

projeto profissional foi idealizado e executado na própria prática social dos profissionais do

direito, individual e coletivamente. Provavelmente sem que os profissionais do direito

soubessem onde iria dar suas reivindicações, muitas delas legítimas. Talvez eles desejassem

apenas maior liberdade para sua atuação profissional, mas acabaram conquistando mais que

isso: foram elevados à categoria de agentes indispensáveis à democracia e ao estado

democrático de direito, com previsão constitucional e tudo. O poder conquistado pelas

profissões jurídicas a partir do processo de redemocratização política do país teve

conseqüências sobre o campo jurídico e o campo político. Antes de chegarmos a esse aspecto

central de nosso argumento nesse capítulo, precisaremos dar uma passeada pela história das

profissões jurídicas no Brasil.

3.1 PRIMEIROS JURISTAS BRASILEIROS

No Brasil, por muito tempo, fazer direito era garantia de empregos em cargos públicos

e de ascensão social. (Micelli, 2001) O termo bacharel, que caracteriza os formados em cursos

superiores, já foi sinônimo de pessoa formada em direito. Antes da Coroa se estabelecer no

Brasil, os brasileiros que queriam fazer curso superior tinham de ir para a Europa,

principalmente para Coimbra. Foi em Coimbra que se formaram os primeiros advogados

brasileiros46 e que alguns dos chamados inconfidentes (Cláudio Manoel da Costa, Silva

Alvarenga e Tomas Antonio Gonzaga, por exemplo) tomaram conhecimento de idéias que os

estimularam a nutrir a esperança de um Brasil livre de Portugal. Mesmo que Coimbra não

46 Neder (2000) faz um bom apanhado dos estudantes de direito em Coimbra até o século XIX.

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64

representasse um grande modelo de circulação das idéias liberais, como afirma Carvalho,

(2006, p. 183), e que os inconfidentes não tivessem um projeto democratizante para o Brasil, a

formação deles em Coimbra, principalmente por sua socialização, serviu como esteio do

questionamento da relação Metrópole-Colônia.

Após a independência do Brasil, foram criados dois cursos de direito a partir de 1827,

um em São Paulo e outro em Olinda, posteriormente transferido para Recife. Neste mesmo

contexto histórico foram criados os cursos de medicina, Academia Imperial de Medicina

(1835), e engenharia, Escola Militar da Corte (1839). Mas fazer um curso superior era algo

reservado às elites.

A independência do Brasil criou condições necessárias à implantação dos cursos de

direito e permitiu um aumento do número de bacharéis nesta área devido à carência de

profissionais para montar a estrutura burocrática do incipiente estado brasileiro. Os cursos de

direito foram criados pelo Império e inicialmente regulados pelos estatutos do Visconde de

Cachoeira, que foi o autor dos estatutos de funcionamento de um curso jurídico na Corte,

criado por um decreto de nove de janeiro de 1825, mas que não chegou a sair do papel.

Segundo Venâncio Filho,

os estatutos do Visconde de Cachoeira colocam no início como objetivo dos cursos jurídicos “formar homens hábeis para serem um dia sábios magistrados e peritos advogados de que tanto se carece” e outros que possam vir a ser “dignos deputados e senadores para ocuparem os lugares diplomáticos e mais empregos do Estado”. (1982, p. 31)

Raymundo Faoro, analisando a educação superior no império, assinala que o “governo

preparava escolas para criar letrados e bacharéis que se incorporavam à burocracia, regulando

a educação de acordo com os seus fins”. (1973, p. 224) No mesmo sentido, mas referindo-se

às faculdades de direito durante a República Velha, Sérgio Miceli afirma que a

faculdade de direito era a instância suprema no campo de produção ideológica, concentrando inúmeras funções políticas e culturais. [...] ocupava posição hegemônica por força de sua contribuição à integração intelectual, política e moral dos herdeiros de uma classe dispersa de proprietários rurais aos quais conferia uma legitimidade escolar. [...] atuava ainda como intermediária na importação e difusão da produção intelectual européia, centralizando o movimento editorial de revistas e jornais literários; fazia as vezes de celeiro que supria a demanda por elementos treinados e aptos para assumir os postos parlamentares e os cargos de cúpula dos órgãos administrativos, além de contribuir com o pessoal especializado para as demais burocracias, o magistério superior e a magistratura. (2001, p. 115)

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65

José Murilo de Carvalho (2006, p. 84) demonstra com números como os bacharéis

ocuparam gradativamente os cargos públicos no Brasil ao longo do século XIX. Muitos

bacharéis eram oriundos das elites rurais brasileiras. Basta lembrar que o Brasil colônia era

eminentemente rural, com intensas atividades extrativistas e agrícolas destinadas à

exportação. As elites rurais ficaram então responsáveis pela urbanização e modernização do

novo país que surgia ao assumir cargos na administração do estado.

Aqui as profissões liberais se tornaram uma estratégia das elites rurais para tentar

revigorar seu decadente prestígio47, mesmo que se transformasse em outra elite – urbana ou

intelectual, por exemplo48. Holanda afirma que “com o declínio do velho mundo rural [...]

essas novas elites estariam naturalmente indicadas para o lugar vago. Nenhuma congregação

achava-se tão aparelhada para o mister de preservar [...] o teor essencialmente aristocrático de

nossa sociedade tradicional”. (1995, p. 164)

Mas se as elites rurais brasileiras formaram as primeiras gerações de bacharéis no

século XIX, o aumento da produção de bacharéis ao longo do mesmo século colocou em

cheque a própria intelectualidade bacharelesca. Sérgio Miceli afirma que quase todos os

escritores modernistas eram originários de antigas famílias dirigentes e que a partir da década

de 30 houve uma inflação de cursos de direito em decorrência de reformas educacionais

promovidas pela República Velha. Para ele,

O diploma superior deixara de ser um símbolo de apreço social como o fora para os proprietários de terras, ou então, um sinal de distinção capaz de validar lucros provenientes de outras atividades econômicas das famílias dirigentes. [...] O contingente de bacharéis que pressionava o mercado [...] começou a utilizar o diploma como sendo uma prerrogativa da qual só se podia esperar vantagens estritamente profissionais. (2001, p. 119)

Os bacharéis tinham uma grande visibilidade social em fins do século XIX e início do

século XX porque alcançavam postos na burocracia estatal, na política nacional, na imprensa

47 Leal (1975) mostra que a força do coronelismo decorria do enfraquecimento do poder privado local frente ao avanço do poder público federal a partir de 1930. A saída encontrada pelas elites rurais decadentes foi promover uma associação política com o poder público, servindo eles mesmos de intermediários entre o estado e os indivíduos atomizados. A dificuldade que o estado tinha de se fazer chegar ao interior do país era minimizada por essa associação política entre governo e elites rurais, o que devolveu poder às elites rurais até então decadentes e deu origem ao chamado coronelismo. 48 Assim como Norbert Elias fez no capítulo VIII de “A sociedade de Corte” (2001), podemos apontar uma relação entre o Romantismo na literatura brasileira e a constituição das novas elites intelectuais vindas do espaço rural brasileiro para o urbano. Temas recorrentes do Romantismo são a saudade do campo, a simplicidade e a idealização do passado perdido.

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66

e na literatura49. Tal visibilidade talvez tenha contribuído para a sensação de que os bacharéis

estavam se proliferando na sociedade brasileira. Interessante que naquela época o prestígio do

bacharel estava mais atrelado ao desempenho de suas atividades político-partidárias e

artísticas na sociedade do que propriamente de sua atuação profissional, como advogado,

magistrado ou outro profissional do direito. Carvalho (2006), ao demonstrar a homogeneidade

da elite imperial brasileira pela via de sua formação, de certa forma acaba dando a Adorno

(1988) a hipótese para desenvolvimento de sua pesquisa de doutorado, onde reafirma o papel

mais político-cultural das primeiras faculdades de direito.

Outro fator que contribuiu para a idéia de que o bacharel estava tomando conta da

realidade social das grandes cidades brasileiras do final do século XIX era que, naquela

época, havia uma subcategoria de advocacia desempenhada por práticos do foro, que não

precisavam passar por uma faculdade de direito, o que aumentava ainda mais o número de

profissionais do direito. Eram os advogados provisionados e os solicitadores. Edmundo

Campos Coelho resume bem as características e atribuições destes práticos e os problemas

relacionados ao aumento deste contingente de profissionais:

Advogados provisionados, aqueles que, não tendo graus acadêmicos das escolas de direito, submetiam-se a exames teóricos e práticos da jurisprudência pelos presidentes dos tribunais da Relação. Podiam procurar penas nos tribunais de 1ª instância e nos lugares onde não houvesse advogado formado ou os houvesse em número insuficiente para o bom andamento da justiça. Finalmente havia os solicitadores, sem diplomas como os provisionados, que submetiam-se pelos juízes de direito a exames apenas sobre a prática do processo. Tantos estes quanto os advogados provisionados necessitavam requerer renovação de suas licenças ou provisões no prazo de dois a quatro anos. [...] Na prática, interesses os mais diversos criavam desvios que os repetidos avisos ministeriais eram incapazes de corrigir. Presidentes de Relação concediam número exagerado de provisões, presidentes de província usurpavam a atribuição de concedê-las ou eram as provisões concedidas para lugares onde já era bastante o número de bacharéis. O advogado provisionado podia livrar-se da inconveniência da renovação periódica de sua licença pagando a taxa de 60$ (em 1841) pelo “emprego vitalício de advogado não formado” ou provisão vitalícia e tendo notório saber e influentes relacionamentos, poderia obter do governo a condição de doutor em leis. (Coelho, 1999, p. 167, 168)

Um terceiro fator explicativo da expansão dos bacharéis no início do século XX foram

as reformas educacionais de Benjamim Constant, de 1891, que acabaram com o monopólio

dos dois cursos jurídicos do Brasil e a reforma Rivadávia Corrêa, de 1911, que retirou do

estado o poder de interferência no setor educacional, e que ficou conhecido como “ensino

livre”. Sérgio Miceli mostra que as reformas pedagógicas implementadas durante a República 49 Já mostramos em artigo (Santos, 2007) como a obra de Lima Barreto, entre outros intelectuais e artistas do início do século XX, pode servir como fonte para reflexão sobre a visão que se tinha dos bacharéis naquela época.

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67

Velha estimularam o aparecimento de novas faculdades de direito, afetando “diretamente as

reservas do mercado de postos até então monopolizados pelos detentores de diplomas

concedidos pelos cursos superiores oficiais”. (2001, p. 117) De qualquer maneira havia sim

um aumento da produção de bacharéis e da visibilidade desses bacharéis na sociedade

brasileira.

3.2 PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS O FIM DA REPÚBLICA

VELHA

A imagem dos profissionais do direito até o início do século XX era um tanto quanto

denegrida para alguns intelectuais e escritores da época, como mostramos em artigo anterior.

(Santos, 2007) Ao longo daquele século os profissionais do direito no Brasil consolidaram sua

posição e seu papel na sociedade brasileira, contribuindo também para a consolidação da

própria profissão que escolheram. Mas não alteraram muito sua imagem social. Em torno da

década de 1930, período em que o Brasil passava por transformações sociais decisivas50, os

profissionais do direito e alguns intelectuais brasileiros debatiam os rumos da estrutura

política brasileira e o papel dos juristas, além dos cargos a serem ocupados por estes, no

projeto político brasileiro após o fim da República Velha. Personagem importante neste

momento foi Oliveira Vianna.

Dono de posições polêmicas, como a atribuída a ele de defesa da eugenia, Oliveira

Vianna, foi importante intelectual nacionalista e que exerceu bastante influência nos governos

Vargas. Em 1930, ainda durante a campanha presidencial, reuniu e publicou em livro alguns

de seus artigos, que haviam sido originalmente escritos para jornais brasileiros a partir de

1918, defendendo uma reforma na estrutura política brasileira. O livro intitulou-se “Problemas

de política objetiva”.

Na quarta parte do livro, em que trata dos “conselhos técnicos nos governos

modernos”, escrito em 1928, ele defende a organização das profissões para atuar em

conselhos técnicos a fim de exercer um papel mais efetivo de influência e pressão sobre os 50 Miceli afirma que: “As décadas de 1920, 1930, e 1940 assinalam transformações decisivas nos planos econômico (crise do setor agrícola voltado pra exportação, aceleração dos processos de industrialização e urbanização, crescente intervenção do Estado em setores-chave da economia etc.), social (consolidação da classe operária e da fração de empresários industriais expansão das profissões de nível superior, de técnicos especializados e de pessoal administrativo nos setores público e privado etc.), político (revoltas militares, declínio político da oligarquia agrária, abertura de novas organizações partidárias, expansão dos aparelhos do Estado etc.) e cultural (criação de novos cursos superiores, expansão da rede de instituições culturais públicas, surto editorial etc.)”. (2001, p. 77)

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68

políticos, numa clara referência ao corporativismo51. Quando Oliveira Vianna fala de

profissões não está dando ainda o enfoque que a sociologia das profissões viria a dar

posteriormente, embora a noção de vocação à realização de um serviço voltado para a

sociedade já estivesse presente, como nos funcionalistas.

Profissões para ele são grupos sociais, pensados como grupo de pessoas que se

identificam em torno de sua atuação profissional, como grupos que criam identidades no (e

para o) exercício do trabalho. A noção de profissão de Oliveira Vianna é muito próxima do

senso comum, pensando a profissão como possibilidade de atuação num mercado de trabalho.

Assim, profissão e trabalho são praticamente sinônimos52, sendo um locus de

desenvolvimento de um saber prático, um saber voltado para o fazer: fazer algo para a qual só

o profissional está habilitado. Ele toma a ideologia do avanço da ciência como ponto

axiomático e obedece a uma lógica do progresso inexorável conduzido pelo saber técnico-

científico: só o profissional, técnico capacitado e habilitado, pode dar parecer sobre sua área

de atuação.

Uma das grandes causas da falência de muita legislação no Brasil, ou da ineficiência de muita medida administrativa, está justamente em que umas e outras têm sido feitas sem essa consulta prévia às classes interessadas, sem a audiência e o conselho dos “profissionais”, dos “técnicos”, dos “práticos do negócio”53. (Oliveira Vianna, 1974, p. 116)

A criação dos conselhos consultivos cumpriria um papel democrático na sociedade

brasileira porque, segundo ele, é nas organizações profissionais que se encontrariam “as

fontes de informações mais seguras dos interesses coletivos”. (p. 116) Com isso, ele acredita

que os grupos profissionais, como atores sociais coletivos, se colocariam em igualdade de

condições diante do poder político (estado), discutindo e reivindicando de igual para igual

com outros atores sociais coletivos (profissões). Profissões elitistas e aquelas que eram pouco

prestigiadas se colocariam em pé de igualdade simplesmente porque todas elas seriam

importantes para a manutenção da funcionalidade do corpo social.

51 Contemporâneo de Oliveira Vianna, Felix Contreiras Rodrigues (1933) defende que antes de pensar em representação profissional seria preciso organizar as profissões, porque, segundo ele, o Brasil não tinha classes nem profissões organizadas. E porque, segundo ele, naquela época a representação dos trabalhadores estava sendo bem feita pelos sindicatos católicos. 52 Para não tratar profissão e trabalho como sinônimos completos em Vianna, podemos dizer que ele pensa as profissões como agrupamentos identitários e o trabalho como atividade, ação. Às vezes ele dá a entender que profissão é coletividade e trabalho exercício individual. 53 Vianna afirma isso sem atentar para o fato de que a maioria dos legisladores brasileiros e grande parte dos membros da burocracia estatal eram formados em direito, como mostra Carvalho (2006).

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69

Fica evidente na quarta parte do livro de Oliveira Vianna a referência ao (ou

preocupação com o) espaço de atuação dos profissionais do direito na estrutura política

brasileira. Para ele, é preciso distinguir política de técnica. E criar leis seria um ato típico dos

técnicos, dos especialistas do assunto, no caso, os juristas. Ele chega a afirmar, em itálico, que

“por toda parte a competência técnica vai substituindo a competência parlamentar”. (p. 121)

Fica a dúvida sobre qual seria a função do político numa sociedade praticamente governada

por técnicos, como ele propõe. Numa longa nota de rodapé ele esboça uma resposta a esta

questão, citando Finney, mas que não vai além de uma divagação, não se coadunando com

seu espírito pragmático, objetivo:

O homem-de-estado vê em conjunto; o técnico vê em detalhe. O técnico conhece o seu setor, sabe o que contém dentro dele; mas, não sabe o que pertence a outros setores, a outras especialidades. O homem-de-governo, o estadista, este, ao contrário, tem pela própria altitude do seu espírito de homem-de-estado, possibilidade de conhecer e aprender as “relações”, como diria Finney, entre todos estes setores, numa visão panorâmica e integral – e decide, então, de acordo não rigorosamente com o parecer do técnico (limitado na sua visão justamente por ser um especialista), mas de acordo com esta visão complexiva e de conjunto. (p. 142)

A análise de Oliveira Vianna está focada sobre a realidade brasileira, fazendo jus ao

seu nacionalismo, mas ele garante que este tipo de atuação técnica das profissões está em

franca expansão no mundo todo, naquela época, citando até alguns países, como Inglaterra,

Bélgica e França, por exemplo54. O uso dos conselhos técnicos seria um dos aspectos

responsáveis por tornar modernos os governos destes países citados por ele. Parece que ele,

em alguns momentos, confunde burocratização, num sentido mais weberiano de avanço da

técnica e organização/administração da sociedade, com corporativismo, no sentido de corpos

intermediários entre o estado neutro e os indivíduos e grupos sociais55.

Schwartzman (1987b) afirma que “no Brasil houve muito de paternalismo, cooptação

de lideranças sindicais, formalismo e burocratização do ensino e organização das profissões,

mas pouco, efetivamente, de corporativismo”. Talvez isto tenha acontecido em decorrência da

confusão que os próprios intelectuais defensores do corporativismo faziam daquele sistema

sócio-político, como no caso de Oliveira Vianna. Carvalho chega a afirmar que “o

54 Em relação à Inglaterra, Oliveira Vianna fala do papel do Gabinete e do Secretariado do Gabinete, que auxiliariam tecnicamente o Primeiro-Ministro a tomar decisões políticas. Em relação à Bélgica, Vianna destaca as “sondagens” feitas para elaboração de leis sociais. Na França, Itália e Alemanha ele destaca os Conselhos Econômicos como Conselhos técnicos encarregados de ouvir os interesses econômicos e de classe a fim de dar suporte a políticas nacionais mais próximas das expectativas sociais. 55 Nunes apresenta o corporativismo como “processo racional, legalmente protegido, de acumulação de riqueza e poder”. (2001, p. 75)

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70

autoritarismo para ele [Oliveira Vianna] era uma técnica, uma engenharia social, um caminho

para países como o Brasil chegarem ao moderno capitalismo. A ele cabia com propriedade a

definição de autoritário instrumental”. (1991, p. 14) Outra confusão que Oliveira Vianna

parece fazer é entre conselhos técnicos e associações profissionais. Mas não podemos dizer

que as expectativas de Oliveira Vianna por um aumento de poder das profissões jurídicas a

partir da adoção de um modelo mais tecnicista não tenham se realizado na sociedade

brasileira, mesmo que num momento posterior, graças também às suas próprias contribuições,

como veremos mais adiante.

3.3 PROFISSÕES DO DIREITO E DITADURA MILITAR

Durante a ditadura militar os profissionais do direito desempenharam papel ambíguo

na sociedade brasileira e no combate à repressão militar: uma parte ousou desafiar a ditadura

militar, outra parte preferiu seguir a vida e fingir que nada acontecia. Era um período de

exceção e os direitos fundamentais eram negados pelos famigerados Atos Institucionais e pela

Lei de Segurança Nacional, que instituiu a pena de morte para os traidores do regime

ditatorial vigente56. Neste momento era difícil atuar como advogado num estado que nem era

democrático, nem de direito. Parte da OAB e alguns importantes advogados brasileiros

defenderam os presos políticos ou militaram contra a ditadura, tendo sido perseguidos e

torturados pelos militares ou a mando deles. Alguns desapareceram ou foram assassinados.

Outros foram cassados. E outros ainda foram tolerados em suas atividades político-

profissionais pela ditadura militar, mais pela importância que seus nomes tinham no cenário

nacional, como é o caso de Raymundo Faoro, Técio Lins e Silva e Heleno Fragoso, por

exemplo.

A OAB, institucionalmente, tentou por várias vezes, pela via político-jurídica,

restabelecer o estado democrático de direito, porque a ditadura militar feria a ordem jurídica

democrática e a moral, e interferia diretamente na atuação profissional dos advogados. Em

1980, o episódio da carta-bomba endereçada ao presidente do Conselho Federal da OAB,

Eduardo Seabra Fagundes, e que explodiu nas mãos da funcionária Lyda Monteiro da Silva,

matando-a na hora, parece ter sido emblemático da pressão que a OAB fazia pela restauração

56 Importante ressaltar que o período da ditadura militar não foi homogêneo, havendo diferentes fases na ditadura militar, passando de governos moderados a governos linha dura, e vice-versa, como destacam Carvalho (2001, p. 157, 158) e Fico (2001, p. 18).

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71

da democracia no país e do quanto esta pressão incomodava alguns setores favoráveis à

ditadura.

É claro que nem todos os advogados e membros das diretorias da OAB foram

militantes contra a ditadura. Houve quem apoiasse veladamente e quem apoiasse abertamente

o terror militar. Mas, no campo do direito os advogados talvez tenham sido os mais

prejudicados em sua atuação durante aquele período, e os mais perseguidos. Juízes e outros

profissionais do campo do direito não tiveram tanta atuação durante a ditadura militar, ou

porque eram nomeados pelo governo, ou porque apoiavam o regime autoritário, ou porque

eram indiferentes à ordem vigente.

Merton (1970) diria que aqueles magistrados perderam a consciência de seu papel na

sociedade porque se dedicaram demais à realização de tarefas burocráticas. Muitos juristas

que faziam parte da estrutura burocrática brasileira se tornaram parte da própria estrutura57.

Talvez tenham perdido de vista a dimensão política de suas tarefas e atuado como técnicos

apolíticos, que precisavam cumprir as ordens, sem se dar conta de que a estrutura político-

jurídica não era mais democrática. Respeitaram cegamente o princípio da inércia da jurisdição

e ficaram esperando os cidadãos brasileiros ativarem os órgãos jurisdicionais em busca da

desconstituição do regime autoritário vigente. Ou talvez tenham se sentido incapazes de fazer

diferente, porque foram talhados para servir e não para questionar a ordem vigente ou a

origem do poder político que dirige, em última instância, a estrutura burocrática a que ele

serve.

José Reinaldo de Lima Lopes afirma que o “Judiciário aceitou e de certo modo

legitimou esta intromissão de um outro poder nas suas funções mais próprias, isto é, nas

funções de dizer o direito. Este período histórico deixa patente como, através de seus órgãos

de cúpula, o Judiciário abdicou de sua autonomia”58. (1989, p. 128)

57 Carvalho, analisando os magistrados que eram políticos no Brasil Império mostra que eles desempenharam papel ambíguo por ficarem refém da estrutura burocrática a que serviam, preocupados em “votar contra o seu governo”, e foram derrotados em projeto de lei que proibia funcionários públicos, leia-se também juízes, de se candidatarem a cargos políticos. (2006, p. 181) 58 José de Souza Martins (1980, p. 27; 1983, p. 16) afirma que durante a ditadura militar intensificou-se a grilagem de terras nas áreas rurais e na Amazônia Legal, expropriando as terras dos antigos posseiros. Essas expropriações eram feitas com decisões judiciais e, muitas vezes, com a presença do juiz in loco. A atuação desses juízes apoiava o projeto dos militares de ocupação da Amazônia para fins econômicos, principalmente, para ampliação da pecuária de corte com vistas à exportação.

Page 83: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

72

O Ministério Público também não desempenhou papel tão relevante no enfrentamento

da ditadura militar. Pelo contrário, serviu à ditadura militar, principalmente através de seu

órgão de comando, a Procuradoria Geral da República. O MP naquela época estava vinculado

ao Executivo e teve seus poderes ampliados pela própria ditadura militar com vistas a

legitimar o governo autoritário a partir de um controle da legalidade, de uma legalidade

arbitrária. (Arantes, 2002, p. 39) Se a noção de justiça não tivesse passado tão longe dos

intelectuais-burocratas do direito, poderiam ter invocado a teoria da imprevisão em sua

atuação profissional: os pactos devem ser cumpridos, desde que não se alterem as condições

(sociais, políticas, econômicas e/ou jurídicas) em que eles foram celebrados.

3.3.1 O Terror Militar

Embora nem todos os militares apoiassem o terror como forma de fazer política, ou de

dominação, a ditadura militar acabou passando para a história como um regime repressor e

torturador. Segundo Carvalho, “a montagem dos aparelhos de repressão criara dentro das

forças armadas um grupo quase independente que ameaçava a hierarquia. Esse grupo

envolvera-se em repressão e tortura, jogando sobre os militares como um todo o estigma de

torturadores”. (2001, p. 174, 175) Kushnir é mais radical e entende que a ditadura militar deve

ser responsabilizada pela imagem social que ficou dos militares, uma vez que foi a própria

ditadura militar que montou a estrutura repressiva e que os militares estiveram por trás dos

atos de repressão e terror. Analisando especificamente os censores ela afirma que

Esses funcionários públicos [os censores] foram sempre executores de medidas, nunca os formuladores. Verdadeiros cães de guarda, durante a vigência de censura prévia, ligavam para as redações dos jornais de todo o país para instruir o coibido. Iniciavam afirmando: “De ordem superior, fica proibido...”. (2004, p. 23)

A ditadura militar foi, sem dúvida, um trauma na sociedade brasileira. Fico afirma que

“a ditadura militar, de algum modo, continua nos assombrando, tantos são os ‘cadáveres

insepultos’”. (2004, p. 10) E Carvalho fala em “experiência traumática”. (2006B, p. 119) A

censura, a repressão, a tortura, o exílio, as apreensões e destruições de “materiais

subversivos”, as denúncias anônimas, o cerceamento de direitos básicos, como o de ir e vir e o

de associação voluntária, foram sinais claros de um poder que deixou marcas profundas na

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73

sociedade brasileira59. Marcas que precisarão ser reconhecidas, assumidas, e enfrentadas,

tratadas, para, quem sabe, um dia serem apagadas.

O professor Afonso Carlos Marques dos Santos, em sua tese de doutoramento em

História pela USP, justifica, de certa forma, a ausência de movimentos contestatórios à

dominação colonial no Rio de Janeiro do final do século XVIII a partir do terror/medo da

Metrópole. Ele argumenta que os cariocas, e também os mineiros, passaram a conviver com o

medo da Metrópole após presenciarem o terror da realização da devassa e da execução de

Tiradentes no Rio de Janeiro. Santos demonstra que mesmo com todo o medo presente na

sociedade havia uma insatisfação dos cariocas, principalmente por parte da elite colonial, com

o governo do vice-rei, o conde de Resende. Mas essa insatisfação não se transformava em

ação concreta de oposição política à Metrópole porque a desmobilização de um possível

levante era feito pela cooptação e pelo terror. Santos utiliza a perseguição sofrida pelo juiz de

fora Baltasar da Silva Lisboa e um grupo de letrados do Rio de Janeiro para, como ele mesmo

diz, “penetrar um pouco mais na ambiência política e social dessa fase que pretendemos

compreender”. (1992, p. 43)

Segundo ele, a violência pública já era amplamente utilizada como instrumento de

desmobilização social pela via do terror estatal em outras colônias portuguesas, como em

Goa, por exemplo. (1992, p. 58-62) Para Santos, o projeto de nação no Brasil nunca saiu do

papel, não deixou de ser apenas um rascunho, como um papel rabiscado, amassado e jogado

num canto qualquer, sem importância. E isso porque as forças repressivas e cooptativas da

Metrópole souberam muito bem desarticular os movimentos de independência da colônia

portuguesa na América. Por fim, ele afirma que o antilusitanismo e os movimentos

autonomistas no Brasil já tomavam conta da sociedade brasileira a partir da última década do

século XVIII quando Portugal começou a discutir a idéia de Império no Brasil. Para Santos,

“a idéia de império luso-brasileiro foi a contrapartida mais eficaz para arrefecer as tendências

autonomistas no Brasil na última década do século XVIII”. (1992, p. 132) Ele apresenta como

documento histórico uma carta, datada de 30 de maio de 1801, do marquês de Alorna a D.

João em que o marquês chama o príncipe regente a vir para o Brasil com toda a Corte para

59 Tema que provavelmente renderá importantes contribuições para o estudo da ditadura militar brasileira é o do impacto da ditadura nas instituições brasileiras pela via das permanências históricas de práticas comumente realizadas durante a ditadura militar, como a espionagem, o denuncismo, a perseguição política ou a censura. Em particular, as práticas autoritárias que continuam vivas nos dias de hoje no interior das instituições brasileiras, algumas das quais foram ícones da resistência à ditadura militar, como universidades públicas e instituições político-jurídicas, por exemplo.

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74

administrar o Império, também como forma de contenção da insatisfação colonial a fim de

que não se perdesse a galinha dos ovos de ouro da Metrópole.

A tese de Santos sobre a repressão política no século XVIII foi defendida no final da

ditadura militar, e pode ser lida como um paralelo à própria ditadura militar brasileira, embora

não haja nenhuma referência mais explícita a isso. Outro aspecto que permite uma leitura da

tese de Santos como uma crítica à repressão militar pós-1964 está na sua outra paixão, a vida

e a obra de Lima Barreto, de quem admirava o jeito obscuramente debochado de criticar o

pseudo-intelectualismo das elites brasileiras em seus textos literários e jornalísticos. Santos

organizou um magnífico trabalho em dois volumes sobre “O Rio de Janeiro de Lima Barreto”.

Talvez Santos tenha utilizado o mesmo tipo de estética barretiana na escrita de sua tese,

fazendo ponderações sobre a ditadura militar nas entrelinhas do texto acadêmico.

O último aspecto que permite esse paralelismo entre o Rio de Janeiro do século XVIII

e o Brasil da ditadura militar na tese de Santos está numa referência que ele faz a um artigo de

Antonio Candido,

escrito numa conjuntura de medo e opressão, em janeiro de 1972, [em que ele] esboçou, com o auxílio da literatura e do cinema, os mecanismos de imposição psicológica usados pela repressão. Neste texto, fazia a distinção entre o comportamento da polícia de um soberano absoluto com a de um Estado constitucional, onde a primeira pode ser ostensiva e brutal, porque o soberano absoluto não precisa se preocupar em justificar demais os seus atos; mas a segunda tem de ser mais hermética e requintada e, por isto, ela vai se misturando organicamente com o resto da Sociedade e estabelecendo uma rede sutil de espionagem e de delação irresponsável, acobertada pelo anonimato, como alicerce do Estado60. (Santos, 1992, p. 79 – grifo nosso)

O que pretendemos destacar aqui com a referencia à tese de Santos é o papel que o

terror exerceu na sociedade carioca do século XVIII e, se aceitarmos a hipótese do

paralelismo da tese de Santos com a ditadura militar brasileira, aconteceu também na

sociedade brasileira dos grandes centros urbanos durante o regime ditatorial militar. Vamos

voltar a este trauma social provocado pela ditadura um pouco mais adiante, para completar o

argumento sobre o papel do trauma da ditadura no discurso das profissões jurídicas durante a

redemocratização política e, em particular, durante a Assembléia Nacional Constituinte

(ANC). Por hora, podemos adiantar que o trauma social provocado pela ditadura militar foi

instrumentalizado pelas profissões jurídicas, principalmente por advogados e promotores de

60 O texto de Antonio Candido em questão intitulava-se “A verdade da repressão”, e foi publicado no semanário Opinião.

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75

justiça, para garantir mercado profissional na nova sociedade pós-ditadura e para promover o

prestígio social das profissões jurídicas a partir de sua associação com a defesa da

democracia. Enfim, para elaboração/execução do projeto profissional do Direito. Mas agora,

voltemos ao período da ditadura militar.

3.3.2 O Ensino Jurídico durante a Ditadura Militar

O período autoritário também exerceu influências na imagem do profissional do

direito e na formação profissional dos juristas. As faculdades de direito e carreiras jurídicas

sofreram muito com a ditadura militar: não havia prestígio nenhum em cursar direito e em

exercer a profissão jurídica naquele período. A intervenção dos militares no mercado de

atuação das profissões jurídicas atuou como um fator limitador do campo do direito,

desestimulando os jovens da época de ingressarem nas faculdades de direito e nas profissões

jurídicas61. Só a partir da década de 1980 é que as profissões jurídicas começaram a retomar

seu prestígio na sociedade brasileira, o que coincide com o declínio da ditadura militar e com

a redemocratização política do país.

