12 - diálogo aberto com kanavillil rajagopalan (rajan)

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Entrevista Fólio – Revista de Letras Vitória da Conquista v. 6, n. 1 p. 11-22 jan./jun. 2014 DIÁLOGO ABERTO COM KANAVILLIL RAJAGOPALAN (RAJAN) Diógenes Cândido de Lima (Org.) Entrevistadores: Evangelina Araújo Gislene Almeida Lorenna Oliveira dos Santos Luana Pereira Mariza dos Anjos Lacerda Simone da Silva Bispo Warley José Campos Rocha Introdução ao Diálogo Diógenes Cândido de Lima: Venho, há algum tempo, juntamente com alguns colegas da Área de Língua Estrangeira e Literaturas – ALEL, ministrando a disciplina In- trodução à Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Estrangeira, para os alunos do curso de Letras Modernas do Departamento de Estudos Linguísticos e Literários – DELL, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, em Vitória da Conquista – Bahia. Essa disciplina foi acrescentada ao currículo, por ocasião da última reforma curricular in-

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  • Entrevista

    Flio Revista de Letras Vitria da Conquista v. 6, n. 1 p. 11-22 jan./jun. 2014

    DILOGO ABERTO COM KANAVILLIL RAJAGOPALAN (RAJAN)

    Digenes Cndido de Lima

    (Org.)

    Entrevistadores:

    Evangelina Arajo Gislene Almeida

    Lorenna Oliveira dos Santos Luana Pereira

    Mariza dos Anjos Lacerda Simone da Silva Bispo

    Warley Jos Campos Rocha

    Introduo ao Dilogo

    Digenes Cndido de Lima: Venho, h algum tempo, juntamente com alguns

    colegas da rea de Lngua Estrangeira e Literaturas ALEL, ministrando a disciplina In-

    troduo Lingustica Aplicada ao Ensino de Lngua Estrangeira, para os alunos do curso

    de Letras Modernas do Departamento de Estudos Lingusticos e Literrios DELL, da

    Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB, em Vitria da Conquista Bahia.

    Essa disciplina foi acrescentada ao currculo, por ocasio da ltima reforma curricular in-

  • 12 Kanavillil Rajagopalan

    Flio Revista de Letras Vitria da Conquista v. 6, n. 1 p. 11-22 jan./jun. 2014

    terna, e tem se mostrado de grande relevncia para o desenvolvimento do conhecimento

    do estudo da linguagem voltado para os seus aspectos polticos, sociolingusticos, cultu-

    rais e para sua aplicabilidade na prtica pedaggica, muito embora essa no seja a nica

    funo da Lingustica Aplicada (LA), conforme costuma pensar muita gente, inclusive

    alguns estudiosos da prpria rea.

    O fato que hoje a LA no se limita aplicao das teorias supostamente criadas

    pela Lingustica Geral, tampouco se centra apenas nas questes de ensino e aprendizagem

    de lnguas, principalmente, estrangeiras. Ela j se consolidou como uma cincia da lingua-

    gem, cujas metodologias e objetos de estudo possuem foro prprio e buscam dialogar

    com outras reas do conhecimento, respeitando, todavia, as suas especificidades.

    justamente esse dilogo e esse respeito s especificidades e tica acadmica

    que temos encorajado em nossa sala de aula, na qual vm acontecendo discusses sobre o

    uso da lngua em situao do mundo real, bem como sobre a funo social que as pesqui-

    sas vm abordando nessa rea. Da o objetivo principal desta entrevista com o renomado

    linguista indiano, naturalizado brasileiro, Kanavillil Rajagopalan, da Unicamp, cuja trajet-

    ria tem sido marcada pela luta constante por uma lingustica mais comprometida com o

    fato social, com as questes relacionadas ao planejamento lingustico, com as implicaes

    ticas, ideolgicas e polticas do nosso prprio trabalho, enquanto pesquisadores e pro-

    fessores de lnguas. Enfim, pela busca de uma lingustica que no nos faa falhar, mas que

    nos ajude na construo de uma viso crtica e de um posicionamento questionador e re-

    novador dos nossos alunos, a fim de que eles possam relacionar e aplicar os conhecimen-

    tos aprendidos na academia e fora dela , com a realidade em que vivem no seu cotidi-

    ano.

