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    Q U I N T A - F E I R A , 2 3 D E A B R I L D E 2 0 0 9

    A Escola como organizao complexa - por Maurcio Tragtenberg

    A ocidentalizao da cultura caminha a parcom o desenvolvimento urbano, comercial e a necessidade de letrados para darem

    andamento burocrtico s estruturas de poder formadas em torno da Igreja e do Estado Moderno.

    De um lado, o intelectual domesticado no contexto das universidades ligadas Santa S, de outro, com a emergncia do

    jesuitismo, seu aprendizado passar pelo processo de organizao e planejamento de estudos num esprito de obedincia o

    sentido da ratio studiorum de 1586.

    No sculo XIX a expanso da tcnica e a ampliao da diviso do trabalho, com o desenvolvimento do capitalismo, levam necessidade da universalizao do saber ler, escrever e contar. A educao j no constitui ocupao ociosa e sim fbrica de

    homens utilizveis e adaptveis.[1]

    Hoje em dia a preocupao maior da educao consiste em formar indivduos cada vez mais adaptados ao seu local de trabalho,

    capacitados porm, a modificar seu comportamento em funo das mutaes sociais. No interessa, pelo menos nos pases

    industrialmente desenvolvidos, operrios embrutecidos, mas seres conscientes de sua responsabilidade na empresa e perante a

    sociedade global.[2] Para tal constitui um sistema de ensino que se apresenta com finalidades definidas e expressas.

    Se esse, porm, o objetivo do sistema de ensino, insere-se no mesmo corpo professoral encarregado de transmitir o saber e mais

    preocupado ainda em inserir-se na sociedade, ter reconhecimento oficial, xito no magistrio enquanto carreira, utilizando para

    isso os diplomas reconhecidos possveis, numa sociedade onde, segundo Max Weber, o diploma substitui o direito de nascena.

    A realizao de tais objetivos pressupe a existncia de uma burocracia pedaggica com objetivos definidos ante a sociedade

    global, porm, nem sempre os predominantes.

    O sistema burocrtico estrutura-se nas formas da empresa capitalista como tambm na rea da administrao pblica e seu papel

    essencial organizao, planejamento e estmulo. O sistema burocrtico estrutura-se em nvel de cargos, que por sua vez

    articulam-se me forma de carreira, onde o diploma reconhecido, tempo de servio e conformidade s regras constituem pr -

    condies de ascenso. Seu modo de recrutamento e sistema de promoo so definidos por ela como o mecanismo de

    comunicao intraburocrtico, diludo nas diversas reas de competncia.

    Um dos aspectos estruturais do sistema de educao burocrtico que os usurios no controlam de modo algum a gesto dos

    fundos que dedicam coletividade. A estrutura burocrtica do ensino em nvel nacional desenvolve-se em trs nveis:

    - Organizao do pessoal

    - Programas e trabalho

    - Inspees e exames

    http://1.bp.blogspot.com/_-E6GNwYQrkc/SfB-ZeSFhCI/AAAAAAAAFGU/yx4NoLc0ZmM/s1600-h/tragtenberg1.jpg
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    No que se refere a pessoal, o burocrata da educao est separado dos meios de administrao como o operrio dos meios de

    produo, o oficial dos meios de guerra e o cientista dos meios de pesquisa.

    O pessoal docente no sistema burocrtico pode ser recrutado por concurso, de ttulos e provas, contratado a ttulo precrio cujo

    nvel de vencimento depender do nmero de aulas atribudas por escolha fundada em pontos obtidos, a critrio das Secretarias de

    Educao. Pode-se dar o caso do docente contratado a ttulo precrio e estabilizado no cargo por decreto em obedincia a

    exigncia constitucional. A ascenso do docente na carreira no depende da verificao dos resultados obtidos a longo prazo sobre

    seus alunos; portanto, os critrios da eficcia ou valor so desprezados e o de conformidade (aprovao nos exames, provas)

    supervalorizados.[3]

    O exame, mais que o programa, define a pedagogia do docente. O objetivo que a pedagogia burocrtica lhe prope no o

    enriquecimento intelectual do aluno, mas seu xito no sistema de exames.

    O melhor meio para passar nos exames consiste ento em desenvolver o conformismo, submeter-se: isto chamado de ordem.

    Portanto, colocam-se trs objetivos ao docente: conformidade ao programa, obteno da obedincia e o xito nos exames.* A

    escola conduz a um condicionamento mais longo num quadro uniforme e mxima diviso do saber que no visa formao de

    algo, mas sim, a uma acumulao mecnica de noes ou informaes mal digeridas. Se na Europa ou Amrica Latina, o

    professor tende cada vez mais a responder a controles burocrticos, nos EUA as associaes de pais, indstrias e grupos exercem

    presses para que se ensinem determinadas coisas com um tipo de orientao definida. Essa interiorizao da burocracia, Alexis

    de Tocqueville no sculo XVIII e Riesman no sculo XX consideram uma das caractersticas da cultura norte-americana.

    A comunidade de pais encontra no controle burocrtico a melhor garantia contra quaisquer tendncias desviantes do professor ao

    saber que severamente controlado, julgado e regulamentado.

    nos nveis mais inferiores de ensino que a comunidade de pais tem maior peso. Quanto mais pobre a origem social dos alunos,

    o controle do vrtice sobre a escola mais ser ligado ao controle pela base na forma de Conselho ou Comunidade de Pais. Quanto

    mais alta for a origem social dos alunos e professores, tambm em nvel universitrio, o controle burocrtico mais satisfar snecessidades de controle.

    H uma ambivalncia em relao figura do professor: de um lado desprezado como servidor da comunidade, de outro,

    encarado como portador do saber absoluto. criticado por no fazer sentir todo o peso de sua autoridade sobre o aluno. O pblico

    gosta da burocracia, quer ver seus alunos enquadrados, condicionados, como nica condio de atingir a fase adulta.