Falcão realizou pesquisa em São Paulo e no Rio de Janeiro com estudantes de direito

nos anos de 1973/74. Na pergunta sobre os motivos que levaram o estudante a cursar direito,

em torno de 6% apenas das respostas apontavam o prestígio social do advogado como um

fator relevante para a escolha da formação em direito. Esse percentual baixo dá uma dica do

desprestígio das profissões jurídicas durante a ditadura militar. Se a pergunta sobre o prestígio

dos advogados gerou esse percentual de respostas, como seria o percentual de respostas se a

pergunta fosse sobre o prestígio dos juízes ou promotores de justiça? As faculdades de

ciências sociais e jornalismo eram mais prestigiadas que as de direito durante a ditadura. O

que não quer dizer que as faculdades de direito estivessem às moscas. Pelo contrário, as

faculdades de direito, assim como as outras, estavam cada vez mais cheias, como parte de um

projeto educacional do regime ditatorial militar, como veremos a seguir.

Embora haja interpretações bastante variadas sobre a reforma educacional realizada

pela lei 5.540/68 e uma série de discussões sobre o modelo adotado para a educação superior

brasileira a partir de 1969, é preciso refletir sobre alguns aspectos da expansão do ensino

61 Junqueira analisando o papel da Assembléia Nacional Constituinte no estímulo ao estudo do Direito Constitucional a partir de meados da década de 1980, afirma uma década antes: “os alunos de direito não se sentiam atraídos pelo estudo de uma Constituição outorgada e uma ordem jurídica autoritária”. (1993, p. 27)

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76

superior que acontece a partir daquele momento. Alguns analistas mostram, por exemplo,

como as ciências brasileiras puderam se desenvolver ao ser adotado na lei 5.540/68 um

modelo norte-americano de expansão do número de vagas no ensino superior e criação de

novos cursos de graduação e pós-graduação. Perdeu-se a politização da atividade acadêmica,

mas experimentou-se uma grande transformação62 e expansão do ensino superior, sob a égide

do profissionalismo63 nas ciências brasileiras. Mas é claro que a reforma de 1968 estava em

consonância com o projeto econômico estabelecido pelos militares para o país, projeto esse

que depois ficou conhecido como “milagre econômico”, embora posteriormente tenha gerado

conseqüências talvez não esperadas, como veremos adiante.

A lei 5.540/68 expandiu o ensino superior privado, atrelou o ensino superior à

necessidade de atender uma demanda de mercado, dividiu as universidades em

departamentos, permitiu as matrículas dos alunos por disciplinas e instituiu os cursos por

períodos semestrais, entre outras mudanças implementadas pela lei64. Os críticos da reforma

implementada pelos militares associam a lei 5.540/68 a uma tentativa de desorganizar

qualquer atividade política antigovernamental. Para Falcão (1984, p. 100), as classes médias

urbanas gritaram por um aumento das vagas no ensino superior para seus filhos e foram

atendidas com uma expansão desenfreada que acabou afetando a qualidade da educação

superior. Para ele, a lei 5.540/68 foi uma tentativa bem sucedida de calar os estudantes,

retirando-os das ruas, e as classes médias, adiando a crise de legitimidade do regime ditatorial.

Acrescenta ainda que a expansão do ensino superior contrariou o plano decenal elaborado por

Roberto Campos dois anos antes, que previa a limitação do acesso às áreas de ciências

humanas do ensino superior como forma de controlar a reprodução das elites intelectuais e do

pensamento crítico. (Falcão, 1984)

Na mesma linha de mostrar que os militares tentaram mesmo controlar ou cooptar os

intelectuais, Fabiano Santos (2000, p. 93) fala em projeto político dos militares para alteração

62 Schwartzman afirma que “a Reforma Universitária introduzida pela lei 5.540 em 1968 alterou profundamente o funcionamento interno das Instituições de Ensino Superior no Brasil, mas deixou intacta a estrutura de controle centralizada e corporativa estabelecida no Estado Novo”. (1985, p. 37) 63 Uso o termo profissionalismo para designar a ideologia da necessidade de desenvolvimento da atividade científica brasileira, com vistas a torná-la, desculpe-me pela tautologia, mais desenvolvida, o que significaria também mais competitiva, no cenário (ou mercado) mundial. Tal desenvolvimento se daria a partir, por exemplo, da especialização dos saberes, da expansão da produção científica e da relação mais pragmática entre ciência e mercado. 64 Nunes (2001) questiona como este modelo de ensino superior implementado pelos militares não fora revisto após a redemocratização política do país.

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77

da formação das lideranças políticas brasileiras. O que se faria pela adoção de um modelo

tecnocrata de formação e recrutamento dos políticos. Ele afirma isso quando trata dos

legisladores brasileiros, mas esse projeto pode ser entendido, por extensão, a todo tipo de

liderança política, o que incluiria os futuros profissionais do direito da . A mudança do ensino

superior implementada pela ditadura militar permitiu uma expansão também dos cursos de

direito65 e um aumento da oferta de bacharéis sem que houvesse um aumento da demanda

pelos formados em direito, o que de certa forma também desprestigiou as profissões jurídicas.

O desprestígio das profissões jurídicas aconteceu no bojo de um estreitamento do mercado de

trabalho para pessoal de nível superior, que se deu enquanto se descobria que o “milagre

econômico” era artificial, que escondia, ou tentava esconder, enormes desigualdades.

Schwartzman entende que a expansão do ensino superior pareceu dar certo num primeiro

momento, “enquanto se ampliava, no país, o mercado de trabalho para pessoal de nível

superior” mas que gerou como conseqüência posterior uma “ampliação progressiva de um

exército de diplomados de nível superior desempregados, frustrados pelos anos perdidos em

cursos superiores ritualizados e inúteis, na busca de privilégios profissionais garantidos por

lei, mas negados pela realidade da economia”. (1985, p. 39)

A partir da ditadura militar o ensino do direito se tornou excessivamente tecnicista,

diminuindo a importância das faculdades de direito como espaços de crítica do estado

brasileiro e transformando os profissionais do direito em técnicos do direito. A tentativa de

tecnicização do ensino superior brasileiro e, no que nos interessa mais de perto, do ensino do

direito durante a ditadura militar pode ser entendido como expressão do avanço do sistema de

reprodução sobre o sistema de ensino, da economia sobre a educação, como discutimos no

capítulo anterior a partir do texto de Bourdieu/Boltanski (1998)66.

A partir da década de 1970, a proliferação de faculdades de direito e de credenciais

para o campo do direito (diplomas) e o aumento das disputas e reivindicações por maior

criação de postos de trabalho na estrutura burocrática brasileira (cargos) podem ser entendidos

como uma tentativa do sistema econômico dar uma resposta à produção do sistema de ensino,

o que, de certa maneira, precipitou também a crise da ditadura. Quer dizer, com mais pessoas

65 Segundo José Eduardo Faria, o ensino do direito sofreu um duro golpe com a reforma introduzida pela lei 5.540/68, que “impôs um sistema educacional completamente dissociado do contexto socioeconômico brasileiro”. (1987, p. 17) 66 Do ponto de vista mais da sociologia do conhecimento, Mannheim (1974) discute o conflito entre dois modelos principais de cultura nas sociedades modernas, o ideal de cultura humanista, baseado na valorização do ócio e na relação esotérica com o conhecimento, e a cultura democrática, baseada na técnica, na especialização.

Page 89: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

78

tendo acesso ao ensino superior e, particularmente, às faculdades de direito, maior a luta por

um cargo na estrutura burocrática e maior a pressão por uma abertura política que

possibilitasse também uma expansão da própria burocracia, da capacidade de absorção dos

bacharéis na estrutura do estado. Isso só pra falar de fatores político-econômicos, sem

considerar aspectos culturais de uma expansão do ensino superior, que exerce influência

decisiva sobre os universitários, fazendo-os questionar a ordem estabelecida. São os próprios

universitários, entre outros, que vão às ruas reivindicar mudanças políticas, eleições diretas

para presidente da república e anistia política aos perseguidos pela ditadura militar. ntes de

tomar as ruas para pressionar o governo esses jovens já incomodavam os familiares, os

amigos, os colegas de classe e os de trabalho e os sacerdotes, entre outros, com suas

expectativas de mudanças sociais. Quer dizer, estava sendo gerado, no final da década de

1970, um amplo movimento social por mudanças políticas que reforçava a arena política e

tomava as ruas, e cuja maior expressão foi o movimento “Diretas Já!”, já na década de 1980.

3.4 O PERÍODO DA REDEMOCRATIZAÇÃO POLÍTICA E A CONSTITUIÇÃO

DE 1988

Durante a ditadura militar houve uma intensa mudança na estrutura ocupacional

(Faria, 1986) e processos importantes de mobilidade social, estrutural e circular. (Silva, 1979)

No processo de redemocratização política vamos nos deter na ascensão das profissões

jurídicas no Brasil a um patamar elevado de poder econômico e social, o que acontece em

meio a um processo social de mudança estrutural da sociedade brasileira. Tal ascensão se deu,

basicamente, pela transformação das lutas políticas em que a sociedade brasileira estava

envolvida no final da ditadura em lutas jurídicas, o que aconteceu em dois lances capitais: 1) a

cooptação dos movimentos sociais e de suas bandeiras de luta política para dentro da

Assembléia Nacional Constituinte e 2) a participação direta dos juristas, via consultorias

técnicas e pressões corporativas, na elaboração da nova Constituição. Para fazer a análise da

dimensão política desse processo seguiremos em parte as idéias do professor Miguel

Lanzellotti Baldez (2006), professor de direito processual na UERJ e na Candido Mendes,

Page 90: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

79

militante político de esquerda e ex-procurador do estado do Rio de Janeiro durante o governo

Brizola67.

As passeatas e manifestações públicas pelo fim da ditadura militar e por eleições

diretas marcaram a transição dos governos militares para os governos civis68, mas ainda era

nos bastidores que as coisas iam sendo resolvidas. Foi nos bastidores que as eleições diretas

foram negadas aos brasileiros e que o parlamento escolheu o primeiro presidente da república

após vinte anos de ditadura militar, o mineiro Tancredo Neves, que acabou falecendo antes de

assumir a presidência.

Preocupados com a doença do presidente escolhido e com a transição de um regime

ditatorial para um regime democrático, políticos dos mais diferentes matizes ideológicos

uniram-se para assegurar a posse do vice-presidente José Sarney, mesmo que

provisoriamente, até que o presidente escolhido pudesse se recuperar e assumir a presidência.

Juridicamente havia entendimentos de que o vice-presidente não poderia assumir no lugar do

presidente, devendo haver nova eleição. Mas a vontade de que a transição política fosse

completada, e o medo de uma reação em favor de nova votação no parlamento para escolha de

outro presidente era tão grande que o vice-presidente acabou assumindo em lugar do

presidente escolhido. Não se pode esquecer também que o candidato derrotado no Colégio

Eleitoral havia sido Paulo Maluf, que já vinha historicamente apoiando os militares e sendo

apoiado pela ditadura militar, o que dava uma dimensão mais dramática à doença, e posterior

falecimento, de Tancredo Neves. Maluf havia sido derrotado por Tancredo por 480 votos a

180.

A sociedade brasileira acompanhava, comovida e preocupada, o desenrolar da doença

do presidente Tancredo Neves. Havia sobre Tancredo uma aposta de um Brasil democrático

após mais de vinte anos de ditadura militar. Com a doença, passou a haver uma preocupação

de que não se completasse a transição política esperada, uma vez que era grande o trauma

social da experiência ditatorial militar no Brasil. A preocupação com uma retomada do poder

por parte dos militares foi diminuindo paulatinamente. O primeiro evento responsável pela 67 Foi Baldez o responsável pela implantação do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, ainda no início da década de 1980, durante o primeiro governo Brizola. Ele foi também responsável, juntamente com o juiz Sergio Verani, pela criação do curso de Direito Social da UERJ, voltado para a formação político-jurídica de lideranças de áreas carentes do Rio de Janeiro. Trata-se de um curso aberto à comunidade não-acadêmica destinado a ensinar populações carentes a usar politicamente o direito em suas lutas cotidianas. 68 Kushnir afirma que as “Diretas Já” ensaiaram “os primeiros passos de reocupação do espaço urbano para a contestação política”. (2004, p. 30)

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80

tranqüilização do cenário político foi a posse do vice-presidente José Sarney. Mas nos

primeiros anos do governo Sarney o clima ainda foi tenso em relação a uma indesejável, e

cada vez menos provável, volta dos militares ao poder69. Em 1987, o agora presidente, Sarney

anunciou a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, que fora uma promessa de

campanha de Tancredo70.

Para Baldez, a luta política que estava nas ruas exigindo a construção de um novo

estado e de novas instituições sociais foi levada para dentro da Assembléia Nacional

Constituinte, o que de certa maneira deu legitimidade social ao texto constitucional

promulgado em 1988. Demandava-se nas ruas uma nova estrutura política, “verdadeiramente

comprometida com as necessidades e lutas populares”. (2006, p. 44) Em sua perspectiva

marxista, as elites brasileiras souberam retirar das ruas essas demandas políticas e levá-las

para dentro do palácio legislativo, colocando a luta política debaixo do império da lei,

“antecipando a tutela jurídica da ação política”, como diz o próprio autor. (2006, p. 44)

“Capturava-se assim, a força política do povo em movimento para abrandá-la em formas

jurídicas e direitos, de pressupostas políticas públicas”. (p. 44) E ele vai exemplificar essa

juridificação do político ocorrida durante a redemocratização política do país com a própria

idéia de cidadania, que passou a nortear as discussões da época e deu título à constituição de

1988. Para Baldez, o brasileiro fora transformado em cidadão, no sentido jurídico, antes de se

tornar um cidadão político. O tempo do povo nas ruas exigindo mudanças foi tão curto quanto

deveria ser para que a ordem fosse alterada sem ser transformada, digamos assim.

Concordamos em parte com o argumento do professor Baldez porque ele acaba dando

um peso maior para os fundamentos econômicos das ações. Vendo de uma perspectiva

eliasiana, diríamos que provavelmente o povo nas ruas representasse uma ameaça à ordem,

orgulho da política brasileira desde tempos imperiais, como mostra Carvalho (2006), mas que

esse mesmo povo não foi calado com fins de imperialismo econômico, como deixa claro o

autor ao afirmar que “à espreita, de longe no tempo, estava a sombra do liberalismo radical,

ou neoliberalismo”. (Baldez, 2006, p. 45) Para Baldez a judicialização das lutas políticas

daquele contexto fora um plano a priori para um posterior desmonte da própria Constituição

69 Textos produzidos por intelectuais brasileiros durante o período da redemocratização política do país e publicados em jornais e revistas de grande circulação demonstravam a preocupação das elites intelectuais com um possível retrocesso na redemocratização em curso. Carvalho, por exemplo, escreve, tentando também “lutar pela redemocratização do país”, que sobre a relação entre militares e civis “será mais inteligente, embora menos atraente, se nos corrigirmos agora para reduzir a probabilidade nova intervenção no futuro”. (2006B, p. 9 e 152) 70 Faria afirma que na época a convocação da Constituinte foi uma unanimidade nacional. (1989, p. 15)

Page 92: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

81

através de emendas constitucionais (EC). Algo como dividir (a luta política) para melhor

dominar. Estando o povo cooptado seria mais fácil dominar os representantes políticos do

Congresso Nacional e desmontar a constituição promulgada e sua legitimidade.

Entendemos que a retirada das lutas populares das ruas para a ANC não foi obra de um

maniqueísmo economicista, mas da complexidade da vida social cotidianamente vivida. Quer

dizer, não é que o povo tenha sido retirado da arena política para facilitar a dominação

econômica do país, mas o povo vai se retirando da luta política todo dia na medida em que

vai, concomitantemente, dando respaldo a atores políticos (individuais ou coletivos) para a

elaboração de uma Constituição que atendesse aos diferentes interesses de classes e grupos

sociais71. Ainda mais depois de tantos anos de ditadura militar, em que todos estavam tão

traumatizados com tudo o que havia acontecido e ninguém queria correr o risco de reviver o

passado recente.

Os constituintes foram eleitos para representar o povo na condução da

redemocratização política, que seria sacramentada pela Constituição elaborada. O povo não

abandonou a arena política. Ele provavelmente apostou que a arena política daquele momento

era outra e que ninguém queria mais voltar à ditadura, que o tempo de liberdades e direitos

havia chegado e que já estava vivendo numa democracia política. E de fato assim foi, vivemos

cada dia com um olho no passado, convivendo com a sombra do autoritarismo recém

destituído, mas sem tirar o outro olho do presente, sem deixar de sonhar com um futuro

diferente e viver como se esse futuro já tivesse chegado. Essa complexidade do viver

cotidiano, que é cheio dos mais diferentes interesses e problemas, não nos paralisa, mesmo em

meio aos traumas do passado, e vai dando um sentido para a existência de cada um e

conduzindo a história de uma sociedade para um determinado sentido.

Em síntese, a inserção das expectativas populares daquele contexto histórico no texto

constitucional posteriormente promulgado, inclusive com participação efetiva dos 71 Importante destacar que não discordamos da idéia de que o movimento popular pode ter sido cooptado pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Só não concordamos que tal cooptação tenha sido planejada para fins de posterior dominação econômica ou política. A cooptação tem em si uma vontade de controle em determinado contexto histórico, mais do que um plano para o futuro. O futuro, aquilo que se alcança depois, entra mais como conseqüência, resultado, de um projeto de controle já. Como Schwartzman (1970) mostrou, a cooptação dos movimentos sociais no Brasil já tem uma certa tradição, como no caso da CLT, em que podemos afirmar que Vargas unificou em texto de lei conquistas dos próprios trabalhadores brasileiros em suas lutas por melhorias salariais e de condições de trabalho, conseguindo aquele presidente amainar os movimentos sindicais e leva-los para dentro da estrutura do estado, portanto, para debaixo dos olhos, do controle, do próprio governo e com a graça dos trabalhadores. Esta é uma razão suficientemente forte para não desprezarmos a hipótese da cooptação dos movimentos sociais pela ANC.

Page 93: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

82

movimentos sociais em sua elaboração, acabou restituindo a importância da arena política,

que andara esvaziada durante a ditadura, como fórum para construção de uma nova sociedade.

Isso não foi feito sem a sombra aterrorizadora da ditadura militar e sem a participação dos

técnicos do direito, que ajudariam a construir uma barreira contra uma possível volta do

autoritarismo ao poder político no Brasil, como argumentaremos agora.

3.4.1 A Participação dos Profissionais do Direito na Elaboração da Nova Constituição

Brasileira

Com a convocação da primeira constituinte, após tantos anos de governo autoritário,

veio também a convocação dos técnicos que ajudariam a confeccionar a nova Constituição: os

especialistas na criação de leis, os especialistas do direito, os profissionais do direito. A

atuação dos bacharéis em direito na elaboração da Constituição se deu através das

consultorias legislativas e dos grupos de pressão para estabelecimento de alguns direitos no

texto final da Constituição72. Talvez possamos considerar este período como marco da

retirada das profissões jurídicas do ostracismo em que se encontravam até o final da década de

1970, e começo da elaboração de um projeto profissional para elevar as profissões jurídicas a

um locus de poder na nova sociedade brasileira que surgia. Importante relembrar que falar em

projeto profissional não significa falar num projeto pré-concebido, mas de um projeto que vai

se apresentando na mesma medida em que é executado. Não precisa haver consciência da

elaboração e execução desse projeto por parte dos atores sociais implicados no processo, mas

isso não quer dizer que não haja uma racionalidade neles, no projeto e nos atores sociais73.

Ressalto essa idéia para não criar nenhuma expectativa falsa sobre este trabalho, no sentido de

esperar por um levantamento documental que comprove a elaboração de um projeto

profissional no contexto da redemocratização brasileira. Esse tipo de comprovação histórica

poderia ser feita, por exemplo, com análises de discursos dos grupos que posteriormente se

tornariam dirigentes. Mas como o projeto profissional não se resume a um plano político

72 Arantes (2002), por exemplo, vai salientar a pressão exercida pelas associações profissionais do Ministério Público. E Silva, também falando do Ministério Público, afirma que a “CONAMP desempenhou um papel fundamental durante todo o processo constituinte, defendendo a proposta [...], fazendo articulações políticas e mobilizando outras associações da categoria”. (2001, p. 55, 56) 73 Há uma longa discussão sobre os limites da racionalidade no plano coletivo da ação. O avanço da teoria social contemporânea permite falar de racionalidade e escolha dos atores que, como sujeitos socializados em determinados padrões – por exemplo, geracional ou escolar – podem agir segundo esquemas similares sem necessidade de combinar previamente a ação ou de serem regidos por um maestro. Entre os autores favoráveis a essa concepção coletiva da escolha racional podemos mencionar, por exemplo, Elias (1993), Bourdieu (2004), Larson (1977) e Barbosa (1993). Em sentido contrário, entendendo que seria preciso uma organização racional dos atores sociais para uma agência racional, Boudon (1995), Reis (2000) e Coelho (2005).

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83

arquitetado intelectualmente, esse tipo de análise tornar-se-ia inviável e desnecessária. O

projeto profissional pode ser medido a partir do fim, quer dizer, do poder real alcançado pelas

profissões jurídicas brasileiras a partir de 1988.

Como já dissemos antes, talvez os profissionais do direito, principalmente os

advogados, tenham sido um dos grupos mais penalizados com a ditadura militar que se

estendeu por mais de 20 anos. E, provavelmente pelo mesmo motivo, tenham sido durante o

processo de redemocratização política do país um dos grupos mais atuantes na defesa da

liberdade política e de um estado de direitos. Uma mudança do regime ditatorial para o

democrático significaria o restabelecimento de suas mais amplas possibilidades de atuação

profissional, sem medo nem perseguições, retomando o princípio da advocacia moderna, ser

uma profissão liberal.

A condução do processo de elaboração e execução do projeto profissional de

dominação social dos profissionais do direito se deu até de maneira tranqüila. Quer dizer,

olhando a expansão das faculdades de direito e das profissões jurídicas a partir do processo de

redemocratização política percebemos uma certa ordem, uma certa uniformização dos

números que demonstram a ampliação das profissões jurídicas. Por exemplo, em 2005 o

número de concluintes em direito foi de mais de 73 mil74, segundo dados do MEC/INEP

daquele ano. Dez anos antes, o número de concluintes em direito era quase três vezes

menor75. A expansão dos concluintes em direito pode dar uma idéia do próprio mercado de

trabalho das profissões jurídicas. Mesmo sem dados quantitativos confiáveis podemos

afirmar, baseado na própria experiência e sem medo de errar, que o número de concursos

públicos destinados a bacharéis em direito aumentou vertiginosamente a partir da década de

1990. Mas se olharmos mais atentamente a expansão das profissões jurídicas, se olharmos as

relações sociais no interior do campo jurídico, veremos uma grande conflituosidade, como

demonstraremos no próximo capítulo.

Como fruto do projeto profissional das profissões jurídicas, o poder alcançado pelos

profissionais do direito no Brasil após 1988 não se misturaria mais com o exercício do poder

político-partidário. Não seria mais necessário aos profissionais do direito ocupar a presidência

da república e outros cargos político-partidários para obter poder social. Bastaria aos

74 Mais precisamente, 73.323. 75 Em 1994, o número de concluintes em direito era de 27.198, segundo o próprio MEC/INEP.

Page 95: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

84

profissionais do direito fazer aquilo que eles mais sabem, ou deveriam saber, atuar

profissionalmente como especialistas em direito. Despendendo um esforço bem menor, agora

os profissionais do direito poderiam alcançar o mesmo poder que antes, ou um poder até

maior, na sociedade brasileira. E é isso que pode ser chamado de um projeto profissional.

Pode-se hipotetizar, neste quadro, que, graças à participação direta dos próprios

profissionais do direito na discussão e elaboração do texto constitucional, os novos direitos

incluídos na chamada “Constituição Cidadã” aumentaram também o espaço de atuação das

profissões jurídicas. Os direitos conquistados politicamente na Constituinte e incluídos na

Constituição colocaram os profissionais do direito como mediadores da anunciada

redemocratização da sociedade brasileira. O Judiciário, o MP, a Defensoria e outros órgãos e

instituições do sistema de justiça ganharam capítulos e artigos constitucionais específicos,

confirmando a elevação dos profissionais do direito a garantidores da realização do estado

democrático de direito e substituindo o regime de exceção pelo império da lei76.

Utilizando uma nomenclatura mertoniana, podemos dizer que a redemocratização

política do país foi a função manifesta da participação dos profissionais do direito na luta pela

abertura política e na elaboração de uma nova Lei Maior; a função latente foi a expansão do

mercado de atuação das profissões jurídicas no Brasil e do prestígio dos profissionais do

direito após 1988.

Em todos os períodos da vida republicana brasileira os profissionais do direito

estiveram presentes. Seja no governo ou na oposição, seja para ser admirado ou repudiado, as

profissões jurídicas desempenharam importante papel na sociedade brasileira. Para se ter uma

idéia da importância das profissões jurídicas no cenário político brasileiro, até os dias de hoje

tivemos cinqüenta governos republicanos, com quarenta homens diferentes ocupando este

cargo máximo, dos quais um metalúrgico, um sociólogo, um engenheiro, um médico, três

76 O Capítulo III do Título IV da Constituição é dedicado à organização do Poder Judiciário, definindo as atribuições e funções dos juízes e tribunais. E o Capítulo IV do mesmo Título dispõe sobre as funções essenciais à Justiça, onde estão inseridas seções próprias ao Ministério Público (Seção I), à Advocacia Pública (Seção II) e à Advocacia e Defensoria Pública (Seção III). O artigo 127 diz que o “Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado”; o artigo 133, que “o advogado é indispensável à administração da justiça”; e o artigo 134, que a “Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado”. (Brasil, 2008 – grifos nosso)

Page 96: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

85

jornalistas, quinze militares de carreira e vinte advogados77. Importante salientar que os

presidentes Ranieri Mazzilli e José Sarney formaram-se em direito e jornalismo. Interessante

que depois da Constituição de 1988 nenhum jurista foi eleito presidente ou assumiu a

presidência. Isso talvez, não seja apenas um indício de democratização do acesso ao poder

político central, mas uma transferência do prestígio social dos cargos políticos para cargos

político-jurídicos, como argumentaremos a seguir.

Após a constituição de 1988, e talvez por causa dela, os profissionais do direito

tenderam a se retirar um pouco do cenário político-partidário, o que não quer dizer que eles

tenham deixado de fazer política78, e a se dedicar a seu espaço de atuação profissional. Assim

como os militares voltaram aos quartéis79 os profissionais do direito voltaram-se para suas

profissões, despolitizando bastante suas práticas e reforçando a ideologia do profissionalismo

e o processo de profissionalização do campo do direito. Como vimos antes, a despolitização

das profissões jurídicas acompanha a tecnicização do ensino do direito e da prática jurídica.

Falbo, quando analisa criticamente a prática jurídica descomprometida com o social, e que se

aprende também nas escolas de direito, afirma que a cultura jurídica “privilegia a pureza da

forma e a força dos discursos” (2002, p. 73), demonstrando como o ritualismo e a retórica dão

a tônica das práticas jurídicas, numa encenação de lutas político-jurídicas por mudanças

sociais80. Adiante vamos mostrar que para Falbo uma democratização do acesso ao poder

judiciário passa pela transformação dessa cultura dominante nas práticas jurídicas.

Para investigar a participação dos formados em direito no atual cenário político

brasileiro levantamos o número de governadores, prefeitos e deputados federais formados em

direito. O objetivo principal era identificar se está havendo um esvaziamento do campo

político por parte dos bacharéis em direito, o que daria maior força ao argumento do projeto

77 O caso do Chile é ainda mais drástico que o do Brasil, como demonstra Iñigo de la Maza em sua tese de doutorado, apresentada em Stanford sob orientação de Perez-Perdomo. Por lá, de 1831 a 2000 houve 33 períodos de governo presidencial. Destes, 21 foram exercidos por profissionais do direito, quase todos advogados. Os outros 12 períodos foram governados por médicos, engenheiros ou militares. Assim como no Brasil, a participação de graduados em direito na presidência da república vem diminuindo: “entre 1851 e 1952 o Chile teve 20 presidentes eleitos democraticamente, 19 deles eram graduados em direito”. (Maza, 2001, p. 89) Da segunda metade do século XX até 2000 foram dois militares, dois engenheiros, dois médicos e um “jurista-economista”. A atual presidente, Michelle Bachelet Jeria, é médica pediatra. O autor, ao contrário de nossa hipótese, analisa essa queda do número de bacharéis em direito no poder máximo do país como declínio do prestígio das profissões jurídicas. 78 Foram e são inúmeras as críticas à atuação política do Ministério Público e dos tribunais superiores (STF e STJ) na política brasileira recente, constituindo-se até problemas de identidades profissionais. 79 D’Araújo; Soares; Castro, 1995. 80 Para Kant de Lima (2004) essa é a ética própria de produção da verdade no Direito.

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86

profissional. Em relação aos governadores de estado, em julho de 2007, apenas cinco

governadores dos 27 estados brasileiros eram formados em direito81. Não conseguimos dados

que pudessem mostrar comparativamente o ritmo de diminuição dos formados em direito no

governo dos estados brasileiros. Mas a partir dos próprios dados apresentados por outros

autores sobre determinados períodos da política nacional, como Figueiredo e Limongi (1999)

e Rodrigues (2002; 2006), não há dúvidas de que houve uma redução na participação dos

bacharéis também nos governos estaduais.

Atualmente, alguns dos mais importantes estados brasileiros, em termos de

participação na economia nacional, não são governados por bacharéis em direito, mas por

políticos com formação superior em cursos mais próximos das ciências exatas, mais técnicos,

como economia e engenharia. Este é o caso, por exemplo, de São Paulo (José Serra), Rio

Grande do Sul (Yeda Crusius), Pernambuco (Eduardo Campos) e Minas Gerais (Aécio

Neves), todos governados por economistas; e da Bahia (Jaques Wagner) e do Distrito Federal

(José Roberto Arruda), governados por engenheiros82. Este tipo de formação mais técnica é

uma tendência entre os políticos brasileiros, como veremos nos outros dados a serem

apresentados, de certa maneira respondendo ao avanço da técnica no sistema de ensino

brasileiro, inclusive com contribuição dos governos militares para isso, como dissemos antes.

Maria Alice Rezende de Carvalho (1998), ao estudar a biografia intelectual de André

Rebouças, mostra como o engenheiro negro do século XIX tinha um projeto de engenharia do

Brasil, uma construção do estado e da sociedade brasileira a partir de marcos técnicos das

ciências exatas, como medições, cálculos, obra etc83. Ele, que era culto, naquele sentido

antigo do termo, homem que conhecia culturas, viajado, não se agradava nem um pouco de

alguns aspectos culturais que afetavam as cidades brasileiras. A autora mostra a visão que

Rebouças tinha do Rio de Janeiro, visão, sem dúvida, influenciada pela ideologia profissional

típica da engenharia: “Desse modo, o Rio de Janeiro que se apresentava aos olhos e à olfação

daquele bacharel em ciências era, na verdade, um pestilento arraial, cuja observação

81 Ver no anexo VI o quadro completo dos governadores e vice-governadores dos estados, em julho de 2007, e suas formações superiores. 82 O Rio de Janeiro é governado por Sergio Cabral Filho, que é formado em Jornalismo, outra área que tem sofrido bastante com o avanço da técnica. Sobre formação e atuação política do jornalismo no Brasil, ver os livros da década de 70 de José Eduardo Faria (1979; 1979b), embora não sejam em sociologia das profissões. Mais recentemente, Bonelli orientou dissertação e tese sobre o jornalismo já numa perspectiva da sociologia das profissões. 83 Hardman (2005) mostra que engenheiros e bacharéis encaravam ideais distintos de modernidade a partir do século XIX.

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87

sistemática iria se tornar uma primeira via de aproximação intelectual de Rebouças com a

situação do país”. (1998, p. 86) Rebouças pretendia um novo Brasil, que se construiria a partir

de uma engenharia de civilização, bem aos moldes tecnicistas.

