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O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS INTRODUÇÃO O apóstolo e evangelista Mateus é o autor do primeiro evangelho sinótico. Era um publicano. Chamava-se Levi, e era filho de Alfeu. Exercia seu ofício, antes de sua conversão, em ou perto da cidade de Cafarnaum, Mt.10.3. Estava assentado na exatoria, quando Jesus o chamou, Mt.9.9; Mc. 2.14-15; Lc.3.27-29. Não há dúvida, quanto à identidade do antigo publicano Levi com o posterior apóstolo Mateus, quando se compara as passagens paralelas, como também o costume dos judeus de, por ocasião de algum evento importante na vida, adotar um novo nome. Cf.At.4.36; 12.12;13;9. Está evidente, através de todo este evangelho, que o autor foi um judeu-cristão da Palestina, cuja familiaridade com o método romano de coletar impostos indica para um conhecimento pessoal do trabalho dos publicanos. Mateus nunca foi alguém distinto no círculo dos apóstolos. Era quieto e sem ostentação. Um discípulo feliz na companhia de seu Senhor. Somente tanto é registrado de sua atividade depois da ascensão de Cristo, que ele esteve empenhado como missionário entre os judeus da Palestina. A tradição diz que ele passou seus últimos anos da vida na proclamação do evangelho na Etiópia e outros países gentios, e que morreu em idade avançada. O objetivo do evangelho segundo Mateus está indicado, quase, em cada seção do livro. Escreveu para seus concidadãos. Não, porém, na língua hebraica ou aramaica, como alguns têm pensado 12 ), mas em grego que, naqueles dias, era a língua comum do oriente. Seu alvo foi mostrar a gloriosa culminação do tipo e da profecia do Antigo Testamento, ou seja, provar que Jesus Cristo, o filho de Davi, o rebento do tronco de Jessé, é o Messias prometido. Mostrar que toda a vida, sofrimento, morte e ressurreição de Cristo é o cumprimento da Antiga Aliança. Fornecem abundante evidência disso, tanto a tabela genealógica que estabelece a reivindicação que Jesus é o filho de Davi, como a referência contínua ao Antigo Testamento, e a freqüente repetição da frase “para que se cumprisse”. Este é o fato principal que o autor deseja imprimir em seus ouvintes. No que se refere à data do evangelho, vê-se do capítulo 27.8 e 28.15, que foi escrito algum tempo depois do acontecimento dos fatos neles escritos. Também parece evidente, que foi composto antes da destruição final de Jerusalém. Pois, o autor, sem dúvida, teria feito, no evento referido, referência ao cumprimento da profecia de Cristo sobre a ruína daquela cidade. Relatos antigos dizem, que o evangelho de Mateus foi o primeiro a ser escrito, sendo sugerida, com algum grau de plausibilidade, a data de 60 AD. O fato que a posterior e final atividade missionária de Mateus não lhe permitiam o tempo para um trabalho literário, torna possível que ele o escreveu enquanto ainda vivia na Palestina, compondo-o em Jerusalém. A autenticidade deste evangelho não pode ser colocada em dúvida. Considerações históricas e textuais sustentam, não só a autoria de Mateus, mas também que este livro faz parte do cânon e pertence aos escritos inspirados da Bíblia. Podemos estar seguros que temos hoje o evangelho tal como Mateus, um dos apóstolos do Senhor, o escreveu e na mesma forma em que o redigiu pela inspiração do Espírito Santo 1 Veja Schaller, Book of Books, § 180. 2

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O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS

INTRODUÇÃO

O apóstolo e evangelista Mateus é o autor do primeiro evangelho sinótico. Era um publicano.Chamava-se Levi, e era filho de Alfeu. Exercia seu ofício, antes de sua conversão, em ou perto dacidade de Cafarnaum, Mt.10.3. Estava assentado na exatoria, quando Jesus o chamou, Mt.9.9; Mc.2.14-15; Lc.3.27-29. Não há dúvida, quanto à identidade do antigo publicano Levi com o posteriorapóstolo Mateus, quando se compara as passagens paralelas, como também o costume dos judeusde, por ocasião de algum evento importante na vida, adotar um novo nome. Cf.At.4.36; 12.12;13;9.Está evidente, através de todo este evangelho, que o autor foi um judeu-cristão da Palestina, cujafamiliaridade com o método romano de coletar impostos indica para um conhecimento pessoal dotrabalho dos publicanos. Mateus nunca foi alguém distinto no círculo dos apóstolos. Era quieto esem ostentação. Um discípulo feliz na companhia de seu Senhor. Somente tanto é registrado de suaatividade depois da ascensão de Cristo, que ele esteve empenhado como missionário entre osjudeus da Palestina. A tradição diz que ele passou seus últimos anos da vida na proclamação doevangelho na Etiópia e outros países gentios, e que morreu em idade avançada.

O objetivo do evangelho segundo Mateus está indicado, quase, em cada seção do livro. Escreveupara seus concidadãos. Não, porém, na língua hebraica ou aramaica, como alguns têm pensado12),mas em grego que, naqueles dias, era a língua comum do oriente. Seu alvo foi mostrar a gloriosaculminação do tipo e da profecia do Antigo Testamento, ou seja, provar que Jesus Cristo, o filho deDavi, o rebento do tronco de Jessé, é o Messias prometido. Mostrar que toda a vida, sofrimento,morte e ressurreição de Cristo é o cumprimento da Antiga Aliança. Fornecem abundante evidênciadisso, tanto a tabela genealógica que estabelece a reivindicação que Jesus é o filho de Davi, como areferência contínua ao Antigo Testamento, e a freqüente repetição da frase “para que secumprisse”. Este é o fato principal que o autor deseja imprimir em seus ouvintes.

No que se refere à data do evangelho, vê-se do capítulo 27.8 e 28.15, que foi escrito algum tempodepois do acontecimento dos fatos neles escritos. Também parece evidente, que foi composto antesda destruição final de Jerusalém. Pois, o autor, sem dúvida, teria feito, no evento referido,referência ao cumprimento da profecia de Cristo sobre a ruína daquela cidade. Relatos antigosdizem, que o evangelho de Mateus foi o primeiro a ser escrito, sendo sugerida, com algum grau deplausibilidade, a data de 60 AD. O fato que a posterior e final atividade missionária de Mateus nãolhe permitiam o tempo para um trabalho literário, torna possível que ele o escreveu enquanto aindavivia na Palestina, compondo-o em Jerusalém.

A autenticidade deste evangelho não pode ser colocada em dúvida. Considerações históricas etextuais sustentam, não só a autoria de Mateus, mas também que este livro faz parte do cânon epertence aos escritos inspirados da Bíblia. Podemos estar seguros que temos hoje o evangelho talcomo Mateus, um dos apóstolos do Senhor, o escreveu e na mesma forma em que o redigiu pela inspiração do Espírito Santo

1 Veja Schaller, Book of Books, § 180.2

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O conteúdo do evangelho pode ser resumido, brevemente, como o que segue. Mateusapresenta, antes de tudo, uma narrativa breve do nascimento e da primeira infância de Jesus.Segue, então, um relato do ministério do Senhor que foi introduzido com o batismo de João. Oevangelista dedica a maior parte do seu evangelho ao trabalho do Senhor na Galiléia. Nestaépoca ele treinou seus discípulos para o trabalho da pregação do evangelho do reino, o que, porfim, trouxe sobre ele o ódio sempre crescente dos judeus, em especial dos seus líderes. Nasegunda parte do evangelho há um relato detalhado da última jornada do Salvador paraJerusalém, dos seus últimos sermões e milagres, dos seus sofrimentos, morte e ressurreição. Oevangelho finaliza com o notável comando missionário do Senhor e de sua promessaconfortadora: “Eis, que estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos”.

Capítulo 1 A Genealogia Legal de Cristo. Mt.1.1-17.

v.1.Livro da genealogia de Jesus Cristo, Filho de Davi, filho de Abraão. Este é o título, oulegenda, que Mateus coloca no cabeçalho de seu livro. Todo o evangelho é um livro dagenealogia de Jesus Cristo, no sentido em que os judeus, em geral, empregavam a expressão emsituações semelhantes. Significa uma narrativa dos acontecimentos mais importantes na vidaduma pessoa, relatados de maneira mais ou menos breve, Gn.2.4;5.1;6;9;37.2; Nm.3.1. Oevangelista apresenta a história do nascimento, dos feitos, sofrimento, morte e ressurreição doSenhor Jesus Cristo. Mas os primeiros versículos são uma genealogia no sentido mais restritodo termo. Apresentam uma lista dos antepassados legais de Cristo, por meio do padrasto Joséque era um herdeiro legítimo do reino, o que também era uma idéia que interessava sumamenteaos judeus cristãos. Mateus chama a Jesus o filho de Davi, que foi o rei da idade de ouro dopovo judeu. A promessa do Salvador, finalmente, foi restrita à sua família, 2.Sm.7.12-13;Sl.89.3-4; 132.11; Is.11.1; Jr.23.5. Cristo foi profetizado sob o próprio nome “Davi”, Ez.34.23-24; 37.24-25. “Filho de Davi” era o título oficial que os judeus aplicavam ao esperado Messias,Mt.9.27; 12.23;21.9. Por autoridade profética, haviam sido conduzidos a esperá-lo sob estadesignação. Mas, também, deveria despertar a atenção e conservar o interesse dos cristãos deorigem judaica, saber que o Cristo, que Mateus proclamava, era o filho de Abraão. Pois, elessabiam que o pai de sua raça recebera a promessa do Senhor: “Em ti e na tua semente serãobenditas todas as nações da terra”, Gn.12.8; 18.18; 22.18. Por esta razão, ele se refere somentea estes dois pais, tendo em vista que, neste povo, a promessa de Cristo foi feita somente a estesdois. Mateus, por isso, enfatiza as promessas feitas a Abraão e Davi, porque ele tem umaintenção definida em relação a esta nação, querendo, como herdeiros da promessa, influenciá-los, num modo agradável, a aceitar o Cristo que lhes foi profetizado, e a crer que Jesus a quemhaviam crucificado, foi este homem”3.

.

3 )

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v.2-16: 2) Abraão gerou a Isaque; Isaque, a Jacó; Jacó, a Judá e a seus irmãos; 3) Judá gerou deTamar a Perez e a Zera; Perez gerou a Esrom; Esrom, a Arão; 4) Arão gerou a Aminadabe;Aminadabe, a Naassom; Naassom, a Salmom; 5) Salmom gerou de Raabe a Boaz; este, de Rutegerou a Obede; e Obede, a Jessé; 6) Jessé gerou ao rei Davi; e o rei Davi, a Salomão, da quie foramulher de Urias; 7) Salomão gerou a Roboão; Roboão, a Abias; Abias, a Asa; 8) Asa gerou aJosafá; Josafé, a Jorão; Jorão, a Uzias:9) Uzias gerou a Jotão; Jotão, a Acaz; Acaz, a Ezequias;10) Ezequias gerou a Manasses; Manasses, a Amom; Amom, a Josias; 11) Josias gerou a Jeconiase a seus irmãos, no tempo do exílio em Babilônia, Jeconias gerou a Salatiel; e Salatiel, aZorobabel; 13) Zorobabel gerou a Abiúde; Abiúde, a Eliaquim; Eliaquim, a Azor; 14) Azor geroua Sadoque; Sadoque, a Aquim; Aquim, a Eliúde; 15) Eliúde gerou a Eleazar; Eleazar, a Mata;Mata, a Jacó; 16) E Jacó gerou a José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama oCristo.

Em três secções, em que cada uma tem quatorze membros, que retrocedem até Abraão que é o paidos fiéis, são relacionados os progenitores de José. Nenhuma pessoa, já nascida neste mundo, podiagabar-se de uma ancestralidade direta mais elevada ou ilustre, do que Jesus Cristo. Estavamrepresentados, nesta lista, os ofícios real, sacerdotal e profético em toda sua glória e esplendor.“São Mateus escreve seu evangelho numa maneira sumamente magistral, e faz três distinções dospais de que Cristo procedeu: quatorze patriarcas, quatorze reis e quatorze príncipes. Há três vezesquatorze pessoas, como o próprio Mateus os chama. De Abraão a Davi, incluídos os dois, sãoquatorze pessoas ou membros. De Davi ao cativeiro babilônico novamente quatorze membros;... Edo cativeiro babilônico a Cristo há também quatorze membros”4 .

Uma comparação cuidadosa da lista, tal como dada aqui, e o relato encontrado no AntigoTestamento, 2.Cr.22.-26, mostra uma discrepância sem importância. Pois, Acazias, Joás e Amaziasseguiram após Jorão , antes de Uzias. A explicação desta dificuldade se encontra no fato queMateus pegou as genealogias tal como as encontrou nos repositórios públicos judaicos que, mesmoque corretas no principal, em algumas partes eram diferentes. Mas a omissão dos três reis nãotrouxe conseqüências ao argumento do evangelista, que consistia em mostrar a descendêncialegítima de José, o pai adotivo de Jesus, e, por isso, do próprio Jesus, numa linha ininterrupta, deDavi e Abraão. “Que necessidade há para muitas palavras? O próprio Mateus mostrasuficientemente que não desejou enumerar as gerações com correção judaica, e, assim, estimular adúvida. Pois, quase à moda judaica, coloca três vezes quatorze membros de pais, de reis e príncipesmas, com noção proposital, omite três membros da segunda secção, como se dissesse: As tabelasgenealógicas, realmente, são devem ser desprezadas, mas a coisa principal reside nisso que Cristo éprometido através das gerações de Abraão e Davi” 5.

Outra dificuldade está no versículo onze, onde Josias é citado como pai de Jeconias, quando foi seuavô, 1.Cr.3.14-16. A solução é encontrada, ou na referência à exposição feita acima que mostra queMateus fez uso duma contradição deliberada, visto que os judeus tinham o costume de estender adenominação “pai” também ao avô; ou podemos adotar a leitura marginal que está baseada emalguns manuscritos gregos: “Josias gerou a Jaquim, e Jaquim gerou a Jeconias”. Isto também

42)Lutero11.2344.5 Lutero, 7.7.

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forneceria o décimo quarto membro desta secção, a não ser que incluamos Jesus neste grupo. Demaneira semelhante, ainda que Jeconias não tinha irmãos mencionados nas Escrituras, seu pai ostinha, e não é em nada incomum encontrar parentes mais afastados sendo referidos deste modo, Gn.28.13; 31.42; 14.14; 24.27; 29.15. “Não se deve supor que o evangelista estivesse preocupado quealgum elo na linha tivesse sido omitido. Sua única preocupação era tornar certo que nenhum nomeaparecesse que não pertencesse a esta linha”6 . Outro fato interessante: São mencionadas somentequatro mulheres nas tabelas, e, destas, duas eram originalmente membros de nações gentias –Raabe e Rute – e duas eram adúlteras – Tamar e Bate-Seba. Também é de observar, que a últimanão é citada pelo nome, sendo a referência tanto uma delicadeza como uma censura. Dos reis epríncipes, que Mateus enumera, havia alguns velhacos muito maus, como lemos no livro dos Reis.Deus, no entanto, permitiu-lhes que entrassem e fossem tão preciosos que ele quis nascer deles. Eletambém não descreve nenhuma mulher piedosa. As quatro mulheres mencionadas eramconsideradas como velhacas e ímpias pelo povo, e consideradas mulheres más, como Tamar querecebeu Perez e Zera de Judá, o pai de seu esposo, como está escrito em Gn.38.18. Raabe échamada prostituta, Js.2.1. Rute era uma mulher gentia, Rt.1.4. Ainda que fosse piedosa na honra,visto que não se lê algo de mau sobre ela, no entanto, porque era uma gentia, ela era desprezadaqual cachorro pelos judeus e considerada como uma indigna diante do mundo. Bate-Seba, a mulherde Urias, foi uma adúltera antes que Davi a tomasse por mulher e gerasse dela a Salomão,2.Sm.11.4. Sem dúvida, todas elas são enumeradas para que nós pudéssemos ver o quanto quisespelhar a todos os pecadores, e que Cristo foi enviado a pecadores e quis nascer de pecadores.Sim, quanto maior o pecador, tanto maior o refúgio que teriam com o misericordioso Deus,Sacerdote e Rei. Ele é nosso irmão, em quem e em nenhum outro, somos capazes de cumprir a lei ereceber a graça de Deus. Ele, para isto, veio do céu, e de nós não deseja mais do que isto, quepermitamos que ele seja o nosso Deus, Sacerdote e Rei. Então tudo será bom e claro. Somente porele nos tornamos filhos de Deus e herdeiros do céu 7.

A tabela de Mateus finda com as palavras, v. 16a: “E Jacó gerou a José, marido de Maria”. Estefato, e as circunstâncias adicionais em Lucas cap.3, que tem uma lista bem diferente dos ancestraisde Jesus, precisam ser considerados como prova positiva de que temos em Mateus a genealogia deJosé, o pai adotivo de Jesus. Por isso, o objetivo do evangelista foi, sem dúvida, apresentar Jesusem seu nascimento, como filho legal de José, esposo de Maria, e, como tal, sendo o herdeirolegítimo do trono de Davi. José foi, perante a lei, o pai de Jesus. Todos os seus direitos eprivilégios foram, em vista do seu nascimento e descendência, pela lei transferidos ao seu filho.José, enquanto vivia, continuou no seu papel de antepassado paterno legal de Jesus, Mt.13.35;Jô.6.42. Desta maneira o nome e a posição de Jesus, especialmente durante seu ministério, estavamacima da censura, Dt.23.2, e a sua pretensão de ser o herdeiro da linhagem de Davi, estava sobrebases sadias, até aos olhos dos obstinados defensores da lei.Observem a fraseologia cuidadosempregada por Mateus nesta sentença, v.16b: “Maria, da qual nasceu Jesus”. O Salvador não foigerado dos dois, como de pais naturais, mas só de Maria. Desta maneira o evento que Mateus estápor relatar, está colocado fora do curso da natureza, para além do nível da compreensão humana. Onome de seu filho é Jesus, segundo a realização da grande obra para a qual ele veio ao mundo – asalvação da humanidade. E ele é chamado o Cristo, que tem exatamente o mesmo significado comoo hebraico Messias – o Ungido de Deus. Era o seu título oficial, segundo o seu ofício triplo, como olegítimo descendente de Davi, que a genealogia mostrou dele. Só ele é, acertadamente, chamado oCristo, acima de todos os seus companheiros segundo a carne. Ele é o Rei dos reis e o Senhor dossenhores. O grande Rei que com seu poder onipotente governa o universo inteiro, e que reina noscorações dos seus seguidores com sua misericórdia benigna. Ele é o Profeta, maior do que Moisés,que tem uma mensagem divina de verdade e amor e graça para todas as pessoas. Ele é o grande

6 Expositor’s Greek Testament, 1.63.7 Lutero, 11.2346.

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Sumo Sacerdote, que, em seu próprio corpo e pelo derramamento do seu próprio santo e preciososangue, fez plena propiciação pelos pecados do mundo inteiro.

É esta a introdução de Mateus ao seu evangelho. Concluindo esta genealogia, que imediatamentecoloca Jesus o Cristo no centro diante das mentes e corações de seus leitores, ele dá um resumobreve, de acordo com as divisões da história judaica, V.17: De sorte que todas as gerações desdeAbraão até Davi, são catorze; desde Davi até ao desterro para a Babilônia, catorze; e desde odesterro de Babilônia até Cristo, catorze. Os três períodos representam, respectivamente, as trêsformas de governo que os judeus tiveram: A teocracia, a monarquia e a hierarquia, tendo juizes,reis e sacerdotes em sua liderança. Mas, casualmente, a mesma divisão resume a sorte de Israel.Primeiro veio a época do crescimento lento mas constante, com todas as manifestações do zelo doprimeiro amor e fervor a Deus, que culminou no reinado de Davi. Após veio o período do declíniolento e a desintegração gradual, introduzido com o reinado luxurioso de Salomão e caracterizadopelo conflito contínuo e desvantajoso com a idolatria. E por fim veio o período duma igrejarestaurada, mas internamente arruinada, duma ortodoxia morta e dum ritualismo insípido. Se nestecontraste algo se ressalta, é isto, que a redenção foi desejada intensa e urgentemente.

O Anúncio a José e o Nascimento de Jesus – Mt.1.18-25.

V.18a: Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim, escreve o evangelista. A referência não dizrespeito tanto ao real processo de gerar, como à idéia geral de origem. Foi desta forma que oMessias assumiu a natureza humana, tomando sobre si mesmo a forma da nossa carne pecaminosa.Como Filho de Deus, ele não teve começo mas está desde a eternidade no seio do Pai, Jo.1.18.Como ser humano, ele teve princípio. E o evangelista relata esta origem, V.18b: Estando Maria,sua mãe, desposada como José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo EspíritoSanto. Maria havia entrado numa promessa de casamento ou num contrato nupcial com José. Elahavia concordado com o casamento, ou havia empenhado sua palavra a José que desta forma estavapreso a ela pela sua promessa de noivado. Enquanto Maria estava neste compromisso com José, edepois que lhe dera seu penhor de ser sua prometida noiva, ela ainda vivia em sua própria casa ouna de seu pa.i. Era regra, que se passava algum tempo antes que uma noiva virgem era dadaformalmente em casamento e levada à casa de seu esposo, Dt.20.7; Jz.14.7-8; 15;1-2. Neste ínterim,não ocorria a coabitação, ainda que o contrato matrimonial fosse legal e obrigatório. Foi, no tempoantes da celebração das núpcias, que Maria esteve grávida dum filho. Sua situação não era sódelicada, mas a mais angustiante e humilhante que podia cair sobre o destino duma jovem pura.Mesmo sabendo que era inocente, até mesmo da menor transgressão, e inteiramente convicta dofato que sua situação era devida unicamente ao agir sobrenatural do Espírito Santo, ela, aindaassim, podia esperar que ninguém acreditaria em sua defesa, caso tentasse faze-lo. “Nada, a não sera mais plena consciência de sua própria integridade, e a mais firme confiança em Deus, podiamsuporta-la numa situação, em que estavam em jogo a sua reputação, sua honra e sua vida” 8.

José mostrou-se em tudo, nesta situação crítica, como um verdadeiro cristão deve ser, V. 19: MasJosé, seu esposo, sendo justo e não a querendo infamar, resolveu deixa-la secretamente. Incapazde acreditar na inocência dela, diante das evidências que eram maiores do que a força duma pessoacomum, ele, ainda assim, achou uma saída deste dilema tão difícil. Como esposo prometido emcasamento, tinha os direitos e as responsabilidades dum esposo. E ele era um homem justo, reto erespeitador da lei a qual, em relação ao assunto da infidelidade da mulher, era muito rija edescomprometedora, Dt.22.22-24. José, porém, não desejava expor Maria publicamente, e, destamaneira, amontoar sobre ela ignomínia e vergonha. Pois, ela era a mulher a quem ele votara o amor

8 Clarke, Commentary, 5.39.

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de um esposo. Sua humanidade e bem-querer, isto é, seu afeto, haviam sido postos num testesevero. Mas o resultado da sua avaliação do caso foi, não tomar medidas rigorosas, antes, resolveucancelar secretamente o laço do noivado, sem dar qualquer motivo para tanto, para que a vida delafosse salva. A justiça havia sido temperada com a misericórdia.

Foi neste ponto que Deus interferiu em favor da mãe de seu Filho, conforme a sua humanidade,V.20: Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo do Senhor,dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, porque o que nela foi gerado édo Espírito Santo. A mente de José, ainda, estava ativamente envolvida com o embaraçosoproblema. Estava lutando com pensamentos dolorosos, angustiantes e confusos, e, talvez, seuexpediente tão bondoso, até lhe parecia duro demais. Mas eis! Uma manifestação vívida dum anjo,para enfatizar a intervenção de Deus. A visão veio a José num sonho, para salvar a ele a sua noivaduma ação que teria dado em conseqüências desastrosas. A aparição dum anjo num sonho era umdos métodos usados por Deus para tornar conhecida a sua vontade, ou para, em casos especiais,revelar o futuro. O anjo se dirige a José: “José, filho de Davi”, não para lhe despertar o humorheróico, como foi sugerido, mas para enfatizar o pensamento do reconhecimento da adoção legal dacriança. Ele não devia temer levar para casa, de aceitar publicamente, Maria como sua mulher. Estaaceitação singela das palavras do anjo significou para José um ato de fé, semelhante aos realizadospelos grandes heróis do Antigo Testamento, a saber: crer inteiramente no Senhor, apesar de todasas evidências dos sentidos. Este reconhecimento público salvaria a honra de Maria, e, também, dacriança. Pois, em vez de ser um fruto dum relacionamento adúltero e licencioso, e o produto dumacoabitação muito ímpia, a criança que dela devia nascer era do Espírito Santo, concebida peladeliberada intervenção de Deus agindo contra o curso da natureza.

O ponto alto da mensagem do anjo, V.21: Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus,porque ele salvará o seu povo dos pecados deles. Estava decidido no conselho de Deus: Ela dará àluz uma criança; ela se tornará mãe, não só por uma intervenção sobrenatural em que Deus daránova vida a órgãos que já haviam passado da idade de conceber, como aconteceu com Sara e Isabel,Gn.18.10-14; Lc.1.7,13,18, mas por uma maravilhosa suspensão do processo usual da natureza,segundo a qual as pessoas nascem do desejo da carne e do desejo do homem, havendo uma açãoativa de ambos os sexos. José devia dar o nome Jesus a este filho de Maria. Esta é uma ordem naforma duma predição. José, dando à criança este nome, iria reconhecer publica e formalmenteadota-la como seu filho legal. O nome da criança deve ser Jesus, mas não como mera denominaçãopara o distinguir de outras pessoas, como no caso do sinônimo hebraico Josué, Nm.13.17; Zc.3.1,mas, como uma expressão da real essência da personalidade divina que era, pela qual seriaalcançada a salvação das pessoas . O anjo, por isso, expõe o nome: “Ele salvará o seu povo dospecados deles”.Este é, resumido numa frase, o fim e o objetivo da sua vinda.Este é o recado e amissão do anjo: Ele, e ninguém outro, só ele, e ele em sua inteireza, salva; ele traz pleno perdão,livre salvação, libertação total, não só da poluição e poder do pecado, mas também da sua culpa;ele traz ao seu povo este benefício inestimável, não somente aos membros de sua nação segundo acarne ou seja ao povo judeu, mas a todos que estão em necessidade um Salvador, Mt.18.11. Esta é amensagem do evangelho, não que Jesus fez pouco caso do pecado, mas que ele fez sua expiação.Cristo não tolera o pecado, mas ele o destrói.

Agora, Mateus junta uma nota explicativa, para mostrar o cumprimento dos tipos e das profecias doAntigo Testamento na pessoa e obra de Cristo, V.22-23: Ora, tudo isto acontece, para que secumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: Eis que a virgem conceberá edará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel que quer dizer:Deus conosco! Nãofoi por um incidente, que tudo ocorreu do modo como o evangelista o registra, mas foi umaocorrência definitivamente decidida e totalmente planejada, séculos antes, pelo Senhor. Pois, foiele que falou a profecia através de Isaías, capítulo 7.14. As palavras, como escritas pelo profeta, sereferiam a um sinal ou milagre, que o Senhor prometeu ao rei Acaz, para lhe assegurar que os

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conselhos e planos dos inimigos de Israel não ficariam de pé mas que, finalmente, seriamtotalmente frustrados. Dando este sinal, o Senhor teve em mente o Israel espiritual e seus inimigos,sendo o resgate a redenção conseguida pelo Messias. Diante do Deus eterno, o espaço de setecentosanos é como a vigília da noite. Agora o sinal será dado e a profecia seria cumprida.A virgem, nãoqualquer uma das virgens, mas aquela designada e escolhida por Deus, estando grávida, estava notempo de dar à luz um filho. E eles, não só seus pais, mas os homens e o povo que o conheceriam,em especial, os que aceitaram sua salvação, chamariam seu nome Emanuel: Deus conosco. Estaspalavras se cumpriram no filho de Maria. Seu filho é o próprio Deus. Em sua pessoa o próprioDeus forte, o Senhor onipotente, está conosco, não conforme sua justiça condenatória, masconforme sua bondade amável e suas ternas misericórdias, Jr.9.6;Jô.1.1,14; 1 Tm.3.16.

O resultado da visão Angélica, V. 24: Despertado José do sono, fez como lhe ordenara o anjo doSenhor, e recebeu sua mulher. Tão logo que acordou do sono, esteve imediata e decididamenteativo e começou a pôr em prática as instruções divinas. Conduziu Maria para casa como suaesposa. Celebrou o noivado com todas as cerimônias costumeiras dos judeus. Aquela que era suamulher pelo noivado, recebeu agora esta posição aos olhos de todos. Mas o casamento não foiconsumado nesta ocasião, V.25: Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, aquem pôs o nome de Jesus. José não consumou as relações naturais do casamento com Maria, atéque nasceu seu filho, o Messias prometido. É questão discutível, se Maria e José alguma vezviveram juntos no relacionamento conjugal e se geraram filhos. Teólogos da igreja católica emuitos comentaristas protestantes argumentam, com muito ânimo, que o primogênito de Maria foiseu único filho. Alguns asseguraram com um dos pais da igreja, que os “irmãos” de Jesus, citadosem várias passagens, Mt.12.46;13;55;Mc;3;31;Lc.8.19; Jô.2. 12; 7.5; At.1.14; Gl.1.14, eram osprimos do Senhor, os filhos de Alfeu, irmão de José e de Maria, a mulher de Alfeu, e cunhada (nãoirmã) da mãe do Senhor. Outro mantiveram que eles eram os meio-irmãos de Jesus, nascidos aJosé dum casamento anterior. Na verdade, a questão é de somenos importância e não consegue tersignificado doutrinário. Não foi por razões históricas, exegéticas ou dogmáticas, mas tão só pormotivos de reverência, que homens se sentiram movidos a insistir no alegado fato da perpétuavirgindade de Maria.9 O evangelista conclui a narrativa, afirmando que José pôs o nome de Jesus aofilho de Maria, seguindo, assim, a ordem divina, assumindo a paternidade legal da criança e,incidentalmente, expressando sua esperançosa crença no Salvador da humanidade.

Sumário: Jesus Cristo, o Filho e herdeiro legítimo de Davi, além do qual sua genealogia podeser traçada até Abraão, o pai dos fiéis de todos os tempos, foi concebido e nasceu de Maria, avirgem mãe, depois que José, seu pai adotivo, fora instruído por meio duma ,maravilhosa visãoangélica quanto à intervenção de Deus.

O Nascimento duma Virgem

O fato do nascimento duma virgem não foi questionado e as doutrinas consoladoras tiradas delaeram aceitas universalmente, por quase XVIII séculos, depois da ascensão de Cristo e dafundação da igreja cristã. As palavras do Credo Apostólico: “Concebido pelo Espírito Santo,nasceu da virgem Maria” eram confessadas e cridas em toda a igreja cristã. Mas a era doracionalismo ou de crer somente o que a razão admite como verdade, trouxe uma novaconcepção de criticismo bíblico e causou destruição em nossa doutrina. Certo crítico atacou aidéia duma origem sobrenatural de Jesus e tentou achar uma explanação natural para o caso.Outro declarou que José foi o pai de Jesus. Um terceiro, calmamente, tratou as histórias danatividade de Cristo como mitos. Agindo assim, o relato inteiro da Bíblia foi, rapidamente,

9 Veja Schaller, Book of Books, § 276.

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desacreditado, sendo negados, tanto o fato do nascimento duma virgem, como a doutrina danecessidade do nascimento inocente do Salvador. É afirmado que o mundo moderno já nãopode crer em milagres, e, por isso, não há mais lugar para eles. Esta posição, evidentemente,derruba toda a Bíblia e a história da igreja, estando ambos cheios de milagres. Alguns têmafirmado, que o nascimento duma virgem tem nenhum significado doutrinário, não sendo abase física da existência de Cristo mas o caráter moral e espiritual de sua personalidade queestão envolvidos na redenção. Mas tais afirmações revelam o fato de que eles estão muito beminformados da conecção vital que há entre a doutrina do nascimento duma virgem e a fé nadivindade de Cristo. Uma terceira classe de críticos é a favor da explanação mitológica,declarando que lendas e mitos brotaram, em todos os tempos, em relação ao desenvolvimentode todas as religiões. Os próprios críticos, infelizmente, não concordam entre si, assumindoalguns deles uma origem hebraica da história, outros uma grega, e outros uma hindu. Alémdisso, os exemplos deles são uma escolha muito fraca, sendo assumida, na maioria das vezes,uma paternidade divina por meio dum relacionamento carnal. E um escritor recente mostrouque todas estas teorias são insustentáveis e que não semelhantes, referindo-se, além disso, aofato que os mitos gentios sobre tais histórias são de um caráter incrivelmente vil e imoral,enquanto que nada consegue ser igual à linguagem simples, casta e convincente da narrativa daBíblia. O argumento final dos críticos, de que o criticismo histórico e textual provou que houveedições seguidas das histórias do Novo Testamento, e que há a presença de material alheio àsfontes essenciais do evangelho, revela a sua ansiosa intenção que querem pôr em prática, asaber destruir a fé dos cristãos bem como a verdadeira história da Bíblia.

Apoiemo-nos, para combater estes ataques, nas armas que o próprio Cristo nos indicou, asaber: “Está escrito”. Está claramente escrito, Is.7.14, que o Messias deveria nascer dumavirgem. Pois, a palavra hebraica, usada na passagem, tanto pela sua etimologia como peloemprego, designa, não meramente “uma mulher em idade para casar”, mas um virgem, umajovem que não conheceu a um homem. O Dr. Stoeckhardt provou este significado, até, napassagem de Pr.30.18-20 10. O nascimento duma virgem é ensinado de modo mais decisivo napassagem acima, Mt.1.20-25, com também em Lc.1.34-35. Ele, além disso, concorda com aprofecia de Gn.3.15, onde a Semente só da mulher é citada como o esmagador da cabeça daserpente. Ele encontra sua confirmação total no fato a que São Paulo se refere no modo maismanifesto, quando fala do Filho de Deus, como tendo nascido de mulher, Gl.4.4.

À luz destas passagens tão evidentes, temos todas as razões para dizer: “Por isso, osfalsificadores são esses homens e críticos estudados e os visionários e os que escrevem lendas,mas não os apóstolos e evangelistas. A sua pesquisa histórico-crítica é pura fraude. Do pontode vista da sua incredulidade, até, não podem agir diferentemente. É deles a experiência dosjudeus. Têm olhos mas não vêem, e ouvidos para ouvir e não ouvem, e eles já receberam a suarecompensa. O diabo lhes agradece por isso” 11.

Queremos conservar a doutrina do nascimento duma virgem, como uma parte necessária danossa fé. Cremos que isto é essencial para uma apreciação total do caráter sobrenatural, sim,divino, do Salvador. “O divino ser, para constituir uma pessoa divino-humana, teve que entrarna profundeza procriadora da humanidade, e selecionar e assumir uma natureza humana, queele purificou em sua formação, e se unir pessoalmente com ela. Precisou ser osso de nossoosso, carne de nossa carne, alma de nossa alma, a fim de estar organicamente unido com a raçahumana. Mas precisou ser a nossa natureza elevada acima de si mesma, separada, purificada,transmutada – uma natureza humana que, de modo muito estranho e misterioso, podia ser

10 Der Prophet Jesaias. Die ersten zwoelf Kapitel, 84. Clarke, Commentary, 5.40.11 Synodalbericht, Mo.Syn., Mich. Dist., 1904.29.

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‘tentada em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado’” 12. Cristo “de fato se tornouuma natureza humana real e verdadeira, mas que não foi concebida e nasceu em pecados, comoos demais filhos de Adão. Por isso, sua mãe precisou ser uma virgem, que homem nenhumhavia tocado, para que ele não fosso concebido e nascesse sob a maldição, mas sem pecado, epara que o diabo não tivesse direito ou poder sobre ele... Celebramos tal misericórdia neste dia,para agradecer a Deus que ele purificou a nossa concepção e nascimento impuros epecaminosos pela sua concepção e pelo seu nascimento. Assim ele tirou de nós a maldição enos trouxe a bendição. Nós, por natureza, temos uma concepção e nascimento pecaminosos,mas Cristo tem uma concepção e um nascimento puros e santos. E por meio da sua concepção edo seu nascimento santos são abençoados e santificados a nossa natureza, sangue e carne” 13.Ofato da santa humanidade de Cristo, que nos são assegurados pelo seu nascimento dumavirgem, fez com que seu ser fosse colocado sob a lei e fê-lo cumprir perfeitamente a lei, e,assim, tornou possível toda a sua obra da redenção.

O Compromisso Dum Noivado Legítimo

Tendo em vista o fato, que o conceito moderno do laço matrimonial está afundandorapidamente ao nível da idéia gentia em suas manifestações mais imorais, e, tendo em vista queestá na ordem do dia brincar com a santidade do laço matrimonial, é necessário enfatizar avisão escriturística do dever dum noivado legítimo, como indicado no texto acima Vv.18-20.Manter que passagens desta espécie só têm valor histórico, e que elas, por isso, só dizemrespeito aos judeus, e que suas ordens não são obrigatórias aos cristãos de hoje, é inconsistentecom a exigência que, de modo correto, faz da Bíblia a regra do viver como também a norma dedoutrina.

Entra-se num noivado legítimo, quando um e uma mulher, estando em idade de casar e nãoestando impedidos por empecilhos da Escritura ou legais, tendo o consentimento expresso ouimplícito de seus pais ou responsáveis, e pelo seu próprio consentimento livre e mútuo,prometem um ao outro ser e permanecer marido e mulher em união vitalícia. Esta é a visãoescriturística dum noivado legítimo. Um tal noivado, sem tomar em consideração osregulamentos estatais e eclesiásticos dos judeus, é equivalente ao casamento, no que concerne àindissolubilidade do laço matrimonial. Quando Ló foi instado a sair da amaldiçoada cidade deSodoma, pelos anjos foi enviado a falar aos seus “genros, aos que estavam para casar comosuas filhas”. Eles haviam noivado com elas e tencionavam, mais tarde, o casamento, Gn.19.14.Quando Jacó, com a vontade e o consentimento dos pais dos dois lados, Gn.28.2;29.18-19, eranoivo de Raquel, filha de Labão, falou dela como de sua “mulher”, mesmo antes que as núpciashaviam sido realizadas, Gn.29.21. Estes dois acontecimentos ocorreram antes que existissem asleis eclesiásticas judaicas. Caso semelhante é o de nossa passagem. Quando Maria estava“desposada com José, sem que tivessem coabitado”, José é chamado seu “esposo”, e ela échamada a “mulher desposada de José”. Cf. Lc.1.27; Dt.22.22-29;28.30; Os.4.13.

Em adição a estas passagens claras e óbvias, temos outra razão para considerar um noivadolegítimo como equivalente ao casamento, e isto é por analogia com trechos das EscriturasSagradas, tanto do Antigo como do Novo Testamento, nas quais se fala da união de Cristo comsua Igreja. Encontramos em todas estas passagens, que os termos “esposado” ou “noiva” (notexto original, o equivalente ao alemão Braut, uma mulher noiva), e “mulher” são usados comosinônimos e de modo totalmente indiscriminado. O grande “mistério” a respeito de Cristo e sua

12 Keyser, The Rational Test, 97.98.13 Lutero 13.2676,2679. Cf. Pieper, Christliche Dogmatik,2.76,77.

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Igreja, Ef.5.32, perderia seu sentido, caso noivado e casamento, como empregados na Palavrade Deus, não fossem idênticos. “Porque o teu Criador é o teu marido; o Senhor dos Exércitos éo seu nome”, Is.54.5. “Nunca mais te chamarão Desamparada; nem a tua terra se denominarájamais: Desolada; mas chamar-te-ão: Minha-delícia; e à tua terra: Desposada; porque o Senhorse delicia em ti; e a tua terra se desposará. Porque, como o jovem esposa a donzela, assim teusfilhos te esposarão a ti, como o noive se alegra da noiva, assim de ti se alegrará o teu Deus”,Is.62.4-5. “Desposar-te-ei comigo para sempre; desposar-te-ei comigo em justiça, e em juízo, eem benignidade, e em misericórdia”, Os.2.19. “Vem comigo do Líbano, noiva minha”,Cantares de Salomão 4.8-12. “O que tem a noiva é o noivo”, Jô.3.29. “Vi também a cidadesanta, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornadapara o seu esposo... Vem, mostrar-te-ei a noiva, a esposa do Cordeiro”, Ap.21.2,9. Comparemcom elas ainda as seguintes passagens: “São chegadas as bodas do Cordeiro, cuja esposa a simesma já se ataviou”, Ap.19.7. “Maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou aigreja”, Ef.5.21. E muitas outras afirmações em que a falta de lealdade e fidelidade do povo deIsrael é comparada com o adultério. Uma passagem que é, especialmente, clara é 2.Co.11.2.

Dados estes fatos, só há uma conclusão: “Um noivado válido, o consentimento mútuo legítimoe incondicional dum homem e duma mulher que podem casar, para serem marido e mulher,torna as partes, por meio deste pacto, essencialmente marido e mulher diante de Deus... Arescisão de esponsais legítimos ou dum noivado válido é deserção ilegal do laço matrimonial,da mesma forma como se ocorresse após a consumação do casamento” 14.A parte da doutrinadas Escrituras a respeito do compromisso do noivado, se olharmos somente o noivado, tal comoo temos hoje, e julgarmos conforme a razão, isto é, de acordo com a compreensão da moralnatural, precisamos considerar o noivado, tal como o temos hoje, com sua obrigação, comoequivalente ao casamento. 15.

Capítulo 2

Os Magos do Oriente, Mt.2.1-12.

V.1a: Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, em dias do rei Herodes. A transição que oevangelista emprega, conecta, apropriadamente, a narrativa das circunstâncias que envolvem onascimento do Salvador com a história da adoração dos magos. É um relato da “recepção dadapelo mundo ao recém-nascido rei Messias. Homenagem de longe, hostilidade em casa! Umprenúncio das venturas da nova fé: aceitação pelos gentios, rejeição pelos judeus”16 .EnquantoMateus não fixa o tempo do nascimento tão exato, como Lucas, Lc.2.1-2, ele, ainda assim,menciona um ponto muito importante, que confirma a profecia do Antigo Testamento, de modomuito notável. Pois, Herodes era rei nesta época. A história o chama de Herodes o Grande,visto que foi grande em astúcia política, grande em sagacidade diplomática, grande emcapacidade de gastar em obras de beleza e grandeza exterior, mas também grande, de modoquase incrível, em maldade. Ele era o filho do idumeu Antipater, procurador romano da Judéia.Sua ambição teve sucesso, quando, tendo apenas vinte e cinco anos, conquistou para si ogoverno da Galiléia. A seguir se tornou governador da Celessiria (hoje, vale de Bekaa), o valefértil entre o Líbano e a cordilheira dos montes Anti-Líbano, incluíndo o sul da Síria eDecápolis. Depois, ele foi feito tetrarca pelo triúmviro romano, Antonio. Afastado de suaprovíncia, onde sua situação sempre estivera insegura, pelo macabeu Antígono, Herodes fugiupara Roma, onde conseguiu o auxílio de Antonio e Augusto, e, pelo senado romano, foideclarado rei da Judéia, 714 anos após a fundação de Roma e 37 a.C. Foi-lhe necessário

14 ) Theol. Quart., 2.350; 3.408.15 ) Lehre und Wehre,1915,242; Cf. Jahn, Von der Verlobung,43; Lutero,10,655; Kretzmann, Keuschheit undZucht, 76,77; Theol. Quart., 20. 136-143.16 ) Expositor’s Greek Testament, 1,69.

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conquistar seu reino pela força das armas, mas,logo que o teve por posse, usou seu poder demaneira cruel e implacável para o seu próprio engrandecimento. Lisonjeou o partido influentedos fariseus com a construção do magnífico templo e por outros sinais fingidos de zeloreligioso. Cortejava a favor de Roma com uma servidão bajuladora, fazendo várias concessõesao paganismo, e com a introdução de costumes gregos. De suas dez esposas, executou aasmonea Mariana, filha de Hircano, e foi culpado que três de seus filhos, Antípater, Alexandree Aristóbulo, fossem mortos. Sem mencionar a multidão de outras execuções que foram tãocruéis quanto injustas. Com tal grau de sangüinolência, com que seu reino esteve caracterizado,a morte dos inocentes de Belém passa desapercebida por escritores seculares, por serconsiderada algo insignificante. Este foi o caráter de Herodes o Grande. Com oestabelecimento final e definitivo do seu reino, cumpriu-se a palavra do Senhor; “O cetro nãose arredará de Judá... até que venha Siló”, Gn.49.10. Cf.27.40. “ Em primeiro lugar, oevangelista cita o rei Herodes, para lembrar a profecia do patriarca Jacó, que disse, Gn.40.10:O cetro não se arredará de Judá, nem um mestre dos seus lombos, até que venha aquele quedeve vir. Desta profecia está claro, que Cristo só então teve que aparecer quando o reino ou ogoverno dos judeus tivesse sido tirado deles, não se assentando nele algum rei ou governanteprovindo da tribo de Judá. Isto aconteceu por meio deste Herodes, que não era da tribo nem dosangue de Judá mas era de Edom, sendo um estrangeiro que foi estabelecido pelos romanoscomo rei dos judeus. Mas, com grande indignação dos judeus, assim que por trinta anos ele seesfregou com eles sobre o caso, tendo derramado muito sangue e morto os melhores dentreeles, até os atordoar e forçar à submissão. Quando, então, este primeiro estrangeiro haviagovernado trinta anos e trazido o regime sob o seu poder, assim que se pôde assentar tranqüiloe os judeus se acalmado por não terem mais esperança de se livrarem dele, e tendo-se cumpridoa profecia de Jacó, então havia chegado a hora. Então veio Cristo e nasceu sob este primeiroestrangeiro, e apareceu, conforme a profecia. Como se dissesse: O cetro de Judá acabou; umestrangeiro está assentado sobre o meu povo; agora é a hora, para que eu chegue e também metorne um Rei; o governo pertence a mim” 17.

Jesus nasceu em Belém da Judéia, de acordo com o dito profético. Esta Belém é outra do que avila do mesmo nome na Galiléia, na antiga tribo de Zebulom, Js.19.15. O povoado donascimento de Cristo é chamado Belém da Judéia, 1.Sm.17.12, e Efrat ou Efrata, Gn.48.7; Mq.5.2. Está situada numa estreita crista ou elevação contemplando uma região de rica agricultura.Daí seu nome sugestivo, que significa “casa de pão”. Era um nome bem apropriado para umpovoado que produziu, como seu filho maior, aquele que apropriadamente é chamado o “pão davida”, Jô.6.35-48.

O evangelista, tendo indicado o lugar e o tempo da natividade, prossegue, V.1b: Eis que vieramuns magos do Oriente a Jerusalém. Ele introduz este novo tema, de um modo vívido, tendotambém em mente ressaltar o contraste entre o rei que governava a Judéia e estes estrangeirosduma terra gentia. Ele os chama de homens sábios, ou, de modo mais literal, de magos. Não oschama de reis, como o registra a lenda medieval. Eram os cientistas daquele tempo que, emmuitas côrtes, formavam o conselho privado do rei, Jr.39.3; Dn.2.48. Eles cultivavam, namaioria das vezes, a medicina, ciências naturais, especialmente em seus usos ocultos, ainterpretação de sonhos, e a astronomia. “Por isso, os magos, ou homens sábios, não eram reis,mas pessoas estudadas e peritas em ciências naturais... Os magos não eram algo outro do queforam os filósofos da Grécia e os sacerdotes do Egito e os homens eruditos das nossasuniversidades. Em resumo, eles eram os teólogos e sábios da Arábia Fênix, e foram enviadosexatamente, como se clérigos e sábios de universidades de hoje fossem enviados a umpríncipe” 18. Eles eram magos do Oriente. É provável que Mateus usa, intencionalmente, a

17 Lutero, 11,296.18 ) Lutero, 11,299.

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indicação vaga da localidade. Pouco interessa se os homens vieram da Arábia, da Pérsia, daMédia, da Babilônia ou da Partia. A tradição dos judeus afirma que houve profetas nos reino daSabá e Arábia, que descendiam de Abraão e Quetura, os quais transmitiram a promessa deDeus, dada a Abraão, de uma a outra geração. Tudo isto significa nada. O mais importante,porém, é que estes estrangeiros de uma terra distante vêm, numa missão tão extraordinária, aJerusalém. “Aquele, que os seus próprios moradores e cidadão não quiseram, estas pessoasestranhas e estrangeiras procuraram numa jornada de tantos dias. Aquele, a quem os sábios esacerdotes não quiseram chegar para o adorar, a este vêm os adivinhos e astrônomos. Isto,certamente, foi uma desgraça imensa para toda a terra e povo dos judeus, a saber que Cristohavia nascido em sem meio, mas que eles iriam aprender dele, primeiramente, de estranhos,gentios e estrangeiros” 19.

A mensagem dos magos foi breve, V.2: Onde está o recém-nascido Rei dos judeus? porquevimos a sua estrela no Oriente, e viemos para adora-lo. Havia uma afirmação em sua pergunta.Sabiam, com absoluta certeza, que ele nasceu. Isto lhes era um fato inquestionável eindiscutível. Havia nascido uma criança que era o Rei dos judeus. Fora de dúvida, sua realezajá está estabelecida. A evidência que os magos citam para a sua convicção é sensacional.Haviam visto o surgimento duma estrela, no exato momento em que o fenômeno aconteceu.Não uma estrela qualquer, não um meteoro providenciado para a ocasião, não um cometa debrilho singular, não uma junção extraordinária de planetas, mas a SUA estrela, uma estrela quefoi colocada no firmamento, ou que irradiou com brilho intenso, exatamente, na mesma hora. Oaparecimento e, de acordo com o versículo nove, também a condução desta estrela foi-lhes umsinal definitivo, uma prova certa do cumprimento duma profecia, tradição ou revelação quelhes foi dado a conhecer. Talvez, a profecia de Balaão, Nm.24.17, lhes tivesse sido expostapelos seus mestres, como a se referir a uma estrela verdadeira e física. Ou, talvez, Daniel, comodiz a lenda medieval que foi acolhida no poema “The Heliand” dos antigos saxões tenhatransmitida aos sábios do Oriente uma tradição a respeito desta peculiar estrela. De qualquermaneira,haviam vindo para adorar aquele cuja vinda a estrela indicava, a fim de lhe dar honra eadoração divina, por meio dum gesto de extrema humildade, colocando à sua disposição tanto asi mesmos, como a todas as suas posses.

O efeito deste anúncio alarmante, V.3; Tendo ouvido isto, alarmou-se o rei Herodes e, com ele,toda Jerusalém. A consternação de Herodes pode ser exposta de duas maneiras. Herodes, comorei e tendo em vista sua posição de rei, estava preocupado. Tendo ele próprio alcançado suaposição de governo absoluto, por meio de métodos que não eram em tudo inquestionáveis, esteestrangeiro e usurpador temia um rival. O tirano temia a alegre aceitação deste rival pelo povo.Ao mesmo tempo, Herodes sentia grande temor, porque fora abertamente predito que umpersonagem ilustre, o Messias, o Rei dos judeus, julgaria tanto a nação como o mundo. E aconsciência de Herodes não estava limpa. O povo, do outro lado, estava excitado, por diversosmotivos. O alarme dele era devido à má consciência e ao sentimento de culpa, por causa de suahipocrisia e egoísmo que, certamente, seriam notados pelo Messias. Mas, misturado a isto,estava a excitação da espera dum libertador do jugo de Roma, que era uma esperança,carinhosamente, acalentada pelos fariseus.

Herodes avalia enfrentar a emergência, V.4: Então, convocando todos os principais sacerdotese escribas do povo, indagava deles onde o Cristo deveria nascer. Não foi todo o sinédrio,também chamado o grande conselho do povo judeu, pois isto também incluiria os anciãos dosquais Herodes matara a muitos, mas os principais dos sacerdotes, tanto os atuais incumbentesdos cargos como também os antigos sumo sacerdotes.Também foram convocados os escribasque eram funcionários políticos, assistindo aos magistrados civis no papel de secretários

19 ) Lutero, 300.

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confidenciais e como estatísticos. Todos eram pessoas estudadas. Neste ponto também foiplanejada uma mudança política para fortalecer o prestígio vacilante de Herodes. Pois, serconvocado para uma reunião secreta podia ser considerado uma distinção rara pelos líderesjudeus. E Herodes, acostumado como estava a dar ordens, neste caso foi muito cauteloso.Ocultou sua solicitação em termos polidos, ainda que urgentes. A questão, que lhes submeteu,foi teológica: Onde, de acordo com os registros transmitidos, de acordo com a tradição aceita, éo lugar do nascimento de Cristo?

A resposta dos teólogos judeus traz em si o gosto uma satisfação oculta, V.5: Em Belém, terrade Judá, responderam eles, porque assim está escrito por intermédio do profeta: 6) E tu,Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as principais de Judá. Sua opiniãofoi dada sem hesitação. Isto refletia a opinião corrente e concordava com a tradição doTalmude. Em sua comprovação das Escrituras, não citam literalmente a passagem do AntigoTestamento, mas combinam as palavras do profeta, Mq.5.2 com 2.Sm.5.2. A propósito, suaresposta foi um pouco formatada conforme os ensinos rabínicos. “Não és tu a menor?”pergunta o texto. Belém, talvez, seja pequena em tamanho e em influência. Especialmente,quando comparada com o seu vizinho metropolitano. Mas, de modo algum, é a mais inferior emdignidade e distinção. Talvez, tenha sido considerada pequena e insignificante entre osmilhares de Judá, as cidades que se podiam orgulhar com uma população de mil ou maisfamílias, mas ela, ainda assim, tinha a reivindicação melhor fundamentada pela excelênciaentre os principais de Judá, V.6b: Porque de ti sairá o Guia que há de apascentar a meu povoIsrael. Desta vila desprezada virá, considerará a ela como sua cidade natal, aquele quecombinará as qualidades dum governante com as dum amigo terno e amável e dum guardavigilante. Ele, cujo nascimento daria distinção a Belém de Judá, será um Príncipe e um Guia,que fará da devoção vigilante do pastor de ovelhas sua missão de vida sobre aqueles que lheforam confiados.

Herodes se convenceu que a informação recebida era confiável. Por isso, ele resolveu eliminaralgum possível rival por meio dum método rápido e completo, mesmo que cruel. Necessita,porém, de mais informação, V.7: Com isto Herodes, tendo chamado secretamente os magos,inquiriu deles com precisão quanto ao tempo em que a estrela aparecera. Foi uma conferênciasecreta, bem de acordo com suas trapaças políticas. Tivesse ele feito seus inquéritos numaassembléia pública, então seus próprios palacianos poderiam ter-se tornado suspeitos. Mas,numa assembléia privada, seus visitantes, sem terem suspeição, poderiam ser persuadidos afalar livremente e sem ficarem alarmados. O que Herodes queria, era saber do tempo exato doprimeiro aparecimento da estrela, assumindo, provavelmente, que o nascimento da criançativesse ocorrido naquele mesmo tempo. Tudo não passava duma hipocrisia muito repugnante,um fingimento dum interesse gentil em tudo o que se relacionava com a criança em cujodestino as próprias estrelas pareciam envolvidas.

Herodes executa seu esquema, V.8a: E, enviando-os a Belém, disse-lhes: Ide informar-voscuidadosamente a respeito do menino; e, quando o tiverdes encontrado, avisai-me. Ansiosopelo sucesso dos seus planos, ele, ainda assim, consegue que seus sinceros visitantes sentemque ele não tem mais em mente, do que o resultado favorável de sua busca. O texto sugere aidéia de muita pressa. Ele os despediu imediatamente com o urgente pedido, que é quase umaordem: Ide e procurai; não deixeis nada por realizar; fazei vossa busca a mais completa, paraque o menino seja encontrado. E não só isto, V.8b: Para eu também ir adorá-lo. Ele coroa suahipocrisia como uma última mentira deslavada. Pois, ele não queria dobrar-se diante do meninopara o adorar em devoção, mas intentava prostrar a alma do menino no pó da morte.

Os magos, em sincera confiança, prosseguem, agindo segundo as palavras do rei, V.9: Depoisde ouvirem o rei, partiram; e eis que a estrela que viram no Oriente os precedia, até que,

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chegando, parou sobre onde estava o menino. Deixaram Jerusalém, aparentemente sozinhos e,tendo somente indicações gerais para os guiar. Herodes não queria que algum dos seus adeptosfosse o portador das notícias. Mas, os magos, olhando para o céu, viram novamente seu guia nofirmamento. Reconheceram o sinal celeste que, no princípio, lhes chamara a atenção aomilagre. E esta estrela continuou a andar diante deles em todo o trajeto, até que, chegando aBelém, parou exatamente sobre a casa onde o menino estava. Pois, ele foi o alvo de suaprocura. E a ele foram dirigidos. Uma outra prova é que a estrela, aqui referida, foi criadaexatamente para este objetivo: ela andou de norte a sul. Ela deve ter parado bem mais baixo doque as demais estrelas, visto que indicou exatamente para a casa em que o menino estava. “Masesta estrela, porque vai com eles de Jerusalém a Belém, ia de morte a sul, o que, por isso,estabelece claro que ela era de espécie, curso e lugar diferentes do que as estrelas nofirmamento. Não foi uma estrela fixa, como os astrônomos chamam as estrelas, mas umaestrela livre que podia subir a descer e girar para todos os lugares” 20.

O efeito de sua aparição sobre os magos, V.10: E, vendo eles a estrela, alegraram-se comgrande e intenso júbilo. Sua longa peregrinação teve sucesso. Sua busca ardente estava no fim.Tomou posse deles o mais intenso júbilo, um prazer de estase, como o evangelista o expressa.Imediatamente cumprem o propósito de sua peregrinação, V. 11a) Entrando na casa, viram omenino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, o adoraram. A descrição de Mateus é tão vívida,que as palavras lhe fluem de modo honrado num fluxo jubiloso. Os magos viram, eles mesmos,àquele que tinham desejado contemplar, a Criança, o Messias, a prometida Estrela de Judá. Suamãe Maria e seu padrasto, que é omitido intencionalmente, haviam encontrado abrigo numacasa da vila. Os magos adoraram ao menino, segundo o costume oriental, caindo sobre seusjoelhos e tocando o chão com seus frontes, numa completa entrega. V.11b: E, abrindo os seustesouros, entregaram-lhe suas ofertas: ouro, incenso e mirra. Aproximaram-se, tendo as mãoscheias, como convém aos que desejam achegar-se à presença duma realeza. Abrem suas caixasde tesouros. Apresentam ouro, o metal mais precioso, incenso e mirra, resinas preciosas earomáticas, destiladas de árvores e muito usadas em cerimônias religiosas, Sl.7.10; Is.60.6. Sehá algum significado especial, ou um sentido místico nestes dons, é uma especulação ociosaque preocupou a muitos comentaristas. Via de regra se afirmou, que o ouro deve ser destinadopara o Rei; o incenso, como dedicado a Deus; e a mirra, como destinado a quem deve morrer.Uma rima medieval o tem assim: “O primeiro foi ouro, como um onipotente Rei; o segundo foimirra, como sendo Sacerdote de sacerdotes; o terceiro foi incenso, como para assinalar para oenterro”. A explicação de Lutero é simples: “Ainda que eles (os magos) entrem numa casapobre, encontram uma mulher jovem e pobre, com um menino pobre. Há, também, lá umaspecto tão desigual a um rei, sendo que o servo deles é mais digno e ilustre. Eles, porém, nãose preocupam, mas, em fé imensa, forte e plena, afastam de seus olhos e mentes tudo o que anatureza, como sua arrogância, possa apresentar e produzir. Seguem, simplesmente, o versículodo profeta e o testemunho da estrela, e crêem que este é o Rei; prostram0se, adoram-no, e lhedão presentes”21 .

Mateus encerra a narrativa da adoração, V.12: Sendo por divina advertência prevenidos emsonho para não voltarem à presença de Herodes, regressaram por outro caminho a suaterra.Aqui está um outro exemplo da intervenção divina para frustrar os desígnios sanguináriosde Herodes em relação ao Salvador. No texto não transparece que a confiança singela dosmagos lhes desse espaço para suspeitar da intenção do rei, e que tivessem pedido a Deus poralgum sinal. É dito, tão somente, que, por ordem de Deus, eles receberam u8m conselhodecisivo, para não voltar em seu caminho a Jerusalém. Não tem maior importância, se cada umdo grupo teve a visão, ou se o líder recebeu a ordem de Deus. Basta que eles concordaram com

20 ) Lutero, 11,331, 2105.21 ) Lutero, 11.355, 2113.

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a ordem. Partiram, afastaram-se, e fugiram para o seu próprio país, indo por um caminhodiferente daquele que as caravanas usavam, e longe da vizinhança perigosa de Herodes.Haviam alcançado seu objetivo. Haviam visto a Luz dos gentios. Seus corações estavam plenosdaquela satisfação que sente a alma crente que viu a salvação do Senhor.

A Fuga para o Egisto e o Retorno a Nazaré. Mt.2.13-23.

Uma parte do plano de Herodes não funcionou: Os magos não retornaram para lhe revelar oparadeiro exato do menino. Agora o Senhor também frustrou o desígnio contra a vida domenino, V.13: Tendo eles partido, eis que aparece um anjo do Senhor a José em sonho, e diz:Dispõe-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egito, e permanece lá até que eu te avise;porque Herodes há de procurar o menino para o matar. Deus, mais uma vez, usa uma visãoangelical para proteger seu Filho, dando as necessárias instruções a José. Cf. capítulo 1.20.Está manifesta a necessidade da pressa: Dispõe-te; pega logo; sem perda de tempo. Mais umavez o menino é citado primeiro. Tudo gira em redor do seu bem-estar. “E sua mãe”, diz o anjo.A fraseologia é muito cuidadosa e, mais uma vez, com exatidão, indica para o nascimentoduma virgem. Também está exposta a razão da ordem dada, a fim de prevenir delonga. Herodestem a idéia, ou, ele planejou e está à procura do menino, tendo o propósito de mata-lo. Até olugar de refúgio do menino é citado na divina mensagem. O Egito seria, temporariamente, seunovo lar, até ao tempo, quando, como uma ordem ou comunicação futura a José, iria permitirsua volta à pátria. É provável que o Egito foi escolhido, porque nele se haviam fixado muitosjudeus. A santa família estaria, por isso, entre seus concidadãos e entre uma província romanaonde a fúria de Herodes não os podia perseguir. José, também nesse ponto, foi obediente àpalavra do anjo, V. 14-15: Dispondo-se ele, tomou de noite o menino e sua mãe, e partiu parao Egito; e lá ficou até à morte de Herodes, para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor,por intermédio do profeta: Do Egito chamei o meu Filho. Mateus narra o cumprimento daordem nas palavras exatas em que o anjo as havia falado, a fim de mostrar a índole submissa deJosé. Naquela mesma noite ele escapou calmamente, e com os que lhe era confiados. Fez doEgito o seu lar, até à morte de Herodes, a qual, segundo os cálculos históricos mas próximos,ocorreu naquele mesmo ano. Ele morreu de uma doença singular e repugnante, que fez quesuas carnes lhe apodrecessem nos ossos, fazendo com que, antes que a alma lhe saísse docorpo, ele já fosse um cadáver horrendo. De passagem, deve ser observado, que os relatos sobrea estada de Cristo no Egito, tal como encontrados em fontes apócrifas, são totalmentefantasiosas e peças de superstição. Mas é de interesse encontrar, também, nisso o cumprimentoduma profecia do Antigo Testamento, Os.11.1. Ainda qu8e nela seja referida a libertação deIsrael da escravidão do Egito, o Espírito Santo dá-nos, aqui, uma outra exposição verdadeira,mostrando que a profecia se refere ao menino Jesus em sua peregrinação segura mo país, emque seus antepassados haviam sido conservados em cativeiro, e de seu retorno ileso do mesmo.Guardemos na mente a referência à inspiração divina da profecia!

V. 16: Vendo-se iludido pelos magos, enfureceu-se Herodes grandemente, e mandou matartodos os meninos de Belém e de todos os seus arredores, de dois anos para baixo, conforme otempo do qual com precisão se informara dos magos. O evangelista, depois de sua brevedigressão, retorna para sua história propriamente dita. Herodes foi que, do seu ponto de vista,fora enganado, feito um bobo, pelos magos. Quando esteve convicto que eles não retornariam aJerusalém para relatar o que haviam achado em Belém, enfureceu-se em extremo. Estavaenraivecido duma fúria irracional. Esta cólera exigia uma saída. Ela só podia ser apagada comsangue. Herodes enviou executores a Belém, com a ordem de matar todas as crianças quefossem encontradas na própria vila e nos seus arredores, inclusive no distrito rural que ocircundava. Nem um só foi poupado, nem mesmo, segundo relato antigo, o seu próprio filho.

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Fixando a idade de suas vítimas, ele fez uso da informação repassada pelos magos, tendo,provavelmente, aumentado o tempo para se certificar que nenhum pudesse escapar. Herodesnão seria muito escrupuloso: duma hora de vida a dois anos, não interessava; quando muito,assegurava-lhe uma ampla margem de acerto nas duas direções.

Aqui, novamente, há um comprimento, não literal mas típico, duma profecia, V. 18-18: Entãose cumpriu o que fora dito, por intermédio do profeta Jeremias: Ouviu-se um clamor emRama, pranto,choro e grande lamento; era Raquel chorando por seus filhos e inconsolávelporque não mais existem. A passagem, como o profeta a escreveu, Jr.31.15, é a narração dumavisão sobre a deportação de Israel ao cativeiro, sendo que Raquel era a mãe representativa danação, e Rama tendo sido uma fortaleza de Israel junto à fronteira onde os cativos deviam sejuntados. Mateus aplica esta passagem à matança dos inocentes. Raquel é representada como amãe de Belém e de sua vizinhança. Foi aqui que ela morreu quando deu à luz, Gn.35.16-20.Sua dor pelo infortúnio de seus filhos levaram-na a um choro e lamento tão amargo, como aoque as mães de Belém, com certeza, se entregaram diante da flagrante, revoltante e tolacrueldade de Herodes. Palavras de consolo e conforto pouco adiantavam, sendo elas forçadas atestemunhar o massacre de seus filhos diante dos seus próprios olhos, restando a elas, comoúnica reação, contorcer as mãos em desesperada tristeza e agonia.

O evangelista retorna à história do Salvador, V.19-20: Tendo Herodes morrido, eis que o anjodo Senhor apareceu em sonho, a José no Egito, e disse-lhe: Dispõe-te, toma o menino e suamãe, e vai para a terra de Israel; porque já morreram os que atentavam contra a vida domenino. Herodes morreu no ano 750, após a fundação de Roma. E seu filho Antípatro, herdeironatural do trono, que tinha herdado o caráter cruel do pai, havia sido morto, a mando destetirano, cinco dias antes que ele próprio rendeu sua alma. Assim, já não existiam mais aquelescujo propósito assassino era mais ostensivo. O anjo, em vista disso, deu a ordem a José, pararetornar à terra de Israel. Nenhum perigo imediato ameaçava a vida do Salvador. Não precisavahaver qualquer apreensão em relação à sua segurança. Como se dissesse: Não há nada enenhuma pessoa a temer, por isso: Vão. Notemos, mais uma vez, que Mateus sempre dá aomenino Jesus a posição proeminente a que o elevava sua divindade. Assim ele deve serguardado nas mentes e corações de todos os leitores.

José não se delongou em obedecer a ordem, V. 21: Dispôs-se ele, tomou o menino e sua mãe,e regressou para a terra de Israel. Mas, quando chegou à Judéia, confrontou-se com um novoperigo que lhe causou renovados temores. V.22a: Tendo, porém, ouvido que Arquelau reinavana Judéia em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá. Herodes, de fato, estava morto. MasAugusto havia dividido o seu reino entre seus três filhos. Arquelau obteve Judéia, Iduméia eSamaria, recebendo o título de etnarca. Herodes Antipas, recebeu a Galiléia e a Peréia. EFilipe, a Batânia, Traconites e Auranites. Os dois últimos receberam o título de tetrarca.Arquelau, semelhante ao pai, era um tirano suspeito e cruel. Conta-se dele que, uma certapáscoa, massacrou três mil pessoas no templo e na cidade. Não admira que José estivesse cheiode apreensões, quanto à segurança de suas tarefas. O caminho mais natural a seguir, era fixar-sena Judéia, talvez, até, em Jerusalém. Mas Deus, mais uma vez, usa o concurso dum anjo,resolvendo a dificuldade e i8ndicando-lhe um lugar bem mais seguro. E José se desviou,fazendo a viagem até a Galiléia que é a parte norte da Palestina, anteriormente dividida emGaliléia superior e baixa. A superior era a Galiléia propriamente dita, Mt.4.12;Jô.4.13. AGaliléia baixa compreendia o antigo território de Zebulom. E foi para a Galiléia baixa que seJosé se dirigiu com a criança e sua mãe. V. 22b-23: E, por divina advertência prevenido emsonho, retirou-se para as regiões da Galiléia. E foi habitar numa cidade chamada Nazaré,para que se cumprisse o que fora dito, por intermédio dos profetas: Ele será chamadoNazareno. Foi assim, que José retornou para sua antiga cidade, que também fora o lar de Maria,Lc.1.26;2;4. Nazaré era uma pequenina cidade a sudoeste do Mar da Galiléia, não longe de

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Caná que ficava no lado leste, ficando a oeste o Monte Tabor. Localizava-se no declive dumacolina, circundada por um cenário lindo e agradável. Foi aqui que Jesus viveu até principiar seuministério, Lc.2.51; 4.16;Mt.3.13.

Esta referência do evangelista ao cumprimento duma profecia do Antigo Testamento, semprecausou dificuldades. Pois, não há uma passagem individual, com o conteúdo exato do citado,entre os escritos referidos. “O que foi referido pelos profetas” indica antes para um tipo geraldo que a um texto explícito. A explicação mais razoável é: “Nazareno” ou “o homem deNazaré” acomoda a referência. Pois, o nome Nazaré é derivado dum radical hebraico quesignifica ramo ou broto tenro. É assim que o Messias é chamado, Is.11.1. E esta passagem éanáloga a expressões usadas em Is.53.2;4.2;Jr.23.5;33;15; Zf.3.8;6;12, e de outras descrições damanifestação humilde do Messias. Cf.Jô.1.16. Outros têm sugerido, que a referência dizrespeito a Jz.13.7. “Com as referências proféticas nos evangelhos ocorre o que acontece comhinos sem palavras. O compositor tem em mente uma certa cena ou situação, e sob suainspiração se põe a escrever. Mas, tu não estás no seu íntimo, por isso não podes contar o quesignifica a música que ouves. Mas, quando se te dá a solução, encontras um novo sentido namúsica. As profecias são a música; a história é a solução” 22.

Sumário: Os magos, sendo dirigidos a Belém por meio duma estrela especial e por direçãoprofética, rendem ao menino Jesus divina adoração, enquanto a vida do Salvador é preservadada crueldade de Herodes, por intervenção divina, que conduz José, primeiro, ao Egito, e, então,à Galiléia.

C A P I T U L O 3

O Ministério de João Batista, Mt.3.1-12.

V.1a: Naqueles dias apareceu João Batista. O método, usado por Mateus para introduzir umanova secção em sua história do Salvador, é o que os santos escritores empregam para se referira uma data ou ocorrência do passado, Ex.11.23; Is.38.1. Estamos no tempos em que Jesusmorou em Nazaré, que foi o período de sua obscuridade, quando tranqüilamente crescia emsabedoria e estatura, e em favor diante de Deus e do homem, Lc.2.52. A narrativa de Lucas,neste ponto, se caracteriza por uma fixação mais precisa do tempo, Lc.3.1-2, como convém aum historiador tão preciso. Mas a presente passagem é dramaticamente mais impressionante.Aqueles era dias e anos memoráveis, a que se volta o nosso olhar atento e reverente e cheio deexpectativa, mas que os olhos de nosso espírito não se atrevem a encarar. João, apelidado de “oBatista”, apareceu naqueles dias. Principiou seu ministério, para o qual fora preparado, mesmoantes de nascer, Lc.1.15-17; 76-77. Ele se distingue do apóstolo João e tem o nome Batista porcausa da principal tarefa do seu trabalho público, visto que batizava aqueles que confessavamseus pecados. Era necessário, para que isto acontecesse, que os corações do povo estivessemdevidamente preparados. Para isto veio João, V.1b: pregando no deserto da Judéia. Antes detudo, ele veio, não como um mestre, mas como um pregador e admoestador, proclamando ouanunciando, solenemente, a vinda do reino do céu. Tudo isto, com a máxima impressão, vistoque seu domicílio ficava no deserto da Judéia, distante da assiduidade humana, nas montanhase terras ásperas em direção do Mar Morto, e nas planícies ou campos que de lá se estendiampara o vale do Jordão. Algo bem curioso, porque muito diferente!

22 ) Expositor’s Greek Testament, 1,78.

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A ênfase da João se fixou num só fato, V.2: Arrependei-vos, porque está próximo o reino doscéus. Este foi o conteúdo maior, ou a substância, a carga, de sua mensagem. A admoestação aoarrependimento foi a divisa que caracterizava sua pregação. Ele se fixava numa mudançacompleta de mente e coração, como a preparação necessária para o advento do Messias. PoisSeu reino, ou o reino de Deus e dos céus, está próximo. Está iminente que ele se revele em todasua glória. É um reino dos céus, em oposição ao reino terreno, com o qual os judeus sonhavam,porque Jesus, o Senhor do céu, é seu governante, e porque este reino, cuja beleza no mundoestá muitas vezes oculta pela miséria da vida presente, será revelado plenamente na luz daglória futura lá no alto. Lá, todos aqueles que de corações compungidos e contritos aceitaram oSalvador, em sua fraqueza e humildade, serão participantes de seu reino, tendo eternoesplendor e majestade. Arrependimento sincero, seguido por uma fé singela, abre o caminhopara toda esta grandeza. “Mas, isto é arrependimento, se creio na Palavra de Deus que merevela e me acusa de ser um pecador e um condenado diante de Deus, e fico aterrado de todo omeu coração, porque sempre tenho sido desobediente ao meu Deus. Não olhei nem considereicorretamente seus mandamentos. Muito menos guardei o maior ou o menor deles. Mas, aindaassim, não desespero, porém, me deixo direcionar para Jesus, para nele procurar misericórdia esocorro, e creio, também, firmemente, que o acharei. Pois, ele é o Cordeiro de Deus, desde aeternidade destinado para este propósito, que ele carregue os pecados do mundo inteiro e poreles pague com sua própria morte”23 .

A maneira de Mateus, para expor a passagem profética, é peculiar no caso presente. V.3:Porque este é o referido por intermédio do profeta Isaías: Voz do que clama no deserto:Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. Ele o separa de quaisquer outros, arespeito dos quais houve alguma profecia. Este é o homem que Isaías teve em mente, quandoescreveu as palavras de conforto a Jerusalém, Is.40.3. Temos aqui uma alusão ao costumemuito conhecido do oriente, de anunciar a vinda de um príncipe e preparar-lhe o caminho emsuas viagens. A profecia típica de Isaías se tornou um anúncio distinto em Malaquias, cap.3.1.Cf. Ml.4.6; Lc.1.17; Mt.11.10,14; 17.11. João foi o arauto de Jesus. O propósito do seuministério foi preparar, por meio da pregação e do batismo, os corações e as mentes do povo,para a vinda do grande Rei da Misericórdia. A avenida do Rei precisa ser reta, sem os desviosda hipocrisia, sem dar as voltas e curvas do egoísmo. Este é o impacto da voz que clama nodeserto.

A aparência e os costumes do Batista também devem ser notados, V.4: Usava João vestes depêlos de camelo, e um cinto de couro; a sua alimentação era gafanhotos e mel silvestre. Joãofoi um antítipo de Elias, o grande profeta e pregador de Israel, tanto em sua aparência ecomportamento pessoal, como nas dificuldades peculiares sob as quais sua mensagem ecoou,2.Pe.1.8; 1.Rs19.10. Suas vestes usuais não eram uma vestimenta ou manto completo, mas umacobertura ou peça de vestuário atirada sobre seu ombro, tecida de pêlos de camelo, que era umaproteção áspera e não confortável contra os elementos da natureza. Estava juntada por um cintode couro em seus lombos, e não possuía qualquer ornamento. Seu alimento principal eramgafanhotos de u8ma espécie comestível, como citadas em Lv.11.22, e que ainda são usadoscomo comida no Oriente. Seus membros eram tirados e o restante, cozido ou assado. Para dar,ao menos, alguma variação à dieta, ou para se sustentar quando os gafanhotos escasseavam,João comia mel silvestre, que era depositado por abelhas em fendas de árvores e rochas, ou o“mel-de-árvore” que segrega de figueiras, palmeiras e outras árvores. A aparência austera eascética e o modo de vida de João correspondem à sua mensagem, que ordenava a renúncia aomundo e o arrependimento.

23 ) Lutero, 7,689.

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O efeito de sua pregação, V.5: Então saíam a ter com ele Jerusalém, toda a Judéia e toda acircunvizinhança do Jordão. O sucesso foi rápido, se não instantâneo. A notícia correu célere.Primeiro vieram os da circunvizinhança. Era gente de ambos os lados do Jordão, cujasmoradias ficavam perto ou no próprio ermo. Depois, o grande movimento se espalhou emcírculos crescentes para dentro da Judéia. E, finalmente, a Jerusalém arrogante e desdenhosa éarrastada para a agitação. O evangelista anuncia isto, citando a capital em primeiro lugar. Até aJerusalém conservadora vai ao deserto. É um penitente que atende ao chamado de João. É umtestemunho extraordinário a favor do poder da Palavra, quando proclamada de maneira públicae destemida.

João exerce seu ministério para com todos, V.6: E eram por ele batizados no rio Jordão,confessando os seus pecados. Seu chamado poderoso e insistente ao arrependimento teveefeito. As pessoas acorriam em número sempre crescente. Homens e mulheres, carregados deculpa, cujas vidas se haviam passado em simulação e engano, voluntariamente, faziamconfissão franca e pública dos seus pecados, ora de modo geral, ora de modo específico,conforme eram envolvidos pela mensagem e a pessoa de João. “Esta confissão de pecados,feita por indivíduos, foi coisa nova em Israel. Havia uma confissão coletiva no grande Dia daExpiação e, em certos casos, uma confissão individual, Nm.5.7. Mas não havia uma confissãopessoal espontânea para almas penitentes – cada pessoa por si mesma. Deve ter sido uma cenacomovedora” 24. E, na medida que, numa fila contínua, se achegavam e confessavam seuspecados, também eram batizados por João nas águas do rio Jordão. Foi um despertamento tal,como a terra não havia experimentado desde os tempos dos antigos profetas.

Uma situação perplexa e desagradável, V.7: Vendo ele, porém, que muitos fariseus e saduceusvinham ao Batismo, disse-lhes: Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura?Mateus inclui os adeptos das duas seitas numa só e na mesma categoria de intrusos indignos.Os fariseus sobressaiam, especialmente, em sua insistência na observância exterior da lei e dastradições dos anciãos. Os saduceus eram racionalistas. Rejeitavam todos os escritos inspirados,menos os livros de Moisés. Em ambos os casos, sua religião era nada mais do que uma magracasquinha de forma e ostentação de pompa, sem a aceitação do coração. Tanto maisrepreensível é, por isso, seu insulto, comparecendo ao batismo de João, onde a principalexigência era o arrependimento ou a mudança de coração. Talvez houvesse neles algumacuriosidade e fascinação que os levou a João, visto que não podiam ficar indiferentes diantedum movimento que assumira tais proporções. De qualquer maneira, descobriram o local dosacontecimentos, e compareceram ao lugar onde João batizava. Sua recepção diante dele foitudo menos agradável. “Raça de víboras” é o título que lhes dá. Crias de serpentes, imbuídascom a natureza desses répteis magros e peçonhentos. É uma explosão de aversão moral intensaque o levaram a recuar desses visitantes e a, publicamente, denunciá-los como mentirosos emaliciosos, Sl.140.3; Is.14.29;59.5; Sl.58.4. Até parecia que eles fugiam da ira vindoura,apelando por entrada no reino. Havia, porém, todas as razões para desconfiar da suasinceridade. É impossível escapar da ira que a santa justiça punitiva de Deus trará sobre oshipócritas, e, assim, ao próprio castigo, Rm.1.18; Ef.2.3.

Tendo-os desmascarado, o Batista faz sua exigência, V.8: Produzi, pois, fruto digno doarrependimento. Uma mudança completa de coração precisa anteceder a produção de boasobras que preencham a medida dum arrependimento sincero e que se conformem a umamudança real de vida. João, antes que possa concordar de lhes administrar o batismo, insiste nasua produção adequada, evidente, apropriada e suficiente dum verdadeiro arrependimento,frutos esses que têm um aroma divino. Sua advertência seguinte é, particularmente, apropriadano caso dos fariseus, V.9: E não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão:

24 ) Expositor’s Greek Testament, 1,81.

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porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão. O fato que eram,de acordo com a carne, membros do povo escolhido de Deus, o fato que eram descendentesdiretos de Abraão, sempre havia sido o argumento dos fariseus, Jo.8.33,39. Contudo, uma merafiliação externa na igreja de Deus tem nenhuma valia. Ele é o Juiz dos corações e das mentes, epode, por causa disso e a qualquer momento, rejeita-los como filhos espúrios. Além disso, seriafacílimo para Deus criar das próprias pedras do deserto, para si filhos mais genuínos na fé doque eram os fariseus e os saduceus. “Somos, diziam eles, o povo de Deus que ele escolheu detodas as nações da terra, e a quem ele concedeu a circuncisão. Por isso temos que observar alei, visitar o templo de Deus em Jerusalém, e exercitar-nos em préstimos santos que o próprioDeus ordenou. Em resumo, nós nos dirigimos, em assuntos de governo espiritual e mundano,assim como os dois foram estabelecidos e ordenados pelo mandamento de Deus por meio deMoisés. Somos também o sangue e a tribo dos santos patriarcas: Abraão é nosso pai, etc. O queainda nos falta para sermos piedosos e santos, amados e agradáveis a Deus, e sermos salvos?Tudo isto, diz ele, não interessa. Pois, Deus não está interessando em saber que sois hábeis eorgulhar-vos muito intensamente sobre a lei, o templo, os pais, etc. Ele quer que temais a Ele eque creiais em sua promessa, que obedeçais e aceiteis àquele que ele vos prometeu e agoraenvia. Do contrário, ele vos rejeitará e exterminará com toda vossa glória, com a qual Ele vosdotou e ornamentou diante de todas as demais nações”25 .

E isto não é tudo. V. 10: Já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, quenão produz bom fruto, é cortada e lançada ao fogo. O machado já está posto. Já está prontopara iniciar seu trabalho de justa retribuição, de justiça severa sobre cada descendente espúriode Abraão. Cada árvore, que provou ser desesperadamente estéril, não poderá escapar dapróxima inevitável ruína. E João usa palavras cuidadosamente escolhidas. Não somente sãoexigidos frutos. Pois, estes, sob certas circunstâncias, poderão ser ruins e, até, venenosos. Masé exigido que a árvore produza bom fruto. Até que esta exigência seja preenchida, não há outraalternativa: A árvore inútil está condenada a servir de lenha ao fogo. O judeu descrente estaráexcluído do reino do Messias.