    Uma escola fundada na memorizao do conhecimento, num sistema de exames que mede a eficcia da preparao ao mesmo,

    nada provando quanto formao durvel do indivduo, desenvolve uma pedagogia paranica, estranha ao concreto, ao seu fim.

    Quando falha, interpreta este evento como responsabilidade do educando.

    Uma minoria de jovens pertencentes a camadas superiores da classe trabalhadora ou pequenos funcionrios no freqenta o

    secundrio e se realiza em profisses que exigem formao profissional especfica. Assemelha-se alta burguesia, que no se

    preocupa com a promoo social de seus filhos, oferecendo-lhes mais lazeres e liberdade, condies de apreenso de um autntico

    conhecimento. Enquanto isso, a pequena burguesia quer subir e os trabalhadores esto determinados a suportar uma escola que

    no toma em conta suas aspiraes. Esse contingente s vezes perfaz 80% da populao.

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    No mbito microescolar encontramos na escola uma burocracia de staff (diretor, professores, secretrio) e de linha (serventes,

    escriturrios, bedis). O relacionamento staff e linha varia muito com o grau de escola, se mdio ou superior.

    Efetuou-se atualmente no Brasil uma conjuno do nvel primrio e mdio, tendendo escola unificada, que no deixou de criar

    problemas de reas de competncia entre o staff: quem dirige a escola unificada, o diretor do antigo primrio ou do secundrio?

    Em suma, na escola como organizao complexa articulam-se vrias instncias burocrticas acima enunciadas, incluindo a

    inevitvel Associao de Pais e Mestres e o aluno, objeto supremo da instituio, conforme o tom dos discursos solenes em pocas

    no menos solenes.

    O corpo de professores procura manter sua legtima esfera de autoridade sem intromisses estranhas. unnime na recusa

    interferncia dos pais no seu trabalho, pois isso pode prejudicar sua posio de autoridade e sujeit-lo a controle por elementos

    estranhos.[4]

    Nas suas relaes com o diretor a expectativa de comportamento dos professores que recebam apoio do mesmo, seja em relao

    a alunos ou pais de alunos. Funciona o princpio de que nenhum professor deve criticar colega antes terceiros, especialmente

    alunos.

    O diretor por sua vez funciona como mediador entre o poder burocrtico do quadro administrativo e a escola, como conjunto,

    sofre presso dos professores no sentido de alinhar-se com eles, dos alunos para satisfazer reclamos racionais ou no, e dos pais,

    para manter a escola ao nvel desejado pela comunidade. Tem de possuir as qualidades de um poltico, algum senso administrativo

    e ser especialista em relaes humanas e relatrios oficiais.

    O pessoal de linha obedece-o diretamente, pode ser utilizado como meio do corpo professoral pelo controle das conversas de

    corredor e da sala dos professores. Se o diretor for do tipo ausente, pode ter em suas mos o controle da docilidade dos alunos por

    meios informais, assegurando o bom andamento da instituio.

    O pessoal administrativo de linha enfatiza algumas singularidades do comportamento burocrtico, evita a discusso pblica de

    suas tcnicas, os despachos de processo so sonegados ao interessado enquanto no se der o chamado despacho final no citado

    processo. Burocracia administrativa entende-se como uma certa adeso a regrasatividades-meiostendo em vista fins

    determinados. No entanto, a disciplina, definida como adaptao a regulamentos, no encarada como adaptao a finalidades

    precisas, mas constitui-se num valor bsico na estrutura burocrtica. Este deslocamento das finalidades originais se d no processo

    burocrtico determinar alto nvel de rigidez e incapacidade de ajustamento a situaes novas. Da a nfase no formalismo e o

    exagero no ritualismo burocrtico nos estabelecimentos de ensino, no nvel administrativo.

    A estrutura de carreira leva o funcionrio a adaptar seus pensamentos, sentimentos e aes nesta perspectiva, o que induz

    timidez, conservadorismo rotineiro e tecnicismo. A burocratizao desenvolve a despersonalizao de relaes entre burocracia e

    pblico, funcionrios de secretaria escolar e o estudante. Ela desenvolve a tendncia do burocrata concentrar-se nessa norma de

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    impessoalidade e a formar categorias abstratasisso tende a conflitar suas relaes com o pblico. Pois, os casos peculiares

    individuais so ignorados, o interessado convicto das peculiaridades de seu problema ope-se a um tratamento impessoal e

    categrico.

    O comportamento estereotipado do burocrata no se adapta s exigncias dos problemas individuais. O tratamento impessoal que

    ele confere a assuntos de grande significado pessoal para a parte interessada (aluno, professor) o leva a ser visto como arrogante e

    insolente.

    Tudo isso coberto por uma grande capa de dramaturgia. Que significa isso? A dramaturgia, o culto da aparncia, dos gestos, tem

    um valor legitimador na estrutura burocrtica. Da mesma maneira que a bata branca do mdico ou do professor mostra que ali h

    algum de limpeza irrepreensvel, a rgua de calculo do engenheiro mostra algum altamente especializado e preciso. O talento

    dramtico tem cada vez mais importncia na funo hierrquica, qual seja, do diretor severo, porm, benevolente, o inspetor

    rgido e ao mesmo tempo assduo tomador de cafezinhos na diretoria, alem de assinante regular do clebre Livro de Termo de

    Visitas da Escola, como comprovante que passou por l.

    H um conceito, segundo o qual os ocupantes de posies hierrquicas so os mais capacitados, mais trabalhadores, os mais

    indispensveis, os mais leais, fidedignos e os mais autocontrolados, em suma os mais justos, honestos e imparciais. Tambm

    visualiza-se que uma pessoa muito ocupada de importncia incalculvel para a burocracia e encara suas tarefas de maneira mas

    sria que outras pessoas. aconselhvel para aqueles que querem vencer na estrutura burocrtica carregarem as pastas debaixo do

    brao, mesmo quando saiam noite ou pensem folgar nos fins de semana.