    Foi dentro desse contexto que surgiu a ideia deste dilogo com o ilustre professor

    Rajagopalan, que to gentilmente aceitou o nosso convite para responder aos questiona-

    mentos dos meus alunos do stimo semestre do curso de Letras Modernas, da disciplina

    Lingustica Aplicada ao Ensino de Lngua Estrangeira, aps leituras e discusses em sala

    de aula, principalmente sobre o contedo do livro intitulado Por uma lingustica crtica:

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    Flio Revista de Letras Vitria da Conquista v. 6, n. 1 p. 11-22 jan./jun. 20134

    linguagem, identidade e a questo tica, de sua autoria, publicado em 2003 pela Parbola

    Editorial.

    Assim, ao agradecer, imensamente, ao professor Rajagopalan, apresentamos, abai-

    xo, aps uma breve contextualizao, a pergunta de cada aluno, seguida da resposta pelo

    convidado.

    PERGUNTAS:

    Gislene Almeida: No mundo globalizado em que vivemos, estamos constante-

    mente em contato com a lngua inglesa. Podemos afirmar que, atualmente, esta a lngua

    universal.

    H vrios pases, alm dos Estados Unidos e Inglaterra, como a frica do Sul,

    Austrlia, Jamaica dentre outros, cujo idioma oficial o Ingls. H, ainda, lugares em que

    este idioma tido como segunda lngua; e muitos outros, como o Brasil, em que o ingls

    obrigatoriamente ensinado nas escolas, como principal lngua estrangeira.

    Sabemos, no entanto, que a lngua modifica-se e adquire caractersticas prprias de

    lugar para lugar. Constata-se, portanto, que h ingleses, e no somente o ingls.

    Porm, devido a questes polticas, econmicas, culturais etc., o ingls falado na

    Amrica do Norte e Inglaterra era considerado o modelo padro do ensino desta ln-

    gua; isto , falava bem o ingls aquele cujo lxico e pronncia se aproximavam mais do

    ingls dos Estados Unidos ou da Inglaterra. A Lingustica Aplicada (LA), no entanto,

    ope-se a esse posicionamento.

    Dessa forma, de acordo a LA., como o professor de ingls deve agir, uma vez que

    h tantos ingleses? Deve o educador seguir algum parmetro que indique se o aluno

    aprendeu ou est aprendendo a lngua inglesa? Qual parmetro seria esse?

    Kanavillil Rajagopalan: preciso ter cuidado com o termo universal. A rigor,

    entende-se pelo termo algo que seja de ordem essencial ou imprescindvel; isto , sem o

    qual o fenmeno em questo em nosso caso, a lngua nem se qualificaria como tal.

  • 14 Kanavillil Rajagopalan

    Flio Revista de Letras Vitria da Conquista v. 6, n. 1 p. 11-22 jan./jun. 2014

    Por exemplo, ser mortal seria um atributo universal do ser humano, uma vez que um

    ser imortal dificilmente pode ser caracterizado como humano. O fato que o mundo po-

    de perfeitamente continuar como est sem o ingls. Em outras pocas, o lugar de ingls

    foi ocupado por latim, francs etc. Logo, o ingls no pode ser considerado universal

    nesse sentido.

    Entretanto, h uma acepo menos rigorosa da palavra universal que talvez autori-

    zasse o emprego da palavra feito na pergunta. Novamente, eu levantaria a seguinte ressal-

    va: qual dos ingleses, aos quais a prpria Gisele se refere, estaria em discusso aqui? A

    tentao de responder a pergunta, acenando para o poderio dos EUA na atualidade e

    consequente prestgio da variedade norte-americana, se esbarra no fato de que, sem som-

    bra de dvida, o que est se espalhando no mundo de hoje algo que venho chamando

    de World English isto uma lngua ou se quiser uma novilingua que no tem

    dono e, por isso mesmo, pertence a todos. A hegemonia dos EUA no est garantida pa-

    ra sempre. Por outro lado, o fato de a China se encontrar em franca ascenso econmica

    e militar no garante, eo ipso, a substituio do ingls pelo chins como lngua de uso

    transnacional o que demonstra a fragilidade de argumento de atribuir o prestgio de

    uma determinada a lngua hegemonia do pas onde a lngua usada como lngua mater-

    na da maioria.

    A preocupao com que variedade, ou se quiser, qual dos ingleses, o professor

    deve privilegiar deve ser descartada ou relegada a um segundo plano diante da urgncia de

    colocar a questo de comunicao em primeiro lugar. Isto , pouco importa qual varie-

    dade um determinado/a aluno/a acaba dominando; o mais importante se ele/ela con-

    segue ou no agir linguisticamente com desenvoltura, de se virar nos momentos certos.