O sermão de João teria estado incompleto, sem uma referência àquele cujo caminho ele foienviado a preparar. V.11: Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas aquele que vemdepois de mim é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar. Ele vosbatizará com o Espírito Santo e com fogo. Sua missão foi meramente temporária esimbólica.Ele foi só o precursor, o arauto, e esteve totalmente satisfeito com sua posiçãosecundária e inferior. Seu batismo era só de preparação. Levando as pessoas ao arrependimentoe administrando-lhes o batismo, ele as preparava para compreender a missão superior doMessias. Mas aquele que está vindo, que, quanto ao tempo, segue imediatamente a mim, émaior do que eu. A ele compete a onipotência. Divina dignidade está unida com seu poder. Eleé tão ilustre, tão augusto, tão exaltado, que João não se sente digno, até mesmo, de despir-lhe assandálias, que no oriente era a tarefa do escravo mais humilde. O ministério deste homem sesalientará por um contraste maravilhoso. Ele vos batizará, dar-vos-á um batismo peculiar, como Espírito Santo e com fogo. Aqui está referido um efeito duplo da obra de Cristo: Aos que, decoração penitente, o aceitarem como Salvador, ele dará o valioso favor do Espírito Santo comtodos os seus gloriosos dons e poderes, Jo.1.33; Mc.1.8; At.1.5; mas aos que de coraçãoimpenitente rejeitarem a salvação adquirida, ele mergulhará em fogo. Eles recusaram aceitar oEspírito com o seu poder que dá vigor e ilumina. E, por isso, a onipotência de sua insultada osconsumirá e devorará.26.

25 ) Lutero, 7,682.26 ) A expressão “com o Espírito Santo e com fogo” também pode ser tomado como um ‘hendiadyoin’ e serentendido sobre o poder purificador do Espírito Santo, por meio do qual Ele examina e purifica os corações,Ml.4.1.

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Este pensamento é exposto ainda mais. V.12: A sua pá ele a tem na mão, e limparácompletamente a sua eira; recolherá o seu trigo no celeiro, mas queimará a palha em fogoinextinguível. O quadro é o duma eira no Oriente: um espaço plano e aberto calçado compedras. O dono da casa já tocou seus bois sobre a eira, que pisam e debulham os grãos. Ou osseus escravos o debulharam com seus malhos. Agora vem a limpeza da eira para separar dosgrãos as astes e cascas, e a aeração do material solto, usando uma peneira para que o ventocarregue a palha mas deixe o que é mais pesado que são os grãos. A grande eira de Deus é aTerra. O teste, pelo qual ele decide o destino de cada pessoa no mundo, por meio do qual elesepara o trigo da palha, é o relacionamento com Jesus e sua salvação. Aqueles que por meio dafé são encontrados firmes em sua redenção, são recolhidos a salvo ao celeiro do céu. Masaqueles que forem encontrados em falta, seja por causa de sua confiança em sua própria justiçaou porque consideravam uma mera associação exterior à igreja como suficiente garantia dasalegrias do céu, encontrar-se-ão sujeitos ao fogo violento e inextinguível, não somente do juízo,Ma.4.1, mas do próprio inferno, Mt.25.4l.

O Batismo de Jesus, Mt.3.13-17.

Chegara o tempo para Jesus dar início ao seu ministério, de ser instalado em seu ofício pormeio dum ato público. V.13: Por esse tempo, dirigiu-se Jesus da Galiléia para o Jordão, a fimde que João o batizasse. Estando João no auge de sua carreira evangelística, veio a hora deJesus deixar sua obscuridade. Desceu até João, não à semelhança dos fariseus e saduceus, que,na verdade, sempre rejeitaram o desígnio de Deus para com eles, Lc.7.30, mas numa maneirafranca e amigável, para entrar num relacionamento sincero com ele, e também para receber obatismo de suas mãos. No que diz respeito à maneira de sua vinda, não havia qualquerdiferença entre o seu desejo pelo batismo e o das multidões.

Contudo, Mateus escreve: V.14: Ele, porém, o dissuadia, dizendo: Eu é que preciso serbatizado por ti, e tu vens a mim? Esta passagem não está em desacordo com Jô.1.31,33, ondeJoão diz que não conhecia a Jesus. A aparente contradição acontece só na tradução. A palavrausada no original significa “reconhecer para além da possibilidade de dúvida, estar certo daidentidade”. João sabia da existência do Messias, seja por parte de sua mãe ou por revelaçãodireta, mas não o conhecia pessoalmente. Quando Jesus veio, a majestade e dignidade do seucomportamento levaram João a presumir sua identidade. Daí sua hesitação. Mas, o sinal querealmente o identificou, que desfez todas as dúvidas e tornou absoluto o reconhecimento, sóaconteceu depois do batismo, como (o evangelista) João relata em seu evangelho. Enquantoisso, João, impressionado pela elevação moral que provinha da pessoa que o visitava,procurava, com alguma persistência, dissuadi-lo e, assim, impedi-lo de cumprir o seu desejo.Ele não consegue livrar-se da impressão, de que este homem é maior do que ele, e julganecessário que o menor receba o batismo do maior. João, certamente, se perguntava pela razãoque motivava Cristo a vir e buscar o batismo com ele. “Por que vem ele e busca o batismo,visto que nele não há pecado e impureza que o Batismo precise remover? Isto deverá ser umbatismo bendito. João tem diante de si um pecador que em si mesmo não tem pecado algum, e,ainda assim, é o maior dos pecadores, que tem e carrega em si o pecado do m8undo inteiro. Elepermite por este motivo ser batizado e com esta ação confessa ser pecador. Contudo, não por simesmo, mas por nós. Pois, aqui ele toma o meu e o teu lugar, e se coloca em pé em nosso lugar– de nós que somos pecadores. E, visto que todos, em especial os santos arrogantes, nãoqueremos ser pecadores, ele precisa se tornar pecador em lugar de todos. Ele assume a formade nossa carne cheia de pecados e lamenta na cruz sob muita dor, como o testificam muitossalmos, o peso dos pecados que ele carrega” 27.

27 ) Lutero, 7.691; 11.2130.

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É assim que Jesus rejeita as objeções de João, V.15: Mas Jesus lhe respondeu: Deixa porenquanto, porque assim nos convém cumprir toda a justiça. Então ele o admitiu. Obedecer ecumprir eram as características principais da obra vicária do Messias. Sendo fiel a isto, nãopodia admitir oposição. Cada regulamento legítimo, todos os usos religiosos que eram impostosao povo, ele quis cumprir. Nisto é que Jesus insistiu, de modo gentil mais firme. Esta era acoisa apropriada, certa e conveniente a ser feita. E foi assim que João concordou.

Os mestres da igreja, desde tempos antigos, têm encontrado aqui uma referência maior eextensa. “Jesus diz:... Se isto for realizado, que os pobres pecadores venham à justiça e sejamsalvos, tu me deves batizar. Porque foi por causa dos pecadores que eu me tornei um pecador.Preciso, por isso, fazer o que Deus impôs aos pecadores como obrigação, para que eles sepossam tornar justos por meio de mim” 28.

A ocasião precisa ser marcada por acompanhamentos sobrenaturais. Vv.16-17: Batizado Jesus,saiu logo da água, e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo comopomba, vindo sobre ele. E eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o meu Filho amado, em queme comprazo. Aqui ocorreu uma revelação da essência divina. Jesus, tão logo batizado, subiu àmargem do rio. Seu batismo fora necessário, mas o milagre que ocorreu a seguir, foi ainda maisimportante, visto que manifestou o relacionamento existente entre ele e as outras pessoas deDeus. De maneira maravilhosa, causando uma exclamação de surpresa na narrativa doevangelista. Os céus se abriram na mais gloriosa das visões. Foi um acontecimento real e nãouma visão, como nos casos de Jacó, Estevão e outros, Gn.28.12; At.7.55-56; 10.11. Éespeculação fútil, inquirir porque uma pomba foi escolhida e julgar que a comparação esteja naperfeita mansidão, pureza e autonomia deste pássaro. Enfatizamos, em lugar disso, o fato queDeus transmitiu uma concessão ilimitada do Espírito Santo a seu Filho, de acordo com suanatureza humana, Sl.45.8; Hb.1.9; At.10.38. As maravilhas ainda não acabaram. Mateus, maisuma vez, exclama: Eis! Deus Pai também está manifesto por uma voz do céu, identificandotanto a ele como ao Filho. Cf.Is.42.1; Sl.2.7. Este homem, que desta forma foi inteiramentedistinto e separado das demais pessoas que estavam presente, é o verdadeiro Filho de Deus,amado por ele num sentido todo especial. Cristo entre em seu ministério, tendo consciência deque tem o favor do Pai e o seu pleno consentimento e bênção. O Deus trino, junto ao batismode Jesus, imprime o seu selo da aprovação sobre a obra da redenção.

Sumário: No transcurso do ministério de João Batista, no qual teve a oportunidade deadministrar uma repreensão severa a fariseus e saduceus, Jesus também recebeu o batismo desuas mãos, depois do que ocorreu uma revelação maravilhosa do Deus trino.

O Batismo de João

João Batista, quando apareceu no deserto da Judéia, com a mensagem e o batismo dearrependimento, não estava impingindo no povo uma cerimônia nova e estranha, da qual nuncatinham ouvido. Ao contrário, já eram conhecidas diversas abluções e formas levíticas debatismo, desde os tempos de Moisés. O rito originou da purificação cerimonial dos impuros,Gn.35.2; Ex.19.10; Nm.19.7; Judite 12.7, e foi estendida para abranger todas as formas depurificação levítica, feitas com água, Hb.9.10.

Uma das formas mais antigas de abluções com água foi o batismo dos sacerdotes no ato de suaconsagração, Ex.29.1-9; 40.12. Há, em Hb.10.22, uma alusão a este lavar. Qualquer impurezado corpo, contraída pelos sacerdotes, depois da sua ordenação, na realização diária de seus

28 ) Lutero, 13. 1575; 11.2139.

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deveres, em especial, pelo contato de suas mãos e pés com coisas impuras, ao entrarem nosantuário, precisava ser removida pelo lavar dos membros afetados, Ex.30.17-21; 40.30-32.

.Duas passagens dos salmos referem a este costume, Sl.26.6;73.13. Quando um israelita haviatocado nalgum esqueleto de animal ou havia removido alguma parte dele, era consideradoimpuro, precisando lavar suas vestes e corpo, Lv.11.24-28,39,40; 5.2;22;4-6. Havia o batismodaqueles que haviam curado da lepra, Lv.13.6,34. O sumo sacerdote, no grande dia daexpiação, realizava abluções muito cuidadosas, tanto no início como no fim dos seus serviços,Lv.16.4,24. O homem que havia levado o bode emissário ao deserto e, também, aquele quelevara o novilho e o bode da oferta pelo pecado para fora do arraial, eram obrigados abanharem seu corpo em água, Lv.16.26-28. Quando levitas eram consagrados, eles eramrespingados com água, Nm.8.5-7,21. O sacerdote e os dois leigos que haviam preparado ascinzas da novilha vermelha, tinham que banhar seu corpo em água, Nm.19.7-10. Havia aindaoutras abluções ou batismos cerimoniais, com os quais os judeus eram familiares, Lv.15.1-29;Nm.19.11-22; Dt.21.1-9; 23.10-11.

Mas a mais interessante das abluções religiosas dos judeus era o batismo dos prosélitos, que,depois de terem sido instruídos em certas partes da lei, e tendo feito recente confissão de suafé, eram mergulhados em água, sendo, após isto, em tudo considerados israelitas plenos. É aesta cerimônia que o batismo de João, em sua forma externa, se relacionou 29.

Outra pergunta curiosa é a que diz respeito à diferença, caso haja, entre o batismo de João eaquele instituído por Cristo. Precisa ser notado, dum lado, que há muitos pontos deconcordância. João batizava por ordem divina, Lc.3.2,3; Jô.1.33; Mt.21.25; Lc.7.30. Era umbatismo em e com água, Mt.3.11; Mc.1.8; Lc.3.16; 3;23. Finalmente, era um batismo paraarrependimento, para perdão dos pecados, Mc.1.4; Lc.3.3. Em todas estas partes eleconcordava com o batismo de Cristo.

Havia, contudo, uma diferença entre o batismo de João e o de Cristo. Quando Paulo veio paraÉfeso, encontrou certos discípulos que somente haviam sido batizados com o batismo de João.Ele os batizou em o nome do Senhor Jesus, At.19.1-16. Os principais pontos de diferença entreos dois batismos estão indicados nesta passagem. O batismo de João é chamado claramente um“batismo de arrependimento”. Era administrado só a adultos, que confessaram seus pecados, eque tinham atingido a idade de discrição, Mt.3.6; bMc.1.5, enquanto o batismo de Cristo é paratodas as pessoas, incluídas as crianças, At.2.39,41; Cl.2.11. O batismo de Jesus opera etransmite o perdão de pecados, como um dom que foi adquirido.O batismo de João indica paraadiante, para a conquista do precioso dom pela redenção, por vir a ser realizada por JesusCristo. Em suma, o batismo de João foi típico, preparatório, tal como foi sua pregação. Oglorioso cumprimento veio em e com Cristo.30

Capitulo 4

A Tentação no Deserto – Mt.4.1-11

Jesus, pelo seu batismo e pelas manifestações sobrenaturais que acompanharam o fato, haviasido dedicado publicamente ao seu ministério. Mas, ele não deveria iniciar logo sua pregação.

29 ) Theol. Quart., 13.219-232; Edersheim, Life and Times of Jesus the Messiah, 1.273; 2.745.30 ) Syn.Ber., Mo.Syn., Minn.Dist., 1912.36-41; Lutero, 7.1733; Pieper, Christliche Dogmatik, III,377-339.

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V.1: A seguir, foi Jesus levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. “Aseguir”, imediatamente após seu batismo ou logo que recebera a participação extraordinária doEspírito. Este Espírito enchia agora sua humanidade e dirigia suas ações, conduzindo-o a fazero trajeto para a solidão do deserto, chamado o covil de animais selvagens e não a morada doshomens, Mc.1.13. Foi uma viagem voluntária da parte de Jesus, que em tudo tinha como únicapreocupação cumprir a vontade de seu Pai celeste, Sl.40.7-8; Hb.10.7,9, podendo teracontecido que a fraqueza de sua natureza humana tenha requerido algum estímulo, Mc.1.12.Pois, o objetivo deste retiro não foi, simplesmente, conseguir algum tempo para um abençoadorepouso e alegria, nem para se dedicar a uma incômoda contemplação quanto aos métodos parase revelar ao seu povo, como o fizeram Buda e Maomé, mas para ser tentado pelo diabo. Estatentação ocupou todo o período desse viver solitário, Mc.1.13; Lc.4.2. Este combate ao diabofez parte do ofício e obra para os quais ele havia sido enviado pelo Pai e ungido com o Espírito.Tal como o arquiinimigo da humanidade havia tentado e vencido o primeiro Adão,precipitando por meio dela a humanidade inteira na condenação, assim ele também se propôsvencer ao segundo Adão, obstruindo e frustrando a obra da redenção. “Levado pelo Espírito”; “tentado pelo diabo” – que contraste forte!

Um teste duro, até do ponto de vista da natureza física de Cristo, V.2: E, depois de jejuarquarenta dias e quarenta noites, teve fome. A expressão indica que foi um espontâneo evoluntário abster-se de comida. A severidade dos testes, a preocupação mental causada pelastentações reprimia-lhe o desejo natural por alimento, semelhante ao caso de Moisés, Ex.34.28,e Elias, 1.Rs.19.8. Mas toda esta abstinência de comida, o que também incluía abstinência debebida, não fazia parte da natureza dum exercício ascético. “Esta é também a razão porque oevangelista registra e diz: Ele foi impelido pelo Espírito ao deserto, para que lá jejuasse e fossetentado, para que ninguém, por escolha própria, o imite no exemplo, fazendo disso um jeju8megoísta, obstinado e auto-assumido; mas espere pelo Espírito, o qual lhe enviará o suficiente dejejum e tentação” 31).

Dos muitos e variados assaltos que o diabo empregou durante os quarenta dias, Mateus, comotambém Lucas, menciona três ocorreram no fim deste período. Notemos, que a ordemcronológica dos fatos, aqui narrados, é de menor consideração. O objetivo principal doevangelista é retratar a maneira astuto da tentação. V.3: Então o tentador, aproximando-se, lhedisse: Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães. A palavra“tentador”, aplicada ao diabo, descreve, com muita propriedade, sua obra má, ou sua ocupaçãopreferida e seus ataques incessantes, Lc.22.31; 1.Ts.3.5. Tanto o tempo como a forma destatentação foram escolhidos com astuta avaliação. É natura que a fome abala a resistência docorpo, tanto física como mentalmente.Ela enfraquece e inquieta a mente, e interfere no juízosadio. A sugestão ardilosa, por isso, pode, com facilidade, encontrar uma recepção favorável.Até o fraseado da insinuação do diabo deve ser notado. Em harmonia com seu caráter, ocultana forma duma frase, está uma dúvida, tanto em relação à filiação divina do Salvador, comoem relação à sua habilidade de, por meios milagrosos, prover alimento par si. É, como se eleestivesse dizendo: “Não consigo acreditar que tu és o Filho de Deus; dá-me, por isso algumaprova. Fala, para que estas pedras, espalhadas ao acaso pelo deserto, por um milagre, sejamtornadas em pães”. Render-se ao que foi pedido, teria significado entregar-se ao espírito do male das trevas; teria significado falta de confiança na providência e apoio divinos, deixando que oegoísmo reinasse e, lugar da prática da abnegação.

O Salvador está á altura da ocasião: V.4: Jesus, porém, respondeu: Está escrito: Não só de pãoviverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus. Eis a arma mais poderosae eficiente. Uma simples afirmação da verdade escriturística, Dt.8.3. Jesus, prontamente,

31 ) Lutero, 11.5344 (traduzi do alemão).

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reconhece a ordem natural das coisas: Quanto aos meios ordinários de viver, o homem dependedo alimento. Ele também declara, que Deus não está preso a estes meios, mas pode sustentar avida por meio duma palavra da sua boca. É assim, que ele, de modo franco, coloca suaconfiança em seu Pai, dependendo, quanto à conservação de sua vida terrena, não em qualquertolo interferir nos meios de Deus, nem em esquemas e ações satânicas, mas só no poder de suapalavra. E isto sempre é verdade. “Todas as criaturas são máscaras e fantoches de Deus, que elepermite agirem por meio dele e ele ajuda que façam muitas coisas, que ele, quando quiser, podefazer sem eles – e realmente faz, para que nós nos atenhamos tão somente à sua Palavra. Se forpão, que não confiemos no pão. Ou, se não o houver, que nem por isso desesperemos. Mas ousemos quando o temos, e passemos sem ele, quando não há. Estando certos, que ainda assimvivemos e somos alimentados em ambas as épocas pela Palavra de Deus, havendo ou nãohavendo pão. Com uma tal fé se vence, acertadamente, a ganância, a glutonaria e apreocupação terrena da alimentação” 32. “Aquele que quiser precaver-se contra tal tentação,aqui pode aprender de Cristo que uma pessoa tem duas espécies de pão. O primeiro e melhorpão, que desce do céu, e que é a Palavra de Deus. O outro pão, que é o menos importante, é opão terreno que cresce do solo. Se, por isso, tenho o primeiro e o melhor, a saber o pão do céu,e não permito que seja afastado dele, então o pão terreno também não faltará ou ficará longe;mas, antes, as pedras se transformarão em pão” 33.

O diabo, repelido mas não desmantelado, busca uma nova linha de ataque. V. 5-6a: Então odiabo o levou à cidade santa, colocou-o sobre o pináculo do templo, e lhe disse: Se és Filho deDeus, atira-te abaixo. Satanás, tendo falhado no seu intento de provocar desconfiança nahabilidade de Deus, de sustentar a vida por meio de condições incomuns, tenta plantar nocoração de Jesus a semente da auto-glorificação e da presunção. Ele mostra maior audácia,levando Jesus consigo como se fosse seu companheiro. Praticamente, se apossa dele, e o levapara Jerusalém, pelo evangelista , carinhosamente, chamada a “cidade santa”. Aqui ele o colocano pináculo do templo. Este se refere, talvez, ao ângulo sudoeste do pátio do templo ondeHerodes havia erigido uma galeria de grande altura, de cujo cimo estonteante se via aprofundeza do Vale do Cedrom. Nesse caso o perigo dum salto teria dado maior impacto aoestímulo do diabo. Ou, Mateus tem em mente o telhado do Santo dos Santos, que era o lugarmais alto do próprio templo. Teria sido um salto ousado, um milagre aparatoso, se Jesus, napresença da multidão reunida, se tivesse jogado deste ponto proeminente abaixo e alcançadoileso o chão. Entregando-se ao diabo por meio desta sugestão, ele teria ganho numa hora maisseguidores, do que todo o número de discípulos reunido pelo método desgastante do ensino.

O inimigo, tendo sido tornado mais cauteloso por meio de sua primeira experiência, estádeterminado a se desviar duma segundo citação das Escrituras. Por isso, ele cita uma passagemem seu favor. V.6b: porque está escrito: Aos seus anjos ordenará a teu respeito, que teaguardem; e: Eles te susterão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma pedra. O diabo,realmente, sabe citar as Escrituras em favor dos seus fins, e na maneira que lhe é peculiar,omitindo alguma parte essencial. No texto a que se refere, Sl.91.11-12, as palavras “para teguardar em todos os teus caminhos” são indispensáveis para uma interpretação correta. Não énos caminhos que o próprio homem escolheu, que a mão protetora de Deus lhe é assegurada,mas unicamente nos caminhos que concordam com a ordem racional e as leis do universo.

Isto está implícito na resposta do Senhor. Notemos, que ele nem mesmo se preocupa emrepreender Satanás por ter citado mal as Escrituras, V.7: Respondeu-lhe Jesus: Também estáescrito: Não tentarás o Senhor teu Deus. Ele não oferece uma contestação, mas umaqualificação para enfatizar a necessidade de expor a Escritura com a Escritura. Um fato

32 ) Lutero, 11.539.33 ) Lutero, 13.1687.

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significativo: Jesus cita no singular a passagem a que se refere, Dt.6.16, fazendo, assim, quantoao caso presente, aplicação da sua verdade a si mesmo. O salto do pináculo, neste caso, nãosomente teria significado a busca dum escape da cruz, deixando de cumprir o seu dever, masteria sido, porque baseado numa compreensão falsa da Bíblia, um desafio atrevido daprovidência, e por isso em si mesmo pecaminoso. O método do Senhor de administrar asituação deve ser básico para cada cristão. “Esta é, por isso, uma tal tentação, que ninguémentende, a não ser que a tenha vivido. Pois, assim como a primeira induz ao desespero, assimesta induz ao atrevimento e a tais atos que não têm o mandamento da Palavra de Deus. Em talsituação um cristão deve andar o caminho do meio, para que não desanime nem seja atrevido.Ambos são contra a Palavra de Deus. Mas, que ele permaneça singelamente na Palavra, tendoverdadeira confiança e fé. Deste modo, e não de outro, os anjos devem ficar com ele 34).

Mas o diabo ainda não está derrotado, V.8: Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto,mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles. O tentador ataca mais uma vez. Seusempenhos para destruir a obra de Deus, não cessam, 1.Pe.5.8. E ele, como o príncipe dapotestade do ar, Ef.2.2, tem grande poder. Controla, até certo ponto, as forças e a riqueza daterra. Cf.Jô.12.31; 14.30; 16.11; Ef.6.12. Aqui o diabo empregou um estratagema deencantamento, evocando, numa figura cativante, apelativa e quase irresistível, por um momentoas riquezas e as glórias de todos os reinos da terra, Lc.4.5. A localização do monte muito alto,referido aqui, não é importante. O mesmo acontece com a pergunta, se a cena foi umademonstração física ou uma sugestão mental. O fato principal da narrativa de Mateus é areferida subtilidade e também a extrema estupidez do tentador. V.9: E lhe disse: Tudo isto tedarei se, prostrado, me adorares. Para um ser humano comum, nenhuma proposta, quanto a simesma, podia ser mais atraente. Que quadro fascinante do domínio absoluto sobre o mundo e aposse de sua glória foi, aqui, oferecido ao descendente humilde e rejeitado de Davi! Mas quebobice é querer tirar vantagem da disposição ilimitada da riqueza do mundo e do seu fausto, napresença daquele que, por direito, mantém todas as nações da terra, como sua herança35, e osconfins da terra como sua propriedade! A condição de Satanás, exigindo adoração, como sendoo maior, foi, por isso, totalmente ingênua e desastrada. Mas ele empenhou tudo neste seuúltimo apelo por ambição terrena, que envolvia o desejo voluntário à forma mais abjeta deidolatria.

Jesus passa com a adequada dignidade pelo insulto. V.10: Então Jesus lhe ordenou: Retira-te,Satanás, porque está escrito: Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele darás culto. Aqui Jesusse ergue no poder de sua suprema autoridade e, irado, repele a sugestão satânica. No gregotemos aqui uma só palavra: Fora! Some da minha frente! É uma ordem peremptória. Ela acabacom a companhia desagradável que o diabo estendera ao Senhor. Ele dá o epíteto “Satanás”,isto é, adversário ou inimigo, ao tentador, 1.Rs.11.14; Sl.109.6, porque ele não só interfere notrabalho messiânico de Cristo, mas é, desde o início, o arqui-inimigo de toda a humanidade. Porora, o Senhor condescende dar suporte à sua majestosa despedida, citando um texto daEscritura, Dt.6.13, que ele adapta às circunstâncias presentes. Somente o Senhor dos Exércitos(Javé) é digno de honra, louvor e adoração. O ministrar culto, a veneração religiosa, deve serdada só a ele.

Esta última demonstração de onipotente autoridade concluiu o dia, V.11: Com isto o deixou odiabo, e eis que vieram anjos, e o serviram. A expulsão do inimigo foi completa. Foiestabelecida a gloriosa supremacia do Senhor, não somente sobre o homem, mas também sobreo mundo espiritual. Por um certo tempo, o diabo o deixou, Lc.4.13. E anjos vieram e agiramcomo seus servos, não, primeiramente, em lhe trazer comida, mas em dar-lhe a confirmação do

34 ) Lutero, 13.1690.35

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solidário apoio e suporte divino. Estes ele, agora, usufruiu da parte dos espíritos bons. Estes,desta foram, o serviram com um conforto que visava su8portá-lo nos dias futuros. Todos oscristãos deviam observar: “Contudo, isto está escrito para o nosso conforto, que saibamos que,enquanto um diabo nos tenta, são muitos os anjos que nos servem. Se nós lutarmos e nosmantivermos bravamente, Deus não permitirá que soframos falta do que é necessário. Mas,antes, precisarão vir os anjos do céu e se tornar nossos padeiros, nossos garçons, nossoscozinheiros, para nos servir em tudo o que é necessário.Isto não está escrito, por causa deCristo, que não o precisa. Se os anjos o serviram, que o façam também conosco. Por isso,devíamos estar bem equipados com a Palavra de Deus, para que nos defendamos emantenhamos com ela. Nosso querido Senhor Jesus Cristo, que por nós subjugou estastentações, nos dê força, para que por meio dele vençamos e sejamos salvos”34}.

O Início do Ministério da Galiléia e a Vocação dos Quatro – Mt.4.12-25.

O evangelista, com uns poucos lances rápidos, neste ponto, delineia o começo da obramessiânica de Cristo na Galiléia. Ele não está muito preocupado sobre o fornecimento dumaseqüência cronológica dos fatos, mas sobre como agrupar os incidentes de tal forma queapresentem um relato contínuo. Aqui ele omite o retorno de Jesus para o Jordão, Jô.1.35, suajornada para a Galiléia, Jô.1.41, o casamento de Cana, a viagem para Cafarnaum e aquela paraJerusalém antes da prisão de João, e o seu ministério na Samaria, Jo.3 e 4. Ele dá, comointrodução, um resumo das diferentes atividades de Cristo no norte. V.12: Ouvindo, porém,Jesus que João fora preso, retirou-se para a Galiléia. João Batista, em sua habitual maneiradestemida, não hesitara em provocar Herodes Antipas, o etnarca de Galiléia e Peréia, por causada sua união adúltera com Herodias, sua sobrinha que já era esposa de seu meio-irmão HerodesFilipe. A conseqüência foi, que o encolerizado príncipe o prendeu, Lc.3.19-20; Mc.6.17. Oúltimo campo de atividade de João havia sido no vale de Enom, Jô.3.23, tendo, provavelmente,estendido seu trabalho até a Galiléia. Quando a boca deste testemunha fiel havia sidosilenciada, Jesus reconheceu que para ele havia chegado o tempo de entrar publicamente emseu trabalho profético. Seu ministério na Galiléia principiou quando o de Batista chegara aofim, Jo.3.30.

Sua cidade natal, naturalmente, foi a primeira. V.13: E, deixando Nazaré, foi morar emCafarnaum, situada à beira-mar, nos confins de Zebulom e Naftali. A recepção desagradávelque lhe fora dada em Nazaré, Lc.4.16-30, motivou-o a ficar lá por pouco tempo. Instalou-se,fezseu lar, em Cafarnaum, que, por todos os relatos do evangelho, aparece como o centro doministério do Senhor na Galiléia. Era uma cidade progressista junta ao Mar da Galiléia, nagrande estrada de Damasco ao Mediterrâneo. Em cumprimento à profecia de Cristo, Mt.11.23,esta metrópole comercial foi, mais tarde, destruída tão completamente, que, até, o seu lugar, emmeio às ruínas de cidades, é incerto, sendo Tell Hum tida, comumente, como o seu antigolugar.36

O evangelista localiza a cidade só tanto, que seja suficiente para ajustar seu itinerário para umoutra referência profética, V.14-16: Para que se cumprisse o que fora dito por intermédio doprofeta Isaías: Terra de Zebulom, terra de Naftali, caminho do mar, além do Jordão, Galiléiados gentios! O povo que jazia em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região e sombrada morte, resplandeceu-lhes a luz. O que Isaías havia escrito, capítulo 8.22 e 9.1-2, cumpriu-seno ministério de Jesus nesta região. As tribos de Zebulom e Naftali tinham aqui, em temposantigos, sua morada. Seu território se estendia em direção ou no encosto do mar. Era um lugaronde as raças se misturavam, formando uma população de fronteira, especialmente deste lado –o lado oeste do Jordão – de acordo com o emprego hebraico do termo, ou além do Jordão, de

3635) Barton, Archeology and the Bible, 98.

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acordo com o emprego grego, numa referência à Peréia que também foi cenário da atividade deCristo. É desse população mista de judeus e gentios, em cujo meio os governantes gregoshaviam fundado novas cidades com costumes e instituições gentias, que o evangelista diz quejazia em trevas, aplicando as palavras do profeta. A condição espiritual do povo era tal, quesignificava um crescimento na cegueira espiritual, até mesmo no tempo de Isaías, uns 700 anosantes. E o evangelista repete no verbo “viviam” o mesmo sentido de “jaziam”. Reinava umaatitude indiferente e preguiçosa. A sombra da morte espiritual os havia envolvido. De fato, sehavia apagado a luz da vida que irradiava das profecias do Antigo Testamento. Mas, agora,“Jesus Cristo, a verdadeira Luz, brilhou na beleza da santidade e da verdade. Cristo iniciou seuministério na Galiléia e freqüentou este lugar inculto mais do que Jerusalém e outros lugares daJudéia. Foi aqui que sua pregação era, especialmente, necessária, e foi assim que a profecia secumpriu”36.

A forma da mensagem de Cristo era familiar ao povo, V.17: Daí por diante passou Jesus apregar e a dizer: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus. Isto já havia sidoproclamado por João Batista em seu apelo urgente por uma mudança de coração. Mas comJesus isto teve significado ainda maior. Ele precisa pregar o arrependimento para preparar ocaminho da proclamação da salvação. Ele não agiu como um guia para uma salvação distanteque se aproxima, mas como o arauto do reino da graça que nele estava à mão. Seu apelo foi poruma mudança do velho para o novo, da profecia e do tipo para o cumprimento. Foi assim que aestrela d”alva raiou em Cristo e seu evangelho, e agora começou a brilhar sobre os que estavamenvoltos em trevas, para que vissem esta luz e regozijassem em sua luz e calor misericordiosos.

A vocação dos discípulos, um dos primeiros atos oficiais de Cristo. V.18: Caminhando juntoao mar da Galiléia, viu dois irmãos,Simão, chamado Pedro, e André, que lançavam rede aomar, porque eram pescadores. O Mar da Galiléia, também chamado Lago de Genezaré, Lc.5.1,e Mar de Tiberíades, Jô.21.1, é uma pequena porção d’água formada por rio Jordão, tendo,mais ou menos, treze milhas de comprimento e sete de largura. Suas águas são frescas e claras,com abundância de peixes. As colinas à sua margem oeste são de natureza baixa e calcária. Asmontanhas, que se erguem na margem direita, são muito mais altas. Jesus, deliberadamente,seguiu o atalho pela costa desde Cafarnaum, acompanhado por uma grande multidão quepersistia no desejo de ouvir seus sermões, Lc.5.11. Foi então, que ele enxergou Simão, que ele,no primeiro encontro, Jô.1.42, havia chamado de Cefas, o equivalente aramaico de Pedro, e seuirmão André, que eram de Betsaida e estavam empenhados em seu negócio, pois erampescadores. Os dois não eram desconhecidos do Senhor, tendo já estado com ele nas campinasdo Jordão, Jô.1.40-42, e, depois, em Caná. Tendo vindo com Jesus para a vizinhança de suamorada, retornaram à sua antiga ocupação. Eles também, movidos pela palavra do Senhor,lançam suas redes ao mar para uma pescaria maravilhosa, Lc.5.4-6.

Mas, o Senhor precisava deles. V.19-20: E disse-lhes: Vinde após mim, e eu vos fareipescadores de homens. Então eles deixaram imediatamente as redes, e o seguiram. Esta nãofoi uma solicitação para mero companheirismo, mas uma vocação poderosa, ainda que genial,ao apostolado, expressa em palavras que apelaram às suas mentes incultas. Já eram seusdiscípulos, mas sem obrigações especiais, quanto ao segui-lo. Agora eles foram escolhidoscomo seus constantes seguidores, para serem treinados para o seu importante e elevadochamado. “Este foi o começo e a primeira vocação, a saber, para ouvir o evangelho de Cristo oSenhor. Pois, se devessem pregar a outrem, eles, primeiro, o deveriam ouvir e aprender. Depoisdisso, quando deveriam pregar a outrem, o Senhor os chamará por uma outra vocação e lhes dáa ordem como e em que deveriam concordar, Mt.10” 37. Jesus chama-os, mais apropriadamente,“pescadores de homens”, visto que queria treina-los para ganhar almas imortais para o céu,

37 ) Lutero, 11.1910.

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mesmo que fossem tão somente homens simples e incultos, “para que o poder e a força de Deusfossem apontados nisso,que Ele principiou este trabalho tão imenso com pessoas tão humildese simples, e por eles o realiza; para que cada um pudesse entender que isto não feito por poderhumano, mas unicamente pelo poder e força divina” 38. Seu emprego secular serviu, nestesentido, como o símbolo do seu chamado espiritual. O impacto forte que ap presença e o ensinode Cristo deve ter provocado nestes pobres pescadores galileus, aparece no fato, que não houvenenhuma hesitação, nenhuma consulta a carne e sangue. Imediatamente deixaram suas redes,desistiram de sua vocação terrena, abandonaram a tudo, e o seguiram, tornando-se seusdiscípulos e estudantes de teologia.

No mesmo dia outros se juntaram a eles: V.21-22 Passando adiante, viu outros dois irmãos,Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco em companhia de seu pai,consertando as redes, e chamou-os. Então eles, no mesmo instante, deixando o barco e seupai, o seguiram. Isto aconteceu na mesma vizinhança, do relato recém descrito, e logo emseguida, Lc.5.10. João, provavelmente, esteve entre os que, no Jordão, haviam seguido Jesus,Jô.1.35-40, e, brevemente, havia contado sua experiência maravilhosa ao irmão mais velho,Tiago. Por isso, ainda que estivessem dedicadamente empenhados na rotina de sua vocação, eainda que a vocação de Jesus implicava em cortar as relações familiares, não havia neles amenor hesitação. A honra de servir seu Senhor, mesmo na pobreza e humildade, elimina todas equaisquer considerações temporais.

Com estes homens, como núcleo de um grupo leal de discípulos, Jesus principiou, agora, seuministério na Galiléia, do qual Mateus dá, neste ponto, um resumo, na forma de uma introduçãoaos capítulos seguintes. V.23: Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas,pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo.A Galiléia inteira era seu campo de atividade, tanto a Galiléia superior, com seus vales férteis,como a Galiléia baixa, com seus muitos vilarejos pontilhando a paisagem. Jesus, em suas idas evindas, estava dedicadamente engajado e constantemente ativo nas três funções do seuministério. Ensinava nas sinagogas ou escolas dos judeus, principalmente, expondo o AntigoTestamento. Pregava o evangelho do reino, a gloriosa nova da redenção messiânica. Curava osenfermos, não só por uma mera sugestão mental como tantos o fazem, mas com a aplicaçãodeliberada do seu poder divino sobre qualquer forma de mal e doença que se manifestasse.

O resultado foi evidente. V.24: E a sua fama correu por toda a Síria; trouxeram-lhe, então,todos os doentes, acometidos de várias enfermidades e tormentos: endemoninhados, lunáticose paralíticos. E ele os curou. Os relatos sobre os poderes miraculosos do Senhor se espalharampor toda a Síria , mais provavelmente ao longo da estrada freqüentada pelas caravanas. E assimtodos aqueles que estavam atormentados ou aflitos de qualquer espécie de doença eramtrazidos a Cristo, pelos seus familiares ou amigos. Segue uma lista de doenças. Havia asindisposições doloridas menores que exigiam o toque da sua mão curadora. Havia osendemoninhados, ou seja, os que, pela influência de espíritos imundos, estavam sujeitos adoenças. Havia os lunáticos ou epilépticos, sobre os quais mudanças dos astros influenciavam,em especial as fases da lua. Havia os paralíticos, que estavam aleijados, em resultado dedesordens nervosas e das mudanças do tempo. Mas, de todos estes o evangelistas tem a dizer amesma coisa, o que ele faz em três palavras: “Ele os curou”. A força da doença precisourender-se diante da onipotência do divino médico.

Com sua fama cresceu também o número dos seus seguidores. V.25: E da Galiléia, Decápolis,Jerusalém, Judéia e dalém do Jordão numerosas multidões o seguiam. A extraordináriaimpressão que este profeta de Nazaré criou não ficou limitada à Galiléia. Pessoas vinham de

38 ) Lutero, 11.1917.

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Decápolis, a sudeste do Lago de Genezaré, cuja população era, predominantemente, grega. Nãotomaram em consideração a viagem longa desde o extremo sul da arrogante Judéia, daJerusalém que não se misturava, da bem distante Peréia, dalém do Jordão na Judéia. Todosqueriam ver e ouvir o homem, cujos milagres estavam deixando perplexa a nação.

Sumário: Jesus, tendo, depois de 40 dias de jejum, resistido com sucesso à tentação do diabo,principiou seu ministério da Galiléia, ensinando, pregando e curando, sendo Pedro, André,Tiago e João os seus primeiros discípulos.

A Sinagoga Judia

As sinagogas, ou as casas de reuniões, que, tão freqüente, são citadas no Novo Testamento,particularmente nos evangelhos e em Atos, se originaram durante ou em conseqüência docativeiro babilônico. Foram, provavelmente, o resultado da grande necessidade em conjunto,sentida por todos, quando o templo estava em ruína. No tempo de Jesus estavam espalhadas portoda a terra da Palestina. Até mesmo em vilas pequenas, sendo que dez pessoas honradas era osuficiente para compor uma sinagoga. Em Jerusalém havia 480, ou, se pouco, 460, destas casasde culto. Uma comunidade, geralmente, construía sua própria sinagoga, a não ser, quando eraassistida por vizinhos caridosos, ou, até, por generosidade privada, Lc.7.5.

No que diz respeito à sua disposição e mobília, as sinagogas,usualmente, eram de formaretangular, tendo uma nave central e corredores de ambos os lados, que corriam por fora dascolunas que sustentavam o telhado.Geralmente havia uma galeria para as mulheres, apoiadanestas colunas. Numa das pontas se localizava o cofre sagrado ou arca, contendo os rolos da leie dos profetas, que estavam escritos em longas folhas de pergaminho ou papiro e enrolados deambas as pontas sobre uma vara roliça. A arca estava protegida por uma cortina, e degrausconduziam a ela. A lâmpada sagrada, com sua luz eterna, nunca faltava. O púlpito ou cátedra,do qual a lei era lida, estava no meio da construção. Os que a liam, ficavam de pé, enquantoquem pregava ou expunha o texto, o fazia sentado. Bem em frente da arca e direcionado para aspessoas, estavam os acentos de honra, onde sentavam os anciãos, sendo que os acentos oubancos para os homens preenchiam o espaço restante.

O culto público na sinagoga era iniciado com o Shema, Dt.6.4-9; 9.13-21; Nm.15.37-41. Demanhã e de tarde, era precedido por dois votos de bendição, e seguido, de manhã, por um votode bênção, enquanto, que de tarde, por dois. Estas são orações de beleza singular, no tom geraldos salmos. Estas orações, antes e depois do Shemá, estão no Mishnah, e, praticamente,permaneceram inalteradas até o dia de hoje. Depois vinham as orações diante da arca.Consistiam de dezoito eulogias ou bendições, chamadas Tephillah. As três primeiras e as trtêsúltimas elogias são muito antigas, sendo possível afirma que já estavam em uso no tempo doSenhor. As orações eram proferidas em voz alta por um homem escolhido para a ocasião, e acongregação respondia com amém. A parte litúrgica do culto era concluída com a bênçãoaraônica, proferida pelos descendentes de Arão ou pelo líder das devoções.

Após isto seguia a leitura da lei. Sete pessoas eram pedidas a ler, e as leituras eram arranjadasde tal forma, que o Pentateuco (os Livros de Moisés) fosse lido duas vezes em sete anos. Emdias da semana, só eram pedias três pessoas para ler a lei. Após a lei seguia a leitura dosprofetas. No tempo de Jesus, toda leitura era acompanhada duma tradução ao aramaico por um“meturgo” ou intérprete.

Depois da leitura dos profetas vinha o sermão ou alocução. Quando aparecia um mestre muitoinstruído, ele não falava diretamente ao povo, mas um orador dava uma transcrição popular dadiscussão com ele. O sermão mais popular do ancião ou mestre era chamado de “meamar”, isto

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é um discurso ou conversa, via de regra, baseada numa passagem da Escritura, Lc.4.47. Depoisdo sermão o culto era encerrado com breve oração.39

Capítulo 5

As Bem-aventuranças. Mt.5.1-12.

A secção do evangelho de Mateus, que está nos capítulos 5 a 7, é uma das mais belas eimpressionantes de todo o Novo Testamento. Jesus, neste trecho e na linguagem mais simples,porém com força singular e pertinência, deu um resumo do seu ensino moral, a doutrina “dosfrutos e boas obras dum cristão”, como escreve Lutero. Pois, o “sermão da montanha” não é aproclamação do evangelho mas a pregação da lei. Jesus objetiva despertar e promover aconscientização e a percepção, não só duma relativa fraqueza e insuficiência em coisasespirituais, mas duma total e absoluta incapacidade de pensar, falar e agir conforme a santavontade de Deus. Ele quer causar a convicção humilhante mais, incidentalmente, a maisbendita convicção, quanto a sermos infelizes, miseráveis, pobres, cegos e nus em coisasespirituais, Ap.3.17. Quer ensinar aos regenerados que, sem ele, não podem fazer nada e, destaforma, guia-los pelo caminho da verdadeira santificação. Este foi o alvo de Cristo ao proferireste maravilhoso sermão.

A ocasião e o lugar para esta grandiosa lição foram escolhidos por Jesus, com particularcuidados. Ele havia passado a noite em oração num monte, e, após, havia separado doze dosseus discípulos para serem apóstolos, Lc.6.12-16. Feito isto, estava a caminho do vale, V.1a:Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte. O povo, em números crescentes, se agrupava a ele.As pessoas vinham para ouvi-lo. Insistiam em tocá-lo, e serem curadas de várias doenças,Lc.6.17-19. Jesus, para se livrar das multidões abaixo, cuja ânsia ameaçava esmaga-lo, subiunovamente ao monte. Saber seu nome e localização, seria interessante, só por razõessentimentais. Nas encostas mais elevadas ele estava livre do aperto do povo. V.1b: E como seassentasse, aproximaram-se os seus discípulos. Não só os apóstolos, ainda que estivessementre os primeiros, mas seus discípulos em geral, que já era um grupo considerável, se reuniramao seu redor. Seu discurso se dirigiu, principalmente, a eles, mas os demais não estiveramexcluídos. O lugar era ideal para repassar um ensino sem distração, longe do ruído da multidãoque se acotovelava e acima do alvoroço e do calor abafado da planície.

39 )Clarke, Commentary, 5,62; Schaff, Commentary, Matthew, 95; Edersheim, Life and Times of Jesus theMessiah, I.430-450; In the Days of Christ, cap. XVII; Dembitz, Jewish Services in Synagog and Home, BookII, cap.I; Gwinne, Primitive Woship and the Prayer Book, cap.I; Mercer, The Ethipic Liturgy, 29.

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Uma descrição solene e dramática do começo dum discurso de peso. V.2: E ele passou aensina-los, dizendo: Esta foi, da parte do grande Mestre, uma informação confidencial e queinspirava temor, registrada pelo evangelista, Jô 3.1; Dn.10.16; Sl.78.2. É dado um discurso bempreparado e cuidadosamente disposto, em que, com total destemor, foi feita referência acondições deploráveis que existiam. “Também isto, como afirmado acima, pertence a umpregador, a saber, que não cale sua boca, que não somente em público exerça seu ofício, assimque todos devam calar-se e permitir que ele siga em frente como quem tem direito e ordemdivinos, mas que ele também abra sua boca de modo alegre e confiante, isto é, para pregar averdade e tudo o mais que lhe foi incumbido. Não calar ou falar de modo confuso, mas semansiedade e sem temor confessar e falar francamente, sem considerar ou poupar qualquerpessoa, deixando que acerte a quem e o que quer que seja” 40. Jesus ensinou-os, não somenteseus discípulos, mas a todos que sua voz podia alcançar. Foi um ensinamento, não um sermão,que lhes dirigiu. Aqui Jesus é o Mestre e Professor, não o evangelista e profeta.Suas primeiraspalavras tangem a nota-chave de todo o discurso. V.3: Bem-aventurados os humildes deespírito, porque deles é o reino dos céus. Aqui a referência de Jesus, antes de tudo, não é para apobreza temporal, ou à miséria terrena, como acontece em outras passagens do NovoTestamento, 1.Co.1.26-28; Tg.2.5. Ele está falando dos pobres e miseráveis “de espírito”, istoé, daqueles que se encolhem e recuam de medo e terror, dos que de modo assustado estãoconscientes das carências e necessidades de sua alma, dos que sentem em seu próprio coração,no que concerne às bênçãos espirituais, nada mais do que um grande vazio e desespero em suaspróprias habilidades, Mt.11.5,28; Is.61.1; 62.2; Sl.70.5. Pessoas, como estas, que estãoconsciente e dolorosamente informadas, de suas deficiências morais, o Senhor chama bem-aventuradas, felizes. Se ainda estivessem sob a impressão enganosa, de que eramespiritualmente ricas e sem carências em qualquer coisa, iriam iludir-se com uma falsasegurança, que os impediria de alcançar a verdadeira riqueza ou a única felicidade que é eterna.Mas em suas reais condições, nenhum falso orgulho irá impedi-los de aceitar as riquezasinsondáveis do reino dos céus, que são suas de graça. Pois, o reino dos céus é a totalidade detodos os dons de Deus em Cristo Jesus, assim como são desfrutados aqui na terra na IgrejaCristã, e, finalmente, lá em cima, no reino da glória. Sendo isto verdade, e sendo já agora sua aposse das riquezas do reino, os discípulos devem empenhar-se, com diligência ainda maior, emcultivar a pobreza que o Senhor elogia, e exercitar-se nela diariamente.O que segue está intimamente conectado com este pensamento, V.4: Bem-aventurados os quechoram, porque serão consolados. Os discípulos estão sujeitos a condições e circunstânciastais, que lhes causam ou ocasionam choro, Lc.6.21,25; Jo.16.20; At.14.22. Mas, o motivoprincipal do seu lamento está no fato que sentem sua pobreza espiritual. Seu pesar está sobre aesterilidade de sua natureza carnal, que os separa do manancial das bem-aventuranças. Estepesar, por causa da ausência e da perda das posses espirituais, é uma tristeza profunda eenorme. Ela, em agudo arrependimento, faz compreender o pecado e suas conseqüências, tantonaquele que lamenta, como nos demais.Suas conseqüências, contudo, precisam ser barradas,para que não levem ao desespero. “Pois, que também Cristo coloca exatamente estas palavras epromete o consolo, para que não desesperem na sua dor, nem se deixem apagar e roubar aalegria de coração, mas misturem tal tristeza com o consolo e o refrigério. Do contrário, sejamais tivessem consolo e alegria, precisariam enfraquecer e secar de sede” 41. Por isso serãoconfortados. Sua amarga tristeza será convertida em consolo e júbilo abundante e final,Rm.14.17. O próprio reino do Messias, com sua mensagem de esperança, é chamado aconsolação de Israel, Lc.2.25.

40 ) Lutero, 11.353,354; Para uma aplicação prática e extensa do Sermão da Montanha, veja 7.350-677.41 ) Lutero, 7.368. (traduzi do alemão)

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Estas duas condições formam o pré-requisito da terceira bem-aventurança, V.5: Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. Seu coração não está cheio de auto-justiça,de orgulho e presunção. Eles estão curvados de pesar, e por isso, tendo um espírito dócil, estãoprontos e voluntários a perseverar, Sl.37.11. A característica deles é sofrer e suportar semresmungar. Em seu comportamento não há arrogância obstinada. “Porque não deixará deacontecer, que teu vizinho, às vezes, atentará contra ti, indo além do que deve, seja por enganoou propositalmente. Quando foi por engano, tu, por não querer ou poder suportá-lo, da tua partenão o tornarás em bem. Mas, se foi propositalmente, tu o piorarás, quando hostilmenteesgravateias e reclamas, enquanto ele ri e tem seu prazer em ver-te zangado e aflito, não tendovocê paz e nem sendo capaz de servir-te tranqüilamente do que é teu”42 . Os discípulos deCristo, contudo, tendo corações mansos e ternos, serão abençoados e felizes, pois têm apromessa da terra como sua herança. Esta afirmação, em sua forma paradoxal, é muitoestranha. A expressão, como o Senhor a usa, não se pode referir, tão somente, a donsespirituais, ainda que estes, sem dúvida, estejam incluídos. Jesus enfatiza o fato, que amansidão, pela vontade de Deus, é uma “máxima que conquista o mundo”. Como senhores legítimos da criação,aqueles a que a promessa de Cristo diz respeito, usarão, com boa consciência, os donstemporais de Deus, 1.Co.3.22, e estarão certos que a generosidade de Deus haverá de prover.“A expressão ‘herdarão a terra’ significa, neste lugar, possuir todas as maneiras de bens naterra. Não, que cada um vá ocupar um país inteiro, caso contrário, Deus deveria criar maismundos, mas os bens que Deus confere a cada um, quando lhe dá mulher, filhos, gado, casa,lar, e o que a isso pertence, para que permaneça decididamente na terra onde vive e seja donode suas posses, como a Escritura em geral o afirma” 43. O Senhor, tendo enumerado algumas poucas virtudes negativas, passa a mencionar algumasqualificações positivas, que devem caracterizar seus discípulos, V.6: Bem-aventurados os quetêm fome e sede de justiça, porque serão fartos. Esta justiça não é a de Cristo, que é imputadapela fé. Neste caso, esta uma sentença de evangelho estaria fora de lugar nestes admoestações arespeito da vida e do comportamento dos seus seguidores. É a justiça exterior diante do mundo,ou seja, a piedade no viver que ele recomenda. “ Entenda, por isso, aqui a justiça externa diantedo mundo, como nos comportamos um perante o outro. Que isto é, de maneira breve e simples,o significado destas palavras: Esta é verdadeiramente, uma pessoa bem-aventurada que semprepersevera e com todas as suas forças por isso, a saber, que todas as coisas em todos os lugaresestejam em ordem e que cada pessoa faça o que é certo, e, com palavras e atos, conselhos eação, coopera a manter e fomentá-las.” 44) Os discípulos de Cristo deviam ter fome e sede, serextremamente desejosos pela posse duma tal piedade, a fim de receberem a bênção de sesentirem plenamente satisfeitos. Esta é a recompensa desta virtude, concedida pela misericórdiade Deus, de n ao só ter a satisfação de ter feito bem as coisas, mas de tê-las feito de acordo coma vontade de Deus e que disso recebe uma recompensa temporal, Sl.37.25; Is.3.10; Pr.11.18,19;Ap.7.16; Sl.17.15.Uma das provas maiores da piedade do cristão é a misericórdia, V.7: Bem-aventurados osmisericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Um coração pleno de profunda simpatia e desincera compaixão pela necessidade temporal e espiritual do próximo; um coração que estáintimamente preocupado e sinceramente empenhado pelo bem de todos, em especial, pelos quesão da família da fé este é do agrado do Senhor. E todos os esforços feitos neste sentido, pormais insignificantes que possam ser ante a avaliação do próprio cristão, certamente recebem,como recompensa misericordiosa, a compaixão do próprio Deus.

42 ) Lutero, 7.372. (traduzi do alemão).43 ) Lutero, 7.369.44 ) Lutero, 7.373.

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Mas, um comportamento hipócrita não resistirá o teste de Seu exame criterioso, V,8: Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus. Uma pureza meramente exterior nocumprimento das injunções cerimoniais da lei não basta na economia de Deus. Ele desejacorações tais, que se guardam a si mesmos puros, incontaminados das concupiscências dacarne, da concupiscência dos olhos e da soberba da vida, Is.1.16; Tg.4.8; 2 Co.6.17. Mas estapureza também encontra sua expressão na coerência de propósito que rejeita qualquerpensamento que possa restringir ou distrair, mas de coração sincero busca ao Senhor e ao seureino, Fp.2.12. Felizes, bem-aventurados são os que são encontrados praticando esta pureza,pois o seu galardão ultrapassa, mais uma vez, as suas mais agradáveis esperanças. Eles, até,nesta vida verão a Deus com os olhos do espírito, erguendo-os, em jubilosa confiança, ao Deusde sua salvação, Is.17.7; Mq.7.7; Sl.25.15. Mas a essência real da felicidade celeste será o verDeus de face a face na vida que há de vir, Sl.17.15; 42.3; Jó 19.27.

Uma terceira virtude cristã positiva, que reflete a perfeição do próprio Cristo, V.9: Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. Os discípulos de Cristo sãofilhos da paz. Eles, não somente têm paz em suas almas, pela pureza do seu viver, mas sãopromotores ativos e fervorosos da paz num mundo que está rebentado em pedaços, por causa doódio, do interesse partidário e de todas as formas de alienação, Rm.12.18; Sl.34.15. Mc.9.50;2.Tm.2.22; Hb.12.14. Usando seus melhores préstimos para acalmar as paixões, para acomodarbairrismos, eles se afirmam como verdadeiros filhos de Deus, que têm somente pensamentos de pazpara com todas as pessoas. Este é seu galardão gracioso: Deus é seu Pai, Cristo é seu irmão, e o céué sua herança e seu lar, 1.Pe.3.10-11; Is.57.2.É inevitável, que a censura a Cristo acertará os discípulos em seu empenho de seguir estas regras.Por isso, Jesus acrescenta, V.10: Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porquedeles é o reino dos céus. Vivendo estes princípios de Cristo diante das pessoas, a retidão das vidasdos cristãos tende a torna-los notados diante das pessoas, e faze-los parecer diferentes emoralmente mais puros do que os outros. E, por isso, os filhos do mundo se ressentirão com esteseu distanciamento, interpretando sua atitude como uma crítica ao seu comportamento. O ódio domundo, devido a este seu pensamento, resulta em perseguição, Jô.15.19. Neste caso, o consolo dosseguidores de Cristo é que as várias evidências de ódio que precisam suportar, lhes são mais do quecompensados pela sua herança que é o reino dos céus.Jesus aplica isto aos seus mais próximos discípulos, V.11: Bem-aventurados sois quando, porminha causa, vos injuriarem e vos perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Estassão algumas das formas em que o ódio dos inimigos, provavelmente, se manifestará. É umaperseguição persistente e contínua por palavras e atos, que será particularmente dura de suportarpor causa das mentiras maldosas com que apontam e acusam aos discípulos como praticantes detodas as espécies de males. Há dois fatos que servem para consola-los. As afirmações, feitas dessamaneira, são mentiras deslavadas, inteiramente, apropriadas a preconceitos violentos. E o ódio daspessoas fere a eles por causa do Seu nome. É uma distinção, uma honra, sofrer por sua causa,porque carregam o seu nome.Por isso, apesar da perseguição, V.12: Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardãonos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós. Alegria e júbilo emmáxima medida são algo possível. É esperada uma demonstração irresistível de exultação dosseguidores de Cristo. Pois, todo o ódio que for possível ser derramar pelos inimigos, não pode sermedido com e nem mesmo entrar em consideração com o galardão da graça no céu. Eles serão maisdo que amplamente recompensados por toda a desagradável demonstração de ódio que foramobrigados a suportar aqui, Rm.8.17-18; 2;Co.4.17. Outro conforto que os conserva fortes, quandoprovados: por meio disso eles se tornam, aos menos nesse sentido, iguais aos profetas. Ser odiado,não pode ser só uma fonte de tristeza que precisa ser suportada por um certo tempo, sabendo que osantigos profetas foram martirizados da mesma forma mas, ainda assim, alegremente suportaram as

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aflições por causa do seu nome, 2.Cr.36.16; Hb.11.33-40. Por isso, assumam o trabalho, e suportemos sofrimentos daqueles que os precederam, sabendo que o galardão também será de vocês, 45.

Os Principais Encargos dos Discípulos no Mundo – Mt.5.13-16.

O Senhor ainda se dirige aos seus discípulos, V.13: Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a serinsípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisadopelos homens. Os discípulos, tendo experimentado o poder santificador da palavra e do Espírito deCristo, são sal. Notemos as quatro qualidades principais do sal. Ele é branco e puro. Ele previne deuma corrupção rápida. Ele preserva seu valor e o sabor. Ele faz com que o alimento seja palatável esaudável. Os cristãos são o sal da terra. É sua a tarefa de preservá-la da corrupção e da putrefação,empenhando-se com todas as forças para que a corrupção moral dos filhos do mundo não se torneexcessiva e por sua contaminação torne mal-cheirosa todas as classes e idades da sociedade,1.Co.15.33. Isto não é tarefa fácil. Mas, “este é o nosso desafio, quando as coisas vão mal e quandoo mundo e o diabo nos dirigem olhadelas perversas, e são,como gostam de ser, violentos. Então elenos diz: Vós sois o sal da terra. Onde esta palavra ilumina o coração, assim que, sem vacilar, confiee se glorie nisso que somos o sal de Deus, então quem não quiser sorrir que fique zangado. Mas euposso e vou colocar mais desafio e jactância em uma só de Suas palavras, do que eles colocam emseu poder, espadas e armas” 46. Se, pois, este sal perde o seu sabor, ele se torna insípido. Istoacontece só com sal que é submetido a um processo químico, sendo exposto à chuva, ou sendoarmazenado por muito tempo, segundo relatam viajantes da Terra Santa. Assim, a figura de Cristo éparticularmente inteligente. Um sal insípido, que não tem gosto de sal, é, na verdade, por si mesmouma contradição. Cristãos que perderam suas propriedades distintivas, e assim não maisinfluenciam seu meio para o bem, também perderam sua condição de discípulos. O sal que nãosabor não tem valor algum e é tratado como lixo. Isto acontecia com uma certa espécie de salbetuminoso, encontrado na Judéia, que rapidamente se tornava enfadonho e sem gosto, e, por isso,era espalhado pelo pátio do templo para prevenir que se tornasse escorregadio em tempo de chuva.Da mesma forma os cristãos que deixaram de aplicar-se na tarefa de agir como um poder moral nomundo, incorrerão no juízo do mundo. Lutero, provavelmente, está correto quando diz: “Por issosempre admoestei, tal como o faz Cristo aqui, que o sal permanece sal e não se torna insípido, istoé, que o artigo central da fé seja enfatizado. Pois, quando isto acaba, então, nem mesmo um sópedaço sobrará, e tudo já está perdido; e já não há mais fé nem entendimento, e ninguém já nãomais ensina ou aconselha de modo correto” 47.A mesma admoestação sob uma figura diferente, V.14-15: Vós sois a luz do mundo. Não se podeesconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixodo alqueire, mas no velador, e alumia a todos que se encontram na casa. Cristo é, em sentidorestrito, a única e verdadeira luz do mundo, Jó. 8.12; 9.5; 12;35. Mas os seus discípulos partilhamde sua natureza. Eles, em e por meio dele, são luz. Recebem Dele luz, bem como o poder dealcançar luz aos outros, 1.Ts.5.5; Fl.2.15; Ef.5.8. O seu irradiar luz, semelhante ao de Cristo, nãoestá limitado à sua vizinhança mais próxima, mas está implícito que se estenda até aos confins daterra. Este pensamento é tão evidente, que Cristo se refere a ele como u8m fato bem conhecido aosseus ouvintes. Muitas cidades da Terra Santa, sendo, provavelmente, algumas menores visíveis dacolina onde estavam reunidos, localizavam0se sobre elevações maiores. Como exemplo, todos osjudeus eram familiares com o Monte de Sião. Cidades, assim situadas, não podiam ser escondidas.Eram os alvos mais notáveis em toda a paisagem. Os cristãos, em virtude de sua condição dediscípulos, são semelhantes a uma tal luz, e semelhantes a uma tal cidade. Sua verdadeira diferença

45 ) Cf. Lehre und Wehre, 1913, Mai-Juni.46 ) Lutero, 7.406.47 ) Lutero, 7.413.

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torna-os em pessoas marcadas. Assim é que deve ser, pois isto concorda com a natureza e o alvo dasua vocação. Acender uma vela ou uma lâmpada, uma daquelas lâmpadas pequenas usadas naPalestina, e então colocá-la sob uma bacia emborcada, um (modius), um utensílio de barro paramedir grãos que continha um pouco mais do que nove litros, por vezes, podia ocorrer por razõesespeciais. Mas o objetivo deste acender foi, evidentemente, outro. A lâmpada deve ser colocada novelador, uma pedra que se projetava da parede na cabana dos pobres, ou uma estante na forma dumtripé, que, facilmente, podia ser trocado de lugar na casa. Somente assim uma lâmpada pode servirao seu propósito, que é alumiar a casa. Jesus aplica a parábola, V.16: Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejamas vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus. A política da obscuridade, deocultar crenças e convicções, é, não pouco, recomendada por cristãos mornos. São as, assimchamadas, “razões de prudência e sabedoria, de acostumar as pessoas, gradualmente, a novasidéias, de fazer deferências aos preconceitos das pessoas de bem, de evitar a ruptura porque sefalou atrevidamente. Mas a verdadeira razão é, via de regra, o medo das conseqüênciasdesagradáveis que poderão sobrevir a própria pessoa” 48.Pensar e agir assim, é infidelidade deliberada a Cristo. A tua luz, que do alto foi dada a ti, não épara ser usada conforme a conveniência, mas para brilhar. Não tu deves brilhar, mas a tua luz,sendo o objetivo não fazer tua pessoa ser proeminente mas o teu cristianismo. Os cristãos, tantoindividual como coletivamente, devem cumprir esta tarefa como seu encargo constante. Pois, a luzque deve ser irradiada deles em todas as direções, diante de todas as pessoas, consiste em suas boasobras que são os frutos de sua regeneração e a prova de que foram iluminados por Jesus. Elasdevem ser vistas por todas as pessoas, como sendo algo totalmente evidente. Todas as pessoas queentram em contato com suas obras, devem ser levadas a concluir sobre a força que as inspira.Assim, a glória, a honra, será colocada lá onde, correta e exclusivamente, deve estar: será dada aoPai no céu. Este fato torna urgente a admoestação e lhe dá sua verdadeira base. A fé é a lâmpada. Oamor é a luz. As boas obras são a irradiação da luz. Tão pouco como a lâmpada pode gabar-se desua luz, tão pouco podem os cristãos gloriar-se em suas boas obras. Toda glória precisa ser deDeus.

Cristo Confirma e Expõe a Lei de Moisés. Mt.5.17-37.

Jesus acabou de enfatizar as boas obras. Ele continua, dando uma definição de boas obras, combase na lei. Ele coloca a claro sua posição em relação à lei. V.17: Não penseis que vim revogar alei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir. O ensino do Reino, o evangelho queele veio proclamar, é uma doutrina radicalmente diferente do ensino de Moisés. Mas, ele nãoinvalida as exigências da lei moral, como ensinadas por Moisés. Ele não coloca em seu lugar umanova lei moral. Jesus, antes, enfatiza a compreensão correta da lei, e, visando isto, expõe comseriedade o seu conteúdo espiritual. Ele quer cumprir, expor inteiramente o verdadeiro significadoda lei, para contrapor-se à influência da exposição rasa e superficial, então em voga, e apresentaruma obediência perfeita da lei.

Ele, que podia abolir todas as suas ordenanças, que tem o poder para modificar qualquer uma dassuas injunções, coloca-se sob a lei, Gl.4.4, e, cumprindo cada uma de suas letras, cancela a lei da letra. Ele também cumpre os profetas. Qualquer coisa na revelação do AntigoTestamento, seja um tipo ou profecia, encontra seu cumprimento, sua realização em Cristo oRedentor, Cl.2.17.Notemos a ênfase de sua afirmação, V.18: Porque em verdade vos digo: Até que o céu e a terrapassem, nem um i ou um til jamais passará da lei, até que tudo se cumpra. Cristo, nesta passagem ecom um juramento solene, afirma que a lei também deverá ser retida, em toda a sua força, na igreja

48 ) Expositor’s Greek Testament, 1.103.

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do Novo Testamento. Todo o Antigo Testamento é revelação divina, por isso, seu menor preceitotem significado religioso que deve encontrar reconhecimento e compreensão apropriados em oNovo Testamento. Enquanto a terra existir, a sacralidade das Escrituras mais antigas devepermanecer tão absolutamente forte, que, nem mesmo um “i” que é a menor letra do alfabetohebraico, ou um “til”, aquele sinal pequenino que aparece em algumas de suas letras, cairão porterra. Aqui há o cintilar da glória do evangelho em meio à proclamação da lei, inferindo umcumprimento de deveria ser realizado – e. de fato, foi realizado – em e por meio da pessoa de JesusCristo.Enquanto isto, todas as pessoas devem saber, V.19: Aquele, pois, que violar um destesmandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo noreino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reinodos céus. Aqui há uma conclusão. Visto que o dito acima é a visão de Cristo, ele está obrigado aassumir sua função em referência aos transgressores dessa norma. Aquele que dissolve, revoga oupõe de lado, mesmo aqueles mandamentos que parecem pequenos e de pouca importância; aqueleque despreza algo tão insignificante como um daqueles sinais ou ganchos cuja presença ouausência, realmente, pode mudar o significado de toda uma passagem, - esse cai sob a sentençacondenatória de Cristo. É declarado como o menor no reino dos céus. A sinceridade de suasconvicções não será aceita como escusa, e sua culpa pela propalação de sua opinião falsa que estáem seus ensinos. Será chamado o menor. Será rejeitado do Seu reino e excluído de Sua glória. Poroutro, aquele que ensina em total conformidade com o Antigo Testamento, que não somente pregao evangelho mas também a lei com seu grande objetivo de preparar os corações; aquele que não secala em relação a nada, que não faz qualquer acréscimo nem tira qualquer coisa da lei, - esse teráum nome ilustre no reino dos céus, e receberá a recompensa da fidelidade. Este ensino é, por isso,essencial na educação das pessoas sobre a verdadeira justiça no viver, mantendo uma condutaapropriada diante dos cristãos.Esta característica e ressaltada, de modo forte, pelo contraste. V.20: Porque vos digo que, se avossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus.Tão somente Nele, e não nos mestres do povo, como, naquele tempo, eram conhecidos, há ocumprimento perfeito do ensino e do agir. Os escribas eram os mestres reconhecidos da lei, emuitos deles eram membros da seita, do partido, dos fariseus. A principal acusação que Cristotrouxe contra eles, está registrada em muitas passagens do evangelho. Cf. Mt. 23. O feitio dadoutrina e vida deles era que eles trocavam o grande pelo pequeno, o divino por amor aotradicional. O resultado disso foi uma observação servil das coisas externas, que lhes deu diante dopovo grande ostentação de piedade, o que eles alimentavam com muito carinho. Mas em relação àmaioria deles, seus corações estavam distantes da piedade e da justiça daquele coração que busca,em verdadeiro amor ao próximo, fazer a vontade de Deus por meio de palavra e ação.. Sempre queeste é o caso, não há fé, e, por isso, nenhuma idéia de entrar no reino dos céus.A seguir, o Senhor procede, provando suas afirmações condenatórias, com a exposição de algunsmandamentos da lei, segundo o seu pleno sentido espiritual. V. 21: Ouvistes que foidito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento.Era isto que estavamacostumados a ouvir nos serviços religiosos regulares das sinagogas, onde nunca faltava a leitura dalei. As duas afirmações foram ditas aos de antigamente, Ex.20.13; Dt.5.17; Gn.9.5-6, e pelosantigos, nos preceitos entregues pela tradição de pai a filhos, bem como pelos mestres do povo,2.Cr.17.7-9. Mas a adição que fixava os castigos foi feita na interpretação dos rabis. Mas por estaexplicação o significado de “matar” ficou restrito só ao assassinato propriamente dito, e omandamento de Deus se tornou em mero decreto externo. Foi penalizada a consumação datransgressão, mas a sua origem, nos desejos, pensamentos e palavras, não foi restringida. “Vede,esta é a bela santidade dos fariseus, que se pode manter puro e permanecer piedoso, enquanto nãose mata com a mão, mesmo que o coração esteja cheio de raiva, ódio e inveja, e também a línguacheia de maldições e blasfêmias” 49.

49 ) Lutero, 7.429.

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A exposição de Cristo não é tão restrita, V.22: Eu, porém, vos digo que todo aquele que, semmotivo, se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seuirmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao infernode fogo. A afirmação do Senhor é genérica: Todos, ninguém excluído. É uma proibição universalda explosão raivosa. A pessoa que dá lugar à cólera, é culpada de julgamento e condenação. Araiva contra um irmão, qualquer membro da família humana, é pecado mortal. E, com muitapropriedade, cai sob a jurisdição do conselho ou corte, Dt.16.18; 2.Cr.19.5. Este é um falar relativo.A pessoa que dá lugar a ira é um ofensor tão grande aos olhos de Deus, como aquele que abatefriamente seu irmão, Gl.5.20; Cl.3.8; Tg.1.19-20. A mesma condenação, mas com maior ênfase, caisobre aquele que não consegue controlar sua ira, permitindo que ela irrompa em maldições. “Raça”é uma palavra aramaica que significa “cabeça oca” ou estúpido. A pessoa que emprega tais epítetosirados, é culpada do sinédrio, a corte suprema dos judeus que julgava as ofensas piores e queimpunha as penas mais severas. Uma ira que não é controlada rapidamente, se tornará em iracombinada com desprezo que abertamente se satisfaz em revidar, 1.Pe.3.9. Um insulto ainda maiorestá no epíteto “tolo”. Este era usado para apontar um tolo imprestável, sem esperança,irremediável, moralmente imprestável, e expressava desprezo quanto à alma e caráter de alguém.Esta expressão de máximo desprezo sobre a posição dum companheiro é, aos olhos de Deus, umaofensa igual a dum assassino. É um pecado abominável, 1.Jo.3.15; Ap.21.8. É punível com o fogodo vale do Hinom, o vale em que era queimado o lixo de Jerusalém, que é uma figura empregada,muitas vezes, por Jesus, quando fala do castigo do fogo do inferno.Jesus apresenta o lado positivo de sua exposição, V.23-24: Se, pois, ao trazeres ao altar a tuaoferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tuaoferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta. A atitudeperdoadora é ilustrada com um acontecimento que era muito freqüente entre os judeus, sendo-lheinteiramente familiar. Um judeu tinha o direito de trazer o seu “corbã”, seu dom, escolhido dequalquer espécie de sacrifício sangrento ou não, que era trazido ao templo, Mt.8.4; 15.5; 23.8. Mas,no exato momento de entrega-lo ao sacerdote que oficia junto ao altar, acontece a lembrança.Repentinamente lampeja em sua mente, que ele foi culpado dum ato ou palavra que poderá terprovocado um irmão. A maneira usual de lidar com a situação poderia ser, continuar com o culto, e,então, correr e fazer a paz com o ofendido. Cristo, contudo, nos diz que interrompamos nosso cultoe realizemos a missão, de buscar, primeiro, perdão, mesmo que possa parecer humilhante procederassim. É mais importante que o coração esteja livre da ansiedade por causa da paz de consciênciadum irmão, do que ser cumprido um ato externo: misericórdia antes do sacrifício. Haveráabundância de tempo para o sacrificar posterior. Cf.Is.58.4-7.A mesma verdade em outra parábola, V.25-26: Entra em acordo sem demora com o teu adversário,enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz ao oficialde justiça, e sejas recolhido à prisão. Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto nãopagares o último centavo. O quadro é o de um devedor a caminho do tribunal, Dt.21.18; 25.1. Comele está o seu credor que é seu adversário, mas que, provavelmente, poderia estar disposto a acertar-se fora do tribunal. O conselho é, que o devedor tenha uma índole muito conciliadora. Esteja prontoe desejoso para falar francamente e sem demanda sobre o problema. No caso de não ser encontradaum acerto, desta forma, o perigo está nisso que o adversário, perdendo inteiramente a paciência,entregue ou, até, arraste o devedor à força diante do juiz. Isto garantirá ao credor uma decisãofavorável, sendo o caso executado pelo oficial de justiça, e ele terá a satisfação de ver o devedor serlevado à prisão. Então todas as esperanças de alcançar misericórdia, estariam perdidas. Pois, atémesmo o último “quadrante” que é a quarta parte dum “assarion” romano, que não valia dois centsde dollar, seria-lhe requerido. Seria exigido o pagamento, até, da última fração dum centavo. É umaadmoestação muito séria, que não esperemos ou hesitemos sobre a reconciliação com o nossoadversário, com qualquer pessoa a que devamos a mão da paz. O período breve da vida vai, rápido,ao passado e quem é insensível e recusa entrar em acordo, encontrará no Senhor um Juizigualmente insensível.

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Uma lição do sexto mandamento, V.27-28: Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vosdigo: Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já adulterou comela. O sexto mandamento, de fato, foi dado “aos antigos”, Ex.20.14; Dt.5.18. Mas foi entendidopelos mestres judeus somente sobre o pecado consumado da deliberada infidelidade daqueles queestão unidos em casamento, ou do relacionamento carnal dos não casados. Muitos “rabis”afirmavam expressamente, que o mau pensamento não devia ser considerado igual ao atopecaminoso 50. A explanação de Cristo abre o sentido mais profundo do mandamento. Ele vê oinício do adultério no fomento deliberado do desejo, quando este acorda no coração. Uma mulherpode ser vista, pode entrar na linha de visão dum homem, sem que haja algo errado no ato. Semisto, seria impossível um relacionamento humano normal. Mas, quando o olhar dirigido sobrequ8alqauer mulher, casada ou solteira, é deliberado e intencional, consciente e persistente, como auma pessoa do sexo oposto, e isto é seguido por um desejo impuro de cobiçá-la com intençõesimorais, então, de fato, foi cometido adultério, mesmo que o pecado esteja profundamente ocultono coração.O conselho de Cristo ao tentado é, V.29-30: Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o elança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpolançado no inferno. E se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convémque se perca um dos teus membros e não vá todo o teu corpo para o inferno. O olho direito e a mãodireita são citados como os membros que são proeminentes na consumação do pecado, pelos quaiso mau desejo do coração encontra sua manifestação. São apresentados como os órgãos da tentação.De acordo com a opinião popular, eles são os membros que ofendem, que incitam à realconsumação do pecado. Por isso, falando simbolicamente, estes membros e todos os demais docorpo precisam ser controlados, se necessário, por meio duma renúncia incondicional e dolorosa. Émelhor estar sem alguns órgãos e membros individuais do corpo, do que ter condenado todo ocorpo. Cristo fala figuradamente. Suas palavras precisam ser entendidas no sentido espiritual. Pois,uma mutilação, evidentemente, poderá prevenir o ato externo, mas não matará o desejo. Cadamembro do corpo deve ser controlado e governado de tal modo pela vontade santificada, que não serenda ao pecado,levando o corpo inteiro à condenação. Jesus, mais uma vez, usa a figura do fogoconstante do vale de Hinom, onde o refugo e o lixo da cidade de Jerusalém era queimado, pelocastigo do inferno. “Este é, pois, o significado: Quando sentes que olhas com mau desejo umamulher, então, por ser contra o mandamento de Deus, arranca este olho ou visão, não do corpo masdo coração, do qual procedem o ardor e o desejo, assim o terás extraído corretamente. Pois, quandoo mau desejo está longe do coração, então o olho também não pecará nem te ofenderá, e tu olharásesta mesma mulher com os mesmos teus olhos do corpo, mas sem desejo, e te será, como se nem ativesses visto. Pois, já não haverá mais aquele olho que havia antes, que é chamado o olho do ardorou do desejo,. Mesmo que o olho do corpo permaneça sem dano” 51.Mais uma ilustração, V.31-32: Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta dedivórcio. Eu, porém, vos digo: Qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relaçõessexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada, cometeadultério. A forma em que Jesus fala neste ponto, indica que ele desaprova a interpretação literalda permissão dada por Moisés, Dt.24.1. A lei mosaica foi dada no interesse da mulher, de dar-lhe,ao menos, alguma aparência de direito. Mas os doutores judeus, preocupados somente com a formaexterior e sobre a concessão legal duma carta de divórcio, permitiram uma autorização que logo sedesviou para excessos escandalosos e criminosos. Martelando sobre a frase: “Ela não encontroufavor aos seus olhos”, permitiam o divórcio a um homem que, tendo encontrado uma esposaidônea, não se agradando do seu jeito de cozinhar ou de suas maneiras. A única coisa em que seinsistia, era que a carta de divórcio fosse elaborada, tornando o caso formal. Mas, um talrompimento proposital do laço matrimonial, mesmo que sancionado pelo tribunal civil, não temvalidade perante Deus. O Senhor reconhece, tão somente, uma razão para o divórcio, a saber,

50 ) Tholuck, Bergrede Christi, sobre v. 27.51 ) Lutero, 7.448.

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quando há um caso manifesto de infidelidade, de adultério, de qualquer relacionamento ilícitoduma pessoa casada com qualquer outra pessoa do que com quem é seu consorte legal. Neste caso,um divórcio pode ser conseguido, mas isto não é lei. “Nós não ordenamos nem impedimos um taldivórcio, mas deixamos que neste caso o governo aja... Porém, para dar conselho aos que desejamser cristãos, seria melhor admoestar e instar ambos os lados a permanecerem juntos, e que ocônjuge inocente seja reconciliado com o culpado (caso este for humilde e disposto a se emendar) ea perdoar em amor cristão” 52. Caso seja alegada qualquer outra razão, e o divórcio for efetuado, écometido adultério, tanto pelo queixoso quando rompe o laço matrimonial, como pelo acusado quepermite a dissolução leviana. Da mesma forma, aquele que casa com uma mulher divorciada de seuesposo legítimo, visto que ela ainda lhe pertence perante Deus, é adúltero aos olhos do Senhor.Uma ilustração do segundo mandamento, V.33-37: Também ouvistes que foi dito aos antigos: Nãojurarás falso, mas cumprirás rigorosamente para com o Senhor os teus juramentos. Eu, porém, vosdigo: De modo algum jureis: Nem pelo céu, por ser o trono de Deus; nem pela terra, por serestrado de seus pés; nem por Jerusalém, por ser cidade do grande Rei; nem jures pela tua cabeça,porque não podes tornar um cabelo branco ou preto. Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim;não,não. O que disto passar, vem do maligno. Jesus introduz o assunto, como antes, referindo-se àleitura costumeira da lei e ao ensino que a acompanhava. A implicância de Cristo é que o povohavia sido mantido numa impressão falsa, que, daquilo que ouvia, podia tirar a conclusão de queeram as próprias palavras de Moisés. As palavras, como ditas, são, de fato, encontradas na lei,Lv.19.12; Nm.30.3; Dt.23.22. Mas sua interpretação deixava muito a desejar. Não se enfatizava asinceridade do coração. Se esta, porém, falta, que sentido têm todos os juramentos? Todas asdistinções cuidadosas, quanto a graus de juramentos, e, por isso, de perjúrio, eram um jugo nasnucas dos judeus mas não em seus corações. Era coisa de mero subterfúgio sofístico, que lhespermitia toda sorte de afirmações em que de Deus não era mencionado diretamente, Dt.6.13,fugindo eles, desta forma, da obrigação do juramento. Não há a menor diferença entre umjuramento em nome de Deus e quaisquer afirmações que substituam os nomes das coisas santas,como, do céu, ou aqueles sobre os quais só Deus tem o controle: Sua cidade, que é Jerusalém, aterra que é o estrado dos seus pés, a cabeça ou a vida duma pessoa. Todos estes juramentosenvolvem uma referência a Deus. E todos eles, como ele distintamente os identifica, um após ooutro, são supérfluos, quando o coração é puro e sincero. O Senhor condena, expressamente, oinvocar incessante e frívolo da Divindade e em quaisquer formas distorcidas. Ele não afirma quejuramentos, em certas circunstâncias, não sejam legítimos e corretos. “O homem mais fiel, na vidacivil, tem de fazer um juramento, por causa da falsidade e da conseqüente desconfiança queprevalece no mundo, e, procedendo assim, ele não peca contra os ensinos de Cristo. O próprioCristo fez um juramento diante do sumo sacerdote”53). Sua exigência é absoluta fidelidade ehonestidade no trato das pessoas umas com as outras. Ali a afirmação terá o valor total e a força do“Sim”, e a negativa terá o poder singelo do “Não”, para que haja uma dependência imperturbávelsobre todas as afirmações, sem a necessidade dum juramento. Qualquer coisa que ultrapassa estadefinição simples, é do mal, até tem cheiro da influência do maligno, o diabo que é o pai damentira. Jesus se expressou meigamente como uma situação que acontece, e não negou anecessidade de juramentos num mundo cheio de falsidade. “Eu sei, parece que ele diz, que, emcertas circunstâncias, será requerido de vós algo que vai além do sim e do não. Mas isto provém domal, do mal da falsidade. Vede que o mal não esteja em vós”.