    Acresce nas burocracias educacionais, escolares ou ministrais, que o sistema de status tem seu prprio dispositivo dramatrgico

    que inclui insgnias, ttulos e deferncias e smbolos da grandeza material como salas forradas de tapetes ou mobilirio luxuoso,ainda ditos filosficos profundos como v quem adentra na sala de um administrador universitrio, por sinal tambm professor:

    Quem sabe faz, quem no sabe ensina.

    Em suma, a conduta burocrtica implica uma exagerada dependncia dos regulamentos e padres quantitativos, impessoalidade

    exagerada nas relaes intra e extragrupo, resistncias mudana e configura os padres de comportamento na escola encarada

    como organizao complexa. Em suma, o administrativo tem precedncia sobre o pedaggico.

    Escola como centro de reproduo das relaes de produo

    No h escola nica. H graus de ensino onde alguns tm acesso em nvel decrescente quanto mais alto for o escalo acadmico.

    A partir do primrio opera-se a diviso de duas redes de escolarizao de classes, na medida em que o ensino primrio:

    a) garante uma distribuio material, repartio dos indivduos nos dois plos da sociedade

    b) garante uma funo poltica e ideolgica de inculcao.

    A separao dos alunos em duas redes no ensino primrio o meio e principio do funcionamento. Esta separao se efetua no

    interior da escola primria, uma em direo acadmica, outra em direo profissional. Uma rede primria profissional e outra

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    secundria superior. O prolongamento da escolaridade obrigatria refora o processo. A generalizao da escolaridade obrigatria

    nica a generalizao da diviso. A inculcao ideolgica d-se atravs das vrias formas de saber, verdade, cultura, gosto.[5]

    Na rede escolar o culto da arte, cincia pura, profundidade filosfica, sutilezas psicolgicas, so formas de inculcao vinculadas a

    orientar a ao do educando conforme as normas de direito, polticas hegemnicas, sendo representadas enquanto deveres.

    A inculcao no se d pelo discurso mas atravs de prticas de exerccios escolares onde a nota equivale ao salrio, recompensa

    pelo trabalho realizado. Da mesma maneira que o mercado do trabalho regulado pela competio, no interior da escola ela

    cultuada nos sistemas de promoo seletivos. O aluno obrigado a estar na escola e livre para decidir se quer ou no, ter xito

    ou no, como o indivduo livre ante o mercado de trabalho.

    As prticas do ritualismo escolar, deveres, disciplinas, punies e recompensas, constituem o universo pedaggico. A escola

    realiza com xito o processo de recalcamento de pontos de vista opostos aos hegemnicos e essa sujeio condiciona a inculcao.

    O trabalho vagamente valorizado, enquanto artesanato, o processo histrico reduzido a um conjunto de guerras, datas e nomes

    cuja finalidade principal reduzir insignificncia o significativo: dimenses sociais do histrico ou sua temporalidade. Veja-se a

    dificuldade em convencer os historiadores de que o presente tambm histria.

    O aparelho escolar contribui para a reproduo da qualidade da fora de trabalho, na medida em que transmite saber e regras de

    conduta (ler, escrever e contar), que tm um destino produtivo.

    Os alunos da rede escolar recebem tambm contedo cientfico. Eis que o processo de escolarizao contribui para a reproduo

    das condies materiais de produo na medida em que a produo social uma transformao material da natureza, supondo o

    conhecimento objetivo sob as mais variadas formas.

    Todas as prticas escolares esto a servio da inculcao, que pressupe tcnicas e mtodos apropriados. A tcnica escolar

    formaliza os contedos de inculcao e os de saber positivoas disciplinas escolareshomogeneizando-as na medida em que so

    ensinadas como regras escolares.

    O conhecimento escolar usado no quadro de problemas surgidos da prtica escolar com objetivos definidos: dar notas, classificar

    e punir ou premiar os indivduos. Isso porque h uma separao entre as prticas escolares e as prticas produtivas em geral. A

    separao escolar a chave na determinao do papel no conjunto das relaes da sociedade atual. Toda escolarizao , por sua

    natureza, conservadora, pois quem legitima a separao entre conscincia e a prtica.

    A escola regida pelo princpio da contradio e no so categorias como psicologia do escolar, normal/anormal e, sim,

    categorias como inculcao, submisso, recalcamento, que podem explicar alguns fenmenos que ocorrem nas estruturas

    escolares. Como Aparelho Ideolgico, a escola primria reflete uma unidade contraditria de duas redes de escolarizao. A

    escola favorece os favorecidos e desfavorece os desfavorecidos e o princpio disso est na diferena social da famlia.

    Trata-se de perguntar a cada indivduo como ele passou sua infncia pr-escolar, como determinante de sua escolaridade

    individual ulterior. As classes sociais no podem ser pensadas como a partir dos indivduos. Elas no se reduzem a propriedades

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    sociais caractersticas de cada indivduo. Essa viso atribui importncia famlia, lugar material da primeira educao. A

    explicao regressiva, cronolgica, individual.

    Essa cronologiafamlia, escola primria, ginsio ou nos existe do ponto de vista do indivduo. Na realidade, famlia, escola

    primria, ginsio etc.

    1) preexistem ao prprio indivduo

    2) coexistem simultaneamente

    3) mantm relaes necessrias uns com os outros.

    O professor est a servio do aparelho escolar, no de sua classe. falta de base, um nvel de ensino remete ao imediatamente

    inferior e este famlia, esquecendo que h duas redes devido relao social de produo. Se h famlias providas e desprovidas

    porque h duas classes. O funcionamento do conjunto do aparelho escolar e o lugar da escola primria no interior do aparelho

    escolar so definidos na sua funo de reproduo das relaes de produo.