Tomando os prefeitos municipais para analisar suas formações superiores,

encontramos situação parecida: um número pequeno de políticos formados em direito, embora

ainda seja o curso mais encontrado entre os prefeitos em julho de 2007. Dos cem municípios

mais populosos do país, apenas 17 prefeitos terminaram direito; 16 fizeram alguma

engenharia; 13 são médicos; 10 concluíram economia; 7 cursaram administração; e outros 22

fizeram faculdades diversas como arquitetura (1), ciências sociais (4), filosofia (3), farmácia

(1), geografia (1), história (3), jornalismo (1), matemática (2), medicina veterinária (1),

pedagogia (1), psicologia (3) e terapia ocupacional (1)84. Vinte prefeitos não têm formação

superior e de cinco não conseguimos informação sobre graduação, o que provavelmente

aumenta o número de prefeitos sem formação superior.

Dos cinco maiores municípios brasileiros em população quatro deles são chefiados por

economistas. Se ampliarmos um pouco o recorte, nos dez maiores municípios, cinco prefeitos

são economistas e dois são engenheiros, reforçando o argumento do avanço da tecnocracia na

política brasileira. O atual prefeito da maior cidade do Brasil, Gilberto Kassab, é a síntese

perfeita da expansão da técnica no campo da política, porque ele é formado em economia e

engenharia. Apenas dois prefeitos são formados em direito. Ampliando ainda mais o recorte

para alcançar os vinte maiores municípios brasileiros em número de habitantes, teremos aí um

aumento do número de médicos por formação nas prefeituras de importantes cidades

brasileiras. Os médicos, depois de curar pessoas e ver a sociedade tão enferma, se arriscaram

no campo da política. A medicina já é a terceira ocupação que mais aparece na formação dos

prefeitos municipais brasileiros, posição que deve ser semelhante em outros níveis do campo

político. Outro percentual que aumenta entre os vinte maiores municípios brasileiros é o de

prefeitos sem curso superior. Neste aspecto, o mais espantoso é que três dos cinco prefeitos

sem formação superior são de municípios fluminenses. Nesta faixa os prefeitos formados em

direito mantêm a média de 20% do recorte anterior.

Nos dez maiores municípios do Rio de Janeiro não há nenhum prefeito formado em

direito: há três formados em medicina, um em economia e um em matemática. Os outros 84 O quadro completo dos prefeitos municipais dos cem mais populosos municípios brasileiros segundo suas formações superiores, está no anexo VII.

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88

cinco prefeitos não têm formação superior, todos prefeitos de municípios da baixada

fluminense e próximos a Niterói que compõem o chamado Grande Rio. Aumentando o recorte

para os vinte maiores municípios do estado fica em nove o número de prefeituras dirigidas por

políticos sem graduação, oito deles dos municípios periféricos à capital. São os prefeitos dos

municípios de São Gonçalo, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Belford Roxo, São João de

Meriti, Magé, Itaboraí e Nilópolis85. Municípios que somados tem mais de 4 milhões de

habitantes. Continuam sem aparecer os bacharéis em direito. Mas há seis médicos, um

engenheiro, um jornalista, um economista e dois professores, um de matemática e um de

educação física86.

Não há nada contra um prefeito não ter ensino superior, embora se possa prever que

este dado tenda a diminuir no Brasil com a expansão do ensino superior e com a

complexificação das relações sociais. O acesso aos cargos políticos é direito dos brasileiros

independente de seus níveis de instrução. Os próprios eleitores, na medida em que aumentam

seus graus acadêmicos tendem a exigir políticos mais qualificados do ponto de vista

acadêmico. Além do mais, a própria complexidade cada vez maior dos fenômenos sociais

acaba exigindo um maior grau de qualificação dos políticos. O problema é quando os políticos

sem instrução superior aparecem aglutinados numa determinada região, como na pesquisa que

fizemos, parecendo indicar aí a prevalência de um tipo de ação política muito tradicional.

Esse dado aponta mais para o tipo de política realizada nas chamadas cidades-

dormitórios, que ficam nas periferias da cidade do Rio de Janeiro, com uma força ainda

grande do poder das famílias na sucessão política local em detrimento da valorização dos

estudos: subir na vida em lugares como esses ainda está mais atrelado a ter bons compadrios

políticos do que se dedicar aos estudos ou a uma carreira profissional. Ainda é um tipo de

política mais emocional e populista que prevalece, bem ao estilo getulista: “aos amigos, tudo;

aos inimigos, a lei”. Alguns desses lugares ainda são assombrados pelo “voto de cabresto” e

pelo “acerto de contas” com eleitores e políticos, fiéis e infiéis. A “queima de arquivo” e os

crimes encomendados para atender a fins políticos ainda estão presentes na maioria dos

municípios do Grande Rio.

85 Além dos prefeitos desses municípios do chamado Grande Rio, o prefeito de Barra Mansa, no sul do estado, também não possui instrução superior. 86 Ver no anexo VIII o quadro dos prefeitos das vinte maiores cidades do Rio de Janeiro de acordo com suas formações superiores.

Page 100: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

89

Para não ficar só nos governos federal, estadual e municipal, resolvemos fazer um

levantamento, diga-se de passagem, trabalhoso, dos representantes políticos no legislativo

federal segundo seus graus superiores e ocupações declaradas. Foram pesquisados os

deputados federais que passaram pela Câmara dos Deputados entre 1959 (41ª legislatura) e

2007 (53ª legislatura). Como não era possível levantar todos os tipos de formações superiores

nos concentramos nas ocorrências de graduados em direito. Desprezaremos os deputados que

tiveram alguma passagem pela faculdade de direito, mas que não completaram o curso. Pode

ser que tenha ocorrido algum erro na identificação e contagem dos bacharéis em direito, mas

não será nada que afete as análises que estamos propondo, principalmente devido ao volume

de dados. De imediato é preciso afirmar que o percentual de participação de bacharéis em

direito na Câmara dos Deputados é decrescente no período analisado, partindo de mais de

50% na 41ª legislatura e chegando a pouco mais de 25% na atual legislatura. (tabela 3) O

número de deputados federais formados em direito vai caindo desde a 47ª legislatura,

conforme tabela abaixo.

Tabela 3 - Deputados formados em direito por legislatura.

Legislatura Período Total de Deputados Deputados Formados em Direito Percentual

41ª 1959-1963 462 239 51,73 42ª 1963-1967 578 282 48,78 43ª 1967-1971 487 247 50,71 44ª 1971-1975 339 289 85,25 45ª 1975-1979 397 237 59,69 46ª 1979-1983 484 275 56,81 47ª 1983-1987 571 319 55,86 48ª 1987-1991 589 257 43,63 49ª 1991-1995 620 231 37,25 50ª 1995-1999 636 198 31,13 51ª 1999-2003 642 191 29,75 52ª 2003-2007 629 196 31,16 53ª 2007-2011 536 149 27,79

Fonte: Bandep, 2007.

Seria de se esperar que os formados em direito, já acostumados ao campo político e

bons entendedores do processo legislativo continuassem lutando por vagas nas mais diversas

disputas eleitorais depois da redemocratização política, mas não é isso que vem acontecendo.

O número de bacharéis em direito na Câmara dos Deputados decresce a cada legislatura87.

Isso também acontece nos governos federal, estadual e municipal. A expansão do ensino

87 O percentual de bacharéis em direito entre os deputados federais aumentaria um pouco se descartássemos os deputados que não tem formação superior.

Page 101: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

90

superior brasileiro em todas as áreas de formação e a criação de novas ocupações força a

redução do número de graduados em direito entre os políticos brasileiros e intensificam a

profissionalização no campo do direito. Mas os formados em direito vão também encontrando

espaços aparentemente mais interessantes de atuação, principalmente na burocracia estatal.

A redemocratização política serviu também para abertura de um grande mercado de

atuação para os profissionais do direito: a expansão da estrutura burocrática da nova

sociedade brasileira. A expansão das faculdades de direito iniciado na década de 1970

encontrou seu coroamento na redemocratização política, que criou novos cargos destinados

aos bacharéis ou que pudessem ser ocupados por eles. Essa ampliação de mercado se deu a

partir de uma restrição do acesso a determinados cargos a bacharéis em direito, o que não foi

feito de maneira aleatória, mas decorreu de um projeto profissional das próprias profissões

jurídicas a partir da redemocratização política do país, utilizando também os anos de chumbo

como instrumento ideológico para conseguir tal poder, como vimos. O poder das profissões

jurídicas foi conquistado já na Assembléia Nacional Constituinte, quando os próprios

profissionais do direito foram chamados a participar como atores privilegiados da construção

de um estado democrático de direito. Num estado modificado para ser reconhecido como

“Império da Lei”, até para evitar novos autoritarismos, quem melhor do que os formados em

direito para ocupar cargos na estrutura deste novo estado (inclusive nos cargos não

exclusivamente destinados a bacharéis em direito)?

Há um sem número de graduados em direito nos mais diferentes espaços sociais e

níveis hierárquicos. No campo da política, é sensível que os profissionais do direito saíram do

palco e foram para os bastidores, atuando como consultores legislativos, chefes de gabinete,

assessores parlamentares e por aí vai. Deixaram de lado as disputas político-eleitorais, mas

não abandonaram o campo político. Os profissionais do direito monopolizaram um mercado

de atuação profissional, mediando ideologicamente a construção de um estado democrático de

direito depois de anos de autoritarismo. Dedicando-se mais à atividade profissional num nicho

próprio, e com menos risco do que quando disputavam uma vaga na arena política, acabaram

reforçando a profissionalização no campo jurídico, acirrando as disputas internas entre as

diferentes carreiras e se tornando tecnicamente mais preparados para a atuação profissional.

Tudo isso junto valorizou as profissões jurídicas e o campo do direito na sociedade brasileira

após 1988.

Page 102: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

91

A transformação de uma sociedade sem direitos, como era durante boa parte da

ditadura militar, para uma sociedade com direitos, com todos eles, até com os que não

tínhamos familiaridade alguma e que não fizeram parte do nosso processo histórico de

conquista de direitos, consagrou um grupo, um grupo que conseguiu elaborar e executar um

projeto de dominação social: os profissionais do direito. O domínio da técnica do direito

passaria a ser fator de distinção social dentro do campo jurídico brasileiro, e isso foi

construído antes da promulgação da Constituição de 1988, nos bastidores da Assembléia

Constituinte, na participação dos técnicos do direito nas comissões para elaboração do projeto

constitucional e no lobby feito pelas associações profissionais e entidades de defesa de

direitos. Talvez, em alguma medida, neste contexto histórico as idéias de Oliveira Vianna

sobre a distinção entre política e técnica e sobre a importância dos juristas na criação das leis,

segundo ele, ato típico dos técnicos, dos especialistas do assunto, tenham sido levadas adiante.

A tecnicização do direito brasileiro como elaboração de um discurso esotérico, excludente, é

parte da estratégia de dominação dos profissionais do direito na sociedade brasileira, e passa

também pelo ensino jurídico, semelhantemente ao que aconteceu, por exemplo, nos Estados

Unidos. (Larson, 1977; Glendon, 1994)

3.5 EXPANSÃO DO ENSINO DO DIREITO APÓS 1988 E CONTROLE DE

MERCADO

Não podemos deixar de analisar o contexto social brasileiro pós-88, no que diz

respeito à expansão do campo do direito, sem apontar para a importância da expansão

educacional, em particular do ensino superior, como fator de ampliação da democracia e do

acesso à justiça a partir do reconhecimento de direitos. Afinal a expansão do direito, e do

debate sobre o direito, na sociedade brasileira contribui também para a expansão do mercado

de cursos jurídicos. Mas precisamos considerar, sobretudo, que o controle do sistema de

ensino e do mercado são partes intrínsecas da execução de um projeto profissional, como

vimos na teoria de Larson. Quer dizer, a expansão do campo do direito em todos os sentidos

significa também uma expansão do poder das profissões jurídicas.

Fruto da expansão das faculdades de direito que começou na década de 1970, houve, a

partir de meados da década de 1980, por um lado, uma maior dificuldade para a colocação dos

formados em direito no mercado de trabalho. Mas, por outro lado, houve uma democratização

do acesso às carreiras jurídicas, acelerando o processo de profissionalização do campo do

direito e, pela própria democratização do ensino superior, mudando o perfil dos profissionais

Page 103: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

92

do direito. Vianna, falando da magistratura, mostra como “o acesso ao ensino superior foi o

principal responsável pela democratização do recrutamento da magistratura”. (1997, p. 91) É

preciso considerar ainda que essa democratização do acesso às faculdades de direito e às

profissões jurídicas foi acompanhada de uma maior tecnicização do ensino jurídico e da

atuação profissional no campo do direito, efetivando a ideologia do profissionalismo. Se

pensarmos, mais uma vez utilizando a abordagem larsoniana, que os profissionais do direito

no Brasil converteram recursos escassos, como uma formação de baixo nível crítico e alto

grau técnico, em outra ordem de recursos (econômicos e de poder) durante e após a

redemocratização política do país, podemos afirmar que tal projeto profissional foi bem

sucedido.

Na década de 90, já com um início de revalorização do campo do direito e das

profissões jurídicas devido à promulgação da Constituição de 1988, a OAB passou a controlar

o fluxo de entrada no mercado de trabalho advocatício com a obrigatoriedade de habilitação

no Exame de Ordem para ser advogado. O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados

do Brasil, Lei 8906 de 4 de julho de 1994, estabeleceu nos artigos 3º e 8º a aprovação no

Exame de Ordem como requisito compulsório para o exercício da advocacia. Antes de 1994,

o Exame da Ordem existia, mas como requisito subsidiário, não compulsório, para os

ingressantes que não cumprissem outros requisitos de comprovação de treinamento e prática

profissional.

A partir de 1996 entrou em cena o Exame Nacional de Cursos, o chamado provão, que

permitiu ao Ministério da Educação fazer uma avaliação metódica dos cursos superiores com

provas aplicadas aos formandos e avaliação das condições estruturais das faculdades, e com a

possibilidade de fechamento e descredenciamento das Instituições de Ensino Superior (IES)

que não obtivessem um desempenho satisfatório. Mas a avaliação feita pelo MEC não

diminuiu a atuação da OAB no sentido de controlar o mercado de cursos jurídicos, de

produtores de produtores do campo do direito. Posteriormente, o provão sofreu algumas

alterações metodológicas mas a avaliação do ensino superior continua sendo feita, agora com

o nome de Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).

Page 104: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

93

A OAB se mostrou preocupada com a qualidade do ensino de direito e cobrou um

maior poder de interferência no controle da expansão das IES e na qualidade do ensino88,

como mostra a nota do presidente da entidade Rubens Approbato Machado, retirada do site da

OAB, em janeiro de 2002:

Em face da repercussão da notícia de um candidato não alfabetizado ser aprovado em vestibular para curso de Direito em instituição de ensino sediada no Rio de Janeiro, o CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL reitera a sua preocupação não apenas com a qualidade do ensino, como também com a quantidade dos cursos jurídicos no Brasil, que chegou a uma situação de descontrole. Nesse sentido, exorta publicamente o Ministério da Educação a suspender de imediato os processos de autorização para funcionamento de novos cursos jurídicos pelo prazo, no mínimo, de um ano.

Com isso, não está a OAB preconizando a extinção dos cursos já existentes, mas, antes, conclamando as autoridades de ensino a uma reavaliação do quadro atual, que enseja a adoção de critérios mais rigorosos para a criação de novas faculdades. Para não frustrar o sonho de milhares de alunos que investem tempo e dinheiro, espera-se, entre outras coisas, que esses cursos contem com uma infra-estrutura compatível com uma instituição de ensino superior.

A preocupação da OAB decorre de situações concretas, como faculdades sem corpo docente adequado nem projeto didático-pedagógico em plena atividade, algumas delas mais preocupadas com interesses financeiros próprios. O Brasil conta hoje com mais de 400 cursos jurídicos, o que já é muito, mas no ritmo atual esse número poderá dobrar até 2004. É bastante alto, se comparado a países de população bem maior do que a nossa, como os Estados Unidos, onde existem apenas 181 cursos jurídicos em suas universidades.

Como conseqüência, a qualidade do ensino torna-se precária. Essa precariedade influencia o comportamento dos futuros profissionais e reflete sobre todas as carreiras jurídicas, com sérios prejuízos para a sociedade.

Ao fazer essa advertência, a OAB age de acordo com as atribuições que lhe foram conferidas pela Lei nº 8.906/94 (art. 54, XV), segundo a qual compete ao Conselho Federal, por intermédio de sua Comissão de Ensino Jurídico, "colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos e opinar previamente nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para a criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos".

Infelizmente - e necessário se faz que toda a sociedade tome conhecimento - o parecer da OAB, produzido com critério e rigor, não tem poder impeditivo, prevalecendo a autorização das autoridades de ensino. O resultado, como se pode ver, em nada dignifica a tradição dos cursos jurídicos no Brasil. Constitui, em última palavra, um vexame.

A tentativa da OAB de controlar a criação de novos cursos de direito no país foi bem

sucedida. No início de 2007 a OAB finalmente conseguiu do MEC uma autorização para

88 Importante ressaltar a crítica de Nunes (2001) ao modelo de ensino superior brasileiro, que entrega a formação superior ao controle corporativo das próprias profissões, promovendo um “processo deletério e perverso de profissionalização precoce dos jovens brasileiros” (p. 20), uma vez que o jovem tem de escolher sua profissão já no ato da inscrição no vestibular.

Page 105: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

94

decidir quais faculdades poderiam ser abertas e quais não poderiam, inclusive utilizando um

critério, no mínimo duvidoso, de “relevância social”. Segundo o inciso I, do art. 3º, da

portaria 147, de 2 de fevereiro de 2007, que autorizou a OAB e o Conselho de Medicina a

controlar a abertura de faculdades em suas áreas de atuação, a decisão pela abertura de um

novo curso deve passar por uma “demonstração da relevância social, com base na demanda

social e sua relação com a ampliação do acesso à educação superior, observados parâmetros

de qualidade”. Schwartzman (2007), em seu blog, mostrou-se indignado com o teor da

portaria, afirmando que o inciso em questão é “controle de mercado puro e simples”. Ele

complementa:

Por este critério, um projeto excelente de criação de uma nova faculdade de direito ou de medicina, sem custos para o setor público, pode ser vetado se os advogados ou médicos acharem que já tem faculdades demais naquela localidade. Isto não é controle de qualidade, é controle de mercado, da mesma forma que antes se proibia a abertura de uma padaria se tivesse outra por perto.

Isso nos relembra que todo domínio social é objeto permanente de disputas e que os

diversos agentes envolvidos nas disputas precisam trabalhar constantemente para manter sua

posição dominante ou para alcançar outras posições sociais. O projeto profissional das

profissões jurídicas brasileiras está em andamento, ele não foi completamente executado com

a (na) Constituição de 1988.

Enfim, no Brasil, a partir da Constituição de 1988, depois de tantos anos de ditadura

militar, os profissionais do direito ficaram ainda mais fortalecidos com a garantia legal

(constitucional) de novos direitos. Mas, como alertou José Murilo de Carvalho, o surgimento

desses novos direitos não se deu sem uma expansão educacional. “Quer dizer, à medida que

aumenta a escolaridade, sobem todos os indicadores, seja de consciência de direitos, seja de

participação política, seja de envolvimento em associações profissionais e voluntárias”. (2002,

p. 27) E essa expansão se deu apenas no setor privado da educação superior. Dados do

MEC/INEP/SEEC mostram que em 1988 as IES públicas respondiam por 27% das IES do

Brasil e em 1998 esse número encolheu para 22%. (2000, p. 20)

Em número de vagas oferecidas pelas IES brasileiras a história se repete: em 1988 as

IES privadas respondiam por 68% das vagas do ensino superior brasileiro, e em 1998 esse

número saltou para 73%. (2000, p. 54) Essa expansão do ensino superior privado pode reduzir

a qualidade da formação em alguns casos. Tratando especificamente das faculdades de direito,

mostramos em trabalho anterior que “embora tenha aumentado o número de estudantes de

Page 106: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

95

direito entre 1997 e 2002, o percentual de participação dos matriculados em direito no total de

matriculados no ensino superior vem caindo desde 1999”. (Santos, 2004, p. 20) Mais

recentemente as universidades públicas federais vêm se expandindo, como decorrência de

uma política do governo Lula e diminuindo, de forma quase imperceptível, o avanço do setor

privado no ensino superior brasileiro.

Concomitante à expansão do ensino do direito e das profissões jurídicas no Brasil pós-

88, acontece, não só no Brasil como em outros lugares do mundo, um fenômeno social que

ficou conhecido como “judicialização da política”, numa referência à perda do poder político

e expansão do poder jurídico nas sociedades modernas. Este será o objeto do próximo item.

3.6 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E DAS RELAÇÕES SOCIAIS

Boaventura de Sousa Santos (1996) associa a expansão do direito à crise do Estado-

Providência dos países centrais, que ocorreu a partir de fins da década de 70 devido aos

seguintes fatores enunciados por ele: incapacidade financeira do estado para atender às

despesas sempre crescentes da previdência estatal; criação de enormes burocracias com

elevado nível de desperdício e ineficiência; clientelização e normalização dos cidadãos;

revoluções tecnológicas que causaram alterações nos sistemas produtivos e na regulação do

trabalho; difusão do modelo neoliberal; proeminência das agências financeiras internacionais

(Banco Mundial e FMI) e globalização da economia. Para Santos, a crise do Estado-

Providência causou alguns impactos sobre o sistema jurídico, a atividade dos tribunais e o

significado sócio-político do poder judicial nos países centrais: 1) Sobrejuridificação das

práticas sociais; 2) Explosão da litigiosidade89; 3) Complexificação dos litígios; 4) Aumento

das desigualdades sociais e enfraquecimento dos movimentos sociais; e 5) Crise da

representação política (sistema partidário e representação política).

Segundo o mesmo autor, enquanto os países centrais enfrentavam a crise do Estado-

Providência, os países periféricos, como o Brasil, passavam por regimes autoritários. Após a

redemocratização, estes países foram obrigados a queimar etapas e incluir em suas

constituições direitos conquistados pelos países centrais num longo processo histórico. Luiz

Werneck Vianna (1999) mostra que a sociedade brasileira, especialmente os mais pobres, vem

colocando no Judiciário suas esperanças de verem resolvidos seus conflitos, o que aumenta

89 Vianna, citando Antoine Garapon, diz que “a explosão do número de processos não é um fenômeno jurídico, mas social”. (1999, p. 25)

Page 107: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

96

ainda mais a importância deste poder estatal frente aos outros poderes90. Mas essa

valorização do Poder Judiciário é fruto da introdução dos novos direitos constitucionais

brasileiros mais que do aparelho burocrático judicial, que continua sendo alvo de críticas por

sua morosidade e por denúncias de corrupção interna. Mario Grynszpan (1999), mostra em

resultado de pesquisa a baixa legitimidade social do Judiciário brasileiro.

Já Gisele Cittadino afirma que “a expansão do poder judicial é vista como um reforço

da lógica democrática”. (2001, p. 2) Criações como os Juizados Especiais Cíveis e Criminais,

proporcionaram “um canal novo de expressão ao processo de democratização social, pela

facilitação do acesso à justiça”91 . (Vianna, 1999, p. 48) Para Vianna, a judicialização das

relações sociais no caso brasileiro desempenha o papel democrático de organização social,

depois de décadas de autoritarismo, fortalecendo ainda mais o Poder Judiciário e as profissões

ligadas à justiça. Mas é precisamente isso que propalam os juristas.

Cittadino afirma o consenso em torno de princípios jurídicos após o fim da ditadura

militar, embora não ressalte que esse consenso tenha sido mediado e influenciado pelos

próprios profissionais do direito e que a construção do estado de direito se interessou à

sociedade como um todo, interessou ainda mais às profissões jurídicas.

Se hoje nos permitimos discutir o processo de “judicialização da política” é porque fomos capazes de superar o autoritarismo e reconstruir o Estado de Direito, promulgando uma Constituição que, nesse processo, representa um consenso, ainda que formal, em torno de princípios jurídicos universais. (Cittadino, 2001, p. 10)

Mas não é consensual esta visão “positiva” da expansão do direito: Habermas (1989),

por exemplo, acha que essa expansão do direito nas sociedades modernas reduz a autonomia

privada de participação política, acarretando uma desmobilização da sociedade.

Não podemos esquecer que profissionalização de um grupo significa acesso a mais

poder para esse grupo na sociedade. Barbosa (2003, p. 601), vai retomar o texto de Mary Ann

Glendon (1994) para lembrar que esta autora fez uma análise da expansão do direito na

90 Bernardo Sorj, ao falar da relação conflituosa entre os três poderes da República, diz que o Poder Judiciário é colocado “no centro do sistema político, em grande parte em confronto com os outros dois poderes, que sofrem uma erosão de legitimidade e transferem para o Judiciário (entre outros através da crescente privatização dos serviços públicos) os conflitos que antes se resolviam na arena política. Essa confrontação produz, por sua vez, uma reação dos poderes Executivo e Legislativo, que tentam novos mecanismos de controle do Judiciário (através do orçamento, da nomeação de juízes, de sistemas externos de auditoria)”. (2001, p. 108-109) 91 É preciso ressaltar que a legislação constitucional brasileira prevê outras maneiras facilitadas de acesso à justiça, como a Ação Civil Pública, a Ação Popular e a Iniciativa Popular para elaboração de leis, mas, sem dúvida, são os JECs os mais bem sucedidos instrumentos de democratização do acesso à justiça.

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97

sociedade norte-americana ressaltando que tal judicialização marcou naquela sociedade não

só um processo de maior democratização do acesso à justiça, como também uma ampliação

do poder dos juristas, que garantiram uma expansão sobretudo de seu mercado de atuação

profissional. Este tipo de análise talvez tenha faltado no livro de Vianna (1999), que às vezes

parece sucumbir ao canto da sereia das ideologias produzidas pelos próprios profissionais do

direito, que ressaltam o tempo todo a “necessidade” das profissões jurídicas para a

democratização do país. O slogan da campanha publicitária da OAB-RJ no início dos anos

1990, “Sem Advogado não há Justiça, sem Justiça não há Democracia”, é emblemático da

produção de ideologias profissionais para valorização das próprias profissões jurídicas.

Mas está em Falbo (2002, p. 22, 23) a crítica mais acertada, mesmo que de maneira

polida, sem citar nomes, às análises que atribuem ao Judiciário um papel democratizante na

nova sociedade brasileira. Para Falbo, não se pode identificar (ou atribuir) nenhuma

característica democrática ao Judiciário no pós-88 sem investigar se houve mudanças em sua

cultura político-jurídica. Só haverá democratização do Judiciário quando houver uma

mudança cultural que permita aos atores político-jurídicos implicados nesse poder de estado a

capacidade de olhar a sociedade e de se deixar ser vista por ela. Só haverá democratização do

Judiciário quando a sociedade se sentir à vontade para procurar a justiça estatal e o Judiciário

procurar atender mais de perto a sociedade, se tornando menos formalista, por exemplo. O

aumento do número de processos no Judiciário pode não indicar uma democratização deste

poder de estado se estiver sendo ampliado também os espaços extra-estatais (e antiestatais) de

resolução de conflitos sociais. A democratização do Judiciário está no contexto de

democratização da sociedade, que vai além de uma democratização político-eleitoral. Seria no

mínimo duvidosa uma análise sobre democratização da sociedade que não considerasse os

altos índices de desigualdades sociais em que vivemos. Segundo a perspectiva de alguns de

nossos entrevistados, como veremos, o Brasil não seria uma sociedade democrática devido à

sua ainda enorme desigualdade social.

A expansão do direito na sociedade brasileira após 1988 também acontece devido a

outros fatores além dos já citados, como por exemplo, a urbanização do Brasil – a Carta

Cidadã é a primeira Constituição de um Brasil eminentemente urbano – o que requer “maior

formalização e objetivação das relações interindividuais” (Pierucci, 2000, p. 136). E a

expansão da política concomitantemente à expansão do direito – Santos (1996) afirma que ao

mesmo tempo em que acontece uma judicialização dos conflitos políticos, acontece também

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98

uma politização dos conflitos judiciários92, uma vez que os tribunais são responsáveis por

apenas uma pequena parte dos conflitos sociais existentes, sendo a maioria dos conflitos

resolvidos em outras instâncias não-oficiais (nem todo conflito social se torna jurídico).

Por tudo que foi dito neste capítulo, esperamos que tenha ficado claro que houve uma

expansão das profissões jurídicas e do campo do direito a partir da redemocratização política

do país, por vários motivos. A expansão não se deu como um passe de mágica, ela foi sendo

construída num logo processo a partir, principalmente, do declínio da ditadura militar, o que

inclui o declínio da legitimidade social do regime ditatorial, e do surgimento de lideranças

políticas contestadoras e de lutas pela redemocratização do Brasil. A expansão do poder das

profissões jurídicas ainda está em andamento e responde ao que chamamos de projeto

profissional. O projeto profissional das profissões jurídicas reforçou o campo do direito como

um todo, faculdades de direito, mercado de trabalho das profissões jurídicas, associações

profissionais etc.

A Assembléia Nacional Constituinte e seu maior produto, a Constituição Cidadã,

evidenciaram o projeto das profissões jurídicas brasileiras. Investigando a atuação dos

bacharéis em direito identificamos um recuo destes profissionais no campo da política e um

fortalecimento das profissões jurídicas, o que pode ser medido a partir do aumento do número

de concursos públicos destinados às áreas jurídicas e pela maior presença dos profissionais do

direito na mídia, principalmente magistrados e membros do MP. A partir do que já dissemos

sobre as profissões jurídicas durante a redemocratização política do país, e aplicando mais

especificamente ao MP, podemos afirmar que a “autoridade cultural” (Starr) conquistada pelo

MP após 1988 serviu tanto à sociedade, que provavelmente nunca tenha visto antes uma

instituição tão bem armada para fiscalizar ações e omissões políticas e o cumprimento das

leis, quanto à própria instituição, reforçando a imagem e o papel atribuído ao MP após a

redemocratização política.

Toda a expansão demonstrada das profissões jurídicas e do campo do direito após

1988 esconde conflitos no interior do campo jurídico e competições inter e intraprofissionais

deste campo. Os conflitos existentes no interior do campo do direito não são percebidos com

macro-análises ou só com métodos quantitativos. É preciso baixar ao nível das

92 E Cittadino diz que “é preciso não esquecer que a crescente busca, no âmbito dos tribunais, pela concretização de direitos individuais e/ou coletivos também representa uma forma de participação no processo político”. (2001, p. 3)

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99

intersubjetividades, conhecer o que pensam os profissionais do direito e como se vêem e uns

aos outros para captar um pouco do clima de disputa no campo jurídico, o que justifica o

próximo capítulo.

Page 111: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

100

4 MINISTÉRIO PÚBLICO VERSUS DEFENSORIA PÚBLICA NO RIO DE

JANEIRO: identidades e desigualdades.

Até aqui estivemos discutindo e analisando a expansão dos direitos e das profissões

jurídicas como um todo no Brasil após 1988, enfatizando o papel do “trauma” da ditadura

militar no condicionamento ideológico da nova ordem político-jurídica da sociedade brasileira

durante a redemocratização política do país. Embora o trauma da ditadura militar tenha

norteado de alguma maneira o fortalecimento dos direitos, e, por conseqüência, das próprias

profissões jurídicas após 1988, como vimos, foram as próprias profissões jurídicas que

empreenderam a expansão do campo do direito valendo-se para isso da redemocratização

política do país. O trauma causado pela ditadura entrou nesse processo de redemocratização

política como recurso ideológico usado pelas profissões jurídicas para ampliar seus próprios

poderes, inclusive com previsão constitucional de suas prerrogativas. Algumas dessas

garantias constitucionais conquistadas por certos setores profissionais do campo do direito são

verdadeiros monopólios de atuação, privilégios que colocam essas profissões como

indispensáveis à democracia, como se não pudesse haver democracia sem algumas dessas

profissões, o que traz à tona as ideologias profissionais e seu significado.

Apesar da aparente evolução do poder das profissões jurídicas na sociedade brasileira

a partir da redemocratização política, a expansão das profissões jurídicas não acontece de

maneira homogênea em todo país, nem em todas as carreiras jurídicas. Algumas carreiras

jurídicas têm mais prestígio e poder que outras, o que pode ser medido pelos níveis de

remuneração, mas também por outros aspectos como níveis de qualificação e capacidade de

organização política para lutar por melhores condições de trabalho e remuneração, por

exemplo.