A lei do amor em relação ao inimigo. Mt.5.38-48.

V.38: Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Aqui, Jesus se refere à lei daretribuição, ou da compensação, como registrada nas ordenanças levíticas, Ex. 21.24. Isto estáescrito para o governo, e é um princípio sadio para a instrução do juiz: Compensação justa deve ser

52 ) Lutero, 7.452.53 )Expositor’s Greek Testament, 1.111.

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dada por injúrias que se recebeu. Mas os escribas e fariseus aplicavam a afirmação para orelacionamento de cada pessoa para com seu próximo. Ensinavam e declaravam que cada um tinhao direito de vingar-se e exigir compensação. Cristo continua, afirmando algo bem diferente destaexplanação: V.9a: Eu, porém, vos digo: Não resistais ao perverso, seja, tentando evitar injúria ouexigindo vingança do mal sofrido, ou repelindo um ultraje com outro. Ele tinha apropriadaautoridade para a sua explanação, Lv. 19.18; Pr.24.29. O amor cristão precisa estar disposto acarregar e a conter-se, mesmo que seja permitido a defesa do que é justo, Jo. 18.23; At.23.3; 22.25.Não fosse também isto verdade, seguiria que toda injúria ficaria sem cobrança, e um cristãoperderia casa e lar, mulher e filhos, como afirma Lutero. Mas um discípulo de Cristo devia serdisposto e paciente no sofrer, mesmo que seja injustamente, e não procurar vingança nem retribuirmal com mal.Cristo expõe este caso com alguns exemplos. V.39b-41: Mas a qualquer que te ferir na facedireita, volta-lhe também a outra; 40) e ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. 41) Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. Há um clímaxnos exemplos escolhidos por Cristo. A injúria vai de mal a pior. Haverá tempos e circunstâncias,quando o amor estará pronto a, pacientemente, suportar a repetição da mesma injúria: A desgraçade ser batido com a palma da mão, a humilhação de entregar manto ou toga juntamente com atúnica ou roupa íntima, sendo que a demanda e, até, coação vem, provavelmente, da parte dumsoldado que exige que se o acompanhe por alguma distância ajudando-o a carregar o seuequipamento. Um cristão irá, no que concerne à sua própria pessoa, realizar alegre este trabalhoque lhe foi imposto e, até, fará mais do que lhe foi imposto, sem se mostrar emburrado, em sujeitar-se ao que lhe foi imposto. Doutro lado, contudo, um tal comportamento submisso deve cessar, tãologo, que entra em conflito com a lei do amor. Um discípulo de Cristo tem obrigações para comosua família, sua comunidade, seus pais, o que, às vezes, o obriga a proteger e defende-los contrainjustiça e insulto. Mas para a própria pessoa é verdade: Aquele que carrega, perdoando, essesupera. Em vez de abrigar pensamentos e desejos maus e vingativos, o cristão estará pronto aoferecer, sempre que for preciso, a oferecer assistência. V.42: Dá a quem te pede, e não voltes ascostas ao que deseja que lhe emprestes. Dar e emprestar são duas obrigações da caridade queCristo coloca no mesmo nível, sendo ambas guiadas pela prudência e pelo interesse para com opróximo, 2.Ts.3.10; Pr.20.4. Os mordomos dos dons de Deus deverão dar contas no último dia, esua sentença poderá depender, em grande parte, da maneira em que eles estimaram o encargo deDeus. Toda e qualquer assistência ao próximo necessitado deve ser feita alegremente, sem qualqueridéia de recompensa.Uma ilustração final, tirada da lei geral do amor, V.43: Ouvistes que foi dito: Amarás o teupróximo, e odiarás o teu inimigo. O primeiro imperativo se encontra na lei, Lv.19.18. A segundaparte da sentença é uma adição feita pelos rabinos. Eles, argumentando das muitas passagens da leiem que Deus ordenou aos filhos de Israel a destruir as nações gentias, compreendiam as palavras“próximo” só dos membros de sua própria nação. Em todas estas passagens, os filhos de Israel,porém, executavam unicamente a justiça punitiva de Deus. O seu argumento, por isso, não podiavaler, especialmente, tendo em vista Ex.22.21; 23.9; Lv.19.33; Dt.10.18-19; 24.17; 27.19. Jesusinsiste que todo e qualquer ódio é contrário ao que é humano e oposto ao espírito que ele seempenha a promover. A sua lei é diferente, V.44: Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos eorai pelos que vos perseguem. O imperativo recebe sua aplicação em todos os tempos e em todas asocasiões. A grande impressão da passagem é destacada pelo contraste apresentado em cada parte daexpressão. O amaldiçoar é confrontado com o abençoar. O ódio, que conduz às injúrias, com ofazer do bem. E o abuso de todas as espécies, que culmina na perseguição que acontece por causado ódio religioso, é contrastado com a oração e a intercessão. A ingenuidade do amor encontraráum meio para subjugar com a bondade toda e qualquer mesquinhez que os inimigos possamimaginar. Pois, seu objetivo sempre é achar caminhos e meios para vencer o adversário e, acima detudo, ganhá-los para o Senhor.Tal comportamento está de acordo com a verdadeira natureza dos cristãos, V.45: Para que vostorneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e vir chuvas

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sobre justos e injustos, - tornar-se e ser realmente filhos de Deus, possuindo e mostrando asemelhança do Pai celeste. Eles deverão compartilhar da natureza de seu Pai, porque Seu coraçãoestá cheio de bondade para com todas as criaturas, porque ele, em sua providência, não fazdistinção entre bom e mau. Pois, com absoluta imparcialidade e sem referência ao caráter pessoal,se mais avarento ou mais generoso, Ele faz seu sol nascer e envia sua chuva. Bem da mesma forma,não devia haver indiferença nem ignorância, mas preocupação séria e terna benevolência noscorações daqueles que, sinceramente, se empenham para se parecerem com o grande Amigo eBenfeitor, descrito acima.E há também a distinção moral, V. 46: Porque se amardes os que vos amam, que recompensatendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? 47) E se saudardes somente os vossos irmãos,que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? A maneira usual ou ordinária doproceder no mundo é esta: Atos gentis são recompensados com atos gentis; palavras amigas sãocorrespondidas com palavras amigas. Esta é a altura moral humana. A palavra “saudar” pode sertomada em seu sentido literal, como uma mera saudação. Pois, até isso os judeus negavam aosgentios. Ou, ela pode incluir relações de amizade e uma disposição de servir, como acontecia entreos que estavam unidos na mesma confissão. Para além disso eles nada sabiam e se negavamrealizar, Jo.4.96. Para os discípulos de Cristo não serve um nível moral tão baixo. Ele espera queeles se destaquem sobre a moral vigente, que realizem a ambição de excederem, de serem,realmente, superior ao espírito caracterizado por pequenez e mesquinhez. Este último espírito podiaser esperado dos publicanos, os cobradores de impostos da Palestina, que eram muito detestadospor serem os representantes do poder de Roma, e por suas trapaças e extorsões.Não é um orgulho e arrogância farisaica que o Senhor deseja despertar, mas o desejo íntimo deestar acima duma etiqueta e mero costume, que se podem tornar na mais refinada forma decrueldade. Um fato significativo: Jesus encontra algo de bom, até, nos socialmente banidos!O resumo desta secção, V.48: Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.Visto que todos estes argumentos devam ser aceitos, e visto que o amor é o cumprimento da lei, oSenhor traça sua conclusão: Vós, que quereis ser contados como meus discípulos, deveis destacar-vos em contraste àqueles cuja idéia de altruísmo está modelada pelos padrões convencionais. Nadaabaixo deste grande ideal deve satisfazer-vos. Com uma coerência de propósito, que deixa de ladoos demais, eles devem esforçar-se pela perfeição que é de acordo com seu grande modelo, que é seuPai celeste. Deus é a perfeição, a plenitude, a consumação de todo o bem. E a perfeição dos cristãosconsiste no esforçar-se pelos ideais que Deus lhes colocou em sua santa vontade. É assim, que eles,diária e constantemente, são renovados no conhecimento, na santidade e na justiça, segundo aimagem daquele que os criou e redimiu, até que o dia de sua final perfeição raie no céu.

Resumo: Cristo inicia o sermão da montanha com as bem-aventuranças, dá uma breve disposiçãoda vocação dos discípulos no mundo, mostra o entendimento espiritual da lei por meio dum bomnúmero de exemplos, e ensina o amor para com o inimigo e o verdadeiro altruísmo.

Capítulo 6

A Respeito do Dar Esmolas, da Oração e do Jejum – Mt.6.1-18.

A primeira parte do sermão de Cristo havia tratado da correta interpretação da lei, que ele mostroupor meio de muitos exemplos. Agora ele passa da lei dos escribas para a prática farisaica. Elessustentavam a justiça falsa e oca em suas zombarias. Uma característica muito marcante na vidareligiosa dos fariseus, V. 1: Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fimde serdes vistos por eles; doutra sorte não tereis galardão junto a vosso Pai celeste. A referência auma prática generalizada logo iria ser entendida por todos. É uma advertência contra a forma usual

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de ostentar probidade, de praticar a caridade diante de todas as pessoas, tendo a intenção de trazersua própria pessoa para a proeminência. A idéia de Cristo é que boas obras devem ser vistas e quedevem falar por si mesmas, mas que a pessoa que as pratica deve permanecer totalmente no fundo.Os fariseus se preocupavam muito em serem observados enquanto realizavam obras que eles,erradamente, julgavam boas. A virtude deles era teatral. Buscavam somente sua própria honra e areputação de serem santos. Qualquer pessoa que pensa que é discípulo de Cristo, mas que é culpadade uma tal ostentação, não pode esperar qualquer recompensa do Pai celeste. É doido quem sesatisfaz como uma confiança baseada sobre tal base falsa. Não tem nada em comum com a índoledo Senhor.A maneira falsa de dar esmolas, V.2: Quando, pois, deres esmola, não toques trombeta diante deti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Emverdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Cristo não cita nomes, mas com palavrascaracteriza àqueles que fazem ostentação de sua caridade. São hipócritas e atores. Estão agindo porcausa do efeito. Mas não há nada verdadeiro e sadio quanto à justiça que pretendem. O tocartrombetas, o chamar a atenção era seu alvo, e não a ajuda aos pobres. Quando era procedida aarrecadação das ofertas nas sinagogas, eles eram os mais proeminentes no ato, ainda que não naoferta. Quando os mendigos forçavam aos fariseus a parar na estrada, estes, primeiro secertificavam da atenção de todos os transeuntes, fazendo assim uma ostentação no dar esmolas.Queriam a floria que, propriamente, só pertence a Deus, como está em 5.16. Cristo, em amargaironia, afirma deles, que já possuem sua recompensa. A palavra é buscada da linguagem bancária.“Eles podem assinar o recibo de sua recompensa; está executado o seu direito de receber arecompensa, exatamente, como se eles já tivessem passado recibo por ele” 54 . Eles não têm maisnada a esperar. Não receberão nada de Deus.A maneira correta de praticar a caridade. V.3: Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua esquerdao que faz a tua direita; 4) para que a tua esmola fique a secreto: e teu Pai que vê em secreto, terecompensará. Cristo não condenou o ato de dar esmolas, mas somente a maneira. A obra lheagradava. Dá com simplicidade de coração, e com tão pouca ostentação de auto-glorificação, que,por assim dizer, a mão esquerda não possa participar neste sigilo, para que a satisfação que possassentir, porque praticaste mais uma boa obra, não te prive da glória de Deus. Que a obra brilheintensamente, mas que o doador permaneça oculto, a não ser diante de Deus, que sabe os segredosdos corações e das ações das pessoas. Ele sabe de todos os sacrifícios que são trazidos, e ele, notempo próprio, dará o galardão misericordioso. Ele fará a proclamação pública no dia em que elerevelará todas as coisas.A maneira errada de orar, V.5: E, quando orardes, não sereis como os hipócritas; porque gostamde orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos dos homens. Em verdadevos digo que eles já receberam a recompensa. A oração é a comunhão da alma com Deus. É ocompartilhar confiante de todas as necessidades, desejos e situações de sentimento com o Paiceleste. Os israelitas crentes tinham o costume de observar as horas de oração, fosse em seus laresou nalgum lugar solitário do templo, Dn.6.10; At.3.1. Mas os fariseus se revelaram verdadeirosatores. Gostavam de ficar de pé. Isto lhes afagava os corações. Faziam dela uma prática que agradasua própria vaidade e orgulho. Faziam suas orações, parados nos lugares mais destacados, tanto nasinagoga diante da congregação reunida, como nas esquinas das ruas e nas encruzilhadas, ondepodiam esperar grande número de desocupados e transeuntes pasmados a observá-los. Seu realobjetivo, por isso, era serem vistos dos homens, atraírem a sua atenção. Nisto estava o objetivo dasua ostensiva postura de orar em pé. É estranho que a hora da oração sempre os surpreendia noslugares mais públicos!A correta maneira de orar, V.6: Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, e, fechada a porta,orarás a teu Pai que está em secreto, e teu Pai que vê em secreto, te recompensará. O contraste éenfático. “Tu, porém”. Sê o quanto mais diferente possível destes hipócritas. Caso contrário a tuamaneira de orar terá o cheiro da hipocrisia deles. Cristo não restringe a oração a horas fixas.

54 ) Deismann, Bibelstunden,229.

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Sempre que sentires a necessidade da comunhão com Deus, tantas vezes quantas sentires estarimperturbável e a sós com ele. Alguma sala no interior da casa ou sobre o seu eirado, longe dequalquer interferência e intromissão, ser-te-á o lugar mais apropriado para isso. Cristo, até,aconselha fechar a porta, para enfatizar a intimidade que um tal orar sugere. Aqui, com ninguém ate perturbar, com ninguém presente, a não ser aquele que está em secreto, cuja onipresença teconvida a confiar sinceramente nele, poderás abrir francamente teu coração, até mesmo em relaçãoa assuntos que, apropriadamente, devam permanecer ocultos aos olhos do mundo inteiro. Todoaquele que está acostumado à oração particular, segundo esta descrição do Senhor, tambémencontrará plena edificação na oração pública nas devoções domésticas e no culto congregacional.Seu coração foi treinado a centrar-se só no Senhor e a banir todas as idéias de distração. Notemos,em especial, que o Senhor diz “teu Pai”, o que convida e impele para uma fé e confiança filiais.“Mesmo que eu seja um pecador e um indigno, tenho ainda assim aqui a determinação de Deus,que me ordena a orar, e sua promessa de que ele, misericordioso, me ouvirá, não por causa daminha dignidade, mas por amor de Cristo o Senhor. Com esta fé podes afugentar quaisquerpensamentos de dúvida, e ajoelhar confiadamente e orar, não considerando a tua dignidade ouindignidade, mas a tua aflição e a sua palavra na qual ele manda que confies”55 Uma lição com respeito à forma de orar, V.7: E, orando, não useis de vãs repetições, como osgentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos. A maior característica no cultogentio é um falar confuso ou um tagarelar, repetindo sem cessar as mesmas formas de palavras,1.Rs.18.26; At.19.34. Tais costumes eram familiares aos judeus, bem como aos galileus, por causada população mista e da presença de estrangeiros em seu meio. A idéia, que suportava taisrepetições sem sentido, parece ter sido que a própria abundância de palavras argumentava pelasinceridade da pessoa q eu prestava culto e condicionava os deuses a consentir em seusdesejos.Advertência contra tais práticas absurdas, V.8: Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, ovosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais. Os cristãos deviam, por meioduma clara distinção, diferenciar-se dos gentios. Não devem ser parecidos com os gentios. Nãodeve haver qualquer ponto de referência entre o seu culto e o dos gentios. Sua idéia de oração é,essencialmente, diferente da dos gentios. “A oração requer mais do coração do que da língua. Aeloqüência da oração consiste no fervor do desejo e na simplicidade da fé. A abundância de idéiasesplêndidas, emoções veementes e intencionais, e a ordem e polidez das expressões, são coisas quecompõem tão só uma arenga humana, mas não uma oração humilde e cristã. Nossa fé e confiançadevem proceder do que Deus é capaz de realizar em nós, e não do que nós somos capazes de lhedizer”56. Outro ponto que ressalta o absurdo de orações tagarelas, é: As nossas necessidades sãosabidas de Deus, antes que nós as comuniquemos em nossas orações. Ele, como um verdadeiro Pai,está preocupado a respeito das necessidades e ansiedades dos seus filhos, e já conseguiu suasinformações, em muitos casos, antes que eles estejam conscientes das suas próprias insuficiências,Is.65.24. “Deus manda que oremos, mas não para que o instruamos com nossa oração sobre o quenos deva dar, porém, antes, que reconheçamos e confessemos que espécie de bens ele nos dá, e queele quer e pode dar-nos ainda muito mais. Assim, pela nossa oração instruímos muito mais a nósmesmos do que a ele”57.Uma oração modelo para mostrar que uma variedade infinita de necessidades e de pedidos pode serreduzida numas poucas e modestas petições, V.9: Portanto, vós orareis assim: Pai nosso que estásnos céus, santificado seja o teu nome. Não diminui o valor da oração, que muitas das suas palavrase pensamentos são encontradas no Antigo Testamento e nas fórmulas, então, em uso entre osjudeus. A maravilha de sua beleza está nisso, que o Senhor arranjou as petições, tomando em contaa importância das necessidades humanas e as impregnou com o seu espírito, fazendo, desta foram,esta breve fórmula a oração mais perfeita que há no mundo. Vejam, como ele destaca esta ponto.

55 ) Lutero, 7.503.56 ) Clarke, Commentary, 5.84.57 ) Lutero, 7.506.33.

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Assim, a vossa oração habitual deve ser segundo esta maneira e não segundo a maneira dos gentios.Pois, sois um povo que está numa situação diferente em relação a Deus. Vós conheceis o único everdadeiro Deus, a quem devem ser dirigidas todas as orações. Ele o chama Pai, para destacar afiliação dos crentes. Sua confiança e fé nele é a de filhos que estão certos do amor de seu pai. Ele éo nosso Pai, no sentido mais completo, tanto pela sua obra da criação, como pela da redenção. Ele éo Deus e Senhor onipotente, que no céu reina sobre todo o universo e, desta forma, tem o podervoluntarioso de ouvir nossas orações, Ef. 3.14-15; 4.6; Is.66.1; At.7.55-56. Seu nome, que é ainteira manifestação de sua essência, ou a revelação do seu ser, que o distingue e nos dá uma idéiade sua grandeza, Sl.48.11; Ml.1.11, seja santificado, louvado e glorificado. Isto é feito, nãosomente por tê-lo em toda estima e reverência, por render-lhe a posição que é sua por direitoeterno, por fazê-lo o único objeto de culto por toda a terra, mas por levar vidas tais que cada desejo,pensamento, palavra e ato redunde em sua glória, cap.5.16.Tendo confessado sua majestade, poder e força, onipresença e onisciência, o pensamento continua,V. 10: Venha o teu reino, faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu. O reino do céu, que éa suma total dos dons e misericórdias de Deus em Jesus, que ele intentou para todas as pessoas eque se cumpre nos fiéis, como sendo o reino da graça, deve vir. Deus precisa outorgar a fé econservar-nos na fé, e, desta forma, em seu reino, Jo.15.1-5. Mas a nossa prece também é pelosoutros, que Deus abra seus corações e mentes à gloriosa nova da sua salvação, enviando-lhespastores e missionários fiéis, e que ele, em breve, irá absorver a igreja militante na igreja triunfante.Esta petição conclui que tal é a boa e graciosa vontade de Deus. Segue, então, que esta vontade deDeus deve ser feita e cumprida de modo pleno, e que todas as forças que se lhe opõem, devem serderrotadas e impedidas. Incidentalmente, também em nossas vidas a sua vontade e concordânciadevem ser cumpridas. Sejam quais forem os sofrimentos e as provocações, que ele se agrada impor-nos, eles devem ser suportados de bom grado, visto que os próprios anjos são exemplos no fazer avontade de Deus. Oramos, em todos os tempos, em todos os lugares e em tudo, que seja feita a suavontade.Dons temporais também estão inclusos, V.11: O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. Cristo,colocando esta petição desta forma, nos ensina humildade e frugalidade. Oramos para o dia de hoje,não nos preocupando pelo amanhã, não nos entregando a cuidados ansiosos. É pelo pão diário quedevemos rogar, por aquilo que é o suficiente para o dia presente, o suficiente para nos alimentar diapor dia.58 Deus, em sua bondade infinita, inclui muito mais do que nos é necessário para a nossaexistência, como mostra Lutero em sua exposição desta petição.Uma das maiores necessidades espirituais e materiais, V.12: E perdoa-nos as nossas dívidas, assimcomo nós temos perdoado aos nossos devedores. Nós, diariamente, contraímos um volume enorme,até, inacreditável, de dívidas perante Deus. E, quanto mais desejamos o cumprimento das primeiraspetições, tanto mais cônscios ficamos de nossos defeitos. Esta dívida, por sua natureza, sendo umaconta de Deus contra nós, seja o pecado cometido diretamente contra ele ou fira ao próximo,transgredindo assim a lei de Deus, nos precisa ser imposta para sempre, tornando-nos sujeitos àcondenação dum devedor, Mr.18.24-25, a não ser que recebamos da imensa misericórdia de Deusem Jesus o perdão total e gracioso que aqui suplicamos.Vingança e ódio não podem, certamente,estar no coração de qualquer pessoa, quando suplica esta petição. Quanto mais alguém está cônsciode seus próprios erros e falhas, tanto mais indulgente será seu coração para com as faltas de outros,mesmo quando cometidas contra ele. Leva-lo-ia à eterna condenação, caso seu perdão não fossemodelado segundo o de seu Pai celeste, VV.14-15.Uma súplica final por amparo, V.13a: E não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal.Não são muitos os que alcançam as alturas do heroísmo moral pelo qual, de bom grado, aceitam asperseguições, Mt.5.10; Tg.1.2. O pensamento de perseguição e provação é, para o cristão em geral,em si mesmo deprimente. Por isso, é muito necessária a petição para não ser exposto à tribulaçãomoral, a assaltos violentos de Satanás, e a tais circunstâncias que, para mera carne e sangue, sãoextremamente duras de carregar.Deus, por vezes, e por razões que só ele sabe, tolera e permite que

58 ) Cf. Potwin, Here and There in the Greek New Testament, 182-193; Theol.Quart.,22,25-43.

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alguma tentação se aproxime dum cristão, para testar e fortalecer sua fé, 1.Co.10.13. Suplicamos,que nos guie de tal forma e nos induza a caminharmos cautelosamente, para que nenhum mauresultado da tentação nos acerte, mas que o resultado final sempre seja proveitoso. Isto está dentrodo “livra” da última petição. Visto, que provações e tentações, certamente, ocorrem, nós nosvoltamos a Deus, para que nos livre de suas armadilhas, do seu cativeiro, e, especialmente, noslivre do maligno que é o diabo, o qual aproveita cada ocasião para nos colocar sob seu poder. Destaforma tudo foi providenciado para toda e qualquer contingência na vida das pessoas em geral.Desta forma a doxologia é muito apropriada, V.13b: Pois teu é o reino, e o poder, e a glória, parasempre. Amém. Ele é o nosso grande Rei e Governador, que tem na alma o nosso bem-estar. Ele é oDeus onipotente, em cujo poder está o cumprimento de todas as nossas necessidades. A ele, porisso, desejamos dar toda honra e glória por todos os dons e benefícios que, tão liberalmente, fazchover sobre nós. Estamos tão certos disso, que concluímos a Oração do Senhor com um fervente“Amém”, para indicar nossa fé e confiança em nosso Pai. 59 Uma advertência necessária, V. 14: Porque se perdoardes aos homens as suas ofensas, tambémvosso Pai celeste vos perdoará; 15) se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, tãopouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas. A escuta de nossa oração, a outorga dosbenefícios pedidos, depende do nosso relacionamento correto em relação a Deus, que é realizadopela garantia e certeza do perdão dos pecados. E isto, por sua vez, depende da maneira em quedamos provas da condição correta de nossos corações quanto ao próximo. Nossos pecados contraDeus foram chamados dívidas, e eles se amontoaram em horrível rapidez. Os pecados de nossopróximo contra nós são descritos como meros tropeços e faltas no cumprimento do seu dever. Servingativo, em tais circunstâncias, é, por si mesmo, loucura, e prova que a misericórdia de Deus nãoé valorizada. Caso, realmente, desejamos o perdão de Deus, primeiro, devemos mostrar queestamos conscientes da nossa própria pecaminosidade e merecida punição, perdoando os pecadosao próximo.Uma lição sobre o jejum, V.16: Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como oshipócritas; porque desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdadevos digo que eles já receberam a recompensa. O jejum fazia parte dos ritos religiosos dos judeus.Tendo o objetivo de mostrar arrependimento e humildade, era um costume que não mereciacensura. Mas os hipócritas, pondo em prática sua ação em tudo, faziam do seu jejum uma outraforma de auto-glorificação, não só adicionando aos já prescritos na lei judaica a observação deoutros dias de jejum, mas, também fingindo um rosto melancólico para despertar dó e elogios.Negligenciavam o cuidado diário do rosto, para tornar mais triste o efeito do jejum que faziam nomeio da semana. Era uma demonstração vazia, para alcançar maior hegemonia e uma reputação seserem mais piedosos. Eles têm o galardão que sempre terão. Do Senhor não precisam esperar nada.A maneira correta de jejuar, V.17:Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto; 18)com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e, sim, ao teu Pai em secreto; e teu Pai, que vêem secreto, te recompensará. O Senhor enfatiza novamente o contraste. Uma mera ostentaçãoexterna de arrependimento, sem uma mudança de coração, não condiz aos seguidores de Jesus.Eles, até, podem praticar o jejum. É um costume louvável e proveitoso. Mas, fazendo-o, deve serevitada toda ostentação. O coração, e não o corpo, é que deve sentir a tristeza e humildade. Porisso, o usual e diário lavar e ungir-se não devia ser omitido, a fim de que as pessoas não saibam docaso. Deus, o Pai celeste, que vive em secreto, cuja onisciência examina mentes e corações, osaberá. Ele, no tempo apropriado, fará as revelações necessárias e concederá a recompensamisericordiosa.

Advertência contra a avareza e a preocupação – Mt.6.19-34.

59 ) Sobre a autenticidade da doxologia, veja Lehre und Wehre, 1918, 408-409; Hom. Gag. 1919, Dez. 567-568.

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É um novo trecho, que introduz uma exposição da primeira taboa da lei, V.19: Não acumuleis paravós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam eroubam. A pergunta do armazenar, o culto às riquezas, requeria uma discussão relacionada com ajustiça das obras e a presunção. Pois é o presunçoso que está sujeito a se tornar um viciado daavareza. Quão tolo é tal acumular! O Senhor, em amargo desdém, castiga este pecado – o amontoarriquezas, tesouros desta vida, tingidas com a maldição desta terra, sujeitas à corrupção da terra.Sejam vestimentas, tapeçarias e tapetes, a traça os destruirá. A ferrugem, o mofo e o cancro vãocorroê-los. Ou, sendo ouro e prata e jóias, ladrões descobrirão um meio para os roubar, mesmosendo preciso que devam cavar um buraco pela parede da casa. Que tesouros incertos, para queneles depositeis vossa confiança!Os únicos tesouros seguros, V. 20: Mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, o0nde traça nemferrugem corrói, e onde ladrões não escavam nem roubam; 21) porque onde está o teu tesouro, aíestará também o teu coração. A repetição das mesmas palavras serve de ênfase. Podeis e deveis tertesouros, mas da espécie verdadeira. Entesourai tesouros da única espécie duradoura, no céu,tesouros celestes, que vos são dom e posse concedida graciosamente por Deus. Valorizai estes,acima de todas as jóias e riquezas de todo o mundo. “Mas vós, que não sois do mundo, maspertenceis ao céu e sois comprados pelo meu sangue com o fim que tenhais uma outra e eternapossa que vos está pronta e encomendada, - vós não deveis permitir que vossos corações sejamtornados cativos aqui no mundo, mas, mesmo que vos encontreis numa situação tal, que precisaislidar com ela,, não a almejeis nem sirvais. Ao contrário, empenhai-vos por aqueles tesouros que vossão guardados no céu. Estes são verdadeiros tesouros, que traça nem ferrugem conseguem corroer,e seguros contra todos os que os queiram devorar e roubar. Pois, eles estão dispostos assim, quesempre permanecem sadios e novos, e tão seguros que ninguém consegue escava-los”60. Ostesouros dos cristãos estão, mesmo agora, seguramente colocados na Palavra de misericórdia, e suaplenitude e eterno gozo se realizam no céu, 1.Pe.1.4; 2.Tm.1.12,14. Por isso os corações e mentesdos fiéis estão centrados no céu, sobre seu maior tesouro, seguro nas mãos de Deus, para eles.A parábola do olho, V.22: São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo oteu corpo será luminoso; 23) se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará emtrevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão!Aqui está registrado o absurdo e o perigo da cobiça, provavelmente, com referência aos fariseus,cujo cuidado e afetos estavam divididos entre as coisas espirituais e temporais, e que, em vistadisso, se haviam tornado cegos espirituais. O olho é o órgão da visão, e, incidentalmente, a sede daexpressão facial. Ele, para cumprir corretamente a sua função, deve ser a luz do corpo, dando luzaos movimentos e atividades do corpo. O olhos sincero, franco e sadio, prestará este serviço demodo correto. O olho mau e indisposto fará com que o corpo inteiro esteja em trevas, mesmo que apessoa esteja em meio à luz. Em outras palavras: O olho é a luz do corpo, porque o olho conduz aluz para dentro do corpo e a torna proveitosa ao corpo. Quando o olho da alma está nas condiçõesapropriadas, livre do desejo de entesourar, então o verdadeiro conhecimento cristão pode comandare dirigir a pessoa para toda boa obra. Mas, quando paixões sórdidas dominam a alma, então oconhecimento cristão está suprimido, coração e mente estão cegados, o juízo é pervertido, e só nãohá nada mais do que resultados maus. Então reina a treva espiritual, sem um só raio de luz, assimcomo o apagar da lâmpada, que ilumina uma sala escura, aumenta ainda mais as trevas. Advertência contra a ganância por riquezas, V.24: Ninguém pode servir a dois senhores; porque ouhá de aborrecer-se de um, e amar ao outro; ou se devotará a um e desprezará ao outro. Nãopodeis servir a Deus e às riquezas. É verdade geral, que todos aceitam: É impossível a um escravoservir a dois senhores. Um servir sincero e íntegro pressupõe amor e união firme, ou, ao menos, uminteresse muito forte. Considerará a um com devoção, mas ao outro com aversão. Assumirá a partedum, ou, ao menos, proverá por ele, mas não fará caso do outro. Conclusão: É impossível ser fiel aDeus e, ao mesmo tempo, ser um escravo das riquezas, fazendo delas um ídolo. Cristo não condenaa posse mas o culto das riquezas. A pessoa só pode ter um bem e objetivo supremo de vida. O

60 ) Lutero, 7.539.

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serviço do céu não pode ser misturado com as inclinações terrenas. Estes dois não podem serreconciliados. Se alguém escolhe o lucro imundo como seu bem maior, o servir a Deus está fora dequestão, e ele perde a bendição real e eterna. Os discípulos de Cristo, usando todas as forças daalma, fugirão da cobiça, e darão a devoção de suas vidas ao seu Deus e Salvador.Conselho contra a preocupação sobre comida e vestimenta, V.25: Por isso vos digo: Não andeisansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer e beber; nem pelo vosso corpo quanto aoque haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que as vestes? Aligação de pensamento é esta: A avareza flui da falta de confiança em Deus. E esta falta deconfiança se manifesta na preocupação ansiosa. Evitai à primeira, e sereis mais fortes para resistir àoutra. Incidentalmente, as advertências, dadas aqui, são mais suscetíveis às circunstâncias dosdiscípulos, cuja preocupação seria mais vezes sobre as necessidades da vida, do que com asestupefação dos tesouros. Não penseis só neles, não vos interesseis com eles e não vos preocupeiscom eles. O alimento, mesmo o necessário para o sustento da vida, e a vestimenta, mesmo a que éexigida para o aquecimento, não devem ser objetos de preocupação. Os cuidados dividem edesviam a mente, causando a falta de confiança que precede a negação. O argumento de Cristo vaido mais importante ao menos importante: A vida natural é mais importante do que o alimento que asustém. E o corpo, no qual habitas esta vida, é mais importante do que a veste que o protege.Acaso, não se pode confiar no que dá o maior ou o mais importante, que ele também dará o menosimportante? A ansiosa solicitude por comida e vestes, em seguida, não só fazem esquecer o Doadorde todas as boas dádivas e dons, mas também enfraquecem os membros do corpo,Assim que já não são mais capazes de realizar as tarefas da vocação diária.

Uma consideração adicional para os de pequena fé, V. 26: Observai as aves do céu: não semeiam,não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, nãovaleis vós muito mais do que as aves? Elas são exemplos de confiança perfeita em Deus, que poreles sempre provê. As aves realizam, até, menos do que o que se espera das pessoas no prover pelofuturo, Pr.6.6; 20.4. Para elas não há nem tempo de sementeira e nem de colheita. Elas não têmceleiros e silos para armazenar alimentos como segurança diante da penúria. E, ainda assim,observai-as! Fixai os olhos nelas e pensai naquele que as conserva na vida, que se preocupa comelas. A mesa delas sempre está posta, às vezes, com os melhores alimentos, e, outras, com omínimo necessário para a vida. Mas, Ele as alimenta. Se Ele cuida destas criaturas humildes e porelas provê, acaso não há razões para crerdes que seus filhos não vão carecer pão?Quão inútil e a preocupação, V. 27: Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar umcôvado ao curso da sua vida? Será que haverá um caso em que, quem,constantemente, se preocupacom estas coisas, pode alcançar o proveito de aumentar sua altura, ou, antes, em aumentar seutempo de vida? Sl.39.5. É, simplesmente, impossível para uma pessoa, afligindo-se com algo,produzir tanto o crescimento que provém do alimento, como estender os dias de sua vida. Por isso,por que não deixar estes assuntos à Providência? Cristo, até, aponta para as criaturas inanimadas,como exemplos do cuidado amável de Deus, V. 28: E por que andais ansiosos quanto aovestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. 29) Eu,contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles.Preocupar-se com o vestuário, para cobrir a nudez, deve parecer-nos estranho diante dos milharesde milagres que nos circundam. Considerai, observai bem, aprendei a lição dos lírios, diz ele,incluindo na expressão todas as flores, sendo que as da Palestina eram muito belas. Elas crescem ese tornam adultas, e, ainda assim, não fazem nada para produzir uma veste apropriada para si. Emseu programa diário não há nem trabalho pesado ou leve. A situação exige uma afirmação forte, eJesus a dá. Salomão, cujas riquezas e luxo eram proverbiais entre os judeus, como o clímax e osumo da magnificência, no auge de sua glória, riqueza e magnificência, não podia ser comparado,quanto ao esplendor de seu traje, com qualquer desses flores. Na terra, nada consegue ser igual àrica mistura de cores, à aveludada textura das pétalas de algumas das mais vulgares flores que,pelos desatentos, são desprezadas como inço

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Aplicação do argumento, V.30: Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe eamanhã é lançada ao forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé? Os lírios, cujasflores ensinam tão grande lição, pertencem às ervas. Podem, até, ser classificadas como inço,quando sua abundância e persistência interfere no cultivo do solo. Falando comparativamente,pertencem às criaturas de pouco valor. Os nativos da Palestina, até, em nossos dias, empregam ofeno, o restolho, e ervas secas, para aquecer seus fornos de barro que, por cima, estão rodeados depanelas. Por isso, estas plantas do campo, tidas, pelas pessoas, em tão baixa estima, a ponto de usá-las como combustível, são, ainda assim, tão estimadas pelo Senhor, que ele as veste de roupasesplendidas, sendo elas mais maravilhosas do que a magnífica roupa do rei mais rico de Israel.Deviam, acaso, filhos de Deus permitir que seja perturbados pela solicitude ansiosa das vestes queprecisam? Uma tal conduta, certamente, deve ser um sinal de pequenina fé.Cristo renova sua exortação contra as preocupações, V.31: Portanto não vos inquieteis, dizendo:Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? 32: porque os gentios é queprocuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas. É na formadum epílogo apaixonado, que o Senhor argüi com os ouvintes. É pecaminoso e gentio todo cuidadoe preocupação em prover alimento e vestes, num contínuo insistir neste um tema, de modo queformem o peso de vossa conversa, e seja o único alvo que envolve todo vosso tempo e energia.Pois, é pelos gentios, que pão, vestes, riquezas e todos os bens que o mundo tem a oferecer, sãobuscados ansiosamente, sendo as coisas supremas e mais importantes na vida. Sua idéia não vaipara além da gratificação dos seus desejos corporais. Quanto a vós, vosso Pai, lá em cima, sabe eestá plenamente informado de vossas necessidades. Seu coração paterno, pleno de amor por vós,está disposto a fazer o que é melhor para vós. Por isso, atirai para longe todo o cuidado tolo, a fimde que vossa preocupação não vos conduza à falta de confiança, e sejais levados a adorar asriquezas. “Não é pecado ou culto às riquezas que uma pessoa coma, beba e se vista; que ela tenhaalimento e vestes, segundo o exigem a necessidade da vida e do corpo. Também não é pecado, queela busque e consiga seu alimento. Mas, que ela se preocupe, isto é, que coloque o conforto econfiança nisso, sito, sim, é pecado. Pois, a preocupação não está na veste e no alimento, mas nofu8ndo do coração, que não consegue conter-se, mas quer apegar-se a elas, como se diz. ‘Bens dãoconfiança’. Desta forma, ‘a preocupação’ significa entregar meu coração a elas. Pois, não mepreocupo com o que o coração não intenta e ama. Por outro, aquilo pelo que anseio, é preciso quemeu coração deseje.”61

O cuidado que Deus ordena, V.33: Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, etodas estas coisas vos serão acrescentadas. Uma preocupação muito necessária aos discípulos deCristo, ou aos filhos de Deus, é buscar, ou desejar sinceramente,k ou colocar todo o coração naconquista do reino de Deus. Pois, este reino não é comida e bebida, mas justiça e paz e alegria noEspírito Santo, Rm.14.17. Um alvo digno da ambição do cristão é possuir esta justiça que agrada aDeus, ou estar cheio dos frutos desta justiça, ou tornar-se rico em obras verdadeiramente boas. Umatal busca constante por pureza de coração e santidade de vida irá, além disso, asfixiar todaansiedade e preocupação desta vida. E, tendo sido resolvido o assunto principal da questão, entãoas necessidades pequeninas do corpo e vida terrenos, também serão resolvidas com naturalidade.Serão lançadas em nossos colos, como se fossem um lucro, como uma adição ao grande negócioque a nossa busca alcançou. Por isso, mais uma vez, V.34: Portanto, não vos inquieteis com o diade amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal. Cada dia trazconsigo o seu próprio mal. Pois, o mundo é mau, e os inimigos, tanto de fora como de dentro, estãosempre ocupados a encontrar projetos para cercar o coração com preocupações. Estas condiçõesprecisam ser vividas com paciente alegria, sendo que cada problema, logo que surge, deve recebero nosso cuidado. Somar às dificuldades do dia de hoje, também, as preocupações que o futuropossa trazer, não aliviará a situação que enfrentais. Restringir toda a solicitude ao momento em queo problema começa a fustigar, é vence-lo por completo. É, tão somente, o futuro que traz ansiedade.

61 ) Lutero, 7.561.142 (traduzi do alemão).

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Colocai cada dia, assim como ele acontece, nas mãos de Deus. Isto trará, do amor do Pai celeste, aprópria ajuda e resgate, Lm.Jr.3.23.

Resumo: O Senhor dá instruções sobre o dar esmolas, e sobre a oração e o jejum, adverte contra aavareza, contra a cobiça e os cuidados da vida, destacando, incidentalmente, a busca do reino deDeus como o principal encargo de cada cristão.

Capítulo 7

Advertência contra o juízo não autorizado e admoestação à perseverança na oração. Mt.7.1-12.

Uma lição do oitavo mandamento, V.1: Não julgueis, para que não sejais julgados. 2) Pois com ocritério com que julgardes, sereis julgados; e com a medida como que tiverdes medido vosmedirão também. As palavras, em conecção a isto, não excluem todos os julgamentos. De acordocom a criação e ordem do próprio Deus, aqueles que ele colocou como superiores, têm o direito edever de velar sobre os que lhes foram confiados, e devem corrigir qualquer tendência ecomportamento errados. Os dirigentes executivos e judiciais do país ou da cidade, os cabeças decada família, os professores nas escolas, as diretorias da igreja e da congregação, Mt.18.15; Gl.6.1,os votantes de todas as formas democráticas de governo – todos estes têm o poder e o dever deexercer o juízo em sua esfera particular. A palavra usada pelo Senhor aponta para um juízo pessoal,desagradável, não caridoso, não autorizado e condenatório. Isto foi e é costume generalizado,“especialmente em círculos religiosos do tipo farisaico”. Até mesmo uma expressão pública denossa opinião pode fluir a um excesso pecaminoso. No que se refere ao caluniar, algo tãogeneralizado, quanta ignorância, pressa, leviandade, preconceito, presunção e egoísmo sãorevelados, tantas vezes, nas sentenças que profere! Quanto desprezo pela lei do amor! Quão fácil,até mesmo, um criticismo permissível está envolvido com personalidades! Por isso a advertência:Para que não sejais julgados da mesma forma. Um julgamento impiedoso e não autorizado serápunido, tanto aqui como no além. Via de regra, a pessoa pronuncia sua própria condenação,Rm.2.1. E esta condenação se tornará plena na severidade da transgressão original: Julgamento porjulgamento; medida por medida. Muitos relatos maus a nosso respeito podem ser uma recompensajusta por um juízo impiedoso que proferimos, seja por irreflexão ou por rancor. Um golpe injustoretornará àquele que o desferiu.

O provérbio do cisco e da trave, V.3: Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão,porém não reparas na trave que está no teu próprio? 4) Ou como dirás a teu irmão: Deixa-metirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? 5) Hipócrita, tira primeiro a trave do teuolho e então verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão. Este exemplo ouparábola é uma comparação excelente para ressaltar, com real ênfase, a advertência contra ojulgamento impassível. O cisco, uma pequenina partícula de pó, de madeira ou palha, que está noolho do outro, é realmente visto e comentado, com muitas ofertas de ajuda para remover o objetodesagradável. Ao mesmo tempo, porém, a trave de madeira, uma tora ou viga, no olho próprio, quecausa nenhum desconforto, é, de fato, nem mesmo notada. O Senhor, propositalmente, usa umexagero, para imprimir sua admoestação nas mentes de seus ouvintes. E não nos cabe enfraquecerseu quadro, substituindo “lasca” por “trave”62. O contraste é essencial para o sucesso de seu ensino.Um roubo insignificante é propagado largamente, mas da desonestidade e da negociata comercial,por razões políticas, não é tomada conhecimento. Uma única expressão descuidada é severamentecriticada, mas o uso contínuo de epítetos blasfemos anda solto sem qualquer reprovação. E a

62 ) Cf. Moulton and Milligan, Vocabulary, contra Cofern, The New Archeological Discoveries, 130.

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hipocrisia sobressai tanto mais gritante, por causa da fingida solidariedade: Com permissão, cale-seum minuto! Como se os motivos mais desinteressados e caridosos causassem a pergunta. Cristo, emjusta indignação, chama tal ofensor um hipócrita, Sl.50.16, um vil ambicioso de santificação, emanda-o remover, antes de tudo, o empecilho maior em seu próprio olho. Tendo feito isto, elepoderá considerar, ou fazer sua a missão, em fazer um cuidadoso levantamento, quanto ànecessidade e possibilidade de remover o cisco do olho do irmão. Então sua inclinação para umjulgamento insensível será reduzida consideravelmente, e estará em posição melhor para prestarassistência gentil e cuidadosa para um irmão, que pode ser culpado duma falta.

Um conselho adicional, V.6: Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossaspérolas, para que não as pisem com os pés, e, voltando-se, vos dilaceram. A crítica moral énecessária. O ensino religioso não pode ser descartado. Seria, porém, a suma tolice e o oposto dojuízo desautorizado, descarregar as convicções e experiências religiosas, os sentimentos ternos e asconvicções morais, sobre qualquer um que passa, não importando as condições em que esteja. Assagradas doutrinas de Cristo são, especialmente, para cristãos, as pérolas preciosas no anel de suamisericórdia. Atirar estas diante de cães e porcos, diante de pessoas a que nada é sacro, queblasfemam a tudo o que é santo, é expor a mais sagrada beleza à vulgaridade. E o resultado é que,exatamente, estas pessoas são encorajadas a profanar o santo nome de Deus, de considerá-lo umassunto apropriado para ataques blasfemos. Mas, não falhará: Algo da sujeira respingará naqueleque faltou no julgamento. Será responsável pela profanação, e, por isso, também culpado diante deDeus. Observe a figura de linguagem usada pelo Senhor, em que o segundo verbo se refere aoprimeiro sujeito, e o primeiro ao segundo sujeito.

Uma admoestação à oração, V.7:Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á.8) Pois todo o que pede recebe; o que busca, encontra; e a quem bate, abrir-se-lhe-á. O sermãointeiro do Senhor tratou da justiça de vida das pessoas, como esperada por Deus. Uma lição enormee árdua, que exige mais capacidade de qualquer pessoa, do que mesmo o cristão mais consagradopossui, por natureza e após a conversão. Mas aquele, de quem toda a força espiritual deve provir,está disposto a socorrer-nos em nossas fraquezas, se lhe aproximarmos com súplica persistente.Jesus acumula os verbos por causa da ênfase. Ele erige um duplo clímax para ensinar as pessoas aorar sempre e não esmorecer, a serem inoportunos na súplica, Lc.18.1; 11.5-10. Ao simples pedirdeve ser acrescido um ávido buscar, e este deve ser suplementado com um bater persistente.Métodos tais não podem falhar. As promessas de Deus são evidentes demais. Deus ouvirá. Eledará. Ele nos deixará achar. Ele nos abrirá. Nem sempre será exatamente no tempo e na maneiraque nós julgamos a melhor, mas, no final, sempre se provará ser o melhor. Observem, tão somente,a repetição: “Pedi”, com toda a humildade, mas em firme confiança. “Buscai”, com incansáveldedicação, mas também com esmerado cuidado. “Batei”, tanto com sinceridade como comperseverança. Cada um, diz ele, receberá, desde que venha como um filho ao seu pai.Uma parábola para tornar familiar esta verdade, V.9: Ou qual dentre vós é o homem que, seporventura o filho lhe pedir pão, lhe dará pedra? 10) Ou se lhe pedir um peixe, lhe dará umacobra? 11) Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto maisvosso Pai que está nos céus dará boas coisas aos que lhe pedirem? Ele apela para o amor paternodeles. É impensável, que um pai que é digno deste nome fosse substituir uma pedra pelo pão, ouuma serpente pelo peixe, que seus filhos lhe pedem. Nisso há, propositalmente, uma semelhança.Um pai poderá achar necessário recusar sinceramente o pedido dum filho, mas ele não se rebaixará,zombando dele. A construção gramatical é, propositalmente, tornada difícil para colocar o paicontra e, ainda assim, ao lado do filho. Um tal espírito egoísta, maldoso e medíocre é considerado,até entre as pessoas, como não natural, podendo-se dele esperar, segundo a depravação natural docoração, um comportamento desta espécie. O afeto natural, em geral, é tão forte em mãe e pai, quenão permitirá que dureza e insensibilidade ganhem a supremacia. Eles possuem a compreensão e osenso comum, de dar somente boas dádivas aos filhos, caso o fizerem. O termo, aqui empregado, serefere, não somente à qualidade da bondade, mas também à medida em que ela é feita –

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generosamente, isto é, em quantidades maiores do que os filhos pedem. Agora ele argumenta domenos ao mais importante. Esse Pai celeste, cujo poder benevolente e bondade benfazeja vos foideclarada, esse modelo de bondade e amor para com todos os seus filhos, certamente, não farámenos. Em medida generosa, acima de tudo que pedimos e pensamos, Ef.3.20, ele dará boasdádivas. Com tal afirmação, certamente, não sobrará nenhum vestígio de dúvida.A regra áurea, V.12: Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vóstambém a eles; porque esta é a lei, e os profetas. Temos aqui um sumário, que envolve em uma sóbreve sentença todas as admoestações para a caridade, encontradas no sermão inteiro, e diz tudo oque foi estabelecido nos escritos sacros com respeito ao comportamento das pessoas umas paracom as outras. Tal, como a bondade de Deus é abundante para com todas as pessoas, assim, aspessoas devem direcionar sua conduta segundo este exemplo, aplicando-a, numa medida completade generosidade, em todas as suas relações, de irmão a irmão. Fosse esta regra seguida sempre, ehaveria no mundo perfeita paz, amor e harmonia.”Ele encerra com estas palavras seus ensinos,feitos nestes três capítulos. E os reúne todos num pequeno feixe, em que cada um os pode encontrare cada um os pode tomar em seu íntimo para os guardar em segurança... E, com certeza, foi sutil,que Cristo o estabelece assim, que ele não usa nenhum outro exemplo do que a nós mesmos, e no-lo coloca tão próximo, que não o possa colocar mais perto, isto é, em nosso coração, corpo e vida eem todos os nossos membros. Desta forma, ninguém precisa correr para longe nem empenhargrande esforço e custos para o alcançar... Mas, tu mesmo és tua Bíblia, mestre, doutor e pregador...Tens tantos pregadores, tantos negócios, mercadoria, ferramenta e outros instrumentos em tua casae pátio. Isto clama a ti em voz alta: Amigo, usa-me para com teu próximo, assim como querias queo teu próximo lidasse com o seu bem contigo... E o melhor nesta sentença é, que ele não diz: Asoutras pessoas devem fazê-lo a ti, mas: Vós o deveis fazer às outras pessoas. Pois, o que cada umgosta é que o outro lhe faça o bem... E há alguns... que dizem: Com prazer faria o que devo, se osoutros me fizessem primeiro o que devem. Mas esta sentença diz assim: Tu deves começar a ser oprimeiro, se queres que os outros o façam a ti, ou, se eles não o quiserem, faze-o tu ainda assim...Quem quer ser piedoso, esse não deve preocupar-se com o exemplo dos outros... Desta formapoderá acontecer que, pelo teu exemplo, convenças os outros a te fazerem o bem, até mesmo, osque, anteriormente, te fizeram o mal”63.

A conclusão do sermão, Mt. 7.13-25.

As duas estradas, V.13: Entrai pela porta estreita, larga é a porta e espaçoso o caminho queconduz para a perdição e são muitos os que entram por ela, 14) porque estreita é a porta eapertado o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela. O Senhorconcluiu o sermão propriamente dito. Mas, aqui, ele adiciona, como conclusão, umas poucasadvertências e dá algumas sugestões com vistas a várias ofensas em doutrina e vida, com as quaisos discípulos se podem encontrar. Duas estradas são traçadas resumidamente. Elas conduzem davida presente a do além-túmulo. E os dois caminhos são contrastados, sendo cada um descrito pelosseus marcos visíveis e pelo seu fim. Um destes caminhos é, de fato, uma estrada comum, da qualninguém está excluído. Mas ele é estreito, não dando espaço para liberdades frívolas para qualquerum dos lados. Ao fim, ela conduz através dum porta duma porta estreita e pequena, que,exteriormente, não tem nada que a recomenda. Comparativamente, só poucos encontram estaestrada. Está tão deserta, que, facilmente, pode ser perdida. Por outro, há uma avenida larga, ampla,espaçosa e extensa, com muitos fatores que convidam e que impelem a progredir nela. Ao seu fimhá um portal amplo e convidativo. Mas esta estrada e este portão, com todas as qualidades que arecomenda, com todos os convites para satisfazer-se no viver livre e desenfreado do mundo, conduzà destruição. Seu fim é a eterna condenação. Não há uma advertência especial e necessária para osdiscípulos de Cristo. Eles evitam esta estrada larga e convidativa, por ser o caminho da carne, do

63 ) Lutero, 7.609-616 (traduzi do alemão).

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mundo e do diabo. Mas a outra estrada, que não oferece qualquer promessa atraente, na qual não háuma multidão barulhenta que se acotovela e espanta seu tédio, é, ainda assim, a escolha do Senhor.Pois, ela conduz à vida, à árvore da vida, para a única vida que vale a pena viver, à vida eterna comquem cuja estrada também foi um trilho humilde, um desfiladeiro pedregoso, mas que entrou naglória de seu Pai. Entrar por esta porta, é seu chamado amável. Na força de Cristo subjugam todasas fraquezas da carne. Vencem por ele todos os assaltos do mundo e de Satanás, não importando aaparência em que se apresentem. O final é digno de mil batalhas, Ap.2.10; 3;11.Advertência contra os falsos profetas, V.15: Acautelai-vos dos falsos profetas que se vosapresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. Esta é uma dasmaneiras pelas quais os discípulos de Cristo poderão ser desviados do caminho ao céu, o que tornao fato uma advertência necessária. Tomai cuidado, conservai-vos longe, não tende nada a ver compseudo-profetas, com profetas falsos. Até mesmo é loucura parar e discutir com eles. Pois, eles sãoprofetas falsos. Falsificam, deliberadamente, a Palavra de Deus. Eles colocam suas própriasmentiras e a sabedoria de pessoas falíveis no lugar da verdade eterna. Chegam, sem seremconvidados, sem chamado. Têm, como prática, ir àquelas pessoas que são membros duma igreja,com a intenção deliberada de induzi-las a abandonarem a verdade. São sábios em sua própriapresunção e nas formas do engano. Chegam numa forma muito humilde, na vestimenta dainocência e inofensividade. Confessam ter autorização do próprio Deus, e são adeptos de fingidaamabilidade. Mas seu verdadeiro caráter se mostrará depois, visto que, por inclinação etreinamento, são lobos vorazes. Sua natureza é devorar. São gananciosos por dinheiro, ambiciosospor poder, mas, acima de tudo, são ansiosos para destruir almas. São assassinos de almas humanas.

O princípio de testar mestres falsos e todos os fraudes, V.16: Pelos seus frutos os conhecereis.Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? 17) Assim toda árvore boaproduz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. 18) Não pode a árvore boa produzirfrutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons. Um ponto importante: Não só os discípulos deCristo, por si mesmos, podem identificar estes falsos mestres, mas o Senhor espera que osreconheçam porque estudaram seus métodos e maneira de viver.Os cristãos são capazes de provaros espíritos – até têm o sagrado dever de faze-lo – e de examinar e testar a doutrina que lhes éoferecida. Eles têm uma regra infalível, que é o ensino de Cristo, a Palavra da Verdade. Conformeeste critério e padrão, devem julgar, não só a doutrina, mas também as obras dos mestres falsos, asquais, aqui, são chamadas de seus frutos. As pessoas nunca imaginam colher uvas dos espinheirosou figos dos abrolhos. Eles não são enganados por falsas aparências, tal com o botânico que, comuma olhadela, apontará a variedade venenosa de fruta ou dum cogumelo duma boa. Mas, mesmo láonde não acontece tanto o conhecimento botânico, se distingue imediatamente a árvore boa, a queestá em boas condições e sadia, da árvore doente, degenerada por causa do mau solo, ou que, porcausa da idade, já não produz mais fruto. Todas estas árvores carregam fruto de acordo com suanatureza própria. Este teste nunca falha. “Como, perfeitamente, sabemos que uma árvore boa nãoproduzirá fruto mau, e que uma árvore má não produzirá bom fruto – e nem o poderá -, assim,também sabemos que, enquanto o viver é impiedoso, a confissão de piedade é impossível, mas éhipocrisia e engano”64.O fim dos impostores, V.19: Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo.20) Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis. Quanto ao que diz respeito ao teste de árvores, ojulgamento das pessoas é tão claro e absoluto, que elas não hesitam em cortar e queimar umaárvore ruim. Elas sabem muito bem, que para aquela árvores é totalmente impossível produzir,mesmo no próximo ano, fruto bom. Este juízo, porém, também acertará aqueles que são culpadosde doutrina e vida falsas, cujos frutos, finalmente, irão revelar a condição de suas almas. Será sua apunição do fogo do inferno. Enquanto isto, os cristãos não devem esquecer seu dever de testar eexaminar a doutrina e as obras dos mestres falsos, para que não se tornem culpados de negligênciaem assuntos espirituais. “Nenhuma doutrina falsa ou heresia, jamais, surgiu sem ter o sinal que o

64 ) Clarke, Commentary, 5.97.

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Senhor indica aqui, a saber, que eles produziram outras obras do que aquelas mandadas eordenadas por Deus...Deixem que aquele, que deseja julgar corretamente, faça como Cristo lheensina aqui, pegando suas obras e frutos, para as colocar ao lado da Palavra e dos mandamentos deDeus. Assim ele verá, imediatamente, se eles concordam entre si... Desta forma possuis um juízoseguro, que não poderá falhar, como Cristo te ensina a conhecê-los pelos seus frutos. Pois, tenhoestudado a respeito de todos os heréticos e seitas, e verifiquei que eles sempre produziram etrouxeram algo que foi diferente daquilo que Deus ordenou e impôs, um nesse, outro naqueleartigo. Um proibiu comer de tudo. O segundo, o casamento. O terceiro condenou qualquer governo,escolhendo cada um o seu próprio. Concluo que todos eles andam neste trilho”65.O discipulado falso, V.21: Nem todo o que me diz: Senhor! Senhor! Entrará no reino dos céus,mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Os falsos mestres foramcaracterizados. Agora são descritos os discípulos espúrios. Nem todos os que praticam a confissãopública, são, na verdade, confessores. Podem estar tentando encobrir sua hipocrisia, reconhecendoe confessando publicamente Jesus como seu Senhor, dando, desta forma e publicamente, a elehonra e glória divinas,66 o que está implícito neste título. Mas um cristianismo de boca nunca podeser um substituto válido para um cristianismo de coração. O fato que os lábios, prontamente,formulam o nome de Cristo, como o Senhor, e têm o costume de repeti-lo, não levará ninguém aocéu, nem lhe permitirá entrar na bendita comunhão daqueles que são um em Cristo. Até mesmo ummero ouvir com admiração e apreciação dos ensinos do Senhor nada lhe adiantará. Mas, entreaqueles que professam Cristo, há, também, outros, como os que receberam Cristo na fé e por eleforam renovados de alma e mente. Recebem dele, continuamente, poder espiritual e, assim, sãocapacitados para realizar a vontade do Pai celeste em suas vidas. O cumprimento da vontade deDeus se torna, desta forma, o critério pelo qual a sinceridade do seu discipulado é testada. Cristochama Deus “meu Pai”. Ele, em sua profunda humildade, não busca sua própria glória. Ele tem odireito de usar o nome Senhor e exigir obediência à sua vontade. Mas ele imprime em seus ouvintesa santidade da vontade revelada de Deus. Isto deve encontrar expressão em suas vidas.A advertência de Cristo quanto ao juízo, V.22 Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor!Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimosdemônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? 23) Então lhes direi explicitamente: Nuncavos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade. Naquele dia, isto é, no grande eterrível dia do julgamento, quando os pensamentos e desejos de mente e alma serão revelados,haverá muitos, ou seja, um grande número, que farão um apelo em seu próprio favor. Indicarãopara todas as espécies de feitos que se parecem com milagres. Mas, mesmo que seja profecia, ouum expelir de demônios, ou alguma outra obra maravilhosa, e, até mesmo, que os milagres foramexpressamente feitos em nome de Cristo e ostensivamente em seu poder, - tudo isto nada lhesaproveitará. Mesmo que repitam a frase “em teu nome”, apegando-se a isto, como a uma esperançalongínqua que possa comover o coração do Juiz, será, exatamente, esta expressão que provará a suaomissão. Pois ele, quanto a si, também tem uma confissão a fazer. Eles, talvez, sejam sinceros,pensando que ele os deva admitir, deva reconhecê-los. Ele, porém, tem outra opinião. Ele julganecessário expor o vazio da sua confissão.Nunca, em toda a carreira deles, enquanto se enganavama si mesmos e conduziam outros ao engano, enquanto usavam o nome do Senhor em vão, com o fimde promover seu próprio ganho, Ele os conheceu. Eles nunca se tornaram seus íntimos. Seuscorações sempre estiveram longe dele. Não tinham fé. Por isso, todas as obras deles provam aoSenhor, que eles são operadores da iniqüidade, usando o Seu nome sem autorização ou ordem,realizando o que ele não lhes autorizou nem aprovou. A sentença é breve, mas terrível: “Apartai-vos de mim”, Mt.25.11; estejais para sempre longe da salvação, da glória e beleza que provém doíntimo relacionamento comigo. Pois, estando em bendita união com Cristo, tudo é céu. Separadodele, não há nada mais do que condenação.

65 ) Lutero, 7.640,641.66 ) Cobern, The New Archeological Discoveries, 127.

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Uma parábola de conclusão, V.24: Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica,será comparado a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; 25) e caiu a chuva,transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu,porque fora edificada sobre a rocha. 26) E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não aspratica, será comparado a um homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; 27) e caiua chuva, transbordaram os rios, sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, e eladesabou, sendo grande a sua ruína. É um pronunciamento majestoso. Refere-se ao discurso inteiro,incluídas todas as suas lições, que se destinaram a ensinar sabedoria e compreensão no viver deseus discípulos, sendo uma emanação da intimidade com ele e do poder da fé. Jesus, tal como emoutras parábolas e afirmações, só distingue duas classes de pessoas, Mt.12.30. Aqui, ele faz adistinção, a comparação que prova ser verdadeira, até, nesta vida, com relação ao fundamento queas pessoas escolhem para a estrutura de sua fé e vida. Ele baseia sua afirmação na máxima, que umouvir apropriado sugere a obediência no viver, Tg.1.22-25. Existe a pessoa sábia, prudente, racionale experta, que usa corretamente sua razão, que cuidadosamente avalia todas as proposições eseleciona judiciosamente o que serve aos seus propósitos. Quando constrói uma casa, lança ofundamento firmemente em terra sólida, se possível, na rocha. Observam a eloqüência da descrição,para representar o de-repente e a fúria dos elementos em fúria: chuva sobre o telhado, rio contra ofundamento, vento contra as paredes; mas a casa permaneceu de pé, porque seu fundamento foilançado sobre a firmeza da resistente rocha. Mas, há também a pessoa tola, mencionada por Cristo,em profunda tristeza. Ela é a pessoa que negligencia a prudência e o senso comum. Ela poderáconstruir uma casa, cuja aparência exterior em nada difere da pessoa sábia. Mas ela negligenciou ocuidado com a fundação apropriada. Escolheu um lugar formado de areia solta, próximo à torrenteque vinha das montanhas. Os elementos, mais uma vez, foram desprendidos. Veio a chuvatorrencial. Veio o rio impetuoso. O vento soprou com fúria. E, neste caso, eles não só arremeteram,como se fossem um inimigo ou uma besta fera que ainda podem ser postos em fuga; mas arrasaramesta casa, e a sua ruína foi completa. Nada restou de sua vaidosa beleza. Prudente é aquele que faz,que cumpre, os dizeres de Cristo, e assim lança o fundamento de sua vida espiritual em uma rocha.Ele permanecerá firme em meio a todos os assaltos dos inimigos. Não, que o seu fazer e o seuobedecer o fazem firme. Mas sua vida está arraigada em sua fé em Cristo. Dele ele recebe,diariamente, nova força. Ele vence, pela fé, e é mais do que um conquistador, Rm.8.37. Mas tolo équem, só com os ouvidos, ouve as palavras de Cristo, mas não apresenta qualquer evidência deobras que fluam da obediência cristã. Ele, atravez disso, dá as provas de que a fé, ou nunca lançoupé em sua vida, ou morreu em seu coração. Tribulação e tentação encontrarão tal pessoadespreparada. Sem a fé em Cristo, ela não terá segurança, e perecerá do modo mais miserávelpossível.A impressão que o sermão de Cristo causou, V.28: Quando Jesus acabou de proferir estaspalavras, estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina; 29) porque ele as ensinava comoquem tem autoridade, e não como os escribas. A maneira de Cristo para ensinar diferia da dosescribas, pois eles ensinavam só porque haviam recebido autorização, entoando as tradições epreceitos e injunções duma lei que, na verdade, estava morta em suas próprias vidas. Cristo falavacom autoridade. Era sua a autoridade de ensinar todas as pessoas, até o fim dos tempos. Este poder,por isso, também se evidenciou em seus ensinos que arrebatavam seus ouvintes com uma convicçãomaior do que a dum orador eloqüente. Ele falava as palavras da vida eterna. Não admira, que aspessoas estavam muito surpresas e admiradas, e que expressam, imediatamente, seu espanto. Aquiestava um mestre que tinha uma mensagem. As suas afirmações não somente eram claras, seusexemplos inteligentes, seus argumentos fortes, sua presença arrebatadora; mas ele tinha umamissão de professoro, e ele precisava ser escutado. Ele pregava a Palavra de Deus, como sendo asua própria palavra.

Sumário: Jesus adverte contra o juízo incompassivo, urge perseverança na oração, destaca ocaminho seguro ao céu, mostra como distinguir profetas falsos e se guardar contra um discipuladofalso, e conclui seu poderoso sermão, com a admoestação de guardar suas palavras.

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O Significado do Sermão da Montanha

A posição do “sermão da montanha” no Novo Testamento, em especial, nos ensinos de Jesus, temdespertado a atenção, não só de comentaristas e teólogos em geral, mas, também, recentemente, detrabalhadores sociais de todas as classes. E um novo ímpeto foi dado às várias investigações, pelaonda de literatura quiliástica que está inundando o país. Alguns escritores afirmaram, mesmo quebrandamente, que o sermão da montanha apresenta a doutrina de Cristo, no primeiro estágio do seudesenvolvimento, tal como, mais tarde, é exposta, numa maneira análoga, na epístola de Tiago.Outros, de mentes mais audaciosas, chamaram-no o credo da cristandade, o evangelho do reino, acarta magna da comunidade do céu. Certo escritor declarou com seriedade: “Seu primeiro alvo foilivrar as pessoas dos efeitos das crenças, causas e hábitos errados de viver, e restaurá-las `saúdefísica, mental, moral e espiritual completa. Ele tentava uni-los na fraternidade universal, que eledescreveu como sendo o reino ou o governo de Deus, e, desta forma, desenvolver uma ordem socialperfeita”67. Outro afirma: “Educadores, amanhã, relerão o sermão da montanha, e procurarãoenriquecer os ensinos da religião cristã... Hoje, toda a economia política está sendo re-escrita nomodelo do sermão da montanha... É um documento político muito impressionante”68. Outrodeclara: “Quando a vontade de Deus é feita na terra como é feita no céu, o reino de Deus e do céuterá vindo de fato. Todos os problemas sociais estarão resolvidos, e acalmadas todas asinquietações sociais”69. E, ainda mais detalhado: “Jesus, no sermão da montanha nos dá um quadroperfeitamente claro e adequado da sua compreensão dum mundo ideal,... uma concepção superiorda nova ordem social”70.

O número de tais passagens de livros recentes poderia ser multiplicada indefinidamente. Todas elasestão imbuídas da idéia do milênio, a saber, que, de algum modo, em algum tempo, provavelmenteem conecção com o estabelecimento do milênio, tão propalado pelo mundo, acontecerá a perfeitaordem social, sendo o pecado totalmente desconhecido, vivendo todas as pessoas em amor eharmonia, quando judeus e gentios se dobrarão juntos diante do trono de Jesus. Supõe-se, que tudoisto esteja contido no sermão da montanha.

Tudo isto seria perfeitamente encantador, não tivesse Jesus declarado expressamente: “O meu reinonão é deste mundo”, Jo.18.36; se ele não tivesse dito aos fariseus: “Não vem o reino de Deus comvisível aparência”, Lc.17.20; se ele não tivesse repreendido, de modo gentil mas firme, seusdiscípulos por causa do seu sonho dum reino terreno, At.1.6-8. Jesus expressou, de modo breve mascompreensivo, o propósito de sua vinda: “O Filho do homem veio salvar o que estava perdido”,Mt.18.11. E ainda: “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para quetodo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”, Jo.3.16. São Paulo enfatiza o fato que“Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores”, 1.Tm.1.15. São João escreve: “O sangue deJesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado”, 1.Jo.1.7. Estas passagens representam a doutrinacaracterística, distintiva, fundamental e essencial da cristandade, sem a qual a religião haveria decair ao nível do paganismo. A livre salvação de todas as pessoas pelo expiador poder do sangue deCristo é aquele um raio maravilhoso de luz na Bíblia, que distingue este livro sagrado do leste, detodos os demais escritos religiosos, nos quais é colocada uma religião das obras diante das pessoase um reino meio espiritual e meio temporal, como alvo de sua ambição terrena.O sermão da montanha é um exemplo do ensino de Cristo, bem distinto dos seus sermões. Ele tinhadois objetivos em mente. Em primeiro lugar, como mostra sua comparação aguçada, quis eledespertar seus ouvintes, em especial aqueles que tinham o epíteto “hipócritas” da sua letargia desua negligente justiça. Ele quis destacar-lhes a total impropriedade da compreensão literal e da67 ) Kent, Life and Teachings of Christ, 127-128.68 ) Hillis, Influence of Christ, 10,47,48,75.69 ) Clow,W.M., Christ in the Social Order, 82.70 )Strong,J., The New World Religion, 98. Veja também Rauschenbusch,W., Christianity and Social Crisis,56-57.

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guarda literal das coisas externas da lei. Quis, de fato, mostrar a todas as pessoas, quão distantesestão os seus melhores esforços do cumprimento correto e adequado da vontade de Deus. Umaintenção de viver conforme as injunções do sermão da montanha, rapidamente, convencerá, até, omais otimista, da inabilidade da pessoa de viver conforme a interpretação espiritual da lei. E osegundo objetivo de Cristo foi dar uma lição sobre a verdadeira santificação para aqueles que pelagraça entraram no reino e são desejosos de viver de acordo com a mais alta compreensão davontade de Deus. Usar o sermão da montanha, de acordo com estes objetivos evidentes, redundaráno benefício bendito e duradouro de todos quantos, realmente, se preocupam viver como filhos doPai celeste.

Capítulo 8

A cura dum leproso – Mt.8.1-4.

V.1:Ora, descendo ele do monte, grandes multidões o seguiram. Enquanto descia do monte, ondeproferira seu grandioso sermão, e, em especial, depois de ter descido até a planície, quando, defato, chegara a uma cidade na vizinhança, Lc.5.12, as multidões que, de perto e de longe, o haviamseguido, e que, agora, e mais do que nunca, estavam impressionadas com seus ensinos, novamenteo seguiram. Jesus realizou, imediatamente, um milagre, V.2: E eis que um leproso, tendo-seaproximado, adorou-o, dizendo: Senhor, se quiseres, podes purificar-me. O evangelista usa estafórmula para introduzir uma narrativa que estimula o interesse. Um leproso ceio a Jesus,transgredindo, em sua ansiedade e desejo sincero por socorro, as regras que haviam sido feitas comvistas aos afligidos por esta doença. A lepra é uma doença particularmente maligna e contagiosa(não infecciosa), ainda que não seja hereditária. Está muito difundida no mundo. Mas, ela ocorrefreqüentemente no Leste e ao longo das costas do Mar Mediterrâneo. São conhecidas diversasespécies da doença, depois que o gérmen que a causa foi encontrado. A doença, contudo, em todosos casos, segue o mesmo curso comum. Manchas de várias cores aparecem no corpo. Depois,também, pústulas e tubérculos. O rosto, em pouco tempo, assume uma aparência estúpida. Entãocomeça ulceração, atrofia e perda de partes de ossos, o que pode causar buracos fundos e, até, aperda de membros inteiros. Em alguns casos afortunados, a morte ocorre dentro de pouco tempo,mas, em outros, a doença perdura por anos a fio. Entre os judeus, leprosos eram consideradosimpuros, Lv.13.44-46. Eram obrigados a rasgar suas vestes, cobrir os rostos, viver sem apreocupação usual por higiene. E, ao aproximar-se alguma pessoa, deviam gritar: “Impuro!Impuro!” Eram obrigados a viver fora do acampamento ou da cidade. Nas sinagogas havia lugarespecial para eles. E tudo que tocavam, ou a casa em que entravam, era declarado impuro. Para suapurificação havia sido elaborado um detalhado cerimonial na lei judaica, Lv.19 (nota do tradutor:Lv.14). Não admira que o pobre homem do texto estava tão ansioso para ser curado. Apressa-se ater com Jesus. Prostra-se ao chão, num gesto de súplica humilde, estando plenamente cônscio desua própria indignidade e da grande superioridade Daquele de quem pede um favor. Chama-o“Senhor”, dando-lhe a honra divina do prometido Messias. Sua oração é breve, mas compreensiva.É um modelo quanto à forma e ao conteúdo. “Se queres”. Ele não tinha a menor dúvida sobre opoder e a capacidade de Cristo, mas não quanto à sua vontade de ajudar. A humildade de sua fédeixa a decisão para Cristo. Mas, caso houver uma purificação por meio da cura, então que sejalogo.Ele é insistente, mas humilde. Concorda em deixar para o amor e a misericórdia do Senhor amaneira e o tempo do cumprimento de sua prece. “Isto significa, não somente crer corretamente,mas também orar corretamente. Estes dois sempre precisam andar juntos. Quem crê corretamente,este ora corretamente; mas, quem não crê corretamente, este, também, não pode orar corretamente.Pois, com o orar, primeiro, deve ser real que o coração já está firme que Deus lhe seja tão graciosoe misericordioso, que, alegremente, queira mudar nossa angústia e nos socorrer... Que o leprosomodera tanto sua prece e diz: ‘Senhor, se queres, podes purificar-me’, não deve ser compreendidoassim, que ele tenha duvidado da bondade e da graça de Cristo. Pois, a fé seria nada, mesmo secresse que Cristo fosse onipotente e capaz e sábio para todas as coisas. Pois, a fé viva é esta que

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não duvida que Deus também seja de vontade bondosa e graciosa, para fazer o que lhe pedimos.Mas deve ser entendido assim: A fé não duvida, que Deus tenha boa vontade para com a pessoa,queira e deseje-lhes tudo o que é bom. Mas, aquilo que a fé suplica e pretende, não está em nossosaber, se é bom e proveitoso. Isto só Deus sabe. Por isso a fé pede assim, que tudo deixa aoscuidados da vontade graciosa de Deus, se para sua glória e para o nosso proveito; não duvida daverdade de que Deus o dará, ou, quando não é possível concedê-lo, que sua vontade divina, movidapor graça imensa, não o dê, porque vê que é melhor não concedê-lo. Com tudo isto a fé, contudo,permanece certa e firme na graciosa vontade de Deus, dando-o ele ou não”71

O milagre, v.3 : E Jesus, estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo: Quero, fica limpo! Eimediatamente ele ficou limpo da sua lepra. 4) Disse-lhe então Jesus: Olha, não o digas aninguém, mas vai mostrar-te ao sacerdote e fazer a oferta que Moisés ordenou, para servir detestemunho ao povo. Jesus foi movido de compaixão, Mc.1.41. Sua solidariedade e boa vontade emquerer ajudar levam-no a estender a mão e tocar ao leproso, num gesto íntimo que mostra completacompreensão e desperta confiança. E o seu onipotente “eu quero”, com tranqüilidade, pressupõe aautoridade soberana para esta demonstração de poder ilimitado. Não uma mera declaração de estarlimpo, como os racionalistas o querem, mas um milagre: A lepra, que já havia tornado o homemnuma caricatura horrenda e infeliz da criação de Deus, desapareceu imediatamente.Ele estavalimpo. Cristo, nesta ocasião, tinha razões para evitar uma falsa popularidade. O povo, levado pelosensinos de Cristo e por causa de seus muitos milagres, estava excitado a tal ponto, que teria estadopronto a aclamá-lo, seguindo sua falsa compreensão do reino messiânico, seu rei terreno. Isto teriaatiçado precocemente o ódio dos líderes judeus e causado suspeição e inveja da parte do governo,sendo que tudo isto teria obstruído o ministério do Senhor. Além disso, uma dispersão prematurada notícia podia alcançar os ouvidos dos sacerdotes antes que o próprio leproso se apresentasse,podendo a inimizade deles levá-los a lhe negar o reconhecimento de limpo. Jesus, também, queriaobservar os preceitos da religião oficial, Mt.3.15. Observe! Olhe!, diz ele, numa ordem rápida edecisiva, ainda que cordial. Não perca tempo em conversas desnecessárias e sem valor. O essencialé pressa. Cumpra as injunções prescritas para o seu caso, Lv.14.10-32. Faça a oferta que a leimanda. Consiga das autoridades constituídas um atestado de limpeza. Isto deve ser um testemunho,não para os legalistas, mas também para as pessoas em geral. Fazendo assim, o antigo leprosopoderia espalhar a notícia do milagre, de modo correto. Ele, certamente, também o fez, Mc.1.15.

O Centurião de Cafarnaum, Mt.8.5.13.

V.5: Tendo Jesus entrado em Cafarnaum, apresentou-se-lhe um centurião, implorando: 6) Senhor,o meu criado jaz em casa, de cama, paralítico, sofrendo horrivelmente. O incidente, aqui narrado,talvez ocorreu imediatamente após a cura do leproso, ou só algum tempo depois, quando Jesusrealizou viajou pela Galiléia. Jesus havia entrado em Cafarnaum, a cidade que escolhera como larem seu ministério naquela região. É aqui que ele entra em contacto com um centurião. Não éimportante, se o centurião atendeu pessoalmente o caso aqui relatado, ou se ele se valeu dos bonsserviços de outros, sendo a última opção a mais provável, Lc.7.1-10. “Ele envia, por meio dumadelegação dos mais estudados e respeitados da cidade, uma mensagem a ele (Jesus), por causa doservo que ele amava muito... E, quando vão e apresentam, de modo muito delicado, sua mensagem,.Para que ele viesse, porque o centurião é uma pessoa digna disso, Cristo está disposto a ir e,realmente, vai com eles. Quando o centurião ouve que Cristo vem em pessoa, envia mais outrosmensageiros e roga: Oh! Não! Quem sou eu que ele se preocupa em vir pessoalmente? É suficienteque diga, mesmo que seja uma só palavra, e eu estou inteiramente satisfeito”72. O centurião, comque Jesus tratou aqui, era um comandante de cem soldados, e muito provavelmente era a guarniçãoromana da cidade. Era estrangeiro e não da nação e igreja judia. Mas, ele havia aprendido aconhecer o Deus verdadeiro, e, sem dúvida, estudara a Escritura, sabendo ele, assim, do Messias

71 ) Lutero, 13.167; 11;482-483 (traduzi do alemão).72 ) Lutero, 12.1184.

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vindouro. Em sincera devoção, até, construíra a sinagoga dos judeus, Lv.7.4-5. Tinha umamensagem urgente e cheia de súplica em favor do seu criado que era o mandalete de sua casa, oqual, já fazia algum tempo, estava de cama. Porque sofria dum mal que era uma foram de paralisia,que lhe causava dores horríveis, sua situação o levara a muita fraqueza. A enfermidade dos nervos,neste caso, era acompanhada de dores incomuns, que impediam que a pessoa doente fossetransportada numa maca.A oferta de Jesus e a resposta do centurião, V.7: Jesus lhe disse: Eu irei cura-lo. 8) Mas ocenturião respondeu: Senhor, não sou digno de que entres em minha casa; mas apenas mandacomo uma palavra, e o meu rapaz será curado. A compaixão de Cristo é despertada, não por causaduma prece por auxílio, mas basta, para que isto aconteça, uma constatação de aflição enecessidade. Ele declara expressamente sua disposição de vir e ajudar: Eu vou curá-lo. É asoberania de Cristo que decide doença e saúde, morte e vida. Uma resposta surpreendente: Não soudigno, ou não estou em condições. Impediam-no de receber ao Senhor, de modo digno, nãosomente sua condição de gentio, mas sua humildade. Cf.Mt.3.11. Ele se refere depreciativamente àsua casa, que era uma choupana, quando o Senhor se aproxima. Só uma palavra bastará. Elereconhece tanto a necessidade da misericórdia de Cristo, como a sua própria e total indignidade. Éuma fé sublime: Meu servo particular será sarado. Esta é uma convicção que nasceu da confiançaabsoluta no poder onipotente e misericordioso do Senhor. Doutro lado, falta de fé, presunção eignorância impedem qualquer comunhão entre Deus e a pessoa humana.Um argumento tirado de sua própria experiência, V.9: Pois também eu sou homem sujeito àautoridade, tenho soldados às minhas ordens, e digo a este: Vai, e ele vai; e a outro: Vem, e elevem; e ao meu servo: Faze isto, e ele o faz. Aqui não aparece uma gavolice presunçosa, mas umahumildade que torna o seu argumento ainda mais forte, porque dá a Cristo a honra que por justiçalhe pertence. O centurião, quanto à sua própria pessoa, ocupava uma posição subalterna, estandopor juramente preso ao governo e a tudo que isto compreendia. Mas, ainda assim, tinha aautoridade que o posto lhe dava, dando ordens aos homens do batalhão e ao seu escravo pessoal.“O argumento do centurião parece assim: Se eu, que sou pessoa sujeita ao controle de outros, masque tenho alguns tão completamente sujeitos a mim, que posso dizer a um deles: Vem, e ele vem; ea outro: Vai, e ele vai; e ao meu escravo: Faze isto, e ele o faz, - quanto mais podes tu alcançar tudoo que queres, estando sujeito a ninguém e tendo tudo sob teu comando”73. Nisso tudo há umareferência ao poder onipotente da palavra de Cristo.A admiração de Jesus, V.10 Ouvindo isto, admirou-se Jesus, e disse aos que o seguiam: Emverdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei fé como está. 11) Digo-vos que muitos virãodo Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus.12) Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro eranger de dentes. Qualquer evidência de uma fé real e confiante sempre influenciou profundamentea Jesus, Mt.15.28. O fato atual encheu-o de muita surpresa e admiração. Em Israel, onde uma tal féou uma confiança tão marcante em seu poder, devia ser a regra, Rm.3.2;9.5, não encontrara fé tãogrande. Esta situação extraordinária leva-o a proferir uma profecia a respeito da conversão dosgentios, o que se refletirá de modo muito vexatório sobre seus próprios concidadão. Ele representao reino de Deus, na forma duma parábola, a um grande banquete, ou festa, onde as riquezas damisericórdia de Deus concedidas à mão cheia. O centurião representa, neste caso, os primeirosfrutos das grandes multidões que o Senhor chamaria de todas as raças, línguas, povos e nações,para se reclinarem em sua mesa para participar de seus dons, com os patriarcas, que são os pais dosfiéis de todos os tempos. Enquanto isto, os filhos do reino, que são os filhos daqueles aos quais aspromessas haviam sido feitas, que são os judeus que confiavam no parentesco terreno dos pais nassem a sua fé, perderiam sua herança, porque teimavam em não aceitar Jesus como seu Salvador.Sua porção seriam as trevas exteriores em vez da luz dos céus, choro num remorso que veio tardedemais, ranger de dentes em raiva impotente. Esta é, até ao dia de hoje, a expectação de todos osinfiéis.