    Para Marx, as relaes de produo so a combinao social das foras produtivas, a maneira pela qual os instrumentos de

    produo e o prprio trabalho produtivo se repartem socialmente entre os vrios agentes sociais da produo. O essencial a

    relao de propriedade. Da, as relaes sociais da produo capitalista se definirem pela separao entre o trabalho produtivo e os

    meios de produo, explorao do trabalho pelo capital.

    O operrio reproduz-se enquanto tal na medida em que no tem elementos de acumular e sim, somente, reproduzir sua fora de

    trabalho. Essa reproduo pode originar-se a partir da industrializao da agricultura e empobrecimento das classes mdias.

    O aparelho escolar tem seu papel na reproduo das relaes sociais de produo quando:

    a) contribui para formar a fora de trabalho

    b) contribui para inculcar a ideologia hegemnica, tudo isso pelo mecanismo das prticas escolares

    c) contribui para reproduo material da diviso de classes

    d) contribui para manter as condies ideolgicas das relaes de dominao.

    O aparelho escolar impe a inculcao ideolgica primria e seguido pelos diversos aparelhosteleviso, publicidade, seitas

    etc. A escola inclui, na forma de rudimentos, tcnicas indispensveis adaptao ao maquinismo, em gera na forma preparatria.

    Na famlia camponesa, fundada na explorao agrcola em comum, a escola considerada tempo perdido, no h escola de

    agricultura. O que aparece com esse ttulo escola para a explorao agrcola capitalista. A escola pode ser aparelho ideolgico

    segundo estgios do modo de produo capitalista na sua combinao concreta interior a cada formao social capitalista. A

    escola no cria a diviso em classes, mas contribui para esta diviso e reproduo ampliada. A reproduo ampliada das classes

    sociais comporta dois aspectos:

    a) A reproduo ampliada dos lugares que ocupam os agentes. Estes lugares designam a determinao estrutural de classes, i. e., o

    modo de existncia da determinao pela estrutura de produo, dominao, subordinao poltica e ideolgica nas prticas de

    classe: um efeito da estrutura sobre a diviso social do trabalho.

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    b) A reproduo/distribuio dos prprios agentes entre estes lugares. Os aparelhos ideolgicos intervm ativamente na

    reproduo dos lugares das classes sociais. H uma reproduo inicial das classes sociais e pela oposio de classes, onde se move

    a reproduo ampliada da estrutura, inclusive das relaes de produo que preside o funcionamento dos Aparelhos ideolgicos.

    Os Aparelhos Ideolgicos no criam a ideologia, mas inculcam a ideologia dominante. No a Igreja que cria a perpetuao da

    religio, esta que cria e perpetua a Igreja, diferente do que pensava Max Weber.

    A anlise do fetichismo da mercadoria ultrapassa os Aparelhos Ideolgicos. Uma empresa um aparelho, no sentido de que pela

    diviso social do trabalho em seu interior, por exemplo, pela organizao desptica do trabalho, so elementos que definem as

    relaes polticas e ideolgicas concernentes aos lugares das classes sociais no conjunto da estrutura. H mecanismos para

    reproduo de lugares e agentes, da a inanidade em falar de ascenso social ou mobilidade social.[6]

    D-se a reproduo dos agentes. A qualificao uma qualificao-sujeio, no somente qualificao tcnica do trabalho. A

    empresa um Aparelho distribuindo seus agentes no seu interior. As classes capitalistas no so castas escolares. A relao

    escola-aparelho econmico continua a exercer sua ao durante sua atividade econmica: isso se chama pudicamente formao

    permanente.

    No a escola que faz com que sejam principalmente camponeses a coparem os lugares suplementares de operrios. o xodo

    dos campos, acompanhando a reproduo ampliada da classe operria, que desempenha o papel da escola.

    c) Trata-se de uma distribuio inicial dos agentes ligada reproduo inicial dos lugares das classes sociais: ela que designa

    para este ou aquele aparelho, para esta ou aquela srie entre eles, e segundo as etapas e as fases da formao social, o papel

    respectivo que eles assumem na distribuio dos agentes.[7]

    As organizaes complexas controlam e domesticam as forcas sociais. Elas codificam, centralizam. Essa apropriao pela

    organizao da existncia, sob todas as formas, realizada tambm pela destruio e desintegrao, destruindo as foras que se

    opem sua expanso.

    Atrs do discurso da racionalidade, nessa luta, a organizao abriga-se para legitimar sua empreitada e desqualificar uma realidade

    que ela mutila.

    Taylor, no que tange organizao industrial, Lenin, no que se refere organizao poltica e Clausewitz, pata a organizao

    militar, so os fundadores de uma teoria que dominam a partir do status de chefes. A organizao cientfica necessita de pais

    msticos para assegurar sua fundamentao.

    As organizaes so, acima de tudo, produtos historicamente dados e no sistemas fechados a-histricos, como pensa Crozier.

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    Pretendendo romper com o passado, criticando acerbamente as instituies tradicionais, a teoria organizacional procura uma

    ruptura epistemolgica. Essa ruptura tem como funo proibir quaisquer comparaes entre instituies tradicionais e

    instituies modernas. Nessa imagem de organizao encontram-se estocados mitos, fbulas e lendas, um universo

    fantasmagrico mais ou menos discretamente camuflado que subsiste na base do discurso organizacional.

    As organizaes polticas, como as industriais, reforaro a rea do imaginrio. O tom ser mais ou menos severo, pois, na

    iminncia da tragdia, a traio ameaa o heri!

    A escola tem um papel nessa mascarada organizacional, operando as variaes mais amplas, a partir dos papis de mestre, aluno,

    burocrata, administrador.