As lutas entre as diferentes profissões jurídicas por espaços monopolizados de atuação

profissional (fechamento) representam disputas por poder no campo do direito. Artigos

jornalísticos e acadêmicos evidenciam essas lutas que podem soar irreais para um cidadão

comum que reclama da morosidade da justiça, do formalismo do direito ou do

comprometimento da Justiça com determinadas classes sociais, mas que não imagina que tudo

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101

isso pode se aliar às lutas corporativas por poder, gerando barreiras ao acesso à justiça93.

Carvalho (2008, p. 31), por exemplo, afirma que “há o corporativismo dessas instituições, da

polícia, delegados, juízes, advogados e, mais recentemente, o Ministério Público. São

corporações brigando entre si por privilégios, por equiparações de salários. E onde fica o

interesse do cidadão?”.

Em artigo intitulado “Em defesa da Defensoria Pública” e publicado na Folha de São

Paulo, em 3/08/2008, o reconhecido advogado José Carlos Dias afirma que “como advogado,

rejeito a idéia de pertencer a uma entidade [OAB] que se posta de maneira corporativa, muito

mais preocupada em preservar os interesses de seus membros, ainda que respeitáveis, do que

perseverar na sua grande missão de compromisso com a ordem pública”. (p. A3) Mais

recentemente, em 9/11/2008, o mesmo jornal trouxe uma reportagem grande intitulada

“Crescem atritos entre juízes e advogados”, em que mostra uma luta por poder entre essas

duas profissões jurídicas, que segundo análise do presidente da OAB-SP, decorreria da

expansão das faculdades de direito no Brasil, que produzira profissionais de baixa qualidade

técnica e ética. Segundo a reportagem, para D’Urso “o aumento no número de profissionais

ligados ao direito também levou ao crescimento proporcional dos casos de atrito”. (p. A10)

Para mostrar essas lutas profissionais um pouco mais de perto, escolhemos duas

instituições jurídicas que tiveram seus poderes institucionais reforçados com a Constituição de

1988: Ministério Público e Defensoria Pública. Mais especificamente vamos esmiuçar alguns

aspectos do MP e da Defensoria do Rio de Janeiro, mostrando como se dão as lutas por poder

no interior do campo profissional do direito e o papel das ideologias profissionais nesse

processo. Nesta parte da pesquisa, priorizamos o levantamento e análise de dados qualitativos,

uma vez que dados quantitativos não nos permitiriam uma percepção clara das lutas que

acontecem no interior do campo jurídico, particularmente entre defensores públicos e

promotores/procuradores de justiça no estado do Rio de Janeiro.

93 Baldez afirma que “a democratização do processo só será concreta, primeiro, quando a juris-dição deixar de ser um monopólio da magistratura, abrindo-se espaços para juízes de outros cortes e culturas sociais, que não restritamente a burguesia. Não basta, pois, que os juízes sejam melhor equipados intelectualmente, como recomenda Boaventura de Sousa Santos, mas que outras culturas atravessem as decisões judiciais, e esse objetivo poderá ser perseguido a partir do art. 98 da Constituição Federal e dos Juizados Especiais com juízes leigos” (...) (1999, p. 260)

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102

4.1 INSTITUIÇÕES JURÍDICAS ESCOLHIDAS

Escolhemos MP e Defensoria porque ambas as profissões se apresentam como

“defensoras da sociedade” e porque queríamos analisar duas instituições que estivessem em

competição direta uma com a outra e que estivessem num mesmo patamar hierárquico-

administrativo. Imaginamos que os profissionais dessas instituições tivessem posições

equivalentes no jogo da justiça94, atuando como “advogados” (lato sensu) diante do juiz. Ledo

engano, como se vai ver.

4.1.1 Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPGE-RJ) foi criada em 1954 e

regulamentada por lei estadual em 1977. A DPGE-RJ era, inicialmente, parte do Ministério

Público. A estrutura de trabalho e de atendimento ao público da DPGE-RJ é uma das

melhores, senão a melhor, das Defensorias do Brasil, o que não significa dizer que estejamos

falando de uma estrutura primorosa. Pelo contrário, a estrutura tende a se mostrar precária na

comparação com a estrutura do MP. A Defensoria do Rio tem um edifício sede emprestado na

capital, mas seu atendimento ao público é feito de maneira descentralizada em vários pontos

da cidade do Rio de Janeiro, estando, portanto, próxima de sua clientela, as populações

carentes. A Defensoria fluminense assiste nas áreas de consumidor, direitos humanos,

regularização fundiária, idoso, mulheres, sistema prisional, infância e juventude, entre outros.

(Brasil, 2006b, p. 83) Há ainda Defensoria Pública em todas as comarcas do estado do Rio de

Janeiro. (Brasil, 2004, p. 53)

Os espaços físicos ocupados pelos defensores são sempre precários, mal conservados

ou apertados. Ou tudo isso ao mesmo tempo. O material utilizado pelos defensores é escasso

ou obsoleto. Um membro do MPF que foi defensor antes de entrar para o MP afirmou que “na

Defensoria eu tinha as promessas de melhoria da infra-estrutura, mas não tinha previsão de

data para isso acontecer. Já no MPF, quando se prometia melhoria de infra-estrutura, ela vinha

com data marcada. E era rápido. Isso faz uma diferença...!”. (promotor 8)

94 Se pensarmos que as definições do Ministério Público e da Defensoria Pública estão dentro do Título IV da Constituição da República, que trata das Funções Essenciais à Justiça, podemos sim concluir que as instituições escolhidas estão em posições equivalentes diante do magistrado. No mesmo Título IV estão também a Advocacia e a Advocacia Pública.

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103

Em termos remuneratórios, o defensor público do Rio de Janeiro é o mais bem

remunerado entre os defensores públicos estaduais do Brasil, mas esse não é o quadro do país

todo95. Por esses motivos, os quase 700 defensores96 do Rio de Janeiro são excelentes

profissionais, formados nas melhores faculdades de direito e selecionados em rigorosos

concursos públicos de provas e títulos. Há mais mulheres que homens na atividade

profissional da Defensoria, segundo dados já apresentados no capítulo 2. (Brasil, 2004, p. 87)

O volume de trabalho da Defensoria chega a ser desumano. Segundo dados do

Ministério da Justiça cada defensor do Rio de Janeiro realiza em média 2.572,1 atendimentos

anuais (Brasil, 2006b, p. 85); ajuízam ou respondem em média 151,5 ações anuais (2006b, p.

87); e realizam em média 143,3 audiências por ano. (2006b, p. 89) E esses dados

provavelmente estão defasados.

O trabalho da Defensoria Pública do Rio de Janeiro não seria realizado sem a

participação direta dos mais de mil estagiários de direito em atividade97. A seleção dos

estagiários se dá por concurso público e conta com uma demanda crescente de jovens

estudantes de direito que se candidatam e são selecionados através de prova escrita de

conhecimentos jurídicos. Os estagiários são tão importantes para a execução do trabalho da

Defensoria que há um setor específico na DPGE-RJ para cuidar da seleção e

acompanhamento dos estagiários. Os estagiários da Defensoria fazem tudo que um defensor

faz98, exceto assinar peças processuais e receber remunerações mensais, pois o estágio na

Defensoria não é remunerado.

95 A remuneração inicial na carreira do Ministério Público de Minas Gerais, por exemplo, chega a ser 768% maior que a da Defensoria Pública, para dar uma idéia da desigualdade de remuneração entre as instituições. A menor razão entre o rendimento inicial do MP e da Defensoria está no Acre (87%), onde um promotor recém-aprovado ganha em torno de R$ 11.000,00. Já no Rio de Janeiro, um promotor ganha inicialmente algo em torno de 200% a mais que um defensor, segundo dados de 2006. (Brasil, 2006, p. 74) Em 2007 houve uma tentativa de equiparação de vencimentos entre as duas instituições no Rio de Janeiro, mas tal isonomia ainda não demonstra ser definitiva, como veremos mais à frente. 96 Segundo o estudo diagnóstico “Defensoria Pública no Brasil”, havia no Rio de Janeiro 698 defensores na ativa em 2004. (2004, p. 49) 97 Os dados de 2007 davam conta de aproximadamente 1.100 estagiários em atividade na DPGE-RJ, segundo a própria Defensoria. 98 Embora o Regulamento do Estágio Forense da Defensoria, em seu artigo 27, prescreva que cabe ao Defensor “designar o estagiário para, a seu lado e sob a sua orientação direta, participar de audiências” (grifo nosso), há casos de estagiários que compareceram à audiência em substituição ao defensor. Isso acontece principalmente em audiências para entrega de provas documentais.

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104

O volume e a diversidade de causas jurídicas é o maior atrativo do estágio na

Defensoria99. Nenhum outro estágio dá ao estudante de direito a possibilidade de aprender

tanto sobre a prática jurídica quanto na Defensoria. E o melhor para o estagiário é que ele

aprende na prática, realizando o trabalho de atendimento ao público e confecção de

petições100. O estágio na Defensoria Pública é um verdadeiro laboratório de capacitação de

futuros profissionais do direito, que tomam contato com os mais diferentes conflitos jurídicos

e podem atuar como verdadeiros advogados, embora sem o mesmo peso de responsabilidade

de um profissional do foro. Podemos acrescentar ainda que o trabalho voluntário na

Defensoria ensina mais do que a prática jurídica. Ensina também sobre relações humanas, já

que o estagiário está em contato direto com as partes do processo, e sobre as relações entre

desigualdades econômicas e acesso à justiça, já que os clientes da Defensoria são, em geral,

membros das classes populares, que não têm condições de arcar com um advogado particular.

Para conhecer minimamente o nível de satisfação dos assistidos pela Defensoria

Pública, fizemos uma pesquisa de opinião com cem pessoas que aguardavam atendimento na

sala de espera do prédio da Defensoria que fica ao lado do fórum101. Um detalhe sobre esse

prédio é que ali funcionava o arquivo do Tribunal de Justiça, que foi desocupado para dar

lugar à Defensoria. Com essa mudança, desocuparam-se as salas que eram utilizadas pela

DPGE no interior do fórum. A discussão sobre a mudança de local da Defensoria gerou certa

polêmica porque o presidente do Tribunal de Justiça queria (e conseguiu) implantar sistemas

eletrônicos para controle do acesso ao fórum. Falou-se muito à época, e até hoje se fala

quando se provoca a discussão do tema, que o presidente do tribunal queria cercear o acesso

da população pobre, que ele pessoalmente não gostava da “bagunça” que havia no entorno da

Defensoria, numa relação clara da pobreza com sujeira e caos.

Independentemente dos motivos que levaram o presidente do TJ a solicitar o

esvaziamento do espaço da Defensoria no interior do fórum e sua remoção para um prédio

99 Um atrativo menor é o fato do estágio na Defensoria ser realizado geralmente duas tardes por semana, o que sobra tempo para o estudante fazer outras atividades de capacitação universitária ou cultural. Ou mesmo fazer outro estágio. 100 Os estagiários dos escritórios de advocacia, embora sejam remunerados, comumente se queixam de realizar trabalho não condizente com a técnica do direito, como carregar processos, protocolar petições, intermediar negociatas ou executar tarefas administrativas consideradas menores no interior dos próprios escritórios. Esse tipo de estagiário é freqüentemente chamado de “Officeboy de Luxo”. O nível de descontentamento com o tipo de trabalho executado é sensivelmente menor entre os estagiários da Defensoria, principalmente porque já sabem de antemão o que deverão fazer sem nada receber. 101 A folha com o roteiro para realização das entrevistas com assistidos da Defensoria Pública encontra-se no Anexo IX.

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105

anexo, emprestado pelo próprio TJ, uma coisa precisa ser dita: a impressão que se tem ao

acompanhar as atividades dos defensores é de que quanto mais espaço se der à Defensoria

mais vão aparecer assistidos reivindicando direitos. Isso porque o espaço da Defensoria no

fórum estava sempre lotado, embora não fosse tão pequeno. Agora ocupando um prédio

inteiro de dois andares têm-se a mesma impressão de que o espaço é apertado.

Há no espaço da Defensoria reservado à espera do público um burburinho coletivo

misturado com rostos cansados e sonolentos e odores variados, alguns dos quais

desagradáveis. Os alto-falantes que anunciam os próximos atendidos ficam num volume

muito alto para sobrepor o burburinho, o que faz aumentar também o volume das conversas

entre os que esperam. A chamada aos atendidos é feita por uma funcionária que quase nem

precisaria do microfone, tão alta sua voz, ou por estagiários da Defensoria sempre em tom

grave, como quem está dando ordens.

No dia em que fizemos as entrevistas102, e todo dia é assim, havia umas 400 pessoas

no saguão de espera, sentadas ou em pé. Era difícil até passar entre as pessoas para realizar as

entrevistas. Mas quase todas foram muito simpáticas ao receber o entrevistador. Queriam falar

até além do que estavam sendo perguntadas, esbravejando contra algum aspecto do

atendimento ou da morosidade da justiça. Após um “é o seguinte:” começavam a contar seus

processos judiciais e suas angústias pessoais, num desabafo sincero, mesmo que não seja

legal, de uma gente sofrida. Muitos estavam ali desde as nove da manhã, e haviam saído de

suas casas bem mais cedo que isso, sem comer nada.

Em meio a essa intensa e tensa atividade de chamadas e esperas, realizamos uma

pesquisa de opinião com os assistidos sobre seus níveis de satisfação e insatisfação com o

trabalho executado pela Defensoria. Os resultados dessa pequena pesquisa servem mais para

pontuar algum tipo de impressão sobre esses profissionais que estamos analisando e nada

melhor para isso do que perguntar aos próprios destinatários das atividades profissionais da

Defensoria o que eles acham dessa instituição e de seus profissionais. Foram três perguntas

levantadas: 1) você está satisfeito com o trabalho da Defensoria Pública? S/N; 2) de 0 a 10,

que nota você daria para o seu Defensor?; e 3) pra você, qual o maior problema da Defensoria

Pública? As perguntas foram feitas na seqüência acima apresentada após a resposta dada à

102 As entrevistas foram feitas no dia 28/08/2007, entre as 13 e 15h, aproximadamente.

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106

pergunta anterior. O instrumento idealizado para tabulação dos dados permitia uma captação e

visualização rápida das respostas dadas, como pode ser visto no Anexo IX.

Os resultados são os seguintes: aproximadamente metade dos entrevistados declarou

estar satisfeito com a Defensoria (52,12%); a média total das notas atribuídas ao trabalho da

Defensoria (5,21) foi coerente com o nível de satisfação declarado; quando perguntamos qual

seria o maior problema da Defensoria, houve 140 respostas espontâneas em cem pessoas

entrevistadas. Porque várias pessoas apontaram mais de um problema em sua resposta. Os

maiores problemas apontados foram: a demora para ser atendido (68/140); a morosidade

processual (37/140); o fato de não conhecer seu defensor ainda (7/140); o atendimento

desrespeitoso ou grosseiro dos funcionários (6/140); a falta de informação adequada dos

funcionários ou dos estagiários (3/140); a incapacidade técnica do defensor ou do estagiário

(3/140); a falta de atenção ao processo (2/140); a falta de defensor (2/140); a desorganização

(1/140); a falta de conforto (1/140); a falta de divulgação dos serviços da Defensoria (1/140);

a falta de ética do defensor (1/140); a marcação muito longa (1/140); a troca constante de

defensor (1/140).

Das cem pessoas entrevistadas 68 reclamaram da demora para ser atendido, o que já

demonstra um pouco o problema do excessivo número de assistidos por defensor, dando

aquele aspecto caótico à sala de espera da Defensoria. A morosidade processual, que ficou em

segundo lugar, não é “culpa” direta do defensor na maioria dos casos, mas do sistema de

justiça brasileiro, embora seja percebido pelos assistidos como problema da Defensoria.

Importante ressaltar que a sociedade brasileira percebe o sistema de justiça brasileiro como

lento e parcial na resolução de conflitos, como mostra, por exemplo, Grynszpan (1999). Há

uma representação social de que a Justiça no Brasil funciona melhor para certos setores mais

abastados do que para os mais empobrecidos. Se levarmos em conta essa representação social

sobre a Justiça brasileira, isso diminuiria os problemas que apareceram nas entrevistas como

próprios da Defensoria, porque este é um problema de todo o sistema de justiça brasileiro e

não especificamente só da Defensoria.

Se descartarmos a segunda posição e juntarmos as reclamações de “não conhecer seu

defensor ainda”, de “falta de informação adequada dos funcionários ou dos estagiários”, de

“falta de defensor”, de “desorganização”, de “falta de divulgação dos serviços da Defensoria”,

de “marcação muito longa” e de “troca constante de defensor”, teremos mais ou menos 16

ocorrências de problemas relacionados à gestão da comunicação com o público-alvo,

Page 118: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

107

elevando esta nova categoria para a segunda posição no número de reclamações. Se

pensarmos que os economicamente hipossuficientes podem ter mesmo alguma dificuldade

maior para entendimento das mensagens, provavelmente pela baixa escolaridade que

caracteriza as classes que tem menos recursos financeiros no Brasil, a DPGE-RJ deveria

investir mais na tentativa de solucionar este tipo de problema. Precisaria ser um investimento

da instituição no sentido de tentar facilitar o diálogo com os assistidos, porque a impressão

que temos é que essa comunicação com o assistido fica apenas a cargo de defensores,

estagiários e (poucos) funcionários.

Sobre o mau atendimento dos funcionários, conversamos com dois funcionários que

estavam de plantão sobre a queixa de sete pessoas e eles reclamaram dos assistidos dizendo

que “eles perguntam a mesma coisa trezentas vezes; se a gente diz isso eles querem aquilo; se

a gente diz aquilo, eles querem isso; acho que eles só sabem mesmo é reclamar”. (funcionário

1) Um deles justificou, de certa maneira, o “mau atendimento” ao apontar um problema

comum a esses funcionários que são terceirizados e tem de trabalhar em outros turnos e em

outras instituições de atendimento ao público: “eles não querem saber dos problemas da

gente; ninguém quer saber que eu saio daqui correndo para pegar no hospital à noite e só

chego em casa às 2h; e que no dia seguinte começa tudo de novo às 9h. Mas reclamar eles

sabem. Falta um pouquinho de consideração geral, não acha?”. (funcionário 1) A outra

funcionária confirmou com certo ar de indignação: “É sim, a gente também tem as nossas

dificuldades, entende?”. (funcionário 2) Para o volume de gente atendida por dia, ficamos

com a nítida impressão de que o número de funcionários era mesmo insuficiente. Havia uma

meia dúzia de funcionários para orientar um público ainda mais carente de informações que

de direitos.

4.1.2 Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) é instituição antiga, existe desde a

década de 1930. Mas é só na década de 1970, após a fusão dos antigos estados do Rio de

Janeiro e da Guanabara, que o MP-RJ passa a desempenhar papel mais relevante no sistema

de justiça estadual. O MP-RJ conta com praticamente o mesmo número de profissionais103 da

Defensoria e com uma estrutura de trabalho bem melhor que a dos defensores. Sobre a

participação de gêneros na composição do MP-RJ não há dados específicos disponíveis, mas 103 Em 2004, o número de membros em atividade do MP-RJ, segundo Diagnóstico do Ministério Público do Estados, era de 756, entre promotores e procuradores. (2006, p . 71)

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108

o Diagnóstico do Ministério Público nos dá uma idéia regional que não deve ser muito

diferente do caso do Rio de Janeiro. Segundo o Diagnóstico, os MPs da região sudeste são

compostos de 74,8% de homens e 25,2% de mulheres. Mesmo que esse índice não se

mantenha no caso do Rio de Janeiro – porque nossa percepção é de que haja um número

menor de homens104 – podemos afirmar que o percentual de homens no MP fluminense é

equivalente ao percentual de mulheres na Defensoria. Isso torna o MP antagônico à

Defensoria na composição de gêneros na atividade profissional dessas instituições escolhidas.

Há uma relação de servidores por membro de quase um para um, segundo dados do

Diagnóstico do Ministério Público105. (Brasil, 2006, p. 46) O edifício onde funciona a sede do

MP-RJ é um dos mais modernos e seguros dentre as sedes de instituições jurídicas do Rio de

Janeiro, equipada com sensores magnéticos, aparelho de raio-x, câmeras sofisticadas,

elevadores de última geração, seguranças armados, uniformizados e à paisana, entre outras

parafernálias. Um promotor, em tom de brincadeira, disse que ali era “o FBI do Rio de

Janeiro”. O acesso à sede do MP-RJ não é para qualquer um.

A remuneração dos promotores e procuradores de justiça do MP-RJ sempre foi maior

que a dos defensores, sendo uma das maiores remunerações entre os Ministérios Públicos

estaduais106. Em 2007 houve uma equiparação de rendimentos entre a DPGE-RJ e o MP-RJ.

Sobre a tal equiparação ainda há uma desconfiança por parte de promotores e defensores

sobre a duração desta medida. Os primeiros se mostraram até mais céticos que os segundos

sobre a isonomia de rendimentos, afirmando que o aumento dos defensores não está amparado

constitucionalmente e que não passa de um jogo de cena político. A seleção dos promotores

de justiça é feita também a partir de criteriosos concursos públicos de provas e títulos.

O interior do edifício-sede do MP-RJ é organizado, limpo e silencioso a maior parte

do tempo. Há um clima de segredo na instituição que faz com que as pessoas conversem

baixo ou parem de conversar quando um “intruso” se aproxima, o que nos faz lembrar dos

filmes de espionagens e conspirações. Os promotores e funcionários da sede são, em geral,

reservados e pouco espontâneos. Mas também são atenciosos quando se buscam informações.

104 Embora nos postos de comando do MP seja perceptível um aumento da concentração de homens, devendo chegar a equivaler aos dados para a região sudeste. 105 Havia 756 membros para 582 servidores em 2004, ficando a relação servidores por membro em 0,77. 106 A pesquisa do Ministério da Justiça publicada em 2006 sob o título Diagnóstico Ministério Público dos Estados compara as remunerações dos MPs e das Defensorias nos estados e aponta a desigualdade de renda entre essas instituições. (2006, p. 74)

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109

A falta de pessoas esperando atendimento contribui bastante para essa tranqüilidade, que só é

quebrada nos horários de entrada e saída, principalmente dos estudantes que fazem no

edifício-sede cursos preparatórios para concursos públicos. Em outros prédios onde o

Ministério Público está instalado a segurança, a calma e a organização também estão

presentes. Os que têm atendimento ao público também são assim, o contrário da Defensoria.

Há um silêncio no ar que talvez expresse um certo receio ou respeito dos atendidos por estar

ali, em tão poderosa instituição.

4.2 IMPRESSÕES E COMENTÁRIOS SOBRE AS ENTREVISTAS

Para melhor entender a relação entre essas duas instituições jurídicas, decidimos

entrevistar profissionais de cada uma delas. A escolha dos profissionais entrevistados

aconteceu da seguinte maneira: entramos em contato com as instituições escolhidas e

solicitamos a indicação de alguns profissionais que satisfizessem nosso critério inicial de

variação de áreas de atuação, de gênero e de idade. Recebemos uma lista com

aproximadamente trinta nomes de cada instituição e guiado por um pragmatismo quanto à

exeqüibilidade das entrevistas, levando-se em conta fatores geográficos de proximidade e a

disponibilidade dos próprios profissionais, fizemos cortes nos nomes até chegar a uma lista de

dez nomes em cada instituição. Da lista de dez nomes, nem todos puderam ser entrevistados

por problemas operacionais do próprio dia em que se marcou as entrevistas e outros

entrevistados foram incorporados à lista depois, quando já estávamos em campo. Vamos falar

dessas exceções em cada caso.

As entrevistas com profissionais das instituições escolhidas servirão para que

tenhamos testemunhas-chave, já que estão inseridos nos grupos profissionais escolhidos, das

competições inter e intraprofissionais que alcançam promotores e defensores. Com as

entrevistas poderemos não só entender melhor como se dão as competições profissionais, mas

também caracterizar minimamente como se posicionam os profissionais das instituições

escolhidas quanto à sociedade brasileira e seus problemas sociais e quanto às próprias

competições profissionais. No total, foram feitas dezoito entrevistas com profissionais do MP

e da Defensoria. Ao final de cada entrevista era comum uma conversa mais solta com os

profissionais sobre suas atividades profissionais, suas maiores dificuldades profissionais e

sobre nossa pesquisa de uma maneira ampla.

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110

Começamos a fazer as entrevistas pelo MP-RJ. Esgotamos a agenda de entrevistas

com promotores de justiça para, em seguida, passarmos aos defensores. Talvez o melhor

método fosse intercalar as entrevistas com promotores e defensores, mas tivemos que optar

por esgotar uma categoria antes de passar à outra porque precisávamos remir o tempo.

Começando pelos promotores pudemos fazer quase todas as entrevistas no mesmo dia e no

mesmo prédio, na sede do MP-RJ. Já as entrevistas com os defensores foram feitas em locais

de trabalho próximos um do outro, todos no centro do Rio.

Durante as análises das respostas dos entrevistados vamos lançar algumas falas dos

próprios entrevistados entre aspas. Só não utilizaremos mais esse recurso de colocar entre

aspas o conteúdo das entrevistas porque as entrevistas não foram gravadas. Até fomos

preparados pra realizar as entrevistas, mas como os promotores de justiça não permitiram a

gravação de seus depoimentos, resolvemos não gravar também os defensores. Esse fato já

demonstra o maior nível de poder e preocupação dos promotores em relação aos defensores.

Os membros do MP-RJ se mostraram, claramente, mais preocupados com a escolha das

palavras e com as conseqüências do que estava sendo dito. Expressões como “não vai publicar

isso, hein?” ou “só não vale falar que eu disse isso!” não apareceram entre os defensores e

foram comuns entre os promotores. Talvez estes profissionais queiram ser coerentes com um

suposto papel atribuído ao MP de instituição “responsável pela redemocratização do país”,

como disse um dos promotores entrevistados107.

Se gravássemos apenas uma categoria profissional teríamos um volume hipertrofiado

de dados e, naturalmente, uma maior possibilidade de análise de uns que de outros. Isso

poderia soar como se estivéssemos privilegiando uns em detrimento de outros. Os

depoimentos foram anotados com a máxima ligeireza e, ao final das entrevistas, repassava

para o computador as anotações e as lembranças ainda frescas. Tentando, desse modo,

minimizar as perdas de uma entrevista não gravada. Por esses motivos, pode ser que uma ou

outra palavra do texto não seja a mesma utilizada pelos entrevistados, mas a ênfase e o sentido

das falas estão intactos.

107 Silva descreve algumas dificuldades que encontrou para realizar as entrevistas com promotores de São Paulo, afirmando que “os promotores de justiça não constituem um grupo de fácil acesso” (2001, p. 23) e tenta relacionar essa dificuldade a um certo “receio de expor de forma inadequada a instituição” (p. 23). Prefiro, desde já, afirmar que esse retraimento do promotor está relacionado a um condicionamento (controle) ideológico exercido pela instituição, como veremos.

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111

Em geral fomos muito bem recebido pelos profissionais, que demonstraram até certa

empolgação com as pesquisas e fizeram elogios. Apenas dois profissionais, ambos do MP,

demonstraram não estar muito satisfeitos em conceder entrevista, mostrando-se

desconfortáveis, e até aborrecidos, com o enunciado das perguntas. Talvez porque esperassem

perguntas mais próximas da técnica de execução dos trabalhos do Ministério Público ou

perguntas que permitissem o desenvolvimento de respostas que explicitassem o papel

importante prestado pelo MP à sociedade brasileira, reproduzindo uma ideologia profissional,

como veremos adiante. Arriscamos essa análise, porque ambos tentaram enfatizar, com certa

veemência, a importância do Ministério Público para a sociedade brasileira, mesmo quando

tal resposta não era demandada. Um deles disse que “o Ministério Público está sendo o maior

responsável pela redemocratização do país. As pessoas que sobem ao poder têm medo do

Ministério Público, porque sabem que nós estamos aqui para fiscalizá-los e não nos eximimos

disso”. (promotor 1) Outro afirmou com certa veemência, com o dedo em riste, olhos

arregalados, e testa franzida, que “o MP defende a sociedade; o MP defende a lei!”. (promotor

5)

O roteiro da entrevista foi elaborado em dois grandes blocos de perguntas108. O

primeiro, contendo cinco perguntas, objetivava uma maior compreensão da visão dos

profissionais sobre a sociedade brasileira como um todo e seus principais problemas. Esse

primeiro bloco foi idealizado para tentar diferenciar as instituições escolhidas a partir de uma

maior ou menor proximidade com o conhecimento sobre os problemas sociais, já que ambas

as instituições se apresentam como defensoras da sociedade. O segundo bloco de perguntas,

contendo quatro perguntas, visava conhecer melhor suas visões sobre as instituições que

representavam, Defensoria ou MP, e suas percepções sobre problemas mais relacionados ao

âmbito das instituições escolhidas para análise. Todas as perguntas demandavam respostas

espontâneas, livres, sem imposição de alternativas ou induções de respostas, embora

estivéssemos esperando alguns padrões de respostas. As hipóteses que nortearam a elaboração

das perguntas serão explicitadas enquanto estivermos analisando cada pergunta/resposta.

Na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro entrevistamos nove defensores

previamente selecionados a partir de critérios de variação das áreas de atuação no direito, de

idade e de gênero109. Mas entrevistamos mais mulheres que homens: foram oito mulheres e

108 O roteiro das entrevistas realizadas com Promotores e defensores está no Anexo X. 109 Algumas dessas variações escolhidas aparecerão no quadro disponível no Anexo XI.

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112

apenas um homem, respeitando, sem querer, o percentual de mulheres na instituição, como

vimos no capítulo dois. As entrevistas com os defensores públicos ocorreram entre os dias 27

e 30 de agosto de 2007, nos respectivos locais de trabalho dos profissionais escolhidos.

Apenas um defensor foi entrevistado posteriormente, dia 7 de setembro de 2007, por

telefone110.

As entrevistas com membros do Ministério Público foram feitas na mesma semana em

que as realizadas com defensores. Apenas dois promotores foram entrevistados por telefone

em outro momento, dias 12 e 13 de setembro de 2007, respectivamente. Foram oito

entrevistas com membros do MP-RJ, uma entrevista com um membro do Ministério Público

Federal lotado na Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro (MPF-RJ) e uma

entrevista com um promotor de justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-

SP). Os oito membros do MP-RJ eram todos promotores de justiça. Como critério de seleção

dos entrevistados procuramos escolher profissionais que atuassem em diferentes áreas do

direito e com variação de gênero e idade111. Só não foi possível variar o local de atuação do

promotor, por uma questão de orçamento e factibilidade, sendo todos eles atuantes no centro

da cidade do Rio de Janeiro, quase todos no edifício-sede do MP-RJ, onde está a estrutura

diretiva e administrativa do Ministério Público fluminense. Essa centralização dos promotores

entrevistados será levada em conta nas análises.

A entrevista com o Procurador Federal foi realizada porque ele havia sido Defensor

Público antes de ingressar no Ministério Público Federal. Julgamos proveitoso entrevistar

alguém que já tivesse sido defensor antes de ser membro do MP. O ideal seria entrevistar um

membro do MP estadual, em vez de um membro do MP Federal. Mas como não conseguimos

entrevistar um membro do MP estadual que tenha sido defensor público antes, apesar de

termos tentado, fizemos opção pelo membro do MPF. Foi feito o exercício de relativizar

algumas respostas dadas por este profissional, ficando a ênfase da análise em seu depoimento

sobre a experiência que teve na Defensoria e as maiores diferenças sentidas por ele entre o

trabalho realizado na Defensoria e no MPF. Um membro do MP-SP foi entrevistado também,

a partir da indicação feita por um certo promotor de justiça, visando uma melhor compreensão

de uma determinada diferença entre o MP de São Paulo e o do Rio de Janeiro quanto ao grau

110 O defensor em questão não pode comparecer no local e horário marcado para a entrevista e pediu pra que a mesma fosse realizada por telefone, uma vez que “não queria deixar de participar da pesquisa”. 111 Algumas dessas variações escolhidas aparecerão no quadro disponível no Anexo XI.

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113

de controle institucional realizados por esses dois Ministérios Públicos estaduais. Essa

diferença foi apontada por alguns promotores do Rio de Janeiro durante as entrevistas.

Detalharemos melhor esse aspecto em lugar adequado.