73 ) Clarke, Commentary,5.100.

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A recompensa da fé, V.13: Então disse Jesus ao centurião: Vai-te, e seja feito conforme a tua fé. Enaquela mesma hora o servo foi curado. Como foi a fé, assim foi a cura. A confiança no poder dapalavra trouxe a palavra que tinha o poder de curar. Cristo fala sob grande emoção, concedendo obenefício no qual a confiança do capitão se agarrava, e ordenando a ele e aos seus mensageiros, quefossem e testemunhassem o cumprimento de sua oração. Naquela mesma hora, no exato momentoem que Jesus o dissera, foi realizado o milagre. Desta forma a fé recebe de Cristo, em quem ela seagarra, amparo, conforto, misericórdia e todo o bem.

Vários Milagres e Curas, Mt.8.14-1.

A cura duma febre, V.14: Tendo Jesus chegado à casa de Pedro, viu a sogra deste acamada eardendo em febre. 15) Mas Jesus tomou-a pela mão, e a febre a deixou. Ela se levantou e passou aserví-lo. Jesus, em certo sábado, havia ido à sinagoga. Regressando e chegando à casa de Pedro,que aqui leva seu nome de discípulo, Jesus se deparou com ocorrências tristes, Mc.1.29-31;Lc.4.38-39. A sogra de Pedro está de cama com febre. Notemos: Pedro possuía uma casa emCafarnaum, tendo-se mudado de Betsaida para aqui. Talvez, porque o mercado de peixes pareciamelhor, mas, mais provavelmente, porque o Senhor havia escolhido esta cidade como sua morada.Pedro era casado. Ele não se entregara à falsa santidade, a um ascetismo perigoso, como é exigidopela igreja católica para seu clero, mas deu-se o direito de possuir uma irmã na fé por esposa,1.Co.9.5. Jesus foi movido de compaixão. Repreendeu a febre. Tomou a mulher enferma pela mãopara a erguer. Ao seu toque milagroso, a enfermidade desapareceu, e ocorreram todos os efeitosque seguem. Ela se levantou da cama, sem qualquer sinal de fraqueza ou falta de equilíbrio. Podiaservir à mesa, e fazer quaisquer serviços, destacando, em sua gratidão, especialmente aquele aquem devia sua plena recuperação. Qualquer dom que recebemos do Senhor devia dispor-nos aoserviço pessoal mais dedicado.Fatos que ocorreram ao entardecer do sábado, V.16: Chegada a tarde, trouxeram-lhe muitosendemoninhados; e ele meramente com a palavra expeliu os espíritos, e curou todos os queestavam doentes; 17) para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do profeta Isaías: Elemesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças. Toda Galiléia encheu-sedas notícias a respeito de Cristo. E uma fila constante de doentes e seus parentes, era comum verafluir de todas as direções. Tudo aconteceu depois do fim do sábado, Lv.23.32. Já não precisavamhesitar, pensando que pudessem transgredir a lei. A fama da notícia que o Senhor havia curado umendemoninhado pela manhã, havia-se espalhado qual fogo em palha seca. A maioria dos que lheforam trazidos, estava aflita com a mesma e terrível doença, estando possessa de espírito mau. Ele,com uma só palavra, expelia os demônios que, semelhante a todo o mundo dos espíritos, lheprecisam estar sujeitos. Com meiga bondade curou todas as outras doenças. Nenhuma havia, quepudesse resistir à sua onipotente misericórdia. É muito apropriada a referência de Mateus àprofecia, Is.53.4. A referência do profeta é sobre as magoas e tristezas, as doenças e dores da alma,devido ao pecado e sua maldição. Mas o evangelista argumenta corretamente: Aquele que carrega omaior também é senhor sobre o menor. As doenças da pessoa humana estão conectadas, dum lado,ao pecado, e, do outro, à morte. E, desta forma, o nosso Sumo Sacerdote, sentindo o peso dasnossas doenças, teve compaixão, por causa dos resultados e conseqüências do pecado, pois, elesabe da sua maldição, da sua influência destrutiva sobre o corpo e a alma, Hb.4.15;5.2. Elecarregou e removeu os nossos pecados e fraquezas. Eles já não são mais uma maldição para osfiéis.

O Discipulado de Cristo, Mt.8.18-22.

Preparativos para a partida, V.18: Vendo Jesus muita gente ao seu redor, ordenou passar para aoutra margem. Estava anoitecendo. O dia fora de muita ocupação para Jesus: Havia ensinado e

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feito curas. E, ainda, havia uma multidão que o pressionava. Já estava junto à margem do Lago deGenezaré. E ordenou que partissem para o outro lado, para escapar da importunação da multidão epara evitar uma explosão de entusiasmo falso, que poderia macular o trabalho do seu ministério,Jo.6.3,15. Uma interrupção, V.19: Então, aproximando-se dele um escriba, disse-lhe: Mestre,seguir-te-ei para onde quer que fores. 20) Mas Jesus lhe respondeu: As raposas têm seus covis eas aves do céu, ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. Havia, além deseus discípulos, outros bem próximos a ele. Um desses, que era escriba, tomou-se da coragem delhe falar. Era um testemunho forte em favor do poder da pregação de Cristo e do magnetismo desua pessoa, que um dos escribas, daquela classe que era totalmente contra os caminhos de Jesus, foiarrebatado pelo seu entusiasmo e pediu para ser aceito no círculo mais íntimo dos apóstolos. Mas éuma presunção ignorante, pensar que se é capaz de seguir Cristo em qualquer caminho que eleescolher ou nos imponha a seguir. Ele não tinha compreensão do custo de ser um discípulo deCristo. O Senhor, desta forma, lhe mostra o verdadeiro significado do discipulado, tanto o quesignifica, como o que ele requer. As raposas têm covis onde podem descansar em segurança. Ospássaros do céu têm lugares para dormir, sendo que a maioria delas, noite após noite, busca amesma árvore para abrigo. Jesus, o Filho do homem, porém, em seu estado de humilhação, está emtal pobreza e desamparo que, contudo, lhe são um fardo voluntário, mas que se poderão tornarnuma amarga irritação a quem não está consciente daquilo que seja exigido dos seguidores domodesto Nazareno. Pobreza, privações e perseguições, sob certas circunstâncias, podem, quandoDeus o permite, ser a sorte dos cristãos. “Todos os verdadeiros cristãos procedem assim: Usamseus bens e possuem ninhos e abrigos; mas, quando a necessidade exige que os abandonem porcausa de Cristo, eles o fazem, e, até, alegremente se mudam tanto do lugar onde podiam reclinar acabeça, como de suas posses. Estão contentes em serem forasteiros no mundo, e dizem: Souhóspede sobre a terra; e, ainda: Sou um peregrino, como foram todos os meus pais” 74.Outra lição, V.21: E outro dos discípulos lhe disse: Senhor, permite-me ir primeiro sepultar meupai. 22) Replicou-lhe, porém, Jesus: Segue-me, e deixa aos mortos o sepultar os seus própriosmortos. Eis aí um homem que pertencia ao círculo maior de discípulos, que havia decididopermanecer nos arredores de Cristo. Mas sua natureza era vacilante, sendo um indeciso. Jesus ohavia chamado, Lc.9.59. Indeciso, ele pede por licença para sepultar seu pai, o que pode ter sidoum mero pretexto para ganhar tempo. Jesus lhe dá uma resposta que parece dura. Caso Cristo estejacitando, aqui, só um provérbio judeu, seu significado pode ser: Deixem os espiritualmente cegos,os que são mortos em relação ao chamado do reino, enterrar os naturalmente mortos. Mas, sem estasuposição, as palavras de Cristo se referem ao uso aramaico da palavra “morte”, a um jgo depalavras que significam: Deixe que os mortos sejam cuidados por aqueles cujo negócio é enterraros restos terrenos; não te preocupes com a casca mortal de teu pai; isto é a tarefa do agentefunerário; faze tu do reino de Deus a tua preocupação. O discipulado de Cristo é muito maisimportante do que todas as demais obrigações, até mesmo para com os parentes mais chegados; sehá um conflito de interesses, só pode haver uma escolha, Mt.10.35-39.

A Tempestade no Lago, Mt.8.23-27.

V.23: Então, entrando ele no barco, seus discípulos o seguiram. 24) E eis que sobreveio no maruma grande tempestade, de sorte que o barco era varrido pelas ondas. Entretanto, Jesus dormia.Seguindo instruções anteriores, os discípulos haviam preparado o barco. E, quando Jesusembarcou, as pessoas que lhe estavam mais próximas e que formavam o círculo íntimo de seusseguidores, embarcaram com ele. Cansado pelo volume de um dia de trabalho mental e físico, Jesusfoi dormir, embalado pelo movimento oscilante do barco. Inesperada e repentinamente, abalou-sesobre o pequeno lago uma daquelas tempestades tão temidas pela sua violência. Era como se fosseum maremoto ou um tufão violento, diante do qual os experientes pescadores eram, absolutamente,inúteis. As ondas se erguiam de ambos os lados, bem mais alto do que o barco, encobrindo-o. E,

74 ) Lutero, citado por Stöckhardt, Biblische Geschichte des Neuen Testaments, 69.

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quebrando sobre ele, encheram-no gradualmente d’água, sendo inútil querer esvaziá-lo. A naturezaestava em revolta. Vento e mar haviam conspirado para destruir tanto o barco como seuspassageiros. Anotemos o contraste: Cristo a dormir tranqüilo em meio a toda esta confusão, nãosendo afetado pela grande agitação que levara os homens mais fortes a tremer de medo. “Mas,agora, o dormir natural é uma indicação certa para um homem real e natural. O evangelho diz queCristo dormiu no barco. O evangelista deseja mostrar-nos a Cristo como homem real e natural, comcorpo e alma, e que, por isso, tinha necessidade de comida e bebida, sono e outras tarefas naturaisque são feitas sem pecado, tal como as temos nós também. Para que não caiamos no erro dosmaniqueus, que acreditaram que Cristo era só um espírito e não um verdadeiro homem.75

O terror dos discípulos diante da repreensão de Cristo, V.25: Mas os discípulos vieram acordá-lo,clamando: Senhor, salva-nos! Perecemos! 26) Acudiu-lhes, então, Jesus: Por que sois tímidos,homens de pequena fé? E, levantando-se, repreendeu os ventos e o mar; e fez-se grande bonança.27) E maravilharam-se os homens, dizendo: Quem é este que até os ventos e o mar lhe obedecem?Os discípulos, chegando a Cristo, acordaram-no. Podem ter hesitado, por um pequeno período, porrespeito ao mestre amado. Mas seu medo se torna tão grande, que já não mais se contém. Das suasbocas sai, antes, um grito, do que uma informação. Em sua hora extrema Cristo é seu únicopensamento. Um ponto importante: O primeiro pensamento de Cristo é pela fé dos discípulos, nãopelo alívio do seu medo. Por que estar cheio de medo? Por que tão pouca fé? A repreensão,propositalmente, foi áspera no tom, mas tinha oculta em si muita ternura. Seu destemor pessoal etotal devia acalmar o pânico deles. A falta de fé sempre torna medroso. A confiança em Deus e emseu poder e ajuda, torna audacioso. Jesus, tendo resolvido o mais importante, ergueu-se de seutravesseiro e proferiu uma segunda repreensão, esta dirigida ao vento impetuoso e às ondasagitadas. “Paz! Aquietai-vos!” É Ele quem lhes deu ordens, Mc.4.39. Ao soar da sua voz, umsilêncio obediente sobreveio à turbulência dos ventos e das ondas. O onipotente Governador douniverso havia falado. A voz humana de Cristo, por virtude do seu poder e majestade divinos,concedidos à sua humanidade, controlaram as forças da natureza, Pr.30.4. “Mas, quando elerepreende o mar e o vento, e tendo o mar e o vento lhe obedecido, ele provou, com este ato, a suaonipotente divindade, e que é Senhor sobre o vento e o mar. Pois, não é obra humana, ser capaz de,com uma só palavra, aquietar o mar e fazer cessar o vento. É necessário poder divino para, com sóuma palavra, parar a turbulência do mar. Por isso, Cristo não é só homem natural, mas é tambémverdadeiro Deus.”76 O efeito deste milagre sobre os discípulos e sobre todos os que, depois,ouviram desta história, visto que o repentino aquietar do mar deve ter sido observado da praia, foienchê-los de espanto. Que homem é este? Donde é ele? Havia diante deles uma evidência adicionalsobre a sua divindade, e também sobre o seu cuidado amoroso aos que escolhera como discípulos.Ele está pronto e disposto a dissipar-lhes todo e qualquer temor, e dar cuidadosa atenção a todas assuas preces, até mesmo quando a fé for pequena.

Jesus e os gadarenos, Mt.8.28-34.

V.28: Tendo ele chegado à outra margem, à terra dos gadarenos, vieram-lhe ao encontro doisendemoninhados, saindo dentre os sepulcros, e a tal ponto furiosos, que ninguém podia passar poraquele caminho.O território dos gadarenos e dos girgaseus ficava ao leste do Mar da Galiléia,queformava a parte mais ao sul de Gaulanites O nome lhe foi dado em virtude das cidades principaisda .região. Uma delas, Gerasa, estava localizada à beira do lago. Aqui dois endemoninhados corremao encontro do Senhor. Mateus, sendo testemunha ocular, dá este número. Mas, só um destesenfermos foi tão excepcionalmente violento, que despertou a atenção de todos e, por isso, émencionado em outros relatos, Mc.1.23-27; Lc.4.31-37. Eles habitavam nas cavernas das rochascalcáreas da costa leste, que também eram usadas como sepulturas. É um quadro terrível: Os

75 ) Lutero, 13.1627.76 ) Lutero, 13.1628.

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maníacos desnudos, sujos e berrando ameaçadoramente, eles aterrorizavam a vizinhança. Eram,associados com as trevas e a morte e com as sepulturas e com a destruição, fortes demais, paraserem amarrados com cordas ou correntes. Estes formam, sob a permissão de Deus, um quadroapropriado do poder do diabo.Seu grito e confissão, V.29: E eis que gritaram: Que temos nós contigo, ó Filho de Deus! viesteaqui atormentar-nos antes de tempo? Jesus, que veio para destruir as obras do diabo, de redimir aspessoas de sua sinistra influência e do seu poder destruidor, 1.Jo.3.8, ordena, de pronto, aosespíritos maus que saíssem das pessoas, Lc.8.29. Os espíritos maus, porém, valendo-se da língua deum dos possessos, rogaram-lhe que não os atormentasse. Lembremos: O diabo sabe que o homemJesus é o Filho de Deus. Os espíritos maus reconhecem nele o futuro juiz. Eles temem o juízo finalcomo a sua condenação. Mas, já agora, o inferno lhes é um lugar de excruciante e incessantetortura. Mas, até o dia final, eles têm, especialmente durante os dias que precedem ao juízo final,até certo ponto, o poder e a autorização de destruir e torturar as criaturas de Deus. Contudo, mesmoassim, estão excluídos da bendita comunhão de Deus. No dia do juízo final, serão condenados aoabismo do inferno, e lá serão acorrentados para sempre com cadeias de trevas. Por isso, rogarampara não serem atormentados antes do tempo.A expulsão dos espíritos maus, V.30: Ora, andava pastando, não longe deles, uma grande manadade porcos. 31) Então os demônios lhe rogaram: Se nos expeles, manda-nos para a manada dosporcos. 32) Pois ide, ordenou-lhes Jesus. E eles, saindo, passaram para os porcos; e eis que toda amanada se precipitou, despenhadeiro abaixo, para dentro do mar, e nas águas pereceram. Nascercanias, a certa distância do lugar onde Jesus estava, mais ainda ao alcance da visão, estavagrande manada de porcos, que, pela lei do Antigo Testamento, eram animais impuros ao povojudeu. Esta era também uma região em que o elemento gentio predominava na população, fazendocom que o rigor da lei já não era mais tão reconhecido. Os espíritos maus, reconhecendo que seupoder sobre estas pessoas chegara ao fim, rogaram que lhes fosse permitido descarregar sua açãodemoníaca nos porcos, mas sempre com a intenção de destruí-los. Tendo recebido a permissão, suaentrada nos porcos tirou deles, até mesmo, o instinto natural da auto-preservação. Precipitando0sedo declive, foram afogados no mar. O diabo é, desde o começo, um assassino. Ele, quando Deus lheimpede a destruição dos seres humanos, mata animais mudos. Mas, sem a permissão de Deus, nadapode fazer. E, em certas ocasiões, esta permissão é dada, para executar alguma punição de Deus.

O resultado, V.33: Fugiram os porqueiros, e, chegando à cidade, contaram todas estas coisas, e oque acontecera aos endemoninhados. 34) Então a cidade toda saiu para encontrar-se com Jesus;e, vendo-o, lhe rogaram que se retirasse da terra deles. Os guardadores dos porcos fugiram. Odesastre que caiu sobre seus rebanhos encheu seus corações de terror supersticioso, e fê-los voltaràs pressas para a cidade. Segundo o que viram e segundo as conclusões que tiraram, enquantoestiveram na colina, o seu relato foi fantasioso e muito distorcido. Todos os que ouviram o relato eeram livres, saíram, provavelmente, para tomar vingança de qualquer um que fosso julgado culpadoda perda dos seus porcos. Mas, aprenderam a verdade. Foram tomados de temor pela presençadaquele, cujo poder sobre os demônios fora plenamente demonstrado. E a sua atitude vingativa deulugar a um rogo respeitos. Eles lhe rogaram que saísse do litoral onde moravam e deixasse sua terá.Temiam, que pudessem ser compelidos a suportar dano ainda maior. A perda dos porcos foi-lhesuma calamidade. Sentiram-se inconfortáveis na presença do Santo de Deus. Preferiram mais seusporcos e seu viver pecaminoso, do que da Sua presença pura. Desprezaram esta oportunidade dagraça.Resumo: Cristo cura um leproso, restaura o servo enfermo do centurião cuja fé o maravilhou,realiza um grande numero de milagres, dá uma lição de discipulado, acalma a tempestade, eexpulsa os demônios de dois gadarenos endemoninhados.

O “Filho do Homem”

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Esta expressão, que ocorre oitenta e quatro vezes no Novo Testamento, já se tornou uma pedra detoque, ou um “shiboleth”, pelo qual pode ser caracterizada a atitude dum teólogo em relação àpessoa e à obra de Cristo. Os muitos comentários e livros sobre a pessoa de Jesus refletem, demodo mais marcante, a fé pessoal dos escritores.Os críticos, na maioria dos casos, tem chegado ao ponto em que negam qualquer significadoespecial nesta frase peculiar. O “Filho do homem”, na opinião deles, simplesmente, significa ohomem ideal, o homem original, o ser humano natural, o homem em quem se realiza a história e odestino humano inteiro. É usado, conforme muitos, somente para expressar a fraqueza e humildadede Cristo, ou para designar o segundo ou divino homem, o segundo Adão conforme Paulo, ohomem ideal que vem do alto. Dizem, que sua definição é simplesmente homem, o homem semprivilégios, não sendo nenhuma exceção quanto à regra da existência humana ordinária de lhes sermelhor, mas, antes, sendo uma exceção na maneira de ser pior.77

Há outros críticos que se empenham mais seriamente para dar à expressão o seu valor e força totais,tal como encontrada nos evangelhos. “Jesus, provavelmente, escolheu esta designação do Messiasdo Antigo Testamento, Dn.7.13, porque, diferente de outros, não havia sido pervertidagrosseiramente para alimentar a expectação carnal dos judeus. Nosso Senhor, agindo assim,enfrentou as esperanças mórbidas e fantásticas de seus contemporâneos – e entre estes,aparentemente, também o escriba do texto – colocando ênfase em sua genuína e verdadeirahumanidade de Messias. Seu alvo sublime era que o povo o visse como um verdadeiro homem – nahumildade de sua aparência exterior – mas, ao mesmo tempo, também em seu elevado caráter,como o Filho do homem, isto é, como o homem ideal, o segundo Adão que veio do céu (1.Co.15)”78.Estas explanações estão, porém, inteiramente alheias ao assunto ou não vão o suficientemente afundo. Elas não cobrem todo o significado da expressão. Um mero homem ideal, com certeza, não éo Senhor do sábado, Mt.12.8. Se alguém um assume o direito de mudar as instituições do AntigoTestamento, agindo segundo a sua própria vontade, fazendo-se senhor de seu próprio direito, esseprecisa ter autoridade divina. Um mero homem ideal não pode usurpar o direito que é exclusivo deDeus que é o de perdoar pecados na terra, Mt.9.6. Perdoar pecados é prerrogativa de Deus. SeCristo assume este poder, ele, como ‘o Filho do homem’ se está arrogando um direito divino. Ummero homem ideal não podia falar dos últimos dias do mundo como os dias do Filho do homem,Lc. 17.22-30. Mas, do Filho do homem é afirmado, que virá sobre as nuvens dos céus para realizaro juízo, com toda a majestade do Pai e acompanhado de todos os santos anjos. E uma comparaçãocuidadosa das outras passagens, que contém a expressão, somente servirá para fortalecê-la, e quenisso está implícito muito mais do que mera humanidade ou do que um mero homem ideal.Jesus, num sentido extraordinário e singular, é “o Filho do homem. Com este nome ele pretendedistinguir, claramente, duas formas de existência: Sua existência como o eterno Verbo de Deus,anterior ao início do tempo, e sua forma de existência no tempo, como Jesus de Nazaré. Ele, comeste título, confessa e quer anunciar o fato que ele, o eterno Filho de Deus, se tornou carne,participou da verdadeira humanidade, com o objetivo de redimir o gênero humano. É umadescrição de sua pessoa maravilhosa e misteriosa, conforme sua natureza divina e humana.” “Não éduma mera humanidade que ele se chama o Filho do homem, como se o nome Filho de Deus nãolhe pertencesse em seu presente estado de humilhação, e que ele adotaria este título somente porocasião de sua exaltação. Isto jamais. Mas ele deseja conduzir ao mistério de sua pessoa, que oFilho do homem em sua humilhação é, ao mesmo tempo, o verdadeiro Filho de Deus, tal comoPedro, anteriormente, confessou dele, Mt.16.13,18... Tal pessoa também era exigida para ser oMediador entre Deus e as pessoas. Era necessário, que ele fosse um homem para sofrer e (eranecessário) que fosse Deus, para dar uma valor eterno aos seus sofrimentos. Ser um homem para setornar um substituto das pessoas e em lugar delas, e Deus para que pudesse reconciliar e satisfazer

77 ) Expositor’s Greek Testament, 1.142.78 ) Schaff, Commentary, Matthew, 160.

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a justiça ultrajada de Deus por meio duma satisfação proporcional. Deus e homem unidos em umasó pessoa, para unir Deus e as pessoas em um só espírito”79.

Capítulo 9

A Cura dum Homem Paralítico, Mt. 9.1-8.

V.1: Entrando Jesus num barco, passou para a outra banda, e foi para a sua própria cidade. Jesusconcordou com a solicitação dos gerasenos de sair da sua vizinhança. Entrando no mesmo barco emque viera com seus discípulos, voltou ao lado oeste do Mar de Genezaré, para a cidade deCafarnaum, onde havia instalado sua base durante seu ministério na Galiléia. Mas não chegouantes, que o fato se tornou conhecido e que multidões se congregassem na casa e na rua. Foi um diacheio de graça para toda a cidade, pois, Jesus estava ensinando e seu se manifestava na cura dosdoentes, Lc.5.11. Houve um incidente que chamou a atenção, V.2: E eis que lhe trouxeram umparalítico deitado num leito. Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao paralítico: Tem bom ânimo, filho;estão perdoados os teus pecados. Mateus não diz expressamente que o procedimento de trazer estehomem paralítico foi longo. Isto os outros evangelistas contam em detalhes, que quatro homenscarregaram este fardo, que lhes foi impossível abrir caminho por entre as multidões, que escalaramo telhado plano, e que removeram as telhas. Foi assim, que, finalmente, o paralítico, preso à cama edesamparado como estava, foi colocado no espaço aberto perante Jesus. Um lembrete: O Senhor,acima de tudo, olha pela fé. No caso presente, Jesus, em virtude de sua onisciência, encontrou fénos homens, tanto no paralítico como nos seus amigos. O resultado de sua busca fê-lo tão satisfeito,que dirigiu palavras de conforto ao homem doente. A intuição do Salvador leu nos seus olhos anecessidade de algo que envolvia mais do que mera recuperação física. O enfermo ansiava peloconsolo de sua alma. A melancolia, provavelmente por causa duma má consciência, precisava serremovida. Nas palavras de Cristo há uma ternura infinita: Coragem; ânimo, filho!Não há o menormotivo para temer que o Pai celeste e eu, que o represento, o condenemos. Jesus trata, primeiro, dadoença da alma, anunciando, com absoluta autoridade, o fato do perdão dos pecados, que ele aplicaà pessoa em particular. Tal, como o pecado é o maior mal sobre a terra e arrasta após si todos osdemais males que sobrevêm à carne, assim, a absolvição ou o perdão é o maior bem que Deus podedar à pessoa, Sl.103,3. “Esta é a voz do evangelho: Tem bom ânimo, vive, sê preservado. Toda aretórica do evangelho está unida a esta palavra: Filho, tem bom ânimo. Pois, isto aponta que ocoração precisa ser instigado com todos os argumentos e exemplos que glorificam a misericórdia deDeus contra todos os argumentos e exemplos que falam da ira de Deus... Este é o reino de Cristo.Quem o possui, tem-no realmente. Nele não existe obra alguma, mas o reconhecimento de toda anossa desgraça e a aceitação de todos os dons de Deus. Nele não há nada mais do que consolo. Neleecoam estas palavras, e sem cessar: Alegra-te; longe com os teus temores de consciência por causados teus pecados, e que não fizeste muito bem; eu a tudo perdoarei. Nele, por isso, não há mérito,mas, tão só, dom real. Isto é o evangelho. Ele demanda fé, por meio dela tu recebes e reténs estaspalavras, para que o evangelho não seja proclamado em vão. Pois, não temos outro desafio com oqual ele deseja que nos vangloriemos, do que o Senhor a nos dizer: Tem bom ânimo, sê alegre, poiseu perdôo os pecados, orgulha-te com o meu perdão, faze dele uma exibição.Então tens motivospara te orgulhar e engrandecer, e não é por causa de tuas obras” 80.

A condenação aos escribas, V.3) Mas alguns escribas diziam consigo: Este blasfema. 4) Jesus,porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse: Por que cogitais o mal nos vossos corações? 5)Pois qual é mais fácil, dizer: Estão perdoados os teus pecados, ou dizer: Levanta-te, e anda?

79 ) Lehre und Wehre, 1907, 360-369. Cf. Meyer, Jesus Muttersprache, 140-149. Lietzmann, DerMenschensohn.80 ) Lutero, 12.1920; 11.1716.

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Como era costume, os inimigos de Cristo tinham seus representantes entre o povo que circundava aJesus, para reagir, se possível, `influência do seu ensino e dos seus milagres. Não foi umainterrupção brusca que eles aqui intentaram, mas sua objeção, era tão manifesta como se a tivessemberrado a toda voz. Trazem a acusação de blasfêmia e uma pretensão ímpia dos direitos e poderesdivinos, proferida contra o Senhor. Desafiam sua prerrogativa, quando expressa corretamente queo ofício de Deus era perdoar pecados, Lc.5.21. Jesus leu os pensamentos deles, tal como leu asituação mental do paralítico. Jesus, pelo exame e conhecimento de seus corações, repreendeu amaldade deles, e a isto ele junta a expressa repreensão: Para que? com que finalidade? – quepretendeis alcançar com os pensamentos maus em vossos corações? Pergunta-os: Sendo ambosigualmente fáceis de dizer, qual deles exige mais poder e autoridade? Qual deles atesta mais forte aautoridade divina? Seria a cura do corpo ou a cura da alma?

O verdadeiro argumento, V.6) Ora, para que saibais que o Filho do homem tem sobre a terraautoridade para perdoar pecados – disse então ao paralítico: Levanta-te, toma o teu leito, e vaipara tua casa. 7) E, levantando-se, partiu para sua casa. Longe de admitir da sua parte qualquerpresunção, o que teria sido uma blasfêmia, ele, o Filho do homem, assume, propositalmente,também uma prerrogativa divina na cura do corpo. A maior inclui a menor: O direito e a autoridadede perdoar pecados inclui o poder e a habilidade de sarar meras doenças corporais. Tivesse elesido culpado de blasfêmia, não teria tido a autoridade de curar o homem doente por meio dumaordem com autoridade. Ele, sendo verdadeira pessoa humana, ainda assim, não é mero homem,mas, com uma palavra do seu onipotente poder, dá ordens à doença e restaura o enfermo à saúdeplena. O homem, que havia estado preso à sua cama de lona e estava em total desamparo, agoracolocou nos ombros a mesma cama e sai caminhando na plenitude de vitalidade perfeita.

O efeito sobre o povo, V.8) Vendo isto, as multidões, possuídas de temor, glorificaram a Deus, quedera tal autoridade aos homens. As pessoas não estavam preocupadas com os escrúpulos dosescribas e fariseus. O milagre, quanto à preocupação deles, resolveu o problema. Encheram-se detemor, de assombro e de reverência. Aparecera um Médico em seu meio, assumindo e exercendodireitos divinos, manifestando autoridade, tanto sobre a alma, como sobre o corpo! Também podeser que o espírito de Cristo pulsasse em muitos corações e lutasse com a incredulidade dos escribas.Mas, ao final, eles glorificaram, louvaram, a Deus por ter dado tal poder aos homens. Isto é, nãosomente a este um homem que era Jesus, mas, por meio dele, aos que o seguiam. “Este poder, queaté agora havia sido entronada no Santíssimo, como privilégio de Javé, agora estava encarnadadiante deles. Daí a expressão jubilosa deles: Ele concedeu este poder ao Filho do homem, e, porisso, aos próprios homens”81. Deus, por Cristo, concedeu às pessoas o poder de perdoar pecados. Éo poder peculiar da Igreja, pelo qual os pecados dos pecadores penitentes lhes são remitidos.“Todas as pessoas que são cristãs e são batizadas, têm este poder. Pois, com isto louvam a Cristo ecarregam em sua boca a palavra do perdão, para que, quando quiserem e quantas vezes fornecessário, tenham o poder para dizer: Veja, (homem), ?Deus te oferece sua graça; presenteia-tetodos os teus pecados; tem bom ânimo, teus pecados estão perdoados. Crê somente; pois, isto éabsolutamente certo. Ou o diga em outras palavras. Esta voz não deverá jamais se calar entre oscristãos, até o dia final: Teus pecados te são perdoados; por isso, alegra-te muito e consola-te!...Aprende, pois, que podes falar e ensinar a outros a respeito do perdão dos pecados, que Deus dirigea nós no Batismo, na absolvição, no púlpito e no sacramento, através do servo da igreja e por meiode outros cristãos. A estes devemos crer, e achamos perdão dos pecados” 82.

A Vocação de Mateus e a Recepção que Ofereceu, Mt.9.9-11.

81 ) Schaff, Commentary, Matthew, 167.82 ) Lutero, 11.1722; 13.2442.

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V.9) Partindo Jesus dali, viu um homem, chamado Mateus, sentado na coletoria, e disse-lhe:Segue-me! Ele se levantou e o seguiu.Tendo Cristo realizada a cura do homem paralítico, deixou acasa para descer até o mar, Mc.2.13. Pelo caminho, passou pela alfândega de Cafarnaum, queestava aos cuidados de Levi, filho de Alfeu, que doravante foi chamado Mateus que, cheio de brios,registra o fato no relato do seu chamamento. Esta coletoria de impostos era lugar de muito trabalho,visto que a estrada das caravanas entre o Egito e Damasco passava pela cidade. Mateus, porém,diante do convite característico de Cristo, prontamente acede. Talvez tenha-o conhecido antes,visto ser difícil que não o tenha ouvido antes. O chamado foi mais do que mero convite. Foi oarrolamento direto do publicano entre aqueles que estavam mais próximos do Senhor.

A recepção que o publicano ofereceu, V.10) E sucedeu que, estando ele em casa, à mesa, muitospublicanos e pecadores vieram e tomaram lugares com Jesus e seus discípulos. Mateus, poriniciativa própria ou por sugestão de Jesus, organizou e ofereceu uma recepção, Mc.2.15; Lc.5.29.Mas, o fato significativo é: Publicanos e pecadores foram os hóspedes ao lado de Cristo e de seusdiscípulos. Segundo o costume oriental, eles estavam reclinados sobre sofás especiais providos comtravesseiros. Estavam presente vintenas, possivelmente centenas, todos eles dos humildes esocialmente excluídos da cidade, ou seja, aqueles que os fariseus haviam excomungado dassinagogas. Estes últimos se ofenderam, V.11) Ora, vendo isto os fariseus, perguntavam aosdiscípulos: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Eles consideraram todaesta recepção como algo escandaloso. Faltava-lhes, porém, a coragem de se dirigir diretamente aCristo sobre o assunto, esperando, ao mesmo tempo, conseguir afastar os discípulos do Mestre.Jesus, o amigo dos pecadores, é pedra de tropeço a todos os corações presunçosos e vaidosos.Acham o comportamento do Senhor, como cheirando à sarjeta, e criticam severamente aos queseguem suas instruções na busca de pecadores.

A defesa de Cristo, V.12) Mas Jesus, ouvindo, disse: Os sãos não precisam de médico, e, sim, osdoentes. 13) Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não holocaustos; poisnão vim chamar justos, e, sim, pecadores ( ao arrependimento). Jesus ouviu as murmurações echama dos acusadores à conta. Para explanar sua conduta, cita um provérbio, que, ao mesmotempo, contém a posição deles. Um médico, é normal, tem seu campo de ação entre os doentes, ouentre aqueles que sentem a necessidade de seus serviços. Os sadios, ou os que se enganam com aidéia de que esteja em perfeita saúde, resistem à sugestão dum médico para eles.Cristo é overdadeiro médico das almas. Aquele que está espiritualmente bem, ou seja, que é justo e perfeito,e sem pecado, não sente a necessidade do Salvador dos pecadores. Ainda que não haja pessoa justasobre a terra, que, com justiça, possa pertencer à classe dos justos, a grande maioria alegaperfeição, uma justiça perfeita, para si. Não desejam nada com Jesus, o Redentor. Somente osmansos e humildes de coração, que sentem seu pecado e sua maldição, vêm ao Amigo dospecadores e da sua mão aceitam a cura. Jesus recorda aos fariseus, os quais, provavelmente,entenderam a dedução buscada na palavra do profeta Os.6.6. Misericórdia vem antes de sacrifícios.Qualquer culto dos lábios e sacrifícios das mãos, ou seja, qualquer culto exterior e toda e qualquerortodoxia morta, é uma abominação diante do Senhor. Agrada-lhe um coração misericordioso, quemanifesta sua compaixão em obras de misericórdia. Mas os fariseus de todos os tempos nuncasentiram a necessidade da misericórdia de Deus, e, por isso, nunca sentiram sua sublime doçura.Eles, por esta mesma razão, não sentem misericórdia para com seus semelhantes. Todos quantossão chamados pelo nome de Jesus, precisam estar plenos de entusiasmo pela missão de Jesus.

Uma questão sobre o jejum, V.14) Vieram depois os discípulos de João, e lhe perguntaram: Porque jejuamos nós e os fariseus (muitas vezes), e teus discípulos não jejuam? 15) Respondeu-lhesJesus: Podem acaso estar tristes os convidados para o casamento, enquanto o noivo está comeles? Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo, e nesses dias hão de jejuar. Calados emum ponto, os fariseus atacam noutro. Agora, apoiados por alguns discípulos de João Batista. Todoseles rigorosos em seu ascetismo, guardando, com penosa regularidade, todos os jejuns prescritos,

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bem como muitos que eles próprios haviam escolhido. Sentiam-se, mesmo que se tinham superioresa estes pescadores galileus, ofendidos com a ausência desta tendência legalista no círculo dediscípulos ao redor de Jesus, e pediram por uma explicação. Jesus os esclarece: Os amigos donoivo, que pertencem ao círculo mais íntimo, aos que pertencem a família, certamente, não podiampensar em jejum e lamentação, que é permitir-se todas as espécies de atitudes lamentosas,enquanto o noivo está ainda com eles. Mas, quando o noivo lhes é tomado, quando Jesus cumpriráseu destino em sua paixão e morte, então haverá uma grande diferença. Então, quando aconteceremaqueles dias, eles lamentarão, Jo.16.20a. Enquanto isto, toda sua vida na companhia de Cristo foiqual contínua festa nupcial, havendo somente alegria e felicidade.

Outros pronunciamentos em parábola, V.16: Ninguém põe remendo de pano novo em vestidovelho; porque o remendo tira parte do vestido, e fica maior a rotura. 17) Nem se põe vinho novoem odres velhos; do contrário, rompem-se os odres, derrama-se o vinho, e os odres se perdem.Mas, põe-se vinho novo em odres novos, e ambos se conservam. Tal como Cristo havia enfatizado,em sua defesa dos discípulos, o uso correto das coisas, aqui ele insiste na correta conveniência emreligião, em especial, nas formas externas. Costurar um pedaço de pano novo e forte, nem umpouquinho gasto, sobre uma veste velha, via de regra, resultará num desastre, visto que o pedaço depano, sendo mais resistente, rasgará nas costuras, fazendo com que o rasgo se torne maior. Apiedade dos fariseus, ou seja a religião das obras que eles alardeavam perante os olhos do povo,dum lado, e a doutrina de Jesus, que é a pregação da graça livre de Deus por meio do seu sangue,doutro lado, nunca concordarão. Se alguém insiste no trajar sua velha veste da justiça própria e dasobras, e então acredita que seja possível encobrir com o evangelho algum pecado que se mostraespecialmente claro, esse só vai encontrar um conforto miserável. Seu coração ainda está envoltonas velhas vestes, e seu subterfúgio miserável lhe fará a incongruência parecer ainda maisflagrante. Isto é tão imbecil, como é guardar vinho novo, o mosto de uva ainda em seu primeiroestágio de fermentação, em odres velho que já perderam sua elasticidade. O resultado é desastroso.Os odres se rompem, e o vinho se derrama. Mas odres novos e vinho novo se prestam perfeitamenteum para o outro. O doce evangelho do perdão dos pecados pela misericórdia de Deus não se ajustaa corações carnais e farisaicos. Quando o evangelho é pregado aos que só acreditam em obras, suasriquezas são desperdiçadas. Tais corações não o podem entender ou guardar. Eles só se ofendem napregação do evangelho e, apesar do evangelho, estão perdidos. Somente os corações meigos ehumildes e crentes aceitarão o evangelho, tal como se afirma, e serão guardados pelo poder deDeus para a salvação.

A Filha de Jairo, Mt.9.18-26.

V.18) Enquanto estas coisas lhes dizia, eis que um chefe, aproximando-se, o adorou, e disse:Minha filha faleceu agora mesmo; mas vem, impõe a tua mão sobre ela, e viverá. 19_ E Jesus,levantando-se, o seguia, e também os seus discípulos. Jesus ainda estava em conversa séria com osfariseus e os discípulos de João, quando foi interrompido. Um dos líderes, um dos anciãos, dasinagoga de Cafarnaum, sendo pessoa de alguma influência, entrando, prostrou-se em atitude desúplica perante o Senhor. Mateus, para ser breve, menciona o clamor do líder, depois que recebeu anotícia da morte de sua filha, Mc.5.35. Sua fé na habilidade de Cristo para curar, e mesmo parafazer retornar da morte, é total. Sim, ela já está morta, mas o toque da mão do grande médicopoderá restaurá-la para a vida. Jesus, sempre cheio de amável compaixão, por amor duma almasempre pronto a ir para junto ao leito dos enfermos, foi com o confuso pai.

Um interlúdio, V.20) E eis que uma mulher, que durante doze anos vinha padecendo de umahemorragia, veio por trás dele e lhe tocou na orla da veste; 21) porque dizia consigo mesma: Seeu apenas lhe tocar a veste, ficarei curada. 22) E Jesus, voltando-se, e vendo-a, disse: Tem bomânimo, filha, a tua fé te salvou. E desde aquele instante a mulher ficou sã. É outro aspirante porajuda. Uma mulher que sofria dum fluxo de sangue, uma doença desagradável e enfraquecedora,

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que, segundo as leis levíticas, a tornara impura, Lv.15, que já gastara todos os seus bens na buscainfrutífera de saúde. Ela veio por detrás dele, motivado, em parte, pela vergonha de ser uma impurae pelo sentimento enfermo que sua condição lhe causava, e, em parte, por humildade.Ela desejavatocar só na orla do seu manto, somente o exterior das quatro borlas de enfeite, para lembrar osmandamentos, que Jesus usava legalmente, Nm.15.38. Baseada em sua fé simples, tinha a firmeconvicção no poder onipotente dele, de que um mero toque bastaria para sará-la. Em sua ação nãohavia malícia ou superstição. Somente uma fé viva e forte podia ter tal certeza, que um mero toquena borda da veste iria restaurá-la à saúde. Ao mesmo tempo, esperava permanecer oculta na densamultidão que se acotovelava ao redor do Senhor, Mc.5.30-32. Mas Jesus sentiu o toque, tão bemcomo soube da sua presença e desejo sincero. Voltou-se, e vendo-a, acrescentou ao milagre queacabara de acontecer a confortadora certeza. Todo e qualquer temor precisa desaparecer diante desuas palavras amáveis, diante do seu tom de voz meigo, a soar em cadência ritmada. Ela, pela fé,entrara no relacionamento íntimo e honrado de ser sua filha. E esta mesma fé recebeu dele ocumprimento do seu desejo. Ela já é uma mulher sadia. Jesus destaca a fé desta mulher diante dopovo, da mesma forma como achou necessário, pelo mesmo momento, a encorajar o chefe dasinagoga com as palavras: “Não temas, crê somente”, Mc.5.26. “Desta forma vês o que é a fé ecomo ela age, quando se apega à pessoa de Cristo. Este é um coração que o considera seu Senhor eSalvador, sendo o Filho de Deus, pelo qual Deus se revela e nos prometeu sua graça, que para ele epor meio dele deseja ouvir e ajudar-nos. Este é o culto verdadeiramente espiritual e eterno, quandoo coração participa de Cristo e o invoca, mesmo que não diga uma só palavra, e lhe dá a honradevida. Crê que é seu verdadeiro Salvador que sabe e ouve, inclusive, os desejos secretos docoração. Ele lhe prova seu socorro e poder, mesmo que, momentaneamente e de modo exterior, nãopermita que seja sentido e tratado como nós julgamos”83.

Na casa de Jairo, V.23) Tendo Jesus chegado à casa do chefe, e vendo os tocadores da flauta, e opovo em alvoroço, disse: 24) Retirai-vos, porque não está morta a menina, mas dorme. E riam-sedele. 25) Mas, afastando o povo, entrou Jesus, tomou a menina pela mão, e ela se levantou. 26) Ea fama deste acontecimento correu por toda aquela terra. Jesus, certamente, despendendo algumtempo com a mulher, se atrasou no caminho para a casa do chefe. Mas agora, estando diante dacasa e vendo os tocadores de flauta e a multidão barulhenta da carpideiras que já se haviamreunido, mais com o desejo de participar no alimento e nas bebidas que eram oferecidos nestasocasiões, e, ouvindo a forte lamento da confusa multidão, ordenou-lhes com firmeza: Retirai-vos;ide embora; aqui não é vosso lugar. A menina não está morta, ma só dorme. Para Cristo ela nãoestava sob o poder final da morte. Para ele seu ser sem vida mostrava só uma menina que dorme. Amorte de todos os fiéis é mero e breve sono no leito da sepultura, do qual haverá um gloriosoacordar quando Deus reunirá alma e corpo. “Assim também aprendemos a encarar a nossa própriamorte de modo correto, para que não nos apavoremos diante dela, como o faz a descrença. EmCristo ela, na verdade, não é uma morte mas um sono breve, lindo e doce. Nele, libertos da misériaatual, do pecado e da verdadeira preocupação e temor da morte, repousamos, seguros e semqualquer preocupação, por um breve momento, como num leito, até que venha o tempo quando elenos acordará e, com todos os seus queridos filhos, nos chamará à glória e alegria eterna”84.

O rir debochado, a chacota zombeteira da multidão não desanimaram o Senhor. Com a casa limpada presença detestável destas pessoas, ele foi ao quarto da morta, levando consigo os pais e os trêsdiscípulos prediletos, Pedro, Tiago e João. Segurou a mão da menina, e ordenou-lhe que selevantasse. Neste momento um corpo que fora reclamado como posse pela morte, foi restituído àvida em todas as suas manifestações. A menina se pôde erguer, pôde caminhar, comer, beber, erealizar todos os atos comuns a uma pessoa viva. Cristo, como a fonte da vida, pode devolver àvida, até mesmo, os que já foram subjugados ao cruel ceifeiro. Ele, com sua voz humana, levantou

83 ) Lutero, 11.1857.84 ) Lutero, 11.1865.

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a menina do sono da morte. A natureza humana de Cristo, até no estado da humilhação, é a origeme fonte da vida. Contra a vontade de Jesus, que não quis notoriedade para si, mas quis que os paisda menina, em secreta gratidão, contemplassem o milagre, a fama, ou seja, o relato destaressurreição, se espalhou por toda a região. Era, até então, coisa jamais ouvida, que uma pessoamorta fosse erguida e vivesse novamente. Jesus temia manifestações entusiastas.

Outros Milagres Daquele Dia, Mt.9.27-34.

V.27) Partindo Jesus dali, seguiram-no dois cegos, clamando: Tem compaixão de nós, Filho deDavi! Já não havia descanso para o Senhor, visto que, muitos conheciam seu poder sobre asdoenças. Esperando-o junto à porta, estavam dois desafortunados, sofrendo duma aflição muitocomum no leste, em especial, no Egito, na Palestina e na Arábia. Uma enfermidade os cegara. Osrelatos que haviam ouvido sobre o poder curador de Jesus e as palavras que tiveram ocasião daboca do próprio Senhor, deram-lhes a convicção de que este homem devia ser o o Messias. Pois,enquanto o seguiam, gritavam alto, chamando-o o Filho de Davi, e suplicaram ajuda. Lembremos:Naquele tempo a opinião, geralmente tida na Judéia, era que o Messias seria o Filho de Davi,Jo.7.42. Jesus, publicamente, era conhecido como vindo desta família, Mt.12.23; 15.22; 22.30-31;21.9,15; 22.41-45. O fato que estes cegos, de modo tão público, o invocaram, redundou numaprofissão destacada da messianidade de Jesus. Por isso, também o grito suplicante: Temmisericórdia de nós! Não houve nenhum resmungar contra o destino, nenhuma exigência por umjusto alívio dum castigo não merecido. Só pediram misericórdia.

A cura e o seu efeito, V.28: Tendo ele entrado em casa, aproximaram-se os cegos, e Jesus lhesperguntou: Credes que eu posso fazer isto? Responderam-lhe: Sim, Senhor. 29) Então lhes tocouos olhos, dizendo: Faça-se vos conforme a vossa fé. 30) E abriram-se-lhes os olhos. Jesus, porém,os advertiu severamente, dizendo: Acautelai-vos de que ninguém o saiba. 31) Saindo eles, porém,divulgaram-lhe a fama por toda aquela terra. Na estrada, Jesus não deu atenção aos brados doshomens. Isto, talvez, porque temia despertar falsas expectativas ou para testar-lhes a fé. Eles,contudo, foram persistentes em sua importunação, que, como sempre acontecia, comoveu a Jesus.Quando chegou em casa ou alojamento, eles foram direto a ele. O Senhor só tem uma pergunta alhes fazer, a saber, se crêem em seu poder de ajuda. Eles o afirmaram com um jubiloso “Sim,Senhor”. Assim, os dois confessaram sua fé no poder de Jesus e lhe deram a devida honra comosendo o Senhor do céu. A seguir, ele, sem qualquer hesitação, e convencido pela força de suasúplica na fé, tocou seus olhos e os abriu e lhes deu a visão. Tal, como fora sua fé, foi a suarecompensa. A fé é a mão que apega o que Deus oferece. Ela é o órgão espiritual que apropria, ou oelo de ligação entre o nosso vazio e a plenitude de Deus. É a fé que abre o coroação de Jesus erompe os portais do próprio céu. Mas esta fé sempre é um desenvolvimento da fé que nos redime eque, firmemente, confia no sangue e nos méritos de Jesus o Salvador. O Senhor, ao despedir oshomens que desta forma haviam recebido sua generosidade, ordena-lhes com muita seriedade oumuito enfaticamente lhes cobra, sob pena de se magoar com eles, que não espalhem a notícia, paraque ninguém fique sabendo da cura. O perigo dum movimento carnal, pelo qual o povo da Galiléiapoderia ser levado a rebelar-se contra os romanos, tornou necessário que lhes impusesse silêncio.Eles, porém, crendo, provavelmente, que era por humildade que o Senhor fora motivado a fazer talexigência, e cheios de júbilo pela ajuda experimentada, se empenharam no máximo para espalharsua feliz notícia em toda sua terra, bem para além dos limites de Cafarnaum.

O endemoninhado mudo, V.32) Ao retirarem-se eles, foi-lhe trazido um mudo endemoninhado. 33)E, expelido o demônio, falou o mudo; e as multidões se admiravam, dizendo: Jamais se viu talcoisa em Israel! 34) Mas os fariseus murmuravam: Pelo maioral dos demônios é que expele osdemônios. Mal apenas os homens do milagre anterior haviam deixado a sala, ou mais exato,enquanto estes deixavam a casa, e já é trazido um outro sofredor ao grande médico. Neste caso,

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espíritos maus haviam tirado a faculdade da fala. Não aparecia algum defeito físico, mas o poder dodiabo prendia a língua e tirou do homem a capacidade de falar. Por isso, só quando o espírito maufoi expelido, o homem, que estivera mudo, se podia expressar em frases conexas. As multidõespresentes, mais uma vez, se encheram de admiração, que se externou nas palavras: Algo assimjamais foi visto em Israel. Nunca se ouvira que um homem tivesse um poder tão ilimitado, até sobreos demônios. Do mesmo modo, a vinda da final redenção, nunca antes, fora compreendida tãoplenamente. A revelação messiânica entrava gradativamente na consciência do povo. Os fariseustentaram enfraquecer a impressão do milagre, por meio duma teoria que haviam elaborado: Eleexpulsa demônios em e por meio do principal dos demônios. Insinuam que há íntima relação ecomunhão entre Cristo e os poderes do mal, que ele está coligado a Satanás e, por isso, pode, a seubem querer, dar-lhes ordens. Cristo, no caso presente, propositalmente ignorou a observação, aindaque, facilmente, pudesse tê-los calado, Mt.12.24-28.

A Continuação do Ministério de Cristo de Ensino e Cura, Mt.9.35-38.

Um ministério do evangelho, V.35) E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nassinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades. É umresumo da obra profética de Cristo, sendo semelhante ao capítulo 4.23-25. Jesus, repetidamente esem se cansar, viaja pelas regiões da Galiléia. O povo da terra tinha a oportunidade plena de, nãosomente conhecer a verdade, mas de nela se aprofundar. Não só visitou todas as suas cidades, mastambém as vilas. Ensinou o povo, preparando-o para a aceitação da mensagem que lhe trazia,pregando as verdadeiras novas do evangelho, e comprovando seu caráter divino por meio dosmilagres de cura que realizava. Ele anunciava o evangelho do reino. Não dum reino deste mundo,nem um principado temporal ou uma reforma social, mas a comunhão dos fiéis com ele, sendo elesua cabeça. “Isto significa estar no reino do céu, se sou um membro vivo na cristandade, e não sóouço o evangelho mas o creio” 85.

A compaixão de Cristo, V.36) Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavamaflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor. 37) E então se dirigiu a seus discípulos: Aseara na verdade é grande, mas os trabalhadores são poucos. 38) Rogai, pois, ao Senhor da searaque mande trabalhadores para a sua seara. O ministério de Cristo colocou-o no contacto maisíntimo com o povo e deu-lhe a compreensão mais exata da sua condição moral e religiosa. Suamente lhe sugeriu dois quadros: Um rebanho de ovelhas abandonado no deserto, e uma colheita ase perder por falta de ceifeiros. O povo que encontrou estava fraco, estressado, aflito, abatido,desde a muito exausto, levado sem rumo, completamente esgotado e disperso. Não tinha pastoresfiéis. Os fariseus e escribas, com suas esfolações legalistas, irritavam e molestavam suas almas,dando-lhes milhares de preceitos que determinavam os menores detalhes de sua vida, mas, jamais,lhes ensinaram onde conseguir a força para tanto, nem lhe deram o conforto do evangelho. Amaioria do povo estava na mais triste desgraça espiritual. Um espetáculo de dar pena! Istoacontece, para que sejam movidos à ação. A colheita de Deus é sempre grande, desde que eledeseja que todas as pessoas sejam salvas. Quando as almas se tornaram cansadas e oprimidas porcausa da palha das doutrinas e tradições humanas, tornar-se mais prontas para sentir e compreendersua necessidade do evangelho de Cristo, como acontecia com muitos dos judeus. Os trabalhadoressão poucos, ou seja, são aqueles que estão cheios de solidariedade com os ensinos do evangelho,aqueles que estão dispostos a trabalhar por Cristo. Naquele tempo, só o Senhor e, aqui e ali, algumisraelita verdadeiro, trabalhavam para o reino. É preciso algo da própria compaixão de Cristo, algodaquela comiseração divina que moveu o coração de Cristo. É necessário algo daquela disposiçãode trabalhar e, se preciso, de sofrer, que caracterizou o ministério de Cristo. É, finalmente,

85 ) Lutero, 11.490.

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necessário o poder de oração que sobem com ímpeto ao céu e chegam ao Senhor da colheita, aogrande Senhor do reino, rogando que ele precisa intervir com poder, exortando os corações dostrabalhadores e fazendo-os voluntários, quando ele os envia para ceifa as almas para o seu reinoeterno.

Resumo: Jesus sara um paralítico, chama Mateus, janta com ele, e dá uma lição sobre a humildadee o jejum, ressuscita a filha de Jairo, sara a mulher que tinha hemorragia, dá a visão a dois cegos,expulsa um demônio mudo, e extrai uma lição sobre o seu ministério.

O Governo Romano e os Coletores de Imposto na Palestina.

Roma foi o quarto poder mundial que tomou posse da Palestina e dos judeus fez seus vassalos.Estes últimos, enquanto retinham as características de sua nacionalidade e colocavam, mais do quenunca dantes, grande ênfase nas coisas externas de sua religião, não foram, desde os tempos iniciaisdo cativeiro babilônico, uma nação independente, por um tempo mais longo. Até o reino dosmacabeus provou ser, tão somente, uma última e desesperada tentativa de retornar ao poder e glóriados tempos antigos. Rompida pela guerra civil entre os saduceus asmoneus e os fariseus, a naçãonão estava em condições de apresentar uma frente unida contra qualquer inimigo de fora. Ogeneral Pompeu, que, naquele tempo, conduzia uma campanha contra a Síria, com muita satisfaçãose utilizou da ocasião para intervir. O ódio dos partidos opostos tornou impossível qualqueracomodação de suas diferenças, e Pompeu tomou a cidade no dia 23 de sivã, um dia de jejum, doano 63. a.C. Mesmo que tenha entrado no templo e, até, visitado o Santo dos Santos, não interferiuno culto dos judeus, dando-se por satisfeito por tê-los tornado tributários do poder de Roma.

No começo da era cristã, o idumeu Herodes era rei da Judéia, o que incluía, praticamente, toda aterra que uma fora de Davi. Após sua morte, Arquelau se tornou governador da Iduméia, Judéia eSamaria, sob o título de etnarca. No ano 06 A.D., foi banido para Viena, na província da Gália, eseus domínios foram anexados à província romana da Síria. Foi assim que a parte meridional daPalestina foi dirigida por governadores, entre os quais estavam Pôncio Pilatos, Feliz e Festo Estesestavam sob a supervisão do legado romano da Síria. Fizeram Cesaréia sua capital, visitando,ocasionalmente, Jerusalém. Herodes Antipas tornou-se tetrarca da Galiléia e da Peréia. Filiperecebeu Batânia, Traconites, Auranites, Gaulanites, Panias e Ituréia, morando em Citópolis masdepois em Cesaréia Filipe. Com sua morte os territórios foram incluídos na província da Síria, edados a Agripa, no ano 37.

No caso da Judéia, os romanos seguiram a mesma política que haviam aplicado a outras provínciase territórios vassalos. Não interferiam na religião dum povo nem impediam quaisquer costumesreligiosos, enquanto não conflitavam com a glória de Roma. As leis de Roma, porém, fazia-secumprir, e guarnições romanas estavam estacionadas nas cidades principais, sendo que as deJerusalém ocupavam a torre Antônia, adjacente ao templo. A acomodação das diferenças religiosasestava nas mãos das autoridades eclesiásticas. Mas a punição de natureza civil e criminal estava nasmãos do governo, inclusive a sentença de morte pronunciada sobre alguém que incorrera numatransgressão religiosa. A presença de soldados romanos sempre foi muito ressentida pelos judeus,em especial, pelos fariseus, como sendo uma usurpação injustificável das antigas liberdades.

A maior dificuldade e o maior ponto de atrito entre judeus e o governo romano estava na questãodos tributos. Os membros da igreja judia, tanto na Palestina como na diáspora, Jo.7.35, já sentiam aobrigação de manter sua forma detalhada de culto, como sendo uma carga pesada.Ascontribuições voluntárias, as oblações e ofertas não juntavam a entrada necessária para manter otemplo e pagar os muitos sacerdotes e levitas. Assim fora necessário impor mais taxas sobre cada

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membro da igreja. No tempo de Jesus, o imposto anual do templo sobre todos os recenseados era demeio “shekel” ou um duplo “dracma”, o que equivale a uns 60 cents de dólar, Mt.17.24,27.

A coleta de impostos para o governo romano estava nas mãos da ordem dos cavaleiros. Osmembros desta ordem, por sua vez, vendiam este privilégio a homens proeminentes nas províncias.,os quais, depois de calcular um bom lucro, entregavam o assunto aos coletores de impostospropriamente ditos, que todos também estavam ansiosos para guardar uma moeda em seu própriaconta. O resultado disso foi um sistema de roubalheira, por assim, quase perfeito. Avaliaçãoinjusta, extorsão e chantagem estavam na ordem do dia, e o povo tinha que suportar a tudo. OTalmude distingue duas classes de publicanos, a saber o coletor de impostos em geral e o oficial dealfândega. Os primeiros coletavam os impostos geralmente devidos, que consistiam em taxas sobreas terras, de renda e per capita. Nisso ocorria a oportunidade para exações injustas, visto que oimposto sobre a terra subia a dez ou vinte por cento do seu valor. O imposto de renda era um porcento. Mas a crueldade do sistema se tornava, especialmente, clara no caso do oficial da alfândega.Lá havia taxa e obrigação sobre todas as importações e exportações, sobre tudo o que era compradoe vendido. Havia taxa de travessia, taxa de uso de estrada, obrigações portuárias, de cidade, etc. Ocaminho dum mercador era tudo menos agradável, quando precisava descarregar seus animais decarga, abrir cada fardo e pacote, e via violadas todas as cartas pessoas que levava.

No tempo de Jesus, um decreto de César mudara um pouco o sistema da coleta de impostos,fazendo com que as taxas fossem arrecadadas pelos publicanos da Judéia e pagas diretamente aogoverno. Mas esta mudança aliviou muito pouco o fardo do povo, e só tornou os publicanos aindamais impopulares, visto serem os encarregados diretos do poder gentio. Pouco importava se opublicano era grande, como foi Zaqueu, Lc.19.2, e empregava auxiliares, ou era pequeno epessoalmente cuidada do posto, Mt.9.9. Os publicanos, ainda que na sua membros da nação e igrejajudia, eram desqualificados para servirem de juizes e testemunhas, e, em geral, eram tratados comosocialmente excluídos, estando no mesmo nível dos pecadores manifestos.86.

Capítulo 10

O Comissionamento dos doze, Mt.10.1-15.

Trabalhadores para a ceifa, V.1) Tendo chamado os seus doze discípulos, deu-lhes Jesusautoridade sobre espíritos imundos para os expelir, e para curar toda sorte de doenças eenfermidades. Estava encerrada a primeira parte do ministério de Cristo na Galiléia. A mensagemdo evangelho fora espalhada, pregando ele pessoalmente em partes do norte da região. Mas, comoacabara de afirmar aos discípulos, as condições exigiam um trabalho mais amplo e intensivo.isso olevou a comissionar seus doze discípulos, aqueles doze que receberam este nome mais tarde, e cujarelação com o Senhor fora, desde o começo, muito especial. Possuía muitos outros discípulos ouadeptos. Sua palavra não havia voltado vazia. A maioria dos que haviam experimentado seu podercurador, havia aceito seu evangelho e se tornado seus verdadeiros discípulos. Deles, muitospermaneceram em casa, onde, sempre que possível, testemunhavam do Senhor. outros, e destes osdoze foram os mais proeminentes, acompanharam o Senhor em todas – ou quase todas – as viagens.Os doze ele convoca agora para uma missão especial. O resumo da tarefa que lhes confiou é: Podersobre espíritos imundos e poder para curar tanto as doenças mais graves, como as pequenasenfermidades e fraquezas do povo. A autoridade de realizar curas foi, especialmente, necessáriapara seu trabalho na Galiléia, visto que a fama de Jesus repousava, em muitos casos, sobre seusmilagres. Se afirmassem terem sido enviados por Cristo, o povo simples, certamente, iria exigiralguma prova para o seu comissionamento.

86 ) Schaller, Book of Books, 123-127; Josefo, Antiquities of the Jews, livro XIV, cap.IV; Edersheim, Life andTimes os Jesus the Messiah, I.514-519.

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Os apóstolos são enumerados, V.2) Ora, os nomes dos doze apóstolos são estes: primeiro, Simão,por sobrenome Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; 3) Filipe eBartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; 4) Simão o Zelote, eJudas Iscariortes, que foi também quem o traiu.Eles são chamados apóstolos, por serem astestemunhas especiais de Cristo, e serem seus representantes na propagação de sua igreja,At.1.8,21, tendo sido enviados por ele com autoridade extraordinária. Lembremos: Pedro esta noalto da lista, porque ele foi chamado primeiro seu discípulos, At.4.18. Seu nome, Pedro, dado pelopróprio Senhor, aqui o distingue do outro Simão da lista. Bartolomeu comumente é identificadocom Natanael, Jo.1.46. Mateus junta, propositalmente, seu epíteto “o publicano” em modesta auto-humilhação e, também com um certo orgulho de que a misericórdia de Cristo escolheu ,até, a umcobrador de impostos que pertencia à classe mais baixa, como seu amigo íntimo. Simão o cananeu,ou Simão de Cana, às vezes, foi chamado de Zelote, provavelmente, para fazer referência à suacaracterística mais marcante. Como último da lista o nome Judas, o traidor. Sua cidade natal foi“Charioth”, na Judéia, sendo ele o único discípulo não Galileu.A vocação de Jesus a este homemfoi tão sincera como a dos outros apóstolos. Mas, Judas, levado por sua própria maldade e pelatentação de Satanás, arremessa de si a misericórdia do Senhor. Ele, de roubos insignificantes caiuna maior fundura a que um ser redimido pode cair – traiu seu Salvador.

Instruções quanto ao lugar onde deviam pregar, V.5) A estes doze enviou Jesus, dando-lhes asseguintes instruções: Não tomeis rumo aos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos; 6) mas,de preferência, procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel. Estes, que ao todo eram doze, e quedepois foram conhecidos por esta designação, Jesus enviou com o encargo definido quanto ao lugare a esfera de seu trabalho. Deviam ficar fora das terras dos gentios e das cidades dos samaritanos.Esta ênfase é expressa de modo solene e em cadência rítmica. A primeira oferta de salvação,segundo a intenção de Deus, devia ser feita ao povo judeu. Visto terem sido seu povo escolhido noAntigo Testamento, ele restringe seu próprio trabalho, agora realizado por seus discípulos,principalmente a Israel, ainda que não fosse contra que os gentios ocasionalmente recebessemalguma migalha, Mt.15; Jo.4. O cuidado principal dos discípulos devia ser pelas ovelhas perdidasda casa de Israel, ou seja, aqueles que andavam longe do caminho, sem o saberem ou quererem,tendo sido molestados e esfolados e desencaminhados deliberadamente por mercenários. Tinhamsido negligenciados e estavam no iminente perigo da perdição final, mas que, provavelmente,poderiam ser ganhas para a salvação por meio dum trabalho evangelístico pleno, sendo o maisimportante a pregação e não as curas.

A mensagem e os sinais que a acompanharam V.7) e à medida que seguirdes, pregai que estápróximo o reino dos céus. 8) Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expelidemônios; de graça recebestes, de graça daí Enquanto estiverdes em vossa, pregai. A pregação é aprimeira e maior obrigação e necessidade. Seu assunto: O reino dos céus está presente. Na pessoado humilde Nazareno, Jesus Cristo, cumpriram-se todos os tipos e profecias. Quem o aceita pela fé,esse tem o reino, esse é um membro do reino. Por isso, realizai vosso trabalho de arautos, indo decasa em casa. E, sempre que necessário, eles foram revestidos de poder para confirmar a palavracom sinais que seguiam, Mc.16.20. Não só as doenças comuns deviam render-se diante de suaautoridade, mas, até, as impurezas dos leprosos. Foi-lhes confiado, até, o poder de ressuscitarmortos e a autoridade sobre os maus espíritos. As circunstâncias, talvez, não requereram o uso detodos estes milagres em alguma cidade ou povoado. Também é possível que os apóstolos nãoressuscitaram alguém da morte, antes que o próprio Cristo ressuscitasse da morte. Também existe aprobabilidade que, naquele tempo, sua fé não fosse tão forte para realizar o maior milagre,Mt.17.20. Mas, no que se referia ao comissionamento de Cristo, receberam toda autoridadenecessária para apoiar sua pregação com tais obras que deviam ser aceitas como provas positivas desua missão divina. Mas este poder não devia servir de torpe ganância, ou ser feito por dinheiro.

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Instruções quanto a vestes e equipamento, V.9) Não vos provereis de ouro, nem de prata, nem decobre nos vossos cintos; 10) nem de alforge para o caminho, nem de duas túnicas, nem desandálias, nem de bordão: porque digno é o trabalhador do seu alimento.Não provede nemcomprai para vossa jornada. Vossa missão deve ser sem recompensa material. Avareza e oacumular bens prejudicaria vosso trabalho. Não devia ser aceito dinheiro de qualquer espécie,muito menos ouro, prata e nem mesmo uma moeda de cobre, para que o dom e benefício doevangelho não pareça mercadoria. O cinto sobre a veste exterior era usado, não só para juntar omanto solto, mas também para fixar a bolsa que continha o troco. Também não foi permitida umasacola ou alforge para provisões, nem uma segunda camisa ou roupa-de-baixo, nem sapatos deviagem, nem cajado pesado.Tudo isto seria um entrave para a vossa jornada atual. Deveis ser comopessoas muito apressadas, que estão desejosas para iniciar e realizar este imenso trabalho. “Eraproibido, até mesmo, o menor lucro do seu ofício, mas não apelando para um voto de pobreza ou demendigância, à moda papal. Deviam adotar a grande máxima de que os mensageiros do evangelhotinham o direito ao sustento diário e à hospitalidade”87. Digno é o trabalhador da sua manutenção,Mc.6.8; Lc.9.3. Este é um axioma que, na boca de Cristo também contém um grande conforto. Otrabalhador que segue as demais injunções do Senhor, não precisa preocupar-se sobre comida evestes. Ele proverá.

A maneira de abordar, V.11) E em qualquer cidade ou povoado em que entrardes, indagai quemneles é digno; e aí ficai até vos retirardes. 12) Ao entrardes na casa, saudai-a. Esta deverá ser umaregra constante. O mesmo procedimento deverá ser seguido, não interessando a cidade ou apovoação. Deverão anunciar e inquirir, acuradamente, quanto à dignidade moral do provávelhospedeiro. Pois, uma escolha errada poderia prejudicar seriamente o trabalho. Não deveis procuraruma passagens melhor ou uma companhia mais aprazível, para que não sejais marcados comohomens egoístas. O melhor é estabelecer sempre um centro de atividade, do que depender dumaatividade transitória e frustrada. Aqui há também uma insinuação a respeito do tagarela, dovagabundo, do intrometido que freqüenta as estradas e a companhia daqueles que possam favorecersua ambição, em vez de encontrar tempo para a oração e o estudo em casa. Deverá ser distinguidacom o cumprimento de paz, aquela casa em que isto acontece, que é um lugar digno de ficar, comoo deverão ser todas as casas que estão abertas aos servos do Senhor.Tal saudação não é umafórmula vazia, mas um abençoar em o nome do Senhor, concedendo a bênção do Senhor. Ele habitalá onde habita seu servo.

Aceitação e rejeição, V.13) se, com efeito, a casa for digna, venha sobre ela a vossa paz; se,porém, não o for, torne para vós outros a vossa paz. 14) Se alguém não vos receber, nem ouvir asvossas palavras, ao sairdes daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés. Se, apósvossa saudação, a casa for digna de honra algum servo do Senhor permaneça nela, então vossa paz,que significa a bênção do Senhor, virá e repousará sobre ela. Mas, depois de terdes sidohumilhados, vosso juízo e o de outros ainda poderá estar errado, contudo, vossa saudação de paznão terá sido pronunciada em vão, antes, retornará a vos e abençoará quem veio para proclamar aboa vontade do Senhor. O tratamento indelicado, em nenhum caso, deve provocar-vos. O modo deagir em tal caso, todavia, quando, tanto a casa escolhida como base do trabalho, e toda acomunidade se unem na rejeição dos apóstolos do Senhor, está prescrito. O Senhor fala com grandeemoção, como mostra a forma da sentença. Não há um corte definitivo reservado a pessoasculpadas dessa rejeição. O ato simbólico de sacudir o pó dos pés ou dos sapatos significa a finalrejeição do impuro Isso deve ser feito, não no espírito de irritação nem de vingança, mas de tristezaque, sem sombra de dúvida, enchia o coração do Senhor diante da constatação de tal cegueira. Avingança sobre uma tal cidade será tomada pelo próprio Senhor. Até Sodoma e Gomorra, tipos eexemplos da justiça punitiva de Deus, não seriam tão severamente rejeitadas no juízo final, como oserão os habitantes duma cidade ou povoado que recusa aceitar os servos de Cristo e,

87 ) Schaff, Commentary, Matthew, 185.

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deliberadamente, desprezam a oferta da graça do Redentor. É tanto que Cristo valoriza as boasnovas, a mensagem do evangelho com a qual ele comissionou os doze. A incredulidade é o maiordos pecados.

Os Riscos do Apostolado, Mt.10.16-25.

A base da conduta dos apóstolos, V.16) Eis que eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos;sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas. A atenção dos apóstolosé dirigida para a importância das suas instruções. “Eu vos envio” é enfático. Ele, o profetaprometido, faz uso do seu poder ao comissioná-los como seus assistentes. Sua proteção graciosa osassistiria em meio às circunstâncias perigosas. Por causa da depravação natural das pessoas e doódio contra a redenção, sua posição seria a de ovelhas rodeadas de lobos, - mas não sob o poder doslobos! O perigo poderá sempre estar a rondar de perto, sendo exigida vigilância incansável. Neles,há por dentro nada mais do que fraqueza e timidez natural, e por fora somente crueldade eganância, mas a missão precisa ir avante. A situação requer a sabedoria, a prudência e ainteligência das serpentes, Gn.3.1; Sl.58.5, mas, por outro, também a honestidade, a inocência e asimplicidade das pombas, Os.7.11. “Ainda que Cristo ordena que seus discípulos sejam inofensivoscomo as pombas, isto é, que sejam íntegros e sem amargura, ele, ainda assim, os admoesta quesejam prudentes como as serpentes, isto é, que diligentemente se guardem de pessoas falsas echeias de dolo, tal como se diz que as serpentes, quando em combate, cuidam em proteger suacabeça com especial esperteza”88

A hostilidade das pessoas, V.17) E acautelai-vos dos homens; porque vos entregarão aostribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas; 18) por minha causa sereis levados à presença degovernadores e de reis, para lhes servir de testemunho, a eles e aos gentios. Cuida-vos daquelaspessoas que possam revelar-se lobos disfarçados. Não confieis, em geral, nas pessoas. Guardai-vosda confiança cega, que vos faz ser dependentes das pessoas, Jo.2.24. Uma indiferença cordial podeparecer um paradoxo, mas ela descreve a atitude acertada. A hostilidade das pessoas é dirigida, naverdade, contra a Palavra, por isso, haverá ocasiões em que ela explodirá em perseguição contra osportadores da Palavra. Tanto os tribunais maiores de justiça, onde a punição poderia assumir umaforma muito séria, e as sinagogas, cujas assembléias, como cortes menores, exerciam disciplina eimpunham castigos, como o açoitamento, seriam usados pelos inimigos, At.22.19; 2.Co.11.24. Nocaso presente, até, as cortes civis poderiam ser invocadas para, em qualquer situação de acusaçãoinventada, pronunciar o juízo contra os servos de Cristo. O Senhor se refere não só aosgovernadores provinciais da Palestina, mas olha, por sua onisciência, para épocas futuras distantes,onde enxerga seus confessores sendo intimados a comparecer diante dos governadores maispoderosos do mundo.Isto seria, realmente, uma tribulação mas, também, uma honra,visto acontecerpor causa dele e por sua conta. Pois, terão a gloriosa oportunidade de testemunhar do Mestre,falando dele em meio a circunstâncias tão adversas aos inimigos que, no começo eram os judeus, eaos gentios que compreendiam os governadores, os oficiais e os servidores da corte. Como sempre,este testemunho teria como objetivo chamar pecadores ao arrependimento e endurecer aosdeliberadamente obstinados para sua própria condenação.

Um conselho contra a ansiedade, 19) E, quando vos entregarem, não cuideis em como, ouo que haveis de falar, porque naquela hora vos será concedido o que haveis de dizer; 20) visto quenão sois vós os que falais, mas o Espírito de vosso Pai é quem fala em vós. Desde que estáestabelecido o fato que tais perseguições e provocações hão de vir, preparai-vos para elas. Tendevosso coração e mente colocados assim, que possais suportar o julgamento. Pensamentos ansiosos epreocupações provam desconfiança para com Deus, e levam à confusão. Os discípulos não seempenham numa defesa pessoal mas por uma causa. Visto que ela é a causa de Cristo e de Deus,ele na hora crítica proverá um advogado. A palavra dum homem sempre é imperfeita, até emassuntos que só dizem respeito a este mundo. A causa da Palavra eterna é muito maior. Discursos

88 ) Lutero, 1.624.

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apologéticos bem elaborados, quando a veracidade e o poder do evangelho estão no banco dos réus,podem ter seu valor. Mas, com respeito aos apóstolos, eles podiam confiar, numa situação assim,inteiramente na inspiração do alto. O Espírito Santo lhes daria as palavras exatas que deveriamdizer em sua defesa, At.26. De certa forma esta promessa se comprova verdadeira para todos ostempos. “Alguns dos maiores e mais inspirados pronunciamentos têm sido os discursos feitos porpessoas julgadas por causa de suas convicções religiosas. Uma boa consciência, tranqüilidade deespírito e a convicção da grandeza do assunto envolvido, tornam em tal tempo o discurso humanochegar ao que é sublime”89.

A perseguição no círculo da família, 21) Um irmão entregará à morte outro irmão, e o paiao filho; filhos haverá que se levantarão contra os progenitores, e os matarão. 22) Sereis odiadosde todos por causa do meu nome; aquele, porém, que perseverar até ao fim, esse será salvo Aindescritível depravação do coração humano causa tanto ódio contra a pureza do evangelho, querompe os laços naturais mais íntimos, tornando os membros da própria família em inimigosmortais: irmão contra irmão, pai contra filho, verdadeira insurreição dos filhos contra a autoridadepaterna terminando em assassinato, fazendo com que sejam esquecidos todos os afetos naturais efamiliares. O mundo, como tal, sempre odiou os servos de Cristo, e a regra do ódio contra elesnunca mudou, mesmo que se tagarele muito sobre tolerância. Em tempos de tenção incomum,mesmo em nossos dias, o ódio ao evangelho puro e seus arautos se há de espalhar sobre a terra,como se fosse uma febre infecciosa e, ante a mais fraca e só aparente provocação, de prontoirromperá em perseguição. Mais uma vez, porém, tudo é por causa dele, e, por isso, é antes umprivilégio do que uma provação. Por isso Cristo, para estimular coragem e alegria, mantém apromessa da recompensa de misericórdia. Aquele que persevera, que tem paciência perseveranteaté ao fim, quando vier o livramento (visto que a provação nunca será só momentânea e nemperpétua) achará salvação pronta para ele, Tg.1.12; Ap.2.10; 3.11-12.

Conselho e conforto para a perseguição, V.23) Quando, porém, vos perseguirem numacidade, fugi para outra; porque em verdade vos digo que não acabareis de percorrer as cidades deIsrael, até que venha o Filho do homem. 24) O discípulo não está acima do seu mestre, nem oservo acima do seu senhor. 25) Basta ao discípulo ser como o seu mestre, e ao servo como o seusenhor. Se chamaram Belzebu ao dono da casa, quanto mais aos seus domésticos? Aqui há umalerta distante de fugir do martírio, de deixar a prudência e convidar os inimigos para afogar suasvingança. Mártires auto-indicados, muitas vezes, buscam a auto-glorificação. Quando é possível afuga das perseguições, sem a negação da verdade e sem abandonar o rebanho das ovelhas para olobo, a escolha devia ser esta. Será para o bem da causa, quando o trabalho é suspenso numa cidadee se foge para outra, onde a recepção é, provavelmente, diferente e a causa de Cristo é favorecida.Cristo faz, neste ponto, uma declaração solene: A “vinda do Filho do homem” é um termo queaponta para a fundação e para a propagação do reino de Cristo, depois da sua glorificação, aprincipiar com o milagre do Pentecostes. Não tereis concluído ou completado vossas tarefas nascidades mas tereis o tempo suficiente para ela, até a minha entrada na glória e o começo do meutrabalho como a cabeça todo-poderosa da minha igreja, de acordo com minha divindade ehumanidade. O tempo é breve e o trabalho é grande. Energia e coragem são urgentementenecessárias. Na forma dum provérbio, Jesus adiciona outra admoestação confortadora. Não deviamesperar sair-se melhor do que seu Senhor e Mestre, que á a Cabeça da família cristã. Sua porçãonatural e bem assim honrosa é suportar as mesmas perseguições, sofrer as mesmas injúrias e sercumulado com as mesmas maldições. Os inimigos haviam ido ao ponto de aplicar a Cristo o epítetoBelzebu, senhor da idolatria e principal dos diabos. Seria presunção dos seus seguidores esperarmenos do que isso. “Quando uma pessoa aceita a Palavra de Deus, ou o evangelho, que não pensemais do que isso, que ela naquela hora entrou na zona de risco em relação a seus bens, sua casa, lar,fazendas e prados, sua esposa e filhos, pai e mãe, e, até, sua própria vida. Quando,então, a acertam

89) Expositor’s Greek Testament, 1.163.

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perigo e infortúnio, ser-lhe-á tanto mais fácil, porque pensa: Já sabia bem claro que isso iriaacontecer assim comigo”90.

É Exigida uma Confissão Destemida de Cristo, Mt.10.26-36.

V.26) Portanto, não os temais: pois nada há encoberto, que não venha a ser revelado; nemoculto, que não venha a ser conhecido. 27) O que vos digo às escuras, dizei-o a plena luz; e o quese vos diz ao ouvido, proclamai-o dos eirados. A nota chave desta secção é “não temais”. Nãopermitais que o temor, que é tão natural nestas circunstâncias, vos domine, visto que os que sãovossos inimigos e tentam ferir-vos, não seres humanos. Quanto a vós, assumi o risco de vossoelevado chamado. Dois provérbios são oferecidos por Cristo para suportar sua admoestaçãopremente. As coisas encobertas serão reveladas, e as coisas secretas serão tornado conhecidas. Oódio e a perseguição do mundo, muitas vezes, estão disfarçadas sob a forma de patriotismo ebondade ou com a necessidade de união, etc. Deus, porém, no dia do juízo, colocará tudo sob a luzcorreta e pagará a cada um o que lhe é devido. Enquanto isso, seu trabalho precisa ir avante. Seuprincípio, por necessidade, foi obscuro e foi realizado, quando preciso, na obscuridade. Osdiscípulos, porém, devem dar-lhe a devida publicidade, expondo-o, como na luz do meio-dia, diantede todo o mundo. As informações confidenciais e os privados que receberam do Senhor, devem sertornados propriedade comum. Os doutos mestres judeus tinham o costume de proferir na sinagogaseus discursos só a um dos anciãos, o qual, então, servia de intérprete, dando, em linguagempopular, o resumo da dissertação ao povo. De modo semelhante, devia ser realizado o trabalho dosapóstolos. A doutrina que receberam de Cristo, devem proclamar em alta voz dos telhados, que noOriente eram chatos e o permitiam. Mesmo em nossos dias, e hoje mais do que nunca, os discípulosde Cristo deviam usar todas as maneiras legítimas para espalhar a verdade do evangelho tão longequanto possível, contudo, sem esquecer jamais que os meios de atrair as pessoas ao evangelhonunca podem ser um fim em si mesmos, para que o principal não seja tornado de segundaimportância. Os meios devem ser usados só para servir ao evangelho.

Mais consolo, V.28) Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temeiantes aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo. 29) Não se vendemdois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai. 30) Equanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados. 31) Não temais pois! Bemmais valeis vós do que muitos pardais. Por que embarcar no medo? Tudo o que os inimigos podemdestruir ou prejudicar, é o corpo, quando Deus assim o permite. No corações dos discípulos deCristo devia haver somente um temor profundamente fixo, um temor e reverência que não temem ocastigo mas que treme de modo santo diante daquele que julga e condena tanto o corpo como aalma para a eterna destruição. Pois, este não é um mero tentador humano que tenta prejudicar aalma do próximo quando o leva ao pecado. Nem é Satanás que não tem poder absoluto sobre corpoe alma. Mas ele é o grande Deus, o próprio Juiz divino. Ter medo de inimigos humanos é incorrerem falta de fé em Deus, o que, por sua vez, pode levar a nega-lo e, assim, levar à condenação. Emais uma vez: Por que medo? Vede, o pardal vale tão pouco que qualquer um deles é vendido pormeio “assarion” ou menos do que “um cent de dollar”. Vede que a perda de um fio de cabelo écoisa tão mínima que nem se o nota. No entanto: Nem ao menos um dos pássaros mais pequenoscai por terra sem o consentimento de Deus, e os cabelos da vossa cabeça, um por um, estãocontados. Será que aquele, cujo zelo envolve os menores detalhes da vida diária, permitirá quealgum dano atinja aos que nele sua total confiança? Será que ele, que afirma que nos prefere muitomais do que muitos pardais, permitirá que os inimigos façam mão ao nosso corpo?