    O que se esconde atrs da representao da racionalidade organizacional? Marx nos ensinara a ver que atrs do espetculo da

    circulao de mercadorias escondia-se o trabalhador mutilado; o fetichismo mercantil esconde o sentido da organizao. Ela a

    base mais apropriada imaginao moderna. Isso constitui uma das condies do desenvolvimento das organizaes.

    Centro da tenso ao mesmo tempo da transferncia: o tempo presente transcorre em funo de satisfaes futuras. A organizao

    burocrtica exerce a ditadura do signo, onde as palavras- chave que a designam so Contabilidade, Plano, Programa, Controle. A

    organizao complexa apresenta-se como forma qual tudo deve se submeter.[8]

    Nos supermercados nenhum objeto percebido na sua imediatez: tudo empacotado, conservado, etiquetado. Do produto

    somente percebemos a representao fotogrfica, legenda, desenho. Os corpos materiais dissolvem-se em corpos de signos, so

    elementos num nico texto. Idntico processo de coisificao se opera com o elemento humano. Dirigir homens como

    mercadorias, manipular signos.

    As organizaes complexas traduzem o real numa linguagem simples, transcrevem os corpos em signos. As organizaes

    complexas traduzem o corpo em signos. Realizada a operao, o que sobrou do corpo original? Ele desaparece na nova

    representao. A organizao toma como interlocutor o corpo que ela produziu, ela define, para ns, o emprego do tempo e do

    nosso corpo. No fim do processo, o corpo nada mais do que um signo num conjunto de signos que formam as malhas

    organizacionais. A organizao apropria-se de nosso corpo, de tal forma que qualquer ruptura nos aprece como uma auto-ruptura.

    a que a adeso organizao encontra um de seus fundamentos; o corpo, que adere organizao visualizando a possibilidade

    de uma ruptura reage com alta carga de ansiedade. Controladores e controlados, engajados no mesmo processo, participam de uma

    comunidade de destino: a organizao da racionalidade. A anlise da violncia e do sacrifcio inerente estrutura

    organizacional.

    A organizao realiza um processo concomitante: destruio e unificao. O homem dividido na execuo de suas tarefas

    parceladas, isolado no seio da grande metrpole, reagrupado no interior das imagens organizacionais.

    O taylorismo a fisiologia do corpo dividido.

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    A organizao significa um combate contra a entropia.

    Mauss* conta a histria do mito tsimhiam onde uma princesa d luz uma Petite Loutre miraculosamente; dirige-se com a

    criana cidade de sei pai, o chefe. Apresenta-se a todos e pede para no mat-la caso a reencontre pescando na sua forma animal.

    Mas ela esqueceu de convidar um chefe. O chefe e a tribo esquecidos encontram no mar Petite Loutre, que tinha na boca uma

    grande foca e matam-na. O Grande Chefe procura-a e encontra-a no seio da tribo esquecida. Seu chefe desculpa-se, pois no

    conhecia Petite Loutre. Sua me, a princesa, morre de melancolia e o chefe culpado involuntariamente encaminha ao Grande

    Chefe todos os tipos de presentes como expiao.

    Os reis se esquecem de convidar outros chefes para seu casamento, os criminosos sempre deixam uma pista. Luta-se em todos os

    nveis contra a entropia: o mito tsimhiam mostra que uma perturbao no sistema conduz morte! o que, em linguagem

    moderna, a sabotagem, a pane, que as organizaes modernas tentam conjurar. O equilbrio camufla o desequilbrio.

    As organizaes mantm-se pela transmisso e energia e sua converso em trabalho: a reproduo a fora de trabalho se d em

    perodos de desequilbrios sociais, pro exemplo, nas migraes rurais-urbanas, onde multides sem trabalho concentram-se na

    periferia das grandes cidades; ou em migraes operrias de pases estagnados para reas de crescimento, como portugueses,

    espanhis, argentinos e turcos na Europa. Como fonte de energia o trabalhador vtima do processo de dilapidaes e desgaste

    onde a organizao que canaliza sua energia integra-o no movimento de deslocamento e desintegrao. Da verifica-se que a

    transformao da energia em trabalho s possvel atravs dos desequilbrios provocados pelas organizaes.

    A eficincia do esquema centralizador simblica. Nesse sentido cabe organizao a produo do que a diferencia do mundo. A

    sociedade consumista insere-se no campo da simulao diferencial. A organizao unifica a produo, representao da diferena.

    A dramaturgia converte-se na finalidade principal das organizaes: congressos, paradas, desfiles, delegaes recebidas comgrandes pompas, banquetes, publicidade intensiva. A organizao produz o Espetculo. A distino entre produo e

    representao desaparece. A organizao deve produzir diferenas simblicas ou extinguir-se. Assim, o nazismo, pela

    representao de massas, desmoraliza os oposicionistas reais ou potenciais. Tanto o Tenessee Valley Authority, como as grandes

    obras sobre o rio Dnieper, no s justificam uma organizao centralizada co tambm criam condies para o lirismo

    organizacional. A estrutura de pirmide impe a sua ordem, a eficincia nasce da hierarquia, seja a pirmide familiar, poltica

    educacional. A organizao o grande elemento mediador entre eu e o outro. O medo ao isolamento se d na medida em que

    a estrutura piramidal tem os meios para assegurar o monoplio das relaes entre os homens. A organizao centralizada e

    unitria constitui o grande refgio, ela domestica a energia sem direo: no por acaso que as organizaes mais eficientes so

    aquelas onde predominam um sexo s: por exemplo, a Igreja. Ela garante a vida de seus membros, nada possvel em ela. A

    autonomia inexiste, s h o dilema: inserir-se na organizao ou desaparecer. Por isso ela acentua a retrica da integrao. O

    Sindicato para Tannenbaum, a comunidade de Lloyd Warner e a corporao de Durkheim e Elton Mayo, aprecem como possveis

    integracionistas num universo dividido.