4.3 ANÁLISES DAS ENTREVISTAS COM DEFENSORES PÚBLICOS E

PROMOTORES DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO112

4.3.1 Problemas Sociais Brasileiros

A primeira pergunta feita nas entrevistas era sobre o maior problema da sociedade

brasileira na visão de cada entrevistado. O objetivo desta pergunta era introduzir as questões

mais gerais sobre a sociedade brasileira e seus problemas, dando ao entrevistado a

possibilidade de expressar livremente seu pensamento crítico em relação a problemas sociais

brasileiros e medir um pouco o grau de conhecimento dos profissionais entrevistados sobre os

mesmos.

Metade dos promotores (5/10) apontou a educação como principal problema do Brasil.

É claro que se estava falando da “falta de educação”, ou da “má qualidade da educação

oferecida aos brasileiros”, ou ainda, da “falta de investimentos públicos em educação”.

Apenas dois defensores (2/9) mencionaram a falta de educação como principal problema

social brasileiro.

A educação como solução para os problemas sociais é amplamente divulgado na

mídia, embora não seja efetivamente uma solução para os principais problemas sociais

brasileiros, como mostra, por exemplo, Coelho (1987) e Zaluar (1999). O apelo midiático pela

educação parece fazer eco em muitos setores da sociedade brasileira e cumprir um papel mais

ideológico de transferência da responsabilidade pela solução dos problemas sociais para o

estado. Reis (2000, p. 146, 147) mostra que as elites brasileiras tendem a atribuir ao estado,

comumente confundido com o governo, o dever de solucionar os problemas sociais brasileiros

e que essas mesmas elites apontam a educação como solução para a maioria desses problemas

sociais113, como também é divulgado pelos meios de comunicação e como aparece na fala da

112 No Anexo XI há um quadro resumido com as respostas das entrevistas realizadas com os profissionais do MP-RJ e da DPGE-RJ. Neste quadro, colocamos também alguns dados relativos à idade aproximada, formação/qualificação e trajetória profissional. 113 “Em suma, as elites apostam na possibilidade de melhoria para os pobres sem custos diretos para os não-pobres” (Reis, 2000, p. 147)

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114

maioria dos promotores entrevistados. Dois promotores (2/10) apontaram problemas de

administração política: um deles falou em “incapacidade administrativa” e o outro, em “falta

de autoridade do poder público, visto claramente no descumprimento das leis. Falta o

exercício efetivo do Império da Lei, que é pressuposto de um estado democrático de direito”.

(promotor 5)

Interessante é que esse quadro apresentado pelos promotores é bem diferente entre os

defensores. Aliás, é na comparação com as respostas produzidas pelo outro grupo analisado

que se reforça o argumento acima, apoiado em Reis (2000). A maioria dos defensores (4/9)

apontou que “as desigualdades sociais são o maior problema brasileiro”. Essa diferença da

visão dos defensores em relação à visão dos promotores pode indicar um maior conhecimento

dos defensores sobre os problemas sociais brasileiros. Carvalho (2001) também demonstra

como o Brasil tem na desigualdade seu maior problema. Ele chega a afirmar que “a

desigualdade é a escravidão de hoje, o novo câncer que impede a constituição de uma

sociedade democrática”. (2001, p. 229)

Essa diferença entre as visões dos dois grupos profissionais entrevistados pode

decorrer de um maior nível de qualificação114 (tempo de estudos) dos defensores em relação

aos promotores, hipótese que não conseguimos testar porque o MP-RJ não fora receptivo a

essa iniciativa de pesquisa115. Levando-se em conta os dados produzidos pelo Ministério da

Justiça podemos estabelecer os seguintes dados sobre a posse de títulos nos MPs do sudeste:

29,2% têm especialização; 15,7%, mestrado e; 5,1%, doutorado. Mas não temos dados sobre a

qualificação dos defensores.

Outro fator explicativo da diferença de visões entre as instituições escolhidas pode

decorrer do fato de que os defensores lidam mais diretamente com as desigualdades

114 Uma das defensoras entrevistadas, que já fora membro do MP antes, afirma categoricamente que “os defensores são mais preparados [qualificados] que os promotores. Pode verificar esse dado que estou lhe dizendo. Tenho certeza disso. Os promotores abandonam os estudos depois que passam para o MP. Até porque o MP também não incentiva a qualificação não. Há uma pobreza intelectual no MP! Defensores se dedicam mais aos estudos que promotores de justiça. Talvez você possa medir isso pelo número de livros consumidos por esses profissionais”. Outra defensora afirmou ainda que “o MP não é mais técnico que a Defensoria, é mais formal. A Defensoria, como tem que defender seu cliente, muitas vezes foge à letra da lei para isso. E como o MP foge menos à letra da lei, acaba se achando mais técnico. Eu digo que é até menos preparado. Aplicar a lei é fácil!”. 115 Foram enviados e-mails ao MP-RJ solicitando dados sobre a formação/qualificação de seus membros. Apenas um e-mail foi respondido, prometendo os dados para momento posterior, assim que terminassem de organizar um concurso público para a carreira inicial do MP, mas não aconteceu. Posteriormente enviamos outros e-mails solicitando os dados prometidos ou um prazo para isso, mas aí nem resposta obtivemos. O e-mail respondido pelo MP-RJ consta do Anexo XII.

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115

brasileiras no exercício de sua atividade profissional de defesa dos pobres e, portanto, tem

uma probabilidade maior de conhecer a sociedade brasileira e seus problemas sociais do que

os promotores, o que é muito provável, como veremos.

4.3.2 Imagens da Pobreza

A segunda pergunta versava sobre a pobreza e estimulava o entrevistado a associar a

idéia de pobreza a alguma imagem ou palavra. O objetivo era testar a hipótese da relação da

pobreza com a imagem de aspectos socialmente considerados negativos, como violência,

sujeira, desordem etc. Nas respostas dadas, não ficou evidente uma valoração negativa da

pobreza. Mais à frente essa hipótese vai voltar em outras perguntas, mas principalmente na

última. Seis defensores (6/9) fizeram relação da idéia de pobreza com pessoas pobres, falando

em “maioria das pessoas”, “massa de pessoas”, “desprovimento” ou “miséria”. Um deles

chegou a mencionar a “miséria assistida diariamente”. E aqui, assistir no sentido de dar

assistência profissional. Isso reforça a idéia de uma defensoria mais próxima da sociedade que

o MP e que, por esse motivo, pode ter um maior conhecimento dos problemas sociais

brasileiros, uma vez que trabalham muito de perto com a pobreza. Mais adiante voltaremos a

essa questão da proximidade dos grupos profissionais escolhidos com a sociedade.

Os dois grupos profissionais mencionaram as “crianças de rua” e as “favelas” como

imagens recorrentes da pobreza. Houve ainda quem se referisse à “fome” e “fome no sertão

nordestino”; ao “desemprego”; e à Igreja Católica, que, nas palavras de um promotor, “é a

maior interessada na manutenção da pobreza. A Igreja alcança a riqueza pela exploração da

pobreza. Isso acontece, por exemplo, quando ela não apóia os métodos contraceptivos,

contribuindo para a proliferação da pobreza. A pobreza gera a riqueza da Igreja”. (promotor

9)

4.3.3 A Pobreza no Brasil

Na terceira pergunta era para o entrevistado falar sobre sua percepção da pobreza no

Brasil e seus principais fatores explicativos. A maioria dos entrevistados, tanto da defensoria

(7/9) quanto do MP (9/10) entende que há uma grande pobreza no país. Os que afirmaram que

não há grande pobreza no Brasil, dois defensores e um promotor, demonstraram conhecer o

mecanismo de geração de pobreza a partir da desigualdade social brasileira, como mostra

Barros, Henriques e Mendonça (2000). Mas apesar dessas três respostas exemplares do

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116

conhecimento sobre a relação entre desigualdade e pobreza no país, podemos descartar a

primeira parte desta pergunta porque a percepção do nível de pobreza, muita ou pouca

pobreza, é sempre relativa a aspectos variados da experiência cotidiana dos entrevistados. O

que interessava mais era mesmo a segunda parte da pergunta, que requer um maior nível de

conhecimento sobre as causas da pobreza no Brasil. Neste aspecto, cinco promotores (5/10) e

cinco defensores (5/9) atribuíram, corretamente, se continuarmos tomando como base o texto

de Barros, Henriques e Mendonça (2000), a má-distribuição de renda como principal fator

explicativo da pobreza que há no Brasil. Um promotor chegou a afirmar categoricamente que

“não há grande pobreza no Brasil, há grande desigualdade social”. (promotor 4) E um

defensor público disse que “o Brasil é um país rico; apenas uma parte da população é pobre”.

(defensor 4) Também apareceram outras respostas como “corrupção nos órgãos públicos”;

“corrupção moral”; “falta de educação, falta de oportunidades e desemprego”; “fatores

históricos”; e “falta de vontade política de todos”.

4.3.4 O Comportamento dos Pobres

A quarta pergunta da entrevista realizada com profissionais da Defensoria e MP era

mais especificamente sobre os pobres. O entrevistado era chamado a caracterizar o

comportamento geral dos pobres brasileiros a partir de sua própria observação. O objetivo

desta pergunta era conhecer a visão do entrevistado sobre o comportamento do pobre

brasileiro, tentando identificar se havia em sua resposta algum tipo de pensamento intolerante

ao comportamento do pobre que pudesse justificar algum tipo de aversão ao pobre motivado

por fatores comportamentais.

Às vezes a intolerância à pobreza pode aparecer como resistência ao pobre. A pobreza

às vezes aparece como categoria abstrata e só se materializa na relação cotidiana com o pobre

e apenas para aqueles que têm alguma relação cotidiana com pobres, mesmo que

acidentalmente. Então, o entrevistado pode não conhecer a pobreza, mas conhecer pobres, que

dão pra ele alguma dimensão daquilo que seria problemático na pobreza. Esse tipo de

pergunta pode evidenciar a distância social do entrevistado em relação à pobreza. No caso dos

defensores, que trabalham bem de perto com os pobres, poderia nos dar algum indício de

intolerância com relação aos pobres. Mas a visão dos defensores pareceu ser mais paternalista

em relação à pobreza do que intolerante. O mais problemático no comportamento dos

brasileiros pobres seria, segundo os entrevistados, a “apatia”, “resignação”, “conformidade” e

outros termos sinônimos de inércia política e “aceitação passiva das coisas” da vida como

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117

dadas, incluindo as injustiças. A maioria dos defensores (7/9) e promotores (7/10) apontaram

fatores comportamentais de resignação política no pobre brasileiro.

A partir de autores como Carvalho (1987), entre outros, podemos afirmar que se existe

uma “apatia” entre os brasileiros, ela não seria exclusividade dos pobres, mas é característica

da sociedade como um todo116. O estereótipo de um povo “apático” é antigo117 e elitista,

construído por membros da sociedade que não se consideravam parte do que se chama

pejorativamente de “povo”. Tomando por pressuposto esse estereótipo da não-participação

dos brasileiros nas transformações político-históricas, poderíamos considerar como negativos

os tipos comportamentais atribuídos aos pobres pela maioria dos entrevistados. E se ainda

acrescentarmos o depoimento de promotores que acham que o pobre no Brasil “tende a ser

violento” (promotor 7), ou que “a pobreza, a carência de possibilidades materiais, reduz o

nível moral da pessoa” (promotor 5), ou que “os pobres demonstram um baixo nível de

integração cultural” (promotor 10), teremos, então, o aumento do número de traços

“negativos” atribuídos aos pobres.

Essa visão elitista e pejorativa dos pobres torna-se também paternalista na medida em

que o pobre é visto como incapaz de defender-se sozinho. E essa visão o MP já tem da

sociedade brasileira, como mostram Silva (2001) e Arantes (2002). Quer dizer, não fica

dúvida de que a maioria dos entrevistados vê o pobre como alguém destituído dos recursos

para a luta política.

Os defensores vêem os pobres como pessoas sem voz política, mas se vêem como a

voz dos necessitados, que estão “acomodados por cansaço; cansaço de nunca ter direitos”,

como disse uma defensora. (defensora 4) Ou “angustiados e ansiosos porque os atendimentos

dos órgãos públicos são uma m...!”, como disse outro defensor. (defensor 7) Quer dizer, os

defensores pareceram conseguir transformar essa visão que têm dos pobres, que é a mesma

dos promotores, em um instrumento de defesa dos interesses desses mesmos pobres, que é sua

116 Falando da eleição presidencial de 1989, que elegeu Fernando Collor de Mello, Carvalho afirma que “seguindo velha tradição nacional de esperar que a solução dos problemas venha de figuras messiânicas, as expectativas populares se dirigiram para um dos candidatos à eleição presidencial de 1989 que exibia essa característica”. (2001, p. 203 – grifo nosso) 117 O pensamento social brasileiro discutia intensamente a “apatia política” da sociedade brasileira, tentando inclusive encontrar suas causas. Inúmeros intelectuais brasileiros tentaram explicar a tal “apatia política” dos brasileiros: de Joaquim Nabuco a Oliveira Vianna, entre outros. José Murilo de Carvalho retira de uma frase escrita logo após a proclamação da República por Aristides Lobo, e que expressa bem a visão que a elite tinha (ou tem) dos grupos sociais de menor poder, o título de um de seus mais importantes livros: os bestializados.

Page 129: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

118

principal atribuição profissional. Já os promotores parecem não conseguir transpor essa visão

“negativa” do pobre com sua atividade profissional, embora o discurso de defesa da sociedade

esteja presente. Uma sociedade abstrata118, que serve mais como instrumento de retórica,

característica central da cultura jurídica brasileira, como vimos no capítulo anterior.

É importante considerar, como faz Silva (2001) muito bem, que há áreas jurídicas

distintas de atuação dentro do MP e em espaços geográficos distintos. Neste último aspecto, a

autora faz uma diferenciação entre promotores que atuam na capital e em outras cidades, que

ela chama de “interior”119. (p. 84-100) Dessas distinções vêm as definições típico-ideais

criadas por ela de “promotor de gabinete” e “promotor de fatos”. O primeiro tipo seria mais

burocrático e distante da realidade social e nele se enquadrariam, em geral, os promotores da

capital; o segundo seria mais próximo da sociedade e engajado na tentativa de solucionar os

conflitos sociais da sociedade em que vive. Neste último modelo se enquadrariam, em geral,

os promotores do “interior”. Dados do Diagnóstico do MP mostram que os promotores de

justiça tendem a não participar de ONGs, o que dá a dimensão de um reduzido engajamento

social desses profissionais. Segundo o Ministério da Justiça, 9% dos integrantes dos MPs

afirmaram participar de alguma ONG, enquanto 91% não participam de ONG. (Brasil, 2006,

p. 86) Não temos esses dados para a Defensoria, mas o trabalho dos defensores já é realizado

junto à sociedade carente.

A proposta tipológica de Silva pode servir para pensarmos sobre algumas de nossas

análises, como, por exemplo, o distanciamento dos membros do MP em relação à sociedade e

aos principais problemas sociais brasileiros: provavelmente esse distanciamento que estamos

afirmando se deve ao fato de termos entrevistado “promotores de gabinete”. Pode ser que em

outras cidades do estado do Rio de Janeiro a situação seja outra. Pode ser que lá os

promotores de justiça sejam, ou se mostrem, mais próximos da sociedade que defende. Mas

entre os entrevistados, todos promotores na capital, ficou patente a falta de afinidade com o

social. E isso se torna mais preocupante se pensarmos que entrevistamos a elite do MP-RJ,

promotores que estão em órgãos e cargos de comando da instituição, responsáveis pela

promoção de políticas institucionais de expansão das atividades do MP a partir de

justificativas ideológicas que forjam a identidade (e ao mesmo tempo reforça o poder) da

118 Silva também identificou em sua pesquisa a sociedade brasileira como “categoria abstrata” na fala dos promotores de justiça de São Paulo. (2001, p. 106) 119 Essa distinção entre capital e interior se aplica cada vez menos nos dias de hoje, porque existem municípios do “interior” que são grandes cidades ou cidades médias. Ainda mais no estado de São Paulo.

Page 130: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

119

instituição ante as demais profissões jurídicas e a sociedade como um todo, destinatária final

de suas atividades profissionais.

4.3.5 Rendimentos Profissionais

A quinta pergunta elaborada tinha como objetivo principal saber se o entrevistado

considerava que os salários dos profissionais que lidam diretamente com pobres deveriam ser

maiores do que os que não lidam diretamente com pobres. O objetivo era medir a idéia de

“remuneração justa” associada ao tipo de clientela atendida por determinados profissionais,

aos quais não se fez menção. Quer dizer, quando perguntamos sobre profissionais que lidam

diretamente com pobres, não estamos falando, necessariamente, dos defensores. Existem

outros profissionais que lidam diretamente com pobres, como policiais militares, assistentes

sociais, médicos, dentistas e enfermeiros de instituições públicas etc. Nesta questão, todos os

defensores entrevistados responderam “não”. Entre os promotores, quase todos (8/10) também

responderam que os profissionais que lidam com os pobres não deveriam receber mais do que

os que não lidam diretamente com os pobres. Apenas um não soube responder a pergunta,

preferiu se abster, e o outro respondeu “sim”. Esta pergunta foi elaborada para introduzir o

segundo bloco de perguntas, onde seria perguntado sobre as desigualdades salariais entre

Defensoria e Ministério Público.

4.3.6 Desigualdade de Rendimentos entre Defensoria e MP

O segundo grande bloco da entrevista começa com a sexta pergunta, sobre as razões

da desigualdade de remuneração entre defensores públicos e promotores de justiça na maioria

dos estados brasileiros. Na resposta a esta pergunta as entrevistas começaram a delinear um

contorno de denúncias aos bastidores políticos da atividade profissional, merecendo o MP

uma atenção especial em relação aos meios utilizados para conquistar maior remuneração.

Esta pergunta nos dará condições de fazer uma melhor discussão sobre competições por poder

no campo das profissões jurídicas e como essas disputas se dão.

Entre os entrevistados houve consenso de que a desigualdade de remuneração indica

uma desigualdade de poder. No entanto, nem todos souberam apontar em que se baseia essa

desigualdade de poder entre as duas instituições e nem como se operaria, na prática, a

manutenção da desigualdade econômica impulsionada pela desigualdade de poder.

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120

A maioria dos promotores (7/10) analisou a desigualdade de remuneração por

diferenças funcionais, apegando-se às previsões legais e aos regimentos jurídicos para

fundamentar as diferenças funcionais e justificar a desigualdade de remuneração. Esse tipo de

resposta, que também apareceu em um defensor público, não problematiza a desigualdade de

remunerações entre Defensoria e MP, reproduzindo uma ideologia profissional positivada

(escrita) na Carta Magna. Quer dizer, para os entrevistados, se a lei determina atribuições e

funções profissionais diferentes, as remunerações não poderiam ser iguais. A referência era

sempre feita à Constituição, principalmente por parte dos promotores. Como se estivessem

dizendo que a desigualdade de remuneração decorresse de uma vontade do poder constituinte

originário, a Assembléia Nacional Constituinte, que tratou constitucionalmente as carreiras

analisadas como distintas.

A diferença salarial entre essas instituições decorre do fato de que a relevância das

funções realizadas por cada uma é diferente. A responsabilidade do Ministério Público é bem

maior que a da Defensoria, não tenho dúvidas: o MP defende a sociedade; a Defensoria, o

indivíduo. O MP é um poder de estado; o defensor, o advogado dos pobres. (promotor 1)

Na mesma linha de raciocínio, outro promotor disse que “o MP tem maior relevância

devido às suas vedações e garantias constitucionais, que são as mesmas da magistratura desde

a Constituição de 88”. (promotor 3) Essa justificativa não coloca em pauta a pressão que o

MP fez para aprovação de texto constitucional que o interessava, como vimos no capítulo

anterior. E também não reconhece que uma desigualdade de remuneração não pode ser

justificada simplesmente pela existência de uma norma constitucional, ainda mais numa

sociedade em que a Constituição ainda não se efetivou na prática social, em que estamos

longe da tão sonhada cidadania que inclusive batizou a Constituição de 1988.

Wanderley Guilherme dos Santos (1979) fala em “cidadania regulada” ao analisar o

caso brasileiro; para DaMatta (1997), a cidadania ainda não foi conquistada porque na

sociedade brasileira a idéia de indivíduo ainda perde em poder para a noção de pessoa;

Carvalho (2001) fala em Estadania e da aproximação da noção de cidadania com consumo,

direito de consumir120, como enfraquecedores da construção e consolidação da cidadania no

120 De uma perspectiva marxista, Milton Santos (1987) também mostra como a cidadania vai se tornando um direito ao consumo no Brasil: “em lugar do cidadão formou-se um consumidor, que também aceita ser chamado de usuário”. (p. 13) E para José de Souza Martins (2002), o consumo aparenta ser um instrumento de integração social numa sociedade desigual como a brasileira. Assim, consumir dá ao individuo a aparência de inclusão numa sociedade capitalista que o exclui da possibilidade de realização da vida, já que morar, comer, vestir, em

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121

Brasil; Souza (2003) fala em Subcidadania e em “ralé estrutural” para mostrar que ainda não

conquistamos uma igualdade formal; e, num plano mais histórico, Gomes (2007) fala em

Quase-cidadão, referindo-se, mais especificamente, aos negros na sociedade brasileira pós-

escravista, só para citar alguns cientistas sociais brasileiros que apontam para uma

democratização incompleta da sociedade brasileira, mesmo após tantas conquistas recentes.

Na prática cotidiana dos brasileiros os direitos constitucionais, que seriam os direitos

socialmente pactuados como básicos para uma vida em sociedade, não são observados. A Lei

Maior brasileira não tem a efetividade esperada para a realização da democratização da

sociedade. Portanto, o que estamos dizendo é que a desigualdade que estamos analisando,

entre MP e Defensoria, provavelmente decorre não de leis ou normas jurídicas, mas de

processos político-culturais de construção e manutenção dessas desigualdades, até porque

estes profissionais também fazem parte da sociedade brasileira. O que não impede, é claro,

que o aspecto legal (constitucional inclusive) seja um recurso utilizado ideologicamente para

levar a cabo as dominações no campo das profissões do direito.

Alguns promotores (3/10) foram mais enfáticos em reconhecer que o MP detém um

importante monopólio profissional que, muito provavelmente, na visão dos entrevistados,

condicione e mantenha as desigualdades de poder e remuneração para com a Defensoria: o

monopólio da denúncia penal. Os mesmos promotores também mostraram como se utiliza, na

prática, esse monopólio para realizar barganha política por melhores remunerações e verbas

orçamentárias, inclusive dando exemplos de políticos que foram pressionados a realizar ou

deixar de realizar algo em troca de arquivamento de inquéritos e/ou de não-oferecimento de

denúncias. Alguns depoimentos, por exemplo, reproduziram um boato amplamente divulgado

entre os profissionais do direito do Rio de Janeiro de que a atual sede do MP-RJ, um prédio

bem seguro e confortável no centro burocrático do Rio de Janeiro, teria sido construída em

troca do arquivamento de inquéritos que investigavam supostos crimes cometidos por

políticos do estado.

Arantes, descrevendo as ações das promotorias de justiça, embora sem relacionar essas

ações às remunerações percebidas pelos membros do MP, nos dá, sem querer, exemplos

claros de como funciona, na prática, a demonstração de poder do MP e a imposição de

condições para ajuizamento ou não da ação penal. uma palavra, consumir, é sempre mediado por recursos econômicos. Para ele, a cidadania pela via do consumo é uma impossibilidade à realização da própria cidadania como marco democrático.

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122

Eu tentei [...] sensibilizar as universidades no sentido de “olha, vamos cumprir isso daí”. Mas as universidades respondiam com a defesa de [...] autonomia; [...] discricionariedade administrativa; [...] problemas orçamentários. [...] qual foi a minha estratégia? Entrar com a ação. Entrando com a ação, [...] vieram nos procurar para fazer acordo. Quer dizer, eu tive que criar um fato político – entrar com uma ação dessa é um fato político – para receber da parte contrária aquilo que a sociedade precisa. (2002, p. 143)

Outro promotor declara como o “poder de barganha” do MP é passado aos membros

da instituição:

Entre nós aqui, em seminários, cursos, palestras, sempre está se dizendo ao promotor o seguinte: “olha, vocês têm um instrumento poderoso nas mãos: é o inquérito civil”. Esse instrumento dá o poder de você requisitar informações, dá o poder para o promotor colher depoimentos, requisitar documentos, certidões etc. Use esse instrumento para atingir esse fim e chegue e mostre à administração pública, ao administrador, fale assim: “olhe, o sr. vai querer se submeter a um desgaste?” Porque é aquele negócio, se o promotor entra com uma ação, por exemplo, explorando esse fato, digamos que um determinado município não concede a gratuidade do serviço de transporte coletivo urbano aos idosos, maiores de 65 anos. Isso gera para o administrador público, sem dúvida alguma, uma certa repercussão social negativa: “Olha, aquele administrador público ele não atende um direito dos velhinhos”. Aí transporta esse raciocínio para a questão do ensino, a questão da saúde... (Arantes, 2002, p. 147)

Agora transporta isso para a questão do orçamento do MP? Fica evidente nas falas que o MP

utiliza a imagem e o poder conquistados a partir de 1988 para barganhar resultados imediatos.

Se isso é feito em prol da sociedade, por que não seria feito também em causa própria? A

imagem de instituição poderosa que o MP conquistou com a Constituição de 1988 é utilizada

para reforçar ainda mais o poder dessa instituição. Bourdieu diria que o MP usa seu capital

simbólico para cumular mais capital simbólico.

Para utilizar o mesmo tipo de análise que Elias fez sobre as relações que eram

estabelecidas com o rei na sociedade de Corte, podemos afirmar que a maior ou menor

distância das profissões jurídicas em relação aos centros de poder político representa níveis

respectivamente menores e maiores de poder. Quer dizer, tem mais poder na sociedade e no

campo do direito aquelas profissões que estiverem mais próximas do campo político. E isso

quer dizer, no nosso caso, que o MP tem mais poder que a Defensoria porque tem nas mãos o

poder (monopólio) de fiscalizar (investigar/denunciar) o poder político. Trata-se de um poder

originado na própria atribuição legal (constitucional) do MP. Poder esse que é, ou parece ser

até que se crie outra maneira de realizar o controle social do campo político, indispensável

para o bom funcionamento da democracia.

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123

A partir da abordagem sociológica da luta por poder no campo profissional, como

vimos no capítulo dois, parece muito provável que o monopólio da denúncia penal exerça um

papel preponderante no condicionamento dos altos salários do MP. E que, em sentido

contrário, a falta de um monopólio importante como esse por parte da Defensoria Pública

explique em parte seus rendimentos mais baixos que do MP.

O monopólio de uma área de atuação profissional representa um fechamento do

mercado de trabalho ao grupo detentor do monopólio. Em conseqüência do fechamento de

parte do mercado de atuação profissional ao grupo detentor do monopólio, há um acúmulo de

poder nas mãos deste grupo e uma retirada de poder dos demais grupos profissionais que não

podem operar naquele nicho reservado aos monopolizadores. Toda vez que se instaura um

monopólio de atuação, há um aumento de poder para dentro, por parte daqueles que detém a

exclusividade de atuação, e uma retirada de poder dos que estão fora daquele círculo

monopolista, porque não estão legitimados a atuar num determinado nicho do mercado de

trabalho. Isso demarca territórios, reforçando identidades profissionais e excluindo os

diferentes, os que não têm acesso à área de atuação monopolizada.

No caso do MP, o monopólio da denúncia penal representa, sem dúvida, um

importante instrumento de barganha por melhores remunerações e maiores verbas e é um

símbolo visível de poder no campo das profissões jurídicas, inclusive para estratificação das

inúmeras carreiras jurídicas. Pelo diagnóstico da Defensoria Pública, feito pelo Ministério da

Justiça, o MP estadual ocupa um lugar de destaque na estratificação das profissões jurídicas,

só ficando atrás das magistraturas (Federal e Estadual) e do MP Federal121. (Brasil, 2004, p.

107)

Um aspecto que foi levantado por uma defensora pública para explicar a maior

proximidade da Defensoria com os pobres, e que ela chama de uma Defensoria “mais

humana”, mas que não poderemos analisar nesse trabalho por falta de dados suficientes para

isso, é a da feminização das defensorias públicas. Menkel-Meadow (1987), entre outros

sociólogos, aponta para a questão de saber se a feminização das profissões jurídicas

significará também uma transformação do tipo de atividade profissional realizada pelas

mulheres: será que o aumento do número de mulheres na atividade jurídica promoverá uma

transformação no modo como o direito é praticado, na estrutura de trabalho e no sistema de

121 Quadro completo no Anexo XIII.

Page 135: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

124

justiça? Será que a feminização das profissões jurídicas tornará essas profissões menos rudes,

mais honestas e menos distantes da realidade social? E mais, tendo em vista que o aumento do

número de mulheres nas atividades jurídicas tem significado um certo desprestígio à profissão

ocupada majoritariamente por mulheres no mundo todo, que impacto a feminização das

atividades profissionais do direito terá sobre a remuneração dessas atividades?

No caso da Defensoria Pública brasileira, profissão jurídica largamente ocupada por

mulheres, há um claro desprestígio dessa atividade profissional frente às demais profissões

jurídicas, o que se expressa também pela desigualdade de remuneração. O que precisaríamos

descobrir, com uma pesquisa específica para isso, é se esse desprestígio é anterior ou posterior

à chegada das mulheres na carreira da Defensoria e os motivos dessa feminização. Por ora,

nos parece difícil estabelecer algum nexo causal entre a feminização da Defensoria Pública e

seus baixos status e salários, parecendo-nos mais adequado perseguir a variável do tipo de

clientela atendida pelas instituições em questão, o que aponta para níveis diferenciados de

poder social, hipótese que iremos testar mais adiante.

4.3.7 Isonomia de Rendimentos entre Defensoria e MP

A sétima pergunta incitava o entrevistado a falar, especificamente, se ele acha que

deveria haver isonomia de remuneração entre essas carreiras jurídicas em seus respectivos

níveis hierárquicos. Apenas um defensor público respondeu que não deveria haver isonomia

entre MP e Defensoria, apegando-se à Lei para alegar que as funções são distintas, como

vimos antes. Os demais defensores entendem que há uma equivalência no tipo de trabalho

executado pelos profissionais das duas instituições, o que justificaria uma isonomia de

rendimentos. Alguns defensores chegaram a fazer referência à imagem de um triângulo

eqüilátero em cujos ângulos da base estariam, de um lado, o MP e de outro, a Defensoria,

numa referência à igualdade de posições assumidas por essas instituições. No vértice do

triângulo estaria o magistrado. Interessante que essa imagem do triângulo não era clara para a

Page 136: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

125

maioria dos promotores entrevistados. A figura do triângulo evocada por alguns dos

defensores entrevistados remonta aos livros doutrinários de direito122.

A maioria dos membros do MP-RJ (5/8) se pronunciou contra a isonomia, defendendo

as diferenças funcionais. Alguns chegaram a demonstrar certa preocupação de que qualquer

tentativa de comparação do MP com a Defensoria, não só em termos remuneratórios,

signifique algum desprestígio para o MP.

Essa coisa de isonomia entre MP e Defensoria chega a me aborrecer, porque são

instituições com funções e regimes jurídicos diferentes. Portanto, os rendimentos também não

podem ser iguais. Sinceramente, eu acho até que defensor não deveria ganhar mais que um

delegado de polícia, que tem um grande pepino nas mãos, conduzir o inquérito policial. Além

do mais, a Defensoria deixou de cumprir suas funções quando passou a aceitar a classe média

em sua clientela. A Defensoria não foi feita para defender a classe média. (promotor 5)

Mas os promotores não mediram esforços em se comparar com a Magistratura123. Segundo

um deles, “o MP só pode ser comparado à Magistratura, porque têm as mesmas vedações e

garantias constitucionais”. (promotor 3) Mas se perguntarmos a um magistrado se o MP está

no mesmo nível profissional da magistratura, muito provavelmente ele dará risadas, porque os

juízes se consideram hierarquicamente superiores a todas as profissões jurídicas,

desempenhando a função de dizer o direito (jurisdictio), função precípua do sistema de

justiça124.