A conclusão, V.32) Portanto, todo aquele que me confessar diante dos homens, também euo confessarei diante de meu Pai que está nos céus; 33) mas aquele que me negar diante doshomens, também eu o negarei diante de meu Pai que está nos céus . Temos aqui uma referênciasolene ao juízo final. De cada seguidor de Cristo é exigida uma confissão de Cristo em palavras e

90 ) Lutero, 3.1079.

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atos, como o é a proclamação franca da verdade e defesa firme da verdade. Isto é tanto maisnecessário, porque na graça de Cristo fazemos esta confissão, e ele deseja esta graça a cada um quenele crê. Negando-o, por isso, comprovamos que nos afastamos totalmente da graça e carecemosinteiramente da fé. Da mesma forma, que ele, por meio duma confissão e defesa franca, estará poraqueles que alegremente o confessam, assim ele, por outro, se apartará daqueles que pela suanegação de Cristo se afastam da graça de Deus. Não há algum campo neutro: a escolha de cada umestá, tão somente, entre confessar e negar a Cristo.

O resultado destas exigências descomprometidas, V.36) Não penseis que vim trazer paz àterra; não vim trazer paz, mas espada. 35) Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entrea filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. 36) Assim os inimigos do homem serão os da suaprópria casa. Aqui há o mesmo pensamento, como no versículo 21. Paz na terra foi prometida nonascimento de Jesus, Lc.2.14. E a paz na terra foi conseguida pelo Redentor, Is.53.5; Rm.5.1;2.Co.5.18-19. Agora o Senhor, porém, se refere ao segundo e terrível efeito da pregação doevangelho, no caso daqueles que persistente recusam aceitar a redenção pelo sangue de Jesus,2.Co.2.16. Cristo anteviu esta oposição hostil à sua mensagem. Ele também soube que o conflitoespiritual, que surgiria por causa da inimizade carnal, encontraria sua expressão real na perseguiçãofísica. Que seus discípulos não imaginassem, como provavelmente o fariam, que então haveria umreino de quietude e paz terrena; com todas as bênçãos que a palavra contém. Divisão, contenda,guerra, calamidades repentinas e ardentes seguiriam a introdução do evangelho. Não há ódio ebriga mais amarga do que a que surge por causa das diferenças de religião. Ela torna os amigosmais íntimos em estranhos, destrói famílias, causa inimizades persistentes entre os membros damesma família. Estas coisas acompanharão a propagação da nova religião. Ficar firme com Cristoexige o máximo de destemor.

Consagração total a Cristo, Mt.10.37-42.

V.37) Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim; quem amaseu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim; 38) e quem não toma a sua cruz,evem após mim, não é digno de mim. 39) Quem acha a sua vida, a perderá; quem, todavia, perde avida por minha causa, a achará. Os fatos, como colocados por Cristo nesta passagem, sob certascircunstâncias, podem tornar necessária uma decisão muito penosa entre os parentes e a verdade.Quando surgem dissensões na família, a política e a experiência sugerem que se siga o meio-termo,sendo esta a maneira, geralmente aceita, em nossos dias para acomodar tudo. Isto, muitas vezes,significa a rendição por parte dos crentes que redunda em negação a Cristo. Isto dá a entender, quelaços terrenos, que o amor dos pais e o afeto entre irmãos e irmãs são mais fortes e se arraigarammais firmemente no coração, do que os comandos expressos de Jesus. Quando sucede qualquerfrouxidão de princípios, da leitura das Escrituras, da oração em particular, de ir aos cultos divinos,de ressentir-se com blasfêmias, então acontece uma negação expressa, ou ao menos implícita, deCristo por parte daquele que não é digno dele. Esta é uma ordem expressa da preferência acima detodos os interesses terrenos. Na verdade, a confissão escrupulosa de Cristo resultará em não seragradável e colocará muitas cruzes sobre o cristão sincero, tais como os romanos impunhamàqueles que eram condenados ao lenho da maldição. Há aqui também uma referência profética. OSenhor, usando expressões como estas, estava preparando seus discípulos para o fado que osesperava. Ele, confessando-nos, suportou tudo, até a morte na cruz. A crucificação era uma morteterrível. Mas, por mais horrível que seja, ela significa para nós salvação. Acaso, seus discípulos semostrariam indignos, recusando-se a segui-lo no caminho do sofrimento, sabendo que umatribulação de poucos anos lhes trará eterna alegria? A vida do discípulo de Cristo não lhe pertencepara fins egoístas. Jesus usa aqui a palavra “vida” alternadamente pela vida corporal e a vidaeterna, a salvação da alma. Aquele que busca e, aparentemente, ganha sua vida aqui no mundo, nabusca de lucros temporais, e se esquece de cuidar de sua alma, perderá a salvação de sua alma.Mas, caso alguém, por causa de Cristo e em sua confissão firme, perde a vida terrena com tudo o

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que ela oferece, este achará mais do que uma compensação total e satisfatória no prêmio demisericórdia da mão de seu Senhor, a saber as glórias da vida eterna.

Um pronunciamento animador, V.40) Quem vos recebe, a mim me recebe; e quem merecebe, recebe aquele que me enviou. 41) Quem recebe um profeta, no caráter de profeta, receberáo galardão de profeta; quem recebe um justo, no caráter de justo, receberá o galardão de justo.42) E quem der a beber ainda que seja um copo de água fria, a um destes pequeninos, por ser estemeu discípulo, em verdade vos digo que de modo algum perderá o seu galardão. Os apóstolos ouos mensageiros de Cristo são seus representantes. O trato dado a eles, neles é dado a Cristo, e,assim, ao próprio Deus, porque o Mestre e Deus são um. Mas ele emite a afirmação de modo maisgeral. Aquele que recebe ou mostra alguma bondade a um profeta ou a um que é comissionado porDeus para ensinar a verdade da vida eterna, tendo sempre este fato em mente, receberá arecompensa do profeta de Deus. O mesmo é verdade daquele que mostra favor semelhante paraqualquer irmão cristão ou justo. Ele também terá uma recompensa de misericórdia. E mesmo queisto fosse tão pouco, como um simples copo de água, um benefício bem-vindo para um viajorsedento, revigorar um irmão, um co-discípulo, ou algum sofredor, afirma Cristo com grande ênfase,que tal pessoa não ficará sem sua recompensa. Cristo fala com grande emoção, pois o assunto oafeta muito intimamente, visto que os homens que envia são seus próprios mensageiros que seconsagrarão por inteiro a ele. Toda e qualquer atenção que os vá suportar na realização da grandeobra da proclamação do evangelho de modo mais alegre, não só terá a aprovação de Cristo, mas, nofim, ao menos no grande dia da prestação de contas, achará um reconhecimento que irá retribuir-lhe, com juros de mil por cento, a sua bondade.

Sumário: Cristo comissiona doze de seus discípulos como apóstolos transmitindo-lhespoderes miraculosos, dando-lhes instruções sobre o que vestir, levar como equipamento, teor depregação, maneira de iniciar, de recepção e rejeição do evangelho, e exigindo consagração total aele.

MILAGRES

A crença singela nos milagres da Bíblia, a muito, foi declarada impossível, nas condiçõesmodernas. Os milagres caracterizaram os primeiros séculos da igreja cristã. Durante a idade médiaa fé neles foi expandida, de modo análogo, à credulidade que colocou os assim chamados atos dossantos, que foram invenções espúrias duma época supersticiosa, no nível dos grandes feitos deDeus. Os inimigos da Bíblia,começando uns três séculos atrás, têm-se mostrado sempre maisativos, até aos nossos dias, tanto dentro como fora da igreja, para descartar o elemento miraculosoda Bíblia.

As objeções contra os relatos de milagres da Bíblia, e por isso aos próprios milagres, podeser dividido em duas classes – a radical e a conservadora. A primeira classe nega totalmente apossibilidade de milagres, sem dar justificativa ou defesa. Tem sido afirmado que milagres sãoviolações às leis da natureza, ainda que a afirmação concede a existência dum autor das leis quetem também o direito de suspendê-las, bem como para fazer que sejam indiscutíveis. Declara-seque milagres estão excluídos pela harmonia da natureza, ainda que a experiência em si sejaalterável e indefinida. Os críticos disseram que a mente humana se afasta dos milagres, que o corpointeiro das ciências modernas se dobra diante do fato enorme que o sobrenatural não existe. Asestórias miraculosas, diz-se, que são criações duma era crédula e supersticiosa. Argumenta-se quenão é preciso um esforço mental para tirar o elemento miraculoso do Novo Testamento. Os assimchamados eruditos “examinaram, com espírito científico, nossa Bíblia, e em cada passo acharam orelato de milagres como mítico ou lendário, como fato que não pode ser crido... Eles acreditam quemilagres não acontecem, que nunca aconteceram, e que jamais acontecerão... O elementomiraculoso, assim se o mantém mais e mais, é o acompanhamento constante e supersticioso de todoe qualquer movimento religioso dos tempos antigos”91. Certo crítico pergunta, com referência à

91 ) Goordon, G. A, Religion and Miracle, 23,45.

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ressurreição de Cristo: “É, acaso, o testemunho suficiente para mostrar que um homem realmentemorto... tornou à vida, passou por portas fechadas e ascendeu ao céu?” E acrescenta: “Não possofalar por outros, mas absolutamente, não posso, com estas evidências, crer tais fatosmonstruosos”92.

A classe de críticos conservadores desejam salvar a Bíblia, que afirmam ser aqueles restosdos quais concedem serem verdadeiros, argumentando que milagres não precisam ser cridos, e queeles não são necessários para a verdade das Escrituras e da fé cristã. A maioria dos milagres doAntigo Testamento são negados, afirmando que eles são meros adornos poéticos e que nãopossuem qualquer conecção essencial com o fato. Dizem eles, que pode acontecer que tenhamos osmilagres do Senhor sem ter o próprio Senhor. Acaso, não segue disso que possamos perder osmilagres do Senhor, e, ainda assim, reter a ele? É afirmado abertamente que o defensor de hoje temalgum interesse em minimizar o miraculoso dos milagres e em fazê-los parecer tão naturais quantopossível. O humor atual do público religioso gostaria de naturalizar não só os milagres, mas todo omundo espiritual.93

Tendo estes fatos em vista, é essencial que, antes de tudo, saibamos o que é um milagre. Adefinição seguinte é aceita em geral: “Um milagre é um acontecimento revelado aos sentidos, ondehá a presença dum poder pessoal que está acima do plano físico e humano, que atua para umafinalidade moral”. Com esta explicação, que inclui milagres, sinais e maravilhas, nos é possíveldividi-los em três classes. Há os milagres da revelação constante de Deus na natureza e história,que são as muitas evidências de sua intervenção sobrenatural. Há os milagres ou ocorrências dentrodo curso comum da natureza, que a força e o saber humano, conduto, não conseguem realizar, semo poder criativo e providencial de Deus, que incluem todas as mudanças fisiológicas adequadas aoviver nos organismos vivos. Há os milagres ou fenômenos fora do curso da natureza e das leisestabelecidas, realizados por uma suspensão proposital da ordem física do universo, que incluemtanto os milagres da Escritura e os muitos casos de preservação sobrenatural.

Negar a existência de milagres na natureza que nos cerca, é negar a evidência de todas aspercepções e o resultado de séculos de pesquisa. Por outro, negar os milagres da Escritura é negar averacidade de todo o relato bíblico, pois é impossível separar o miraculoso da religião cristã,porque a religião toda é um milagre. Que o Antigo Testamento contém só poucas históriasmilagrosas, e que estas estão confinadas ao Êxodo e às vidas de Elias e Eliseu, como foi afirmado,é, manifesto, tão inverossímil que uma única referência da Bíblia basta como refutação. Separar oelemento miraculoso dos relatos do evangelho, é tirar a essência da narrativa do evangelho. Osmilagres de Jesus foram selos e credenciais, porque foram sinais e características essenciais de suamissão. Caso removermos todas as referências a milagres, jaz perante nós um evangelho em ruínas.

Quanto à necessidade de milagres, e o fato que o Senhor assim achou necessário, deviabastar como justificativa de terem acontecido. O evangelho surgiu do ver milagres e é um registro eexposição desses fatos. Se a ressurreição de Jesus tiver sido uma ilusão, teria tido vida muito brevee participado do fato de todas as ilusões. E todos os demais milagres são críveis, porque estãoassociados com o milagre da ressurreição. A religião foi introduzida por meio do miraculoso entreos inimigos. Desta forma os milagres são o sinal e selo da aprovação divina. Deus não teriasancionado tais acontecimentos se tivessem sido mentira. Nenhum mágico poderia realizá-los. Osmilagres foram feitos em defesa duma religião da justiça mais perfeita e da verdade universal, paraque persista para sempre para mostrar o favor da beleza moral imaculada da Cristo e da vocaçãodivina dos seus discípulos. É suficiente que nós saibamos, que Ele, por meio deles, revelou suaglória, Jo.1.14; 2.11, e que os milagres do Novo Testamento foram registrados para que creiamosque Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e que, crendo, tenhamos vida em seu nome, Jo.20.31.94

92 ) Parker, citado em Bruce, The Miraculous Element in the Gospel, 21.93 ) Bruce, 1.c., 34,44.94 ) Cf. Linberg,C.E., Apologetics, 80-83, 165; Jefferson, C.E., Things Fundamental, cap.VIII; Garvie, A.e., AHandbook of Apologetics, cap. III; Whately, R., Introductory Lessons on Morals and Christian Evidences,lição V-VIII; Mullins, E.Y., Why is Christianity True? Cap.XII; Benson, Chr., On Evidences of Christianity,Disc.VIII; Brace, C.L., Gesta Christi.

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C A P I T U L O 1 1

A Delegação que João Batista Enviou a Jesus, Mt.11.1-6.

Jesus retorna ao seu trabalho profético, V.1) Ora, tendo acabado Jesus de dar estasinstruções a seus discípulos, partiu dali a ensinar e a pregar, nas cidades deles. O Senhor haviacomissionado os doze apóstolos. Dera-lhes instruções completas sobre cada parte do seu ministério.Mas, enquanto estavam empenhados nesta obra importante, Lc.9.6, Jesus também não estevedesocupado. Tendo acabado de dar suas instruções, deixou o lugar, provavelmente para um lugarsolitário, talvez aquele onde tivera antes a oportunidade de ficar com seus discípulos sem serperturbado, e começou uma nova viagem de pregação e ensino pelas cidades da Galiléia. Estavaacompanhado, como anteriormente, por seguidores ocasionais e outros permanentes, parecendo queos doze, de tempos em tempos, também retornavam a ele.

A segunda tentativa de João para conduzir seus discípulos a Cristo, V. 2) Quando Joãoouviu, no cárcere, falar das obras de Cristo, mandou por seus discípulos perguntar-lhe: 3) És tuaquele que estava para vir, ou havemos de esperar outro? Quando João, na qualidade de arauto deCristo, no começo, o havia apontado aos seus discípulos, dois dos que o ouviram falar seguiram aJesus, Jo.1.37. Numa ocasião posterior, João, mais uma vez, deu testemunho de Cristo, Jo.3.27-36.Isto pode ser tomado como sendo convite suficiente a todos que o ouviram, para se tornarem seusdiscípulos. Enquanto isto, João havia sido preso na fortaleza de Maquero, no sul da Peréia, perto dadivisa de Moabe. Era, depois de Jerusalém, a fortaleza mais segura dos judeus, capítulo 14.3. Jáestava preso, fazia algum tempo. Mas, assim parece, podia receber, como antes, o cuidado de seusdiscípulos. Estes homens, até este ponto, não tinham uma compreensão plena da mensagem de seumestre, mas olhavam a Jesus e seu trabalho com olhos mais de inveja e desaprovação, Mt.9.14;Jo.3.28; Lc.7.18. Levaram a João um relato do trabalho de Cristo, da sua pregação e do seu efeito,dos seus milagres de cura e da admiração do povo. João, desde o seu nascimento cheio do EspíritoSanto, tendo sido uma testemunha da revelação de Deus e estando totalmente convicto que Cristoera o Messias, Lc.3.15; Jo.1.15,26,33;3;28, não alimentava qualquer dúvida sobre Cristo e suamissão. Mas os poucos discípulos que ainda lhe aderiam não mostravam qualquer inclinação dedeixá-lo e seguir ao Mestre maior. Por isso ele os enviou em delegação com uma pergunta quetinha estas claras palavras: És tu aquele que devia vir, ou devemos esperar outro? Para cada um queconhecia o Antigo Testamento, a referência era clara, Sl.40.7, e se destinava a abrir os olhos aosque tinham alguma dúvida. “Está certo que João faz a pergunta por causa dos seus discípulos. Pois,eles, até este ponto, não consideravam que Cristo fosse aquele em que deviam crer. E João nãoviera reunir discípulos e o povo a si, mas para preparar o caminho para Cristo e trazer todas aspessoas a Cristo, tornando-as súditos dele. ... Mas, quando Cristo começou a realizar milagres emuitos falavam dele, então João julgou que chegara o tempo de despedir de si os discípulos e levá-los a Cristo, para que, após sua morte, não organizassem um seita herética e se tornassem os‘joanitas’, mas que todos se agregassem a Cristo e se tornassem cristãos. Ele os enviou para queprendessem, doravante, não só do seu testemunho mas das próprias palavras e obras de Cristo,como sendo o homem do qual João havia falado.”1)

A resposta de Jesus, V. 4) E Jesus, respondendo, disse-lhes: Ide, e anunciai a João o queestais ouvindo e vendo; 5) Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdosouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho. 6) E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço. Jesus mostra uma bondade discretano trato dos que lhe perguntaram: Nenhuma repreensão áspera pela sua lerdeza em reconhecê-lo;nenhuma resposta dogmática que pudesse causar ressentimento. Ele apela para o conhecimentodeles e de seu mestre da profecia do Antigo Testamento sobre a obra característica do Messias.

1 ) 95) Lutero, 11.74-75;12.1019.

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Podiam acreditar nas evidências dos seus olhos e ouvidos: Os cegos recebiam a visão, os mancosandavam felizes em volta, os surdos recebiam a audição, os mortos eram ressuscitados, os pobreseram evangelizados, recebendo o boa nova de sua salvação pela pregação de Jesus, Is.35.4-6; 61.1-2; Ez. 36 e 37. Isto foi verdade literal e foi demonstrado, dia após dia, diante do povo. Mas,também era verdade no sentido espiritual, como sendo o cumprimento do reino do Messias: Oscegos tinham abertos os olhos de seu entendimento, Ef.1.18,19; os que coxeavam e os hesitantesdavam passos firmes, Hb.12.12,13; os infectados com a impureza do pecado e todos os malesespirituais sentiam o poder curador do evangelho, At.15.8; 1.Jo.1.9; aqueles cujos ouvidos haviamsido fechados pelas tradições dos homens eram sarados da sua enfermidade espiritual, Mt.13.16; osmortos em transgressões e pecados estavam experimentando a plenitude de vida, Ef.2.1,5; Cl.2.13.Por fim, tudo isto está resumida na última sentença. Notemos: Os discípulos de Cristo, em suamaioria, foram recrutados dentre os pobres, os fracos e dos inferiores do mundo, 1.Co.1.26-29. Masa qualidade mais indispensável é a pobreza de alma, que desesperem em todas suas própriasriquezas em assuntos espirituais, e se apóiem unicamente sobre a misericordiosa graça e as riquezasinescrutáveis de Cristo, ap.3.17; 2;9; Ef.3.8. “Aos pobres é anunciada a promessa divina da plenagraça e conforto, oferecidos e trazidos em e por meio de Cristo, a saber que todo aquele que crêterá perdoados todos os pecados, a lei foi cumprida, sua consciência foi livrada, e, finalmente,recebeu o dom da vida eterna. Haverá, acaso, alguma nova mais feliz que um coração pobre emiserável e uma consciência aflita possa ouvir? De que modo um coração se poderia tornar maisdesafiador e corajoso do que por tais palavras e promessas confortadoras e ricas? Pecado, morte,inferno, mundo e diabo e todo o mal é desprezado, quando um coração pobre recebe e crê esteconforto da promessa divina.Fazer ver os cegos e ressuscitar os mortos é, mais precisamente, algosimples, quando comparado à pregação do evangelho aos pobres. Por isso ele o coloca no fim,como sendo a maior e melhor destas obras”2) Há uma clara advertência na sentença f9inal de Cristocontra o ofender-se nele e em sua obra, que é dirigida àqueles que não se davam por satisfeitos comsua paciência, tolerância, cordialidade e simpatia, como mostradas em suas palavras e atos. “Ohomem natural dizia: Seria este o Cristo do qual a Escritura fala? Seria este aquele cujos sapatosJoão julgou ser indigno de desatar, sendo que eu, dificilmente, o julgaria digno de polir os meussapatos? Na verdade, é misericórdia imensa não ofender-se em Cristo. Nesse assunto não há outroconselho nem ajuda do que olhar as obras e compará-las com a Escritura. Sem isso, é impossívelimpedir a ofensa. A forma, a aparência, o comportamento são humildes e desprezíveis demais”3).

O Testemunho de Cristo a Respeito de João, Mt.11.7-19.

V. 7) Então, em partindo eles, passou Jesus a dizer ao povo a respeito de João: Quesaístes a ver no deserto? um caniço agitado pelo vento? 8) Sim, que saístes a ver? um homemvestido de roupas finas? Ora, os que vestem roupas finas assistem nos palácios reais 9) Mas, paraque saístes? p ara ver um profeta? Sim, eu vos digo, e muito mais que profeta. 10) Este é de quemestá escrito:Eis aí eu envio diante da tua face o meu mensageiro, o qual preparará o teu caminhodiante de ti. O propósito desta instrução não foi restaurar a autoridade de João Batista, que, comoparece, o próprio João colocou em risco com sua embaixada a Cristo, mas convencer o povo, emespecial os escribas e fariseus, da sua inconsistência em aceitar João Batista como um profetadivinamente proposto e em rejeitar, ao mesmo tempo, a Cristo a quem ele sempre apontava. Umponto importante: As excelências do caráter de João, como arauto, deviam servir, mesmo agora,para enfatizar sua mensagem. Pois, João não havia sido um caniço agitado pelo vento, segundo omodo dos pregadores que temperam a verdade para agradar à impertinência sensível dos ouvintesque seguem a moda, 2.Tm.4.3, que Lutero chama de “pregadores-caniço” que não arriscam a vida,a honra e o favor mais são guiados pelo que o povo deseja. João também não estava vestido deroupas macias, não usava sua influência, como, facilmente, o poderia ter feito, em seu próprio

2 ) 96) Lutero, 11.85; 12.1026.3 )97) Lutero, 11.88.

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interesse e benefício. Este é o privilégio dos que vivem nas casas dos reis. No caso deles não équestionável, podendo dizer-se, que seu posto, até, o exige. Mas, requinte, luxo e uma vida folgadanão é o objetivo do verdadeiro servo de Deus, que não está acostumado a usar tais vestes finas.Porém, falando sério, se o assunto de tua pergunta é se ele foi um profeta, então estás correto. Pois,João foi um profeta e mais do que isto. Todos os profetas do Antigo Testamento apontaram paralonge no futuro e contaram dum Messias cuja chegada estava bem distante. Mas João foi o arautode Um que já estava em meio do povo. Em relação à pessoa deste é que ele dava testemunho.Ele foio segundo e grande Elias, cuja tarefa de vida se constituiu no preparo do caminho ao Senhor,Ml.3.1. Ele foi o anjo, cuja mensagem consistia em preparar os corações das pessoas para oSalvador.

A aplicação destas verdades, V. 11) Em verdade vos digo: Entre os nascidos de mulher,ninguém apareceu maior do que João Batista; mas o menor no reino dos céus é maior do que ele.Cristo, em termos solenes, dá sua própria avaliação do valor de João Batista. Não somente não sehavia erguido maior profeta do que João, mas em toda a humanidade não há quem se lhe aproximena capacidade de render serviço tão útil ao reino de Deus. Mas, ainda assim, “aquele que,comparativamente, é menor no reino do céu, conforme o padrão deste reino, ou aquele que neleocupa um lugar mais inferior, é maior do que João, no que diz respeito ao está de sua fé e vidaespiritual”4 ). Cada discípulo humilde da nova dispensação é maior do que João Batista. Pois, Joãonão viu o dia de Cristo. Sua carreira findou antes que Jesus entrou na sua glória. Dessa formaacontece que os filhos do pacto atual, que têm diante dos olhos a plenitude da profecia que é Cristo,crucificado e ressurreto, têm uma revelação ainda mais perfeita e uma luz ainda mais poderosa doque João.

A conclusão, V. 12) Desde os dias de João Batista até agora o reino dos céus é tomado poresforço, e os que se esforçam se apoderam dele. 13) Porque todos os profetas e a lei profetizaramaté João. 14) E, se o quereis reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava para vir. 15) Quem temouvidos para ouvir, ouça. Desde o tempo em que João pregou sua mensagem de preparo, é possíveltomar posse do reino do céu. Sim, os violentos, de fato, o apegam de mão impetuosa, com umverdadeiro agarrar. Toda esta ação foi um argumento convincente por causa da seriedade e dopoder da mensagem de João. “ Os cobradores de imposto e os gentios, que os escribas e fariseuspensam não ter direito ao reino do Messias, tomados de santo zelo e sinceridade, se apossam logoda misericórdia oferecida no evangelho, e, desta forma, arrebatam o reino, como que à força,daqueles doutores ilustres que reivindicam para si os melhores lugares neste reino”5). É logodestacado o fato, que a nova era já começou com João Batista. A profecia falava sobre um reinoque devia vir, mas a pregação de João se referia a um reino já efetivado na vinda de Jesus. Aqui jánão havia mais profecia, mas comprimento: O Cristo estava aqui e revelado. Todos os tipos seencontram na vida de Jesus, Lc.16.16. Até João vigorou a lei. Ele se situa no limiar entre o antigoe o novo. Desde João o evangelho está em vigor. Ele é o antítipo de Elias. Este fato, talvez, pudesseparecer duro ao entendimento, mas, ainda assim, deviam tentar recebê-lo. Pois, esta é uma verdadeque exige ouvidos inteligentes e atentos, que estão dispostos a aprender e a crer, bem como paraouvir.

Uma censura séria aos judeus, V. 16) Mas, a quem hei de comparar esta geração? Ésemelhante a meninos que, sentados nas praças, gritam aos companheiros: 17) Nós vos tocamosflauta, e não dançastes; entoamos lamentações, e não pranteastes. Com quem compararei estaraça, especialmente os fariseus e aquelas pessoas que seguem sua liderança e permitem serinfluenciadas pela maneira de pensar deles? Jesus aponta para os meninos das ruas e praças, cheiosde caprichos e obstinação, cujo egoísmo impede que entrem com o entusiasmo correto no espíritode qualquer brinquedo. Se os outros tocam flauta, negam alegrar-se. Se os outros tentam agradar-lhes, imitando as lamentosas músicas funerais, não querem bater no peito nem mostrar qualquer

4 )98) Schaff, Commentary, Matthew, 206.5 )Clarke, Commentary, 5.129.

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luto. A ironia como que Cristo descreve o seu esporte preferido é ressaltada na língua original,falada por ele, onde inclui um jogo de palavras dançaram e lamentaram.

A aplicação direta, V. 18) Pois veio João, que não comia nem bebia, e dizem: Temdemônio. 19) Veio o Filho do homem, que come e bebe, e dizem: Eis aí um glutão e bebedor devinho, amigo de publicanos e pecadores! Mas a sabedoria é justificada por suas obras. É a provapara a acusação de que são infantis. Quando João Batistas levou uma vida austera, não comendonem bebendo, mas restringindo seu alimento ao estritamente necessário para o sustento da vida,levantaram a suspeita que, certamente, deve estar louvo. O fariseu amava brincar de jejum e fazer opapel duma pessoa santa e abstêmia, mas suportava ao pregador sério e sincero. Na língua faladapor Jesus, o contraste é muito forte: Veio João não comendo nem bebendo, - Veio o Filho dohomem comendo e bebendo. Jesus, em seu comportamento exterior, de propósito, não se distinguiadas pessoas comuns. Nunca defendeu nem praticou escetismo falso, que não passava de meraostentação diante das pessoas. E o resultado foi: Eles, em furioso escândalo, apontaram-no com odedo da zombaria. Que glutão, que bebedor de vinho, que ébrio! A crítica é dura, injusta e infantil,mas em total harmonia com o caráter dos fariseus. “Eles brincam de religião. Com toda suaaparente seriedade, tudo, na verdade, lhes é coisa de pouco valor. Também são volúveis,impertinentes, dados a furiosas acusações, ofendendo-se com facilidade. Estas são característicasque identificam aos fariseus. Eram grandes zelotes e cheios de severidade, mas não comsinceridade, mas ao contrário, odiavam a sinceridade, como pode ser visto nos dois casos de João eJesus. Nada os satisfazia, se não somente seu próprio formalismo artificial”6 ). Até em nossos dias,esta geração perversa tem seus representantes sobre a terra. O mundo nada quer saber de João ou deJesus. A pregação da lei, que é o arrependimento, machuca suas finas sensibilidades, mas oevangelho da plena graça e misericórdia em Cristo Jesus lhes agrada ainda menos. O conforto deCristo é, sob tais circunstâncias, que a sabedoria é justificada em seus filhos, em suas obras, oufrutos. Este provérbio, tal como está posto, pode significar: Cristo, a Sabedoria em pessoa, Pr.8 e 9,foi obrigado a se justificar contra o veredito arbitrário daqueles que deviam ser seus filhos, mas serecusaram recebê-lo. Ou: A sabedoria de Deus, presente na pregação de João e incorporada napessoa de Jesus, foi justificada e reconhecida, tendo recebido seu direito por meio dos filhos dasabedoria que são os que aceitam seus ensinos. É assim que a Sabedoria divina sempre encontraalguns discípulos e filhos que a recebem alegremente, e que são, por outro, instruídos no caminhoda salvação pela graça.

O Ai Sobre As Cidades Galiléias, Mt.11.20-24.

V. 20) Passou, então, Jesus, a increpar as cidades nas quais ele operara numerososmilagres, pelo fato de não se terem arrependido. É desconhecida a ocasião histórica sobre a qualJesus proferiu estas palavras. Talvez usou estas palavras em conexão de sua censura aos fariseusbem como em suas instruções aos setenta discípulos, Lc.10.13-15. Para evitar dificuldadesdesnecessárias, é coisa simples lembrar que Jesus, mais do que uma vez, julgou necessário eaproveitou a ocasião de dizer as mesmas coisas duas ou mais vezes. Aqui ele se sentiu obrigadopara censurar, repreender seriamente as cidades da Galiléia, cujos habitantes haviam visto tantasevidências do seu divino poder, e em cujo meio haviam sido realizada a maioria de seus sinais emilagres na região norte. Haviam se maravilhado; haviam se enchido de estupefação e assombro;haviam louvado a glória manifestada de Deus; haviam-no proclamado um prodígio; haviambuscado ansiosamente seu auxílio para suas doenças; e o haviam aclamado como o salvador docorpo; - mas não se arrependeram e não havia uma mudança de mente e coração. Estavam ainda tãolonge do reino de Deus como estiveram antes da vinda de Cristo.

A maldição sobre Corazim e Betsaida, V. 21) Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! porquese em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elasse teriam arrependido com pano de saco e cinza. Não é mera opinião pessoal que Cristo profere

6 ) 100) Expositor’s Greek Testament, 1.175.

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aqui, mas um juízo que se equivale inteiramente a uma maldição. Haviam rejeitado a ele e ao seuevangelho, e, desta forma, ele está compelido a pronunciar a sentença sobre eles: Desgraça, juízo,condenação! Corazim era uma cidade do lado oeste, na estrada de Cafarnaum para Tiro, e nãolonge do mar. Betsaida ficava do outro lado de Cafarnaum, junto ao lago, Mc.6.45; 8.22. Tiro eSidom eram cidades gentias, tendo sido, muitas vezes, o alvo das maldições dos profetas, Is.23.1;Ez.26.2,3; 27.2; Zc.9.2; Jr.25.22; 27.3; Jl.3.9. Elas são tomadas como representantes de todo omundo gentio, por sua oposição ao verdadeiro Deus, pela sua corrupção moral e por sua idolatria.O contraste é propositalmente claro: As cidades da Galiléia notavelmente abençoadas, desdetempos antigos, tanto material como espiritualmente. Seus habitantes eram membros do povoescolhido de Deus. Agora foram distinguidas, mais do que nunca, pela habitação de Cristo em seumeio com a revelação de sua glória, com oportunidades tais que nenhuma outra cidade, jamais,teve. Havia, por outro, as cidades gentias que só haviam sido visitadas ocasionalmente por algumprofeta do Senhor. Quando maior a graça, tanto maior a responsabilidade. No dia do julgamentotodas estas coisas serão tomadas em conta e a sentença será proferida de acordo, Lc.12.47,48;13.34,35. Somente o arrependimento mais profundo e sincero, em pano de saco, com cinzas sobre acabeça, em sinal de penitência, é aceito por Cristo.

V. 23) Tu, Cafarnaum, te elevarás, porventura, até ao céu? Descerás até ao inferno;porque se em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecidoaté ao dia de hoje. 24) Digo-vos, porém, que menos rigor haverá no dia do juízo para com a terrade Sodoma, do que para contigo. Cafarnaum era a metrópole comercial da parte norte da Palestina.Havia sido destacada e abençoada por Cristo, quando, durante seu ministério na Galiléia, fez nela oseu lar, e nela realizou alguns de seus milagres notáveis, e porque seus habitantes ouviram algunsde seus sermões mais vigorosos. Era cidade muitíssimo próspera, com os maiores privilégiosespirituais. Mas seu povo, no todo, era muitíssimo antipático em relação a Cristo. Exaltada aomáximo – rebaixada ao máximo! Assim é a sua maldição. Pois, mesmo Sodoma, que representa aessência da sujeira e imoralidade bestial, teria respondido a tantas evidências especiais do amor eda misericórdia divina. No dia do julgamento, por isso, Sodoma será elevada sobre Cafarnaum. Écoisa terrível desprezar a visita da graça de Deus. Todos aqueles que tiveram uma oportunidadepara aprender a respeito de Cristo e sua obra, mas recusaram o arrependimento e a fé, receberãojuízo mais severo no último dia e serão condenados à maior condenação, do que outros pecadoresque não foram tão destacadamente abençoados com a revelação da verdade.

O Chamado do Evangelho, Mt.11.25-30.

Uma prece muito fervorosa de agradecimento, V. 25) Por aquele tempo exclamou Jesus:Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios eentendidos, e as revelaste aos pequeninos. 26) Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado. Oobjetivo final de toda a obra da salvação, em todos os seus vários ramos, é a glorificação de Deus.As coisas e mistérios do reino de Deus estão ocultos àqueles que, em seu próprio orgulho, se têmpor sábios, e que acreditam que estão acima da revelação eterna da sabedoria de Deus em suaPalavra. Os escribas e fariseus de Israel consideravam-se os detentores do saber e do entendimentoda lei em todas as suas aplicações. A eles o evangelho está oculto, porque ele, deliberadamente,fecham seus corações e mentes contra os seus encantos. Mas Deus revelou a glória do evangelhopara as criancinhas, ou seja, àqueles que na sabedoria do mundo são tão ignorantes como ascriancinhas. É necessário, para aquele que gostaria conhecer os encantos da mensagem de Deus arespeito da salvação das pessoas e de toda a Bíblia, pois ela contém esta mensagem, que ele se livrede quaisquer idéias preconcebidas sobre assuntos de moral e religião, e esteja pronto e ansioso paradar acolhida inquestionável a tudo o que Deus diz em sua Palavra, 2.Co.10.5,6. Cristo glorifica, poruma tal condição de alma dos crentes, seu Pai celeste, por cujo poder os corações são tornadospreparados para receber, com toda a humildade, as Escrituras. Esta é a graciosa satisfação do Pai,mesmo que também redunda em sua glória, quando os orgulhosos e sábios deste mundo rejeitam aPalavra da graça. Tanto quanto concerne à Bíblia com suas verdades gloriosas e redentoras, em

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especial a verdade que um homem é salvo, não por obras, mas pela graça e fé somente, sempredeve ser o empenho desejoso de cada cristão, suportado pela força do alto, evitar a dúvida e asabedoria do mundo que inspira a dúvida, e apresentar constantemente um coração que tem umaconfiança e fé infantis em Jesus e seus méritos, e em todas as verdades reveladas da EscrituraSagrada. “Aqui há duas coisas sobre as quais Jesus se alegra. A primeira, que Deus ocultou talmistério aos sábios e entendidos. A outra, que ele a revelou aos pequeninos, os simples, ascriancinhas. Os filhos e as criancinhas são aqueles que não argumentam contra a Palavra de Deus,que não resmungam contra a vontade de Deus, mas estão plenamente satisfeitos com a maneira queele os trata. Isto inclui todos aqueles que, em seu próprio conceito, não são sábios e entendidos,nem invadem com sua razão a Palavra de Deus.”7)

Uma declaração majestosa, V. 27) Tudo me foi entregue por meu Pai. Ninguém conhece oFilho senão o Pai; e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiserrevelar. Uma declaração de imenso alcance: Todas as coisas foram entregues ao poder de Cristo,também conforme sua natureza humana. Ele é o soberano despenseiro de todas as coisas, sendo quedele vêm todas as coisas e dons benfazejos, Mt.28.18. E a relação entre ele, mesmo de acordo comsua natureza humana, e seu Pai celeste é a mais íntima. Só ele conhece plenamente ao Pai tal comoo Pai conhece completamente a seu Filho. Entre as duas pessoas da Divindade reina plenacompreensão e perfeito entendimento, porque eles são um na essência. Todo aquele que reconhece,conhece e crê no Pai e no Filho, e no conselho salvador deles por meio do Filho, recebe esteconhecimento e esta fé da parte do Filho, que revela Deus e seu amor ao mundo. Ele deseja e quer asalvação das pessoas.

O convite gracioso, V. 28)Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, eeu vos aliviarei. 29) Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humildede coração; e achareis descanso para as vossas almas. 30) Porque o meu jogo é suave e o meufardo é leve. Homem nenhum podia ter dito estas palavras, tão cheias de majestade celeste econforto divino. Cristo, a propósito, faz uso de muitas frases do Antigo Testamento, mas aplica-astodas as si mesmo, mostrando, deste modo, que todos os tipos se realizaram e cumpriram nele. Seuchamado, cheio de autoridade e de bondade, se dirige aos fadigados e oprimidos, aos pobrespecadores, cujo peso das transgressões os curva ao chão e que não encontram consolo ou alivio emqualquer coisa do mundo. Todos eles encontram nele repouso, alívio, nova vida, nova força, sejaque seu fardo lhes tenha sido imposto por outros, ou imbecilmente assumido por eles mesmo. Emlugar desse peso que, tendo lhes sido imposto, os esmaga à condenação eterna, Cristo forneceráoutro, que é bem diferente, e que, por paradoxo, é, antes, um privilégio. Pois, este é o seu jugo, ojugo da cruz, que o cristão precisa carregar neste mundo, como seguidores que são daquele que pornós carregou sua cruz. Seu exemplo será um lembrete constante que sempre devemos ter em mente,para seguirmos sua brandura e humildade, os quais ele não ostentava externamente mas guardavaem sua alma. Este peso obrigatório do cristão é peso aprazível e leve para ser erguido. Nele não hánada que seja constrangedor e opressivo, porque, numa última análise, é Ele que em amor carregatanto a nós como aos nossos pesos. Ele dá descanso às nossas almas, que é aquele descanso ecompleta satisfação que nos vem pelo conhecimento do Salvador e de sua plena redenção,2.Co.4.17;7;4; Rm.8.35. Longe de nos separar do amor de Deus em Cristo Jesus, a tribulação davida presente, que é a cruz que carregamos por amor de nosso Senhor, une-nos ainda mais a elecom laços de valor eterno. “Os fiéis só olham pelo invisível e não visível. Eles, com fé simples epura, aderem à Palavra. Também é verdade em relação às coisas temporais, como dissemos acima,que as coisas boas que recebemos de Deus, são mais importantes e excelentes do que possa serqualquer infortúnio temporal. Mas isto é muito mais verdadeiro na igreja, onde ecoa esta palavra:Meu fardo é leve, a saber, para aqueles que crêem minhas palavras; e meu jugo é leve, a saber, seolhamos para Cristo, que prometeu dar-nos descanso, como ele próprio afiram: E achareis descansopara as vossas almas. Pois, estas palavras ‘encontrareis’ indicam que os piedosos, por algum tempo,estão sem descanso. Mas este tempo de turbulência é breve. O descanso das almas, porém, que os

7 ) 101) Lutero, 7.829.

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fiéis encontrarão, será sério e eterno”8). Este é o conforto final da promessa do evangelho: Restaum repouso para o povo de Deus, Hb.4.9.

Resumo: João envia uma delegação a Cristo, que oferece a este a oportunidade detestemunhar a respeito do Batista e de sua própria obra. Jesus também pronuncia um ai sobre ascidades mais importantes da Galiléia e anuncia um majestoso convite evangélico.

C A P I T U L O 1 2

O Senhor do Sábado, Mt.12.1-13.

Os discípulos tinham fome, V. 1) Por aquele tempo, em dia de sábado, passou Jesus pelassearas. Ora, estando os seus discípulos com fome entraram a colher espigas e a comer. Jesus,enquanto esteve envolvido em seu ministério na Galiléia, entrou em conflito com a observação dosábado por parte dos fariseus. Seus discípulos, acompanhando-o em sua caminhada, tiveram fome.No momento iam por um trilho que passava por uma lavoura de cereal que estava pronto para aceifa. “Estes trilhos são, via de regra, muito irregulares. Nunca eram vistoriados e nem reparados.Eram, simplesmente e de acordo com costume imemorável, destinados ao uso público. Quando umdono de terra desejava cultivar grãos num campo, por onde passava um desses trilhos, ele lavrara aterra até à borda do trilho estreito e semeava o grão. Não havia cercas nem valar para separar ocaminho do campo. Campos, cruzados por tais caminhos, são ainda muito comuns na Palestina. Foipor um desses caminhos que Jesus e seus discípulos caminhavam, quando estes no sábadoapanharam espigas de trigo”9 ). Notemos: A lei permitia que uma pessoa faminta apanhasseespigas do campo de outra pessoa, para acalmar as pontadas de sua fome, Dt.23.25. Mas, o fatoatual aconteceu num sábado, ou, como diz Lucas, no segundo sábado depois do primeiro, Lc.6.1, oque significa o primeiro sábado depois do segundo dia da Páscoa, quando era oferecido o feixe dosprimeiros frutos da terra, Lv.23.10,11. Era assim e a partir deste dia, que os judeus calculavam otempo até a festa das semanas ou pentecostes. Mal apenas, os discípulos haviam começado a colherespigas, quando se achou isto errado.

A objeção dos fariseus, V. 2) Os fariseus, porém, vendo isso, disseram-lhe: Eis que os teusdiscípulos fazem o que não é lícito fazer em dia de sábado. Os maldosos farejadores do erro,deliberadamente, fizeram dum montículo uma montanha e interpretaram a ação com sua usualintolerância. O apanhar se tornou para eles um colher, e o esfregar coma as mãos para remover ascascas em seus olhos se tornou trilhar. Nem mesmo na interpretação mais severa da lei judaica, nãohavia ocorrido nenhuma ação errada. Mas os fariseus o interpretaram assim e se ofenderam,acusando, também, Cristo como um cúmplice porque permitiu este sacrilégio. A resposta de Cristo,V. 3) Mas Jesus lhes disse: Não lestes o que fez Davi quando ele e seus companheiros tiveramfome? 4) Como entrou na casa de Deus, e comeram os pães da proposição, os quais não lhe eralícito comer, nem a ele nem aos que com ele estavam, mas exclusivamente aos sacerdotes? 5) Ounão lestes na lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado, e ficam sem culpa?Jesus tinha um modo muito desconcertante de citar as Escrituras aos seus inimigos, o que, via deregra, resultava na vexação e debandar envergonhado deles. Eles tem dois exemplos a dar: Davi,fugindo diante de Saul, chegou ao santuário do Senhor em Nobe, 1.Sm.21.1-6, onde o sacerdoteAimeleque lhe deu o pão sagrado ou o pão do favor de Deus, que estava na mesa do lugar sagrado.Estes pães consagrados só podiam ser comidos pelos sacerdotes, Lv.24.8,9, mas, ainda assim, Davi,que era o grande modelo da piedade judia, comeu com seus homens deste pão sacro. Por outro: Ossacerdotes, na realização regular de suas obrigações, sacrificando as ofertas queimadas nos cultosmatutinos e vespertinos no dia do sábado, em termos técnicos, transgrediam a lei do sábado, que

8 ) 102) Lutero, 1.1343,1344.9 ) 103) Barton, Archeology and the Bible, 132.

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proibia todo e qualquer trabalho, e assim, caso se queira argumentar do ponto de vista dos fariseus,realmente profanavam o sábado.

A aplicação do argumento, V. 6) Pois eu vos digo: Aqui está quem é maior que o templo. 7)Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero, e não holocaustos, não teríeiscondenado a inocentes. 8) Porque o Filho do homem é senhor do sábado. O argumento de Cristonão podia ser posto em dúvida. Ele, aqui, contudo, destaca os princípios envolvidos, para revelar amesquinhez e dureza dos corações deles. Em primeiro lugar: Ele é maior do que a lei dos judeus e otemplo. O que era permitido aos sacerdotes que serviam no templo, certamente, também devia serconcedido, como um direito, aos seus discípulos. E, mas: O sábado foi feito para o homem, e não ohomem para o sábado. A lei do amor, que é a lei maior, encontra aqui a sua aplicação, Os.6.6.Todos os sacrifícios, feitos na observação minuciosa da letra da lei, não podem ser colocados nomesmo nível com a misericórdia, com o amor, que é o cumprimento da lei. Um coraçãocompreende a necessidade do próximo e alegremente ajuda na busca de tudo quanto é preciso, estáenvolvido numa forma mais elevada de culto, do que aquele que defende um legalismo rigoroso. E,finalmente: Cristo declara, com franqueza, que ele é o Senhor do sábado. Ele é o fundador da NovaAliança. Todos os preceitos do Antigo Testamento, que dizem respeito a sacrifícios, sábado efestas, foram, tão somente, sombras de coisas que ainda deviam vir. Eles perderam sua força desdeque Cristo foi revelado. Só a Palavra de Deus e a lei do amor imperam no Novo Testamento.

A aplicação destes princípios, V. 9) Tendo Jesus partido dali, entrou na sinagoga deles.10) Achava-se ali um homem que tinha uma das mãos ressequida; e eles então, com o intuito deacusá-lo, perguntaram a Jesus: É lícito curar no sábado? 11) Ao que lhes respondeu: Qual dentrevós será o homem que, tendo uma ovelha, e, num sábado esta cair numa cova, não fará todo oesforço, tirando-a dali? 12) Ora, quanto mais vale um homem que uma ovelha? Logo, é lícito fazerbem, aos sábados. 13) Então disse ao homem: Estende a tua mão. Estendeu-a, e ela ficou são comoa outra. O ódio dos fariseus aumentava com cada nova derrota. Haviam recebido uma repreensãobem merecida, baseada nos fundamentos da Escritura, mas estavam determinados a mudar aadmiração do povo numa suspeição e, depois, em oposição. Por isso fixaram seus planos para umoutro sábado, Mc.3.2; Lc.6.6. Jesus, segundo seu costume, foi à sinagoga para ensinar. E lá,evidentemente de propósito, havia um homem com uma mão ressequida ou mirrada. Era um casoque poderia ser adiado até ao dia seguinte. Mas os fariseus estão tão afobados para provocar aoSenhor, que lhe colocam uma questão sobre a legalidade de curar em dia de sábado. Cristoresponde com duas contra-perguntas, e com uma conclusão irresistível. Um homem que tem algumsentimento, vendo a miséria dum animal mudo, sem levarmos em conta que é propriedade sua,retira a ovelha da cisterna. Os próprios mestres deles, naquele tempo, tinham cláusulas que proviampara tais casos. Será que um homem não deveria receber tanta consideração como um animal? Oscânons deles permitiam fazer o bem no sábado. Por isso é correto curar. Cristo derrotou aautoridade dos fariseus, e os desafiou a oferecerem acusação contra ele. E o homem enfermo,obedecendo a ordem de Cristo, reconheceu sua autoridade e deixou de lado a dos líderes judeus.Uma marcante manifestação de fé, dum lado, e, do outro, um modelo de poder divino: O melhorcumprimento do sábado.

A Inimizade dos Fariseus e a Resposta de Cristo, Mt.12.14-30.

V. 14) Retirando-se, porém, os fariseus conspiraram contra ele, em como lhe tirariam avida. Intimados por um momento e incapazes de formular uma resposta, a inveja e maldade deles,imediatamente, os leva à procura duma falta e tramar contra a vida do Senhor. Reuniram-se econsultaram uns com os outros, com o objetivo expresso de encontrar meios e maneiras para omatar. É a tanto que a hipocrisia pode rebaixar uma pessoa, que, até, a mais ultrajanteinsensibilidade e falta de misericórdia, e, inclusive, o ódio e a inimizade mortíferos, são ocultos emcostumes piedosos e por um comportamento santimônio.

Jesus se retira, V 15) mas Jesus, sabendo disto, afastou-se dali. Muitos o seguiram, e atodos ele curou, 16) advertindo-lhes, porém, que o não expusessem à publicidade; 17) para se

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cumprir o que foi dito por intermédio do profeta Isaías: 18) Eis aqui o meu servo, que escolhi, omeu amado, em quem a minha alma se compraz. Farei repousar sobre ele o meu Espírito, e eleanunciará juízo aos gentios. 19) Não contenderá, nem gritará, nem alguém ouvirá nas praças asua voz. 20) Não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega, até que façavencedor o juízo. 21) E no seu nome esperarão os gentios. Ainda não havia chegado a hora deJesus, em que seria entregue nas mãos de seus inimigos. Por isso ele deixou a cidade em que tiverao encontro com os fariseus. A fascinação de sua personalidade e de suas palavras ainda estavaacesa no povo, que o havia seguido em multidões. E a sua compaixão salvadora se estendia nasmesmas manifestações miraculosas e obras de cura. Mas ele, mais do que nunca dantes, detestava edesencorajava qualquer publicidade, visto que isto, neste estágio, prejudicaria seu trabalho. Porisso, rogou-lhes de maneira quase ameaçadora que não expusessem. Quanto ao momento presente,queria cumprir seu ministério, por assim dizer, no anonimato. E nisso se cumpriu a profecia,Is.42.1-4. O Servo de Javé é o Messias, Jesus Cristo, que, de acordo com sua natureza humana, nobatismo recebera o Espírito Santo, que naquela ocasião foi reconhecido como o Filho de Deus, cujamensagem do evangelho devia ser a luz dos gentios até os confins da terra. Seu espírito não serianem o da contenda, nem o da suave auto-propaganda. Esta é a maneira de pregadores que trazemseus nomes para a fachada mas esquecem o evangelho que foram enviados para pregar. Seuministério espiritual seria tão amável, compassivo e gentil que aqueles que eram fracos e cuja féestava a ponto de se apagar, podiam confiar em sua ajuda. A vara esmagada é amarrada comcuidado até que sua contusão esteja sarada: O cristão fraco recebe força do alto. A lâmpada da fé,que está prestes a se extinguir, receberá novo azeite do evangelho. O Messias, usando esta maneirade agir e por meio do evangelho, a levará à vitória sobre as forças de Satanás e da vaidade humana.E os próprios gentios, que, até o momento, estão longe dos testemunhos da promessa, aprenderão aconfiar em seu nome. Os milagres de seu ofício profético são uma afirmação breve mascompreensiva a respeito da obra messiânica de Cristo.

A cura dum endemoninhado, V. 22) Então lhe trouxeram um endemoninhado, cego emudo; e ele o curou, passando o mudo a falar e a ver. Esta narrativa ilustra, com muitapropriedade, o crescimento gradual da oposição, do ódio, da inimizade, da maldade e das calúniasque vinham dos fariseus. Foi trazido a Cristo um homem, ao qual o espírito do mal havia privadoda visão e da fala, torturando-o, assim, com a perda destes sentidos. V. 23) E toda a multidão seadmirava e dizia: É este, porventura, o Filho de Davi? As mentes ainda não haviam sido saturadascom o veneno da inimizade contra Cristo. As pessoas estavam francamente dominadas por estamaneira de o poder divino se evidenciar. E declaravam, publicamente, sua convicção que estehomem, com toda certeza, deve ser o Filho de Davi, o Messias prometido, no qual, segundo aexortação dos profetas, deviam confiar. Mas, ainda, expressam alguma dúvida: Será que este é ele?Com certeza, disso já não pode haver mais dúvida. Os fariseus, que sempre estavam por perto,imediatamente, nutriram pensamentos amargos, V. 24) Mas os fariseus, ouvindo isto,murmuravam: Este não expele os demônios senão pelo poder de Belzebu, o maioral dos demônios.Este pensamento foi provocado pela franca expressão de admiração por parte do povo. Eles,aparentemente, não empalharam suas idéias para além de seu círculo, porque temiam a multidão.Mas, segundo seu costume, murmuraram e resmungaram entre si, acusando a Cristo de estar emunião com o diabo, como já o disseram anteriormente, capítulo 9.4. Beelzebú, que significa deusdas moscas, e Beelzebul, deus do esterco, originalmente eram nomes de ídolos, e pelos judeus eramaplicados ao diabo. Foi uma insulto inominável que, desta forma, cumularam sobre o Senhor.

Cristo os chama a contas, V. 25) Jesus, porém, conhecendo-lhes os pensamentos, disse:Todo reino dividido contra si mesmo ficará deserto, e toda cidade, ou casa, dividida contra simesma, não subsistirá. 26) Se Satanás expele a Satanás, divido está contra si mesmo; como, pois,subsistirá o seu reino? 27) E, se eu expulso os demônios por Belzebu, por quem os expulsamvossos filhos^Por isso eles mesmos serão os vossos juízes. 28) Se, porém, eu expulso os demônios,pelo Espírito de deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós. Cristo, não somente,conhecia os esforços dos fariseus para o difamar, mas, sendo ele quem penetra corações e mentes,conhecia com exatidão suas palavras. Por isso, mostra-lhes, imediatamente, a loucura de tais idéias,

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o absurdo das acusações e suas implicações. Bem assim, como é proverbial, que a falta de unidadee harmonia divide uma nação, e que, acontecendo o mesmo numa família ou comunidade, entãoforam cortadas as relações que são necessárias para que haja crescimento e prosperidade, assimtambém o mesmo verdade no reino de Satanás. Parece que há na expressão de Cristo oculta aimplicação, de que tais loucuras, certas vezes, são cometidas por comunidades, sendo que guerrascivis não eram fato desconhecido, ainda que a história, em muitos exemplos, mostra as suasconseqüências fatais. Satanás, porém, tão perverso como é, não é tão tolo assim. O pensamento,que Satanás posso tentar despejar Satanás ou algum dos diabos, é o cúmulo dos absurdos. Podemcrer que ele é de inteligência bem mais astuta. Jesus reforça seu argumento, mostrando como aacusação contra ele condena-os. Os fariseus tinham filhos, ou discípulos, que treinavam para seremexorcistas, At.9.13,14, que tinham o costume de viajar pela terra tentando expelir demônios dospossessos. Usavam certos remédios, mas, especialmente, se fixavam em fórmulas mágicas em que onome de Javé era usado expressamente. A referência a estas atuações bloqueou aos fariseus.Responder afora, condenaria a eles e sua própria prática. Foram silenciados, julgados e condenadospela sua própria crítica. Jesus, contudo, em seu sucesso extraordinário, expelindo demônios,demonstrou, sem deixar dúvida, que o Espírito de Deus estava do seu lado, e que o próprio Espíritoque, em e por meio dele, trouxera-lhes o reino de Deus e se empenhava para implantar neles a fé.

Outra ilustração, V.29) Ou, como pode alguém entrar na casa do valente e roubar-lhe osbens sem primeiro amarrá-lo? e então lhe saqueará a casa. 30) Quem não e por mim, é contramim; e quem comigo não ajunta, espalha. Caso ainda não estejam convencidos, ele tentará firmarsua posição por meio de outro dizer parabólico. Cada demoníaco é um cativo de Satanás, estando,de corpo e alma, preso em seu poder, precisando fazer a vontade dele. Mas Cristo veio para destruiras obras do diabo, 1.Jo.3.8. E tem a vontade conquista a fortaleza do inimigo e arrebatar-lhe apresa. Jesus fez isto, não só nos casos individuais em que curou demoníacos, mas por meio de todoo seu viver, sofrer e morrer, por sua obediência ativa e passiva em favor de todas as pessoas. Eleconseguiu uma libertação completa do cativeiro do diabo. Com Cristo e em sua força – e só nele –está a vitória. Este fato dá ênfase à advertente afirmação quanto à seguinte alternativa: ou por oucontra Cristo. Não há algum terreno intermediário nesta decisão. Não há neutralidade nesta luta.Isto não se referia somente aos fariseus, cuja inimizade se tornava, dia a dia, mais evidente, mas,especialmente, se referia àqueles do povo que ainda estavam indecisos. As pessoas que se chamamneutras, que não querem opor-se francamente a Cristo mas que também não querem opor-se aosfilhos do mundo e aos blasfemos inteligentes, são, em última análise, inimigos da obra de Cristo ebarram a vinda do seu reino. Em lugar de juntarem com o Senhor da ceifa, sua indecisão e políticavacilante danificam sua causa.

O Pecado Contra o Espírito Santo, Mt.12.31-37.

Uma advertência solene, V. 31) Por isso vos declaro: Todo pecado e blasfêmia serãoperdoados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. 32) Se alguémproferir alguma palavra contra o Filho do homem, isso lhe será perdoado; mas se alguém falarcontra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir. Os judeusvivam seu dia da graça com a manifestação da misericórdia de Deus, de um modo tal como jamaisfora concedido a qualquer nação. O Espírito fazia o empenho mais gracioso para alcançar seuscorações e mentes pela Palavra como Cristo e seus discípulos a pregavam. Mas, seus líderes emuitos do povo endureciam, deliberadamente, seus corações contra a influência da obra emensagem de Cristo. Enquanto esta oposição e, até, blasfêmia provinham da ignorância e sedirigiam mais contra a pessoa de Cristo, poderia haver oportunidade e possibilidade dearrependimento. Tão logo, porém, que ocorre um blasfemar contra o Espírito Santo, então tudomudou. Pois, isto significa que uma pessoa, realmente, admitiu e reconheceu Jesus como oRedentor do mundo, que ele tem a convicção de fé, e que foi incapaz de negar as provas. Mas,apesar destas provas e convicção, deliberadamente e de modo blasfemo, rejeita a obra do EspíritoSanto para sua salvação. A frase: Nem neste mundo e nem no mundo do porvir, declara

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enfaticamente que o caráter peculiar deste pecado exclui todo e qualquer perdão. Já não há maisnenhuma esperança.

Advertências semelhantes, V 33) Ou fazei a árvore boa e o seu fruto bom, ou a árvore má eo seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore. 34) Raça de víboras, como podeis falarcoisas boas, sendo maus? porque a boca fala do que está cheio o coração. 35) O homem bom tirado tesouro bom coisas boas; mas o homem mau do mau tesouro tira coisas más. 36) Digo-vos quede toda palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no dia do juízo; 37) porquepelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras serás condenado. Estas palavras nãomais descrevem o pecado contra o Espírito Santo, mas descrevem a conduta daqueles que podemestar no perigo de endurecer seus corações contra as benignas influências de Cristo e suamensagem evangélica. É natureza duma boa árvore produzir bom fruto. É natureza duma árvore demá qualidade e arruinada dar frutos ruins e maus. Tudo depende do relacionamento com Cristo,para uma pessoa fazer obras boas ou más. Quanto aos que seguiam aos fariseus e o ódio deles eseus conseqüências, ele os chama geração de víboras. A maldade, a hipocrisia, o dolo das serpentesé sua característica marcante, Mt.3.7; Sl.140.3. João Batista e Cristo concordam em seu julgamentosobre eles. Mal satânico é tudo quanto se pode esperar duma raça moralmente sem esperança. Oveneno de sua natureza precisa brotar na imundície, na malevolência e na inimizade de suaslínguas. Um fato significativo: Em meio de sua mordaz denúncia, Jesus usa um provérbio que temuma interpretação tanto boa como má. O coração, repleto de certas idéias, naturalmente, transbordanas palavras que expressam a condição do coração. Se o coração é uma caixa-forte do bem, depalavras e desejos edificantes, elas se esforçam em brotar em conversa amável e edificante. Mas sedesejos pecaminosos se apossaram do coração, haverá explosões coléricas dirigidas contra todos osmandamentos, Mt.15.19; Mc.7.21. Isto não é coisa pequena: cada palavra inútil, vã, vazia esupérflua, dita sem necessidade ou sem o propósito de edificar, é assunto que Deus registra e queprecisa ser respondido no juízo final. Pois a palavra, como os antigos gregos estavam acostumadosa dizer, é a revelação da alma. Palavras são o indicador dum coração bom ou mau, dum coração queestá firme na fé em Cristo e cheio de amor a ele, ou dum coração que nunca se preocupou com avontade do Senhor, e é mau por pura inércia em relação ao que Cristo declarou por bom – a espéciemais pobre de descrença.

O Sinal do Céu e uma Advertência, Mt. 12.38-45.

Um pedido, V. 38) Então alguns escribas e fariseus replicaram: Mestre, queremos ver detua parte algum sinal. A maneira enfática de falar, que Cristo havia empregado, talvez, não ficousem influenciar alguns ouvintes. Alguns daqueles que ainda não eram blasfemos confessos, foram,talvez, suficientemente sinceros, quando lhe pediram alguma prova da autoridade messiânica parafazer tais afirmações. Contudo, o conjunto das coisas dificilmente permitirão uma interpretação tãocaridosa. Ao contrário, aqueles que, faz pouco, haviam lançado a suspeição de influência satânicasobre Cristo, ressentiam-se do fato que ele estava assumindo em público uma autoridade de rei e dejuiz. Rejeitaram a reivindicação de Cristo. Provavelmente, em franca zombaria, pediam por umsinal do céu para fortalecer suas reivindicações, que eles tinham como absurdas.

A negação, V. 39) Ele, porém, respondeu: Uma geração má e adúltera pede uma sinal;mas nenhum sinal lhe será dado, senão o do profeta Jonas. 40) Porque assim como esteve Jonastrês dias e três noites no ventre do grande peixe, assim o Filho do homem estará três dias e trêsnoites no coração da terra. Ele os chama uma geração má e adúltera. Enxergou seus corações e osjulgou de acordo com o que viu. Ele sabia qual era seu objetivo quando lhe pediram um milagre,visto que não eram sinceros na busca da verdade. Em sentido espiritual, eram adúlteros, Is.23.17.Eram idólatras, visto que rejeitavam a ele, que era o Messias do mundo. Iriam aderir aos gentios noato de sua condenação e crucificação. Na verdade, um sinal, um grande milagre seria dado a eles eao mundo: Sua ressurreição, tipificada na história do profeta Jonas. A fé em sua ressurreição será,tanto para esta geração como para todas as gerações futuras, a pedra de toque pela qual os

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seguidores de Cristo serão distinguidos de seus inimigos. Jesus se refere aos tempo entre seusepultamento e sua ressurreição, segundo a maneira dos judeus de calcular o tempo, em quequalquer dia parcial era contado como dia integral.

Um advertente chamamento, V. 41) Ninivitas se levantarão no juízo com esta geração, e acondenarão; porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis aqui está quem é maior doque Jonas. 42) A rainha do Sul se levantará no juízo com esta geração, e a condenará; porqueveio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. E eis aqui está quem é maior do queSalomão. A menção de Jonas traz consigo o pensamento que segue. Os ninivitas ouviram eacataram o chamado ao arrependimento, como Jonas o pregou, Jn.3.10. Ele só fora chamado porDeus a ser profeta, para levar esta mensagem, enquanto que aqui o Autor da mensagem estava empessoa em meio dos judeus, e tanto ele como sua mensagem não foram acolhidos. Por isso, no diado juízo, este povo gentio se erguerá em acusação contra a nação dos judeus e contra os seuschefes. Eles apresentarão uma acusação e denúncia formal, e lhes mostrarão serem culpados narejeição de Cristo. Do mesmo modo, a grande rainha que foi ver Salomão e ouvir seu saber,1.Rs.10, aparecerá no último dia diante do tribunal de Deus, e acrescentará seu testemunho ao dosninivitas pela condenação dos judeus. Ela veio duma terra distante, da Arábia Fênix, para ouvir asabedoria de um mero homem. Aqui, porém, a Sabedoria eterna do alto estava expondo o conselhoeterno de Deus, e, ainda assim, essa geração rejeitou tanto ao Homem como à sua mensagem.

Uma comparação, V.43) Quando o espírito imu8ndo sai do homem, anda por lugaresáridos procurando repouso, porém não encontra. 44) Por isso diz: Voltarei para minha casadonde saí. E, tendo voltado, a encontra vazia, varrida e ornamentada. 45) Então vai, e levaconsigo outros sete espíritos, piores do que ele, e, entrando, habitam ali; e o último estado daquelehomem torna-se pior do que o primeiro. Assim também acontecerá a esta geração perversa. Aspalavras finais fornecem a chave da passagem inteira. As pessoas dessa geração eram quaisdemoníacos, dos quais os maus espíritos haviam sido expulsos. Tinham, agora, a sua oportunidadede se verem livres para sempre da influência do maligno. Caso continuassem a desprezar suamensagem, experimentariam o mesmo que o homem, que ele descreve, experimentou. Os desertossão descritos como a habitação dos diabos, Jó 30.3; Ap.18.2; Lc.16.21. O espírito mau, banido parao ermo da desolação, mas sempre em busca dum lugar de repouso e não encontrando alívio para otédio e a monotonia, resolve voltar à sua antiga habitação. A narração é dramática: Chegando,encontra-a vazia, varrida e enfeitada. A nenhum espírito bom fora permitido fazer lá sua morada.Todo o amor, ternura e todo e qualquer impulso bom haviam sido enxotados, e a vaidade, asninharias exibidoras de comportamento e a loucura decoram o coração. Com tudo isto a darcoragem, o resultado se vê facilmente. O mau espírito escolhe sete sócios, todos eles moralmentemais depravados do que ele, e fazem dessa pessoa sua morada permanente. Essa é a condenávelauto-sujeição daqueles que. deliberadamente, endurecem seus corações e rejeitam a Cristo e sãopropositalmente ímpios. O pecado deles é o pecado dos pecados. O destino, aqui descrito porCristo, é aquele alcançará a todos quantos desprezam a visitação misericordiosa de Cristo em e pormeio do seu evangelho. Estes são os que ouviram sua mensagem de amor, mas esqueceram edesprezaram seus dons. São, em sentido duplo, filhos da destruição, tanto por natureza como porescolha. Seu fim é a condenação.

Os Parentes de Cristo, Mt.12. 46-50.

V. 46) Falava ainda Jesus ao povo, e eis que sua mãe e seus irmãos estavam do lado defora, procurando falar-lhe. 47) E alguém lhe disse: Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e queremfalar-te. 48) Porém ele respondeu ao que lhe trouxera o aviso: Quem é minha mãe e quem sãomeus irmãos? 49) E, estendendo a mão para os discípulos, disse: Eis minha mãe e meus irmãos.50) Porque qualquer que fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe. Estainterrupção não deve ser exposta, como se fosse uma futilidade ou, talvez, um desejo de interferirno trabalho do Senhor. Maria não aprendeu em vão a sua lição, Lc.2.49; Jo.2.4. E os outros

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parentes de Jesus, tenham sido seus primos ou meio-irmãos, ou mesmo irmãos verdadeiros, foramlevados por Maria. Ocorreu, talvez, mais do que uma vez, que os amigos de Jesus estivessemtemerosos que ele pudesse distrair-se por causa de sua demasiada aplicação para o pregar e curar,Mc.3.21. Jesus se aproveita da ocasião para dar uma lição, ao menos, para uma parte da multidãoreunida. Afeição e parentesco naturais não podem interferir nas exigências supremas do dever.Pode ser preciso, em certas circunstâncias, por amor a Cristo e seu reino, negar todos os laçoshumanos, tal como Cristo o fez aqui. Com um gesto eloqüente e amplo, que incluiu seus discípulosque estavam com ele, deu sua definição. Aqueles, cujos corações estão presos em Cristo, cuja fé emCristo os leva a reconhecer a verdadeira paternidade de Deus, e que os torna ansiosos para viveruma vida de serviço no fazer da Sua vontade, estão unidos a ele na união mais íntima possível.Cristo é para eles, de fato e de verdade, seu irmão e eles são, no sentido mais pleno da palavra,irmãos, irmãs e mães de Cristo. Este parentesco espiritual é a coisa mais maravilhosa e valiosa domundo. Ele é, muitas vezes, aquele uma coisa que mantém de pé ao cristão, em meio à oposição eàs provações destes últimos dias, pois o reconhecimento pleno será feito no céu.

Sumário: Cristo se proclama Senhor do sábado, realiza um milagre em apoio destepreceito, defende-se contra as acusações de estar em pacto com o diabo, adverte contra o pecado deblasfêmia contra o Espírito Santo e o endurecimento do coração, refere-se ao último sinal de suaressurreição, e ensina o que significa ser seu parente.

A Observância do Domingo

“Pois é incorreto o pensamento dos que julgam que a observância do domingo, em lugar dosábado, foi instituída como necessária pela autoridade da igreja. Foi a Escritura que ab-rogou osábado, e não a igreja. Porque depois de revelado o evangelho, pode-se omitir todas as cerimôniasmosaicas. Contudo, visto que era necessário estabelecer um dia determinado, a fim de que o povosoubesse, quando se podia reunir, é manifesto que a igreja destinou o domingo para este fim, eparece que a solução agradou tanto mais por pela razão seguinte: terem os homens um exemplo deliberdade cristã e saberem que nem o sábado nem qualquer outro dia é observância necessária”10).

“São Paulo e todo o Novo Testamento aboliram o sábado dos judeus, para que fossepalpável que o sábado só diz respeito aos judeus. Por isso não é necessário que os gentios guardemo sábado, mas esta foi só uma lei volumosa e severa para os judeus. Também os profetas citaramque o sábado devia ser abolido. Isaías diz no último capítulo, versículo 23: Quando vier o Mestre,haverá um tal tempo que uma luz nova seguirá à outra, e um sábado ao outro. É, como se eledissesse: Cada dia será sábado, cada dia será luz nova. Desta forma, em no Novo Testamento osábado já n~/ao existe mais na sua forma dura e externa. Pois este mandamento também tem umsignificado duplo, conforme os demais mandamentos, um extremo e um interno ou espiritual. Comos cristãos do Novo Testamento todos os dias são dias santos, e todos os dias são livres. Por issoCristo diz: O Filho do homem até do sábado é Senhor, Mt.12.8. Paulo, por isso, em vários lugaresadmoesta os cristãos que não se deixem prender a dia algum: Guardais dias, e meses, e tempos, eanos. Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco, Gl.4.10,11. E, de modo ainda maisclaro, aos colossenses: Ninguém, pois, vos julgue por causa de comida e bebida, ou dia de festa, oulua nova, ou sábado, porque tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir, Cl.2.16,17;Rm.14.5.

“Ainda que, agora, o sábado esteja abolido e as consciências estejam livres dele, ainda ébom e, até, necessário, observarmos um dia especial na semana, para nele usarmos, ouvirmos eaprendermos a Palavra de Deus. Pois, nem todos podem cuidar disso em cada dia. A naturezatambém exige que as pessoas descansem um dia da semana, e que tanto pessoas como animais seabstenham de trabalhar. Mas todo aquele que quisesse fazer do sábado um mandamentoobrigatório, como sendo uma obra que Deus exige, esse deve guardar o sábado e não o domingo.

10 ) 104) AC. XXVIII.58-60 (Livro Concórdia).

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Pois o sábado e não o domingo é ordenado aos judeus. Os cristãos, contudo, até agora guardaram odomingo e não o sábado, levados pela razão, que Cristo ressuscitou no domingo. Esta é umaindicação certa, que o sábado e todo o Moisés (lei cerimonial) j´´a não mais nos diz respeito; a nãoser que sejamos à força obrigados a guardar o sábado; e esta é uma prova grande e forte que osábado está abolido. Pois, em todo o Novo Testamento não encontramos qualquer passagem emque a celebração do sábado seja ordenado a nós cristãos.

“Por que, então, é o domingo observado pelos cristãos? Ainda que todos os dias estejamlivres, e que um dia seja igual ao outro, ainda é útil e bom, sim, muito necessário que um dia sejacelebrado, seja este o sábado, o domingo, ou qualquer outro. Pois, Deus deseja dirigircuidadosamente o mundo e governá-lo de modo pacífico. Por isso ele deu seis dias para o trabalho,mas no sétimo dia, tanto escravos, diaristas e trabalhadores de qualquer espécie, sim, tambémcavalos, bois e outro gado de tração, devem descansar, conforme diz o sentido desta mandamento,para que pelo descanso possam encontrar recreação. E, acima de tudo, que os que em outrasocasiões não tiverem folga, possam ouvir o sermão no dia santificado, e com isso apreender a Deus.E, por tais razões, as saber, por causa da caridade e necessidade, permaneceu o domingo, não pormotivo da lei de Moisés, mas por causa da nossa necessidade, que possamos descansar, e possamosaprender a Palavra de Deus.”11).

C A P I T U L O 1 3

A Parábola do Semeador, Mt.13.1-23.

V. 1) Naquele mesmo dia, saindo Jesus de casa, assentou-se à beira-mar; 2) e grandesmultidões se reuniram perto dele, de modo que entrou num barco e se assentou; e toda a multidãoestava em pé na praia. Ainda que, também neste capítulo, esteja evidente a sombra daincredulidade e hostilidade espiritual, ele, ainda assim, oferece um agradável alívio da densasituação do último encontro de Cristo com os fariseus. Na verdade, aconteceu naquele mesmo dia,mas sob condições totalmente diferentes. Notemos: Cristo, dificilmente, é, em qualquer ocasião,representado como alguém cansado. Era incansável em seus esforços pela salvação das pessoas. Elenunca consentir que sua terna solicitude fosse omitida, quando surgia a oportunidade de fazer obem. Deixando a casa onde ficava em Cafarnaum, foi à praia do lago, onde se assentou,provavelmente, para uma conversa confidencial com seus discípulos. Mas as habituais multidões sejuntaram e o rodearam, tornando necessário que ele entrasse num barco, onde se assentou,enquanto as pessoas ocupavam o espaço entre o mar e a elevação de terra em direção ao oeste,como num anfiteatro natural. Seu poder e popularidade, como professor, ainda não haviamdiminuído, apesar de todos os esforços dos fariseus, mas o próprio Cristo, como indicam suasparábolas, estava preparando uma mudança.

O relato dum parábola, V.3) E muitas coisas lhes falou por parábolas, e dizia: Eis que osemeador saiu a semear. 4) E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho, e, vindo as aves acomeram.5) Outra parte caiu em solo rochoso onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto não serprofunda a terra. 6) Saindo, porém o sol a queimou; e porque não tinha raiz, secou-se. 7) Outracaiu entre os espinhos, e os espinhos cresceram e a sufocaram. 8) Outra, enfim, caiu em boa terra,e deu fruto: a cem, a sessenta e a trinta por um. Parábolas são narrativas de ficção dumacomparação. E, como Jesus as empregava, ele fazia uso do que era familiar na natureza, na vidahumana e nas experiências, para ensinar e tornar familiares os grandes fatos do seu reino em suaforma real e visível. Os do oriente, via de regra, gostavam de parábolas. Jesus, porém, além disso,tinha uma maneira muito eficiente para cativar a atenção de seus ouvintes, e de enfatizar nacomparação os pontos importantes. A parábola do solo de quatro qualidades é um exemplo. Há umagricultor, um dono de casa, como os galileus estavam acostumados a ver, empenhado no semear

11 ) 105) Lutero, 3.1083-1085.

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suas sementes, não em sulcos mas no campo. Não podia ser evitado que alguma da semente caíssena trilha que, como era comum na Palestina, passava por seu campo. O resultado: Os grãos forampisados e esmagados sob os pés. Pássaros, de todas as espécies, apanharam-nos como alimentobem-vindo. Outra parte das sementes se alojou no solo pedregoso, onde a rocha estava próxima dasuperfície, cobrindo-a somente uma fina camada de terra. O resultado foi: A rocha retém o calorque causa um germinar e brotar rápido, mas um, ainda mais rápido, ser queimado pelo sol, vistoque as raízes não têm a chance de penetrar fundo na terra. Outros grãos caíram entre os espinhos,onde o arado, até, havia sido empregado mas não conseguira arrancar todas as raízes dos espinhos.O resultado: A erva daninha que era mais vigorosa, com sua folhagem densa, cortou o ar, a luz e afertilidade das tenras hastes dos grãos, e as sufocou. Outras sementes, porém, caíram em solo bom,rico, argiloso, fofo, profundo e limpo, onde ela possuía adubo e luz solar na proporção certa, epôde crescer e realizar as esperanças do dono de casa, concedendo um retorno rico ao seu trabalho.Em conclusão, Jesus exclama: V. 9) Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Esta é uma indicativa deque na história há um significado oculto, e que cada ouvinte devia encontrar este significado eaplica-lo de modo correto. Onde existe, por acaso, uma experiência similar na vida espiritual?

Um pedido por explicação, V. 10) Então se aproximaram os discípulos, e lhe perguntaram:Por que lhes falas por parábolas? Os discípulos que estavam com Jesus, incluindo, certamente,alguns dos doze apóstolos, ainda estavam muito toscos em assuntos espirituais. Possuíam poucacompreensão do reino de Deus e da verdadeira razão e finalidade da missão de Cristo. Não estavammuito preocupados com o método de ensino, mas sobre a explicação da história. – A razão de falarem parábolas, V. 11) Ao que respondeu: Porque a vós outros é dado conhecer os mistérios doreino dos céus, mas àqueles não lhes é isso concedido.12) Pois ao que tem se lhe dará, e terá emabundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. 13) Por isso lhes falo porparábolas; porque, vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem nem entendem. 14) De sorte que nelesse cumpre a profecia de Isaías: Ouvireis com os ouvidos, e de nenhum modo entendereis; vereiscom os olhos e de nenhum modo percebereis. 15) Porque o coração deste povo está endurecido, demau grado ouviram com os seus ouvidos, e fecharam os seus olhos; para não suceder que vejamcom os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e sejam por mimcurados. Cristo divide seus ouvintes em duas classes. Mas, distante de expor em Deus uma duplapredestinação calvinista, faz uma distinção muito cuidadosa na explicação das diferentes posiçõesem relação a ele e sua mensagem. A vós é dado, diz ele aos discípulos. Não é questão de maiorinteligência ou dum valor moral maior, mas só é dom gracioso de Deus atravez do Espírito Santo.Através da sua ação, eles devem conhecer os mistérios do reino do céu, as verdades antes ocultas,mas agora reveladas e tornadas conhecidas para congregar almas ao reino que é a sua igreja. Esteconhecer da salvação de suas almas foi dado aos discípulos e eles o receberam. O Espírito lho deu,para que, como diz Lutero, não só ouvissem e vissem, mas também entendessem com seus coraçõese cressem. E estas misericórdias deviam ser multiplicadas sobre eles. Sua compreensão dosmaravilhosos mistérios de Deus e a posse deles devia crescer de dia a dia, dando-lhes, finalmente,uma rica abundância das misericórdias de Deus. Mas a outra classe não recebeu a mensagem deCristo, por isso a eles nada mais se lhes dará. Aquele que carece de compreensão em coisasespirituais, esse se tornará, dia a dia, mais e mais pobre. Este é o juízo de Deus sobre as pessoasperversas, devido, unicamente, à culpa delas e à sua rejeição de Cristo e de sua compaixão. Isaíasfora obrigado a chamá-las a contas, porque recusavam dobrar-se sob a mão de Deus, Is.6.9,10.Anunciara-lhes o juízo de Deus. Os olhos e os ouvidos destas pessoas podiam estar dispostos, maso entendimento de suas almas se tornaria, com o passar do tempo, ainda mais indolente. Seuscorações tornariam estúpidos, e teriam dificuldade sempre maior em ouvir a voz de Deus. Seusolhos ficariam cegos em relação à oferta da misericórdia de Deus. Este é o julgamento de Deussobre este endurecer dos seus corações contra o evangelho da compaixão, cujo principal objetivo ésalvar almas. Este juízo sobre Israel começou nos dias do profeta Isaías, e foi completado nos diasde Cristo e seus apóstolos. A grande maioria do povo de Israel, tanto da Judéia como da Galiléia,endureceram seus corações contra a Palavra e a obra de Cristo. E, assim, a pregação de Cristo,finalmente, se lhes tornou um aroma de morte para a morte, 2.Co.2.16.

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A bendição dos seguidores de Cristo, V. 16) Bem-aventurados, porém, os vossos olhos,porque vêem; e os vossos ouvidos, porque ouvem. 17) Pois em verdade vos digo que muitosprofetas e justos desejaram ver o que vedes, e não viram; e ouvir o que ouvis, e não ouviram. Afelicidade plena e verdadeira é ter olhos e ouvidos que foram abertos pela benigna misericórdia deJesus. Não só os membros externos dos corpos dos discípulos foram abençoados, por seremtestemunhas do cumprimento do Antigo Testamento, de ver e estar em comunhão constante eíntima com aquele para o qual apontava toda a antiga aliança, a quem os profetas anelavampertencer e as pessoas pias desde Eva e Jacó até Malaquias e Simeão, - mas os olhos do seuentendimento foram iluminados pelo Seu poder. Conheciam Jesus como seu Salvador, e se sentiamfelizes neste conhecimento.