    Afinal, o propsito mais central de lngua a comunicao entre as pessoas de diferentes

    procedncias.

    Evangelina Arajo: Levando-se em considerao o enorme debate que gira em

    torno da diferena entre teoria e prtica, possvel perceber que, para muitos, a teoria

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    Flio Revista de Letras Vitria da Conquista v. 6, n. 1 p. 11-22 jan./jun. 20134

    considerada como superior prtica. Inclusive, alguns autores acreditam que uma pode

    sobreviver sem a outra. Oakeshott (1991, apud Rajagopalan, 2003) A pior de todas as

    iluses que isso cria [...] a ideia de que o conhecimento tcnico no [seja] s superior,

    mas tambm anterior ao conhecimento prtico. Cria-se [...] outra iluso de que o conhe-

    cimento terico de forma, digamos, latente ou cristalizada quando, na verdade, o

    conhecimento tcnico que [...] surge como um resumo da atividade concreto[...]. Em

    outras palavras, impossvel separar o conhecimento tcnico do conhecimento prtico,

    visto que, para que a prtica exista necessrio que haja a teoria, e, para muitos, a teoria

    considerada como um resumo da prtica. Sendo assim, notvel a preocupao que a

    Lingustica Aplicada possui em trabalhar com a realidade social, ou seja, com o que est

    alm da teoria pura. Ento, qual o caminho que a Lingustica Dura poderia seguir para se

    tornar mais preocupada com questes voltadas para o social?

    Kanavillil Rajagopalan: Em primeiro lugar, acho sua pergunta extremamente

    pertinente. Historicamente, a lingustica, ou as primeiras reflexes lingusticas de grande

    impacto, surgiram da necessidade de lidar com problemas de ordem prticas no dia-a-dia.

    A monumental obra da gramtica do Snscrito intitulada Ashtadhayi, da autoria de Panini,

    foi uma resposta ameaa de que a lngua em questo se pulverizasse em diversos diale-

    tos, um incompreensvel a outro, e dessa maneira, se redundasse na desintegrao daque-

    la nao, daquele pas em construo. Ou seja, o fato que a chamada Lingustica Teri-

    ca nasceu das preocupaes bem prticas, muitas delas de extrema importncia poltica

    e no ao contrrio, como muitos acreditam erroneamente hoje em dia.

    Quando insisto na urgncia de a Lingustica voltar s questes do dia-a-dia dos ci-

    dados, estou fazendo nada mais que pleitear um retorno s origens e estar fiel s metas

    que os nossos antepassados tinham em mente quando faziam suas reflexes sobre a lin-

    guagem.

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    Flio Revista de Letras Vitria da Conquista v. 6, n. 1 p. 11-22 jan./jun. 2014

    Warley Jos Campos Rocha: Professor Kanavillil Rajagopalan, sabido que os

    pesquisadores que desenvolvem seus estudos calcados na Lingustica Aplicada tm a pre-

    ocupao de dar ao seu trabalho um carter responsivo sociedade, uma vez que eles

    partem de inquietaes oriundas de prticas do mundo real. De acordo com um dos seus

    postulados no livro, Por uma Lingustica Crtica: Linguagem, Identidade e a Questo ti-

    ca, de 2003, quando discutida a relevncia social da Lingustica, sabe-se que: [...] a pr-

    pria discusso acerca dos compromissos ticos do pesquisador, a respeito da necessidade

    de se fazer uma lingustica eticamente consequente, hoje se processa quase que exclusi-

    vamente na subrea denominada lingustica aplicada [...] (RAJAGOPALAN, 2003, p.

    46). Como notado, esse texto, do qual a citao foi extrada, foi publicado h, aproxi-

    madamente, onze anos, um tempo considervel. Pressupe-se, portanto, que houve mu-

    danas no campo cientfico desde a sua publicao. Em sua opinio, na atualidade, os

    compromissos ticos do pesquisador ainda se recaem quase que exclusivamente sobre

    Lingustica Aplicada (LA), ou, ao contrrio disso, a Lingustica Terica (LT) tem se des-

    pertado para essa necessidade, tambm? Em caso positivo, quais elementos influenciam,

    ou influenciaram, para que a LT no sinta essa necessidade? E em caso negativo, proces-

    sualmente, como se deu essa conscientizao da LT face necessidade de produzir estu-

    dos eticamente consequentes?