    Na realidade, a oposio segurana-inseguranca, integrao-excluso artificial. Assim, a revoluo industrial organiza o novo

    modo de produo, ao mesmo tempo que divide o homem num conjunto de tarefas parceladas.

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    Embora March e Simon argumentem que no bojo da teoria organizacional no h lugar para a coordenao, participam do delrio

    organizacional, racionalistas que no querem enxergar as organizaes como instancias do imaginrio tambm. A direo exclui,

    como os magos sacrificam. O centro funciona como um dado que deve ser escotimizado[9] tambm na teoria dos sistemas

    isso se d. No entanto, constitui-se em pea fundamental.

    A organizao burocrtica complexa no explicita a necessidade do centro mas o no-necessrio como piv da organizao. Tal

    estranheza faz parte tambm de certa concepo burocrtica de socialismo, onde o Estado deve desaparecer progressivamente e,

    no entanto, ele domina em toda sua amplitude! O poder apreendido como escndalo. A coordenao se apropria do espao

    reservado ao fantasma piramidal. As relaes institudas apresentam uma sucesso de nveis hierrquicos em que cabe ao superior

    uma zona reservada e onde o subalterno no pode entrar.

    O pai que proprietrio do corpo da mulher, interdito aos filhos, o senhor feudal que se apropria da terra, o professor que dispe

    soberanamente de um campo de conhecimentos. O usufruto dessa situao pressupe a aceitao do papel de pai, proprietrio,

    chefe, professor. Da mesma maneira que o senhor exercia poder absoluto sobre suas terras, os detentores da informao instalam

    um domnio confortvel como na Rgie Renault, com a introduo de uma nova mquina, s o contramestre pode compreender o

    funcionamento.[10]

    O sistema cultural assiste ruptura entre apalavras sagrada e profana. No mais Deus que dispe do monoplio do verbo nem a

    Igreja de sua interpretao. A cincia ocupa hoje o lugar do Verbo Divino. A casta dos cientistas substituiu a hierarquia

    eclesistica como elemento mediador entre a palavra superior e a coletividade humana.

    O antagonismo puro e impuro encontra-se entre os chamados trabalhos sujos e limpos como nas relaes entre o trabalho

    manual e intelectual. A organizao atravs dos seus psiclogos industriais, afirma a possibilidade de vencer a impureza. Osesgotos podem ser transformados em matria s. A guerra limpa, tecnologicamente definida, coexiste com a suja, rstica.

    A eficincia da impureza consiste na delimitao das reas do proibido. Os impuros so intocveis, s podem ser destrudos. O

    nazismo significou a dominao totalitria dos puros sobre os impuros. Nas organizaes altamente burocratizadas, instituies

    totais, o impuro segregado por obstculos como muros altos, florestas, portas de ferro.

    Os contatos com o exterior so monopolizados pela direo. O subalterno no tem contatos com os circuitos externos da empresa,

    s os responsveis podem manter tais relacionamentos. Caso haja qualquer caso de espionagem industrial, os subalternos tm

    menor chance de sair-se bem que os elementos de staff privilegiados por seus contatos com o exterior, que ampliam as

    possibilidades de manobras dos mesmos.

    Na medida em que a organizao burocrtica delimita as zonas de impureza interna e externa, ela se assegura uma certa dinmica

    energtica. O funcionamento asseguradocomo em algumas organizaes polticaspela luta contra os sabotadores do interior

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    e os inimigos do exterior. A empresa s evolui na luta contra as disfunes do mercado. Haver relao entre o domnio do

    impuro pelas organizaes e o grau de sua eficincia? O nazismo, que definia como fim explcito reduzir as raas impuras,

    constri organizaes burocraticamente estruturadas para atingir tais objetivos: AS, SS, KL. No entanto, o quotidiano mostra uma

    constante preocupao em jugular o impuro. A impureza constitui o centro do discurso das organizaes industriais. um dos

    temas favoritos da manipulao publicitria. No h nenhum anuncio de detergente que no avalize suas qualidades na cruzada

    contra o impuro. O bom funcionamento organizacional implica a depurao peridica.

    Paralelamente a este processo, se instaura o processo da construo de um imaginrio, por mediao da organizao, em direo a

    seus clientes. O campo publicitrio organizacional apresenta um universo em que a organizao se constitui como prestao de

    servios e para a qual o cliente tem sempre razo e manda. A organizao atenciosa e assptica, benevolente com os caprichos

    da clientela. O desejo se constitui em elemento fundante da conduta do cliente. Nada lhe recusado, tudo permitido; ele pode

    satisfazer-se na sua imediatez e plenitude. Ela substitui o espetculo do lucro pela gratuidade. Para tal, constitui uma rea onde o

    dom[11] tem cidadania, pequenos bnus anexos s mercadorias, que possuem uma importncia bsica na definio da marca. As

    adaptaes ao mercado, inerente s organizaes lucrativas, se do ao lado de um processo de regenerao das mercadorias e

    servios propostos clientela. Quanto mo-de-obra, o termo participao parece ter virtudes suficientes para ancor-la

    organizao com muito mais firmeza que o servo gleba.

    A vida s possvel no processo organizacional. O imaginrio enquadrado pela organizao transforma-se num relutante apelo

    burocrtico, com todo o pathos de um ofcio de repartio pblica, imaginem Sfocles amanuense!

    O fato que a mo-de-obra sai da empresa para entrar no sindicato burocratizado, ou freqenta a Igreja ou freqenta um partido,

    os dois estruturados em forma de pirmide, com nveis de staff e linha, com dogmticas rgidas interpretadas legitimamente por

    outros elementos treinados nesse mister, dispondo dos ttulos reconhecidos. Em suma, o ritmo vital regulado pela escola,exrcito, empresa, hospital, agncia de viagens e, finalmente, o asilo.