A interpretação da parábola, V.18) Atendei vós, pois, à parábola do semeador. 19) A todosos que ouvem a palavra do reino, e não a compreendem, vem o maligno e arrebata o que lhes foisemeado no coração. Este é o que foi semeado à beira do caminho 20) O que foi semeado em solorochoso, esse é o que ouve a palavra e a recebe logo, com alegria; 21) mas não tem raiz em simesmo, sendo antes de pouca duração; em lhe chegando a angústia ou a perseguição por causa dapalavra, logo se escandaliza. 2) O que foi semeado entre os espinhos é o que ouve a palavra,porém os cuidados do mundo e a fascinação das riquezas sufocam a palavra, e fica infrutífera. 23)Mas o que foi semeado em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende; este frutifica, eproduz a cem, a sessenta e a trinta por um. Ele coloca seus discípulos à parte e lhes diz: Vós, porisso, ouvi, e, ouvindo, aprendei a lição. A semente que é semeada no reino e com o propósito devencer pelo reino, sempre é a mesma, é a Palavra de Deus, assim como também é o mesmo aqueleque a semeia, seja isto pessoalmente, como aconteceu nos dias de sua carreira terrena, ou por meiode seus servos como acontece hoje. Mas, também há, em assuntos espirituais, quatro espéciesdiferentes de solo. Há alguns (e isto é verdade sobre todos que assim agem), que dão atençãofugidia à mensagem do reino. Entraram, de algum modo, em contato com a igreja. Alguma fase dotrabalho da igreja bateu em sua imaginação. Não há, contudo, entendimento. Eles, literalmente, nãoa levam aos corações e mentes, e a Palavra nunca se torna num fator real em suas vidas. Neste casoo maligno, Satanás, encontra pouca dificuldade para arrebatar a verdade que apenas, mal e mal,haviam agarrado com sua inteligência, 2.Tm.4.4; 2.Ts.2.11. “Não nos parece ser perigoso ouvir aPalavra de Deus, e não guardá-la. Quem o faz, consideramos como pessoas más e desatentas, epensamos que seja natural que eles ouvem o sermão mas o esquecem. Cristo, porém, julga aquidiferente e diz: O diabo tira a Palavra do coração destas pessoas. ... Por isso, quando vês umapessoa que se dá o direito que se lhe fale pregue como se fosse a um tronco, e todo o esforço écomo desferir golpes na água, ... então não pensa nada mais do que, que Satanás se alojou em seucoração e arrebata a semente, que é a Palavra de Deus, para que não creia e seja salvo”12).

Uma outra classe de pessoas que são cristãos temporários, são caracterizadas pela avidez eaparente alegria com que aceitam a Palavra. Sua ansiosidade às vezes causa verdadeiro embaraço.Mas são criaturas vivazes, emotivas e rasas. Sua fé, ainda que genuína, não está suficientementeenraizada para resistir a desapontamentos, em especial, tribulações, suspeição, ódio, inimizade, e aresultante perseguição declarada ou escondida por causa da Palavra. Sua aceitação rápida daPalavra é só igualada pelo seu rápido ofender-se quando se lhes exige sofrer por causa de Cristo.Querem a coroa, mas não a cruz. O caso de outra classe não muito diferente. Dos adeptos destaclasse se afirma que ouvem a Palavra, ao menos, com um aceitação intelectual. Seus corações nãoforam devidamente limpos das raízes dos cuidados e desejos do mundo. Não são sinceros emrelação à Palavra, não a empregando para a purificação de seus corações. As preocupações e oscuidados desta mundo, o amor e desejo por riquezas, enchem seus corações e monopolizam suaatenção. Em seus corações não há real cristianismo.

Somente a quarta classe de ouvintes apresenta um solo pronto para uma ceifa e fruto queagrada plenamente ao Senhor. Estes são os que ouvem e guardam a Palavra em corações delicadose bons. Neste caso o solo dos corações havia sido bem preparado pelo lavrar da lei, que, também,

12 ) 106) Lutero, 13.204,205.

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desarraigou todo o amor mundano e o dos cuidados do mundo, toda a vaidade e presunção. Aseguir o Mestre semeou nele sua boa semente que é o evangelho da sua misericórdia, que tambémenvia as fontes de sua graça e o sol de sua justiça. E, eis, que há bom fruto, mesmo que a medidadependa dos dons diferentes, da disposição e da capacidade de receber e propagar o reino de Deus.

A Parábola do Joio e Outras, Mt.13.24-54.

V. 24) Outra parábola lhes propôs, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um homemque semeou boa semente no seu campo; 25) mas, enquanto os homens dormiam, veio o inimigodele, semeou o joio no meio do trigo, e retirou-se. A parábola se destina, é destinada, como umalimento espiritual, para a instrução da alma. O reino dos céus ou a igreja de Cristo, falando maisprecisamente, inclui só aqueles que, sob sua direção, estão unidos pelos laços duma fé comum esincera nele.c Mas, aqui, o Senhor descreve a igreja tal como ela se apresenta no mundo, e comonós de forma concreta lidamos com ela. Seu quadro é, novamente, buscado do trabalho dumlavrador. Um homem, certamente, só semeará, em seu campo, a melhor semente que consegue, casoquiser uma colheita farta e boa. Este foi também o costume deste dono de casa. Mas, enquanto oshomens, isto significa qualquer homem honesto, dormiam, veio seu inimigo com alguma espécie desemente má, ou de algum trigo ruim, cujas hastes e espigas se parecem muito com grão verdadeiro(trigo bastardo ou joio), e, deliberada e maldosamente, semeou este semente de inço em meio aotrigo, de modo tão denso como se ainda nada tivesse sido semeado nele. Acabada sua açãovingativa, foi embora. Sabia que o dano, dificilmente, seria descoberto até que seria demasiadotarde para prevenir o problema.

O resultado da trama, V. 26) E, quando a erva cresceu e produziu fruto, apareceu tambémo joio. 27) Então, vindo os servos do dono da casa, lhe disseram: Senhor, não semeaste boasemente no teu campo? Donde vem, pois, o joio? 28) Ele, porém, lhes respondeu: Um inimigo fezisso. Mas os servos lhe perguntaram: Queres que vamos e arranquemos o joio? 29) Não! replicouele, para que, ao separar o joio, não arranqueis também com ele o trigo. 30) Deixai-os crescerjuntos até à colheita, e, no tempo da colheita, direi aos ceifeiros: Ajuntai primeiro o joio, atai-oem feixes para ser queimado; mas o trigo, recolhei-o no meu celeiro. O plano do inimigo, comcerteza, procedeu duma esperteza diabólica. Pois, o ardil vingativo não se revelou antes que ocampo começou a formar espigas e a madurar, e o trigo enganoso trouxe espigas em cada raminho.A surpresa dos trabalhadores se deve à extensão da área infestada de inço, e não devido a algumasemente ruim ou a um crescimento espontâneo. O dono de casa soube a razão: alguma pessoainimiga era a causa única que poderia executar um plano tão perfeito para o prejudicar. Todavia,ele não concorda com o plano sugerido pelos trabalhadores, de saírem e arrancarem o trigo falso.Estando as raízes do joio entremeados com as do trigo, havia o perigo de arrancar a ambos. Antes,seu plano é esperar até que o trigo esteja maduro, e a atual preocupação já não mais exista. Osceifeiros, facilmente, poderiam fazer a seleção correta, sendo, após, o joio atado em feixes para serqueimado, enquanto o trigo podia ser recolhido ao celeiro. Além da explicação dada pelo Senhor,há, nas palavras do dono de casa, uma lição que devia ser anotada com cuidado. “Conforme esteexemplo, podes, agora, também ter uma idéia correta sobre a maneira em que nós devíamos agiracontra o inço, que se chama doutrina falsa, ou as heresias e os falsos cristãos. É deles que oevangelho fala. Pois, na igreja as coisas acontecem em assim: Não podemos evitar que haja pessoasmás em nosso meio, como sejam heréticos e sectários. Pois, se um é arrancado, o espírito maudesperta logo outros. Como, por isso, deverei agir? Devo eliminá-los mas não destruí-los. ... Comoassim? Ora, faze como aqui o fez o grão. Que cresçam por algum tempo. Tão somente estejas certode permanecer senhor em teu território. Tu que és pregador, pastor ou ouvinte, impede e evita-os,isto é, os heréticos e professores rebeldes, para que não cheguem a dirigir e governar. Deixa queresmunguem no canto, mas, quanto está em ti, não permitas que alcancem o púlpito e o altar. Nãohá outra maneira para os conter. Pois, se à força erradicasse a um deles, dois cresceriam em sue

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lugar. Deves, por isso, agir assim contra eles, contendo-os pela Palavra e a fé. Não permitas aninguém roubar-te a fé genuína, a confissão e a vida cristã. Admoesta e repreende-os tanto quantote for possível. Se isto não dá resultados, excomunga-os publicamente, para que cada um os possaconsiderar e evitar como inça perigoso”13).

A parábola do grão de mostarda, V. 31) Outra parábola lhes propôs, dizendo: O reino doscéus é semelhante a um grão de mostarda, que um homem tomou e plantou no seu campo; 32) oqual é, na verdade, a menor de todas as sementes, e, crescida, é maior do que as hortaliças, e sefaz árvore, de modo que as aves do céu vêm aninhar-se nos seus ramos. Serviu-lhes, à escolha,alimento espiritual para sua instrução e edificação. O reino de Cristo é, em seu crescimento,semelhante a um grão de mostarda, cujo tamanho e aparência não deixam visualizar a força do seucrescimento nem do tamanho da erva quando adulta. Seja isto, quando se restringe a palavra àquelaerva da horta ou se inclui a árvore da mostarda do oriente, a cujo tamanho desenvolvido osescritores judeus se referem com freqüência. Ela fica tão grande que as aves fazem ninhos sobreseus galhos. Parece quase incrível que uma semente tão pequenina possa produzir uma planta tãogrande, a ponto de se parecer com u8ma árvore. Mas, bem assim, como Cristo aqui prediz, cresce oreino de Cristo desde o seu início tão pequeno até se estender por toda a terra., e se tornar um lugarde repouso e paz para as pessoas. Os poucos e desprezados discípulos, que Cristo reuniu ao seuredor, foram o núcleo da imensa igreja cristã, que nasceu e é mantida pelo poder do evangelho.

A parábola da levedura, V. 33) Disse-lhes outra parábola: O reino dos céus é semelhanteao fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até, ficar tudolevedado. Um pouco de levedura, de fermento, quando juntado à qualquer farinha de cereais, sobcondições propícias, rapidamente, passará suas qualidades a toda a massa. Jesus, a propósito, usauma grande quantidade de farinha, três satons ou seahs, diz ele, o que é igual a mais ou menosvinte e oito litros (ou sessenta quartilhos). O fermento pode ser oculto pelo amassar, mas nãodurará muito, e a sua força se manifestará, e toda a massa estará levedada. Assim a Palavra deDeus, que constrói o reino, também exerce seu poder fermentativo, tanto em indivíduos como emcomunidades e nações.Ela tem a força inerente de mudar e de renovar o coração e a vida daspessoas e de adequá-las sempre mais para serem membros constantes do reino de Deus.

Uma explicação do evangelista, V. 34) Todas estas coisas disse Jesus às multidões porparábolas, e sem parábola nada lhes dizia; 35) para que se cumprisse o que foi dito porintermédio do profeta: Abrirei em parábolas a minha boca; publicarei coisas ocultas desde acriação do mundo. Foi naquele tempo que Jesus empregou esta forma de ensinar, pelas razões queo evangelista indicou anteriormente, V.13. Aqui, mais outra profecia se cumpriu, Sl.78.2. Mas,ainda que a maioria dos que o ouviam não tinha mais o verdadeiro benefício espiritual das belashistórias que Jesus lhes contava, havia, ainda, uns poucos que entenderiam sua linguagem. Paraestes os seus ensinos se tornaram, realmente, revelações, ou um tornar conhecido, das coisasmaravilhosas de Deus, que, desde a fundação do mundo, haviam estado ocultas mas tornadoconhecidas dentro do conselho de Deus. Aqui estão reveladas, de maneira simples e agradável, asbelezas invisíveis e celestiais diante dos olhos dos iletrados discípulos, ainda que Cristo fosseobrigado, em especial no começo, a lhes abrir os olhos de seu entendimento.Jesus explica a parábola do joio, V.36) Então, despedindo as multidões foi Jesus para casa. Echegando-se a ele os seus discípulos, disseram: Explica-nos a parábola do joio do campo. 37) Eele respondeu: O que semeia a boa semente é o Filho do homem; 38) o campo é o mundo; a boasemente são os filhos do reino; o joio são os filhos do maligno; 39) o inimigo que o semeou é odiabo; a ceifa é a consumação do século, e os ceifeiros são anjos. 40) Pois, assim como o joio écolhido e lançado ao fogo, assim será na consumação do século. 41) Mandará o Filho do homemos seus anjos que ajuntarão do seu reino todos os escândalos e os que praticam a iniqüidade, 42) eos lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes. 43) Então os justosresplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. A narrativarevela uma intimidade respeitosa por parte dos discípulos. Quando Jesus havia retornado para casa,

13 ) 107) Lutero, 12.1248,1249.

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eles não hesitam em pedir uma explicação, para que a parábola lhes fosse bem clara. Ele,mostrando muita paciência com eles, interpretou-lha ponto por ponto. O mundo imenso é a lavourado Filho do homem, que aqui se apresenta como o Senhor da igreja. Suas sementes são os fiéis. Osinfiéis são os filhos do diabo. A incredulidade destes ficará evidente no dia da colheita, mesmo queeles a ocultaram ardilosamente sob a cara da piedade.Seu nome é transgressores. Eles entravam odesenvolvimento da boa semente. São culpados dum comportamento que é contrário à lei, e de umdeliberado ignorar das lei. Aos cristãos, estes fatos não deviam ser surpresa. “Cristo, não somente,fala sobre isto, mas, também, indica a razão donde vem esse lixo. Na igreja, onde a verdadeirasemente está sendo semeada, isto é, onde a Palavra de Deus está sendo pregada em sua verdade epureza, ainda existem tantos inços nocivos, tantos hipócritas e cristãos falsos. Ele indica isto, paranos prevenir da ofensa, que, do contrário, escandaliza o mundo todo e o leva a dizer que dapregação do evangelho não provém bem algum. ... Mas isto não é culpa da doutrina que é pura esadia. Também não é culpa dos pregadores, que gostariam de ver que as pessoas são piedosas, eque nisso aplicam todo seu esforço. É, porém, culpa do inimigo ou do diabo, que age qualagricultor ou vizinho perverso. Quando as pessoas dormem e nem pensam em dano, ele não dormemas vem e semeia joio na lavoura. O seguinte também é um ponto que é destacado na parábola quetemos diante de nós, a saber, que o diabo se apossa dos corações que não prestam atenção àPalavra, e, assim, dia após dia, são mais distanciados dela, e permitem que o diabo os guie e dirija,segundo bem lhe aprouver, a tudo o que é pecado e vergonha”14).

No dia do julgamento será procedida a separação: Os cristãos falsos receberão sua sentençae serão condenados às torturas do fogo do inferno, onde sua parte será choro e ranger de dentes.Mas aqueles que Cristo declarou justos, que diante dele são justos peloso méritos do Salvador, aquem aceitaram, - estes receberão o galardão de misericórdia. A glória deles será esplendor intensoe visível, semelhante ao do sol. Terão a plena percepção que Deus é seu Pai em Jesus Cristo, porquem são justificados diante dele, e receberam a adoção de filhos. Este é algo que se deve esperarem piedosa expectativa.

A parábola do tesouro, V. 44) O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto nocampo, o qual certo homem, tendo-o achado, escondeu. E, transbordante de alegria, vai, vendetudo o tem, e compra aquele campo. Jesus, no caso presente, não está preocupado com os aspectosmorais do fato, caso isto seja considerado. É uma narrativa que encontra seu paralelo em muitasocasiões, tais como no descobrimento duma jazida de carvão ou de algum metal precioso. No casopresente, o tesouro sido oculto ou enterrado deliberadamente. Por acaso ou intencionalmente, umhomem achou este tesouro. Estando consciente do seu grande valor, ocultou o que acharanovamente. Quase não podendo conter-se de alegria sobre seu feliz achado, vai e vende toda suapropriedade e compra esse pedaço de terra. Que efeito vivaz no relato! A salvação ensinada noevangelho é semelhante a um tesouro tão rico, é semelhante a uma mina oculta, cujas veias corremem todas as direções das Escrituras Sagradas, sendo um tesouro de valor inestimável. “O pontodesta parábola é que o reino do céu ultrapassa qualquer valor, e que o homem que entende isto,com prazer, terá participação em tudo.”

A parábola da pérola, V.45) O reino dos céus é também semelhante a um que negocia eprocura boas pérolas; 46) e tendo achado uma pérola de grande valor, vendeu tudo o que possuía,e a comprou. Este negociante, sabendo que uma pérola perfeita, de tamanho grande, bem redonda,de brilho uniforme, em seu valor ultrapassaria centenas de pérolas pequenas e imperfeitas. Sendoesperto, foi à procura, para, se possível, achar uma pérola de valor tão raro. Tendo achado uma quelhe parecia excelentemente preciosa, arrisca tudo o que tem, emprega todas as suas posses neste ume grande valor de sua vida. A glória e o encanto da misericórdia de Deus no evangelho é tão grandee precioso, que, comparado com ele, tudo o mais se perde na insignificância. A pérola do cristão é asalvação em Cristo, que é o maior tesouro do reino de Deus. Aquele que chegou a conhecer estapérola de grande valor, alegremente, renunciará todos os bens, todas as alegrias e todos os deleitesdeste mundo, e considerará toda sabedoria e justiça humana como perda, para ganhar a Cristo.

14 ) 108) Lutero, citado em Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Testaments, 64.

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A parábola da rede, V. 47) O reino dos céus é ainda semelhante a uma rede que, lançadaao Omar, recolhe peixes de toda espécie. 48) E, quando já está cheia, os pescadores arrastam-napara a praia e, assentados, escolhem os bons para os cestos, e os ruins deitam fora. 49) Assim serána consumação do século: Sairão os anjos e separarão os maus dentre os justos, 50) e os lançarãona fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes. Esta parábola oferece um quadro que eramuito familiar aos discípulos. Uma rede enorme, tal como as usadas nas pescarias de mar profundo,é lançada ao mar e apanha um grande número de várias espécies de peixes, bons e maus,comestíveis e não comestíveis. Embora a rede cheia seja arrastada à praia, o valor da pesca está nospeixes bons. Por isso, os demais peixes são cuidadosamente separados e atirados fora. Estes, defato, nem foram contados como pescados. O reino do céu, assim como se manifesta na terra, ésemelhante a uma tal rede. O trabalho da pregação do evangelho tem como resultado uma coletaexterna daqueles que realmente são membros do reino e daqueles que, meramente, se parecemcomo membros mas que não aceitaram o evangelho. Estes últimos aumentam o tamanho da igrejamas não pertencem à sua essência. No dia final ocorrerá a separação, e classificação resultará naeterna condenação daqueles que meramente se fingiam de membros, mas que não se preocuparamcom a fé e a salvação.

Conclusão das parábolas, V. 51) Entendestes todas estas coisas? Responderam-lhe: Sim.52) Então lhes disse: Por isso todo escriba versado no reino dos céus é semelhante a um pai defamília que tira do seu depósito coisas novas e coisas velhas. Os discípulos, como o auxílio dasinstruções que Cristo lhes dera anteriormente, foram, até certo ponto, capazes se seguir seu falar emparábolas e delas tirar as conclusões certas, e compreender a importância de sua correta aplicação.Satisfeito com estas evidências da parte deles, dá-lhes mais alguma instrução que se refere, emespecial, ao seu trabalho futuro. Cada copiador e intérprete das Sagradas Escrituras, por isso, cadamestre cristão, porque ensinado por Deus nos mistérios do evangelho de Cristo e porque é umaluno no reino do céu e um discípulo de Cristo, é capaz de, livremente, repartir deste tesouro quelhe foi confiado. Será capaz de usar fatos, tipos e doutrinas antigas e familiares, para ilustrar asverdades do reino. Apresentará o antigo evangelho sob novas vestes e o aplicará às condições e àépoca em que trabalha, e será capaz de enfocar a aplicação ou interpretação mais minuciosa depassagens que, talvez, se tenham tornado corriqueiras pelo seu uso constante. Assim, como elepessoalmente cresce em conhecimento, também auxilia seus ouvintes a crescer na graça e noconhecimento de Jesus Cristo, seu Salvador.

A Visita a Nazaré, Mt.13.53-58.

V. 53) Tendo Jesus proferido estas palavras, retirou-se dali. 54) E, chegando à sua terra,ensinava-os na sinagoga, de tal sorte que se maravilhavam, e diziam: Donde lhe vêm estasabedoria e poderes miraculosos? 55) Não é este o filho do carpinteiro? não se chama sua mãeMaria, e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? 56) Não vivem entre nós todas as suas irmãs?Donde lhe vem, pois, tudo isto? Jesus, neste ponto, concluiu esta série de parábolas. Seusdiscípulos, ao menos por algum tempo, se poderiam ocupar em absorver as grandes verdadesespirituais que lhes dera a conhecer. Saiu de Cafarnaum. Literalmente, mudou-se. Vindo a Nazaré,sua antiga morada, ensinou seus antigos vizinhos na sinagoga deles. Esta foi, sem dúvida, umasegundo visita. Foi diferente da referida em Lc.6.16-30. Mas os efeitos foram pouquíssimodiferentes dos daquela. Seus ouvintes, a princípio, estavam muito admirados e pasmados. Estavammaravilhados com a sua sabedoria, seus poderes, sua habilidade em realizar milagres. Mas, numsegundo momento, recordaram-se da sua juventude. Ele não é nada mais do que o filho dumcarpinteiro, dum trabalhador em madeira. Conhecemos todos os membros de sua família. O textofala muito vigorosamente, tanto dos irmãos como das irmãs naturais do Senhor. “Donde, pois” éuma expressão de desprezo. Julgavam-se conhecedores plenos de sua educação. Evidentemente,

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não compreenderam que, ao desprezarem um filho de sua terra, estavam condenando sua própriacidade e suas escolas. Era, como se dissessem: Ele, certamente, não aprendeu isto de nós!

O comportamento de Cristo em meio a esta crise, V. 57) E escandalizavam-se nele. Jesus,porém, lhes disse: Não há profeta sem honra senão na sua terra e na sua casa. 56) E não fez alimuitos milagres, por causa da incredulidade deles. A ofensa que tomaram nele, desacreditouunicamente a eles. Foi seu orgulho e inveja que lhes causa sua destruição. Cristo, por isso, só lheslembra o dito proverbial de que uma profeta está sem honra em sua própria casa. A impiedade delesmagoou-o muito. Havia feito todos os esforços em favor deles, mas sua rejeição tornara inúteisquaisquer esforços futuros. O número de seus milagres reduziu-se muito, restringindo-se a casosexcepcionais em que a fé era evidente. A descrença e o desprezo do povo de Nazaré expulsou Jesusdo seu meio. Não reconheceram a visitação da graça de Deus.

Resumo: Cristo ensina o povo, mas especialmente seus discípulos, por meio das parábolasdas quatro espécies de solo, do trigo e do joio, do grão de mostarda, do tesouro oculto, da pérola degrande valor, da rede com peixes, do dono de casa, e faz uma visita a Nazaré, onde é rejeitado.

C A P I T U L O 1 4

A Morte de João Batista, Mt.14.1-12.

A fama de Jesus chega a Herodes, V. 1) Por aquele tempo ouviu o tetrarca Herodes a famade Jesus, 2) e disse aos que o serviam: Este é João Batista; ele ressuscitou dos mortos e, por isso,nele operam forças miraculosas. Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande, foi tetrarca daGaliléia e Peréia, até 39 A.D. Igualava a seu pai em ambição, sagacidade política e em amor poresplendor. A nova cidade de Tiberíades, junto ao Mar da Galiléia, foi um monumento do seu gostoluxuoso. Foi nesse tempo que as notícias sobre Jesus alcançaram o palácio real. Herodes estava tãoocupado com seus esquemas políticos em Roma, com seus prazeres adúlteros e com seus planosambiciosos em geral, que, dera pouca atenção para sua própria terra. Mas, bem recentemente, peloque parece, fez de Tiberíades sua residência temporária. E, assim, ouviu de Jesus. Pois toda a terrafalava dele. Herodes, imediatamente, concluiu que este deveria ser João Batista que ressuscitara eestava realizando milagres tão extraordinários. Estava claro, que a consciência de Herodes o estavaafligindo, por causa do assassinato de João Batista, da qual ele fora o culpado.

O relato da prisão de João, V. 3) Porque Herodes havendo prendido e atado a João, ometera no cárcere, por causa de Herodias, mulher de Filipe, seu irmão; 4) pois João lhe dizia:Não te é lícito possuí-la. 5) E, querendo matá-lo, temia o povo, porque o tinham como profeta. Éuma narrativa lacônica duma sórdida baixeza! Herodes havia casado legalmente com a filha do reiAretas da Arábia. E Herodias, sua sobrinha, filha de Aristóbulo e Rerenice, havia sido dada emcasamento a Filipe, irmão de Herodes Antipas. Mas Herodes rejeitou sua mulher legítima epersuadiu Herodias a deixar seu esposo para viver com ele numa união adúltera, com o que aambiciosa libertina logo concordou. Ela, do seu matrimônio legal, trouxe consigo uma filha,Salomé, que se igualava com a mãe em falta de vergonha. João não hesitara em chamar Herodes acontas pelo seu pecado hediondo. O governante adúltero, talvez, sentisse a correção da repreensão,e fosse disposto a desconsiderar a franqueza do pregador intrépido.Mas Herodias se ressentiu-semuito mais com o descrédito, precisando admitir sua cumplicidade. Herodes, por causa dela,mandou prender a João, amarrando e lançando-o na prisão. Enquanto isto, precisou enfrentar oexército de Aretas, que tomou sangrenta vingança contra Herodes pelo insulto causado à sua filha.Não tivessem os romanos interferido, Herodes poderia ter pago caro por seu atrevimento imoral. Dequalquer maneira, Herodes estava indeciso, não sabendo se devia matar a João, como o exigiaHerodias, ou soltá-lo, porque o povo acreditava que ele era um profeta, e ele próprio fora muito

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influenciado pela pregação de João, Mc.6.20. Sempre que chegava a Maquero, o caso lhe vinha àtona e o inquietava.

A festa de aniversário, V. 6) Ora, tendo chegado o dia natalício de Herodes, dançou a filhade Herodias diante de todos e agradou a Herodes. 7) Pelo que prometeu, com juramentos, dar-lheo que pedisse. 8) Então ela, instigada por sua mãe, disse: Dá-me, aqui, num prato, a cabeça deJoão Batista. Houve uma grande celebração de aniversário, com muito luxo e ostentação, estandoconvidadas as maiores autoridades militares e civis e os cidadãos mais proeminentes do país.Seguindo o costume oriental, houve muita comida e bebida, e muito entretenimento. A festa estavapróxima do fi, com a maioria dos convidados já num estado de meia embriagues e o excitamentopara a orgia no seu auge, quando algo que não estava no programa foi inserido pela astutaHerodias, com o objetivo de executar seu plano. Sua filha Salomé, inesperadamente, apareceu emmeio à reunião festiva. Saltitando para o meio do salão, ela dançou de forma lasciva, tendo comopropósito incitar as paixões sensuais. Herodes e seus hóspedes irromperam em repetidos eentusiasmados aplausos. Herodes, arrebatado pelos apelos sensuais da dança, se dispôs a retribuirgenerosamente a princesa, suportando sua proposta inicial com um juramento de lhe dar qualquercoisa que pedisse. Então o esquema se revelou. Pois a moça fora instruída, ou antes tão induzida,instigada e impelida e pressionada pelas exigências de sua mãe, a fazer o seguinte pedido medonho.No mesmo lugar onde, faz pouco, fizera sua exibição indecente, exigiu a cabeça de João Batistasobre uma grande bandeja. Foi assim que a perseguição vingativa de Herodias chegou ao cúmulo.“É assim que também hoje o fazem os hipócritas. Assassinam ao inocente, fingindo, entretanto, queisto deva ser feito porque o povo se recusa a permanecer com a igreja cristã. Muito bem: Perseguesa Palavra de Deus, blasfemas seu santo nome, e matas ao inocente, e, depois, adornas-te, e dizes:Eu o fiz por causa da Palavra e do nome de Deus. Queres saber quem és? És um filho de Herodes;ele é teu pai.”15).

A reação e o seu resultado, V. 9) Entristeceu-se o rei, mas por causa do juramento e dosque estavam com ele à mesa, determinou que lha dessem; 10) e deu ordens, e decapitou a João nocárcere. 11) Foi trazida a cabeça num prato, e dada à jovem, que a levou a sua mãe. 12) Entãovieram os seus discípulos, levaram o corpo e o sepultaram; depois foram e anunciaram a Jesus.Ainda que Herodes, aqui por cortesia chamado rei, ficou triste, sendo tocado por um momento desentimento de pena, e porque se conscientizou que desta vez foi logrado, mas, porque seusjuramentos malucos, impensados e repetidos haviam sido ouvido pelos hóspedes,fez que o tiranocovarde temeu a crítica deles. Suspirou, como num alívio. O adúltero se tornou também umassassino. E Herodias, em nada menos culpada, pôde celebrar seu triunfo, quando sua filha lhetrouxe a cabeça de João, decepada do corpo na prisão, numa bandeja. Foi uma sena tão horrenda noquarto da mãe, como fora na sala do banquete. A jovem foi, de fato, uma semelhança de sua mãe nadepravação: Sua dança indecente e sensual é um paralelo de sua aceitação fria do presente horrível.O capítulo final da carreira de João é: Seus discípulos tomaram o corpo morto e o sepultaram.Depois disso informaram Jesus, com certeza, com a intenção de alertá-lo.

As lições do relato são evidentes. “Este é, pois, o ponto mais importante que aprendamosduas coisas de João. A primeira é para os pregadores. Quem quer que esteja no ofício de pregadornão deveria julgar cara sua vida, mas realizar a obra do seu chamado, e repreender de modo francoe sem medo tudo o que é ofensivo. Isto agrada a Deus, e com isto, como lemos no profeta Ezequiel,cada um salva a sua própria alma; pois, caso contrário, deve dar contas pelos pecados daqueles aosquais são repreende, como o devia fazer por força de ofício. ... O outro ponto não é para ospregadores, mas para todos os cristãos, para que aprendam, especialmente, deste exemplo, queDeus não está de modo perverso inclinado por nós, mesmo quando ele permite que sejamosperseguidos, quando estamos sob a cruz, e sofremos todas as angústias. ... Aquele que deseja estarno reino de Cristo, não deve temer a cruz e a morte. Pois, este é o testamento de Cristo o Senhor, eele, Cristo mesmo, assim entrou no reino.”16).

15 ) 1)9) Lutero, 13.2730.16 ) 110) Lutero, 13.1164, 1165.

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O Alimento dos Cinco Mil, Mt.14.13-21.

V. 13) Jesus, ouvindo isto, retirou-se dali num barco, para um lugar deserto, à parte;sabendo-o as multidões, vieram das cidades seguindo-o por terra. Notícia de morte e de desastrecorre rápido. Herodes retornou de Maquero para Tiberíades. Mas a notícia de seu ato atroz haviaalcançado a Galiléia antes dele. Sua consciência não o deixava em paz. Isto o levou a acreditar queJoão Batista tivesse ressuscitado da morte, aparecendo na pessoa deste Jesus. É o que ele contouaos seus palacianos. Jesus, neste meio tempo, julgou necessário, por várias razões, sair davizinhança de Cafarnaum. Sua própria segurança, dificilmente, entrava em consideração. Nuncahavia entrado em contacto pessoal com Herodes. Mas Cristo muito se comoveu com a notícia damorte de João. Sentiu a necessidade de se recolher a certo lugar por algum tempo. Os apóstolostambém voltaram, por aquele tempo, da sua viagem, e precisavam de descanso, Mc.6.30,31. E, porúltimo, a excitação do povo sobre a morte de João, facilmente, podia irromper numa crise, comresultados desastrosos para o ministério de Cristo. Assim, seguiu de navio com seus discípulos eescapou para um lugar ermo em Gaulanites, na vizinhança de Betsaida-Julias. Mas seu descanso foide breve duração. Sua partida e a direção de seu barco haviam sido percebidas. Assim como anotícia se espalhou, multidões se reuniram e seguiram pela praia, carregando consigo os doentes eos fracos.

A bondade de Jesus, V. 14) Desembarcando, viu Jesus uma grande multidão, compadeceu-se dela e curou os seus enfermos. As multidões estavam tão ansiosas para virem a Jesus, que, até,se lhe adiantaram, Mc.6.33m chegando à margem leste antes que seu barco chegasse lá. Quandoesteve pronto para desembarcar, estava reunida uma grande multidão. A visão muito o comoveu.Encheu-se de inexprimível ternura e preocupação, não só pelas fraquezas físicas dos doentes queforam colocados pelos amigos e parentes aos seus pés, mas pela miséria e necessidade espiritual detodas as pessoas da grande assembléia, das quais bem poucos, se os houve, estavam conscientes.Ele usava o tempo para ocupar com os muitos doentes que curava. Isto pode ter sido a cunha deentrada para dirigir algumas palavras de cura espiritual, de que os galileus tinham grandenecessidade.

A carência ameaçadora, V. 15) Ao cair da tarde, vieram os discípulos a Jesus, e lhedisseram: O lugar é deserto e vai adiantada a hora; despede, pois, as multidões para que, indopelas aldeias, comprem para si o que comer. Na agitação de atender as curas, o tempo passourápido. Antes que eles se apercebessem, o dia começava a declinar. O sol se punha por sobre olago, quando os discípulos se sentiram obrigados a intervir. Estavam numa região não habitada, nãoexatamente um deserto mas n/ao havia cidades por perto. Declinando o dia, vem a noite. Por isso opovo precisava ser despedido, simplesmente, mandado para as povoações próximas na compra dealimento. Os discípulos parecem mais preocupados com seu próprio alívio e o descanso do Senhor,do que com as necessidades da multidão.

O milagre, 16) Jesus, porém, lhes disse: Não precisam retirar-se, daí-lhes vós mesmos decomer. 17) Mas eles responderam: Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes. 18) Então eledisse: Trazei-mos. 19) E, tendo mandado que a multidão se assentasse sobre a relva, tomando oscinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos ao céu, os abençoou. Depois, tendo partido os pães,deu-os aos discípulos, e estes, às multidões. 20) Todos comeram e se fartaram; e dos pedaços quesobejaram recolheram ainda doze cestos cheios. 21) E os que comeram foram cerca de cinco milhomens, além de mulheres e crianças. Mateus traz somente um relato breve dos acontecimentosque levaram ao milagre. Os outros evangelistas trazem com grande vivacidade os dramáticosincidentes. O evidente desconforto dos discípulos se destacava num imenso contraste com adignidade e calma do Senhor. Havia a multidão do povo, de pé e sentada pelo espaço, parecido comuma campina, perto da praia do lago. Havia o pequeno grupo de discípulos, com Cristo no centro,argumentando vividamente, e dizendo-lhe o que devia fazer. E ele, calmamente, revida, dando-lhesa ordem de providenciarem comida para a multidão. Ele aproveita a oportunidade para testar sua fénele e no seu poder de ajudar. Eles fracassaram miseravelmente. Filipe, após fazer alguns cálculos,

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anuncia que eles não possuem dinheiro suficiente para comprar pão para todos. Andrécomplementa a informação, dizendo que só há disponíveis cinco pães e dois peixes. Em vista disso,é quase cômico o desamparo dos discípulos. Mas, agora, Cristo assume o comando da situação. Dáa ordem que a multidão se assente no ramado da campina, em conjuntos, facções ou grupos de ceme de cinqüenta, para facilitar a distribuição do alimento.

A narração, neste ponto, se torna quase tosca em sua simplicidade. Tendo tomado oalimento e erguido seus olhos ao céu, ele pronunciou a bênção sobre os pás e os peixes. A seguir,dividindo-os, deu-os aos discípulos, que, por sua vez, os distribuíram pela multidão. Não éimportante, se Jesus fez a oração de graças geralmente feita pelos judeus: “Bendito és tu, nossoDeus, Rei do universo, que da terra fazes provir pão”. Basta saber que sua bênção provocou ouacompanhou o milagre, fazendo que o alimento se multiplicasse em sua mão, assim que todoscomeram, que todos tiveram sua abundância, sim, mais do que isso, que os pedaços sobejantesencheram totalmente doze daqueles cestos grandes que os judeus usavam. E tudo isto, apesar de onúmero dos que se assentaram para jantar, totalizasse cinco mil, sem incluir mulheres e crianças.

Notemos: A conservação de alimentos sempre foi praticada lá onde foi falado aos cristãos arespeito deste milagre e eles ouviram do cuidado de Cristo sobre o guardar dos pedaços. “Quandonosso Senhor nos aparece assim através de sua bênção, então devíamos, tal como aqui ele o ordenaaos apóstolos, juntar os pedaços, e não permitir que pereçam. Pois, bem assim como nossa razão,em tempos de necessidade, só quer calcular e não crer, assim, quando a bênção de Deus estápresente em abundância, o mundo não consegue e não quer conformar-se a ela Alguns usam abênção para o luxo.... Mas este não o significado dela. A bênção de Deus deve ser guardada e nãoesbanjada, mas reservada para a futura necessidade... Quando o Senhor nos pede recolher ospedaços que sobraram, não quer que isso seja entendido, como se devêssemos ser avarentos, masque tu deves servir com eles ao teu próximo em tempo de preocupação, e para que, de modo maisfácil, possas ajudar aos pobres que estão em necessidade.”17).

Cristo Anda Sobre o Mar, Mt.14.22-36.

O começo da viagem, V. 22) Logo a seguir, compeliu Jesus os discípulos a embarcar epassar adiante dele para o outro lado, enquanto ele despedia as multidões. A narrativa faz suporque houve alguma indisposição dos discípulos, mas da parte de Cristo uma fortíssima urgência. Eletinha suas razões que o levaram a querer permanecer sozinho mesmo que os discípulos temessemvoltar sem sua proteção para a Galiléia. Sua ordem, porém, prevaleceu. Os discípulos embarcaramcom o propósito de cruzar para o lado oeste, enquanto ele permaneceu para despedir o povo, o quenão fácil, visto que o excitamento dos últimos dias, seguido por este vistoso milagre, havia levado opovo a uma expectativa muito forte.

Cristo em oração, V. 23) E, despedidas as multidões, subiu ao monte, a fim de orarsozinho. Em caindo a tarde, lá estava ele, só. Um fato importante: Jesus, em meio ao trabalho maisdispersivo, sempre encontra tempo para orar e para apresentar a seu Pai celeste o grande trabalhoque assumira, e para, em súplica sincera, pedir por força que o suportasse. Ele era um verdadeirohomem que sentia a necessidade de, por meio dum íntimo contacto com Deus, buscar conforto eforça. Notemos igualmente: Ele havia despedido as multidões. Estava a sós de noite no mente,envolto na solidão e no silêncio, que ofereciam as melhores condições de abrir o coração ao Paiceleste.

A angústia dos discípulos, V. 24) Entretanto, o barco já estava longe, a muitos estádios daterra, açoitado pelas ondas; porque o vento era contrário. Enquanto Cristo ficara para trás na praiapara orar, o barco, aos poucos, vencia parte de seu caminho para Cafarnaum, o que devia terconseguido em somente poucas horas. Mas o vento lhes era diretamente oposto, e com sua forçaagitava as águas com violência, tornando difícil uma navegação bem sucedida. Jesus, do alto do

17 ) 111) Lutero, 13.284,285.

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monte, sabia e enxergava a tudo isso. O olho de sua onisciência penetrou a escuridão da noite evigiou sobra a frágil perícia deles, Mc.6.48.

O milagre, V. 25) Na quarta vigília da noite, foi Jesus ter com eles, andando por sobre omar. 26) E os discípulos, ao verem-no andando sobre as águas, ficaram aterrados, e exclamaram:É um fantasma! E, tomados de medo, gritaram. 27) Mas Jesus imediatamente lhes falou: Tendebom ânimo! sou eu. Não temais! Jesus passou quase a noite inteira em oração. E os discípuloshaviam lutado quase a noite inteira para alcançar a margem oposta. Foi na quarta e última vigília danoite, ou seja entre três e seis horas da manhã, quando a escuridão já se dissolvia num cinzentoamanhecer, que Jesus foi atrás deles, caminhando sobre as águas do mar, como o evangelista dizduas vezes. Os discípulos, dados à superstições, como acontecia com a maioria dos judeus,encheram-se do medo mais descontrolado, sendo que o medo de fantasmas, de aparições e espíritosera muito forte. Eles gritaram de medo. Mas a voz calma de Jesus lhes dá firmeza. Da mesma formaos fiéis, como diz Lutero, em meio às suas tribulações, não crêem que Deus é Deus, mas que eleseja uma aparição que vem para os apavorar e destruir, visto estarem envoltos em aflições. Mas elesempre se lhes afirmará como o Senhor gracioso e misericordioso.

A impetuosidade de Pedro, V. 28) Respondendo-lhe Pedro, disse: Se és tu, Senhor, manda-me ir ter contigo, por sobre as águas. 29) E ele disse: Vem! E Pedro, descendo do barco, andoupor sobre as águas e foi ter com Jesus. 30) Reparando, porém, na força do vento, teve medo; e,começando a submergir, gritou: Salva-me, Senhor! 31) E, prontamente, Jesus, estendendo a mão,tomou-o e lhe disse: Homem de pequena fé, por que duvidaste? Pedro sempre foi impetuoso,sempre mais rápido para agir do que para pensar. A voz do Senhor encheu-o de tal coragem, que setornou quase imprudente. Foi a voz da felicidade da fé que o fez clamar ao Senhor. Queria ser oprimeiro que com a mão tocasse o Senhor. E, seguindo o convite confiante de Cristo, ele,realmente, saiu do barco e caminhou sobre a água em direção a Jesus. Enquanto os olhos de sua fé,como também seus olhos físicos, estavam dirigidos para seu Senhor e Mestre, tudo ia bem. Masuma golfada forte e incomum de vento, e uma onda excepcionalmente alta, levaram-no a gaguejarde medo. Sua fé vacilou. Ele começou a afundar. Não mais confiava na palavra confiante que lhefora dirigida. Em sua situação crítica, porém, clamou ao Mestre, que ele ainda conhece como oSenhor do universo. E a bondade paciente do Senhor o salva. Rápido, pegou-o e o ergueu sobre aágua. Mas, não, sem repreendê-lo por sua fraqueza de fé, que o havia levado a duvidar no momentocrítico. O Senhor tem paciência com a fraqueza dos que estão com ele. Ele ouve seus gritos. Ele ossustém, com seu braço forte, até mesmo, na hora da morte.

O efeito do milagre, V. 32) Subindo ambos para o barco, cessou o vento. 33) E os queestavam no barco o adoraram, dizendo: Verdadeiramente és Filho de Deus! Cristo é o Senhorsupremo e absoluto dos elementos. No caso presente, o vento cessou logo, não de modo gradualmas de repente, quando Jesus e Pedro subiram ao barco. Não é de admirar que todos os queestavam no barco, não só os discípulos mas todos os passageiros, o adoraram, dando-lheespontaneamente a glória e a honra como sendo o Filho de Deus. Foi assim que sua fé,gradualmente, ficou mais forte, e eles cresceram no conhecimento de seu Senhor. Será bem assimque crescerão todos quantos estão em contacto diário e íntimo com ele, e com ele conversam emsua Palavra.

Chegada segura, V. 34) Então, estando já na outra banda, chegaram a terra, em Genesaré.35) Reconhecendo-o os homens daquela terra, mandaram avisar a toda a circunvizinhança, etrouxeram-lhe todos os enfermos; 36) e lhe rogavam que ao menos pudessem tocar na orla da suaveste. E todos os que tocaram, ficaram sãos. A distância que os separava da margem foi cobertanum curto espaço de tempo, Jo.6.21. Tanto o espaço como o tempo estão no controle desse homem,a quem foi dada a plenitude do poder divino. Atracaram no distrito de Genesaré, uma planície ricade umas quatro milhas de comprimento por duas de largura. Logo que Jesus foi reconhecido poralguns dos nativos, espalharam a notícia em todas as direções, assim que se repetiram os diasanteriores. De todos os lados vinham aqueles que lhe levavam pacientes com todas as formas eestágios de doenças. Estavam tão convictos do seu poder de operar milagres, que pediam licençade, ao menos, tocar a bainha ou franja das vestes que usava, segundo a maneira dos judeus, cf.

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capítulo 9.20. Julgavam que um mero toque bastava, na hora em que ele passava. E não sedesapontaram. Pois, o toque da fé traz uma cura imediata e completa. Bem assim, todos os queconfiam no poder de Deus na Palavra, ainda que, deste modo, só toquem a bainha de suas vestes,terão seus pecados perdoados pelos méritos de seu Redentor.

Sumário: Jesus, depois de ouvir da execução de João Batista, que o evangelista relata,cruza o Mar da Galiléia, alimenta cinco mil, passa grande parte da noite em oração, caminha sobreo mar, e realiza milagres de cura no distrito de Genesaré.

C A P I T U L O 1 5

Lições Sobre a Contaminação, Mt. 15.1-20.

Os fariseus fazem uma objeção, V. 1) Então vieram de Jerusalém a Jesus alguns fariseus eescribas, e perguntaram: 2) Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? poisnão lavam as mãos, quando comem. Então, isto é, quando os fariseus estavam tão zangados que sereuniram em conselho para o aniquilar. O movimento (de Jesus) se estendia para além do controledeles, e o entusiasmo popular continuava em alta. Eles começaram a se conscientizar que nãolidavam com qualquer pessoa comum. Foi assim que sua hostilidade os levou a dar apoio aosfariseus da Galiléia, enviando homens doutos da metrópole. Pois Jerusalém era a fortaleza dolegalismo mais severo entre os judeus. O objetivo da delegação foi desacreditar Jesus, acusando-ode ser descuidado e frouxo com seus discípulos e com a guarda dos preceitos dos anciãos judeus.Mesmo durante o cativeiro babilônico, mas, especialmente, desde o tempo de Esdras, ainterpretação ou explicação da lei, feita pelos grandes rabis dos judeus, cresceu gradualmente numgrande corpo de preceitos, adicionados aos livros do Antigo Testamento. A Mishna, como foichamada, recebeu, anos mais tarde, mais adições na, assim chamada, Gemara, sendo tudoincorporado no Talmude que é o livro de religião dos judeus de hoje. Estas leis e preceitosadicionais governam os mínimos detalhes da vida diária, colocando desta forma, um fardoinsuportável sobre o judeu em geral. Os rabis e anciãos locais da sinagoga deviam ensinar todosestes preceitos e insistir sobre o seu cumprimento mais rígido. Qualquer quebra destesregulamentos rabínicos era equiparado à quebra das mais importantes leis morais. A tradição, atéentão, não estava escrita. Era a “lei dos lábios”. Mas sua autoridade é tanto maior, quanto maisantigo era o ancião que a disse pela primeira vez. Notemos: Não é a maneira anti-higiênica ou anti-estética de se achegar das refeições, tendo as mãos sujas, que é atacada. Na opinião dos fariseus, é-o o ato de impiedade monstruosa, que é uma quebra das sacras tradições religiosas, da qual osdiscípulos eram culpados. Por causa desse ato, excomungavam a pessoa da sinagoga. Sua pergunta,pois, implicava que também Jesus era culpado, permitindo este sacrilégio.

A resposta de Cristo, V. 3) Ele, porém, lhes respondeu: Por que transgredis vós também omandamento de Deus, por causa da vossa tradição? 4) Porque Deus ordenou: Honra a teu pai e atua mãe – e: Quem maldisser a seu pai ou a sua mãe, seja punido de morte. 5) Mas vós dizeis: Sealguém disser a seu pai ou a sua mãe: É oferta ao Senhor aquilo que poderias aproveitar de mim;6) esse jamais honrará a seu pai ou a sua mãe. E assim invalidastes a palavra de Deus, por causada vossa tradição. A refutação coloca, imediatamente, o problema sob a luz apropriada. Cristo setorna o acusador, e os fariseus e escribas os culpados. Ele, de fato, diz: Que vossa acusação fique,por ora; admito, com satisfação, que a tradição dos homens é transgredida em nosso círculo. Masaqui há um problema muito mais sério. A escolha está entre os verdadeiros mandamentos de Deus eos preceitos de vossos mestres; e a vossa escolha é a errada. O contraste é enfático e correto: Omandamento de Deus – vossa tradição. A lei de Deus, a que Jesus se refere, era clara einconfundível, Ex. 21.17; Lv.20.9; Dt.27.16. Vossa exigência é um mero dito de homens, que deveser condenado completamente, porque resulta em colocar de lado a lei de Deus. Os fariseus

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permitiam que filhos em casa dissessem a palavra “corbã”, Mc.7.11, com o que se supunha queestavam absolvidos de suas obrigações filiais. As palavras expressam literalmente: Aquele que diza seu pai ou mãe: Seja um sacrifício o que desejais de mim como auxílio ou benefício. De acordocom a tradição, isto escusava os filhos de socorrer seus pais com dinheiro, bens, ganhos ou comqualquer outra assistência material. Isto significava que os filhos queriam dar este dinheiro ou domcomo sacrifício a Deus, ainda que, muitas vezes, até, isto era omitido. O argumento de Cristo é:Mesmo a honesta defesa de obrigações, feitas anteriormente a Deus, não eximirá um filho quandonegligenciou seus deveres para com seus pais, muito menos será ele escusado quando feito namaneira costumeira, despreocupada, impiedosa e profana em que este expediente era entendido.Assim, os mestres judeus eram culpados diante de Deus, também conforme o Antigo Testamento,Pr.28.24. Pois, deste jeito, os filhos, apoiados neste costume, eram dispensados, até, dasverdadeiras obras de amor. “Pois a discussão com os fariseus, realmente, consistiu nisso, se eramelhor dar presentes aos pais ou dar sacrifícios aos sacerdotes. Eles afirmavam que o sacrificar eramelhor. Ensinavam que a honra devida aos pais era mera cerimônia, a saber, curvar a cabeça,erguer-se com sua presença e sendo respeitoso para com eles no comportamento exterior.... ‘Corbã’significa um dom ou sacrifício a Deus. É, como se um filho dissesse: Deveria dá-lo com satisfaçãoa ti, mas o que farei? Agora já não mais me pertence mas é dado a Deus. Desta forma o nome deDeus precisa servir de pretexto para toda esta blasfêmia e maldade vergonhosas. É como se Deustivesse tirado do pai o que este deveria receber do filho”18). Os fariseus e escribas, com certeza,haviam invalidado, e estavam no costume constante de desprezar, a lei de Deus em favor de suasmiseráveis tradições.

Cristo comprova seu ataque, V. 7) Hipócritas! bem profetizou Isaías a vosso respeito,dizendo: 8) Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. 9) E em vãome adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Cristo fala sem rodeios. Ofingimento e dolo deles e o seu raso agir religioso precisam ser assim caracterizados. O que oSenhor havia dito da hipocrisia dos judeus no tempo de Isaías, cap. 29.13; Ez.33.31; Is.1.1-5, seaplica, de maneira máxima, aos escribas e fariseus. Um mero culto de lábios é uma abominação aoSenhor. Em seus corações não há fé e nem verdadeiro amor. Sua suposta ortodoxia é umaalucinação. Toda sua religião é vazia. As imposições que impunham às pessoas, sem a autorizaçãoda Escritura, só deram em sua própria condenação, Sl.4.2. “ Destas palavras de Cristo podes tirarfortes conclusões. Primeiro: Tudo o que é feito sem a Palavra de Deus, é idolatria. Segundo: Tudoo que é feito conforme a Palavra de Deus é verdadeiro culto a Deus. Terceiro, também: Tudo o queé feito sem fé, é pecado. Quarto: Tudo o que é feito na fé é uma boa obra, pois a Palavra e a féestão indissoluvelmente unidas, como no santo matrimônio... Também dizemos que os fariseus sãohipócritas e falsos alunos de Moisés, porque asseveravam que se, tão só, cumpriam as cerimôniasexternamente, iriam, por causa da mera obra, obter justiça diante de Deus. Moisés, certamente, nãoquer isso. Mas as cerimônias deviam ser exercícios dos fiéis, que previamente eram justos pela fé, eque, procedendo assim, guardavam o maior dos mandamentos, que é o primeiro. Além disso, opovo reprovado devia, por disciplina externa, ser refreado e separado dos gentios. Este é osignificado de Moisés, caso se o compreenda corretamente”19).

Cristo apela ao povo, V. 10) E, tendo convocado a multidão, lhes disse: Ouvi e entendei:11) Não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas o que sai da boca, isto, sim,contamina o homem. Ele havia sido atacado publicamente pelos fariseus, por isso, também sedefendeu publicamente. Há uma nítida conexão deste dizer parabólico com o assunto em disputa.Isto eles deviam notar atentamente e procurar entendê-lo. Ele se refere à contaminação moral, aimpureza da alma. O que ele caracteriza é que a limpeza ou poluição física não afeta a alma, mas apoluição moral certamente mancha tanto a alma como o caráter. “Este contraste sutil e agradável,‘entra’ e ‘sai’ é encantador. É como se ele dissesse: Oh! O que se preocupam eles com comida ebebida, ou com o que entra pela boca? Que antes prestem atenção ao que sai da boca. É disso que

18 ) 112) Lutero, 7.244,246.19 ) 113( Lutero, 7.24.8,254.

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devemos cuidar. O que entra pela boca, isso não corrompe; mas o que sai da boca, isso corrompe.Oh! são hipócritas detestáveis, que se preocupam em não serem corrompidos por aquelas coisasque entram na boca (que todas são criatura de Deus); por que não cuidam, antes, do que sai daboca, que são obras do diabo.”20)

Os fariseus se ofendem, V. 12) Então, aproximando-se dele os discípulos, disseram: Sabesque os fariseus, ouvindo a tua palavra, se escandalizaram? 13) Ele, porém, respondeu: Todaplanta que meu Pai celestial não plantou, será arrancada. 14) Deixai-os: são cegos, guias decegos. Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco. Os discípulos relatam aoSenhor a impressão que sua parábola, dita ao povo, fizera sobre os fariseus. Estes últimos estavammuitíssimo escandalizados e horrorizados, em parte por causa do apelo que fizera à multidão, emparte pelo alvo do relato que, sentiram, era dirigido contra eles. Jesus pouco se preocupa com o queeles sentem. Todas as plantas que Deus não plantou, que, em suas raízes e viver pela fé, nãocrescem segundo a sua vontade, são supérfluas. Degeneram de plantas cultivadas para o de inçoque precisa ser arrancado. Deus está o mais intimamente possível unido com os que lhe pertencem,mas só com estes. Toda e qualquer doutrina inventada pelos homens não subsistirá no seu juízo. Ecada fomentador de doutrina falsa é atingido neste desarraigar e destruir de sua falsa produção. Nãoexiste compromisso. Por isso, ficai longe deles, dos fariseus e anciãos que tentam impor suasdoutrinas de fabricação humana aos seus ouvintes. Eles próprios são cegos em assuntos espirituais.E cegaram a maioria do povo e levarão à cegueira espiritual todos quantos seguem seus ensinos.Assim que o fim de ambos será a destruição, e a morte moral e espiritual.

Jesus expõe a parábola, V. 15) Então lhe disse Pedro: Explica-nos a parábola. 16) Jesus,porém, disse: Também vós não entendeis ainda? 17) Não compreendeis que tudo o que entra pelaboca desce para o ventre, e depois é lançado em lugar escuso? 18) Mas o que sai da boca, vem docoração, e é isso que contamina o homem. 19) Porque do coração procedem maus desígnios,homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias. 20) São estas as coisasque contaminam o homem; mas o comer sem lavar as mãos, não o contamina. Pedro, em seu feitoimpulsivo, ainda que possa ter agido como porta-voz dos doze, deseja que afirmação sejaexplicada, que, para causar alguma dificuldade, contém muitas coisa simbólica. Mas a própriaocasião fornece uma pista. Por isso o pedido de Pedro, querendo explicação desta afirmaçãoobscura, é censurada pelo Senhor. Será que também vós, depois de dois anos de instrução, soistambém tão estultos em coisas espirituais? Ele deseja que seus discípulos usem corretamente seuintelecto iluminado, e que não façam dum assunto evidente um mistério. É assunto deconhecimento geral que o alimento, que o corpo usa, influência só e diretamente a vida física emental, e não diz respeito ao coração e ao espírito. Com o expelir do imprestável, que é o que não édigerível e que, por isso, permanece indigesto, o corpo se purifica constantemente. O processofísico não contamina uma pessoa, o que também não sucederá com o fato de comer com mãos nãolavadas. Mas o oposto é verdade daquilo, das palavras e atos que, vindo do coração, saem do corpopela boca. “O Salvador sugere que obras más passam primeiro pelo canal duma boca perversa,revelando, assim, o estado perverso do coração.”21). As palavras, porque representam ospensamentos e desejos despertados para estes pecados, corrompem moralmente e revelam acontaminação que reina no coração. Os pensamentos maus, as conversas e discussões más docoração, se tornam manifestos em todos os pecados atuais, como invejas, assassinatos, quebra dolaço matrimonial e o assumir não autorizado de relações que só são próprias à santa vida conjugal,a aquisição injusta da propriedade do próximo, a difamação do bom nome do próximo, o falar malde Deus e das pessoas. Não a simples omissão dum costume cerimonial, mas estas são coisas quecontaminam e corrompem o coração e o caráter. “Quem quiser lavar as mãos, que o faça. Quem nãoquiser lavar as mãos, que não o faça. Estas coisas nada têm a ver com a justiça e com o pecado.Não quero que pecado e justiça consistam nelas. Por isso, deveis separar justiça e pecado de tais

20 ) 114) Lutero, 7.252.21 ) 115) Schaff, Commentary, Matthew, 278.

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preceitos de homens. Não questiono o lavar-se de ninguém. Mas questiono que alguém, por um talmotivo, se considere justo e santo diante de Deus.”22).

A Mulher Siro-Fenícia, Mt.15.21-28.

A viagem para o norte, V. 21) Partindo Jesus dali, retirou-se para os lados de Tiro e SidomOs acontecimentos das últimas semanas e dos últimos dias haviam cansado a Jesus, tanto no corpocomo na mente. O povo, mesmo que pouco se preocupasse com a mensagem do evangelho que elepregava, era incessante no afluxo a ele, na esperança de todas as maneiras de curas miraculosas. Osfariseus se haviam tornado mais amargos em sua hostilidade, atiçando o povo ao ódio, e colocandoem seu caminho todos os obstáculos possíveis. Por isso Cristo recorreu a um descanso urgente.Retirou-se das regiões densamente povoadas junto do Mar da Galiléia, e dirigiu-se à região norte daGaliléia, para a região da Fenícia, perto das grandes cidades de Tiro e Sidom. Não temos qualquerindicação quanto à duração e à extensão desta viagem, sendo que só um episódio é narrado nosevangelhos.

A mulher Cananéia, V. 22) E eis que uma mulher Cananéia, que viera daquelas regiões,clamava: Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de mim! Minha filha está horrivelmenteendemoninhada. Mateus a chama uma mulher Cananéia, porque era uma habitante da antiga terrados cananeus ou porque era uma descendente das antigas tribos de Canaã, Gn.10.15. Marcos achama siro-fenícia, capítulo 7.26, conforme o nome da terra em que vivia. Esta mulher já ouvira deJesus, visto que sua fama se havia espalhado para além dos limites da Galiléia, em especial aolongo das estradas das caravanas. Ela, também, estava inteirada dos livros sacros dos judeus, ou, aomenos, com a esperança deles sobre o Messias. Ela, sob a direção do Espírito, concluiu o que era ocorreto, como mostra sua saudação ao Senhor. Ela o chama o chama Senhor, porque o reconhece oSenhor das alturas, e Filho de Davi, porque este era o nome do Messias. Sua súplica foi tambémuma oração de fé, porque ele clamou por misericórdia, estando profundamente consciente damiséria de sua alma, bem assim do fato que sua ajuda, qualquer que fosse, viria só da compaixãomisericordiosa de Jesus. Notemos também: Numa das mais terríveis aflições que possam ser odestino duma mãe, ela se volta, tão somente, ao Senhor. É um exemplo brilhante!

Jesus prova sua fé, V. 23) Ele, porém, não lhe respondeu palavra. E os seus discípulos,aproximando-se, rogaram-lhe: Despede-a, pois vem clamando atrás de nós. 24) Mas Jesusrespondeu: Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. 25) Ela, porém, veio e oadorou, dizendo: Senhor, socorre-me! 26) Então, ele, respondendo, disse: Não é bom tomar o pãodos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos. 27) Ela, contudo, replicou: Sim, Senhor, porém oscachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos. Temos aqui um exemplodum rogar persistente e importunador, não só em seu próprio favor desejando que a angústia de suaalma fosse removida, mas também por sua filha, que sofria duma forma especialmente perversa depossessão demoníaca. Recebeu, porém, um fortíssimo impacto de desapontamento. O Senhor, deinício, não lhe deu a menor atenção, mas seguiu seu caminho como se nem a tivesse escutado.Enquanto isto, ela, sem se deixar abalar no mínimo em seu favor, deve ter continuado em seusbrados, pois os discípulos sentem-se constrangidos a interceder por ela. O tom de voz deles não énada cortez. Ele deixa entrever que gostariam muito em ver-se livre dela, pois o seu clamorpersistente os incomodava. Como sempre acontece, não se saíram bem do teste. Jesus, de modoríspido, mostrando-lhes que teriam feito melhor se se preocupassem com suas próprias coisas, diz-lhes que a preocupação específica de sua missão são unicamente os do povo judeu. Esta foi asegunda rejeição. Diz Lutero, que, em nenhum lugar dos evangelhos, Jesus é pintado de modo tãoduro, como aqui.

Os discípulos foram dissuadidos e se conservaram calados. A mulher, porém, redobra seuempenho. Depositou sua fé na palavra e nas obras deste homem, o qual, segundo sua total certeza

22 ) 116) Lutero, 7.259.

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de fé, é o Messias. Ela se nega desistir desta fé. Tomada de nova coragem, se lhe arroja aos pés,adorando-o como o Senhor do céu, e insistindo que ele lhe precisa ajudar, atendendo sua oração.Ela, caso não adiantar orar e interceder, está pronta a tomar de assalto ao próprio céu. Cristodesfere o último golpe, dizendo de modo rude, na força total de sua assumida indisposição: Não écorreto e não deve ser feito, tomar o pão dos filhos e atirá-lo aos cachorros. A implicação disso foi,que a mulher gentia e toda a sua família e povo não estavam no mesmo nível dos israelitas, masque, aos olhos de Deus, podiam ser só podiam ser considerados como cachorros, enquanto osjudeus eram seus filhos. Pronunciado pelo Senhor, este foi um juízo duro, não deixando a menorfagulha de esperança para a mãe tão atribulada. Mas os olhos da fé enxergam luz onde outros sóencontram escuridão egípcia. Como escreve Lutero, na fala de Cristo há mais “sim” do que “não”,ainda que3 bem no fundo e bem oculto parecesse só um “não”. Seu pedido não fora negadoredondamente, mas ainda havia um espaço para um argumento. Além disso, Cristo não compararaa ela e sua família com os cães de rua mas com os cachorros de casa ou que convivem com seusdonos. Por isso, em vez de se retirar em desesperado desengano, ela volta ao ataque: Sim, Senhor,pois também os cães de casa participam da refeição dos filhos, mesmo que nada mais do quemigalhas lhes caiam como porção. Ela apanhara ao Senhor em seu próprio argumento, e alcançarauma vitória decisiva sobre ele. A mulher está disposta a contentar-se - e ela exige este direito –com as migalhas das quais os judeus se sentiam enfastiados.

A vitória da fé, V. 28) Então lhe disse Jesus: Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se contigocomo queres. E desde aquele momento sua filha ficou sã. Sem levar em conta seu nascimento e suanacionalidade, esta mulher já era membro do povo de Deus, Rm.9.7,8; Gl.4.28. Ela, pela fé em seuSalvador, o Filho de Davi, era uma filha de Deus. Sua fé vencera ao Senhor. E seu pedido foiconcedido como recompensa de sua fé. Naquela mesma hora seu filha teve restabelecida a plenasaúde. “Assim Deus deseja fazê-lo conosco agora. Quando, por longo tempo, negou nossa oração, esempre nos respondeu com um “não”, mas nos atemos firmemente ao “sim”, então, finalmente,precisa acontecer o “sim” e não o “não”. Pois sua palavra não enganará: ‘Tudo quanto pedirdes aoPai em meu nome, ele vos dará’. ... Esta história e, desta forma, um exemplo especialmente belo defé, de que isto deve ser praticado, e que, no final, alcançará e obterá tudo, caso seguirmos estamulher. Pois, ela não permitirá que o Senhor lhe arrebate da alma o “sim”, mas que ele lhe serábenigno e certamente lhe ajudará.”23).

Cristo Ensina e Alimenta Cinco Mil, Mt.15.29039.

A volta para a Galiléia, V. 29) Partindo Jesus dali, foi para junto do mar da Galiléia; e,subindo ao monte, assentou-se ali. Depois da cura da menina gentia, Jesus continuou suacaminhada rumo ao norte. Depois se dirigiu para leste, junto à fronteira da Cele-Síria. Entrou emGaulanites, na região norte de Dacápolis. Chegando à vizinhança de Cesaréia de Filipe, dirigiu-separa o sul, retornando, finalmente, à costa lesta do Mar da Galiléia, no centro da região conhecidacomo Decápolis. Foi aqui que, de novo, subiu a um monte onde se assentou. Era esta a sua maneirade preparo para uma prolongada discussão com seus discípulos.

Curando multidões, V. 30) E vieram a ele muitas multidões trazendo consigo coxos,aleijados, cegos, mudos e outros muitos, e os largaram junto aos pés de Jesus; e ele os curou. 31)De modo que o povo se maravilhou ao ver que os mudos falavam, os aleijados recobravam saúde,os coxos andavam e os cegos viam. Então glorificavam ao Deus de Israel.Não há qualquerevidência de fome na alma, nem o desejo por iluminação espiritual, mas só pela crua do corpo.Cristo, porém, certamente não deixou escapar a ocasião. Falou-lhes daquela uma coisa necessária.As multidões, por sua vez, afluíam numa procissão infinda, trazendo seus parentes e amigosdesamparados – mancos, cegos, mudos, aleijados ou mutilados que tinham membros deslocados oudecepados, e um batalhão de outros mais. Era uma cena de outras ocasiões que se repetia.Demonstravam sua confiança plena no poder de cura de Cristo, largando os doentes aos seus pés.

23 ) 117) Lutero, 13.261,262.

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Haviam feito a sua obrigação e sabiam que ele também faria a sua. E o poder de Cristo para curarirradiou mais uma vez sobre o povo da periferia que era meio gentio e meio judeu, para suaagradável admiração.Todos os doentes e aleijados foram restaurados à saúde plena, podendo usarcorretamente seus membros. E as multidões jubilosas deram glória ao Deus de Israel, que lhesenviara este grande socorro (médico).

A grande necessidade do povo, V. 32) E, chamando Jesus os seus discípulos, disse: Tenhocompaixão desta gente, porque há três dias que permanecem comigo e não têm o que comer; e nãoquero despedi-la em jejum, para que não desfaleçam pelo caminho.33) Mas os discípulos lhedisseram: Onde haverá neste deserto tantos pães para fartar tão grande multidão? 34) Perguntou-lhes Jesus: Quantos pães tendes? Responderam: Sete, e alguns peixinhos. A lealdade que reinavana multidão levou o povo a permanecer com o Senhor nas regiões inóspitas da costa leste. Suaadmiração, vendo como um milagre seguia a outro, conservava-os atentos e esperançosos. Mas,entre mentes, os suprimentos, que haviam trazido, foram consumidos, e havia entre o povo indíciosde real desconforto e sofrimento. A índole terna de Cristo, novamente, foi tocada profundamente.Convocando seus discípulos, expõe-lhes o problema, chamando-os à responsabilidade sobre o povonecessitado. Uma palavra maravilhosa: Não quero despedi-los com fome. “Aprendemos, ao menos,a crer que temos o mesmo Cristo que se preocupa conosco, até, com nosso sofrimento físico, esempre mostra que estas palavras: Tenho compaixão desta pobre gente, estão escritas em letrasvivas em seu coração; que ele, igualmente, gostaria que soubéssemos e ouvíssemos a palavra doevangelho, como se ele mesmo no-la falasse nesta hora e diariamente, sempre que sentimos nossaaflição, sim, muito antes que nós nos preocupemos com ela. Pois, ele é e permanecerá eternamenteo mesmo Cristo que ele foi, o qual tem o mesmo coração, pensamentos e palavras em relação a nós,que ele teve naquele tempo, e que ele, nunca nem ontem e nem jamais, será diferente, nem setornará algum dia um Cristo diferente.”24).

Mas os discípulos se haviam esquecido dos milagres, realizados poucos dias antes. Em totalabandono, olham ao redor por alguma solução para a emergência. Discutem maneiras e meios deprover e transportar alimento o bastante até as Campinas da costa do lago. A imensidão do povo osapavora. O Senhor interrompe a discussão com a pergunta sobre a quantia de alimento disponível, erecebe a resposta.

O milagre, V. 35) Então, tendo mandado o povo assentar-se no chão, 36) tomou os setepães e os peixes, e, dando graças, partiu e deu aos discípulos, e estes, ao povo. 37) Todoscomeram e se fartaram; e, do que sobejou, recolheram sete cestos cheios.38) Ora, os que comerameram quatro mil homens, além de mulheres e crianças. 39) E, tendo despedido as multidões,entrou Jesus no barco e foi para o território de Magadã. Cristo assume a situação por inteiro,indignado, provavelmente, com a falta de inteligência dos seus discípulos. Fez com que asmultidões fossem acomodadas de modo ordeiro para facilitar a distribuição da comida. Tomou opão e os peixes, abençoou-os, partiu-os e os deu aos discípulos que, por sua vez, distribuíram tantoo pão como os peixes para a multidão. Depois que todos se haviam fartado, os pedaços quesobraram encheram sete cestos. Estes levam, aqui, um nome diferente, do que no capítulo 14.20,talvez, porque eram confeccionados de outro material ou porque eram de tamanhoexcepcionalmente grande para serem levados às costas, ou porque Mateus lhes dá o nome pelo qualo povo da região os conhecia, visto ser de característica predominantemente gentia. Mais uma vez éregistrado o número da multidão de gente: quatro mil, sem contar mulheres e crianças. Jesus, agora,os despede, e cruza o mar indo para a região de Magdala, que, tanto quanto pode ser determinado,parece ter limitado na região de Genesaré no sul, tendo a cidade de Dalmanuta como suametrópole.

Resumo: Jesus dá uma lição sobre a contaminação, sara a filha da mulher siro-fenícia,realiza outras curas e alimenta quatro mil homens.

24 ) 118) Lutero, citado em Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Tstaments, 139,140.

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A ESFERA DA ATIVIDADE DE CRISTO EM SEU OFÍCIO PROFÉTICO

Um bom número de leitores bíblicos, fiéis e sem preconceitos, lutaram com um sentimentode espanto e ofensa com as palavras de Cristo, ditas à mulher de Canaã: “Não fui enviado senão àsovelhas perdidas da casa de Israel”, Mt.15.24. Também pode parecer estranho que Cristo ordena aseus discípulos; “Não tomeis rumo aos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos , Mt.10.5,6.É de se recordar, por isso, que Jesus passou seu ministério dentro dos limites da Palestina, tocandoos países gentios adjacentes somente por uma rápida passagem, como referido na história acima.

Contra estes fatos parece estar o testemunho dos profetas, cujas predições, quanto à esferada atividade de Cristo, são tais que fazem a gente sentir que a terra toda é a área de trabalho deCristo. Diz o profeta: “Também te dei como luz para os gentios,” Is.49.6. “As nações seencaminham para a tua luz, e os reis para o resplendor que te nasceu”, Is.60.3. “Ele nos ensine osseus caminhos”, Is.2.3. “Nele serão benditas as nações e nele se glorificarão”, Jr.4.2. “Todas asnações que fizeste, virão prostrar-se diante de ti, Senhor”, Sl.86.9.

Contudo, a contradição é só aparente. São Paulo, corretamente, diz: “É, porventura, Deussomente dos judeus? Não o é também dos gentios? Sim, também dos gentios”, Rm.3.29. A soluçãoé fácil, se recordamos dois pontos. Em primeiro lugar, no caso da mulher de Canaã, Cristo fala doseu trabalho pessoal. No que se referia à sua pessoa, seu ministério se limitava aos seuscompatriotas, os judeus. Em segundo lugar, suas instruções aos discípulos indicam que foi avontade de Deus que o trabalho da nova aliança iniciasse em Jerusalém, Lc.24.47. Em todo o NovoTestamento sobressai fortemente este fato, que Deus quis fazer, dentre todas as nações, o povo queele escolhera como os primeiros receptores do evangelho.

Mas o trabalho não devia restringir-se ao povo da Judéia ou da Palestina, Lc.24.47; At.1.8.Jesus mesmo deu provas disso. As primeiras pessoas, fora de Belém, a lhe renderem homenagem,foram os magos do Oriente, gentios, segundo todos os cálculos, Mt.2.1-12. Ele próprio louvou a fédo centurião da Cafarnaum, Mt.8.10. Converteu a mulher de Samaria e muitos dos da sua cidade,Jo.4. Foi sobrepujado pela fé da mulher siro-fenícia, Mt.15.28. Também predisse o afluxo dosgentios para o reino, Mt.8.11; Lc.13.29. E, finalmente, deu aos discípulos a grande ordem de ir portodo o mundo e pregar o evangelho a toda criatura, Mt.28.19; Mc.16.15. Tudo isto visa mostrar queDeus quis que sua obra fosse propagada de um modo ordeiro, e conforme um plano pré-estabelecido.

“Ele, A Luz do mundo, veio de fato para a salvação de todo mundo; mas para estabelecer oreino da luz e da vida, por meio da pregação do evangelho e da realização de milagres, em que seanuncia a vinda do reino dos céus, Ele foi enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel, efoi um ministro da circuncisão, por causa da verdade que Deus disse, de confirmar as promessasfeitas aos pais, Rm.15.8, para que o Pastor de Israel viesse para ser o misericordioso Pastor detodas as nações. A salvação vem dos judeus, Jo.4.22, e a profecia de Simeão sobre o Salvador detodos os povos e da luz dos gentios, para a glória do povo de Israel, deve ser cumprida, Lc.2.32.Ele, realmente, diz: ‘Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las’; mas o Profeta da Galiléia não seria o mestre dos gentios, porém, a voz do seu chamamentoecoaria somente pelas bocas dos apóstolos, depois que Ele tivesse consumada a redenção domundo, para que todos quantos estão dispersos se tornassem pela fé filhos de Deus, e fossemcongregados, Jo.11.52.”25).

C A P I T U L O 1 6

A Exigência dum Sinal, Mt.16.1-4.

25 ) 119) Besser, Bibelstunden, Matthaeus, 446.

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V. 1) Aproximando-se os fariseus e saduceus, tentando-o, pediram-lhe que lhes mostrasseum sinal vindo do céu. Estamos diante dum acordo que mostra até onde podem levar as tendênciasunionísticas, quando o objetivo é a oposição a Cristo. Os fariseus legalistas, com suas incessantesmarteladas sobre os detalhes da lei e da tradição, e os saduceus racionalistas, com sua negação degrande parte do Antigo Testamento e de todas aquelas doutrinas que não se moldavam à sua razão.Em outras ocasiões estas duas seitas judias estavam em pé de guerra entre si, mas, quando opropósito é resistir a Cristo, com satisfação unem suas forças. Querem tentá-lo, por isso, seaproximam de modo malicioso e mentiroso. De modo arrogante, requerem, ou exigem, um sinal docéu. No capítulo 12.38, não haviam sido tão arrogantes. Sua amargura contra Cristo crescia namesma medida como a sua incapacidade para o derrotar. “ Como se os milagres que ele fizera, atéagora, não fossem nada, visto terem sido realizados só na terra. Como se dissessem: Oh! estesmilagres terrenos são nada! Se ele mostrasse que também no céu era poderoso, então a gentepoderia acreditar nele. Mas, não que eles tivessem na ocasião a vontade de crer, porém, em meio atudo isso, eles, neste seu procedimento, blasfemaram destes milagres, ainda que fossem maiores doque aqueles que exigiam do céu. Pois, ressuscitar os mortos, dar visão aos cegos, isto ultrapassa atodos os sinais que é possível mostrar no céu, tanto quanto o homem que é a semelhança de Deusultrapassa o céu e todas as criaturas físicas, e como a vida eterna ultrapassa as criaturastemporais.”26).

A resposta de Cristo, V. 2) Ele, porém, lhes respondeu: Chegada a tarde, dizeis: Haverábom tempo, porque o céu está avermelhado;3) e, pela manhã: hoje haverá tempestade, porque océu está de um vermelho sombrio. Sabeis, na verdade, discernir o aspecto do céu, e não podeisdiscernir os sinais dos tempos? Cristo sentiu-se muito magoado com a duplicidade deles, visto que,diante do povo, sua exigência soava razoável, como se quisessem estabelecer sua vinda como oMessias, sendo, contudo, a blasfêmia seu real motivo. Sob nenhuma circunstância tinham aintenção de crer nele, Mc.8.12. Os judeus eram observadores criteriosos do tempo. Conheciammuito bem os sinais gerais que indicavam tempo bom ou ruim. A observação constante e cuidadosensinou-os a ver um céu matutino sombrio como um sinal certo da aproximação de tempestade,enquanto um ocaso rubro do sol os levava a esperar um tempo firme para o amanhã. Mas,habilidade para observar os sinais do tempo, porém, estupidez e insensatez em coisas espirituais!Não reconheciam o tempo de sua visitação, Lc.19.44. Não reconheciam e se recusavam a aceitarJesus como o Messias, apesar dos muitos sinais e milagres que fizera em seu meio. E, destamaneira, os sinais de todo seu ministério, de sua vida e morte, que, originalmente, se destinavam aconvidá-los para o reino de Deus, agora serviriam para endurecer ainda mais seus corações,trazendo-lhes a condenação. Havia-lhes sido tirada a habilidade de julgar e distinguir em assuntosespirituais. O abuso constante de suas habilidades e faculdades espirituais resultou nisso quefossem semelhantes a brinquedos mecânicos, ou semelhantes a atores que repetem seu papel efazem os gestos apropriados nos lugares indicados, mas sem se identificarem com o caráter querepresentam. Ele diz assim: Os sinais do céu vos entendeis. Por que não entendeis estes sinais quesão feitos para a vossa salvação, se crerdes, ou para a vossa perdição, se não crerdes? Pois vóstendes um entardecer aprazível, do qual podeis esperar um futuro salutar e um dia lindo; a issoseguirá um amanhecer sombrio no qual podereis esperar a eterna condenação. Pois, os meus sinaise este tempo da graça, bem como a ira por vir, não são menos óbvios, mas brilham tão claro como opróprio céu em seu anoitecer e amanhecer. Se ao menos olhásseis nos profetas que falaram destetempo, e olhásseis de modo correto ao que vedes. Mas vós vos dais o direito de não vos deixardesmover nem pelas promessas da Escritura nem pelas coisas que agora são realizadas, e soissufocados por estas coisas temporais, seja que venham dias bons ou maus. Por isso não daisatenção a nada, e enquanto isso, ainda, exigis outros sinais.”27).

26 ) 120) Lutero, 7.270,271.27 0 121) Lutero, 7.273.

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A negação, V. 4) Uma geração má e adúltera pede um sinal; e nenhum sinal lhe será dado,senão o de Jonas. E,deixando-os, retirou-se. Cristo, tal como no caso anterior, Mt.12.38,39, falasem rodeios. Chama-os de geração má e adúltera, cujos corações se afastaram da retidão, da justiçae da bondade, e da adoração do Deus verdadeiro para vãs imaginações, tradições sem sentido, queera pura presunção vaidosa. São insistentes na sua exigência por um sinal, mas quando lhes seráexposto o maior de todos os sinais, que é a ressurreição de Cristo, segundo o anunciou o fatotipológico do profeta Jonas, eles endurecerão seus corações. Bem do mesmo jeito, a atual geraçãodo mundo é sábia em coisas do mundo, mas não sabe discernir os sinais dos tempos. Está ocultoaos seus olhos, que o evangelho do Salvador Jesus Cristo é a única força que poderá colocar emordem seus corações e mentes. O Senhor esteve consciente da inutilidade de mais argumentos nocaso destes inimigos mentirosos. Pronunciou juízo sobre eles, quando lhes voltou as costas e saiude repente. Esta é uma maneira muito eficaz e, não pouco, a única maneira recomendável de lidarcom inimigos assim.

O Fermento dos Fariseus, Mt.16.5-12.

V. 5) Ora, tendo os discípulos passado para o outro lado, esqueceu-lhes levar pão. Apartida de Jesus, depois do seu encontro com os fariseus e saduceus, foi apressada. Da vizinhançade Dalmanuta, no lado oeste do mar, ele cruzou para o lado oposto, provavelmente para algumponto de Gaulanites. Sua maior preocupação era com os discípulos, e como estes se comportaramsob as circunstâncias que estavam ocorrendo, como sua fé se manteria contra as tramas dosfariseus. Ele estava tão absorto neste problema que não deu atenção para os assuntos menores quedizem respeito ao corpo. Nem lhe passou pela cabeça, o fato que seus discípulos, na correria doembarque rápido, se esqueceram ou negligenciaram de levar pão consigo.

A advertência e sua compreensão, V.6) E Jesus lhes disse: Vede, e acautelai-vos dofermento dos fariseus e saduceus. 7) Eles, porém, discorriam entre si, dizendo: É porque nãotrouxemos pão. Jesus lhes falou, quando cruzavam o lago, Mc.8.14. Estavam preocupados porcausa do seu esquecimento. Nas suas cabeças ia se, ao menos, houvesse um pão no barco. Amenção de fermento esteve, por isso, conectada com o pão em suas mentes, pois, era pão que lhesfaltava. Por isso, discutiam que Jesus os repreendera por não terem trazido consigo pão suficienteao barco. Acontecia com eles, como acontece com os cristãos de todos os tempos: Como lhes Eraduro saber separar-se dos cuidados do corpo! Nem haviam notado que Jesus usara de propósito apalavra “fermento” e nem lhes chamara atenção a ênfase sobre os “fariseus e saduceus”. O objetivode Cristo fora adverti-los, usando uma expressão parabólica, contra a doutrina de ambas as seitas,contra a externa justiça das obras dos fariseus, e contra o comportamento convencional e mundanodos saduceus.