Elias afirma, como já dissemos, que para os estabelecidos, que aqui pode ser o MP, o

só contato com os outsiders, a Defensoria Pública, seria motivo para desqualificação dos

estabelecidos. Por isso, os membros dos grupos estabelecidos evitam ser vistos com membros

dos grupos outsiders para não serem estigmatizados dentro de seu próprio grupo. Essa chave

122 Entre os livros de direito que apresentam a idéia do triângulo processual talvez o mais importante e conhecido seja o de Cintra, Grinover e Dinamarco (1999). Os autores afirmam que: “São três os sujeitos principais da relação jurídico-processual, a saber: Estado, demandante e demandado. (...) Correlativamente, as partes figuram na relação processual em situação de sujeição ao juiz. (...) Não há acordo na doutrina quanto à configuração da relação jurídica processual. Em sua formação originária, a teoria desta a apresentava como uma figura triangular, afirmando que há posições jurídicas processuais que interligam autor e Estado, Estado e réu, réu e autor. Outros houve, que lhe deram configuração angular, dizendo que há posições jurídicas processuais ligando autor e Estado e, de outra parte, Estado e réu; esses autores negam que haja contato direto entre autor e réu. Na doutrina brasileira predomina a idéia da figura triangular (...) O importante, isso é pacífico, é que a relação jurídica processual tem uma configuração tríplice (Estado, autor e réu). (1999, p. 284, 285) 123 Silva (2001, p. 24) também aponta essa preocupação entre os promotores entrevistados em sua pesquisa. 124 Em relação ao MP os juízes seriam os estabelecidos.

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126

interpretativa pode ser usada para entender melhor a relação entre promotores e defensores: os

primeiros não se mostraram nem um pouco satisfeitos por serem comparados aos segundos,

nem no plano da relevância da atuação profissional, nem no plano dos rendimentos. Assim

como, provavelmente, os juízes também não deverão se sentir nada confortáveis se souberem

das declarações dos promotores de justiça tentando o tempo todo justificar que o MP está no

mesmo nível hierárquico da magistratura.

4.3.8 Defensoria versus MP

A oitava pergunta da entrevista era para investigar se o entrevistado percebia algum

tipo de animosidade entre defensores e promotores. Aqui o objetivo era conhecer um pouco

mais a relação entre defensores e promotores, tentando compreender se esta relação se dá em

torno de valores competitivos, da competição interprofissional no campo do direito, o que

inclui os aspectos ideológicos das profissões. Esta pergunta foi crucial para a abertura de

novos caminhos investigativos sobre a construção/afirmação de ideologias profissionais. Ao

responder esta pergunta o entrevistado facilmente atacava a outra instituição comparada com

a sua ou a sua própria instituição, falando abertamente, na maioria das vezes sem se dar conta,

de mecanismos de estigmatização do outro, consolidados no interior das próprias instituições

e reproduzidos das mais diferentes maneiras no bojo das lutas por poder entre as carreiras

jurídicas.

Para que não haja dúvidas de que há uma intensa competição entre MP e Defensoria, e

vice-versa, enquanto estávamos fazendo as entrevistas colhemos depoimentos de defensores

acerca de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 125 impetrada pela Associação

Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) com vistas a impugnar a permissão

recebida pela Defensoria Pública para propor Ação Civil Pública (ACP)126, em virtude da lei

11.448, de 15 de janeiro de 2007. Esta lei alterou a chamada lei da Ação Civil Pública, lei

7.347 de 24 de julho de 1985, ampliando o rol das instituições legitimadas à proposição da

ACP. A lei de 1985 dava ao MP, à União, aos Estados e aos Municípios e às fundações,

autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e associações – desde que

cumprissem alguns requisitos específicos – a legitimidade para a propositura da ação. A 125 Trata-se da ADI/3943. A petição inicial da ADIN em questão encontra-se no Anexo IX. 126 A Ação Civil Pública (ACP) é um tipo de ação judicial destinada à resolução/redução de desigualdades de acesso do cidadão brasileiro a bens públicos, como, por exemplo, o meio ambiente. Esse tipo de desigualdade no uso coletivo de bens públicos seria, para o direito, um dano moral ou patrimonial. Os legitimados a propor esse tipo de ação acabam atuando em prol da coletividade.

Page 138: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

127

alteração de 2007 manteve algumas restrições específicas às associações, mas colocou lado a

lado, além dos legitimados originários (MP, União, Estados e Municípios), a Defensoria

Pública. Além disso, retirou as restrições que havia às fundações, autarquias, empresas

públicas e sociedades de economia mista. Portanto, a Defensoria passou a ser considerada

legítima para proposição da ACP, junto com o Ministério Público e outras instituições.

O MP, conforme vimos no início das análises das entrevistas, se arvora ser o grande

defensor da sociedade, de uma sociedade que não sabe se defender sozinha, o que Arantes

(2002) expôs muito bem. Poderíamos imaginar que o MP fosse ficar satisfeito com a

possibilidade da sociedade estar sendo ainda mais protegida e cuidada, agora também pelos

defensores públicos. Mas não, a lei 11.448/2007 foi recebida pela associação profissional

máxima do MP como uma ameaça, uma ameaça ao poder do MP, uma perda de posição no

concorrido espaço de atores sociais legitimados a propor Ação Civil Pública. Estivemos

acompanhando os andamentos da ADI/3943, que foi distribuída para a Min. Cármen Lúcia

Antunes Rocha em 17/08/2007. Em meados de outubro de 2008 a ADIN encontrava-se, desde

07/10/2008, para conclusão da relatora e já havia se avolumado com o ingresso de instituições

como o Instituto Brasileiro de Advocacia Pública (IBAP) em favor da Defensoria e a

Procuradoria Geral da República, em favor do MP. Independente do resultado final da ação,

não há dúvidas da existência de uma luta por espaço de atuação, por poder, entre Ministério

Público e Defensoria Pública.

Voltando às entrevistas, os defensores do Rio de Janeiro parecem sentir menos a

competição com os promotores: quatro defensores afirmaram não haver, ou melhor, não

perceber, nenhum tipo de animosidade entre promotores e defensores. A melhor explicação

para essas respostas parece ser a de que a Defensoria tem tanto trabalho a realizar, tantos

clientes a atender, que os defensores nem tem tempo para reparar as competições

interprofissionais existentes, em particular com o MP. Talvez essa seja a explicação mais

plausível porque a animosidade existe e é perceptível a um observador mais atento. Inclusive,

para fortalecer ainda mais o argumento da existência das lutas interprofissionais, entre os

promotores houve unanimidade em afirmar que “há rixas entre promotores e defensores”. Até

um dos promotores que havia negado a existência de tal animosidade, depois explicou que

estava querendo dizer que a luta não acontece no plano pessoal, mas que “a briga é

institucional e por verbas”. (promotor 5) O que precisaríamos saber, então, era se eles

Page 139: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

128

consideram que essas lutas entre promotores e defensores acontecem de parte a parte ou se

seria uma luta unilateral, e quais os seus fundamentos.

Entre os promotores entrevistados, metade (5/10) afirmou que a animosidade acontece

de parte a parte; outros quatro promotores disseram que defensores têm rixas com promotores

e que “o contrário é menos sentido”. Apenas um promotor, e esse depoimento foi revelador de

alguns aspectos da ideologia profissional produzida pelo MP, afirmou que a animosidade é

mais forte do MP para com a Defensoria. O promotor afirmou que “o defensor público é visto

como inimigo do MP”. (promotor 7) Interessante que outros dois promotores já haviam

mencionado mesmo a frase “o defensor é inimigo do MP”, mas no sentido de que o defensor

odeia o MP e teria esta instituição como sua “inimiga”. Não no sentido de que “o defensor é

inimigo do MP” porque esta instituição o tem como um adversário direto a ser batido.

Essa revelação de um promotor abriu uma janela de novas possibilidades em nossa

pesquisa. Rapidamente pegamos o fio da meada e fomos atrás de indícios de que as

revelações feitas por um único promotor pudessem encontrar eco em outros depoimentos. Já

era a sétima entrevista que estávamos fazendo no MP e durante esse depoimento tão

revelador, começamos a questionar as razões para a imagem de que “o defensor é inimigo do

MP” e de onde viria essa idéia, como ela se construía. O promotor revelou que essa imagem

do defensor era forjada, principalmente, nos encontros com os próprios pares: “isso acontece

muito nos círculos sociais do MP”. (promotor 7) Mas não há dúvidas de que essa atitude

aparentemente casual, decorrente do encontro de profissionais de uma mesma instituição,

tenha reflexos também na prática profissional, em que promotores e defensores estão,

comumente, em lados opostos. Quiçá tenha até implicações psicológicas na vida das pessoas

envolvidas.

O promotor revelou ainda que a estigmatização do defensor público acontece já no

curso oferecido pelo MP aos recém-aprovados no concurso público para a carreira inicial do

Ministério Público. Esse curso costuma durar algumas semanas e serve como rito de

passagem para o neófito do MP, que passa a conhecer a estrutura e funcionamento do MP e,

de certa maneira, parte de sua ideologia profissional. Segundo o promotor, alguns instrutores

do curso fazem piadas sobre a Defensoria e seus membros e usam exemplos tirados da

atuação profissional dos defensores para marcar que um posicionamento antagônico ao deles

é esperado dos novos promotores. O promotor recém-ingresso é chamado a “realizar um

trabalho técnico”, que, segundo os instrutores do MP, seria uma característica bem diferente

Page 140: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

129

do trabalho realizado pelos defensores. Atitudes como essa servem não só para denegrir a

imagem do outro como para aumentar a auto-estima dos membros do grupo, que sob o

discurso da técnica acabam se vendo como melhores ou mais capacitados, e para reforçar as

identidades profissionais.

A reprodução da competição com os defensores apenas se inicia no curso oferecido

aos recém-aprovados. Posteriormente, durante o estágio probatório dos novos promotores, que

dura dezoito meses, ele é avaliado constantemente em sua atividade profissional. Avaliação

que, supostamente, acontece em relação às técnicas de produção das peças processuais, que

são petições, pareceres e outros instrumentos jurídicos elaborados para consecução da

atividade profissional. No entanto, freqüentemente a avaliação extrapola o terreno da técnica e

passa a ser uma avaliação política, sendo o promotor que está em estágio probatório sondado

em seus posicionamentos políticos e constrangido a reproduzir em suas peças processuais o

pensamento institucional, que nada mais é do que uma tentativa, bem sucedida, de padronizar

o pensamento dos promotores de justiça, numa clara afronta ao princípio do promotor natural,

que é uma das principais bandeiras de propaganda do MP. Esse princípio reza que cada

promotor é uma instituição e está limitado em suas ações apenas por sua consciência. Uma

defensora que já fora promotora de justiça foi contundente ao afirmar que “o MP faz um

verdadeiro condicionamento da vida dos promotores, uma verdadeira lavagem cerebral.

Conheço promotores que foram impedidos pelo MP de desfilar no carnaval sob alegação de

não ser a passarela do samba um lugar adequado para um promotor de justiça. Agora veja se

isso não é religioso demais?!”. (defensora 5) Outra defensora afirmou que já teve vontade de

fazer concurso para o MP “pela remuneração”, mas quando descobriu o controle social a que

estava submetido um promotor de justiça, excedendo a atividade prático-profissional, desistiu

porque acha que “não vale a pena ganhar mais e sofrer tanto controle”:

Depois que as pessoas são aprovadas no MP elas mudam de postura. É perceptível. O MP exerce um controle danado sobre seus membros. Não há espaço para pensamentos divergentes dentro do MP; os que divergem, como Dr. [fulano], sofrem as conseqüências disso. MP é uma ditadura, embora haja bons exemplos de pessoas que resistem bravamente. (defensora 9)

Se um promotor em início de carreira tentar, por exemplo, produzir peças processuais

politicamente mais engajadas no reconhecimento de alguns problemas sociais brasileiros e na

tentativa de solucioná-los a partir de sua atividade profissional, provavelmente será exortado

por seu avaliador a mudar o tom de suas petições e lembrado de que uma atuação de tipo

Page 141: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

130

garantista127 é linda no papel, mas que na prática não funciona. Que um bom promotor deve

se ater à boa técnica.

Eu mesmo passei por isso. Meu avaliador deu notas baixas às minhas peças processuais alegando que tinham um tom muito social e que se afastava da boa técnica prezada pelo MP. Disse também que no MP não é lugar para esse tipo de peça processual. Que esse tipo de preocupação social é para a Defensoria. (promotor 7)

E as ideologias profissionais continuam se reproduzindo nas práticas profissionais

cotidianas, extrapolando as competições interprofissionais e passando às competições

intraprofissionais, principalmente, no que diz respeito à tentativa de controlar o pensamento

dos profissionais, dos membros do MP-RJ128.

Seguindo a indicação de um promotor de justiça do Rio de Janeiro, resolvemos

entrevistar um promotor do MP-SP que, segundo o promotor do Rio, havia sofrido intensa

perseguição institucional em São Paulo. O promotor do Rio sugeriu a entrevista com o

promotor paulista porque “em São Paulo é ainda pior”. Telefonamos para o tal promotor do

estado de São Paulo, que confirmou que esse tipo de controle institucional do pensamento e

da ação do promotor em início de carreira pode acontecer ainda porque, segundo ele,

os avaliadores são comumente ligados à Corregedoria. E os corregedores freqüentemente são pessoas mais antigas na instituição e que às vezes ainda carregam um ranço autoritário da época em que o MP fora impulsionado pelo regime militar e que agia também para garantir o próprio regime autoritário. Alguns membros do MP compõem uma ala mais conservadora, porque ainda não tomaram o banho da Constituição de 1988. (promotor 10)

Um exemplo de controle ideológico no MP-SP pode ser retirado do trecho de um

artigo escrito por um membro do Ministério Público daquele estado e que fora citado por

Silva:

Quero referir-me a um corregedor-geral do Ministério Público de São Paulo que, em pleno ano de 1994 [...], relatava [...] a forma pela qual tratava, nas suas correições pelo interior, os jovens promotores de justiça “de nariz empinadinho”, que desperdiçavam seu precioso tempo na defesa do “tico-tico” [meio-ambiente], mais preocupados com a eventual repercussão na mídia do que com as atividades tradicionais da Instituição. (Silva, 2001, p. 113, 114)

127 O termo garantismo vem de uma linha de pensamento crítico do direito penal, desenvolvida e defendido pelo italiano Luigi Ferrajoli. Essa teoria tem, entre outras características, a defesa de uma atuação profissional movida por questões de justiça social e direitos humanos. 128 Analisando o MP-SP, Silva ao descrever o que é ser promotor de justiça afirma que: “nas falas, porém, eles se revelam como uma categoria profissional do campo jurídico, cuja linguagem e cuja postura estão pontuadas por uniformidades” (2001, p. 71)

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131

Outro promotor do Rio de Janeiro confirmou que o MP às vezes tenta mesmo criar um

pensamento homogêneo entre seus membros e que isso é feito de maneira velada, mas

eficiente. Desabafou o promotor:

Eles [o MP] tentam me isolar. Não recomendam o uso de meus livros para estudar para os concursos do MP, não adotam meus posicionamentos doutrinários nos concursos para a carreira de promotor, não me chamam para compor bancas de concursos, para realizar palestras, e por aí vai. (promotor 9)

Afirmou ainda que nos cursos preparatórios para os concursos do MP, que são

ministrados no próprio MP ou na sede da associação do Ministério Público, alguns

professores desaconselham publicamente o uso de seus livros no estudo para concursos: “acho

até honesto dos professores em relação aos alunos, porque não estão enganando os alunos,

estão até evitando que eles percam tempo e dinheiro com um livro meu; mas se pensar do meu

lado...”. (promotor 9)

Esse isolamento institucional que sofre o promotor que tenta levar a cabo um

pensamento divergente sobre temas jurídicos também foi relatado pelo promotor de São

Paulo, que disse que ele mesmo sofreu “esse tipo de isolamento [que] é uma espécie de

censura no interior da própria instituição”, e que isso fora responsável por seu afastamento

dos encontros institucionais, como congressos, palestras etc. O promotor apontou que hoje já

há mudanças para melhor quanto a esse aspecto no MP-SP, mas demonstrou ter sofrido

bastante com o isolamento sofrido dentro da instituição em determinado momento de sua

carreira por defender posicionamentos político-jurídicos distintos da maioria de seus colegas.

Essa tentativa de controlar o pensamento dos membros do MP-RJ é, como vimos em

Bourdieu, um atributo das profissões, que tentam naturalizar o pensamento ao construir, ao

mesmo tempo, um mundo e uma “visão de mundo”. Mary Douglas, no mesmo sentido, afirma

que “as pessoas têm uma forma de consciência da estrutura social. Conciliam os seus actos

com as simetrias e as hierarquias que nela percebem e esforçam-se por impor aos outros

actores a sua visão da estrutura”. (1991, p. 121) Mas talvez possamos melhor entender a

produção de uma cosmologia típica do Ministério Público usando o conceito de autoridade

cultural (Starr, 1991), como visto no primeiro capítulo. Vamos fazer esse tipo de análise mais

à frente.

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132

4.3.9 A Clientela da Defensoria

Na nona e última pergunta chegamos ao clímax da entrevista, indagando se o tipo de

clientela atendida pela defensoria, os pobres, seria um fator condicionante das desigualdades

salariais entre defensores e promotores. Esta pergunta testaria a hipótese da relação

estabelecido/outsider, como vimos antes. Analisando as respostas dadas, podemos afirmar que

a maioria dos entrevistados não corrobora essa hipótese de desvalorização material do

trabalho executado pela Defensoria devido ao tipo de clientela atendido por ela. No entanto,

uma defensora disse que “há um projeto para descredibilizar a Defensoria, a gente vê isso na

novela129”. (defensora 9)

Precisamos considerar ainda que essa maioria de depoimentos, discordando da

hipótese levantada a partir do marco teórico eliasiano da relação estabelecidos/outsiders, pode

significar que a desvalorização salarial da Defensoria não seja percebida ou entendida a partir

desta variável explicativa. Isso porque para Elias os estabelecidos fazem com que os outsiders

se vejam como inferiores, penetras, excluídos. Quer dizer precisaríamos saber, seguindo uma

linha de pensamento eliasiana, se a resposta negativa dada à hipótese de desvalorização

econômica da Defensoria a partir do tipo de clientela atendida por ela não significaria a

própria confirmação da relação estabelecido/outsider. O que estamos querendo dizer é que, de

um lado, se o poder do MP, como grupo estabelecido, é alto, isso significaria, por outro lado,

uma conformação da visão dos defensores a uma negação da hipótese levantada, atendendo a

uma exclusão dos outsiders reforçada por eles mesmos. Esse seria um modo eficaz de

dominação, fazer com que o grupo dominado perceba a dominação como natural.

Para aprofundar mais a investigação e testar melhor esta variável, seria preciso pelo

menos saber se os brasileiros atribuem ao pobre um valor negativo, porque se o pobre for

visto de forma pejorativa pela sociedade, provavelmente esse contato dos defensores com os

pobres poderia ser entendido como desvalorizador de seu trabalho. E essa desvalorização

pode ser medida pela desigualdade de remuneração da Defensoria (o grupo outsider) para

com a do Ministério Público (o grupo estabelecido). Não se está com isso querendo discutir

com as fontes ou descredibilizar o que os dados apontam, mas tão somente seguir uma linha

129 A novela a que se referia a defensora era “Paraíso Tropical”, novela de Gilberto Braga, que no capítulo “A chantagem de Ivan”, exibido no dia 31/08/2007, exibiu um diálogo entre Ivan (Bruno Gagliasso) e Marion Novaes (Vera Holtz) realizado na cadeia onde Ivan se encontrava preso. Na conversa o personagem exigiu que fosse contratado um bom advogado para ele, porque não confiava no trabalho da Defensoria Pública. Esse diálogo gerou uma série de debates no grupo de discussões virtuais dos defensores públicos.

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133

de pensamento eliasiana, tentando interpretar/questionar até as análises óbvias impostas pelos

dados levantados, quais sejam, do descabimento da hipótese de desvalorização material da

Defensoria pelo contato com os pobres.

Para saber se há uma construção social de desvalorização da pobreza na sociedade

brasileira vamos lançar mão das análises feitas por Jessé Souza (2006). Utilizando como

aporte teórico, principalmente, as contribuições de Charles Taylor e Pierre Bourdieu, e, como

aporte analítico, textos importantes de autores como Gilberto Freyre, Florestan Fernandes,

Maria Sylvia de Carvalho Franco e Luiz Werneck Vianna, entre outros, Souza (2006) avança

na discussão de como se produzem e reproduzem as desigualdades brasileiras. Ele parece

querer fugir da interpretação hegemônica da desigualdade brasileira, que transita em torno de

questões econômicas, para apontar a importância de analisar a desigualdade de uma

perspectiva do poder e da moral. (p. 164)

A partir da noção bourdieusiana de habitus, Souza (2006) entende que para analisar a

desigualdade na sociedade brasileira seria preciso pensar num habitus primário, num habitus

precário e num habitus secundário. O habitus primário seria a generalização das pré-condições

sociais, econômicas e políticas para formação do cidadão, graças à chamada “ideologia do

desempenho”. (p. 168, 169) O habitus precário se colocaria abaixo do habitus primário e

representaria a orientação de conduta daqueles que não podem ser considerados úteis numa

sociedade competitiva moderna. O habitus secundário estaria acima do habitus primário e

pressuporia a generalização do habitus primário, uma vez que o habitus secundário institui

critérios classificatórios de distinção social. (p. 167) Em resumo, é como se o habitus primário

representasse o direito à igualdade; o habitus precário, os excluídos do direito à igualdade; e o

habitus secundário, o direito à diferença. E aí se imporia uma questão à sociedade brasileira:

como garantir o direito à diferença numa sociedade que sequer garantiu o direito à igualdade?

Como diferenciar numa sociedade tão desigual?

Usando o exemplo hipotético de atropelamento de um membro da classe baixa por um

membro da classe média, ocorridos na França e no Brasil, ele conclui que a subcidadania

ainda é uma categoria forte nas relações sociais brasileiras, que há cidadãos que são mais

cidadãos que outros. Na França o atropelador seria punido, independentemente da classe

social a que pertencesse, porque já se estabeleceu o direito à igualdade; no Brasil,

provavelmente, o atropelador seria absolvido ou receberia punições brandas.

Page 145: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

134

Existe como que uma rede invisível que une desde o policial que abre o inquérito até o

juiz que decreta a sentença final, passando por advogados, testemunhas, promotores,

jornalistas etc, que por meio de um acordo implícito e jamais verbalizado, terminam por

inocentar o atropelador. [...] O que existe aqui são acordos e consensos sociais mudos e

subliminares, mas, por isso mesmo tanto mais eficazes que articulam, como que por meio de

fios invisíveis, solidariedades e preconceitos profundos e invisíveis. (Souza, 2006, p. 174,

175)

O autor amplia a “ralé” nacional da sociedade brasileira para além dos negros, como

afirmava Fernandes, incluindo os despossuídos em geral, de qualquer cor. E chama de “ralé

estrutural”. Fazendo um jogo com a “dominação pessoal”, de Maria Sylvia de Carvalho

Franco, ele afirma que a “ralé estrutural” da moderna sociedade periférica está sob dominação

impessoal. (Souza, 2006, p. 182)

Embora o texto de Souza usado aqui não faça referência à abordagem eliasiana dos

estabelecidos/outsiders, o autor parece ter chegado, por dedução, a proposições muito

semelhantes às de Elias, que discute como a reprodução das desigualdades sociais se apóia

também em aspectos culturais130. A reprodução das desigualdades, para Elias, não se realiza

apenas pelo viés econômico, apenas por uma reprodução econômica da exclusão. Mas

também por uma reprodução cultural das estruturas sociais desiguais131. E é esse ponto que

nos interessa mais de perto.

A sociedade brasileira, e essa não é uma sociedade abstrata, mas a sociedade que se

apresenta nas inter-relações individuais cotidianas, sabe o lugar de cada um. Há um certo

consenso tácito de que “algumas pessoas e classes estão acima da lei e outras abaixo dela”.

(Souza, 2006, p. 174) E quando alguém não reconhece as desigualdades estabelecidas nas

formas de organização das relações sociais no Brasil, há sempre meios sutis, ou nem tão sutis

assim, de lembrar o outro de que a sociedade não é para todos, de coloca-lo no seu devido

lugar, como as piadinhas infames sobre pobres, negros, mulheres, loiras, gays e outras

minorias; o “você sabe com quem está falando?” (DaMatta, 1997); as frases históricas que são 130 Embora Souza prefira atribuir essa reprodução das desigualdades a fatores de poder e moral, utilizando a teoria de Taylor, preferimos acompanhar a abordagem de Elias e atribuir a reprodução das desigualdades a fatores culturais, lato sensu. O que incluiria a produção de ideologias tornadas habitus, com as quais se operam os enfrentamentos cotidianos, muitas vezes sem consciência de que essas ideologias produzem e reproduzem desigualdades. Seria o caso, por exemplo, das ideologias profissionais. 131 Uma defensora entrevistada disse que “quem lida com pobre, pobre é, meu filho. É só ver a remuneração dos médicos de hospitais públicos”.

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135

repetidas no dia-dia, como “aos amigos tudo, aos inimigos a lei” ou “questão social é questão

de polícia”, por exemplo.

Carvalho (2001) afirma que no Brasil há cidadãos de primeira classe ou “doutores”,

“que estão acima da lei, que sempre conseguem defender seus interesses pelo poder do

dinheiro e do prestígio social.” (p. 215) Para esta categoria, as leis são detalhes. Há os de

segunda classe ou “cidadãos simples”, “que estão sujeitos aos rigores e benefícios da lei”. (p.

216) Para esta categoria as leis são aplicadas de maneira parcial e incerta. E há os cidadãos de

terceira classe ou “elementos”, usando o jargão policial, que “são a grande população

marginal das grandes cidades, trabalhadores urbanos e rurais sem carteira assinada, posseiros,

empregadas domésticas, biscateiros, camelôs, menores abandonados, mendigos”. (p. 216)

Para estes, só existem leis penais.

Podemos afirmar, a partir das análises de Souza (2006), que há sim uma

desvalorização material do trabalho executado por profissionais que lidam diretamente com

pobres, como é o caso dos defensores, uma vez que a sociedade brasileira valoriza

negativamente o pobre, considerando-o “apático”, “violento”, “marginal”, “ralé”, “gentinha”

ou, simplesmente, pobre, num sentido pejorativo132. Provavelmente isso explica também,

junto com outros fatores, os baixos rendimentos de outras categorias profissionais que se

dedicam a atender um público carente de recursos materiais. No entanto, embora a teoria dê

condições de afirmar a desvalorização material das profissões que atuam junto aos pobres no

Brasil, confirmando a relação estabelecido/outsider de Elias, em nossa pesquisa,

especificamente, não conseguimos comprovar essa hipótese. Provavelmente, também por

problemas metodológicos decorrentes do problema de financiamento de nossa pesquisa, como

salientado na introdução. Quer dizer, precisaríamos de outras variáveis além das percepções

dos próprios profissionais sobre a desvalorização de suas atividades ocupacionais. Talvez

devêssemos trabalhar também com as percepções dos intelectuais brasileiros sobre a hipótese

levantada, dos dirigentes de cada uma das profissões escolhidas e da própria sociedade como

um todo, com análises qualitativas a partir de um recorte estatisticamente mais relevante.

132 Os programas humorísticos da TV são sempre bons indicadores de problemas sociais brasileiros. Vale lembrar os impagáveis primo pobre e primo rico, vividos por Brandão Filho e Paulo Gracindo, respectivamente. O primo rico sempre encontrava o primo pobre e o humilhava, reforçando sua condição inferior, em vez de resolver o problema de sua pobreza material, que era o esperado pelo primo pobre. Ou os discursos do deputado Justo Veríssimo, personagem de Chico Anysio, que dizia o tempo todo: “eu odeio pobre; pobre tem que morrer!; eu quero que pobre se exploda!” Ou ainda os diálogos elitistas de Caco Antibes, personagem de Miguel Falabella em Sai de Baixo, que sempre ressaltavam uma certa “pobreza de espírito” das classes baixas brasileiras. Só para falar de alguns exemplos.

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136

Voltando às análises da última pergunta da entrevista realizada com profissionais do

MP e da Defensoria, quatro defensores (4/9) concordaram que o tipo de clientela atendida

pela Defensoria é um fator condicionante da baixa remuneração percebida pelos defensores

no Brasil, se comparado com o MP. Apenas um deles (defensor 2) apontou que isso se explica

pelo fato dos pobres não terem à disposição mecanismos de pressão sobre o governo, ou

melhor, porque “os pobres não representam uma ameaça à destituição do poder político”,

como a denúncia penal, que é monopólio do MP, representa. Quer dizer, pela análise desse

defensor, os governantes não se impressionam com o povo, mas com seus próprios pares, com

outros poderes políticos.

Chegamos, portanto, a dois finais de um mesmo filme: a hipótese da desvalorização

material da Defensoria a partir do tipo de clientela atendida pode ser descabida se levarmos

em conta só os resultados das entrevistas; ou pode ser provável se levarmos em conta outros

fatores, sobretudo, se questionarmos o papel conformador do poder dos estabelecidos sobre os

outsiders. O objetivo não é mesmo chegar a um resultado definitivo quanto a se o pobre

desvaloriza ou não a atividade profissional da Defensoria, mas tão somente realizar reflexões

sobre o cabimento ou não de tal hipótese.

É inegável, como salienta Arantes (2002), que o MP desempenha importante papel

político na sociedade brasileira. Mas precisa ficar claro que a importância e o poder do MP na

arena política é levada, ideologicamente, só para o lado do combate à criminalidade e da

defesa da sociedade, mesmo que esta seja uma abstração para os promotores. Os holofotes do

MP estão focados em sua própria atuação política em prol da sociedade, ficando a atuação

política em prol de seus próprios interesses institucionais na penumbra, como vai fazer

qualquer grupo profissional em competição com outros grupos profissionais. Essa é uma

estratégia de luta profissional. A propaganda política empreendida pelo MP é eficaz em

promover sua imagem de guardiã da lei e da sociedade e em esconder suas lutas (nem sempre

legítimas e nem sempre legais) pela manutenção e ampliação de seus próprios poderes, o que

inclui a questão remuneratória, e pela constituição de uma visão de mundo partilhada dentro

do grupo profissional.

Levando adiante as abordagens de Starr (1991) sobre a medicina nos Estados Unidos –

e ele mostra como os médicos tornaram a vida do cidadão americano muito “medicalizada”,

impondo sua autoridade cultural e social e fazendo com que sua visão de mundo fosse

partilhada por boa parte dessa sociedade – e tentando aplicar o conceito de autoridade cultural

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137

ao MP brasileiro, podemos, por um lado, identificar nesta instituição, a partir do processo de

redemocratização política do país, uma tentativa de judicialização da vida e de colocar-se

como porta-voz autorizado de uma sociedade carente de mudanças e, fundamentalmente, de

enfrentamentos aos poderes constituídos e hegemônicos. Como mostra Carvalho (2006;

1987), temos um histórico de manutenção da ordem social por parte de um estado forte, que

serve para organizar uma sociedade desorganizada. O MP hoje se coloca como a nova

instituição produtora da ordem numa sociedade dinâmica e desigual, afirmando agir por uma

sociedade incapaz de transformar-se – quer dizer, politicamente hipossuficiente – e contra um

estado inerte e garantidor de privilégios a certos grupos da sociedade, como já se tornou

constante nas análises sobre o poder na sociedade brasileira133. Mas essa posição social do MP

foi construída num longo processo histórico de lutas ideológicas, inter e intraprofissional.

Por outro lado, o MP tenta produzir essa imagem de instituição guardiã da lei e da

sociedade com investimentos no controle da produção de uma autoridade profissional (Starr,

1991) que, como afirmamos no primeiro capítulo, passa pela validação da competência do

profissional pela comunidade de seus pares (uniformização dos interesses e capacidades

profissionais dos promotores de justiça); pelo estabelecimento de fundamentos racionais e

científicos da competência profissional (tecnicização da atividade profissional do MP); e por

uma orientação de condutas para valores essenciais (fazer crer, por todos os lados, que a

sociedade precisa ser protegida por esses novos agentes político-jurídicos que são os

promotores de justiça). Há, portanto, uma preocupação para dentro da instituição com a

formação, que é também uma conformação, do promotor de justiça na cosmologia oficial,

dominante, como identificado na fala de alguns dos promotores entrevistados.