    Nas instituies totais o mesmo grupo de co-participantes que controla tudo sob a mesma autoridade, conforme um plano

    racional geral, seja ele elaborado pelo staff do presdio, do manicmio, do convento ou do colgio interno.

    Nessas instituies, h o grupo maior cuja atividade fica confinada aos limites da organizao total e o pessoal staff que mantm

    horrio de 8 horas de trabalho e contatos com o exterior. caracterstica a barreira linha/staff com esteretipos negativos ou

    agressivos. H um grande hiato entre eles, grande distancia social.

    Enquanto o operrio recebe um salrio e tem a liberdade de gast-lo em qualquer ambiente, o mesmo no se d com o interno das

    instituies totais que assumem a responsabilidade por ele e exigem algum ou pouco trabalho. Geralmente est incorporado a

    sistemas de pequenos pagamentos cerimoniosos como, por exemplo, a rao semanal de fumo ou presentes de Natal que motivam

    os doentes mentais a continuarem em suas ocupaes. Em algumas prises, navios, campos de cortes de rvores possvel alguma

    poupana forcada: o indivduo recebe o que lhe devido aps cumprir a pena.

    As instituies totais desenvolvem mecanismos de despojamento e mortificao do ego: decises autnomas so eliminadas

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    mediante a programao coletiva das atividades dirias.

    A estrutura da sociedade escalar, ela articula-se com o aspecto informal definido como regras do local que definem formalmente

    nveis de proibies. Em troca, o staff oferece recompensas e privilgios, que se constituem em modos peculiares s instituies

    totais. Receber visitas, fumar um cigarro,o dia da folga, sua negao por qualquer transgresso cometida aos regulamentos,

    assume um aspecto vital no quotidiano interno da instituio total.

    No entanto, nas instituies totais possvel que se d este processo: os guardas no comunicam infraes aos regulamentos,

    transmitem informaes proibidas aos presidirios, negligenciam as exigncias elementares de segurana e aliam aos presidirios

    em criticas francas aos funcionrios da alta burocracia. Muitos podem ter em si uma ambivalncia bsica em relao aos detentos

    sob sua guarda: embora condenados, muitos criminosos representam sucesso, em termos de um sistema mundano de valores (alto

    prestgio, notoriedade e riqueza) e o guarda mal remunerado poder sentir em associar-se a algum to famoso.

    Pode dar-se a corrupo pela instituio total atravs da reciprocidade no caso em que o controle da docilidade do presidirio

    resida menos nas sanes negativaso que representa encargos para a administrao da prisomas na consecuo de um certo

    nvel de cooperao voluntria do presidirio. Em troca, infraes secundrias aos regulamentos so ignoradas.

    Concluses

    No interior o sistema social as instituies educacionais e seus sacerdotes, os professores, desenvolvem um trabalho contnuo e

    sutil para a conservao da estrutura de poder e, em geral, da desigualdade social existente. Duas so as principais funes

    conservadoras atribudas escola e aos professores: a excluso do sistema de ensino dos alunos das classes inferiores e a que

    definimos como socializao subordinao, isto , a transmisso ao jovem de valores compatveis com seu futuro papelsubordinado.[12]

    Examinemos a primeira concluso. Uma frase repetida continuamente pelos socilogos liberais que a escola constitui o mais

    importante canal de ascenso social. Tal proposio exata na medida em que a atribuio da posio social hoje cada vez

    mais ligada ao sistema de escolaridade. Mas errada e mistificadora, se se entender que a escola favorea ou promova a

    mobilidade social. Eis que h fortssimos obstculos que impedem a inteligncia e a capacidade de manifestar-se, privilegiando

    mais a cumplicidade com o sistema, com o critrio de ascenso social.

    importante lambarmos que a famlia conserva grande parte de usa importncia como base inicial da seleo social dos

    indivduos, ela transmite ao herdeiro, ao filho, no somente o capital financeiro mas tambm o capital cultural. Esse capital

    cultural tem sua legitimidade definida atravs dos ttulos escolares.

    O importante que se desenvolve num sistema de ensino pr-universitrio unificado, onde o sistema escolar convence o aluno de

    origem popular de que necessrio competir para atingir altos escales, e que seu destino social depende antes de mais nada de

    sua natureza individual[13]. Paralelamente, a escola desenvolve o processo de socializao, ou seja, da aceitao do existente

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    como o desejvel. A dificuldade do corpo professoral em adaptar-se s mudanas scio-culturais pode implicar na sua

    visualizao, no como um corpo que reproduz valores dominantes, mas sim defensor de um patrimnio valorativo superado, qual

    seja, de vestal da classe mdia.

    Bibliografia

    BENJAMIM, R. L Univers des Instituteurs, Paris, Ed. De Minuit, 1964.

    BOTAI, Giuseppe. La Carta dellla Scuola, Milo, Ed. Mondadori, 1941.

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    ESTABLET. Lcole capitaliste en France. Paris, Ed. Maspro, 1971.

    FERRER, Francisco. La Escuela Moderna. Montevidu, Ed. Solidaridad, 1960.

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    LOBROT, M. A Pedagogia Institucional. Lisboa, Ed. Iniciativas editoriais, 1966.

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    SCHUH, E. Der Volksschulleher. Berlin, H. Schrodel Verlag, 1962.

    THOMPSON, V. As modernas organizaes, So Paulo, Ed. F. Bastos

    TRAGTENBERG, Maurcio. Burocracia e Ideologia, So Paulo, Ed. tica, 1974.

    TROPP, A. The School Teacher, Londres, 1957.

    __________

    * In: GARCIA, Walter. (Org.) Educao Brasileira Contempornea: organizao e funcionamento. So Paulo, McGraw-Hill doBrasil, 1976, pp. 15-30.