A repreensão e a explicação, V. 8) Percebendo-o Jesus, disse: Por que discorreis entre vós,homens de pequena fé, sobre o não terdes pão? 9) Não compreendeis ainda, nem vos lembrais doscinco pães para cinco mil homens, e de quantos cestos tomastes?10) Nem dos sete pães para osquatro mil, e de quantos cestos tomastes? 11) Como não compreendeis que não vos falei a respeitode pães? E sim: Acautelai-vos do fermento dos fariseus e saduceus. 12) Então entenderam que nãolhes dissera que se acautelassem do fermento de pães, mas da doutrina dos fariseus e saduceus.Jesus não podia agir diferente, do que comentar-lhes sua falta de entendimento. Mesmo que aconversa deles foi tão silenciosa que ele não a ouvisse, leu o que lhes ia nas mentes. Suarepreensão é séria, quase severa: Acusa-os de falta de entendimento, de dureza de coração,Mc.8.17,18, de pouca fé. Preocupar-se com e discutir tão preocupado uma questão de alimentocorpora, quando sua fé está rodeada de perigos! Provoca-lhes o entendimento e a memória, para serecordarem da alimentação dos cinco mil e, pouco depois, dos quatro mil. Deseja que se lembremde quantos cestos de pedaços haviam recolhido em cada caso: Sois, acaso, ainda tão tolos para tirarconclusões? A questão pelo suprimento suficiente de pão, de modo nenhum, tinha razão de ser. Oassunto estava só nas suas cabeças e os fazia preocupar-se com seus corpos. “Vemos aqui, queCristo age de modo muito amável com aqueles que não o tentam mas de modo irrestrito e simples

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estão dispostos a se deixarem instruir por ele. Pois, vede, quanta paciência tem ele com aignorância dos apóstolos na Palavra e como sua fraqueza na fé. Ele não se retira nem os deixa,como o fez com os fariseus; mas suporta e sara sua insensatez de maneira muito meiga e se obrigaa expor-lhes, como se fossem crianças, com palavras claras o que lhes dissera, e a acomodar-se àinteligência deles. Eles também não desprezam o amor, a confiança e o respeito que lhe devem,mas, como verdadeiros discípulos, com satisfação suportam sua repreensão.”28) O entendimentodeles já não mais estava confuso quanto ao conceito da palavra “fermento”. Como o levedo oufermento, que é adicionado à farinha, mesmo que seja só um pouquinho, ainda assim emprega a suaforça sobre a massa toda, assim também sucede com a doutrina falsa. Pode parecer coisa pequena,talvez só uma dúvida quanto à validade duma passagem da Escritura, ou então uma compreensãofalsa duma verdade fundamental, mas sempre a estrutura toda da fé está sujeita a ser subvertida.Agora os discípulos compreenderam que os advertira contra a doutrina falsa dos fariseus, inclusivesua hipocrisia, vaidade, inveja, auto-justiça e arrogância, e a dos saduceus quando negavam aexistência do mundo espiritual, a imortalidade da alma, a ressurreição do corpo, e a providência deDeus. “Lembra-lhes que devem guarda firme a Palavra e a fé diante da doutrina dos fariseus esaduceus. É, como se lhes disse: Por que vos preocupais por causa do pão para o corpo? Empenhai-vos pela preocupação pelo pão para o espírito, pela Palavra e a fé, contra a doutrina e a fé falsas.Procurai, primeiro, o reino de Deus e a sua justiça, para que não sejais desviados, por meio defalsos mestres, para o reino do diabo e seu engano. É por este verdadeiro pão que vos deveispreocupar.”29)

Cristo, o Filho do Deus Vivo, Mt.16.13-20.

V. 13) Indo Jesus para as bandas de Cesaréia de Filipe, perguntou a seus discípulos:Quem diz o povo ser o Filho do homem? 14) E eles responderam: Uns dizem: João Batista;outros: Elias, e, outros: Jeremias, ou algum dos profetas. Cristo, pela segunda vez, vai para onorte, até às fronteiras da Palestina, ao território de Herodes Filipe, que, praticamente, reedificaraesta cidade e a tornara sua residência. Anteriormente ela se chamara Paneas, e, provavelmente, é aantiga Lesim ou Laís, Js.19.47; Jz.18.7. As razões desta viagem foram, provavelmente as mesmasda viagem anterior ao norte, a saber, afastar-se, por algum tempo, das agitações do ministério ativo,como suas vexações tediosas e cansativas, e ganhar tempo e ocasião para o trato imperturbado comseus discípulos. Eles precisavam de muita ajuda em sua fé, visto que se aproximavam os dias defortes tentações. Precisavam crescer nele e por meio dele na fé e na firmeza, para que o último egrande teste não apanhassem incapazes de se manterem na defensiva. Enquanto se dirigiam paraesta região, Jesus, não tanto para esclarecer mas para testar a fé dos discípulos pergunta-lhes: Porquem as pessoas me tomam? O que acham elas de mim? Ele se dá o título oficial “Filho dohomem”, como o que o distinguia conforme sua pessoa e obra. Perece que as calúnias amargas dosfariseus tinham, ao menos, tido o efeito que a crença nele, como sendo o Messias, tinha sumidoentre o povo mais simples. Mas, ainda o tinham em alta estima. Acreditavam que tivesseressuscitado algum dos profetas, como João Batista, Elias ou Jeremias, ou achavam, seguindo oensino dos fariseus, que a alma e o espírito de um desse profetas tivesse incorporado em Jesus.Cristo, de fato, foi um profeta, Dr.18.15, e muito corretamente foi chamado Elias, Ml.4.5, mas,num sentido muito superior do que pesava este povo ignorante. Mas a inquirição do Senhor temuma intenção mais profunda, a saber, conseguir a confissão expressa de fé dos seus discípulos, epoder confirmar e fortalecê-los nisso.

A confissão, V.15) Mas, vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou? 16) RespondendoSimão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. 17) Então Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue quem to revelou, mas meu Pai queestá nos céus. 18) Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minhaigreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Chegara a hora da decisão, da

28 ) 122) Lutero, citado em Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Testaments, 141,142.29 ) 123) Lutero, 7.276.

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declaração pessoal de fé. “Este foi o momento decisivo em que foi feita a separação da igreja doNovo Testamento da teocracia do Antigo Testamento. Chegara a hora para a declaração de umadistinta confissão cristã.”30) Os discípulos enfrentaram de maneira esplêndida este teste a respeitode sua compreensão e de sua fé. Simão Pedro deu, de modo impetuoso, emocional, forte e sincero,uma resposta em nome dos apóstolos. Como seu representante, proferiu numa declaração breve aopinião e concordância unânime deles: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Este não era osentido que a idéia judaica tradicional ligava à palavra Messias, tendo-o como um mero libertadoda servidão terrena, porém era uma confissão concisa mas compreensiva da condição de ele ser oCristo, da divindade, da deidade de Jesus. Ela expressava sua fé nele como o Redentor prometido.Era uma resposta e uma analogia da expressão de Cristo “Filho do homem”, no versículo 13. Foiuma declaração decidida, solene e profunda, proferida com emoção e com consciência dagravidade das circunstâncias. “Nestas palavras, por isso, está incluso todo o Credo Apostólico: ‘Tués o Cristo, o Filho do Deus vivo’. A saber, que ele é o Filho de Deus, Pai Todo-poderoso, oCriador do céu e da terra, e que nosso Senhor Jesus Cristo foi concebido do Espírito Santo, enascido da virgem Maria, que ele sofreu por nós, que ele morreu e foi ressuscitado da morte, e estáassentado à mão direita de Deus Pai, porque ele é Filho, Juiz e Senhor sobre tudo; que ele distribuiperdão dos pecados pelo Espírito Santo, para a ressurreição e vida eterna”.31)

Jesus deu-se por muito satisfeito com esta confissão que Pedro fez em nome dos demaisapóstolos. Chama-o feliz, abençoado, no sentido de possuir a felicidade como um dom da glória.Jesus esteve satisfeito com a qualidade da fé de Pedro. Dirige-se a ele de modo solene: Simão, filhode João. Mas explica a bendição, colocando a glória onde ela pertence. Pois, o que Pedro confessa,como sendo sua fé, não era qualquer ilusão vá e humana que carne e sangue, ou seja sua próprianatureza e razão, lhe tivessem revelado. Era uma revelação do próprio Deus. O conhecimento retode Jesus Cristo, ou seja, a verdadeira fé, é obra e dom de Deus. Não é uma imaginação enganosa ehumana, mas é divina certeza. Feliz e abençoado é quem faz desta confissão a fé de sua alma.

O Senhor adiciona uma promessa que diz respeito a igreja toda até o fim dos tempos.Dirigindo-se, de modo solene, a Pedro, que é o porta-voz dos doze, afirma-lhe, num belo jogo depalavras, que sobre sua confissão sólida como a rocha ele edificará sua igreja. Ele não diz: Sobre ti,mas: “Sobre esta rocha”. A essência da passagem é: Uma fé em Jesus, como a que Pedro teve,expressa de modo igualmente ousado, confessada em palavras francas, é a admissão no reino docéu, - na igreja de Jesus Cristo. Ou, como Lutero o expressa: “Sobre esta pedra, entende, não o quetu és. Pois tua pessoa seria fraca demais para tal fundamento. Mas sobre a confissão de fé que tetorna uma pedra, edificarei a minha igreja. Este fundamento agüenta e é suficientemente firme. Odiabo não será capaz para destruir ou abalá-la.”32) Contra esta igreja, tal como está edificada, eporque está edificada sobre esta pedra, as portas do inferno não podem prevalecer. Todas as forçasdo inferno juntas não a conquistarão. Ela é forte e duradoura, enquanto reina nela a fé no Pai e emJesus Cristo, seu Filho, nosso Redentor, e no Espírito, que concede esta convicção bendita.

Uma distinção especial, V. 19) Darei a ti as chaves do reino dos céus: o que ligares naterra, terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra, terá sido desligado nos céus. Cristo,em reconhecimento de sua fé, como afirmada em sua confissão, confere a Pedro e a todos quantoscrêem as chaves do reino dos céus. As chaves são um símbolo do poder que dá admissão em umacasa, ou que impede a qualquer pessoa não autorizada a entrar nela. Cristo, o Filho de Davi, tem achave de Davi, ou o poder de fechar e abrir a casa ou o reino de Deus, Ap.3.7. Ele conseguiumisericórdia e salvação para todos os pecadores. Ele dá este poder e autoridade a seus fiéisdiscípulos. Todo aquele que crê, tem parte em Cristo e em tudo que Cristo possui. Todo aquele quecrê, esse está no reino dos céus, tem perdão dos pecados, vida e salvação, e pode e deve dividircom os outros os tesouros do reino. “Os nossos pensam assim: o poder das chaves, ou poder dos

30 ) 124) Schaff, Commentary Matthew, 294.31 ) 125) Lutero, 7.281,282.

32 ) 126) Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Testaments, 144.

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bispos, é, segundo o evangelho, o poder ou ordem de Deus de pregar o evangelho, remitir e reterpecados e administrar os sacramentos” (Conf.Augs. Art.XXIII,5).

(Obs. Trad.: Não há nota sobre o versículo 20.)

Primeira Profecia de Cristo Sobre Sua Paixão, Mt.16.21-28.

V. 21) Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe eranecessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes edos escribas, ser morto, e ressuscitar no terceiro dia. Os discípulos haviam feito uma confissãoesplêndida de fé, dando, finalmente, provas de que tinham conhecimento reto e salvador a respeitode Jesus, seu Redentor. Cristo, por isso, julgou que chegara o tempo próprio para prepará-los para ogrande clímax ou auge de sua obra. Já deviam estar prontos para suportar as notícias. Começou arevelar-lhes ou a dar-lhes informação clara e detalhada. Uma palavra muito reveladora: Ele precisair a Jerusalém. Pesava sobre ele uma obrigação divina, uma necessidade que assumira para cumprira vontade de seu Pai celeste por meio de sua morte em favor de toda a humanidade, Sl.40.8. Osanciãos, os principais sacerdotes e os escribas, vinte e quatro de cada classe deles formavam ogrande sinédrio ou principal conselho dos judeus. Que estes seus inimigos conseguiriam matá-lo,mas que ele ressuscitaria no terceiro dia, este foi a suma e o conteúdo que Jesus procurou expor, apartir das Escrituras do Antigo Testamento, aos seus discípulos.

Pedro interfere, V.22) E Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo, dizendo: Temcompaixão de ti, Senhor; isso de modo algum te acontecerá. 23) Mas Jesus, voltando-se, disse aPedro: Arreda! Satanás; tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus,e, sim, das dos homens. O impulsivo Pedro, provavelmente movido pelo sentimento de satisfaçãopelo grande louvor que o Senhor lhe dera, colocou a mão no ombro de Jesus, ou o agarrou pelascostas, como se quisesse defendê-lo com sua força. Ao mesmo tempo começou a repreender aCristo: Isto esteja longe de ti; que Deus de todas as maneiras o impeça! Foi uma interferência bemintencionada mas uma interferência total nas atribuições de Cristo. Mas, não foi longe. Pois, Jesus,tendo-se voltado, deu-lhe repreensão tão dura, como nenhum discípulo jamais recebeu. Chamou-ode Satanás, um adversário. Acusou-o de tentá-lo ao erro. Os pensamentos de Pedro não estavam emlinha com a vontade e a obra de Deus, mas eram, tão só, o produto de sua própria preocupaçãosobre os seus próprios problemas. Não havia adquirido a visão ampla necessária para o reino deDeus. Seus pensamentos ainda estavam aqui na terra, eram terrenos. “Neste assunto tão sério masdirigido contra um discípulo amado, o sentido de Cristo é estes: Ah! Pedro, tu respondestecorretamente quando te perguntei bem como a todos os discípulos, que sou Cristo, o Filho do Deusvivo. Mas agora, porque ouves que serei crucificado, não entendes o maravilhoso conselho deDeus, e estás preocupado com pensamentos carnais e falas, sem a revelação do Pai, só tuas própriasidéias que não passam de tolas e carnais. Por isso arreda; longe de mim preferir tua sabedoriacarnal à vontade do Pai; antes perderia a ti e tudo o mais, do que, pela tua objeção, não obedecer ameu Pai. Aqui tu és completamente e tolo não entendes o que é realizado pelo Filho do Pai vivo,que confessaste.”33).

Arcando com a cruz, V. 24) Então disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir apósmim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. 25) Porquanto, quem quiser salvar a suavida, a perderá; e quem perder a vida por minha causa, a achará. É, praticamente, uma repetiçãode Mt.10.38. O que Cristo havia afirmado então, achou necessário enfatizar aqui de novo. Anegação de si mesmo, de toda auto-justiça e egoísmo, é algo bem natural ao cristão que compartilhado espírito de Cristo. Carregar a cruz, todo e qualquer peso ou provação, perseguição, perturbação,trabalho, perigo ou morte, que agrade ao Pai celestes impor como apropriados – esta é a carga

33 ) 127) Lutero, 7.298,299,34) 128) Lutero, 7.304.

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confortadora do cristão, porque isto significa seguir a ele. Aquele que tem como alvo achar, nestavida e neste mundo, tudo quanto seu alma deseja, bem por isso perderá a verdadeira vida em e comCristo. Mas aquele que, alegremente, entrega tudo o que esta vida ou este mundo,lhe possa oferecere dar, para tomar a Jesus, seu Salvador, achará no Redentor vida verdadeira, abundante e eterna.“Por isso se deve descrever com exatidão o que significa tomar a cruz sobre si. Tomar a cruz sobresi significa: Por amor à Palavra e à fé, voluntariamente, erguer e carregar o ódio do diabo, domundo, da carne, do pecado e da morte. Não é preciso escolher alguma cruz. Basta começar aprimeira parte da vida e negar a ti mesmo, isto é, repreender a justiça das obras, e confessar ajustiça da fé, e, imediatamente, está presente a outra parte, a saber, a cruz que, então, deves erguersobre ti mesmo, tal como Cristo tomou a sua sobre si”34).

O verdadeiro lucro, V. 26) Pois, que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro eperder a sua alma? ou que dará o homem em troca da sua alma? 27) Porque o Filho do homem háde vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um conforme as suasobras. 28) Em verdade vos digo que alguns aqui se encontram que de maneira nenhuma passarãopela morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino. Cristo coloca diante de seusdiscípulos esta outra alternativa. Supondo ser possível que uma pessoa, por meio de trabalhoconstante e incessante, pudesse ganhar o mundo inteiro; mas, procedendo assim, perdesse sua almaque por meio deste bom negócio se tornou perdida, será que teria sido lucro? Poderia ele tomartodos os seus bens e dá-los como troca pela sua alma? Poderia usá-los como preço para readquirir averdadeira vida que perdeu quando perdeu sua alma? E não há somente a desagradávelcaracterística negativa do perder a alma por amor a esta vida, mas há a expectativa positiva decastigo. Acontecerá e será certo: O Filho do homem virá, não mais em pobreza e humildade, mas naplena glória de sua Divindade, que ele exercerá também segundo a sua natureza humana.Acompanhado dos anjos, ele virá para o juízo, e dará, devolverá, retornará a cada um de acordocom o que fez, segundo cada pessoa atestou sua fé interior pelas obras de suas mãos. Aquele seráum julgamento do qual ninguém escapará, Mt.25.31-46. Semelhante à maneira que era peculiar aosprofetas, Cristo não faz distinção entre acontecimentos que estão próximos daqueles que estãodistantes. Pois para o Deus eterno, que inspira a profecia, não há tempo. Diante dele todas as coisasacontecem no grande agora, no presente. Cristo dá a certeza aos discípulos que alguns deles nãomorrerão, n/ao beberão do cálice que rende a morte, até que o vejam vir em seu reino. Isto serefere, ou à glorificação de Jesus através de sua morte e ressurreição, que introduziu o verdadeirocomeço de sua igreja sobre a terra, com a festa de Pentecostes; ou aponta para o dia quando Deuscomeçou seu juízo sobre Jerusalém. Este foi o ocaso do dia que finalmente trará Cristo de volta emsua glória. Alguns dos discípulos de Cristo, de fato, ainda viviam tempos depois da destruição deJerusalém, tornando-se, desta forma, exemplos e provas vivos da verdade das palavras de Cristo.

Resumo: Cristo recusa a exigência dos fariseus por um sinal, adverte contra o fermento dosfariseus e saduceus, ouve a confissão de seus discípulos, e repreende Pedro por interferir em seuministério messiânico.

A PRIMAZIA DE PEDRO

A doutrina da primazia de Pedro e da supremacia dos papas, que dela é derivada, ésustentada com a maior veemência pelos teólogos católicos. Somos forçados a concluir do própriofato da existência dum cabeça supremo na igreja judaica; do fato que um cabeça sempre énecessário para o governo civil, para as famílias e corporações; do fato, em especial, que um cabeçavisível é essencial para a manutenção da unidade na igreja, mesmo que falte a evidência positiva,que na fundação da igreja deve ter entrado na mente do divino legislador de colocar sobre ela umprimaz investido de poderes de jurisdição superior. Mas, temos acaso alguma prova positiva que

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Cristo realmente apontou um governante supremo sobre sua igreja? A prova mais abundante destefato é fornecida para aqueles que lêem as Escrituras com o olho singelo da intenção pura. O NovoTestamento, para a minha mente, não estabelece qualquer doutrina, a menos que satisfaça cadaleitor sincero que nosso Senhor deu poderes plenipotentes a Pedro para governar a igreja toda. 35) Apromessa da primazia, de acordo com teólogos católicos, é encontrada em Mt. 16.16-19. e o seucumprimento em Jo.21.15-17, sendo que lá a palavra “ovelhas” é aplicada aos pastores, e“cordeiro” ao povo leigo.

Nos levaria longe demais se quiséssemos seguir todas as inexatidões lógicas e históricascontidas neste um parágrafo citado acima.36) De passagem podemos dizer, todavia: É estranho queeste “olho singelo de intenção pura” faltava na igreja dos primeiros séculos, que levou inteiros dezséculos para o bispo de Roma estabelecer sua supremacia, e que em tempo nenhum a igreja inteirao reconheceu como o vice-regente de Cristo, tendo poderes plenipotenciários.

Uma coisa, sem sombra de dúvida, está estabelecida, a saber, que o papa não pode basearsua supremacia sobre o texto de Mt.15.18. Referir a palavra “pedra” à pessoa de Pedro, significaria,na verdade, colocar em dúvida “a boa gramática e o senso comum de nosso Senhor”. Se ele tivessedesejado fazer de Pedro seu vice-rei na terra, ele teria dito: Sobre ti, ou sobre Pedro. Mas ele,sabiamente, usa uma palavra para pedra que é empregada em todo o Novo Testamento para Cristo esua Palavra, como o fundamento da igreja. Pois a confissão de Cristo é seu nome, que é parte desua essência divina. “Não pode significar outra coisa, do que, que Pedro, sendo ele próprio firmadosobre o fundamento que foi posto, pelo seu testemunho estava qualificado para fomentar a fé dosfuturos membros da igreja Este testemunho era agora e sempre quando feito no futuro a respeito deCristo, uma parte do fundamento dos apóstolos, Ef.2.20, sobre o qual repousa a igreja toda, sendo opróprio Cristo a principal pedra de esquina”.37).

Nesta ligação, é curioso saber que a passagem em questão nem sempre foi entendida peloslideres da igreja romana como um texto que se referia à primazia de Pedro. Sem tomar em conta osmuitos testemunhos da era pos-apostólica, referimo-nos, ao menos, a este um manuscrito. É ummanuscrito latino da Espanha, do tempo do presbítero Beato que viveu no oitavo século. Diz otexto: “Digo-te, que sobre esta pedra serão edificados os seus discípulos pelo Espírito Santo”, e ocomentário do texto segue: Os cristãos são chamados segundo o nome de Cristo; por isso disse oSenhor ‘sobre esta pedra serão edificados os seus discípulos pelo Espírito Santo’” e, “esta é aprimeira igreja que, no começo, foi edificada pelo Espírito sobre a Pedra, Cristo”. É um discursoimpressionante sobre “Pedro a Pedra” que foi encontrado, algumas décadas atrás, no Monte Sinai,há um argumento detalhado que a igreja foi fundada, não sobre Pedro, mas sobre Cristo que é aPedra.38).

Insistir sobre Mt.16.18, e omitir as referências a Mt.18.18 e Jo.20.22,23, sem mencionar asmuitas passagens nas quais Cristo é chamado o único e exclusivo fundamento de rocha de suaigreja, é empregar uma sutileza exegética. As palavras de Lutero sobre o texto merecem repetição:“Como se ele dissesse: Verdadeiramente, acertaste o ponto, pois tudo depende disso. Esta é minhaigreja, que tem esta revelação de que eu sou Cristo, o Filho do Deus vivo. Sobre esta pedraconstruirei minha igreja. ... Pois, eu sou o fundamento totalmente confiável e inexpugnável daigreja, isto é, daqueles que, como tu, crêem e confessam. Pois, atravez de mim eles vencerão. Emmim terão paz e serão capazes de realizar tudo. ... Mas, que necessidade há para muitas palavras? Aigreja, necessariamente, precisa ser baseada e construída sobre um fundamento vivo e eterno, esobre uma tal pedra que continue com ela até ao fim do mundo, e, assim, ser um conquistador doinferno. Mas o apóstolo Pedro, além do fato que ele foi um homem pecador, já morreu, comoaconteceu com todos os demais santos, e ele também esteve fundamentado sobre esta Pedra daigreja. Esta passagem, por isso, nada tem a ver com a tirania papal.”39).35 ) 129) Gibbons, The Faith of teh Fathers, 121,122.36 ) 130) Um relato detalhado em Syn. Ber., Cal.u.Nev.Distr, 1913,31-62.37 ) 131) Theological Quarterly, 13.100; pp 104 a 114.38 ) 132) Cobern, The New Archeological Discoveries, 197,279.39 ) 133) Lutero, 7.285-287; Cf. 290,291; 11;2296=2305; 13.1166-1181; 17.1068-1090.

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“Eles citam contra nós certas passagens,m a saber: Mt.16.18,19: ‘Tu és Pedro, e sobre estapedra edificarei a minha igreja’; também: ‘Darei a ti as chaves’; também jo.21.15: ‘Apascenta osmeus cordeiros’, e outras. Mas, desde que toda esta controvérsia foi tratada completa ecuidadosamente em outros livros de nossos teólogos, e todas as coisas não podem ser revisadasneste ponto, referimos àqueles escritos e desejamos considerá-los como reproduzidos. Masresponderemos breve a respeito da interpretação das passagens citadas. Em todas estas passagensPedro é o representante de toda a assembléia dos apóstolos, como aparece do próprio texto. PoisCristo não pergunta só a Pedro, mas diz: ‘Mas vós, quem dizeis que eu sou?’ E o que é citado nosingular nesta passagem: ‘Darei a ti as chaves; o que ligares’ etc., em outra passagem está expressono plural, Mt.18.18: ‘Tudo o que ligardes’, etc. E em Jo.20.23: ‘Se de alguns perdoardes ospecados’, etc. Estas palavras testemunham que as chaves foram dadas de modo igual a todos osapóstolos, e que todos os apóstolos são enviados de igual modo. Em adição a isso, é necessárioconfessar que as chaves não pertencem a pessoa dum homem particular, mas à igreja, comotestificam muitos argumentos muito claros e firmes. Pois Cristo, quando fala sobre as chaves,Mt.18.19, adiciona: ‘Se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem’, etc. Por isso ele concede aschaves essencial e imediatamente à igreja. Bem pela mesma razão a igreja tem essencialmente odireito de chamar. ... Por isso nessa passagem é necessário que Pedro seja o representante de toda aassembléia dos apóstolos, e por esta mesma razão não atribuem a Pedro qualquer prerrogativa, ousuperioridade ou senhorio. Quanto à declaração: ‘Sobre esta pedra edificarei a minha igreja’, aigreja, com certeza, não foi edificada sobre a autoridade dum homem, mas sobre o ministério daconfissão de Pedro, em que ele proclama que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus. Coerentemente, elefala como um ministro: ‘Sobre esta pedra’, isto é sobre este ministério. ... Além disso, o ministériodo Novo Testamento não está preso a pessoas e lugares, como aconteceu com o ministério levítico,mas está distribuído por todo o mundo, e está lá, onde Deus concede os seus dons, apóstolos,profetas, pastores e professores. Este ministério não é útil por causa da autoridade de algumapessoa, mas por causa da Palavra dada por Cristo. ... Por isso a edificação da igreja é sobre estarocha de confissão. Esta fé é o fundamento da igreja.”40).

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A Transfiguração de Cristo, Mt.17.1-13.

V. 1) Seis dias depois, toma Jesus consigo a Pedro e aos irmãos Tiago e João, e os leva,em particular, a um alto monte. 2) E foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandecia comoo sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. Foram importantes os dias que Mateus fixatão cuidadosamente na ordem dos eventos: Seis dias depois do primeiro anúncio específico dopadecimento de Cristo. É um momento crítico no ministério de Jesus. Não oferece dificuldade, queLucas menciona oito dias, capítulo 9.28. “Que Lucas diz que Jesus levou esse três apóstolosconsigo, cerca de oito dias depois, porém Mateus e Marcos que isso aconteceu seis dias depois, issonão se contradiz. Pois, Mateus e Marcos contam os dias entre os eventos, mas Lucas conta tambémo último dia, em que Cristo pregou antes desses seis dias, e também o primeiro depois dos seis, emque aconteceu a transfiguração.”41). O fato foi para Mateus a recordação exata dum incidenteestritamente histórico. Vários comentaristas pensaram que o monte tenha sido, ou o monte Hermomque fica na cadeia do Anti-Líbano, logo ao norte da fronteira da Palestina, ou o monte Tabor, pertode Nazaré. Enquanto está fora de dúvida que todos os discípulos foram com Cristo até ao pé domonte, somente os três homens que foram seus discípulos prediletos, Pedro, Tiago e João, foram

40 ) 134) Artigos de Esmalcalde, citados em Theological Quarterly, 13.113,114. Boehringer, Die Kirche JesuChristi u8nd ihre Zeugen, I:4.276-286.41 ) 135) Lutero, 7.321.

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levados por ele ao alto do monte. Estes foram, provavelmente, aqueles em cujo entendimento ecompreensão ele podia confiar. Deviam tornar-se as testemunhas de sua glória diante de todo omundo, 2.Pe.1.16-18.

Um fenômeno especialmente peculiar e maravilhoso: Jesus, enquanto orava, foitransfigurado, transformado, diante deles, sendo seu corpo físico permeado e glorificado comespiritualidade, o que era um antegozo de sua futura glorificação. Não só seu rosto brilhava clarocomo o sol, tendo um brilho que não era terreno, mas suas veste brilhavam brancas como a neve,iguais a essência da própria luz, muito além da pureza imaculada que a capacidade dum lavadeirolhes podia dar. Tudo isto lhes foi visível, enquanto olhavam em estupefata admiração. Sua glóriadivina, que sempre carregava em si, mas que, via de regra, estava oculta ou só manifestadaocasionalmente em palavra e milagre, aqui irradiava e brilhava através de sua pessoa e formaexterior de ser: foi uma sobreexcelente revelação de sua glória à vista deles. Foi uma provaincontestável do fato que ele era verdadeiramente o Filho de Deus. Foi uma evidência visível desua entrada, por meio do sofrimento e da morte, em sua glória. “Por isso esta aparição de Cristoquer mostrar, de fato e de verdade, o que Pedro, acima, capítulo 16.16, confessou: Jesus, o homemque nasceu da virgem Maria, é Cristo, o Filho do Deus vivo (Cristo, contudo, significa um rei esacerdotes, isto é, um Senhor sobre tudo; e também um Mediador entre Deus e as pessoas). Porqueele foi destinado a ser pregado como o Messias em todo o mundo, aconteceu que por esta mesmarazão ele foi mostrado como este aos três apóstolos, que deviam testificar do que haviam visto eouvido.”42)

Outra revelação, V.3) E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com ele. 4) Entãodisse Pedro a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, farei aqui três tendas; uma será tua,outra para Moisés, outra para Elias. O evangelista indica, com o usual “eis!” que isto não foi aparte menos significativa do espetáculo. Notemos: Qualquer tentativa para enfraquecer aimportância desta passagem, tentando expô-la como uma mera visão em sonho e pondo em dúvidaa possibilidade dum reconhecer destes homens por parte dos discípulos, prejudica a narrativasimples e objetiva de Mateus. Não é importante perguntar como eles conheciam os profetas. Eles osreconheceram e conheceram imediatamente. Mesmo que estivessem num estado meio sonâmbulo,seus sentidos foram capazes de compreender e reter todos os pontos do quadro à sua frente. Moisés,que morreu perante o Senhor, e cujo túmulo só Deus conhecia, Dt.34.5,6, e Elias, ao qual Deuselevou ao céu num carro de fogo, 2.Rs.2.11, foram vistos em pessoa por eles quando conversavamcom Jesus sobre sua morte, o que ele em breve consumaria. Estes dois profetas não haviam visto acorrupção, e estavam falando com o Senhor cujo corpo também não podia ver a corrupção. Aquiestava quem era maior do que a lei, o qual, pelo seu cumprimento perfeito da lei, redimiria os queestavam sob a lei. A glória do fenômeno foi demais para os discípulos, ficando eles deslumbradoscom seu esplendor. Pedro expressou a opinião dos outros, quando exclamou: Senhor, é bomestarmos neste lugar. Quis construir, imediatamente, três tabernáculos – um para Cristo, outro paraMoisés e mais outro para Elias, para que ali e em glória continuassem com eles. O pensamentosubjacente, talvez, tenha sido, que seria muito mais agradável ficar neste lugar, onde a glória do céufora trazido à terra e a eles, do que ir para Jerusalém e ver Jesus entrar no caminho de dores.

O testemunho do Pai, V. 5) Falava ele ainda, quando uma nuvem luminosa os envolveu; eeis, vindo da nuvem, uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo: a eleouvi. Enquanto Pedro ainda estava tomado pela êxtase da cena e enquanto descrevia a beleza dofenômeno que continuava, uma nuvem brilhante ou de luz os envolveu. Como em outras ocasiõesuma nuvem escura há de encobrir a luz, assim aqui o brilho intenso da nuvem de glória obstruiu suavisão. Olhos humanos não são suficientemente fortes para suportar a luz que irradia do trono docéu. Aqui a glória do Novo Testamento estava encobrindo tanto o Sumo Sacerdote como o Altar danova aliança, Ex.40.24. Até este momento, os discípulos foram capazes de, ao menos, observaralgumas coisas, ainda que sua visão não tivesse sido muito clara.Mas neste ápice eles foramsobrepujados. Pois a voz do Pai proferiu, quase as mesmas palavras que dissera no batismo de

42 ) 136) Lutero, 7.326.

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Jesus: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo. Foi uma comprovação muito solene arespeito de Jesus como o Messias e o Filho de Deus, destinado a penetrar para sempre em seuscorações e mentes. A ele deviam ouvir, rendendo obediência inquestionável a ele em sua palavra.Passara o tempo do império da lei, como representado em Moisés, e o tempo da mera profecia,como representada por Elias. Em e com Cristo vieram a graça e a verdade ou seja o evangelho, aglória do evangelho. Não há mais necessidade de olhar por mais visões e revelações. Temos apalavra de Jesus, a palavra da salvação.

A conclusão do fenômeno, V. 6) Ouvindo-a os discípulos, caíram de bruços, tomados degrande medo. 7) Aproximando-se dele, tocou-lhes Jesus, dizendo: Erguei-vos, e não temais! 8)Então eles, levantando os olhos, a ninguém viram senão só a Jesus. A voz divina, a voz do Deusjusto e santo foi demais para os pobres e pecaminosos mortais, os quais, enquanto estão revestidosde seu corpo terreno, não podem subsistir em sua presença. Na intensidade do sentimento de terror,caem no chão sobre seus rostos para se esconderem daquele cujos olhos são como chamas de fogo.Jesus, sempre amável, gentil e compassivo, se aproximou. Em seu toque de mão havia um mundode compreensão e amável firmeza. Admoestou-os a se erguerem e deixarem de lado seus temores.Eles, assim fortalecidos, tiveram a coragem de erguer os olhos, e não viram a ninguém mais, senãosó a Jesus, na sua aparência exterior ou na forma do seu corpo real, bem assim como a anos oconheciam, sem quaisquer sinais visíveis desta glória que, fazia pouco, se havia manifestado nele.Hoje não é mais concedida às pessoas uma visão tão grande e maravilhosa. Há, porém, umamaneira em que todos podem ver a Jesus, a saber, em seu evangelho, onde, tanto o ouvimos falar,como enxergamos sua glória. E, vendo, cremos, Jo.6.40.

A ordem dada por Jesus, V.9) E, descendo eles do monte, ordenou-lhes Jesus: A ninguémconteis a visão, até que o Filho do homem ressuscite dentre os mortos. Ao descerem do monte,estando eles ainda tomados da grandeza da manifestação, ele lhes deu esta ordem enfática. Tornarpúblico, neste momento, o que haviam visto tão somente, resultaria em estorvo para a obra do seuministério e, por isso, também do evangelho. “Como esta transfiguração teve por objetivo revelar afinal abolição de toda a lei cerimonial, era necessário que o assunto, que não deixaria de irritar aoschefes judeus e ao povo, devia permanecer em segredo, até que Jesus tivesse consumado tantovisão como profecia por meio de sua morte e ressurreição”43).

A pergunta dos discípulos, V. 10) Mas os discípulos o interrogaram: Por que dizem, pois,os escribas ser necessário que Elias venha primeiro? 11) Então Jesus respondeu: De fato Eliasvira e restaurará todas as coisas. 12) Eu, porém, vos declaro que Elias já veio, e não oreconheceram, antes fizeram com ele tudo quanto quiseram. Assim também o Filho do homem háde padecer nas mãos deles. 13) Então os discípulos entenderam que lhes falara a respeito de JoãoBatista. O fato de terem visto ao profeta Elias em sua visão no monte, lembrou-lhes as afirmaçõesdos escribas sobre a vinda de Elias, provavelmente baseada em Ml.4.5. Eles entendiam que Eliasreapareceria em pessoa, para acalmar as brigas entes as várias escolas judaicas, trazer de volta ovaso com o maná e a vara de Arão, e santificar o povo por meio dum lavar extraordinário. Jesusreconhece a exatidão da idéia: Conforme a profecia, Elias, realmente, já veio para restaurar tudo àsua situação correta entre os judeus, tal como o Senhor quis que fosse. Ele devia preparar ocaminho ao Senhor. Mas o Senhor acha defeito no falto que os escribas e o povo judeu nãoreconheceram ao segundo Elias, como sendo aquele que Deus enviou, mas agiram com ele comobem lhes aprouve. Os líderes do povo o rejeitaram, e o tetrarca dissoluto e adúltero o matou. Eleteve parte no destino da maioria dos profetas que colocam a confissão destemida da verdade acimado cuidado por sua própria segurança e bem-estar. Há somente um pequeno passo entre a rejeiçãodo seu arauto para a negação do seu Messias. Eles, bem da mesma maneira, lhe causarão osofrimento. Esta explanação bastou para abrir os olhos dos discípulos. Eles compreenderam queJoão Batista foi o Elias que devia vir antes do grande e terrível dia do Senhor.

A Cura Dum Lunático, Mt.17.14-21.

43 ) 137) Clarke, Commentary, 5.177.

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De volta ao povo, V. 14) E, quando chegaram para junto da multidão, aproximou-se deleum homem que se ajoelhou e disse: 15) Senhor, compadece-te de meu filho, porque é lunático esofre muito; pois muitas vezes cai no fogo, e outras muitas, na água. 16) Apresentei-o a teusdiscípulos, mas eles não puderam curá-lo. Enquanto Jesus esteve com seus três discípulos no altodo monte durante a noite, verdadeira multidão se reunira ao pé do monte, onde os outros discípulosesperavam seu retorno. O Senhor encontrou o povo rodeando os discípulos, onde alguns escribasdiscutiam ardorosamente com eles, Mc.9.14. As multidões o receberam com todo o respeito. Aatenção do Senhor, logo, foi dirigida a um certo homem que se apressou em vir à frente com opedido urgente, enquanto caia de joelhos a seus pés, e expressava a Jesus toda a urgência de seuansioso pedido pelo filho. Confessa a Jesus como o Senhor. Sinceramente suplica pela suamisericórdia, por estar consciente que não é digno dela. Roga por seu filho, que estava possesso dedemônio muito estranho. Sofria de uma forma de loucura ou epilepsia que levava o menino a atirar-se, muitas vezes, no fogo ou na água. Mas havia uma complicação: Os discípulos haviam sidoincapazes para o socorrer. O pai já havia recorrido a eles, mas fora em vão: não haviam sidocapazes para curá-lo.

A repreensão e a cura, V. 17) Jesus exclamou: Ó geração incrédula e perversa! Até quandoestarei convosco? Até quando vos sofrerei? Trazei-me aqui o menino. 18) E Jesus repreendeu odemônio, e este saiu do menino; e desde aquela hora ficou o menino curado. É uma brado deextremo aborrecimento, quase de impaciência. Inclui a todos os presentes: os discípulos por causade sua falta de entendimento e pequenez de fé; o povo, porque era tardo de coração para crer nelecomo o Messias. Eram incrédulos, tendo uma fé muito pequena ou nem a possuindo. Eramperversos, corruptos, desviados ao caminho errado, sem vontade de observar e seguir o caminhoque ele lhes indicava que é o caminho da salvação e santificação. Davam-se o direito de seremlevados ao erro. Disso tudo o Senhor estava cansado, e desejava estar liberto da lentidão, daimbecilidade e perversão desta geração. Todavia não era rude ou indelicado. Suas palavras eramuma repreensão e não a mal-humorada exclamação duma pessoa desapontada. Pediu que lhetrouxessem o rapaz. Constatou a evidência do poder do demônio. Com veemência empregou seupoder divino repreendendo ao demônio. E o resultado foi uma cura perfeita do filho do momentoem diante. O diabo, às vezes e com a permissão de Deus, pode torturar o corpo por meio de algumadoença que aos homens é incurável. Mas as almas que lançam sua confiança em Jesus, estão nasmãos do Senhor, e seguras contra todas as tentativas do maligno para se apossar delas.

Cristo explica o fracasso, V. 19) Então os discípulos, aproximando-se de Jesus,perguntaram em particular: Por que motivo não pudemos nós expulsá-lo? 20) E ele lhesrespondeu: Por causa da pequenez da vossa fé. Pois em verdade vos digo que, se tiverdes fé comoum grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele passará. Nada vos seráimpossível. 21) Mas esta casta não se expele senão por meio de oração e jejum. Tendo curado aodemoníaco, Jesus entrou numa casa. Foi ali, onde estavam a sós, que os discípulos cobraram acoragem para lhe perguntar sobre o seu fracasso. O fato era manifesto: Não haviam sido capazes deexpulsar o demônio. A questão parece sugerir que a experiência foi excepcional; que em outroscasos não haviam tido esta dificuldade, Lc.10.17. Jesus, com muita franqueza, lhes relata adificuldade. Sua fé, sua confiança em Deus, não estivera à altura da ocasião. Neste caso sua fé foramuito pequena. Os discípulos, que anteriormente haviam expelido demônios em nome e pelaautoridade do Senhor, provavelmente, haviam tentado exorcizar confiando sua própria força. Comcerteza, a fé, aqui referida, não é a que redime, mas aquela firme confiança no poder e promessasde Deus. Porque, quando está presente esta fé que confia, mesmo que seja comparativamentepequenina como um grão de mostarda, mesmo que sua porção represente o mínimo desta confiança,ela, ainda assim, seria capaz de realizar milagres tais que nem sonhavam, como seja o movermontanhas. Nada é impossível a uma tal fé. Quando, em nossos empreendimentos, temos a ordem ea promessa de Deus, então devíamos apoiar-nos firmemente no seu poder onipotente, sabendo queseremos capazes de realizar o que nos concedeu fazer. Cf. cap.21.21; Mc.11.23. O que pareceimpossível aos homens, empreendimentos que são abertamente debochados como sonhos de

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visionários, obras de misericórdia e outros projetos da igreja, que desde seu começo pareciamirrealizáveis, foram realizados com sucesso por causa do apoio na legitimidade da causa e na ajudado Senhor lá de cima. – Finalmente o Senhor adiciona, para informar seus discípulos de maisoutros casos semelhantes, que o jejum e a oração são úteis para alcançar o resultado desejado.Quanto mais difícil o problema que confronta o cristão, tanto mais firmemente precisa ele apegar-se às promessas de Deus. Seja que Satanás esta presente na forma duma enfermidade muitomaligna e frustrante, ou se pretende impedir a obra de Cristo em sua igreja, usando todos os meiosde obstrução, a oração sincera e devota é um aliado em que se pode confiar para obter a ajudanecessária do alto, pôr o inimigo em fuga, e fazer vencer a causa de Cristo.

Cristo Prediz Sua Paixão e Paga o Imposto do Templo, Mt.17.22-27.

V. 22) Reunidos eles na Galiléia, disse-lhes Jesus: O Filho do homem está para serentregue nas mãos dos homens; 23) e estes o matarão; mas ao terceiro dia ressuscitará. Então osdiscípulos se entristeceram grandemente. Parece que Jesus, nesta altura dos acontecimentos, voltoudo lugar da transfiguração para a Galiléia. Também os apóstolos se lhe juntaram. O Mestre e seusalunos estão reunidos. Tudo foi feito de modo tranqüilo e sem ostentação pública. Passara o tempoda visitação misericordiosa de Deus ao povo da Galiléia. A grande maioria dele não haviamouvido, e não haviam sido convertidos. Mas Jesus usava a maior parte do tempo para estar comseus discípulos, para lhes dar a informação do qual urgentemente necessitavam. Novamente faz seuenfático anúncio: Certamente acontecerá, sem falta sucederá. Ele será entregue, conforme oconselho de Deus, como expiação pelos pecados do mundo. Será entregue nas mãos dos homens,por meio dos quais, como representantes de toda a humanidade, ele verá a morte. Assim estavaescrito, e assim irá acontecer. Não será uma execução que será considerada justa, nem mesmodiante de cortes humanas, mas será um homicídio deliberado. Mas ele não permanecerá na morte.Não verá a corrupção. Ele é o anti-tipo de Jonas: ao terceiro dia se erguerá novamente da sepultura.Se levantará e mostrará que o selo da aprovação de Deus foi impresso em sua obra realizada. Osdiscípulos, mais uma vez, foram lerdos demais para captar o significado da instrução das palavrasde Cristo. Acima de tudo, haviam perdido o conforto das suas últimas palavras. Todos estavammuito aflitos e cheios de imensa tristeza. Viram somente morte e trevas.

A questão do imposto do templo, V. 24) Tendo eles chegado a Cafarnaum, dirigiram0se aPedro os que cobravam o imposto das duas dracmas, e perguntaram: Não paga o vosso Mestre asduas dracmas? 25) Sim, respondeu ele. Ao entrar Pedro em casa, Jesus se lhe antecipou, dizendo:Simão, que te parece? de quem cobram os reis da terra impostos ou tributo; dos seus filhos, ou dosestranhos? 26) Respondendo Pedro: Dos estranhos, Jesus lhe disse: Logo, estão isentos os filhos.Cafarnaum ainda era considerada o lar de Jesus, e foi a ela que ele retornou para uma breve visita.Aqui os arrecadadores do imposto, os coletores do imposto do templo, estavam fazendo sua visita.No Antigo Testamento, Ex.30.13-16, cada israelita acima de vinte e quatro anos era taxado commeio shekel anual para a manutenção do santuário. Este imposto foi renovado no tempo depois doexílio, sendo o dinheiro pago nas moedas em circulação que mais se lhe equivaliam. A didracma oudracma ática dupla, era, na época, o imposto do templo geralmente aceito. Os coletores não sedirigiram diretamente a Jesus, mas, porque conheciam Pedro de tempos anteriores, foi a este quedirigiram sua pergunta. Pedro, familiarizado com os hábitos de seu Mestre e certo de que elesempre pagara sua contribuição, como membro que era da igreja dos judeus, respondeuafirmativamente. Jesus, conforme sua onisciência, soube da conversa, mesmo antes que Pedroentrasse na casa e antes que tivesse ocasião de conversar sobre o assunto. Foi, por isso, que Jesusse antecipou ao discípulo; literalmente, adiantou-se a ele. Também ele tem a propor-lhe umaindagação, apresentando um caso paralelo. Quer saber o que é usual com os governantes do mundo,quando exigem e aceitam taxas de mercadoria e taxa por pessoa. A pergunta é colocada de modoanimado: O Que pensas? Estão sujeitos os filhos ou os estranhos? Da resposta de Pedro, quenaturalmente eximiu os filhos, Jesus tirou sua conclusão: Os filhos, por isso, estão livres. Jesus eraFilho na casa de seu Pai, na igreja judia e em seu templo, e um servo numa casa alheia. Por isso

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podia reivindicar as ofertas do templo como seu legítimo direito. Deus é Rei na cidade do templo,por isso seu Filho está livre do tributo do templo. “Seu pensamento inclui isto: Prezado Pedro, seique somos reis e filhos de reis. Sou o Rei dos reis, e ninguém tem o direito de exigir de nós oimposto do templo, ao contrário, eles é que deviam pagá-lo a nós. Como pois, prezado Pedro,exigem eles imposto de ti, visto seres filhos dum rei? O que pensas? Agem eles de modo corretoquando exigem imposto de ti? Mas, visto que Cristo propõe esta pergunta de modo mais geral,Pedro, em sua singeleza, igualmente, responde de modo genérico, quando diz: Via de regra osoutros pagam o imposto, e não os filhos, não reconhecendo que Cristo em suas palavras o chamarade um filho de rei.”44). Esta idéia pode ser enfatizada de modo ainda mais forte. Os filhos de Deuspela fé em Cristo, Gl.3.26, os filhos do Novo Testamento, que são reis de direito justo, Rm.5.10,estão livres no sentido melhor da palavra, Jo.8.36. Não estão mais sob o jugo de qualquer leicerimonial do Antigo Testamento, mas tal como seu Mestre, estão livres dos preceitos de Israel.Jesus, desta forma, faz uma declaração feliz, que é verdadeira para sempre.

O milagre, 27) Mas, para que não os escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, e oprimeiro peixe que fisgar, tira-o; e, abrindo-lhe a boca, acharás um estáter. Toma-o, e entrega-lhes poro mim e por ti. O milagre é dado de modo tão incondicional por certo, que seucumprimento nem mesmo é noticiado. Mateus simplesmente relata a ordem de Jesus. Pedroapanhou seu anzol e linha, foi ao lago, atirou a linha, retirou o peixe com o estáter na boca, e pagoua moeda, que era igual a 60 centavos de dólar, ou duas vezes o imposto do templo, valendo para elee seu Mestre. Assim foi da vontade do Senhor. Jesus poderia ter obtido a pequena soma de maneiradiferente. Também poderia ter pago por todos eles, contudo o texto não indica que todosestivessem presente. Jesus, de propósito, quis conseguir a moeda para o pagamento do impôs dotemplo por meio dum notável milagre. Ele, o Senhor de céus e terra, que em sua mão tem os peixesdo mar, a prata e o ouro do mundo inteiro, se humilha profundamente e se sujeita aos preceitos dosjudeus, para não dar ofensa desnecessária, e, talvez, para ganhar alguns do povo ao seu reino. Éuma lição para todos os discípulos de todos os tempos, que estes não dêem ofensa, não abusem dopoder e liberdade que possuem em Cristo em detrimento de seu próximo, mas estejam dispostos ase acomodarem aos desejos, exigências, costumes e preceitos dos homens, sempre que o amor ditaeste curso e possa ser seguido sem ofender a ordem de Deus.45) Podia parecer algo pequeno queJesus e seus seguidores pudessem ter a opinião de menosprezar o templo e desautorizar seusexigências, mas um desejo apropriado de viver sempre que possível pacífico com todas as pessoasditou seu curso e se tornou uma lição para todos os tempos.

Sumário: Jesus miraculosamente é transfigurado no monte, dá a seus discípulos um ensinosobre a vinda de Elias, cura um lunático endemoninhado, repreende os apóstolos por sua pequenezna fé, novamente prediz sua paixão, e paga o imposto do templo.

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O Maior no Reino dos Céus, Mt.18.1-14.

Uma questão sobre hierarquia, V. 1) Naquela hora, aproximando-se de Jesus os discípulos,perguntando: Quem é, porventura, o maior no reino dos céus? Na mesma hora em que ocorrera oespetacular milagre do pagamento do imposto do templo. Havia transcorrido pouco tempo desdeque haviam retornado à casa. Pelo caminho haviam discutido entre si quanto à posição e grau emseu próprio círculo. Foi assim tão cedo que o diabo do orgulho ergueu sua cabeça horrenda em seumeio. Ainda que sua discussão tivesse sido conduzida secretamente, Jesus soube da discussão e osperguntou a respeito, Mc.9.33. Expuseram sua pretensa dificuldade na forma duma interrogação:

44 ) 138) Lutero, 7.336,337.45 ) 139) Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Testaments, 152.

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Quem, sim, quem, em tua opinião, devia ser considerado o maior no reino dos céus? Jesus,repetidamente, havia tentado mostrar-lhes que seu reino, falando de modo restrito, não é um reinovisível, físico e temporal, mas consiste no seu governo nos corações dos fiéis. Mas esta idéia lhesera ainda difícil demais para captar. Queriam uma prova clara e concreta.

A demonstração, V.2) E Jesus, chamando uma criança, colocou-a no meio deles. 3) Edisse: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, demodo algum entrareis no reino dos céus. 4) Portanto, aquele que se humilhar como esta criança,esse é o maior no reino dos céus. 5) E quem receber uma criança, tal como esta, em meu nome, amim me recebe. Cristo resolveu tornar sua resposta bem clara, e sua demonstração bem palpável.Chamando uma criancinha, talvez alguma da própria casa, ergueu-a e a abraçou, Mc.9.36,considerando-lhe, por meio destes sinais, consideração e amor. Depois a pôs em pé no centro docírculo dos discípulos. A criança fornece o assunto para uma lição muito marcante, que tem umaintrodução muito solene. Do modo mais enfático ele declara que devem ser convertidos, virar-se eencarar a direção oposta. Já haviam aceito e confessado a Jesus, mas as idéias que expressaramagora mostravam que ainda estavam longe de possuir a condição de mente e alma que éindispensável a um servo de Cristo. Sua fé nunca subsistirá, se só for desta qualidade. Deviamtornar-se como crianças, na simplicidade de fé, na aceitação incondicional das verdades bíblicas, nahumildade confiante. No relacionamento que é próprio a uma criança com seus pais, está ausentequalquer inibição e qualquer presunção e arrogância. Ao contrário, há uma crença singela e firmena honestidade, na capacidade e no cuidado dos pais. Esta mesma disposição mental e de coração énecessária aos discípulos de Cristo, se desejarem entrar no reino dos céus. Não deve havernenhuma preocupação por honra e glória diante das pessoas, nenhuma ambição falsa, nenhumamaquinação por poder, sendo que tudo isto é contrário ao espírito de Cristo. Não penseis, como dizLutero, a respeito de tornar-vos grandes, mas a respeito de tornar-vos pequenos. A exaltação viráno tempo apropriado, se praticardes primeiro e tão somente a humildade. Tornar-se humilde comouma criancinha, isto é a verdadeira grandeza no reino dos céus. Não só fingir humildade por atosfictícios e por vestimenta, que por serem incomuns os torna duplamente vistosos, sendo que então ahumildade vem a ser a própria essência da ostentação. “É, como se ele dissesse: Vejo que vossamente carnal não é atingida por meras palavras. Por isso apresento-lhes esta criança, para quedepois e sempre vos recordeis dela. Vede, aqui uma criança! Contai-me agora, se ela está preparadapara um reino terreno e temporal, com o qual vós, sem dúvida, sonhais. Seria um reino miserável,sim, nem o seria, quando governado por uma criança, Mas agora, como é tolo pensar que estacriança está preparada para governar um reino terreno, assim também o é pensar que o meu reinoseja deste mundo. Pois o reino que eu inicio, é de tal natureza que todos os sábios do mundo deleentendem menos do que esta criança, talvez, entenda dum reino terreno. Por isso a idéia e opensamento dum reino terreno deve ser posta inteiramente de lado, quando quereis falar do meureino. Porque o meu reino será de tal natureza que nele precisais tornar-vos crianças, que se deixamgovernar mas que não governam nem mesmo sobre si, assim como esta criança não reina numgoverno terreno mas é governada.”46) Jesus, para enfatizar a importância da correta valorização dasalmas das crianças, não enfraquece nada ao argumento. Seja quem for, ou qualquer um que,semelhante a um verdadeiro pai, com todas as evidências de uma tal estima, aceita ou recebe umaúnica criancinha como esta em nome de Jesus, esse recebe ao próprio Senhor em e com estacriança. Cada um que, por amor a Cristo, mostra um amor semelhante ao de Cristo às criançaspobres e desamparadas, tem a promessa que, procedendo assim, recebe o próprio Cristo, e comCristo a seu Pai celeste, Mc.9.37.

Uma advertência, V.6) Qualquer, porém, que fizer tropeçar a um destes pequeninos quecrêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, efosse afogado na profundeza do mar. 7) Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque éinevitável que venham escândalos, mas ai do homem pelo qual vem o escândalo. Cristo estátotalmente empenhado num assunto que lhe está muito próximo e lhe é caro, pelo seu amor a todos

46 ) 140) Lutero, 7.340.

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os modestos e humildes. Tem em mente não só as criancinhas, ainda que seja sua primeirapreocupação, mas a todos os modestos e despretensiosos, os pequenos no reino dos céus, que nelecrêem. Talvez não se destaquem em grandes realizações intelectuais, talvez não se sobressaiamentre os demais em coisas que, comumente, são consideradas grandes neste mundo; mas sãocristãos ingênuos e despretensiosos. Mas, ai daquele que fosse ofender a um desses, que lhescolocasse uma tentação de qualquer forma, que os levasse ao pecado, que substituísse sua féingênua por dúvidas sobre as Escrituras e o seu Salvador. Muito cristão já foi ofendido,escandalizado, sendo conduzido à dúvida, e desta forma à incredulidade e ao desespero pelo tomzombeteiro e frívolo usado por aqueles que presumem grande saber, sempre que se referem à Bíbliae ao caminho da redenção. Cristo fala com profundo sentimento. Ele sugere um castigo que, demodo mais apropriado, se aplica ao crime, um destino que seria preferível à transgressão da ofensa,assim como ele a descreveu. Pendurem uma grande pedra de moinho, daqueles moinhos movidospor animais, no pescoço do tal que é culpado de tão hedionda transgressão, antes que se permitaque a ofensa seja executada.47 ) Todo o assunto das ofensas é para Jesus extremamente repugnante.Por causa delas ela pronuncia um ai sobre o mundo, pois grande parte dos pecados atuais cometidosocorrem devido a sugestões, tentações, empenhos deliberados para transviar, que vêm de fora. Érealmente verdade, que virão ofensas, por causa do coração e da mente perversos da pessoa natural.Deus não é responsável pelo mal, mas, desde a queda de Adão, o mal habita o mundo. Os desejospecaminosos procedem dos corações corruptos, que brotam como obras pecaminosas, e por isso sãoinevitáveis os escândalos. Eles penetram na igreja visível de Deus, onde cada herético reclama parasi o apoio das Escrituras. “Por isso deve-se aprender a conhecer esse patife, o diabo, que se adornacom e se faz passar sob o nome de Deus. Pois todos os falsos mestres e heréticos pretendem para sio nome de Deus, como vedes no caso do papa, dos sacramentários, dos anabatistas e todos ossismáticos. Mas os cristãos não são escusados quando se deixam transviar. Pois os cristãos, de fato,deviam ser como crianças, mas em Cristo, não fora de Cristo. Pois, Cristo o Senhor advertiu-ossuficientemente contra os mentirosos sismáticos que apareceriam e sob o nome de Cristo tentariamseduzi-los.”48). Ai do homem pelo qual vêm o escândalo, que é culpado de levar outras pessoas apecar.

Uma advertência adicional, V. 8) Portanto, se a tua mão ou o teu pé te faz tropeçar, corta-o, e lança-o fora de ti; melhor é entrares na vida manco ou aleijado, do que, tendo duas mãos oudois pés, seres lançado no fogo eterno. 9) Se um dos teus olhos te faz tropeçar, arranca-o, e lança-o fora de ti; melhor é entrares na vida com um só dos teus olhos, do que, tendo dois, seres lançadono inferno de fogo. O assunto aqui abordado afeta, tão profundamente, a Jesus, que ele repete suaadvertência feita no sermão da montanha, Mt.5.29,30. Ofensas acontecerão, não só de fora, mastambém de dentro, dos próprios membros da igreja. A mão, o pé, o olho oferecem ocasião parapecar. A lei do pecado está sempre presente nos órgãos do corpo. A grande preocupação dosdiscípulos de Cristo deve ser negar a estes membros, e lutar contra todo e qualquer abuso das suasfunções divinamente dadas, e conservá-los sob controle absoluto. Como diz Lutero, isto não deveser entendido assim, que uma pessoa mutile seu corpo, mas que, com o auxílio do Espírito Santo eem verdadeira fé, conserve seus membros em submissão. Os membros devem ser amputados, isto é,dominados pelo Espírito Santo, para que a mão, o olho e os pés não façam o que o coração deseja.Pois o fim daquele que se rende ao pecado, e que coloca seus membros ao serviço deliberado dopecado, é o fogo eterno, o fogo do inferno, onde seu verme não morrerá nem o seu fogo se apagará,Mc.9.43-48. Somente aquele que, pelo poder do Espírito Santo que está nele, conserva seu corpoem submissão, que não permite que o pecado ganhe o predomínio, somente este guardará a fé euma boa consciência, e somente este salvará corpo e alma para a vida eterna.

Advertência contra a arrogância, V. 10) Vede, não desprezeis a qualquer destespequeninos; porque eu vos afirmo que os seus anjos nos céus vêem incessantemente a face de meuPai celeste. 11) Porque o Filho do homem veio salvar o que estava perdido. Os mansos e

47 ) 141) Cf. Lutero, 7.880-886.48 ) 142) Lutero, 7.890.

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desprezíveis, o que inclui as crianças, são seu tema mais uma vez. Vede, diz ele, preocupai-vos porcuidar que não desprezeis a um desses desprezíveis, cuja fé em mim é tão singela mas tão sincera.Quanto mais humilde o discípulo, tanto mais convicto é o seu discipulado, e tanto mais elevado é ovalor que Deus, o Pai celeste, lhe dá. Há anjos especiais encarregados para o seu serviço. Estesanjos estão confirmados na glória do céu, e sempre estão diante de Deus, na satisfação indescritívelde ver sua face. Notemos: Há espíritos bons, anjos que experimentam continuamente as glórias doscéus, que estão confirmados na posse pessoal dos céus. E estes anjos são delegados ao serviçodaqueles que são de Deus, em especial daqueles que são desprezíveis e humildes, tal como ascrianças, em sua fé. Este fato deve ser ensinado às crianças, desde a sua mais tenra idade. “Devotreinar uma criança, desde a mais tenra idade, que lhe diga: Querida criança, tens teu anjo pessoal.Quando oras de manhã e à noite, este anjo estará contigo,vestido de alvas vestes sentará junto aoteu berço, zelará por ti, te embalará e protegerá para que o maligno, o diabo, não se aproxime de ti.Do mesmo modo, quando à mesa, de bom grado, dizes o Beneticite e o Gratias, teu anjo estarácontigo à mesa, te servirá, protegerá e cuidará que nenhum mal te acerte, e para que o alimento tefaça bem. Se alguém pudesse retratar isto às crianças, aprenderiam desde jovens e se acostumariamao fato que os anjos as acompanham. Isto não só servirá para o fato que as crianças hão de confiarna proteção dos anjos, mas também que se tornarão castas e aprenderão a temer o mal, quandoestiverem a sós, e pensem: Mesmo que nossos pais não estejam conosco, os anjos estão presentes;eles nos guardam, para que o espírito do mal não nos mostre nenhum dolo. Este, talvez, seja umsermão ingênuo. Mas ele é bom e necessário. Tão necessário e tão ingênuo, que serve também paranós adultos. Pois os anjos estão não só com as crianças, mas também com nós, as pessoas maisvelhas.”49 ) Deus valoriza as crianças e a fé infantil em grau tão alto e tão enfaticamente advertecontra o desprezo a elas, porque isto certamente as fará tropeçar. “Por conseguinte, deixamos queestas palavras sejam um discurso singelo, pois que também somos crianças e cristãos, se nissopermanecemos, e então tudo será melhor. Mas, se formos tentados com doutrina falsa, então se diz:Cuidai-vos que não desprezeis a um desses pequeninos; pois, lembrai-vos, que eles me pertencem,por isso estejais certos que não os desprezais, como se ele dissesse: Cuidai-vos, vós pregadores epais,... que façais a vossa parte que as crianças aprendam a orar, a crer e a conhecer a Cristo. Pois,este é o vosso ofício, que educais estas crianças para mim, é para isto que vo-los confio.”50) Segueuma afirmação final para comprovar esta verdade: Tudo o que está perdido, todas as pessoas detodo o mundo, sem exceção duma só, que incorreram na condenação eterna, estão incluídas em suaintenção e propósito sincero de salvação. As ruínas desoladas da queda de Adão são o lugar que oRedentor visita com um amor bem especial. Pois destas ruínas ele pretende construir para si umtemplo santo, feito de pedras vivas que foram tornadas sadias pelo sangue da sua expiação.

A parábola da ovelha perdida, V. 12) Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas, euma delas se extraviar, não deixará ele nos montes as noventa e nove, indo procurar a que seextraviou? 13) E, se porventura a encontra, em verdade vos digo que maior prazer sentirá porcausa desta, do que pelas noventa e nove, que não se extraviaram. 14) Assim, pois, não é davontade de vosso Pai celeste que pereça um só destes pequeninos. Uma comparação muito eficaz!O quadro é o dum campo montanhoso, onde o pastor levou seu rebanho para lhe dar todo obenefício da abundante pastagem. Sucede, porém, que uma se extravia, abandonando a abundânciado campo poro um montinho duma moita de capim, trocando a segurança do zelo protetor do pastorpela incerteza dos vales e desfiladeiros onde não faltava o perigo de rochas escorregadias e deanimais cruéis. Esta uma ovelha, a partir do momento, para o pastor se torna uma causa depreocupação. Deixando atrás de si as outras ovelhas, sobe as montanhas até não haver mais trilho, eprocura pela extraviada. E, caso tiver a sorte de ver recompensado seu árduo trabalho, sua alegriasobre esta uma ovelha será maior do que sobre as demais que não sentiram a tentação de deixar ocampo em busca de aventuras. Muito solenemente Jesus enfatiza e anuncia a conclusão: Da mesmamaneira não é objetivo da vontade do Pai celeste, que sequer um só dos desprezíveis e humildes

49 ) 143) Lutero, 10.1047,1048.50 ) 144) Lutero, 7.907-909.

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discípulos se perca, especialmente, não por causa duma ofensa dada por um irmão na fé. O Pai docéu só tem uma vontade, que é a vontade de salvar. Só tem um desejo, o de salvar por graça. Aidéia duma predestinação para a condenação é tão ridícula como blasfema.

Como Lidar Com Um Irmão Em Erro, Mt.18.15-22.

V. 15) Se teu irmão pecar contra ti, vai argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhastea teu irmão. 16) Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelodepoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se estabeleça. 17) E, se ele não os atender,dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considerá-o como gentio e publicano.Notemos a ligação: Deus não deseja que um só se perca, especialmente não os fracos e errantes,cuja fraqueza faz com que, quando tentados, sejam presa fácil. O objetivo de toda esta passagem émostrar como o irmão ou irmã fraco e errante pode ser reconquistado para Cristo, mesmo que istoseja algo difícil, e um trabalho árduo. “Contra ti”, não se refere essencialmente a ofensas pessoais,mas antes a pecados dos quais se tem noção em primeira mão, que despertaram atenção e comcerteza ofendem Cristo e a religião cristã. Precisam ser pecados e não meras peculiaridadespessoais. Estas últimas podem tornar uma pessoa imprópria para algum ofício na igreja, vindo emconsideração unicamente neste conexão. Nesta passagem, porém, o Senhor está preocupado com -e somente com – os anteriores, ou seja, com pecados. “Cristo agora diz:’Se o teu irmão pecarcontra ti’, isto é, se ele se comporta assim que em público vive contrário a Deus e sua Palavra. Poisé pecar contra ti e contra todos os cristãos, o que é feito contra a honra de Deus, ou o que épraticado é pecado contra Deus, tal como, quando alguém despreza Deus, blasfema sua Palavra, oupeca contra a segunda taboa da lei, como acontece com o furto, o roubo, o dano, a mentira e ologro. Se, pois, estas notícias chegam a ti e tu o ficas sabendo, então fala-lhe de sua falta entre ti eele só. Não deves expô-lo em público no marcado ou onde quer que estejas, diante de todos. Maslembra-te, que ele ainda é o teu irmão. Por isso, cala-te frente a outros e vai até ele, toma-o a sóscontigo, e, de modo gentil, admoesta e repreende-o. Dize: Isto é o que ouvi de ti; vê, deixa disso,caso contrário Deus te punirá. Então, provavelmente, acontecerá que ele, de bom grado, te ouvirá etu ganhaste a teu irmão e o reconduzirás ao trilho certo.”51) Todo procedimento no falar e agir deveser gentil, mas enfático, contudo, digno. A aversão ao pecado, mas o amor ao pecador, precisamestar evidentes. Notamos também: Precisa ser um irmão, um colega cristão para o qual se faz estaobra de amor, 1.Co.5.10,11.

Se esta primeira tentativa de serviço para com o irmão e para livrá-lo do erro vier a falhar(e será sábio e cristão repetir a admoestação em particular por várias vezes), então precisa seradotada a segunda medida. Uma seleção cuidadosa destas testemunhas também é assunto para umjulgamento caridoso. O imperativo está baseado em Dt.19.15. Numa segunda vez deve ser feitotodo o empenho para que o errante se submeta à admoestação. Paciência e o objetivo de ganhar oirmão errante precisam ditar cada palavra, contudo, sem tirar o mérito da dignidade da Palavra deDeus. Verdade e integridade precisam ser preservados a todo preço.

Se, porém, a aplicação total desta medida, apesar de todos os esforços, também falha, entãoé preciso recorrer à última medida. Já não há mais alternativa. Se o irmão errante não dá atenção àvossa admoestação, se não mostra qualquer evidência de reconhecer seu pecado, se ele recusarconvencer-se apesar das claras passagens da Escritura que condenam sua maneira de agir, então oassunto deve ser trazido à atenção de toda a congregação. Isto não significa a igreja em suatotalidade, mas, conforme o uso comum da palavra entre os judeus e também conforme aexplanação do próprio Cristo, versículo 19, significa a congregação local visível. Aqui mais umavez precisam ser empregados tanto o apelo como a admoestação, tendo como objetivo ganhar aoirmão. Não está prescrito a extensão de tempo, podendo variar de caso para caso, para que, sepossível, o errante seja reconduzido ao entendimento. Finalmente, porém, se todos os esforçosderam em nada, a realidade os fatos precisa ser exposta. O que fora anteriormente um irmão precisa

51 ) 145) Lutero, 7.919,920.

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ser declarado um homem gentio e publicano, como alguém que está fora da igreja cristã, por suaculpa exclusiva e apesar da preocupação esmerada e da busca carinhosa.

O poder da congregação, V.18) Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra, terásido ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra, terá sido desligado no céu. 19) Em verdadetambém vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisaque porventura pedirem, lhes será concedida por meu Pai que está nos céus. 20) Porque ondeestiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles. Aqui Cristo cumpre apromessa que fizera a Pedro e por meio dele a todos os apóstolos, capítulo 16.18. Dá-lhes emdeclaração solene as chaves do céu. A congregação inteira, da qual, a pouco, falara como quem temo poder de proferir uma excomunhão, tem o poder de ligar e desligar, de perdoar os pecados dospecadores penitentes, mas reter os pecados dos impenitentes, enquanto não se arrependerem. Seeste poder é exercido de acordo com a prescrição e a ordem, então a sentença é válida perante Deusno céu. Cada congregação local, mesmo a menor e a mais pobre, tem o poder peculiar da igreja.Nunca, porém, deve ser esquecido que este poder é para a edificação e não para a destruição,2.Co.13.10. Ele visa ser um meio maravilhoso de ganhar pobres pecadores e para o conforto dosfracos. “Se, pois, teus pecados te atormentam em tua consciência, tu, para te produzires uma alegriaespecial, podes usar as palavras de Cristo, Mt.18.18: ‘Tudo o que desligares na terra, terá sidodesligado no céu’. Por isso, se foste absolvido por um servo de Deus ou, em caso de necessidade,por um outro cristão piedoso, e realmente estás atento a esta promessa de Deus, em que ele teabsolve de pecados e te recebe em sua graça, e se não recorres a algum outro expediente, entãoencontraste o céu mais seguro de pás e alegria. Pois, Deus não mente nem engana. Quanto a ti, crêfirmemente sua promessa.”52)

O fato que este poder, de fato, está incorporado à congregação cristã, ele expõe assim: Sedois, que é o menor número daquilo que pode ser considerado uma congregação, concordam ouchegam ao consenso e à concordância plena sobre um assunto que deseja apresentar a Deus emoração, então sua petição receberá a inteira atenção de Deus. Uma tal concordância plena, tãosomente, pode ser feita pelo Espírito Santo. “A igreja pode começar, continuar e ser reformada comdois indivíduos. A oração destes dois humildes indivíduos na terra atrai a graciosa resposta do Paique está no céu, e atesta e confirma, desta forma, o caráter da igreja.”53) Um ponto importante: Sesempre é necessário, que, sob a direção do Espírito Santo, haja harmonia devota entre os irmãos dacongregação, isso é especialmente necessário, quando se deve discutir o caso de um irmão que erra.Uma graciosa promessa final: “Onde”, a saber, em qualquer lugar, “dois ou três”, o menor númeroque forma uma sociedade cristã, estão congregados, reunidos em mim como cristãos, “ali estou”agora e sempre, até o fim dos tempos, “no meio deles”. Isto, acima de tudo, é verdadeiro sobre aconfissão pública de Cristo e seu evangelho, seja isto no culto público ou em outras assembléias emque são discutidos assuntos que dizem respeito ao seu nome e Palavra.

O verdadeiro perdão, V. 21) Então Pedro, aproximando-se, lhe perguntou: Senhor, atéquantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? 22) Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete. De fato, toda esta exposiçãodizia respeito à questão como é preciso lidar com um irmão que está em erro. Havia sido enfatizadaa necessidade de salvar o irmão, caso isso fosse possível sem negar a verdade e sem trazer desonrasobre Deus. Mas, neste ponto, Pedro quis saber se havia algum limite quanto ao número de vezesque se devia perdoar a um irmão arrependido. Sua questão envolve: Acaso não há razão de seduvidar da sinceridade de arrependimento em um tal caso? Ou não é isto, ao menos, o últimolimite? Pedro pensou que o seu cálculo era generoso. Mas a resposta de Cristo é desconcertante:“Não te digo que até sete vezes”. Ele não queria nem mesmo começar com uma soma tãoinsignificante, e nem se deixa fixar a qualquer soma. Nenhum número poderia mostrar a grandezado amor perdoador que devia ser encontrado no coração dos cristãos. Não há qualquer limite nonúmero de vezes que devíamos perdoar ao irmão errante e reerguê-lo em nossa estima, depois da

52 ) 146) Lutero, 12.1952.53 ) 147) Schaff, Commentary Matthew, 330.

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sua transgressão. Cristo está falando do perdão dos pecados, e nisso ele não tem limite, sendo que osetenta vezes sete está evidentemente em lugar de qualquer cálculo sem valor. Nos corações doscristãos deve haver nada mais do que amor.

A Palavra Do Servo Incompassivo, Mt.18.23-35.

V. 23) Por isso o reino dos céus é semelhante a um rei, que resolveu ajustar contas com osseus servos. “Por isso”, porque é esperado um perdoar ilimitado tanto na disposição como no agirdos discípulos de Cristo. Esta é uma das faces essenciais da igreja de Cristo, que se ache nela estadisposição cordial. Temos aqui uma ilustração tanto da maneira como da extensão do perdãocristão. Um homem, um rei, um monarca ilustre, um homem cuja riqueza e poder parecemilimitados, quando medidos por padrão humano, achou por necessário, determinado a realizar umajuste de contas com seus servos, com as pessoas que empregara e que, no decurso do tempo,haviam contraído dívidas.

A dívida assombrosa, V. 24) E passando a fazê-lo, trouxeram-lhe um que lhe devia dez miltalentos. 25) Não tendo ele, porém, com que pagar, ordenou o senhor que fosse vendido ele, amulher, os filhos, e tudo quanto possuía, e que a dívida fosse paga. 26) Então o servo, prostrando-se reverente, rogou: Sê paciente comigo e tudo te pagarei. 27) E o senhor daquele servo,compadecendo-se, mandou-o embora, e perdoou-lhe a dividia. O Senhor diz com solene ênfase:Apenas havia iniciado o exame dos relatórios, com os servos, levando seus certificados de dívida,aparecendo um após outro à sua presença, quando lhe foi trazido um devedor de (dez) mil talentos.A exata soma de dinheiro representado por este peso de prata ou ouro não pode ser determinadocom exatidão, e isso também não é o essencial, visto que o próprio texto não declara se os talentosmencionados são de prata ou ouro. São dadas cifras que variam de dez a mais do que trezentosmilhões de dólares. O acento da narrativa, e isto é feito de propósito, é que a soma eraincalculavelmente grande, e que ela confundia a imaginação. O processo é simples: Visto não tercom que pagar, o senhor deu ordem que ele, sua mulher e seus filhos fossem vendidos comoescravos, junto com todas as suas posses. Só assim ele podia esperar receber de volta parte dadívida. Era uma sentença dura mas justa, bem de acordo com o poder absoluto dum monarcaoriental sobre as vidas e prosperidades de seus súditos, Ex.22.3; Lv.25.39; 2.Rs.4.1. O terror etristeza do condenado, realmente, eram de dar pena. A perspectiva de ser vendido à escravidão,talvez, a um amo duro e cruel, crestava-lhe a alma. Arremessando-se ao chão, por isso, curvado equase se arrastando em total submissão e aflição perante o monarca, suplica por um prolongamentode tempo, pois quer pagar a tudo. Foi uma promessa maior do que podia cumprir, mas isto nem lhehavia passado pela idéia, tendo em vista a sua profunda aflição. O rei foi tocado profundamente poreste quadro de terror e miséria. Tocado em sua alma pela súplica cheia de lamento, livrou o servoda prisão,e perdoou-lhe a totalidade da dívida. O texto induz também que ele foi deixado em seuserviço ao rei, o qual assumiu que a impressão provocada sobre o servo e a lição que lhetransmitira, este esqueceria jamais.

A revoltante falta de misericórdia, V.28) Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dosseus conservo que lhe devia cem denários; e, agarrando-o, o sufocava, dizendo: Paga-me o queme deves. 29) Então o seu conservo, caindo-lhe aos pés, lhe implorava: Sê paciente comigo e tepagarei. 30) Ele, entretanto, não quis; antes, indo-se, o lançou ma prisão, até que saldasse adívida. Notemos a ênfase: Mal apenas saíra da presença do rei, quando este fato aconteceu. Era omesmo servo que recebera um presente tão sem medida de misericórdia. “Encontrou”, não poracaso, mas depois de busca deliberada. A malvadeza do feito se revelou. O conservo só lhe deviacem denários, isto é, calculando 16 2/3 cents por denário, menos do que dezessete dólares, o que éuma soma insignificante e que nem podia vir a ser considerada, quando colocada ao lado da imensadívida que o rei, a pouco, lhe perdoara. Mas aqui está o cúmulo da brutalidade: Pegando-o pelopescoço, ele o sufocava, o que segundo a lei romana lhe era lícito. Do modo mais rude possível,tenta levá-lo ao tribunal, caso não lhe seja feito o pagamento imediato. O conservo, pego desurpresa e cheio de medo, caiu-lhe aos pés, implorando e pedindo por prolongamento do prazo.

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Sendo a soma tão pequena, facilmente podia achar meios e maneiras para pagar, caso o credortivesse paciência. Mas este último não teve a intenção de proceder assim, porém, desejavadescarregar sua vingança sobre um pobre colega. Indo-se, lançou-o em prisão até que fosse capazde lhe pagar a dívida. Foi o auge do rigor.

O resultado, V. 31) Vendo os seus companheiros o que se havia passado, entristeceram-semuito, e foram relatar ao seu senhor tudo o que acontecera.32) Então o seu senhor, chamando-o,lhe disse: Servo malvado, perdoei-te aquela dívida toda porque me suplicaste; 33) não devias tu,igualmente, compadecer-te do teu conservo, como também eu me compadeci de ti? 34) E,indignando-se, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que lhe pagasse toda a dívida. Otratamento que foi dado ao seu conservo encheu aos que o testemunharam de profunda tristeza emágoa. Vindo a seu senhor, reportaram tudo quanto acontecera. Citado à presença do rei, o culpadoemudeceu. Não pode apresentar um só argumento em defesa de seus atos. Mas o senhor descreve aele e seu trato do conservo assim: Tendo recebido, como resposta ao seu suplicante pedido, medidatão grande de misericórdia, será que não seria algo muito próprio a você repassar esta misericórdiaao seu próximo devedor? E assim, visto que a ira do rei ardeu alto sobre essa crueldade, o servo foientregue, não só aos guardas da prisão, mas aos verdugos, com as instruções que sua vida fossetornada o mais miserável possível, para expiar, ao menos em parte, por sua total falta dehumanidade, sem falar na falta de decoro e de gratidão.

Aplicação, V. 35) Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardescada um a seu irmão. Aqui Cristo revela o significado de toda a parábola. Ele retrata a pessoa emgeral em seu trato com o próximo. “O homem é assim, tão severo e tão duro, quando vai de mododiferente do que num constante sentimento do perdão que recebeu de Deus. Ignorância ouesquecimento de sua própria culpa tornam-no severo, implacável e cruel aos outros; ou, ao menos,que disso o separa tão só a fraca defesa do caráter natural a qual pode ser desfeita a qualquermomento.”54) Ao impiedoso Deus também é impiedoso. É seu desejo que cada pessoa, sem exceçãoduma só, esteja pronta para perdoar de coração, sem um indulto falso ou de boca, não com umcruel: Perdôo, mas não esqueço. Pois todos nós cristãos somos servos de Deus, o Rei celeste. Maspor natureza somos servos inúteis. Somos culpados diante do Senhor por causa de nossas milharesde transgressões da lei. Nossa dívida diante dele é tão grande que confunde a imaginação, comoLutero sugere, não podendo nós nunca pagá-la. Diante dele, por isso, somos culpados do inferno eda condenação. Deus, todavia, teve compaixão de nós por amor de Jesus que pagou a dívida denosso pecado. Ele nos livrou da prisão que merecemos e nos perdoou a dívida. Temos, por isso, apesar sobre nós a obrigação de gratidão, que perdoemos com prazer aos nossos semelhantes o quepecaram conta nós. Mesmo que uma tal transgressão seja grande diante dos homens, não pode virem consideração, quando comparada com a dívida que Deus, graciosamente, nos perdoou. Por isso,qualquer pessoa que é inclemente, insensível e implacável em relação a seu semelhante, com issonega e repudia a graça e a misericórdia de Deus. Sua dívida antiga é, novamente, debitada em suaconta. A justa ira de Deus o remeterá a um julgamento inclemente do qual não há salvação oulibertação. “É um evangelho delicado e confortador, e doce à consciência atribulada, visto que elenão tem outro objetivo do que perdão dos pecados. Do outro lado, porém, aos cabeça-duras e aosobstinados é ele um h]juízo terrível, e isto, em especial, porque o servo não é um gentio, maspertence ao evangelho e já tinha a fé. Pois, visto que o Senhor tem misericórdia dele e lhe perdoa oque fez, ele, sem dúvida, deve ser um cristão Por isso, esse não é um castigo para o gentio, nempara a grande massa que não ouve a Palavra de Deus, porém,, para aqueles que com os ouvidosouvem o evangelho e o tem na ponta da língua, mas não querem viver em harmonia com ele.”55)

Resumo: Cristo adverte contra o dar ofensa às crianças e aos desprezíveis em seu reino,ilustrando seu discurso com a parábola da ovelha perdida, ensina como tratar com um irmão queerra, e dá uma lição sobre o perdão, ilustrado com a parábola do servo incompassivo.

54 ) 148) Trench, citado em Schaff, Commentary Matthew, 333.55 ) 149) Lutero, 11.1801.

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C A P I T U L O 1 9

Sobre Casamento e Divórcio, Mt. 19.1-12

A partida final da Galiléia, V. 1) E aconteceu que, concluindo Jesus estas palavras, deixoua Galiléia e foi para o território da Judéia, além do Jordão. 2) Seguiram-no muitas multidões, ecurou-as ali. Os dias da graça haviam chegado ao fim para a Galiléia. Jesus havia cumprido tudoque havia proposto para o povo da região norte. Até mesmo esta última lição havia sida dada, comsuas afirmações impressionantes, unicamente aos discípulos. O tempo da grande paixão de Cistoestava próxima. Deixou a Galiléia para viajar com calma à região da Judéia, pelo lado leste doJordão, fronteira à Samaria e Judéia, que incluía grande parte do antigo reino dos edomitas. Da aimpressão de já ter estado, por algum tempo, neste região, cumprindo seu ofício de ensino e decura, Mc.10.1. Tal como na Galiléia, aqui muitas pessoas foram atraídas pela sua fama. Grandesmultidões o seguiam, e muitos, sem dúvida, receberam as verdades doces do evangelho em seuscorações.