Não resta dúvida da importância do MP para hoje, como já afirmamos antes. Mas que

também não haja dúvidas de que como toda instituição que alcança poder, o MP está imerso

em conflitos profissionais intensos. O MP se vê e se mostra como defensor da sociedade e se

arvora defensor da ordem democrática pela via da fiscalização do cumprimento das leis, mas

apresenta a contradição de se apresentar autoritária em seu interior ao tentar padronizar o

pensamento dos promotores de justiça. Talvez a instituição tenha medo de que a diversidade

de pensamento reduza a imagem e o poder alcançados após a Constituição de 1988. A

133 Talvez os dois estudos mais célebres nessa chave de interpretação sejam os de Holanda (1995) e Faoro (1973).

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138

produção e reprodução de um pensamento padronizado no interior do MP só mostram a

persistência do autoritarismo na instituição134.

Arantes ao final de seu livro faz o seguinte diagnóstico sobre o MP: “o Ministério

Público encontrará grandes dificuldades para manter intacta sua independência institucional,

quanto mais politizadas forem suas ações em nome da lei”. (2002, p. 305) A partir do

diagnóstico do cientista político levantamos as seguintes questões: será que a tentativa de

constituir uma visão de mundo partilhada pelos promotores de justiça em torno da “boa

técnica jurídica” não enfraquecerá a instituição?135 Quer dizer, será que em médio e longo

prazo um controle ideológico como esse não tenderá a retirar a própria legitimidade do MP

como interlocutor da consolidação da democracia brasileira e a colocá-lo num papel menor de

apenas defender a lei, mesmo que ela seja injusta?136 Aliás, esse papel o MP já desempenhou

antes, durante a ditadura militar.

Assim, a partir de entrevistas realizadas com promotores de justiça e defensores

públicos do Rio de Janeiro, afirmamos que os defensores conhecem mais que os promotores

os principais problemas sociais brasileiros. E isso porque os defensores atuam mais próximos

daqueles que mais sofrem com os problemas sociais brasileiros e menos tem condições de se

defender invocando seus direitos: os pobres. E essa proximidade dos defensores públicos para

com os pobres se deve, particularmente, ao fato dos pobres serem a sua principal clientela. Já

para os promotores de justiça, a sociedade e seus conflitos aparecem como algo abstrato, algo

que não se materializa senão nas páginas de um processo. Silva afirma que para os

promotores, “a participação e a organização da sociedade são medidas pelo número de ações

134 Adorno, ao prefaciar o livro de Cátia Silva, faz importante ressalva de uma convivência identificada no interior do MP entre discurso democrático e concepções autoritárias sobre a sociedade: “ora, o curioso é que justamente o que se reivindica como princípio de agir democrático é algo que também pode ser identificado nas origens do pensamento autoritário brasileiro. Autores como Oliveira Vianna assim justificam a necessidade de intervenção de um estado forte que organizasse a sociedade contra sua fragmentação interna. Passadas décadas, sabemos em que tais idéias resultaram. Não se trata, por certo, de estabelecer um nexo causal entre fenômenos políticos distintos, distanciados no tempo e no espaço. Sequer de estabelecer uma intimidade ideológica onde elas não existem. O que parece surpreender é essa familiaridade que incomoda”. (2001, p. 19, 20) 135 Já se encontra consolidado nas ciências sociais o reconhecimento da impossibilidade de separação do político com o jurídico – como gostaria o positivismo jurídico a partir do século XIX – o que não é feito senão em termos ideológicos. Habermas talvez seja um dos principais pensadores recentes que propõem reflexão sobre essa impossibilidade de separação. A discussão da relação entre o jurídico e o político criou e sedimentou a sociologia do direito e remonta a Ehrlich (1986), ainda no início do século XX. 136 Basta lembrarmos que “quando a comunidade é atacada de fora, o perigo exterior desencadeia a solidariedade no interior. Quando o perigo vem de dentro, de indivíduos sem fé nem lei, há que puni-los e reafirmar assim a estrutura aos olhos de todos. Mas a estrutura pode destruir-se a si própria”. (Douglas, 1991, p. 165 – grifo nosso) O MP não pode esquecer da última parte da frase, a grifada.

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139

civis públicas propostas”. (2001, p. 107) Os promotores enxergam a sociedade pelas páginas

de um processo judicial, reproduzindo a cultura jurídica formalista dominante no campo do

direito, como vimos no capítulo anterior.

Quanto à desigualdade de rendimentos entre promotores e defensores, ela se coloca no

bojo de uma competição profissional por poder. O principal fator que explicaria tal

desigualdade é que o promotor de justiça detém um importante monopólio de atuação

profissional, a denúncia penal, o que acaba valorizando economicamente também sua

atividade profissional. Quanto à outra hipótese ela não pôde ser confirmada, mas ela poderia

sim ser uma hipótese cabível a partir de um outro instrumento de investigação que pudesse

testá-la melhor.

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140

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tomando por base as transformações ocorridas no direito e, em particular, nas

profissões jurídicas brasileiras após a redemocratização política do país, e a partir da pesquisa

que realizamos, precisamos fazer algumas considerações finais de cunho geral.

Mostramos que as profissões jurídicas brasileiras empreenderam a partir do processo

de redemocratização política do país, que começou com o enfraquecimento do regime militar

em meados da década de 1970, um projeto profissional que reforçou o papel das mesmas

profissões jurídicas para realização da democracia numa sociedade atribulada pelo trauma da

ditadura militar. A construção de um texto constitucional que garantisse a redemocratização

política do país e impedisse o retorno das ditaduras foi feito com intensa participação dos

próprios profissionais do direito e de suas associações profissionais. Entre essas instituições

profissionais do direito, exerceram papel destacado, particularmente, a OAB, a associação dos

magistrados (AMB) e a dos membros do Ministério Público (Conamp). As associações

profissionais e os profissionais do direito utilizaram como argumento principal para tornar

bem sucedido seu projeto profissional o horror social à ditadura militar que precedeu a

redemocratização política do país.

A ditadura militar dava em meados da década de 1970 sinais claros de esgotamento do

modelo político e econômico adotado. O fato das ruas estarem tomadas de manifestações

sociais por redemocratização exemplifica bem essa idéia. O movimento “Diretas Já”, já na

década de 1980, talvez tenha sido o mais importante movimento de luta pela

redemocratização política do país. Argumentamos que os movimentos sociais foram levados

para dentro da Assembléia Nacional Constituinte de 1987, transferindo a luta do campo

político para dentro do campo jurídico. Em meio ao processo de redemocratização política

parecia que o campo jurídico reforçaria o campo político, mas na década de 1990 o direito

emergiu como campo autônomo e reforçado de poder. Se houve uma democratização política

do país a partir do enfraquecimento da ditadura militar e da intensificação da participação

política reivindicando mudanças, o que pode ser um investimento no campo político, houve

ainda mais investimentos no campo jurídico como meio de libertar o próprio campo político

das ameaças autoritárias. No entanto, não se poderia esperar, do ponto de vista dos próprios

atores jurídicos, que o campo jurídico fosse alcançar maior poder social até que o campo

político após a promulgação da Constituição de 1988.

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141

Essa discussão da expansão do direito que acontece concomitantemente a uma

expansão do campo político se faz em meio às discussões de judicialização da política e

politização da justiça. Só não podemos deixar de considerar que as profissões jurídicas

participam ativamente na construção daquilo que se chama de judicialização, elaborando e

executando um projeto profissional de ascensão e poder sociais. No caso brasileiro, a

“Constituição Cidadã” foi escrita com intensa participação dos profissionais do direito, em

meio aos clamores populares por redemocratização e junto com os mais variados movimentos

sociais. A previsão constitucional da importância das profissões jurídicas nos artigos da Lei

Maior expressa como esse projeto profissional dos profissionais do direito foi vitorioso a

partir de 1988.

Mas mesmo que as profissões jurídicas tenham saído com poderes reforçados após

1988, isso não significa dizer que a expansão das profissões jurídicas na década de 1990 tenha

se dado de maneira uniforme e harmônica, segundo um modelo previamente elaborado. Pelo

contrário, algumas profissões jurídicas alcançaram maior poder social que outras. Há

inclusive lutas entre algumas profissões jurídicas que se desenham a partir das características

identitárias e remuneratórias. A luta entre a Defensoria Pública e o Ministério Público no Rio

de Janeiro, foi usada como estudo de caso para discussão de alguns fatores desse embate.

Entre esses fatores tentamos mostrar que o tipo de clientela atendida pela Defensoria Pública

funcionaria como desvalorizador de sua remuneração e de seu poder no campo das profissões

jurídicas. Mas não conseguimos comprovar essa hipótese provavelmente por uma falha no

instrumento metodológico utilizado. Embora a teoria dê condições de afirmar a

desvalorização material das profissões que atuam junto aos pobres no Brasil, confirmando a

relação estabelecido/outsider de Elias, não conseguimos comprovar essa hipótese. Mas essa

mesma teoria permitiu-nos verificar a extensão e os efeitos que essas disputas por autoridade

têm para cada grupo no conjunto das profissões do direito.

MP e Defensoria estão em níveis diferenciados de poder no campo das profissões

jurídicas brasileiras e estabelecem conflitos claros por identidades profissionais e

desigualdades de remuneração no Rio de Janeiro. Pelas entrevistas que fizemos com

profissionais dessas duas instituições verificamos inclusive um investimento claro no

compartilhamento de uma visão de mundo por parte do MP. O fato dos promotores de justiça

terem um discurso afinado sobre determinados problemas sociais brasileiros e sobre a

Defensoria Pública apontou para uma preocupação em fortalecer a imagem do MP, embora

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142

freqüentemente mascarado sob o discurso de realização de uma boa técnica jurídica ou de

uma defesa da sociedade brasileira. Nos depoimentos tomados junto a promotores de justiça e

defensores públicos evidenciou-se a disputa profissional do MP com a Defensoria, e a

preocupação particular do MP em afinar o discurso de seus membros utilizando um bem

sucedido controle institucional das práticas profissionais do promotor de justiça. O monopólio

da denúncia penal é outro fator que também dá ao MP melhores condições de conquistar

maiores remunerações que a Defensoria, como vimos.

O direito e as profissões jurídicas se expandiram no Brasil após a Constituição de

1988, mas as competições profissionais no campo do direito também se intensificaram,

marcando disputas por identidades e estabelecendo novas desigualdades. Essas disputas fazem

parte da consolidação dos agora prestigiados campos de atuação ocupacionais do direito e

estabelecem um aprofundamento das dinâmicas identitárias no interior do campo jurídico

brasileiro, podendo condicionar novos arranjos institucionais, como o desaparecimento de

algumas ocupações ou a criação de novas ocupações. Mas isso só o futuro nos dirá.

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ANEXOS

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ANEXO I

Faculdades de Direito que receberam o Selo de qualidade “OAB Recomenda” em 2007.

Acre Universidade Federal do Acre - Rio Branco

Alagoas Universidade Federal de Alagoas - Maceió

Amapá Nenhum curso recomendado

Amazonas Universidade Federal do Amazonas - Manaus

Bahia Universidade Federal da Bahia - Salvador Universidade Salvador - Salvador

Ceará Universidade Federal do Ceará - Fortaleza

Distrito Federal Centro Universitário de Brasília - Brasília Universidade de Brasília - Brasília

Espírito Santo Faculdades Integradas de Vitória - Vitória Universidade Federal do Espírito Santo - Vitória

Goiás Universidade Católica de Goiás - Goiânia Universidade Federal de Goiás - Goiânia

Maranhão Universidade Federal do Maranhão - São Luís

Mato Grosso Universidade Federal de Mato Grosso - Cuiabá

Mato Grosso do Sul Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - Dourados Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Campo Grande Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Três Lagoas Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - Campo Grande

Minas Gerais Centro Universitário Newton Paiva - Belo Horizonte Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Vianna Júnior - Juiz de Fora Faculdade de Direito Milton Campos - Nova Lima Fundação Universidade Federal de Viçosa - Viçosa Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Belo Horizonte Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Betim Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Poços de Caldas Universidade Estadual de Montes Claros - Montes Claros Universidade Federal de Juiz de Fora - Juiz de Fora Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte Universidade Federal de Ouro Preto - Ouro Preto Universidade Federal de Uberlândia - Uberlândia Universidade Fumec - Belo Horizonte Universidade Presidente Antonio Carlos - Barbacena

Pará Centro Universitário do Estado do Pará - Belém Universidade da Amazônia - Belém Universidade Federal do Pará - Belém Universidade Federal do Pará - Marabá

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Paraíba Centro Universitário de João Pessoa - João Pessoa Universidade Federal da Paraíba - João Pessoa

Paraná Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro - Jacarezinho Faculdades Integradas Curitiba - Curitiba Pontifícia Universidade Católica do Paraná - Curitiba Universidade Estadual de Londrina - Londrina Universidade Estadual de Maringá - Maringá Universidade Federal do Paraná - Curitiba

Pernambuco Universidade Federal de Pernambuco - Recife

Piauí Universidade Federal do Piauí - Teresina

Rio de Janeiro Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro Universidade Cândido Mendes - Rio de Janeiro Universidade Católica de Petrópolis - Petrópolis Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro Universidade Federal Fluminense - Niterói

Rio Grande do Norte Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Natal

Rio Grande do Sul Centro Universitário Ritter dos Reis - Canoas Fundação Universidade Federal do Rio Grande - Rio Grande Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Porto Alegre Universidade de Passo Fundo - Carazinho Universidade de Passo Fundo - Passo Fundo Universidade de Santa Cruz do Sul - Santa Cruz do Sul Universidade Federal de Pelotas - Pelotas Universidade Federal de Santa Maria - Santa Maria Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Porto Alegre Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Erechim Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Frederico Westphalen

Rondônia Fundação Universidade Federal de Rondônia - Cacoal Fundação Universidade Federal de Rondônia - Porto Velho

Roraima Nenhum curso recomendado

Santa Catarina Universidade da Região de Joinville - Joinville Universidade do Extremo Sul Catarinense - Criciúma Universidade do Oeste de Santa Catarina - Joaçaba Universidade do Oeste de Santa Catarina - São Miguel do Oeste Universidade do Planalto Catarinense - Lages Universidade Federal de Santa Catarina - Florianópolis Universidade Regional de Blumenau - Blumenau

São Paulo Centro Universitário Salesiano de São Paulo - Lorena Faculdade de Direito de Franca - Franca Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo - São Bernardo do Campo Faculdade de Direito de Sorocaba - Sorocaba Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente - Presidente Prudente

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Pontifícia Universidade Católica de Campinas - Campinas Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - São Paulo Universidade Católica de Santos - Santos Universidade de São Paulo - São Paulo Universidade Estadual Paulista de Júlio de Mesquita Filho - Franca Universidade Presbiteriana Mackenzie - São Paulo Universidade São Judas Tadeu - São Paulo

Sergipe Universidade Federal de Sergipe - São Cristóvão

Tocantins Nenhum curso recomendado

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ANEXO II

Lista de profissões destinadas aos formados em Direito, segundo a CBO.

1113-05 Ministro do Supremo Tribunal Federal

1113-10 Ministro do Superior Tribunal de Justiça

1113-15 Ministro do Superior Tribunal Militar

1113-20 Ministro do Superior Tribunal do Trabalho - Juiz do tribunal regional do trabalho , Juiz federal de segunda instância

1113-25 Juiz de direito - Desembargadores , Juiz de alçada , Juiz de direito de primeira instância

1113-30 Juiz federal - Juiz do Tribunal Regional Federal

1113-35 Juiz auditor federal - justiça militar

1113-40 Juiz auditor estadual - justiça militar - Juiz dos tribunais militares estaduais

1113-45 Juiz do trabalho

2410-05 Advogado - Advogado generalista , Assistente Jurídico

2410-10 Advogado de empresa - Advogado empresarial

2410-15 Advogado (direito civil) - Advogado (direito de família e sucessões) , Advogado civilista , Advogado comercial , Advogado contratualista

2410-20 Advogado (direito público) - Advogado (direito administrativo) , Advogado constitucionalista , Advogado fiscal (direito fiscal) , Advogado previdenciário , Advogado tributarista

2410-25 Advogado (direito penal) - Advogado criminalista , Criminalista , Penalista

2410-30 Advogado (áreas especiais) - Advogado (abuso do poder econômico) , Advogado (aeroespacial) , Advogado (agente de propriedade industrial) , Advogado (ambientalista) , Advogado (arbitragem) , Advogado (biodireito) , Advogado (concorrência desleal) , Advogado (desportivo) , Advogado (direito internacional) , Advogado (direitos da criança e do adolescente) , Advogado (direitos do consumidor) , Advogado (energia elétrica) , Advogado (propriedade intelectual) , Advogado (recursos hídricos e minerais) , Advogado (telecomunicações) , Advogados (direito eletrônico)

2410-35 Advogado (direito do trabalho) - Advogado trabalhista

2410-40 Consultor jurídico - Assessor jurídico , Consultor , Jurisconsulto , Jurista

2410-45 Advogado da união

2412-05 Procurador autárquico

2412-10 Procurador da fazenda nacional - Procurador distrital , Procurador na Justiça

2412-15 Procurador da fazenda nacional - Procurador distrital , Procurador na Justiça

2412-20 Procurador do estado

2412-25 Procurador do município - Procurador municipal

2412-30 Procurador federal

2412-35 Procurador fundacional - Procurador de fundação

2413-05 Oficial de registro de contratos marítimos - Registrador de contratos marítimos , Tabelião de contratos marítimos

2413-10 Oficial do registro civil de pessoas juridicas - Registrador civil de pessoas jurídicas

2413-15 Oficial do registro civil de pessoas naturais - Registrador civil de pessoas naturais

2413-20 Oficial do registro de distribuições

Page 175: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

2413-25 Oficial do registro de imóveis - Registrador imobiliário

2413-30 Oficial do registro de títulos e documentos - Registrador de títulos e documentos

2413-35 Tabelião de notas - Notário

2413-40 Tabelião de protestos - Tabelião de protesto de letras e títulos

2422-05 Procurador da república

2422-10 Procurador de justiça

2422-15 Procurador de justiça militar

2422-20 Procurador do trabalho

2422-25 Procurador regional da república

2422-30 Procurador regional do trabalho

2422-35 Promotor de justiça

2422-40 Subprocurador de justiça militar

2422-45 Subprocurador-geral da república

2422-50 Subprocurador-geral do trabalho

2423-05 Delegado de polícia - Autoridade policial (delegado) , Delegado distrital de polícia , Delegado regional de polícia

2424-05 Defensor público - Defensor público estadual , Defensor público federal

2424-10 Procurador da assistência judiciária

Page 176: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

ANEXO III

Lista de Algumas Associações (Profissionais e/ou Voluntárias) que compõem o Campo Jurídico Brasileiro

Associação Brasileira da Propriedade Intelectual – ABPI

Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário – ABAMI

Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT

Associação Brasileira de Direito Agrário – ABDA

Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT

Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA

Associação Brasileira dos Advogados Ambientalistas – ABAA

Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial – ABAPI

Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas – ABRAME

Associação Brasileira pelo Direito de Brincar – IPA

Associação dos Advogados do Banco do Brasil – ASABB

Associação dos Advogados Espíritas – ADAE

Associação dos Advogados Evangélicos do Brasil

Associação dos Advogados pela Democracia

Associação dos Defensores Públicos da União

Associação dos Estudantes de Direito Ambiental do Brasil – AEDAB

Associação dos Juristas pela Democracia

Associação dos Magistrados das Justiças Militares Estaduais - AMaJME

Associação dos Magistrados do Brasil – AMB

Associação Juízes para a Democracia - AJD

Associação Nacional de Direito Marítimo e Portuário – ANADIM

Associação Nacional dos Advogados da União – ANAUni

Associação Nacional dos Advogados e Juristas Brasil-Israel - ANAJUB

Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP

Associação Nacional dos Magistrados da justiça do trabalho – ANAMATRA

Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR

Associação Nacional dos Procuradores do Estado – ANAPE

Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais – CEBEPEJ

Centro de Estudos das Sociedades de Advogados – CESA

Confederação Nacional dos Profissionais Liberais - CNPL

Federação Nacional dos Advogados - FeNAdv

Gay Law Association/Brasil

Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC

Instituto Brasileiro de Direito Bancário – IBDB

Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD

Instituto Brasileiro de Direito do Seguro – IBDS

Page 177: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

Instituto Direito e Sociedade – IDES

Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB

Instituto dos Magistrados do Brasil - IMB

Ordem dos Advogados do Brasil - OAB

Rede Nacional Autônoma de Advogados Populares - RENAAP

Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP

Page 178: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

ANEXO IV

Lista de Algumas Associações (Profissionais e/ou Voluntárias) que compõem o Campo Jurídico do Rio de

Janeiro

Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro – ADPERJ

Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região – AMATRA 1

Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro – AMAERJ

Associação dos Oficiais de Justiça Avaliadores do Estado do Rio de Janeiro – AOJARJ

Associação dos Procuradores do Estado do Rio de Janeiro – APERJ

Centro de Articulação de Populações Marginalizadas - CEAP

Comissão do Advogado com Vínculo Empregatício – CAVE

Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio deJaneiro – COOPJUSTIÇA

Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio de Janeiro – OAB/RJ

Sindicato dos Advogados do Rio de Janeiro – SINDADVOGADOS

Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Rio de Janeiro – SINDJUSTIÇA-RJ

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ANEXO V

Lista de Algumas Instâncias de Consagração do Campo Jurídico Brasileiro

Academia Brasileira de Letras

Academia Jurídica de Letras

Conselho Nacional de Justiça

Instituto dos Advogados Brasileiros

Superior Tribunal de Justiça

Supremo Tribunal Federal

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ANEXO VI

Quadro de governadores e vice-governadores dos estados segundo suas formações superiores, julho/2007.

UF Governador Formação Superior

Vice-Governador Formação Superior

AC Binho Marques Historiador César Messias -

AL Teotônio Vilela Filho Economia

Administração

José Wanderley Neto Medicina

AM Carlos Eduardo de Souza Braga Engenharia Omar José Abdel Aziz Engenharia Civil

AP Antônio Ildegardo Gomes de Alencar

Direito Pedro Paulo Dias de Carvalho

Medicina

BA Jaques Wagner Engenharia Edmundo Pereira Santos -

CE Cid Ferreira Gomes Engenharia Civil Francisco José Pinheiro História

DF José Roberto Arruda Engenharia Paulo Octávio Alves Pereira

ES Paulo César Hartung Gomes Economia Ricardo Ferraço -

GO Alcides Rodrigues Filho Medicina Ademir de Oliveira Menezes -

MA Jackson Lago Medicina Luiz Porto Administração

Teologia

MG Aécio Neves da Cunha Economia Antonio Augusto Junho Anastasia

Direito

MS André Puccinelli Medicina Murilo Zauith -

MT Blairo Borges Maggi Agronomia Silval da Cunha Barbosa -

PA Ana Júlia Carepa Arquitetura Odair Santos Corrêa

PB Cássio Cunha Lima Direito José Lacerda Neto Direito

PE Eduardo Henrique Accioly Campos

Economia João Soares Lyra Neto -

PI José Wellington Barroso de Araújo Dias

Economia Wilson Martins Medicina

PR Roberto Requião de Mello e Silva Direito

Jornalismo

Orlando Pessuti Veterinária

RJ Sergio Cabral Filho Jornalismo Luiz Fernando Pezão Economia

Administração

RN Wilma Maria de Faria Letras Iberê Paiva Ferreira de Souza

Direito

RO Ivo Narciso Cassol - João Aparecido Cahulla -

RR Ottomar Pinto Militar José de Anchieta Júnior Engenharia Civil

RS Yeda Rorato Crusius Economia Paulo Afonso Girardi Feijó Administração

SC Luiz Henrique da Silveira Direito Leonel Arcângelo Pavan -

SE Marcelo Déda Chagas Direito Belivaldo Chagas Silva Direito

SP José Serra Economia Alberto Goldman Engenharia

Page 181: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

TO Marcelo Miranda Pecuarista Paulo Sidnei Antunes Arquitetura

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ANEXO VII

Quadro dos prefeitos municipais dos cem maiores municípios brasileiros em número de habitantes

segundo suas formações superiores, julho/2007.

Cidade UF Prefeito Formação Superior

1. São Paulo SP Gilberto Kassab Engenharia Civil; Economia

2. Rio de Janeiro RJ César Maia Economia

3. Salvador BA João Henrique Carneiro Economia

4. Fortaleza CE Luizianne Lins Jornalismo

5. Belo Horizonte MG Fernando Pimentel Economia

6. Curitiba PR Beto Richa Engenharia Civil

7. Manaus AM Serafim Correia Economia

8. Recife PE João Paulo Lima e Silva -

9. Porto Alegre RS José Fogaça Direito

10. Belém PA Duciomar Gomes da Costa Direito

11. Guarulhos SP Elói Pietá Direito

12. Goiânia GO Iris Rezende Direito

13. Campinas SP Hélio de Oliveira Santos Medicina

14. São Luís MA Tadeu Palácio Medicina

15. São Gonçalo RJ Aparecida Panisset -

16. Maceió AL Cícero Almeida -

17. Duque de Caxias RJ Washington Reis de Oliveira -

18. Nova Iguaçu RJ Lindberg Farias -

19. Teresina PI Sílvio Mendes de Oliveira Filho Medicina

20. São Bernardo do Campo SP William Dib Medicina

21. Natal RN Carlos Eduardo Alves Direito

22. Campo Grande MS Nelson Trad Filho Medicina

23. Osasco SP Emídio Pereira de Sousa Direito

24. Santo André SP João Avamileno -

25. João Pessoa PB Ricardo Coutinho Farmácia

26. Jaboatão dos Guararapes PE Nilton Carneiro -

27. Uberlândia MG Odelmo Leão Carneiro -

28. São José dos Campos SP Eduardo Cury Engenharia

29. Contagem MG Marilia Aparecida Campos Psicologia

30. Sorocaba SP Vítor Lippi Medicina

Page 183: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

31. Ribeirão Preto SP Welson Gasparini Direito

32. Cuiabá MT Wilson Pereira dos Santos Direito

33. Feira de Santana BA José Ronaldo de Carvalho Administração

34. Juiz de Fora MG Carlos Alberto Bejani -

35. Aracaju SE Edvaldo Nogueira Medicina

36. Ananindeua PA Hélder Barbalho

37. Joinville SC Marco Tebaldi Engenharia

38. Londrina PR Nedson Luís Micheleti Filosofia; Ciências Sociais

39. Belford Roxo RJ Maria Lúcia Netto dos Santos -

40. Niterói RJ Godofredo Pinto Matemática

41. São João de Meriti RJ Uzias Silva Filho -

42. Aparecida de Goiânia GO José Macedo de Araújo -

43. Campos dos Goitacazes RJ Alexandre Mocaiber Medicina

44. Santos SP João Paulo Papa Engenharia

45. São José do Rio Preto SP Edson Coelho Araújo Direito

46. Mauá SP Leonel Damo -

47. Caxias do Sul RS José Ivo Sartori Filosofia

48. Betim MG Carlaile de Jesus Pedrosa -

49. Florianópolis SC Dário Berger Administração

50. Vila Velha ES Max Mauro de Freitas Filho Direito; Administração

51. Diadema SP José de Filippi Jr. Engenharia

52. Serra ES Audifax Charles Pimentel Barcelos Economia

53. Carapicuíba SP Fuad Chucre Arquitetura

54. Olinda PE Luciana Santos Engenharia Elétrica

55. Porto Velho RO Roberto Sobrinho Psicologia

56. Campina Grande PB Veneziano Vital do Rego Direito; Ciências Sociais

57. Moji das Cruzes SP Junji Abe -

58. Macapá AP João Henrique Rodrigues Pimentel Engenharia Civil; Matemática

59. Piracicaba SP Barjas Negri Economia

60. Cariacica ES Hélder Salomão Filosofia

61. Bauru SP José Gualberto Angerami Psicologia

62. Itaquaquecetuba SP Armando Tavares Filho -

63. Montes Claros MG Athos Avelino Medicina

64. Jundiaí SP Ary Fossen Economia

65. Pelotas RS Adolfo Antônio Fetter Jr. Engenharia Agronômica; Administração

Page 184: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

66. Canoas RS Marcos Antônio Ronchetti Medicina

67. São Vicente SP Tércio Garcia Engenharia Agronômica

68. Franca SP Sidnei Franco da Rocha Direito

69. Maringá PR Sílvio Magalhães Barros Engenharia Civil

70. Ribeirão das Neves MG Walace Ventura Andrade

71. Anápolis GO Pedro Fernando Sahiu Ciências Sociais

72. Vitória ES João Coser Direito

73. Rio Branco AC Raimundo Angelim Economia

74. Caucaia CE Inês Arruda Terapia Ocupacional

75. Petrópolis RJ Rubens José França Bomtempo Medicina

76. Foz do Iguaçu PR Paulo Mac Donald Ghisi Engenharia Civil; Ciências Sociais

77. Guarujá SP Farid Said Madi -

78. Ponta Grossa PR Pedro Wosgrau Filho Engenharia Civil

79. Paulista PE Ives Ribeiro

80. Blumenau SC João Paulo Kleinübing Administração; História

81. Vitória da Conquista BA José Raimundo Fontes História; Pedagogia

82. Governador Valadares MG José Bonifácio Mourão

83. Uberaba MG Anderson Adauto Direito

84. Cascavel PR Lísias de Araújo Tomé Medicina

85. Caruaru PE Tony Gel Direito

86. Suzano SP Marcelo Cândido Geografia

87. Limeira SP Sílvio Félix da Silva Administração

88. Santarém PA Maria do Carmo Martins Lima

89. Taubaté SP Roberto Peixoto Engenharia

90. Gravataí RS Sergio Stasinski -

91. Santa Maria RS Antônio Valdeci Oliveira de Oliveira -

92. Barueri SP Rubens Furlan Direito

93. Viamão RS Alex Sander Alves Boscaini História

94. São José dos Pinhais PR Leopoldo Costa Meyer Engenharia

95. Petrolina PE Odacy Amorim de Sousa Economia

96. Novo Hamburgo RS Jair Foscarini Engenharia Química; Administração

97. Volta Redonda RJ Gothardo Lopes Netto Medicina

98. Várzea Grande MT Murilo Domingos Direito

99. Boa Vista RR Iradilson Sampaio Medicina Veterinária

100. Embu SP Geraldo Leite da Cruz -

Page 185: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

A classificação das cidades segue a ordem decrescente do número de habitantes segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicados no Diário Oficial da União (D.O.U.) em 1° de julho de 2006.

A lista exclui Brasília porque a cidade não tem prefeito, mas governador.

A capital do Tocantins, Palmas, é a única capital de estado que não está entre as cem maiores cidades do Brasil.

Page 186: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

ANEXO VIII

Quadro da formação superior dos prefeitos municipais dos vinte maiores municípios do estado do Rio de

Janeiro por número de habitantes, julho/2007.

Município Formação Superior

1. Rio de Janeiro Economia

2. São Gonçalo -

3. Duque de Caxias -

4. Nova Iguaçu -

5. Belford Roxo -

6. Niterói Matemática

7. São João de Meriti -

8. Campos dos Goytacazes Medicina

9. Petrópolis Medicina

10. Volta Redonda Medicina

11. Magé -

12. Itaboraí -

13. Mesquita Jornalismo

14. Nova Friburgo Medicina

15. Barra Mansa -

16. Cabo Frio Medicina

17. Macaé Educação Física

18. Nilópolis -

19. Teresópolis Medicina

20. Angra dos Reis Engenharia Elétrica

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ANEXO IX

FOLHA PARA REALIZAÇÃO DE ENTREVISTAS COM ASSISTIDOS DA DEFENSORIA PÚBLICA.