    Kanavillil Rajagopalan: Antes de responder a sua pergunta, devo frisar que no

    sou adepto da distino Lingustica Terica vs. Lingustica Aplicada. Para mim, existe ou

    deveria existir, uma S lingustica. E ela deve se pautar em alguma relevncia para as nos-

    sas vidas. A preocupao em fazer altas teorias , no meu entender, um reflexo daquilo

    que caracterizo como um certo complexo de inferioridade que muitos entre ns, nas

    reas humanas e sociais, sentem em relao s exatas e biolgicas, de uns tempos para c.

    Tanto isso uma verdade que muitos entre ns se orgulham ao dizer que a Lingustica se

    aproxima de cincias pela cientificidade de suas anlises e descobertas e de cincias biol-

    gicas por abordar a lngua como fenmeno biolgico, um atributo da mente humana. Es-

  • Dilogo aberto 17

    Flio Revista de Letras Vitria da Conquista v. 6, n. 1 p. 11-22 jan./jun. 20134

    sas mesmas pessoas querem se distanciar de qualquer preocupao com o social, prefe-

    rindo deixar tais questes perifricas a um quintal chamado Lingustica Aplicada, es-

    pecialmente criado para dar um tratamento a essas questes incmodas.

    Para mim, estamos vivendo uma poca de crise aguda. A Lingustica dita terica

    (leia-se sem preocupaes da ordem prtica) se afastou da linguagem; est cada vez

    mais preocupada com a mente humana e clculos de alta complexidade, sem qualquer

    vnculo com a vida como vivida por seres humanos de carne e osso. H alguns entre os

    praticantes dessa forma de pensar que se sentem incomodados com a total irrelevncia de

    suas reflexes cada vez mais mirabolantes, porm nenhuma utilidade na vida real. No en-

    tanto, groso modo, infelizmente, pouco se mudou. A caravana continua. At quando, no

    sei!

    Lorenna Oliveira dos Santos: Partindo das seguintes citaes: [...] A lingustica

    moderna ainda no conseguiu se desvencilhar da ideia de que as nicas mudanas que

    ocorrem ao longo da trajetria das lnguas particulares devam-se a causas intrassistmicas

    [...]. (RAJAGOPALAN, 2003, p.62)1.[ Alm disso], [...] o falante que o linguista quer

    celebrar o falante ideal, no contaminado pelo contato com os outros, uma espcie de

    bom selvagem. (RAJAGOPALAN, 1997, apud, RAJAGOPALAN, 2003, p.63).

    Em contrapartida, considerando os seguintes pressupostos da teoria sociofuncio-

    nalista, uma corrente da lingustica: o Sociofuncionalismo surge como uma teoria, ou

    uma perspectiva terica, na qual, a partir de um ponto de interseco crucial o interesse

    pela variao e mudana lingustica, h o dilogo entre o Funcionalismo Lingustico vol-

    tado ao estudo da Gramaticalizao (HOPPER, 1980; 1987; 1993. Heine, 1991. Givn,

    1971; 1995) e a Sociolingustica Variacionista (LABOV, 1972; 1994; 2001). Portanto,

    elencamos alguns princpios que emergem do dilogo entre a Sociolingustica e o Funcio-

    1RAJAGOPALAN, K. A identidade lingustica em um mundo globalizado. In: Por uma lingustica crtica: linguagem, identi-dade e a questo tica. So Paulo: Parbola, 2003 p. 62-63

  • 18 Kanavillil Rajagopalan

    Flio Revista de Letras Vitria da Conquista v. 6, n. 1 p. 11-22 jan./jun. 2014

    nalismo:(1) A considerao de que a linguagem constitua uma atividade sociocultu-

    ral;(2) A percepo da dinamicidade constante da lngua;(3) O reconhecimento da hete-

    rogeneidade lingustica; (4) A prioridade lngua em efetivo uso;(5) A constatao da

    frequncia de uso das variveis lingusticas e, consequente, associao destas s variveis

    sociais. (SOUSA, 2014)

    Podemos observar que, ao contrrio das primeiras afirmaes citadas acima, o lin-

    guista, que tem como suporte terico o sociofuncionalismo, analisa a lngua em uso, con-

    siderando os fatores sociais e acreditando em sua dinamicidade constante. Desta forma,

    acreditamos que a abordagem dessas primeiras citaes sobre a lingustica, generaliza um

    estudo formal a que algumas reas da referida cincia no se restringem. Ento, profes-

    sor Rajagopalan, comente o porqu dessa generalizao, pois sabemos que linguistas an-

    corados em disciplinas de fronteira se apoiam em outras reas do saber que no estudam

    a lngua por si s.