    [1] O taylorismo tem como finalidade: eliminar o poder de deciso do operrio e tornar o operrio uma mquina.

    A organizao moderna a instituio onde se realiza a relao de produo que se constitui a caracterstica de todo sistema

    social, o mecanismo de explorao e se rege pela coero e manipulao. A substncia a organizao no um conjunto

    funcional, mas sim, a explorao, o boicote e a coero.

    [2] Para Simon, a hierarquia necessria para alcanar um fim comum. Ela tende a tornar-se mais rgida quanto mais complexa

    a organizao. Sustenta que, da mesma maneira como no mecanismo de mercado, o fim de todos coincide com o de cada um.

    Acha-se como pressuposto um certo tipo de racionalidade que os utilitrios do sculo passado sustentavam como universal. No

    entanto, os fins so formulados pela cpula, a teoria da organizao pretende no discutir o problema central do poder, o que

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    explica tambm o xito do estudo referente aos pequenos grupos, onde o conformismo constitui fonte de felicidade.

    [3] O processo acima define a hegemonia do autoritarismo na escola, onde a palavra autorizada a do mestre, enunciada pelo

    programa e pelas instrues sobressalentes. O caderno funciona como registro e permite a inspeo a inspeo e o controle da

    conformidade. Os dispositivos audiovisuais permitem difundir programas pr-fabricados que correspondem a um discurso escolar

    estritamente subordinado organizao!

    * M. Lobrot C. A. Pedagogia Institucional, p. 161, Lisboa, Editora Iniciativas Editoriais.

    [4] A convico de que o prestgio profissional est progressivamente diminuindo confirmado por pesquisas realizadas nos

    EUA, Itlia, Alemanha, no que se refere a professores de nvel ginasial, conforme G. SCHEFER, Das Geselleschaftsbild des

    Gymnasiallehrers, Frankfurt am Main, Suhrkamp Verlag, 1969, especialmente pp. 43-50.

    [5] O discurso sobre a produo reservado aos tecnocratas, o discurso sobre as relaes sociais reservado aos polticos, o

    discurso da mudana reservado aos revolucionrios profissionais, o discurso sobre o sexo reservado para a Educao Sexual e

    o discurso sobre o corpo de mbito dos mdicos.

    [6] Muitas pesquisas desenvolvidas em diversos pases demonstraram que o excessivo contingente de alunos por classe e uma das

    maiores fontes de insatisfao dos professores, conforme E. SCHUC, Der Volksschullehrer Strofakto en in Berufsleben und ihre

    Ruckwirkung auf die Einstellung im Berugf, Berlim, H. Schodel Verlag, 1962. Nessa pesquisa que envolveu 508 professores

    alemes, as maiores fontes de insatisfao provinham do excessivo nmero de alunos por classe, baixo prestgio social do ensino e

    escassa possibilidade de carreira. Resultados idnticos no que respeita Frana foram colhidos por R. BENJAMIM, L Univers

    des Instituteurs, Les Editions de Minuit, 1964.

    [7] A Europa caracteriza-se na educao por um sistema de mobilidade cooptativa. Os alunos das classes inferiores so eliminados

    de diversas formas. O simples fato da escola, cujo recrutamento de alunos estrutura-se na classe mdia e alta, estar prxima

    habitao do aluno, formar classes pequenas e possuir material didtico, coloca os alunos das classes pobres em situao

    desvantajosa, como ponto de partida. H uma escola mdia para a formao da classe dirigente e outra tcnica sem possibilidade

    de chegar ao nvel superior, para a classe operria. Isso foi teorizado por Giuseppe BOTAI, La Carta della Scuola, Milo, 1941, p.28, ed. reformulada.

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    [8] Pr-requisitos necessrios ao professor ingls do sculo XVIII: Ele deve ser: 1) Membro da Igreja da Inglaterra, de vida

    austera, idade no inferior a 25 anos; 2) Dedicado Santa Comunho; 3) Capaz de autodomnio de si e das paixes; 4) De carter

    submisso e conduta humilde; 5) possuir bom talento didtico; 6) Bem informado dos princpios e fundamentos da religio crist

    com capacidade para enunci-los ante o ministro da parquia ou ao Bispo mediante exame escrito; 7) Possuir boa caligrafia e

    slidos fundamentos nas Matemticas; 8) Membro de uma famlia de ilibada conduta moral e 9) Contar com a aprovao do

    ministro da parquia (sendo um fiel) antes de procurar autorizao do Bispo. A. TROPP, The School Teacher, Londres,

    Heinemann, 1957.

    * MAUSS, M, Sociologie et Antropologie, Ed. PUF, Frana.

    [9] Segundo o psicanalista Oto Fenichelescotomizar significa no querer enxergar, no admitir, negar magicamente o real.

    [10] D. MOTH, Militant chez Renault, Ed. du Seuil, Paris, p. 10.

    [11] O uso contnuo do conceito do dom ou dos dotes intelectuais constitui um pretexto para desviar o discurso das causas sociais

    das menores possibilidades de instruo que tm na Alemanha os filhos de operrios, remontando-as a pretensas causas naturais.

    R. DAHRENDORF, Arbeitenkinder an deutschen Universitaten, (J. C. Mohr, Tubingen, 1965, p. 29)

    [12] A insensibilidade ante a desigualdade social e seu papel no comportamento do aluno constitui tambm caracterstica do

    ensino nos pases desenvolvidos. Veja-se H. ULIBARRI, Teacher Awareness of Sociocultural Differences in Multicultural

    Classrooms, in E. T. Keach, R. Fulton, F. E. Gardner (eds.), Education and Social Crisis, Nova York, J. Willley, 1967, pp. 139-

    144.

    [13] P. BOURDIEU, Lcole Conservatrice, p. 342, in Revue Franaise de Sociologie, VII, 1966, pp. 325-347.