1. Você está satisfeito com o trabalho da Defensoria Pública? S/N

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25

26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50

51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75

76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100

2. De 0 a 10, que nota você daria para o seu Defensor? 0/1/2/3/4/5/6/7/8/9/10

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25

26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50

51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75

76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100

3. Pra você, qual o maior problema da Defensoria Pública?

1. ____________________________

2. ____________________________

3. ____________________________

4. ____________________________

5. ____________________________

6. ____________________________

7. ____________________________

8. ____________________________

9. ____________________________

10. ____________________________

11. ____________________________

12. ____________________________

13. ____________________________

14. ____________________________

15. ____________________________

16. ____________________________

17. ____________________________

18. ____________________________

19. ____________________________

20. ____________________________

21. ____________________________

22. ____________________________

23. ____________________________

24. ____________________________

25. ____________________________

26. ____________________________

27. ____________________________

28. ____________________________

29. ____________________________

30. ____________________________

31. ____________________________

32. ____________________________

33. ____________________________

34. ____________________________

35. ____________________________

36. ____________________________

37. ____________________________

38. ____________________________

39. ____________________________

40. ____________________________

41. ____________________________

42. ____________________________

43. ____________________________

44. ____________________________

45. ____________________________

46. ____________________________

47. ____________________________

48. ___________________________

Page 188: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

49. ____________________________

50. ____________________________

51. ____________________________

52. ____________________________

53. ____________________________

54. ____________________________

55. ____________________________

56. ____________________________

57. ____________________________

58. ____________________________

59. ____________________________

60. ____________________________

61. ____________________________

62. ____________________________

63. ____________________________

64. ____________________________

65. ____________________________

66. ____________________________

67. ____________________________

68. ____________________________

69. ____________________________

70. ____________________________

71. ____________________________

72. ____________________________

73. ____________________________

74. ____________________________

75. ____________________________

76. ____________________________

77. ____________________________

78. ____________________________

79. ____________________________

80. ____________________________

81. ____________________________

82. ____________________________

83. ____________________________

84. ____________________________

85. ____________________________

86. ____________________________

87. ____________________________

88. ____________________________

89. ____________________________

90. ____________________________

91. ____________________________

92. ____________________________

93. ____________________________

94. ____________________________

95. ____________________________

96. ____________________________

97. ____________________________

98. ____________________________

99. ____________________________

100. ____________________________

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ANEXO X

ROTEIRO DE ENTREVISTAS:

I. Com membros do MP-RJ (Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro)

Tempo previsto para realização da entrevista: 60min.

Esta entrevista é composta de perguntas que demandarão respostas espontâneas, livres, sem imposição de alternativas ou induções de respostas. Se eu julgar que a pergunta não foi respondida a contento vou ficar à vontade para reformula-la. A entrevista será utilizada em minha tese de doutorado em sociologia, ficando os depoimentos reservados ao anonimato. Seu depoimento será uma fonte para melhor compreensão de alguns aspectos vinculados ao MP. Assim que tiver concluído a tese, posso mandar um e-mail comunicando. Basta escrever um e-mail de contato aqui nesta ficha.

Queria começar indagando sua visão sobre a sociedade brasileira e, em particular, sobre a pobreza e os pobres.

1. Pra você, qual o maior problema da sociedade brasileira?

2. Que palavra ou imagem vem primeiro à sua mente quando eu falo a palavra pobreza?

3. Como você percebe a pobreza no Brasil? Quer dizer, em sua opinião, existe uma grande pobreza no Brasil? E, se existe, quais são as causas dessa pobreza?

4. E sobre os pobres, que características pessoais costumam assumir os pobres brasileiros? Quer dizer, pela sua observação, que traço(s) há em comum no comportamento dos pobres do Brasil?

5. Existem profissionais que lidam especificamente com os pobres. Você acha que esse tipo de profissional deveria ganhar mais que outros profissionais que não lidam diretamente com os pobres?

Agora queria passar a questões sobre a relação do MP com a Defensoria e dos promotores de justiça com os defensores públicos.

6. É sabido que os defensores públicos ganham menos que os promotores de justiça na maioria dos estados brasileiros. A que você atribui essa desigualdade salarial entre defensores e promotores?

7. Mas você acha que deveria haver isonomia de rendimentos entre defensores e membros dos MPs estaduais nos respectivos níveis de carreira? Por que?

8. Você percebe algum tipo de animosidade na relação entre defensores e promotores?

9. Em sua opinião, as características da clientela da Defensoria Pública condicionam os salários dos defensores? (Se o entrevistado não entender a pergunta: Em que medida os defensores públicos podem estar ganhando menos porque seus clientes são economicamente hipossuficientes?)

Complemento para entrevista com membro do MPF que já foi Defensor

Tempo previsto para realização da entrevista: 10min.

10. Você hoje é promotor, mas já foi defensor. Agora que você está do lado de cá, quais os maiores problemas que você vê do lado de lá?

11. Qual a diferença das condições de trabalho entre Defensoria e MP?

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II. Com Defensores Públicos da DPGE-RJ (Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro)

Tempo previsto para realização da entrevista: 60min.

Esta entrevista é composta de perguntas que demandarão respostas espontâneas, livres, sem imposição de alternativas ou induções de respostas. Se eu julgar que a pergunta não foi respondida a contento vou ficar à vontade para reformula-la. A entrevista será utilizada em minha tese de doutorado em sociologia, ficando os depoimentos reservados ao anonimato. Seu depoimento será uma fonte para melhor compreensão de alguns aspectos vinculados à Defensoria. Assim que tiver concluído a tese, posso mandar um e-mail comunicando. Basta escrever um e-mail de contato aqui nesta ficha.

Queria começar indagando sua visão sobre a sociedade brasileira e, em particular, sobre a pobreza e os pobres.

1. Pra você, qual o maior problema da sociedade brasileira?

2. Que palavra ou imagem vem primeiro à sua mente quando eu falo a palavra pobreza?

3. Como você percebe a pobreza no Brasil? Quer dizer, em sua opinião, existe uma grande pobreza no Brasil? E, se existe, quais são as causas dessa pobreza?

4. E sobre os pobres, que características pessoais costumam assumir os pobres brasileiros? Quer dizer, pela sua observação, que traço(s) há em comum no comportamento dos pobres do Brasil?

5. Você acha que profissionais que lidam especificamente com os pobres deveriam ganhar mais que outros profissionais que não lidam diretamente com os pobres?

Agora queria passar a questões sobre a relação do MP com a Defensoria e dos promotores de justiça com os defensores públicos.

6. É sabido que os defensores públicos ganham menos que os promotores de justiça na maioria dos estados brasileiros. A que você atribui essa desigualdade salarial entre defensores e promotores?

7. Mas você acha que deveria haver isonomia de rendimentos entre defensores e membros dos MPs estaduais nos respectivos níveis de carreira? Por que?

8. Você percebe algum tipo de animosidade na relação entre defensores e promotores?

9. Em sua opinião, as características da clientela da Defensoria Pública condicionam os salários dos defensores? (Se o entrevistado não entender a pergunta: Em que medida os defensores públicos podem estar ganhando menos porque seus clientes são economicamente hipossuficientes?)

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ANEXO XI

Quadros resumidos de respostas das entrevistas feitas com promotores de justiça e defensores públicos do

Rio de Janeiro.

Quadro resumido de respostas das entrevistas feitas com promotores de justiça do Rio de Janeiro (1ª

parte)

Questão 1 Questão 2 Questão 3 Questão 4 Questão 5

1. Falta de Educação.

Criança. Sim.

Fatores Históricos.

- Não.

2. Analfabetismo.

Falta de Educação.

Maioria do Povo. Sim.

Fatores Históricos.

Irresponsabilidade social.

Falta de vontade política de todos.

- Não.

3. Falta de Educação.

Desconhecimento de direitos.

Embora esses aspectos tenham melhorado depois da Constituição de 1988.

Desigualdade. Sim.

Falta de Educação.

Falta de Emprego.

Passividade.

Aceitação da realidade.

Pela própria falta de educação.

Não.

4. Falta de Educação.

Favelas. Não há grande pobreza.

Há grande desigualdade social.

Fica esperando a tutela do Estado.

Não.

5. Falta de autoridade.

Falta de cumprimento da lei.

Falta o exercício do Império da Lei (Estado Democrático de Direito).

Fome. Sim.

Corrupção nos órgãos públicos.

A pobreza interessa a alguns setores políticos.

Má distribuição de renda.

Apatia, pela própria falta de educação.

Fica esperando a tutela do Estado.

A pobreza (carência) reduz o nível moral da pessoa.

Não.

A remuneração deve decorrer das funções exercidas.

6. Excesso de conservadorismo das elites políticas.

Injustiça. Sim.

Má distribuição de renda.

Submissão. Não.

7. Falta de capacidade administrativa.

Favela. Sim.

Grande parte da população vive na pobreza.

Causas:

Individual→As elites

Tende a ser violento. Não.

Remuneração deve decorrer das funções.

Page 192: (12) DIREITO E PROFISSÕES JURÍDICAS NO BRASIL APÓS 1988.pdf

não vivem com pobres.

Estado→Falta de investimento estatal para redução da pobreza.

8. Injustiça social. Desprovimento das condições básicas de existência.

Sim.

Causas econômicas.

Concentração de renda.

Falta de educação.

Pouca instrução.

Sim.

9. Falta de educação.

Falta de investimentos em educação.

O que gera uma falta de consciência política do povo.

Igreja Católica.

Maior interessada na manutenção da pobreza.

A Igreja alcança a riqueza pela exploração da pobreza.

Por exemplo, não apóia os métodos contraceptivos porque quer a proliferação da pobreza.

A pobreza gera a riqueza da Igreja.

Sim.

Má-distribuição da renda.

Desconhecimento de (falta de acesso a) bens culturais e materiais.

Talvez porque falte educação.

Esse desconhecimento gera uma sociedade acéfala, sem expressão intelectual.

Não.

Isso criaria distorções na sociedade.

Deveriam ganhar o suficiente para exercer sua atividade profissional com pobres.

10. Corrupção é o grande problema a ser enfrentado.

Não só a corrupção em termos econômicos, mas principalmente, a corrupção moral.

Esta corrupção gera uma série de distorções.

Sertão nordestino. Sim.

O mesmo tipo de corrupção de que falei antes, a corrupção moral, que gera desigualdades sociais e a pobreza.

Falta de participação nas coisas públicas, o que reflete um baixo nível de integração cultural.

Em termos de condições de trabalho, sim. Em termos salariais, não sei.

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Quadro resumido de respostas das entrevistas feitas com promotores de justiça do Rio de Janeiro (2ª

parte)

Questão 6 Questão 7 Questão 8 Questão 9 Formação/Trajetória profissional

Observações

1 Relevância das Funções.

Responsabilidade do MP é maior que a da Defensoria.

MP→Sociedade.

Defensoria→Indivíduo.

MP→Poder de Estado.

Defensor→Advogado do Pobre.

Não. Individualmente, não.

Institucionalmente, sim.

O Defensor é inimigo do MP. O contrário é menos sentido.

Não.

As pessoas atendidas são as mesmas.

Candido Mendes.

Não foi Defensor.

Aprox. 35 anos.

Masculino.

2 MP tem maior parcela de poder.

Só o MP acusa, função privativa.

Papel da Defensoria também é feito pelos advogados.

Sim.

O concurso é tão difícil quanto o do MP.

Sim.

De parte a parte.

Não.

Mas por atender pobres a Defensoria tem menor poder de barganha.

Puc-Rio.

Não foi Defensor.

Mestrado em Direito.

Aprox. 32 anos.

Masculino.

3 MP→Maior relevância. Previsão Constitucional.

Defensor→Advogado do Pobre.

Tempo de existência das instituições: MP é mais antigo que Defensoria.

Não se pode comparar MP a Defensoria.

Comparação: MP x Magistratura. → Mesmas vedações e garantias constitucionais.

Sim.

Dentro das possibilidades orçamentárias.

Regimes jurídicos similares, remunerações similares.

Sim.

Defensores têm rixa com promotores. O contrário é menos sentido.

Não.

MP também atende pobres.

UERJ.

Não foi Defensor.

Antes do MP: bancário e empresário.

Aprox. 50 anos.

Masculino.

4 Maior força política do MP.

Diferenças funcionais: MP→Instituição; Defensoria→Advocacia.

Função do MP é mais relevante.

Não.

Não deve haver vinculação de rendimentos da Defensoria com o MP.

Funções diferentes.

Sim.

Defensores têm rixa com promotores.

Sim.

Não se investe em direitos para pobres.

UERJ.

Não foi Defensor.

Aprox. 35 anos.

Masculino.

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Regimes jurídicos distintos.

5 Estado precisa eleger suas prioridades.

Defensoria ganha pelo que representa.

MP ganha mais que Defensoria porque é uma das prioridades do Estado.

Defensoria não é, nem deveria ser, prioridade do Estado.

Defensor não deveria ganhar mais que delegado de polícia.

MP ganha bem porque precisa de uma garantia (proteção) contra o Estado.

Crítica contundente à presença das classes médias na Defensoria, emperrando o sistema de justiça e descaracterizando a função da Defensoria.

Não.

Cada carreira deve lutar por seus poderes.

Funções diferentes determinam salários distintos.

Não.

A briga é institucional e por verbas.

Não.

MP também lida com pobres.

MP defende a sociedade.

MP defende a lei.

UFRJ.

Não foi Defensor.

Aprox. 45 anos.

Masculino.

6 Defensoria não tem grandes instrumentos de manobra para negociação salarial.

Não.

Pode até ganhar mais.

Não deve haver vinculação entre estas instituições.

Sim.

De lado a lado.

Mas é uma minoria.

Não.

Não há vinculação ao fato de serem pobres.

MP também atende pobres.

Fator principal é o poder de barganha.

Candido Mendes.

Não foi Defensor.

Mestrado em Direito.

Aprox. 45 anos.

Masculino.

7 Maior estrutura do MP.

Maior poder do MP sobre a Administração Política.

MP é mais antigo que a Defensoria.

Não precisava ser equiparado ao MP, mas deveria haver maior isonomia, por respeito às funções.

Sim.

Muitos promotores vêem o MP como acusador e o Direito Penal como solução dos problemas sociais.

MP deve ter uma função mais de equilíbrio, não

Não.

A massa de pobres poderia até ser usada como instrumento de barganha política por melhores

UERJ.

Não foi Defensor.

Mestrado em Direito.

Aprox. 27 anos.

Masculino.

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precisa ser, necessariamente, sempre acusador.

Defensor é visto como inimigo.

Isso acontece mais na esfera social, nos encontros com os próprios pares.

Nas palestras iniciais do recém aprovado para a carreira de promotor de justiça, há uma certa desqualificação da figura do defensor público, que sempre é tomado como exemplo.

O ingressante na carreira precisa assimilar a maneira de pensar do MP.

As peças processuais não podem ter um cunho muito social porque não se coaduna com o perfil esperado de um promotor, que deve se ater mais à técnica.

O entrevistado relatou um controle do pensamento profissional no MP, que passa pelos cursos introdutórios à carreira, pela avaliação do estágio probatório e pelas escolhas institucionais para ocupação de determinadas vagas e oportunidades.

O entrevistado afirmou que o MP não incentiva a qualificação dos promotores de

salários.

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justiça.

8 Fatores Históricos.

MP é mais antigo que a Defensoria.

Falta de interesse político.

Sim.

MP e Defensoria desempenham funções diretamente relacionadas com a Justiça Estadual.

Sim.

Há uma rixa pessoal, e não institucional.

De lado a lado.

Não.

Sim.

Entrevistado demonstrou não saber responder esta pergunta.

UERJ.

Foi Defensor antes, por 3 anos.

Está no MPF desde 1993.

Tem doutorado em Direito Penal pela USP.

Aprox. 40 anos.

Masculino.

Segundo entrevistado, as maiores diferenças entre o MP e a Defensoria estão na maior carga de trabalho da Defensoria e nas condições de trabalho (falta de espaços adequados para trabalhar, de material etc.).

Entrevistado afirmou que MP tem mesmo uma carga ideológica maior que a Defensoria. Disse ainda que em SP essa carga ideológica é ainda maior. Chegou a falar em militarização do MP de SP, chamando atenção para as características militares (hierárquicas e disciplinadoras) do MP de SP.

9 Defensores não têm poder de barganha porque lidam com camadas pobres da sociedade, que não têm representatividade política.

Pobre não dá voto.

Judiciário e MP têm poder de barganha junto aos poderes políticos.

Sim.

Porque são carreiras que estão no mesmo nível administrativo.

Sim.

Rixa pessoal e não institucional.

Essa rixa é fruto da imaturidade dos profissionais.

De ambos os lados.

A Defensoria quer alcançar a isonomia salarial com o MP. Por sua vez, o MP não quer ganhar o mesmo que a Defensoria e fica no rastro da magistratura.

Não.

Porque não tem poder de barganha frente o Estado.

Foi porteiro, vendedor e policial civil antes de fazer parte do MP.

Tem mestrado e doutorado em direito.

Aprox. 50 anos.

Masculino.

O entrevistado se vê como um pensamento divergente dentro do MP.

Principalmente porque defende um Direito que trate ricos e pobres de maneira igual.

Entrevistado afirmou que é provável que aconteça algum

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tipo de imposição ideológica aos recém-ingressos no MP, numa tentativa de produzir um pensamento único.

Entrevistado reconhece que ele mesmo sofre represálias na instituição por seu pensamento divergente e, por isso, não descarta a possibilidade de acontecer o mesmo com outros promotores, principalmente com recém aprovados, que são mais inseguros, porque são novatos e não querem perder o concurso etc.

Eles tentam me isolar.

Entrevistado explicou como a instituição promove retaliação ao seu trabalho acadêmico e profissional: Não usam nem indicam meus livros para as provas de concurso do MP, não me chamam para bancas de concursos, palestras etc.

Nos cursos preparatórios para concursos que são dados dentro do MP (Femperj e Amperj) é publicamente desaconselhado o uso do livro do

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Entrevistado.

Segundo entrevistado, a contradição é que embora a instituição tente isola-lo, outras instituições do país, como os Ministérios Públicos de outros estados e até as magistraturas estaduais vêm adotando seus posicionamentos nos concursos públicos.

Entrevistado encontra aí, sua realização e incentivo para continuar pensando diferente.

Entrevistado encontra apoio na Academia e em outras instituições político-jurídicas.

Promotores não estudam. Instituição não incentiva os estudos de qualificação e às vezes, como foi o caso do próprio entrevistado, tenta não autorizar o desligamento para estudos.

Segundo entrevistado há um problema no recrutamento dos promotores: o sujeito vem para o MP de um segmento social que já está ‘preparado’ para defender-se dos outros, que vê a sociedade como

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uma ameaça, porque ele mesmo não se sente parte da sociedade.

10 Há uma preponderância da máquina repressiva, que adota uma concepção inquisitória no processo penal, por exemplo, na sociedade brasileira.

Em contrapartida, a defesa (Defensoria Pública) é historicamente vista como incômodo, estorvo, porque atrapalha o processo.

A Defensoria é vista como um entrave ao sistema de justiça porque não se apega à boa defesa, a uma defesa mais técnica.

Entrevistado quis dizer que como o defensor tem de defender seu cliente de qualquer maneira, precisa abrir mão daquilo que é legalmente certo e se agarrar a argumentos que muitas vezes se contrapõem à lei.

Essa visão da Defensoria acaba desmoralizando a instituição e desmobilizando a participação em concursos para defensor.

Sim.

Porque deve haver direitos iguais às partes por serviço de qualidade.

Uma Defensoria bem estruturada até legitima o trabalho do MP, melhora o trabalho do promotor.

Sim.

É notório.

De lado a lado.

A animosidade às vezes até extrapola o âmbito profissional.

A defesa é vista como um estorvo pelo MP.

Não.

Inclusive o MP construiu sua trajetória institucional como instituição de defesa dos hipo-suficientes.

USP.

No MP desde 1989.

Tem mestrado e doutorado em Direito na USP.

Aprox. 50 anos.

Masculino.

Entrevistado reconhece que tem uma posição divergente dentro do MP, o que gera conseqüências.

Já sofreu isolamento institucional, não sendo convidado para eventos etc.

Essa tentativa de isola-lo dentro da instituição acabou o afastando dos encontros institucionais.

Mas afirmou que hoje isso acontece menos.

O isolamento, a perseguição, não é uma política institucional.

Acha que essa mudança no MP se deve ao fato de grande número de promotores se dedicarem às pós-graduações, se qualificarem.

Entrevistado afirmou que MP-SP incentiva a qualificação profissional.

Magistratura de SP não incentiva os estudos.

Afirmou que embora as coisas estejam mudando,

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melhorando, ainda há setores extremamente conservadores dentro do MP.

É possível que ainda haja algum tipo de tentativa de controle do pensamento, principalmente em relação aos recém-aprovados para o MP.

Isso porque o estágio probatório fica a cargo da corregedoria, onde estão pessoas mais antigas do MP, que às vezes não tomaram o banho da Constituição de 1988.

Mas falar em militarização do MP é exagero, porque os setores conservadores não chegam a contaminar a instituição.

Para entrevistado, Defensoria do Rio é historicamente mais sólida que o MP-SP. Têm raízes mais firmes de engajamento político-social.

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Quadro resumido de respostas das entrevistas feitas com defensores públicos do Rio de Janeiro (1ª parte)

Questão 1 Questão 2 Questão 3 Questão 4 Questão 5

1. Violência. Desemprego. Não.

Má-distribuição de renda.

Injustiça.

Indignação sobre o funcionamento da Justiça.

Falta de compreensão sobre o funcionamento da Justiça.

Perplexidade.

Crítica ao serviço prestado pela Defensoria.

Não.

2. Os políticos. Favela.

Falta de moradia.

Sim.

Falta de educação.

Submissão.

Falta de consciência.

Não.

As diferenças salariais devem decorrer das funções.

3. Falta de educação.

Maioria. Sim.

Má-distribuição de renda.

Falta de vontade política.

Acomodação. Não.

4. Falta de educação.

Fatores históricos.

Indignidade. Não.

O Brasil é um país rico.

Uma parte da população é pobre.

Há uma falta de condições de superação da pobreza: falta de educação, preconceito, desemprego...

Dependência.

Perplexidade.

Acomodação por cansaço.

Cansaço de nunca ter direitos.

Não.

5. Desigualdade social.

Desigualdade de oportunidades.

Periferia.

Crianças de rua.

Massa de pessoas buscando trabalho.

Sim.

Má-distribuição de renda.

Resignação.

Aceitação da realidade com naturalidade.

Não.

6. Desigualdade social.

Massa de pessoas. Sim.

Vários fatores: corrupção, falta de educação, falta de investimentos na abertura de novas vagas de trabalho.

Comodismo.

Apatia.

Conformismo.

Não.

7. Desigualdades em todos os aspectos.

Desprovimento. Sim.

Pelo tipo de capitalismo praticado no mundo.

Desinformação.

Angústia.

Ansiedade.

Os atendimentos dos órgãos públicos são uma merda!

Não.

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8. Perda de Princípios, Valores.

Miséria assistida diariamente.

Sim.

Falta de educação.

Falta de oportunidades.

Desemprego.

Conformidade. Não.

9. Desigualdade social.

Miséria. Sim.

Existe pobreza até na riqueza.

Desigualdade social.

Falta de empenho dos políticos.

Tímidos na luta por direitos.

Não.

Porque senão estimula a desigualdade.

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Quadro resumido de respostas das entrevistas feitas com defensores públicos do Rio de Janeiro (2ª parte)

Questão 6 Questão 7 Questão 8 Questão 9 Formação/Trajetória profissional

Observações

1 Diferentes funções das instituições.

MP e Magistratura têm funções privativas.

Defensoria não tem função exclusiva.

Sim.

Porque a Defensoria representa um papel importante no sistema de justiça.

Não. Não. UERJ.

Defensora desde 2003.

Aprox. 30 anos.

Feminino.

2 Defensoria lida com pobres e, por isso, tem menor poder de pressão junto ao governo.

Sim.

Porque desempenham funções paralelas.

Sim.

Mais em encontros sociais com os próprios pares.

Sim.

Porque os pobres não têm mecanismos de pressão sobre o governo.

Santa Úrsula.

Defensora desde 1994.

Aprox. 40 anos.

Feminino.

3 MP tem a exclusividade na proposição da ação penal.

MP ameaça denunciar crimes cometidos pelo governo em troca de aumento de salários.

A exclusividade da denúncia é o principal fator.

Sim.

Porque são trabalhos que se equivalem.

Não há hierarquia entre MP e Defensoria.

Não. Não. UFF.

Defensora desde 1993.

Aprox. 40 anos.

Feminino.

Presidente do TJ não queria pobres no Fórum. Por isso, tirou a Defensoria de lá e instalou catracas eletrônicas.

Defensoria Criminal é obrigado a defender qualquer um, não só pobres. Ver parecer da Drª Enedir Adalberto dos Santos.

4 Preconceito em relação ao trabalho da Defensoria.

Para manter as populações carentes nas mesmas condições.

Sim.

Ambos são advogados.

Sim.

De parte a parte.

Lei 11.448, de 15 de janeiro de 2007, legitimou a Defensoria Pública para proposição de ação Civil Pública.

MP questionou

Sim.

Quem lida com pobre, pobre é.

Ver a remuneração dos médicos de hospitais públicos.

Candido Mendes.

Defensora desde 1992.

Antes foi funcionária do TJ.

Aprox. 50 anos.

Feminino.

Vários assistidos da Defensoria não querem ficar esperando no meio dos outros assistidos

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constitucionalidade da Lei. A

exclusividade da proposição da denúncia penal é poder de barganha política.

porque se sentem mal, sendo classe média, em ficar junto com os pobres.

Feminização da Defensoria torna-a uma instituição mais humana.

5 MP é uma instituição fundamental para preservação dos interesses do Estado e do sistema capitalista.

Defensoria existe para atender o povo.

Sim.

Porque tem os mesmos requisitos para ingresso na carreira.

MP atende o Poder.

Defensoria atende o povo.

MP garante o funcionamento do sistema.

Não. Sim.

Como todo serviço para o povo, é desvalorizado.

Exemplo: Médicos da rede pública.

Candido Mendes.

Defensora desde 1988.

Foi do MP-MG antes.

Mestrado em Direito.

Militante política.

Tem importante ascensão política sobre os defensores.

Aprox. 40 anos.

Feminino.

A técnica do MP não é maior que a da defensoria.

Acha que os defensores são mais preparados tecnicamente que os promotores, porque os promotores abandonam os estudos, a pesquisa, depois de aprovados no MP. Por isso, defensores estão intelectualmente à frente dos promotores. Há uma pobreza intelectual no MP. Defensores se dedicam mais aos estudos que promotores. MP não investe em cultura. É só medir por consumo de livros.

MP faz um verdadeiro condicionament

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o da vida dos promotores, lavagem cerebral.

6 Defensoria é mais recente.

Poder de troca maior do MP com o governo.

MP tem o poder de processar políticos e usa isso como instrumento de barganha.

Sim.

Porque há uma igualdade na relevância das funções e igualdade nos trabalhos executados.

Sim.

Só socialmente, em encontros sociais com os próprios pares.

MP tem rixa com todos.

Não. Candido Mendes.

Defensora desde 1994.

Aprox. 30 anos.

Feminino.

7 MP→instrumento repressor usado pelo poder das classes dominantes.

Defensoria→para defender os pobres.

MP é mais antigo.

MP teve uma grande atuação política nos bastidores da Assembléia Constituinte que promulgou a Constituição de 1988.

Sim.

E isonomia também de condições de trabalho.

Não. Não. Candido Mendes.

Defensor desde 1994.

Aprox. 40 anos.

Masculino.

8 Poder político do MP.

MP tem monopólio da ação penal.

Defensoria deveria ganhar mais que MP, porque o volume de trabalho é maior.

Não.

Porque as funções são distintas.

Sim.

Da parte dos promotores para com os defensores.

Não. UFF.

Defensora desde 1994.

Aprox. 40 anos.

Feminino.

9 Porque o pobre é sempre visto com maus olhos.

Pobre não dá voto.

Defensoria não arquiva inquérito (referência ao

Sim.

Há uma equivalência de trabalho.

Imagem do triângulo jurídico: MP e Defensoria

Sim.

Do MP para com a Defensoria.

As conquistas da Defensoria são perseguidas pelo MP. Ver ADIN do direito à Ação

Sim.

Embora não devesse acontecer.

UFRJ.

Defensora desde 1998.

Mestrado em Direito.

Aprox. 30 anos.

Feminino.

MP é extremamente elitizado, distante da realidade social.

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MP) nem vende sentença (referência à magistratura).

O poder de barganha do MP é maior que o da Defensoria.

Os políticos com problemas na justiça acabam barganhando com o MP o arquivamento de processos pelo aumento de remuneração.

Diz-se que Marco Aurélio Allencar, filho de um ex-governador do Rio de Janeiro viabilizou a construção do prédio do MP em troca do arquivamento de alguns inquéritos.

Assim como o pobre, Defensoria não consegue se impor por falta de poder de barganha.

nos ângulos de baixo e magistratura no ângulo de cima.

Civil Pública conquistado pela Defensoria.

Depois que as pessoas são aprovadas no MP elas mudam de postura. É visualmente perceptível.

MP condiciona o pensamento de seus membros.

Não há espaço para pensamento divergente dentro do MP. Os que divergem, sofrem as conseqüências disso.

MP é uma ditadura, com poucas chances de escapar do pensamento hegemônico.

Mas é possível resistir, e há exemplos de pessoas que resistem.

MP não é mais técnico que a Defensoria, é mais formal.

A Defensoria, como tem de defender o assistido de qualquer maneira, às vezes tem de sair da letra da lei para fazer uma defesa adequada. Em regra, o MP não foge à letra da lei.

Talvez os defensores sejam um pouco mais preparados que os promotores

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por sua maior experiência social, de contato com a sociedade.

Há um projeto para descredibilizar a Defensoria. Ivan, personagem vivido por Bruno Gagliasso na novela Paraíso Tropical, foi preso em um capítulo e pediu que a família contratasse um advogado particular porque não confiava no trabalho da Defensoria Pública.

31/08/07

A chantagem de Ivan Outro que tenta se virar é Ivan. Preso junto a bandidos de alta periculosidade, ele vive um inferno e quase não consegue dormir direito. É por isso que manda o defensor público chamar Marion até a cadeia pra uma conversinha. Cara a cara com a mãe, ele contra-ataca. Se a mãe não arranjar um jeito de tirá-lo da cadeia urgentemente, ele ameaça contar tudo que sabe a respeito dela: a cumplicidade

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com Taís, o golpe em Urbano e outras falcatruas mais. Se jogar essas verdades no ventilador, nunca mais Marion vai arranjar uma festinha pra fazer... Ela treme na base e promete descolar um bom advogado e tirá-lo de lá. Fonte: site da novela.

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ANEXO XII

Cópia dos e-mails trocados com o MP-RJ com vistas ao envio dos dados solicitados para confecção da tese. Os nomes e os endereços eletrônicos foram preservados para evitar constrangimentos.

De: André Filipe Pereira Reid dos Santos <[email protected]>

Para: Maria do Carmo Casanova <[email protected]>

Em: 24/09/2007 22:39

ok, Dra Casanova,

Aguardo envio dos dados solicitados após término do atual Concurso.

Grato pela atenção,

André Filipe Santos.

Em 21/09/07, Maria do Carmo Casanova <[email protected]> escreveu:

Felipe teremos o maior prazer em lhe atender, mas, no momento estamos ultimando o XXIX concurso e não dispomos de tempo hábil para lhe atender com a presteza necessária. Tão logo tenhamos os dados lhe enviaremos. Atencuiosamente, casanova

----- Original Message ----- From: "André Filipe P R Santos" <[email protected] > To: <[email protected]>; <[email protected]> Sent: Friday, September 14, 2007 9:16 PM Subject: dados Olá, Sou pesquisador vinculado ao Doutorado em Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA), da Universidade Federal do rio de Janeiro (UFRJ). Estou desenvolvendo em parte da minha tese análises sobre alguns aspectos do MP-RJ. Já estive aí no MP entrevistando alguns promotores e agora precisava de alguns dados sobre concursos para a carreira inicial do MP, graduação dos aprovados a partir do XXVI concurso, inclusive. Em 2001, por ocasião de minha dissertação de mestrado, a Dra Teresa Serejo, me enviou os mesmos dados, mas até o XXV concurso. Preciso dos mesmos dados mas sobre os concursos posteriores. Estou mandando em anexo o arquivo que me foi enviado na época, para que seja seguido o mesmo padrão para o envio dos dados agora solicitados: número de aprovados por instituição e por sexo até o último concurso. Aguardo resposta, André Filipe Santos. http://lattes.cnpq.br/9404737943888215

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ANEXO XIII

Prestígio social das carreiras jurídicas a partir da média total de notas atribuídas pelos defensores

públicos entrevistados.

Carreiras Jurídicas Nota

Magistratura Federal 9,0

Ministério Público Federal 8,9

Magistratura Estadual 8,7

Ministério Público Estadual 8,6

Defensoria Pública 6,8

Advocacia Geral da União 6,7

Procuradoria do Estado 6,3

Polícia Federal 6,3

Procuradoria de Autarquias 5,8

Advocacia Privada 5,6

Procuradoria Municipal 5,4

Polícia Civil 3,9

Fonte: Brasil, Ministério da Justiça.

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ANEXO XIV

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