    Kanavillil Rajagopalan: H, conforme j reconheci em outros lugares, uma srie

    de tentativas, todas merecedoras de elogio, de alargar o foco de atenes, de abordar a

    lngua como um fato social em plenitude da acepo desse termo. Lembre-se que esse

    termo foi utilizado por ningum menos que Saussure, o fundador da disciplina, inspiran-

    do-se nos ensinamentos dos socilogos da poca. Mas, infelizmente, o que se v que

    tais afirmaes ficam somente na promessa, como no trabalho do prprio Saussure, que

    preferiu deixar de lado a questo social para se concentrar no construto chamado sig-

    no.

    Os esforos empenhados pelos chamados sociofuncionalistas so muito bem-

    vindos, na medida em que procuram corrigir erros cometidos no passado. A verdade, po-

    rm, que, salvo no caso das gloriosas excees como Monica Heller, sociolinguista Ca-

    nadense, ainda persiste a tendncia de erguer as novas reflexes como um adendo ao que

    j existe e foi herdado de esforos do passado. O que precisa recontextualizar a prpria

    tradio de pensar essas questes como scio-historicamente determinadas e no como

  • Dilogo aberto 19

    Flio Revista de Letras Vitria da Conquista v. 6, n. 1 p. 11-22 jan./jun. 20134

    solues trans-histricas. Conceitos como lngua, falante nativo de lngua x e por ai

    vai todos eles conceitos bsicos com os quais nos acostumamos a trabalhar com natura-

    lidade, devem estar na mira de um questionamento profundo diante da percepo, j elo-

    quentemente veiculada por estudiosos como Christopher Hutton e Joseph Errington de

    que no passam de construtos forjados e consolidados, principalmente no sculo XIX,

    atendendo-se s demandas geopolticas da poca.

    Luana Pereira: Considerando o mundo globalizado em que vivemos e o papel da

    lngua inglesa nesse contexto, aprender essa lngua tornou-se uma necessidade que vai

    alm de obter status, mas sim como algo essencial, tendo em vistas as demandas da socie-

    dade. No entanto, o ensino de lngua inglesa na escola pblica do Brasil apresenta muitas

    falhas. E, apesar da maioria dos estudantes terem contato com a lngua inglesa por cer-

    ca de sete anos, sua aprendizagem no satisfatria. Assim, a maior parte da populao

    convive com a lngua inglesa, pois ntida a sua presena e influncia no nosso pas, mas

    essa convivncia ocorre de forma muito superficial. Qual a sua opinio quanto a essa si-

    tuao?

    Kanavillil Rajagopalan: O ensino da lngua inglesa em nosso pas est na situa-

    o em que est por uma serie de fatores que a limitao de espao no me permite ela-

    borar a contento. O que posso dizer neste espao bem limitado que preciso urgente-

    mente conscientizar todos aqueles interessados no assunto, de uma forma ou outra, sobre

    as seguintes questes:

    a) Para que serve o ingls?

    b) Que tipo de ingls devemos procurar dominar?

    c) Como reconciliar a aprendizagem de uma lngua estrangeira com os nossos in-

    teresses nacionais?

    d) O que se espera de um(a) professor(a) de ingls?

  • 20 Kanavillil Rajagopalan

    Flio Revista de Letras Vitria da Conquista v. 6, n. 1 p. 11-22 jan./jun. 2014

    Mariza dos Anjos Lacerda: impossvel negar o advento rpido do estrangei-

    rismo em pases globalizados, principalmente quando o idioma o ingls. No Brasil, exis-

    te uma resistncia de algumas pessoas a respeito dessa difuso, a ponto de se criar um

    projeto de Lei e levar para a cmara de deputados votar a favor do no estrangeirismo.

    Em outros pases existe alguma similaridade a respeito disso? Como o estrangeirismo em

    outros pases visto pelos nativos, no que diz respeito aceitao ou no? E qual o seu

    ponto de vista sobre a grande expanso do estrangeirismo, principalmente, da lngua in-

    glesa, nos pases em que esse idioma apresentado como lngua estrangeira ou como se-

    gunda lngua? Existe uma diferena para a aceitao desses estrangeirismos quando se tra-

    ta de lngua estrangeira e/ou segunda lngua?

    Kanavillil Rajagopalan: A resistncia ao estrangeirismo existe em praticamente

    todos os pases no mundo; o que muda de um pas para outro sua intensidade. Isso tem

    a ver com conceitos como lngua, estado, nao etc. foram pensados no passado, chegan-

    do seu apogeu no sculo XIX. Afinal, foi nesse perodo que houve a confluncia de uma

    srie de fatores histricos. Foi, por exemplo, o perodo em que o colonialismo europeu

    atingiu seu mais alto nvel de influncia e expanso. Isso facilitou a demarcao e consoli-

    dao das fronteiras entre pases e territrios colonizados e a imposio de lnguas j ho-

    mogeneizadas (ou melhor, higienizadas a contento dos colonizadores).

    Daquela poca para c, muito j mudou no cenrio geopoltico. Na Europa, o

    multilinguismo hoje considerado uma virtude, no um problema. H muito mais tole-

    rncia com o estrangeiro, sua lngua, sua cultura.

    Em relao segunda pergunta, isto , a relao com lnguas que servem de se-

    gunda lngua, voc tem toda a razo. A relao totalmente diferente. H code-switching

    entre diversas lnguas, como tambm hibridizao crescente. Por conseguinte, palavras

    estrangeiras so nativizadas com frequncia.

  • Dilogo aberto 21

    Flio Revista de Letras Vitria da Conquista v. 6, n. 1 p. 11-22 jan./jun. 20134

    Simone da Silva Bispo: O senhor afirma que a Lingustica Aplicada nada mais

    do que pensar a linguagem no mbito da vida cotidiana, sem a realizao de grandes elu-

    cubraes, diferenciando-se da Lingustica dita terica. Com contribuies pertinentes

    para o ensino e aprendizagem de lnguas, especialmente no campo de ensino de lnguas

    estrangeiras, alm de outras reas do conhecimento, tais como lngua ptria, traduo, en-

    sino bilngue, letramento e alfabetizao, a disciplina que se encontra atualmente em ple-

    no desenvolvimento usa a prtica como prprio palco de criao e de reflexes tericas.

    Nessa perspectiva, o que ensinar Lnguas Estrangeiras sob o vis da Poltica Lingustica?

    Kanavillil Rajagopalan: No a viso que predominava mesmo entre os linguis-

    tas aplicados at bem recentemente. H ainda quem acredite que para o linguista aplicado

    cabe s tocar o segundo violo! Para eles, as reas aplicadas devem se submeter s reas

    tericas incondicionalmente. A sua descrio, portanto, no consensual mesmo entre os

    que se definem como linguistas aplicados.

    Pessoalmente, tenho restries s tentativas de opor prtica teoria em termos ta-

    xativos como se a prtica fosse to antiterica. Diria que uma boa prtica sempre acar-

    reta uma viso terica robusta, ainda que de forma latente. A nica diferena que nin-

    gum est interessado nas elucubraes tericas sem nenhuma preocupao prtica.

    Estou de acordo com a parte final de sua pergunta. Ensinar lngua estrangeira co-

    mo parte de uma proposta poltica significa, antes de mais nada, contemplar o discente

    como um cidado e o ensino como um exerccio de cidadania. No se trata de simples-

    mente insuflar um certo tipo de nacionalismo que, diga-se de passagem, no tem mais

    lugar algum em nosso mundo globalizado. Mas, o importante jamais perder de vista os

    interesses de coletividade. A pergunta norteadora sempre deve ser: o que, afinal, a socie-

    dade tem de ganhar, quando os cidados se dedicam ao estudo de lnguas estrangeiras?

  • 22 Kanavillil Rajagopalan

    Flio Revista de Letras Vitria da Conquista v. 6, n. 1 p. 11-22 jan./jun. 2014

    Encerrando o dilogo

    Digenes Cndido de Lima: Podemos perceber, por meio das perguntas aqui

    elaboradas, e das respostas a elas apresentadas, que o campo da Lingustica Aplicada tem

    um carter multifacetado e se caracteriza como uma rea inter, multi e (in)disciplinar, com

    abertura para um dilogo promissor, principalmente com outras cincias sociais e huma-

    nas, muitas das quais foram abordadas nesta entrevista. Fica evidente, com base no dilo-

    go aqui travado, que a LA tem como um dos seus principais objetivos buscar respostas

    para as questes em que a linguagem desempenha um papel fundamental na construo

    do saber e nas configuraes sociais e tnicas que constroem e desconstroem a realidade

    lingustica, scio-histrica, sociopoltica e acadmico-pedaggica em que vivemos.