A pergunta dos fariseus, V. 3) Vieram a ele alguns fariseus, e o experimentaram,perguntando: É lícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo? Sua perseguição nãocessou, nem agora que Jesus, propositalmente, lhes havia voltado as costas e, até, deixado aGaliléia. Formavam uma classe especial, distinta do povo que seguia a Jesus sem ter um intentomau. Mas eles, tendo amargura e ódio nos corações, aqui e de novo, armam um laço ao Senhor,quando propõem uma questão aparentemente inocente. Queriam saber se um homem podiadivorciar-se de sua mulher “por qualquer motivo”, por qualquer coisa que fosse, isto é, se umhomem de qualquer maneira podia repudiar sua mulher, Mc.10.2.Era uma armadilha, em que, fossea resposta positiva ou negativa, resultariam inimigos contra Jesus. “Pretendem pegá-lo. Se elerespondesse: Não, agiria contra a lei de Moisés. Mas, se dissesse: Sim, então romperia ocasamento, autorizando que as pessoas rejeitassem umas às outras e vivessem separadas enchendoa região de adultério. Por tudo isso, eles lhe passariam uma rasteira e o apanhariam. Ele, porém,como Mestre e Senhor, rebenta a tudo.”56) A ligação também pode ter sido a seguinte: “Naqueletempo havia duas famosas escolas religiosas e filosóficas entre os judeus, as de Shammai e deHillel. Quando ao divórcio a escola de Shammai mantinha que o homem, legalmente, não podiarepudiar sua mulher, exceto por prostituição. A escola de Hillel ensinava que um homem podiarepudiar sua mulher também por muitos outros motivos, como, quando não lhe agradava mais aosolhos, isto é, quando via outra mulher mais agradável aos seus olhos”57.)

A resposta de Jesus, V. 4) Então respondeu ele: Não tendes lido que o Criador desde oprincípio os fez homem e mulher, 5) e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe, e seunirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne? 6) De modo que já não são mais dois,porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem. Os fariseus, comosempre, viram o feitiço se virar contra o feiticeiro. Cristo esta inabalavelmente fundamentado sobrea verdade do Antigo Testamento. Haviam-se julgados tão certos de que não havia saída do dilema,que a resposta de Cristo, qualquer que fosse, certamente traria ofensa. Ele, em ironia sutil, apela aoconhecimento que deviam ter dos livros de Moisés. O Criador, que no princípio, quando Adão eEva eram os únicos representantes da raça humana, os criou em dois sexos, fê-los macho e fêmea.A sua união por parte de Deus constituiu o tipo de casamento em seu significado mais completo,como uma união indissolúvel. Naquele tempo Deus mesmo, falando pela boca de Adão, disse emGn.2.24 (cf.1.27), que por esta causa, porque o casamento foi por Deus instituído desta forma epara este fim, um homem rompe os laços que anteriormente o uniam a sua mãe e pai, em suarelação de filho na família, e se uniria à sua mulher. Os dois que, antes estavam separados e

56 ) 150) Lutero, 7.966.57 ) 151) Clarke, Commentary, 5.188.

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distintos, seguindo ao instinto do sexo e controlados pela ordem de Deus, se uniriam, ligados norelacionamento mais íntimo e forte possível, que é a união física ou carnal. Onde se entrou nomatrimônio desta forma, em obediência às leis naturais e escritas de Deus, onde há união das duasnaturezas, tanto da alma como do corpo, de solidariedade, de interesse e propósito, lã já não podemmais – nunca mais – ser duas carnes distintas, mais aos olhos de Deus são e permanecerão uma sócarne. Deus os juntou, colocou-os sob o mesmo jugo, quais bois diante do arado, mas não sob umjugo pesado e opressivo, porém com o do mútuo afeto. Este fará que, de bom grado, dividam asinevitáveis dificuldades de sua união, sendo o homem quem arca com pesos maiores, tendo amulher como sua companheira fiel. A afirmação clara de Deus é que o homem não se deve separar.Não se deve separar nenhuma das pessoas que assim foram unidas, pensando que seja coisa simplesromper os laços que foram santificados. Nem o devem fazer parentes, amigos ou o governo, nemqualquer outra pessoa. Falando mais estritamente, Diante de Deus não existe algo como umapermissão de divórcio. A igreja ou o governo só podem, meramente, constatar o fato, quandoconfirmado por testemunhas competentes, que um casamento foi deliberadamente rompido por umaou ambas as partes que o contraíram, seja por adultério ou por deserção maliciosa. Não podemconceder a permissão de quebrar o laço do casamento. Notemos: O que o Senhor diz aquirepresenta o estado original e primeiro das coisas que se referem ao casamento. Ele nunca mudousua lei. Só duas pessoas, um homem e uma mulher, devem ser unidos em santo matrimônio. Pois,se ele tivesse desejado que o marido mandasse sua esposa embora e casasse com outra, ele, já nocomeço, teria criado mais mulheres. O casamento é o relacionamento natural e lógico no qual aspessoas entram no tempo apropriado. Os primeiros dois indivíduos do sexo masculino e femininonão foram só um homem e uma mulher, mas foram macho e fêmea, no sentido de serem destinadose designados exclusivamente um para o outro. Mesmo agora, no ser humano normal, a presença doinstinto sexual é a criação de Deus. Pois os dois sexos não são criados arbitrariamente, ou parapermanecerem independentes, mas um para o outro, sendo apropriados e adaptados um para ooutro, e deveriam preencher seu destino, de acordo com a ordenança de Deus, no santo matrimônio,essa união indissolúvel.

‘É, como se ele dissesse: Homem, não te deves dar o direito de separar-te de tua mulher, poisaquele que te criou homem levou-te à mulher. E aquele que te criou mulher deu-te comocompanheira ao homem, e não quer divórcio. Porque isto é assim, que o que Deus juntou nenhumhomem deve separar, que ele une homem e mulher, que ele faz com que tu sejas um homem e tuuma mulher, e que por sua ordem homem e mulher se tornam um só corpo: Por isso nenhumhomem deve quebrar esta ordenança de Deus, seja seu nome Moisés ou outro qualquer. Mas aquireza: Tomaste a mim, então só podes ser separado de mim pela morte. Se vos irritais um com ooutro e discordais, que vos reconcilieis, como também ordena São Paulo, mas entre vós não devehaver divórcio.”58)

Uma objeção e sua resposta, V. 7) Replicaram-lhe: Por que mandou então Moisés darcarta de divórcio e repudiar? 8) Respondeu-lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso coração éque Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres; entretanto, não foi assim desde o princípio. 9)Eu, porém, vos digo: Quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de relações sexuais ilícitas,e casar com outra, comete adultério e o que casar com a repudiada comete adultério. A referênciados fariseus é a respeito de Dt.24.1-4. Mas não entendiam a intenção nem as palavras de Moisés. Opropósito de Moisés havia sido impedir a prática de divórcios em massa e fáceis, e oferecer àmulher, ao menos, alguma demonstração de justiça, submetendo o processo de separação, então emvoga entre os judeus, a certas regras e restrições, com o objetivo de colocar o relacionamento dosanto matrimônio num nível mais elevado. Outro ponto: Moisés não ordena que divórcios sejamconseguidos. Ele, tão somente, fez provisão apropriada para garantia da mulher quando o esposoinsistia sobre uma separação. “Parece que os fariseus consideravam Moisés como um defensor da

58 ) 152) Lutero, 7.968.

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prática do repúdio, antes que alguém que quer mitigar seus maus resultados.”59) “ Esta era a lei deMoises a respeito da carta de divórcio, e os judeus se usavam desta lei com violência. Tomavammulheres e as escorraçavam, tomavam outras, e consideravam a operação de casar e tomar esposasem nada diferentes do que um comércio de cavalo. Quando um homem havia tomado uma mulher,e ela não lhe agradava, ele a rejeitava. Quando se havia divorciado da primeira mulher, e a segundonão lhe agradava (estando ele sentido por causa da troca), imediatamente olhava por outra, ouqueria sua primeira mulher de volta. Foi que eles multiplicavam os divórcios. Moisés colocou umfreio no caminho, quando proibiu o recasamento com a primeira esposa, quando intentou prevenirdivórcios fáceis. Muitos, tendo em vista esta emenda na lei, ficaram com suas primeirasmulheres.”60)

Jesus, de modo muito franco, aponta as razões que levaram a Moisés, como legista dateocracia do Antigo Testamento, por inspiração de Deus, incluir esta provisão. A dureza de seuscorações, que é aquela condição de coração e mente que recusa submeter-se ao freio de pureza epiedade, e que provavelmente tentará dar escape à sua malignidade em atos de crueldade contra aesposa, tornou aconselhável uma tal regra. A permissão não era ordenada mas o dava comopossível. Em geral é verdade que é prejudicial permitir o menor mal, ainda que prudência pareçarequerê-lo, porque uma tal permissão, em pouco, poderá ser interpretada como uma ordem. OSenhor soube que este método de lidar com a questão preveniriam males maiores. “Assim nogoverno civil, numa cidade, muitas vezes, poderá ser necessário piscar um olho diante dos mausatos dum patife e não puni-lo, ainda que, falando mais exato, devia perder sua cabeça. Para tal podeter havido bom motivo, pois, punindo-o, vinte pessoas inocentes poderiam ser envolvidas e vir asofrer prejuízo. ... Porque sois tais patifes maus e desesperados e não podeis guardar o que Deusordenou, para que, pois, não ocorra ofensa, nem que mateis vossas mulheres, nem por veneno voslivreis delas, por esse motivo Moisés não mandou mas permitiu que façais isto. Moisés, por isso,não vos deu essa lei por causa da vossa justiça, honra e piedade, mas suportou-o e piscou um olhopor causa da dureza de vossos corações. Ele não o ordenou. Moisés, porém, pensou: Este povo épovo orgulhoso e mau, podendo vir a cometer um assassinato após outro. Caso se negarem aguardar o mandamento de Deus, que se divorciem, para que não ocorram assassinato eenvenenamento. Todo aquele que não quiser manter de bom grado sua mulher, que a repudie, paraque não aconteça coisa pior.”61) Mas o argumento buscado da instituição divina do santomatrimônio e do esta original da santa união entre um homem e u8ma mulher são diametralmentecontra uma tal condição de aventuras. No que diz respeito a Jesus, ele repete a declaração feita nosermão da montanha, cap.5.31,32. Aquele que repudia ou rejeita sua mulher por qualquer motivo,que não seja a infidelidade conjugal, quando o laço matrimonial já foi rompido, é um adúlterodiante de Deus. Bem assim, aquele que casa uma divorciada, ou que deixou seu esposo sem basesescriturísticas, é culpado de adultério.

O desalento dos discípulos, V. 10) Disseram-lhe os discípulos: Se essa é a condição dohomem relativamente à sua mulher, não convém casa. 11) Jesus, porém, lhes respondeu: Nemtodos são aptos para receber esta conceito, mas apenas aqueles a quem é dado. 2]12) Porque háeunucos de nascença; há outros a quem os homens fizeram tais; e há outros que a si mesmos sefizeram eunucos, por causa do reino dos céus. Quem é apto para o admitir, admita. Os judeus daépoca de Cristo tinham as mulheres em consideração muito baixa, e, por isso, também o casamento.Nem os discípulos estavam livres destas idéias e preconceitos nacionais. Nunca antes haviamouvido o assunto desta forma. Sendo este o estado das coisas, no que diz respeito às relações entremarido e mulher, dizem eles, se é preciso que o marido tenha a mulher em tão alta consideração, seambos marido e mulher devem considerar o laço matrimonial como indissolúvel, se este recurso adivórcios rápidos e fáceis é tanto contra a ordem original da instituição de Deus como tambémcontra a sua vontade revelada, então casar é uma política miserável. Cristo, porém, corrige sua

59 ) 153) Expositor’s Greek Testament, 1.246.60 ) 154) Lutero, 7.964.61 ) 155) Lutero, 7.969.

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parca compreensão, e mostra com clareza que o estado do casamento é o estado normal paraadultos normais, sendo que só indivíduos estão corretamente fora desta regra, cuja condição física eespiritual os tornou impróprios para as obrigações físicas peculiares dentro do casamento. Algumaspessoas são, por natureza, por nascimento, incapazes de contrair casamento. Outras foram tornadasimpotentes, ou esterilizadas, por meio de mutilação proposital feita por mãos alheias, como o casodos eunucos orientais. Ainda outros, deliberadamente, se impõem a castidade, a uma vida fora docasamento, subjugando os desejos naturais, para serem capazes de se devotar o tempo integral e portoda a vida ao serviço no reino de Deus. Mas todos os três casos são anormais, até mesmo o último,exceto em casos de perseguição religiosa ou por outras razões extraordinárias, 1.Co.7.26. Com istoJesus não ordena nem recomenda o celibato, mas dá estas pessoas, como uma classe, em umacategoria separada, e adverte que isto exige muita capacidade espiritual e moral de captar suadeclaração. As exigências do reino do céu são preeminentes, mas de ninguém espera um ascetismofingido, para o qual não é capaz, pois que isso iria colocar de lado a lei para a propagação da raçahumana pelo casamento, que Cristo, em toda sua exposição, defendeu ardorosamente, cf.1.Co.9.5,6. O ultimo estado, descrito por Cristo, pode, sob certas circunstâncias, ser preferível aoestado matrimonial, mas é preciso uma iluminação espiritual excepcional para ser captado.

Cristo Abençoa Crianças, Mt.19.13-15.

V. 13) Trouxeram-lhe então algumas crianças, para que lhes impusesse as mãos, e orasse;mas os discípulos os repreendiam. O ministério de Cristo nunca se limitou aos adultos.Recentemente, usara uma criancinha para enfatizar uma verdade muito importante do reino deDeus, capítulo 18.1-14. Naquela ocasião, a criança fora voluntariamente submissa às suasexplicações, Mc.9.36. Que ele era amigo das crianças também aparece de capítulo 21.15,16, ondeas crianças cantam seus louvores. No caso presente as mães lhe trouxeram seus filhinhos. A petiçãodelas está subentendida pela sua conduta e também pelas palavras que devem ter dito. Queriam queJesus impusesse as mãos sobre as crianças em sinal de amável bênção. Sua oração sobre elas seriaconsagrá-las de modo muito apropriada a Deus. Não há qualquer dúvida nas mentes das mãesquanto à fé viva nas almas da criancinhas, da mesma foram como Cristo expressamente haviaafirmado que elas podiam crer nele, capítulo 18.3-6. Todos os esforços para negar e refutá-loprecisam dar em nada diante da sinceridade e integridade destas afirmações. A razão não devereger sobre as Escrituras, mas, em todos os tempos e em todos os assuntos, ser governada por ela.62)Os discípulos não haviam levado muito a sério a lição anterior, ou, por outro, haviam conseguidoesquecê-la rapidamente, pois falaram às mães dos pequeninos de modo ríspido por estaremperturbando seu Mestre com ninharias e por estarem a aborrecê-lo. Pois, segundo a idéia dosdiscípulos, ele tinha seu pensamento ocupado com assuntos muito mais importantes e que não tinhatempo para essa interrupção mal-vinda. Uma excusa semelhante é feita por pessoas quando nãoapresentam suas dificuldades ao Senhor em oração.

A repreensão de Cristo, V. 14) Jesus, porém, disse: Deixai os pequeninos, não osembaraceis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus. 15) E, tendo-lhes imposto as mãos,retirou-se dali. Jesus estava visivelmente irritado com a interferência dos discípulos. Deixai-os, dizele; não os aborreçais. Intervir na vinda duma criança a Jesus é colocar um obstáculo no caminhoda salvação de alguém. Não as impeçais em sua vinda a mim. Todo encorajamento devia ser dadoàs crianças para que aprendam a conhecer e a amar seu Salvador. Pois o reino do céu é compostode pessoas tais como elas. As próprias crianças, com sua confiança e fé sinceras em Jesus, e todosos que são como elas, que têm a mesma confiança ousada e o seu espírito de fé, perfazem o quadrode membros do reino de Deus, e pertencem realmente à sua igreja. Todas as bênçãos de seu reino édeles, mesmo muito antes, sim, justamente porque ainda não vieram ao pleno uso de sua razão.Uma criança batizada tem tanto direito ao céu como o cristão mais estudado. Jesus sublinha isto

62 ) 156) cf. Lutero, 7.982-987.

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ainda mais, quando dá provas visível de seu sentimento para com as criancinhas. Colocou suasmãos em bênçãos sobre elas. Publicamente as reconhece como suas.

O Perigo Das Riquezas, Mt.19.16-20.

V. 16) E eis que alguém, aproximando-se, lhe perguntou: Mestre, que farei eu de bom,para alcançar a vida eterna? 17) Respondeu-lhe Jesus: Por que me perguntas acerca do que ébom? Bom, só existe um. Se queres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos. 18) E ele lheperguntou: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falsotestemunho; 19) honra a teu pai e a tua mãe, e amarás o teu próximo como a ti mesmo. Oevangelista introduz a história de maneira bem vívida: Eis! Cristo estava em sua jornada atravezda Peréia. A experiência que Mateus relatara nos primeiros versículos deste capítulo, talvez serepetiram mais vezes. Sempre vinham pessoas com vários assuntos que queriam expor a Jesus paraque o soubesse. No caso atual, veio um homem, um líder, Lc.18.18, provavelmente um líder joveme rico de alguma sinagoga, como o sugerem algumas versões. Era de coração franco, sincero etransparente. Cansado das disputas infindas dos escribas e fariseus, estava sinceramente em buscada verdade. No momento está mais ou menos convicto que com Jesus a achará. Bom Mestre,exclama, o que de bom deverei fazer para ter a vida eterna? Para conduzi-lo à verdade plena, Jesus,antes de tudo, apanha a questão assim como lhe fora feita. Quer testá-lo sobre o que ele mesmoentendeu com a pergunta que lhe fez. Por isso: Por que chamas bom a mim? Jesus não pensa emdeclinar do título que lhe dera, como algo que não lhe diga respeito, mas como algo aplicável tão sóa Deus mas não como mero título de honra. A entonação e posição da palavra “mim” sugere antes:Sabes, acaso, que chamando-me bom, me colocas no mesmo nível com Deus, e que o fazescorretamente? Cristo, por isso, longe de rejeitar a honra, aceita a palavra e enfatiza seu plenosignificado e importância. Agora ele prossegue com o segundo teste: Quanto ao que diz respeito aoentrar na vida eterna, tu, como líder duma escola, devias ter a informação; a maneira que vósmesmos ensinastes é a do cumprimento da lei. O jovem foi suficientemente sincero, contudo sofriado mesmo volume de farisaísmo que por natureza é próprio a qualquer pessoa. Em casos assim, énecessário referir a lei de Deus e pregar o completo cumprimento de cada mandamento. Se, então,uma pessoa tem aberto seus olhos e, sinceramente, reconhece sua incapacidade e sua corrupção,então há chance para que conheça ao Salvador e para a fé neste Redentor que é o único que leva aocéu. Dois fatos dignos de nota: Se não fosse por causa da depravação natural do homem e por causade sua cegueira em coisas espirituais, ele, de fato, iria ao céu pelo cumprimento dos mandamentos.Um guardar completo da lei merece a vida eterna, Lc.10.28. Guardar os mandamentos é tambémordenado aos cristãos, como um exercício na santificação. “Os mandamentos precisam serguardados, ou não há vida, mias só morte. Pois, até a fé é nada, onde não segue o amor, isto é, ocumprimento dos mandamentos, 1.Co.13.2. Pois, Cristo, o Filho de Deus, não veio e não morreupara que pudéssemos voluntariamente desobedecer aos mandamentos, mas para que, por seuauxílio e assistência, cumpramos os mandamentos. Por isso, como é dito: Obras sem fé são nada,assim também é verdade: Fé sem fruto também é vã. Porque obra sem fé é idolatria. Fé sem obra éuma mentira e não fé.”63)

Visto que o jovem mais uma vez e sinceramente pergunta: Quais? A quais te referes?Àqueles de Moisés, ou àqueles dos anciãos? – Jesus, com o objetivo de lhe abrir os olhos, pausado,recita os maiores mandamentos da segunda taboa do Decálogo, deixando o resumo de toda a taboapara o fim. Ele esperou que o mero ouvir a lista da boca de outrem pudesse levar a pessoa a pensar,ponderar e aplicar as palavras a si mesma, e a examinar corretamente seu coração. Mas, até, oúltimo mandamento todos eles não lhe alvoroçaram muito a consciência.

O teste, V. 20) Replicou-lhe o jovem: Tudo isso tenho observado; que me falta ainda? 21)Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres, e terás um tesourono céu; depois vem, e segue-me. 22) Tendo, porém, o jovem ouvido esta palavra, retirou-se triste,

63 ) 157) Lutero, 9.1806.

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por ser dono de muitas propriedades. A recitação da segunda taboa, feita por Jesus, não fez amenor ondinha na calma farisaica do jovem. Estava tão embebido na boa opinião sobre si mesmo,que foi preciso um golpe rude para acordá-lo do seu egoísmo. Segundo sua preocupação, estavasatisfeito que desde pequeno guardara todos os mandamentos, conforme o ensinava o padrãofarisaico de cumprir a letra mas não o espírito da lei. Por isso Cristo o apanhou em sua palavra. Serealmente é zeloso em ser perfeito diante da lei de Deus, mas especialmente, se quer apresentarprovas concretas de seu cumprimento do teor da segunda taboa, que dê o valor da venda de todosos bens aos pobres, mostrando, assim, que ele os amava como amava a si mesmo. Este foi o testede Cristo aplicado ao jovem. O Senhor conhecia o coração e percebeu que seu maior erra era oamor aos seus bens e sua indisposição ao sacrifício. Pois, sempre é verdade: Nosso amor a Deusprecisa estar acima de tudo. Por isso, se foro necessário, por amor ao reino de Deus, sacrificar todasas posses terrenas e, até, a própria vida, para tornar pleno o nosso discipulado, então só pode haveruma resposta, caso formos sinceros em nossa confissão cristã: assentimento incondicional. No casopresente, o jovem, semelhante a milhares desde então, “retirou-se triste”, profundamente triste edesgostoso, Mc.10.22. Esta cruz, que nem mesmo incluía aflição pessoa e sofrimento físico, foi-lhedemais. Provou ser inapto para ser um seguidor de Jesus. Amava seus bens mais do que ao Senhor.Os cardos do amor ao dinheiro infestavam o solo rico de seu coração e sufocavam a semente daPalavra que alcançara um começo promissor. Uma índole louvável e, em outros sentidos, nobreestava perdida por causa de uns poucos e mesquinhos dólares (reais).

A lição, V. 23) Então disse Jesus a seus discípulos: Em verdade vos digo que um ricodificilmente entrará no reino dos céus. 24) E ainda vos digo que é mais fácil passar um camelopelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus. 25) Ouvindo isto, os discípulosficaram grandemente maravilhados, e disseram: Sendo assim, quem pode ser salvo? 26) Jesus,fitando neles o olhar, disse-lhes: Isto é impossível aos homens, mas para Deus tudo é possível. Oincidente com o jovem rico também impressionou profundamente a Jesus. Como era seu costume,fez uma aplicação do fato aos seus discípulos. Solenemente emite uma verdade dura. Quanto aquem é rico, terá dificuldade para entrar no reino dos céus. A riqueza em si não é um entrave navida piedosa, mas sua posse é acompanhada do maior perigo, por causa da tentação de se colocar aconfiança em bens perecíveis, Mc.10.24; 1.Tm.6.9. Cristo usa a imagem oriental de ressaltar averdade que deseja imprimir nos discípulos. A figura dum camelo que passa pelo fundo dumaagulha foi um provérbio oriental que ilustra um feito extremamente difícil. O mesmo é o casodaqueles que depositam sua confiança em riquezas. Para entrar no reino, é preciso que se renunciecompletamente ao mundo.

Os discípulos escutaram com temor crescente às observações de seu Mestre. Esta afirmaçãolhes foi um golpe direto. A chance de salvação, havendo tais condições, é realmente umaoportunidade exígua, visto que em cada coração humano há o amor a algo deste mundo. Jesus,porém, os encarou demoradamente com gentil compaixão, e muita atenção. Suas palavrasconclusivas deviam penetrar fundo nos seus corações. Aos homens, aos meramente humanos, isto éimpossível. Não têm a força, por sua própria razão e força, arrancar seus corações das coisas destemundo. Com Deus, porém, todas as coisas são possíveis, mesmo que aos homens não o pareçam.Todas as coisas que parecem impossíveis ao juízo humano, todas as coisas que são impossíveispelo poder humano: a realização da salvação, a conquista da redenção e a obtenção das glórias docéu, tudo isto foi tornado possível por Deus em e atravez de Jesus Cristo. Deus tem a força paraconverte e renovar pessoas corruptas, de arrancar seus corações de todas as coisas deste mundo, efazer com que sejam completamente seus.

A Recompensa dos Apóstolos, Mt.19.27-30.

A pergunta de Pedro, V. 27) Então lhe falou Pedro: Eis que nós tudo deixamos e teseguimos: que será, pois, de nós? Pode ser que tenha havido algum traço de arrogância e auto-satisfação no tom de Pedro, ao fazer a pergunta a Jesus. Ele havia ouvido a exigência que Cristodirigira ao jovem. Também ouvira a promessa dum tesouro no céu, caso este cumpriria a exigência

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de vender todos seus bens. A conclusão de Pedro é, por isso, justificada: Foi o que fizemos,deixamos tudo para trás, tudo na linha de bens e riqueza que possuíamos; cabe-nos, acaso, oresultado? O pressuposto está na pergunta: O que será a nossa recompensa? Na verdade temos odireito a um tesouro no céu, se o que exiges é o que é preciso.

A resposta, V. 28) Jesus lhes respondeu: Em verdade vos digo que vós os que me seguistes,quando, na regeneração, o Filho do homem se assentar no trono da sua glória, também vosassentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel. Jesus não usa a oportunidade paraexplicar, mais uma vez, o que compreende ser um discípulo. Faz, apenas, uma afirmação, umaprofecia quanto ao futuro. Na regeneração, no novo nascimento do mundo no dia do juízo, quandoo reino do céu finalmente será consumado, quando o reino da glória iniciará, quando o Filho dohomem se assentará no trono de sua glória para julgar o mundo com justiça, então os apóstolos seassentarão em doze tronos e tomarão parte na administração da justiça e do poder de Cristo sobretodos os fiéis em Cristo, que formam o que realmente compreendem as doze tribos ou osverdadeiros filhos de Abraão.

A aplicação a todos os cristãos, V.29) E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ouirmãs, ou pai, ou mãe ou mulher, ou filhos, ou campos, por causa do meu nome, receberá muitasvezes mais, e herdará a vida eterna. 30) Porém, muitos primeiros serão últimos; e os últimos,primeiros. Jesus detalha de maneira muito impressionante as pessoas e os bens que geralmentefazem jus aos afetos das pessoas no mundo. A enumeração serve para atestar, de modo ainda maisenfático, a negação de si mesmo, que é a exigência de Cristo. Por causa de Cisto e na confissão deseu nome, qualquer outra coisa, de bom grado, deve ser deixado de lado e ser sacrificado sem omenor pesar, mesmo que isto signifique a ruptura de todos os laços terrenos. Tanto maior será suarecompensa de graça. Dele receberão de volta de modo múltiplo e em grande plenitude. Não só serárestaurado o valor de tudo em riquíssima abundância, mas, como auge de toda a recompensagraciosa, será incluída a vida eterna. Tudo isto para os que sofreram e negaram por causa de Cristo,para suportar sua ignomínia e para promover seu reino. Mas, o Senhor junta uma advertência, porcausa daqueles que estão inclinados a se darem por satisfeitos consigo mesmos, sendo vaidosossobre suas próprias obras. Não interessa o fato de ser chamado mais cedo ou mais tarde, para umapessoa comparecer diante do juízo. Mas aquele que se firma em suas obras e deseja insistir sobreelas no último dia, como merecedoras da bem-aventurança do céu, esse negou a graça e a obraexpiatória de seu Salvador, e não terá lugar no reino do céu. Todos os pobres pecadores, contudo,que desejam ser salvos, tão só pela graça, encontrarão seu lugar preparado nas mansões do céu.

Resumo: Cristo dá uma lição sobre casamento e divórcio, abençoa as criancinhas, mostra operigo de colocar confiança em riquezas, e certifica os apóstolos e todos os cristãos de suarecompensa graciosa no céu.

C A P I T U L O 2 0

A Parábola Dos Trabalhadores Na Vinha, Mt.20.1-16.

V. 20) Porque o reino dos céus é semelhante a um dono de casa que saiu de madrugadapara assalariar trabalhadores para a sua vinha. Esta é muitas vezes chamada a parábola das horas,porque a extensão do dia de trabalho é um item importante na lição da história, como Jesus acontou. Ele estava discutindo a recompensa graciosa que foi dada àqueles que estariam firmes naconfissão de seu nome, mas acrescentou a advertência contra um tolo confiar nos méritos pessoaisperante Deus, visto que isto envolvia o perigo de perder a recompensa. Pela maneira que sua igrejase apresenta às pessoas, como seu trabalho lhes é realizado para sua salvação, ela é semelhante aogovernante duma casa, seja ele o dono ou o administrador dos bens. Como tal ele podia ser visto, jánas primeiras horas de cada manhã, saindo para contratar trabalhadores a fim de que o fruto madura

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não debulhasse por falta de ceifeiros. Casos semelhantes podem ser encontrados em grandenúmero, em qualquer região e imediatamente antes de iniciar a época da colheita.

A contratação, V. ) E, tendo ajustado com os trabalhadores a um denário por dia, mandou-os para a vinha.3) Saindo pela terceira hora viu, na praça, outros que estavam desocupados, 4) edisse-lhes: Ide vós também para a vinha, e vos darei o que for justo. Eles foram. 5) Tendo saídooutra vez perto da hora sexta e da nona, procedeu da mesma forma, 6) e, saindo por volta da horaundécima, encontrou outros que estavam desocupados, e perguntou-lhes: Por que estivestes aquidesocupados o dia todo?7) Responderam-lhe: Porque ninguém nos contratou. Então lhes disse ele:Ide também vós para a vinha. Já no alvorecer conseguiu achar alguns trabalhadores, e os contratou,sendo que estes logo foram ao trabalho. O dia de trabalho dos judeus começava às seis da manhã eia até às sis da tarde. Marquemos bem: A palavra “assalariar” é enfatizada na parábola, visto quesua intenção é também destacar a necessidade de estar ativamente engajado no trabalho do reino deDeus. O dono de casa contratou os trabalhadores por um denário cada um. Este era o salário usualdo dia, o que perfazia uns quinze centésimos de dólar americano. Parece um valor pequeno, até quese compreenda que naquele tempo o valor do dinheiro era muito maior do que em nossos dias. Ossoldados romanos recebiam ainda menos. O dono de casa e os trabalhadores se acertaram com ovalor de u8m denário. Ele ofereceu este valor e eles concordaram, tornando-se obrigatório paraambas as partes. Estando eles a seu serviço, mandou-os para sua vinha. Três horas depois, por issoàs nove horas, o dono de casa saiu novamente. Na praça da cidade, que ficava na quadra central dapovoação, onde os desempregados se reuniam e esperavam por alguma pessoa que os empregasse,achou outros desempregados. Arrendou-os, não sendo estabelecida uma moeda ou valor específico.Prometeu dar-lhes o que considerava um salário justo. Vós também, afirma ele. Pois, há haviaassalariado um bom número no começo do dia, mas ainda podia empregar mais a fim de ter omelhor resultado. Eles concordaram com as condições e foram trabalhar na vinha. Ao meio-dia e àstrês da tarde repetiu-se o mesmo processo, sendo ajustado o mesmo contrato e da mesma forma.Mas a última saído do dia, a fim de contratar empregados, foi especialmente marcante. Já eramcinco da tarde quando ficou evidente que o trabalho começado devia ser concluído naquela mesmatarde, e que para tanto devia haver mais mãos para realizar a tarefa. Por isso, mais uma vez, o donode casa se foi para a praça. Lá encontrou outros desocupados. Queriam ter trabalhado, mas não ohaviam conseguido. Mandou-os, na maior pressa possível, à sua vinha: Ide vós, também; ainda queseja tão tarde. Não lhes especifica qualquer recompensa ou salário.

Ao entardecer, o pagamento, V. 8) Ao cair da tarde, disse o senhor da vinha ao seuadministrador: Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, começando pelos últimos, indo atéaos primeiros. 9) Vindo os da hora undécima, recebeu cada um deles um denário. 10) Aochegarem os primeiros, pensaram que receberiam mais; porém, também este receberam umdenário cada um. 11) Mas, tendo-o recebido, murmuravam contra o dono da cãs, 12) dizendo:Estes últimos trabalharam apenas uma hora; contudo os igualaste a nós que suportamos a fadigae o calor do dia. Quando foi seis horas da tarde, o senhor deu ao capataz ou administrador quetinha o encargo de pagar os trabalhadores, a ordem de chamá-los pagar-lhes seus salários. Chamaatenção a ordem de pagamento: Devia iniciar com os que vieram e trabalharam apenas uma hora.Começando pelo último que veio, devia ira até aos primeiros. Cada um devia receber a soma totaldo contrato, soma que o dono de casa havia indicado ao administrador. Um ponto importante:Conforme o costume convencional, a duração do contrato decidia o valor do salário. O diarista quetrabalhava só poucas horas recebia menos do que aquele que trabalhou o dia inteiro. Mas, quandovieram aqueles da hora undécima, cada um deles recebeu seu denário, como se tivesse trabalhadoum dia inteiro. Evidentemente havia no caso um presente ou doação, não interessando, se os outrostrabalhadores consideravam ao patrão esbanjador e tolo, ou não. Eles, porém, vendo estaliberalidade, tiraram uma conclusão errada. Quando vieram os primeiros que haviam sidocontratados de manhã, por meio dum contrato regular, ansiosamente esperaram receber uma somamaior do que a que os outros receberam. Mas, para sua grande humilhação, apareceu só o dinheiroajustado no contrato da manhã. Cada um deles também recebeu um denário. Prontamente aceitaramo dinheiro, porém, também logo começaram a expressar forte insatisfação. Murmuraram contra o

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administrador ou o governante da propriedade. Sabem exatamente onde está o ponto de suainsatisfação, quando dirigem seu desacato aos que vieram na hora undécima. Estes últimos, dizem,empenharam só uma hora mas gastaram as demais horas sem conseguirem qualquer coisa digna demenção, mas tu os igualaste a nós que fomos obrigados a suportar o fardo dum dia inteiro detrabalho, e fazendo o calor do meio dia parte do acordo. Avaliando tudo isto, o que representa umahora diante de tudo isto? Mas, ainda assim, o pagamento é o mesmo?

A aplicação desta parte da parábola ao trabalho no reino de Cristo não é difícil. Ensina-nosnão só a fugirmos da inveja, mas também a rendermos honra àqueles a quem o Senhor honra.“Todo aquele que possui os dons de Jesus e sabe que todos somos iguais em Cristo, esse atendecom gratidão ao trabalho do Senhor, ainda que, aqui sobre a terra e por algum tempo, esteja numaposição e num posto mais inferior do que alguém outro.Mas, no além será arranjado de mododiferente, assim que na vida eterna haverá uma dissimilaridade, um tendo muito, e outro pouco; umsendo senhor e outro servo. Isto não aborrece a um cristão, mas diz: Em nome de Deus, que nãoseja diferente aqui na terra; ainda que o meu posto seja mais difícil do que o do patrão ou da patroada cãs. Ainda que não seja poderoso como um príncipe, rei ou imperador, ainda assim nãomurmurarei sobre isto, mas alegre e voluntariamente fico no meu posto, até que Deus for agirdiferentemente comigo e me for tornar patrão ou patroa. Enquanto isto, consolo-me com o fatoseguinte, a saber, que seu que nem o imperador e nem o rei tem um outro Cristo ou tem mais deCristo do que eu.”64) E no que diz respeito a concessão de iguais galardões da graça a todos os fiéis,a todos os membros do reino, diante de não haverá qualquer alusão a um maior número de boasobras, como se fossem dignas de qualquer mérito diante dele. Todos os que querem ser santospelas obras necessariamente precisam ter uma tal vaidade que nada sabe da graça de Deus e que crêque são eles próprios que são os que são capazes de fazer o que fazem, e que o Senhor não irájulgar conforme sua bondade mas conforme o peso e a importância das obras deles. Mas todoaquele que compreendeu o que significa a graça, não é tomado de surpresa, quando Deus concede amesma recompensa da graça às obras pequenas como às grandes.”65)

A resposta do dono, V. ) 13) Mas o proprietário, respondendo, disse a um deles: Amigo,não te faço injustiça; não combinaste comigo um denário? 14) Toma o que é teu, e vai-te; poisquero dar a este último, tanto quanto a ti. 15) Porventura não me é lícito fazer o que quero do queé meu? Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom? 16) Assim, os últimos serão primeiros, e osprimeiros serão últimos, porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos. Ao escolher a umdentre o grupo de queixosos, o patrão deu ainda maior força à sua aplicação. Ele o chama de amigo,ou companheiro, camarada, colega, meu bom colega, meu caro próximo, desta forma combinarespeito com repreensão. Não era possível apontar qualquer engano ao dono de casa. O homemhavia recebido o salário fixado por contrato claro, com o qual concordara espontaneamente. Suatarefa estava no fim, e recebera seu pagamento. O que lhe competia agora, era tomar seu dinheiro eir embora, sem fazer qualquer cena de protesto. O patrão também respondeu às objeções quehaviam sido levantadas. É do seu agrado, da sua expressa vontade, dar ao último de todos, tantodinheiro como presente gracioso, como deu ao primeiro pelo efetivo contrato. Ele contesta o direitode qualquer um para interferir em seu modo de gastar seu dinheiro. E, bem porque deu presentes auma turma de trabalhadores, disso não se conclui que ele seja obrigado a fazer o mesmo no casodos outros. Onde estão envolvidos doações, presentes e benefícios, lá não pode haver algumainterrogação quanto a mérito e recompensa. Uma exigência tola e não autorizada não merecequalquer consideração. Só pode ser conseqüência de maldade, ciúme e inveja, que se mostra noolho sinistro e hostil, que alguém esteja insatisfeito com a bondade do patrão, e com a generosidadeque faz mais do que a situação exige. Por isso Jesus repete a lição do relato, capítulo 19.30: Osúltimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos”. Aquele que insiste no reconhecimento desuas obras e méritos diante do trono do Rei, as verá totalmente impróprias para conquistar o

64 ) 158) Lutero, 195,196.65 ) 159) Lutero. 12.1821.

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primeiro lugar. Esta exigência, ao contrário, resultará nisso que a pessoa será a menor e a última noreino de Deus, com o prejuízo de estar perdido para sempre.

Cristo mostra aqui a justiça peculiar e singular que prevalece no reino de Deus. Emassuntos temporais, tudo o que uma pessoa realiza e merece lhe será creditado como algo quemerece recompensa justa. Mas o costume do reino de Deus é diferente. Sempre que a questão éfeita sobre como uma pessoa pode ser justificada perante Deus e salva, então só a graça de Deus éque decide. Ele reparte os benefícios do seu reino conforme sua graciosa vontade, e não conforme adignidade ou indignidade pessoal. É verdade, que há uma diferença entre aqueles que sãochamados ao reino. Alguns suportaram o calor e a fadiga do dia, trabalharam o mais diligentepossível em suas vidas, foram diligentes em todas as boas obras, e deixaram e renegaram muitascoisas por causa de Cristo. Outros só foram convertidos tarde na vida, tendo passado grande partede suas vidas seguindo aos sonhos vãos do mundo. No ocaso de suas vidas ouviram e aceitaram ochamado de Jesus, só lhes restando pouco tempo para mostrar sua fé em boas obras. Mas no que serefere à sua relação com Deus, estão no mesmo nível dos primeiros. Tanto um grupo como o outroé salvo tão só pela fé. E, caso tiver tais pessoas no primeiro grupo que são vaidosas de si mesmas,que apontam para o valor de suas boas obras, e ao fato de terem trabalhado com sucesso no reinovisível de Cristo, e que se ofendem com a bondade e a misericórdia de Deus para com os inferiores,estes não podem manter sua posição na igreja da graça. Não querendo ser salvo como os publicanose pecadores, como o malfeitor da cruz, eles perdem completamente sua salvação, e trazem sobre simesmos condenação.66)

A parábola dos trabalhadores na vinha e a vocação do Senhor ao seu reino sempre foiconsiderado uma lição séria e profunda. E realmente o é. Mas na história há tanto amável confortocomo séria advertência. “Este evangelho interessa àqueles que são da opinião de que são diante osprimeiros ou os últimos. Por isso acerta a muitas pessoas ilustres, sim, até aterroriza aos maioressantos. É esta a razão que leva Jesus a exibi-lo, até, aos apóstolos. Pois, acontece que algumapessoa, aos olhos do mundo, seja pobre, fraco e desprezada, sim, seja sofredora por causa de Deus,não havendo sinal qualquer de que ela seja de qualquer valor, mas, ainda assim, ela em seu coraçãoé secretamente cheia de presunção, e se bendiz a si como o primeiro perante Deus, sendo, bem porisso, o último. Do outro lado, se alguém é tão tímido e medroso, a ponto de crer que seja o últimoperante Deus, mesmo que perante o mundo ele tenha dinheiro, honra e posses, esse, em virtude desua humildade, é o primeiro67.

Cristo Mais Uma Vez Prediz Sua Paixão, Mt.20.17-19.

V. 17) Estando Jesus para subir a Jerusalém, chamou à parte os doze e, em caminho, lhesdisse: 18) Eis que subimos para Jerusalém, e o Filho do homem será entregue aos principaissacerdotes e aos escribas. Eles o condenarão à morta. 19) E o entregarão aos gentios para serescarnecido, açoitado e crucificado; mas ao terceiro dia ressurgirá. Esta é a terceira predição deCristo sobre sua paixão. Na primeira vez só afirmara, de modo geral, que sofreria muitas coisas,capítulo 16.21. Na segunda profecia ele falou sobre sua traição e entrega nas mãos dos homens,capítulo 17.22. Agora os sofrimentos são enumerados em detalhes, e são mencionados os homensque seriam os culpados do comportamento atroz contra ele. Jesus decidira viajar para Jerusalém. Aviagem durou algum tempo, mas ele não vacilou. Visitou em Betânia seus amigos Maria, Marta eLázaro, Jo.11.38-44. Recolheu-se, por algum tempo, a Efraim, perto de Betel, Jo.11.54. Agora sedispôs para ir, com seus discípulos que estavam pasmos e amedrontados, para Jerusalém, para afesta da páscoa, Mc.10.32. Tendo isto em mente, Jesus se esforçou para fazer que vissem anecessidade de sua próxima paixão, conforme as palavras ditas pelos profetas. Levou os discípulos,tão só eles, para não ser perturbado, e proferiu esta terceiro anúncio. Subiam para Jerusalém, acidade santa dos judeus, não só porque estava erguida sobre uma colina que se sobressaia bem

66 ) 160) Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Testaments, 220,221.67 ) 161) Lutero, 11.513.

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acima da região circunvizinha, mas também porque, aos olhos dos israelitas, era a cidade maisgloriosa e sublime do mundo. Ele chama pelos nomes os homens que executariam este desígnioperverso – os principais dos sacerdotes e os escribas. Ele expõe a maneira pela qual isso será feito:Ele será sentenciado à morte. Mas a sentença da morte não será executada pelos assassinos, vistoque pessoas gentias ou seja soldados gentios o zombariam, açoitariam e crucificariam. Mas, apesarde tudo isto ele, ao final, triunfaria, ressuscitaria novamente ao terceiro dia. Ele é o Filho oniscientede Deus, sendo ele mesmo verdadeiro Deus, que voluntariamente enfrentaria sofrimento e morte.Foi este fato que deu o maior valor à sua obra da redenção.

O Pedido Dos Filhos De Zebedeu, Mt.20.20-28.

V. 20) Então se chegou a ele a mulher de Zebedeu, com seus filhos e, adorando-o, pediu-lhe um favor. 21) Perguntou-lhe ele: Que queres? Ela respondeu: Manda que, no teu reino, estesmeus dois filhos se assentem, um à tua direita, e o outro à tua esquerda. Os dois filhos de Zebedeu,Tiago e João, estiveram entre os primeiros discípulos de Jesus, Mt.4.21,22. Eles, no começo de seudiscipulado, não se caracterizavam pela mesma pela mesma paciência e bondade que, em anos maistarde, era o principal atributo de João. Ambos eram impulsivos na palavra e temerários na ação,Mc.3.17. O nome de sua mãe era Maria Salomé, irmã de Maria que era a mãe de Jesus, Jo.19.25;Lc.8.2,3; 23.55. Ela pertencia ao pequeno grupo de discípulas que serviam ao Senhor. Esta,provavelmente, ouvira a promessa que o Senhor fizera aos doze, capítulo 19.28, e concluira que acondição de que seus filhos eram primos de Jesus, e o fato que por ele haviam sido escolhidos paraserviços especiais, autorizavam seu pedido ousado. E seus filhos, então dificilmente cônscios dosignificado do verdadeiro discipulado, com ânsia apegaram-se à idéia e apoiaram o pedido da mãe.Ela foi muito insistente em seu pedido. Ajoelhou-se aos pés de Jesus e fervorosamente suplicou,buscando, bem ao modo feminino, cumprimento de seu pedido, até mesmo antes de fazê-lo. Sendosolicitada por Jesus sobre o que pedia, ela declarou que desejava que seus filhos ocupassem oslugares da maior honra em seu reino messiânico, pois era assim que eram considerados os assentosà direita e à esquerda dos governantes. Como diz Lutero: “A carne sempre deseja ser glorificada emvez de ser crucificada; exaltada em vez de humilhada”.

A resposta de Jesus, V. 22) Mas Jesus respondeu: Não sabeis o que pedis. Pois vós bebero cálice que eu estou para beber? Responderam-lhe: Podemos. 23) Então lhes disse: Bebereis omeu cálice; mas o assentar-se à minha direita e à minha esquerda não me compete concedê-lo;é,porém, para aqueles a quem está preparado por meu Pai. Incidentes desta natureza devem terprovado duramente a paciência de Jesus, mas ele, em sua bondade, tentou corrigir a idéia carnaldeles sobre o reino do Messias, mostrando-lhes o que envolvia esta honra que desejavam.Voltando-se aos filhos delas, diz-lhes com franqueza, que a sua concepção do futuro reino de Cristoestá totalmente errada., que seu pedido com clareza mostra sua total ignorância quanto ao caráterespiritual deste reino. Além disso, havia muito egoísmo arrogante, quando ignoravam as possíveisexigências dos demais discípulos. Tenta abrir-lhes os olhos para a bobagem, perguntando, se sejulgam capazes de participar no destino que, segundo o plano de redenção que Deus fez, lhesobreviria, se podem beber o cálice amargo do sofrimento, da ira e da condenação que ele devesorver, Mt.26.39,42, se podem suportar serem submergidos no batismo de sangue que, em última egrande paixão, lhe sobreviria como porção. Em vez de considerar com carinho a situação,imediatamente lhe dão sua ousada resposta, declarando-se, deste modo, hábeis para participar emsua paixão. Que estranha cegueira! Não sabiam o que tomavam sobre si. Jesus, de modo demorado,triste e comovente, ergue o véu do futuro e prediz-lhes sofrimento semelhante ao seu. “O grandeassunto conectado com o sofrimento da cruz não foi o de heroísmo humano, ou a capacidade deperseverar, mas o preparo interior, divino e santo. Os discípulos, contudo, não eram capazes destadistinção. Por conseguinte o Senhor recusou a sua participação em seus sofrimentos, como referidono sentido anterior. Mas, ao mesmo tempo, ele aponta para frente para o período em que terãoparticipação neste sofrimento, e isto no sentido mais nobre e verdadeiro. A resposta de Cristo, por

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isso, precisa ser considerada à luz duma correção que subentende uma admissão do chamado delespara sofrer com ele. O fato de agora serem incapazes, em sentido espiritual, de participar em seussofrimentos, é apresentada, de modo carinhoso, na forma duma afirmação, de que a hora dissoainda viria.”68) Quando à concessão de seu pedido, todavia, não os podia atender satisfatoriamente,não lhes podia conceder o pedido. Este não era assunto para ser decidido agora, de maneira quasearranjada às pressas, porque este acontece segundo a provisão do Pai. Sua resposta não induz que oPai possuísse uma autoridade da qual o Filho não participasse. Ele, meramente, deseja fixar neles,de que não irá abusar de seu poder, como o fazem os governantes terrenos quando dão postos dehonra e de autoridade, conforme critérios arbitrários e segundo o desejo pessoa, mas que o Paidesde a eternidade tem preparado para aqueles que ele por graça escolheu para a salvação,participação na glória futura e no domínio de seu Filho. Esta verdade vale para todos os discípulos.É necessário, primeiro, que eles sofram com Cristo; este é o caminho para a glória. Mas eles nuncapodem merecer as glória do céu com o sofrimento do tempo presente. Esta é dom gracioso de Deusem Cristo Jesus para os que lhe pertencem.

Uma lição sobre a humildade, V. 24) Ora, ouvindo isto os dez, indignaram-se contra osdois irmãos. 25) Então Jesus, chamando-os, disse: Sabeis que os governadores dos povos osdominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. 26) Não é assim entre vós; pelocontrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; 27) e quem quiser sero primeiro entre vós, será vosso servo; 28) tal como o Filho do homem, que não veio para serservido, mas para servir e dar a sua vida em regate por muitos. Os discípulos ainda eram muitohumanos. Visto que seus corações ainda estavam dominados pelas mesmas ambições, com a mesmainveja, como os dois filhos de Zebedeu, ficaram violentamente exaltados e agitados contra Tiago eJoão, que, agindo secretamente, quase alcançaram o que todos eles queriam. Jesus se viu obrigado aacalmar as mentes exaltadas. O relacionamento entre governadores e governados, de chefes eservos na igreja de Cristo e entre seus discípulos é totalmente diferente do que de qualquer governosecular. Os cabeças governantes dos povos em geral estão acostumados s mandar sobre seussubalternos, e os grandes do mundo são os tiranos dos que estão sob seu poder. A lei no reino deCristo é bem o oposto, e entre os discípulos também não é como acontece no mundo. Jesus fala dacondição das coisas como elas deviam ser, como deveríamos esperar encontrá-las entre os cristãos.Grandeza em servir é a única medida de grandeza que Cristo reconhece. Quem tem a ambição deser grande perante Cristo entre seus irmãos, então seu alvo no viver deve ser, ser o servo dosoutros. Se quiser ser taxado como o primeiro, que ele literalmente se torne, no sentido mais plenoda palavra, um escravo de outros. Um ministrar altruísta, um servir de bom grado, é o sinal deverdadeira grandeza ante Cristo. Lutar por honra e glória ante as pessoas, de modo nenhum,concorda com o espírito que Cristo demonstrou em sua vida. Pois, ele, equipado de poder sobretoda a criação, em virtude de sua divindade, tendo a autoridade de exigir serviço de todas aspessoas, não fez uso desse poder, mas consumiu sua vida servindo-os. Todo seu viver foi umministério em favor de todas as pessoas, o que culminou no grande sacrifício que, ao mesmo tempo,é o mais misterioso e o mais glorioso: Deu sua vida como remissão de muitos. O mundo inteirohavia sido vendido ao poder de Satanás, da morte e do inferno, e não havia salvação na terra. Todasas pessoas estavam destinadas a serem algemadas com as correntes desta escravidão por toda aeternidade. Cristo, porém, veio e deu sua própria vida por elas, resgatando e redimindo, destaforma, a todas as pessoas do poder de seus inimigos. Em vista de tal sacrifício, certamente, deve serinquestionável para qualquer seguidor de Cristo lutar de todas as maneiras pela mesma humildade,pelo mesmo espírito de serviço abnegado. E os pastores que, num modo bem especial, são osministros de Cristo e sua igreja, de bom grado, seguirão o exemplo de seu grande Cabeça. “Por issoo meu ofício e o de cada pregador e pastor não consiste em ser por meio do ofício um senhor, masnisso que sirva a vós todos, para que aprendais a conhecer Deus, para que sejais batizados e tenhaisa verdadeira Palavra de Deus, e para que finalmente sejais salvos, e que não me aventure a assumiro governo mundano, do qual príncipes e senhores, prefeitos e juízes devem apontar e zelar. Meu

68 ) 162) Schaff, Commmentary, Matthew, 364.

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ofício é somente um servir que, de modo voluntário e gratuito, devo prestar a todos, não buscandodinheiro ou bens, nem honra ou qualquer outra coisa. Mas, fazendo-o desta forma, que mesustenteis. Pois, visto que devo pregar e servir-vos nisso, não tenho tempo de, neste meio tempo,prover meu próprio alimento. Tendes por isso a obrigação de me sustentar, e isto completamente degraça, pois qualquer que serve diante do altar, diz São Paulo, deve viver do altar.”69)

A Cura De Dois Cegos, Mt.20.29-34.

O clamor deles, V. 29) Saindo eles de Jericó, uma grande multidão o acompanhava. 30) Eeis que dois cegos, assentados à beira do caminho, tendo ouvido que Jesus passava, clamaram:Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de nós! 31) Mas, a multidão os repreendia para que secalassem; eles, porém, gritavam cada vez mais: Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de nós!Jesus não foi pelo caminho mais curto para Jerusalém, mas por Jericó, tendo, assim, oportunidadepara mais atos de graça salvadores e para este milagre duplo. Pois, Mateus combina aqui a narraçãode duas curas em um breve relato. Sem dúvida, Jesus entrou e saiu da cidade pelo mesmo portão,aquele em direção leste. Quando entrou, havia um cego assentado perto do portão, Lc.18.35-43, Omilagre realizado neste caso tornou-se público durante a estada de Jesus, e encorajou o cegoBartimeu, Mc.10.46-52, a suplicar por restauração de sua visão, usando as mesmas palavras que sehaviam provado tão fortes no caso de seu companheiro no sofrimento. Atraída pela conversão deZaqueu e pelo ensino de Jesus na cidade, seguia-o uma grande multidão. De qualquer maneira, otumulto e o vozerio da multidão que passava informavam ao cego mendigo que o Senhor passava.O apelo dos cegos é feito no conhecimento correto e redentor do Salvador. Eles o reconheceram econfessaram como o Filho de Davi, como o Messias prometido, que, em sua misericórdia, podiacurá-los. Eles só pediram por misericórdia. Sentiam sua indignidade por causa de seu pecado.Compreenderam a necessidade de suplicar por misericórdia na presença daquele que lhes erainfinitamente superior. Segundo acontece, via de regra, em tais casos, muitos da multidão,asperamente, lhes pediram que se calassem, visto que, como aleijados inválidos, seremconsiderados como maçantes e precisarem ser tratados como tais, com insensível aspereza. Ele,porém, dobraram sua energia gritando alto por misericórdia e ajuda.

A cura, V. 32) Então parando Jesus, chamou-os e perguntou: Que quereis que eu vos faça?33) Responderam: Senhor, que se nos abram os olhos. 34) Condoído Jesus, tocou-lhes os olhos, eimediatamente recuperaram a vista, e o foram seguindo. O fato de Jesus se interessar pelos cegosmudou, imediatamente, a atitude da multidão, e muitos ofereceram ajuda. O clamor de fé tocou ocoração do Senhor. A confissão de seu poder divino, feita por eles, em resposta de sua pergunta, e aprece sincera que seus olhos fossem abertos, moveu-o com profunda compaixão. Ele lhes tocou osolhos, e ao seu toque miraculoso sua visão foi restaurada imediatamente. Jesus de Nazaré, que peloseu sofrimento e morte salvou da perdição eterna as almas de todas as pessoas, também temprofunda compaixão sobre os distúrbios e doenças físicas daqueles que nele crêem.

Resumo: Cristo ensina o significado da recompensa de graça pela parábola das horas,prediz com mais detalhes sua paixão, dá aos discípulos uma lição de verdadeira humildade, e curadois cegos.

O CHAMADO DO EVANGELHO

“Do versículo:’Muitos são chamados, mas poucos são escolhidos’, muitas cabeças intrusasconcluem vários pensamentos que não são apropriados e nem religiosos, seguindo a seguinte linhade pensamento: Aquele que Deus chamou será salvo sem meios; e de novo, aquele que ele nãoescolheu pode fazer o que quiser, pode ser tão piedoso e crente como quiser, mas ainda assim lhe

69 ) 163) Lutero, 7.1040,1041.

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está ordenado que precisa cair e que não pode ser salvo; que, por isso, tudo vá como quiser. Casoeu deva ser salvo, isso acontecerá sem a minha interferência; se não, então é fútil tudo o que façoou tente fazer. Que espécie de pessoas rebeldes e despreocupadas se desenvolvem de taispensamentos ímpios, isso cada um pode imaginar por si mesmo. Hoje, no dia dos Magos (Epifania),quando falamos do verso do profeta Miquéias, foi mostrado suficientemente que tais pensamentosdevem ser evitados tanto quanto o próprio diabo, e será escolhida uma forma diferente de estudar epensar a respeito de Deus. Isto é, que não aborreçamos a Deus em sua glória e em sua eleição(Versehung), pois nisso é ele incompreensível. É impossível que uma pessoa não se ofenda por taispensamentos, e caia ou no desespero, ou, se não isso, se torne totalmente atéia e atrevida.

“Mas todo aquele que deseja conhecer corretamente a Deus e sua vontade, esse deve seguirpelo caminho certo, no qual não será ofendido, mas beneficiado. Cristo é o caminho certo, quandodiz: ‘Ninguém vem ao Pai se não por mim’. Quem, por isso, deseja conhecer corretamente ao Pai evir a ele, que, primeiro, venha a Cristo e aprenda a conhecê-lo, a saber assim: Cristo é o Filho deDeus e o próprio Deus onipotente e eterno. Mas, o que faz o Filho de Deus? Torna-se homem poramor a nós; torna-se sujeito á lei, para nos redimir da lei; deixa-se crucificar e morre na cruz a fimde pagar pelos nossos pecados; e ele ressuscita da morte para, por sua ressurreição, romper entradapara a vida eterna, e prover auxílio contra a morte eterna; e ele está assentado à direita de Deuspara ser o nosso advogado e conceder-nos o Espírito Santo, por quem podemos ser governados,dirigidos e guardados contra qualquer tentação e insinuação do diabo. É isto o que significaconhecer corretamente a Cristo. Quando, pois, este conhecimento é bom e está firme no coração,então se começa a ascender ao céu e se entende: Visto que o Filho de Deus fez isto poro amor àspessoas, o que segue com respeito ao coração de Deus em sua atitude para com nós, visto que foipela vontade do Pai que o Filho fez tudo isto por nós? Tua própria razão, certamente, deve forçar-tea dizer: Visto que Deus deu o seu Filho unigênito por nós e por amor de nós não o poupou, ele,com certeza, não pode qualquer mau desígnio contra nós. Não é sua vontade que nos percamos,visto que ele usa os meios supremos para nos ajudar para a vida. É assim que podemos chegar aDeus de modo correto, como o próprio Cristo prega, Jo.3.16: ‘Deus amou ao mundo de tal maneiraque deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna’!São bem estes os pensamentos que deves guardar contra aqueles diferentes que se desenvolvem deopinião diferente, e descobrirás que os outros pensamentos são os do diabo antipático, pelos quaisuma pessoa se precisa tornar um ofendido, e, antão, desesperar ou se tornar um atrevido e ateu,visto que já não tem mais nada de bom a esperar de Deus.

Outros sacam outros pensamentos, e expõem assim as palavras: Muitos são chamados, asaber, que Deus oferece sua graça a muitos, mas poucos são escolhidos, a saber, que ele concedeesta graça a poucos, pois só poucos são salvos. Isto é uma compreensão completamente perversa,pois, como pode ser possível, quando alguém pensa e crê desta forma de Deus, que ele não se torneem inimigo de Deus, visto que a ausência de sua vontade é a razão que nem todos somos salvos?Mas compara esta opinião com a outra que se encontra onde as pessoas aprendem a conhecer,primeiro, a Cristo o Senhor, e descobrirás que é diabólica e blasfema. Há, por isso, um significadobem diferente no versículo: Muitos são chamados, etc. Pois a pregação do evangelho é geral epública para todos quantos o quiserem escutar e aceitar; e por esta razão Deus tem pregado oevangelho de modo tal e publicamente que cada um o devia ouvir, crer e aceitar, e, assim, ser salvo.Mas e o que acontece? Tal, como segue no evangelho: Poucos são escolhidos, isto é, poucosassumem para com o evangelho a atitude que Deus está favoravelmente inclinado a eles. Poisalguns o ouvem e não lhe dão atenção; outros o ouvem e não se apegam firmemente a ele e tambémnão se querem sacrificar ou sofrer por ele; alguns o ouvem mas preferem dinheiro e bens e o prazermundano. Mas isto não é do agrado de Deus, por isso ele não os quer.É isto o que Jesus chama ‘nãosendo escolhido’, isto é, não se portar assim que Deus se agrade com eles. Aquelas, porém, sãopessoas escolhidas e do agrado de Deus, que diligentemente ouvem o evangelho, crêem em Cristo,manifestam sua fé em boas obras, e por conta disso sofrem tudo quanto devam sofrer.

“Esta compreensão é a compreensão correta, que não pode ofender a ninguém, mas fazemprosperar, assim que as pessoas pensam: Muito bem, tendo em vista que eu devia agradar a Deus e

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ser um escolhido seu, não me será correto viver como uma má consciência, de pecar contra osmandamentos de Deus, e não o barrar pelo pecado; mas cabe-me ir a igreja e escutar a pregação,orar a Deus pelo seu Espírito Santo, não permitir que a palavra deixe meu coração, defender-mecontra o diabo e suas insinuações, e orar por proteção, paciência e assistência. Então o resultadosão cristãos esplendidos. Do outro lado, aqueles que crêem que Deus reluta em dar a salvação aalguns, estes ou desesperam ou se tornam indiferentes e ateus, vivendo como bestas e pensam:Tudo está determinado, se eu devo ser salvo ou não; por que me causaria eu dano? Não, não assim;tens o mandamento que deves ouvir a Palavra de Deus e crer em Cisto, de que ele é teu Salvador eque pagou pelos teus pecados. Lembra-te desta ordem, e segue-a. Caso te julgares fora da fé, oufraco, ora a Deus pelo Espírito Santo e não duvida que Cristo é teu Salvador, e serás salvo por elese neles crês, isto é, se te consolas nele. Conceda o querido Senhor Jesus Cristo isto a todos nós!Amém.”70)

70 ) 164) Lutero, 13.199-203.

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C A P I T U L O 2 1

A Entrada de Cristo em Jerusalém, Mt.21.1-11.

V.1) Quando se aproximaram de Jerusalém e chegaram a Betfagé, ao Monte das Oliveiras,enviou Jesus dois discípulos, dizendo-lhes: 2) Ide à aldeia que aí está diante de vós e logoachareis presa uma jumenta, e com ela um jumentinho. Desprendei-a e trazei-mos. 3) E se alguémvos disser alguma coisa, respondei-lhe que o Senhor precisa deles. E logo os enviará. Jesus,depois do milagre de Jericó, foi direto a Betânia, pequeno povoado no lado leste do Monte dasOliveiras. Havia ressuscitado da morte seu amigo Lázaro, o que intensificou muito o ódio dosfariseus e dos principais dos sacerdotes, Jo.11.23. Nesta ocasião o Senhor chegou num sábado aBetânia e passou o dia na casa de Simão o leproso. No jantar que lá lhe serviram, Maria o ungiupara o seu sepultamento, Jo.12.7. Jesus continuou sua viagem na manhã seguinte. Mas as notíciasde sua vinda haviam alcançado Jerusalém, e muitos dos peregrinos, que haviam vindo à festa,deixaram a cidade para encontrá-lo, cantando os hinos jubilosos que eram entoados em ocasiõesfestivas. “Hosana! Bendito o Rei de Israel que vem em o nome do Senhor,” Jo.12.12,13. Jesus veiocom os primeiros da multidão a Betfagé que é a “casa de figos”, uma pequena vila na ladeirasudeste do Monte das Oliveiras, quase vizinha a Betânia, na mesma estrada para Jerusalém. Naentrada deste pequeno povoado, Jesus parou por algum tempo, com o objetivo de enviar dois dosdiscípulos como delegação sua. Dá-lhes diretrizes claras: Na localidade em frente deles, achariamlogo e sem dificuldades, atada uma jumenta tendo consigo o potro. Sem pedirem licença, deviamdesatar e trazê-los, como se fossem eles os seus donos. Caso, os donos ou alguma outra pessoafossem protestar quanto ao seu direito de levar os animais, a simples palavra: O Senhor precisadeles, tendo seus motivos para querê-los, (esta palavra) serviria como senha e faria com que osdonos obedecessem em submissão imediata e grata. Três pontos importantes: O Senhor sabia queos animais estavam no lugar indicado, e mais uma vez aproveitou a ocasião para convencer seusdiscípulos de que nada lhe era oculto. Sua Palavra tem poder e autoridade onipotentes. Tal como asocorrências do futuro instantaneamente lhe estão manifestas, assim ele, o Senhor a quem todas ascoisas pertencem, pode, mesmo à distância, influenciar o coração do dono para que se submeta àsua vontade. Os dois discípulos estiveram totalmente no escuro quanto à finalidade de sua missão,Jo.12.16, e, sem dúvida, cumpriram com grande relutância a sua ordem, que os poderia colocar emdificuldades desagradáveis. Foram, porém, submissos à sua palavra, porque de experiênciasouberam que ele removeria quaisquer perigos.Bem da mesma forma os discípulos de Cristo detodos os tempos podem confiar inteiramente na Palavra de seu Senhor onipotente e onisciente,sabendo que, mesmo nos caminhos escuros, sua autoridade os preserva.

A profecia cumprida: V.4) Ora, isto aconteceu, para se cumprir o que foi dito, porintermédio do profeta: 5) Dizei à filha de Sião: Eis aí te vem o teu Rei, humilde, montado emjumento, num jumentinho, cria de animal de carga. O acontecimento inteiro, com todos os seusincidentes, ocorreu desta forma para que a palavra do profeta, Zc.9.9, fosse cumprida. Cf.Is.62.11.A citação feita pelo evangelista é feita de modo livre, incorporando tudo o que o AntigoTestamento diz da mansidão e humildade deste Rei dos reis. Cristo, com isto, desaprova todas asidéias e esperanças messiânicas carnais e vulgares. Ele fez sua entrada na cidade que logo mais orejeitaria por completo, não no modo de um herói conquistador, como o esperavam os habitantesmundanos de Jerusalém, mas num asno, e no potro dum asno. Este foi um último grande dia demisericórdia para a cidade, para que todos os habitantes pudessem conhecer o Redentor, mas elesnão consideraram isto como algo que pertencesse à sua paz. Porém, tanto maior seria a impressãoque a vinda do Rei da graça faria aos corações de seus crentes. “É isto, a que o evangelistaadmoesta pregarmos, quando diz: ‘Dizei à filha de Sião: Eis aí o teu Rei vem a ti, manso’. É, comose dissesse: Ele vem para o teu bem, para a tua paz, para a salvação e a alegria do teu coração. E,porque não o creram, ele profetiza que isso devia ser falado e pregado. Todo aquele que crê, queCristo vem assim, este o tem desta forma. Ó que pregação singular que hoje é quase desconhecida!

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Assinalem bem cada palavra. A palavra ‘eis’ é uma palavra de alegria e admoestação, e se refere aalgo que ansiosamente se esperou por muito tempo. ‘Teu Rei’, que destrói o tirano de tuaconsciência, a saber, a lei, e te governa em paz e de modo muito agradável, dando-te perdão dospecados e a força de cumprir a lei. ‘Teu’, isto é, prometido a ti, por quem tu esperaste, a quem tu,carregado de pecados, clamaste, por quem suspiraste. ‘Ele vem’, de modo voluntário, sem teumérito, unicamente por grande amor, pois tu não o trouxeste para cá nem foste tu quem subiu aocéu, tu”. não mereceste seu advento, mas ele deixou a sua propriedade e vem a ti que és aquele queé indigno e que sob a compulsão e o domínio da lei mereceste, como retribuição pelos teuspecados, nada mais do que castigo. ‘A ti’ ele vem, isto é, para o teu benefício, com tudo o que delenecessitas. Ele vem para buscar a ti; vem somente para te servir e te fazer o bem. Ele não vem parao seu próprio bem, não para de ti buscar o que é seu, como anteriormente o fazia a lei. Tu não tenso que a lei exige. Por isso ele vem para te dar o que é seu, mas de ti ele não espera nada, a não serque tu permitas que teus pecados te sejam tirados e tu sejas salvo. ... O evangelista usa só a palavra‘humilde’ mas omite as palavras ‘justo e salvador’. Pois na língua hebraica a palavra ‘pobre’ estaintimamente relacionada com a palavra ‘humilde’ ou ‘gentil’. Os hebreus chamam de pobre umapessoa que é pobre, modesta, humilde, inquieta e abatida de espírito. Todos os cristãos sãochamados, por isso, pobres nas Escrituras. Pois, de fato, é manso e humilde aquele que nãoconsidera o mal que foi feito ao próximo nunca diferente do que sendo feito a ele próprio. Ele sentede modo apropriado o problema e, por isso, tem compaixão do próximo. O evangelista descreve aCristo como alguém assim, que foi pobre e martirizado em nosso lugar, e que foi realmentehumilde, que veio oprimido pelo nosso mal mas que está pronto para nos socorrer com a maior detodas as misericórdias e com amor” 1).

A entrada triunfal: V.6) Indo os discípulos, e tendo feito como Jesus lhes ordenara, 7)trouxeram a jumenta e o jumentinho. Então puseram em cima deles as suas vestes, e sobre elasJesus montou. 8) E a maior parte da multidão estendeu as suas vestes pelo caminho, e outroscortavam ramos de árvores, espalhando-os pela estrada. 9) E as multidões, tanto as que oprecediam, como as que o seguiam, clamavam: Hosana ao Filho de Davi! Bendito o que vem emnome do Senhor! Hosana nas maiores alturas! Enquanto Jesus esperava junto à entrada deBetfagé, os discípulos cumpriram sua ordem, recebendo, como resultado, a confirmação de suaconfiança nele. Obedecer a sua Palavra nunca redundará em vergonha para o cristão. Os animais,quando levados ao Senhor, não estavam areados. Mas, neste momento, um êxtase peculiar seapoderou dos discípulos e da multidão que ia aumentando em número. Despindo, rápido, suasvestes exteriores, que era uma casaca solta, abriram-nas sobre o potro como assento para o Mestre.O exemplo dos primeiros discípulos foi contagioso. Todos os demais, bem como grande parte dopovo, tomaram as vestes e as espalharam sobre o caminho, como para receber um imperador ou reipotente. A agitação, todavia, se espalhou. Visto que muitos dos costumes das grandes festas, de vezem quando, eram transferidos de uma para a outra, o povo não hesitou, também desta vez, deemprestar os hábitos da festa dos tabernáculos. Alguns do povo cortaram ou arrancaram galhos dasárvores ao longo da estrada, e os espalharam pelo chão para formarem um tapete de filhas para Elepassar. Mas o auge da exultação se deu no alto do Monte das Oliveiras. Aqui as fileiras dosprimeiros cantores se engrossaram com grandes multidões de recém-chegados. E, enquanto estesiam adiante, outros seguiam após o Senhor. E, numa exclamação antífona a aclamação jubilosa dopovo subia ao céu, quando cantavam trechos do grande Aleluia, com a doxologia usada em grandesfestas, Sl. 118.25,26. Proclamam-no de público como o Filho de Davi, como o verdadeiro Messias,e lhe desejam bênçãos e salvação do alto. Vindo de toda parte, o povo se juntava nestademonstração em honra ao humilde Nazareno. Cheios de júbilo ofertavam suas vestes festivas, seusornamentos de festa, trouxeram ramos de palmeiras e abanavam as verdes capas da incipienteprimavera como expressão plena de sua alegria, de sua confissão do Senhor, o Messias. Émuitíssimo triste que esta exultação só foi temporária, e que tão de pressa foi esquecida. Contudo,ao menos por breve tempo, o Espírito do Senhor tomou posse do povo. Foi assim que Deus quis

1 ) 105) Lutero, 12.1001-1003.

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testemunhar a respeito de seu Filho, antes que a vergonha e o horror da cruz fosse colocado sobreele. O fato, ao mesmo tempo, foi profético a respeito do tempo, quando toda língua confessaria queJesus é o Senhor.

A recepção em Jerusalém: V.10) E, entrando ele em Jerusalém, toda a cidade se alvoroçou,e perguntavam: Quem é este? 11) E as multidões clamavam: Este é o profeta Jesus, de Nazaré daGaliléia. A demonstração diante de Jesus continuou durante todo o trecho da descida do Monte dasOliveiras, sobre o vale do Cedrom, para dentro da cidade de Jerusalém. Como sempre acontecenestas circunstâncias, a agitação se espalhou rapidamente e trouxe consigo a muitos que nadasabiam da real motivação. Até a cidade de Jerusalém, com suas multidões de peregrinos quehaviam vindo para a festa, foi em extremo movida, como se fosse por um terremoto. O entusiasmopopular irradiou a todas as classes do povo. Todos se perguntavam sobre a identidade do homemque, desta forma, entrou na cidade. Os habitantes de Jerusalém haviam tido abundância deoportunidades para conhecê-lo. Muitos, porém, haviam esquecido os grandes milagres realizadosem seu meio. Outros haviam vindo de longe, e nunca haviam entrado em contato com a obra emensagem gloriosa de Cristo. Em toda parte era anunciado publicamente diante dele, que ele eraJesus, o profeta de Nazaré da Galiléia. Seu conhecimento dele não era muito claro, e os quepossuíam um conhecimento definido hesitavam confessá-lo como tal em público. Proclamar econfessá-lo como o Messias era uma empreitada perigosa na principal cidade dos judeus, visto queos principais dos sacerdotes e os membros do conselho haviam ameaçado publicamente com aexcomunhão aos que o fossem confessar. Da mesma maneira, em nossos dias, muitos que estãosuficientemente dispostos a proclamar Cristo em meio à grande multidão, não se dispõem a erguer-se em favor de Jesus, quando a confissão individual lhes possa causar desgosto e perseguição.

Cristo Visita o Templo, Mt.21.12-16.

V. 12) Tendo Jesus entrado no templo, expulsou a todos os que ali vendiam e compravam;também derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. 13) E disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; vós, porém, a transformais emcovil de salteadores.Jesus, durante os primeiros dias dessa visita, que foi sua última semana emhumilhação sobre a terra, fez de Betânia sua sede. Passava os dias na cidade e retornava aos seusamigos para o pernoite. Foi na segunda-feira da semana santa, que Jesus, como já anteriormente,Jo.2.13-17, se sentiu muito atingido e magoado pelo estado das coisas no templo. Originalmente,cada pessoa que desejava trazer um sacrifício ao templo tomava o animal do seu próprio rebanhoou manada. No curso do tempo, porém, foi feito uma mudança, devido, principalmente, às váriasrestrições com respeito a adequação de diversos animais. Os funcionários judeus de Jerusalém seadonaram da situação, começando um comércio de animais bem junto aos portões do templo e nospátios do mesmo. Lá era possível encontrar os vários animais para o sacrifício, tais como touros,ovelhas, cabras, pombas e outros, que todos se enquadravam nas medidas da pureza levítica. E,tendo em vista que este negócio envolvia muito câmbio de dinheiro, desenvolveu0se um negócioformal de banco bem próximo do lugar sagrado. Uma cena estranha: O mugido do gado, o balidodas ovelhas e cordeiros, o arrulho das pombas, a gritaria dos vendedores, o tilintar do dinheiro –tudo isto acontecia no lugar que era sagrado ao nome de Deus. Junte-se a isso o fato que ossacerdotes, muitas vezes, tiravam benefício deste arranjo, exigindo uma boa percentagem por teremdado esta concessão, como diz Lutero, 2) e temos um quadro do comercialismo na igreja, como,dificilmente, podem ser reproduzidos, ainda que mais do que uma vez rivalizados na igreja.“Avareza, coberta com o véu da piedade, é uma daquelas coisas que Cristo olha com a maiorindignação em sua igreja.O negócio das coisas santas, ofertas simoníacas, as trocas fraudulentas,um espírito mercenário em funções sacras; encargos eclesiásticos obtidos por lisonja, culto ouassessoramento, ou por qualquer outro meio que valha dinheiro; concessões de títulos, nomeações,

2 ) 166) Lutero, 7.1054.

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e eleições feitas por qualquer outro motivo do que a glória de Deus. Todas elas são profanaçõesfatais e malditas, das quais aquelas do templo eram só mera sombra”3). Santa indignação tomouconta de Jesus, vendo a manifestação deste espírito blasfemo. E, na autoridade e dignidade doultrajado Filho de Deus, entrou a passos largos no pátio. Asperamente empurrou e expulsou osnegociantes. Irritado, derrubou as mesas dos vis banqueiros e dos vendedores de pombas,lembrando, ao mesmo tempo, o povo das palavras dos profetas, Is.56.7; Jr.7.11. O templo deSalomão havia sido construído como uma casa de oração para todas as nações, 1.Rs.8, e a estruturaatual também devia ser uma casa de oração. Eles, porém, levados pelo seu espírito e práticasmercenários, haviam-na tornado em covil de salteadores, em que defraudações e logro estavam naordem do dia.

A confissão das crianças: V. 14) Vieram a ele no templo cegos e coxos, e ele os curou. 15)Mas vendo os principais sacerdotes e os escribas as maravilhas que Jesus fazia, e os meninosclamando: Hosana ao Filho de Davi, indignaram-se, e perguntaram-lhe: 16) Ouves o que estesestão dizendo? Respondeu-lhes Jesus: Sim, nunca lestes: Da boca de pequeninos e crianças depeito tiraste perfeito louvor? O Senhor, mesmo nestes últimos dias, continuou a obra de seuministério de curar, no próprio pátio do templo, sendo o pátio dos gentios usado para váriasreuniões. Os principais sacerdotes e escribas, temendo as multidões, ainda que fervessem deindignação mortífera, na ocasião nada podiam fazer. Mas, quando as crianças que haviam vindocom seus pais para testemunhar o culto no templo e para passar a páscoa, começaram a entoar acanção que, no dia anterior, havia irritado tanto aos ouvidos dos fariseus; quando suas vozes agudasecoaram no hosana de adoração e súplica, foi demais aos funcionários judeus. Irritados, inquiriramdele se, acaso, não o ouvia. Eles, na verdade, queriam dizer: Por que não te magoas com establasfêmia? Pois, calar significa assentir – e igualmente confessar que o canto delas expressa averdade. Jesus, contudo, teve pronta resposta. Acusam-no de surdo e que não ouvia. Ele os acusa decegueira, de não serem capazes de ver, ou de memória estulta, não sendo capazes de se lembrarem.Fartamente estava escrito, Sl.8.2, que pequeninos e crianças de peito cantariam a honra do Messias,e ele, com alegria, aceitou sua confissão. Isto confirmava as afirmações elogiosas da multidão arespeito de sua condição de Messias. Foi um tributo sobre sua missão junto às criancinhas. “Eleestá plenamente satisfeito com o louvor delas. Ele o aceita, e permite que o proclamem rei emIsrael, e que o reino de Israel era o seu reino e o seu povo. Isto os principais dos sacerdotes e osgrandes senhores de Jerusalém não podiam tolerar. Perturba-os, mais, o fato que clamam ‘aleluia!’no templo. Os milagres não os preocupam tanto. Permitem que ele faz ver os cegos, eretos osmancos, e outros milagres mais. Mas que tivesse desejado entrar na cidade, assentado num animal esob o canto e com pompa, e não se ter preocupado com eles a quem deveria ter pedido autorização,isto não lhes agradou. Pois, todos os sismáticos facilmente sabem julgar aos outros. São pessoasirascíveis, que vêem o cisco nos olhos dos outros, mas não se apercebem da trave em seus própriosolhos. São da opinião que a realização de milagres, de fato, é algo, mas, por causa disso cantar queele é um rei e senhor, isto não dá um bom aspecto a um profeta. Se, de início, tivesse ido aosprincipais sacerdotes e pedido permissão, tudo teria estado bem; mas que o faz sem sua permissão,não passando dum pobre, imprestável e mendigo que nem mesmo um asno possuía, se apresenta demodo tão vigoroso e contra sua vontade, e nem se digna, ao menos, com um olhar lhes pedirpermissão, isto lhes é intolerável e os afronta”4).

A Maldição da Figueira, Mt.21.17-22.

V. 17) E, deixando-os, saiu da cidade para Betânia, onde pernoitou. 18) Cedo de manhã,ao voltar para a cidade, teve fome; 19) e, vendo uma figueira à beira do caminho, aproximou-sedela; e, não tendo achado senão folhas, disse-lhe: Nunca mais nasça fruto de ti. E a figueira secou

3 ) 167) Quesnel, citado por Clarke, Commentary, 5.202.4 ) 168) Lutero, 7.1075.

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imediatamente. Mateus, aqui, combina o relato de duas jornadas matutinas de Betânia, por causa daênfase sobre o todo. Quanto aos inimigos, haviam sido calados pela citação feita por Jesus, e nãotinham o que dizer em público. E o Senhor tinha a permissão de ir e vir livremente entre Jerusaléme Betânia. Foi na manhã de segunda-feira, que Jesus teve fome, quando estava no caminho de maisou menos duas milhas para a capital. Uma figueira, linda e cheia de folhas, dava a entender quehavia frutos para comer. Mas, em chegando a ela, não encontrou mais que só folhas. O incidentelembrou a Jesus, provavelmente, duma lição. Poderia trazer ao conhecimento dos discípulos oantitipo desse figueira, que eram os principais sacerdotes e os escribas em sua conduta descrente,sim, de toda a nação dos judeus. Jesus, também teve em mente uma segunda lição, que ele deudiretamente aos discípulos. Na sua maldição, a figueira secou imediatamente desde as raízes. Osdiscípulos, aparentemente, não fixaram o fato naquele momento. Foram com o Senhor a Jerusalém,que, em seu zelo pelo trabalho, nem mesmo se dera o tempo para um café da manhã em Betânia.

A lição da figueira seca: V.) Vendo isto os discípulos, admiraram-se e exclamaram: Comosecou depressa a figueira! 21) Jesus, porém,lhes respondeu: Em verdade vos digo que, se tiverdesfé e não duvidardes, não somente fareis o que foi feito à figueira, mas até mesmo se a este montedisserdes: Ergue-te e lança-te no mar, tal sucederá; 22) e tudo quanto pedirdes em oração,crendo, recebereis. Na manhã de terça-feira a atenção dos discípulos foi despertada sobre a figueirasolitária que lá estava de folhas secas, Mc.11.20. Externaram sua surpresa a Jesus, que então lhesdeu uma lição tirada do incidente, semelhante a do capítulo 17.20. A fé em Deus é algo essencial aodiscípulo de Cristo, total confiança no poder todo-poderoso de Deus, que tem toda a criação em suamão. Deve ser uma fé sem a menor dúvida na eficácia da oração, com apoio total na onipotência deDeus e sobre a ordem e a promessa de Deus, capítulo 17.20. O caso da figueira é coisa pequenapara uma tal fé. Para uma tal fé a remoção de montanhas, erradicar montanhas, como o Monte dasOliveiras, é coisa certa. Diante do poder conquistador da fé, todas as dificuldades e perplexidadesprecisam dobrar-se. E é a fé na boa vontade graciosa de Deus que é o que é mais essencial naoração certa e eficaz. Cristo, sempre de novo, enfatiza estes dois pontos: fé inabalável epersistência importunadora.

A Autoridade de Jesus, Mt.21.23-27.

A pergunta dos anciãos: V. 23) Tendo Jesus chegado ao templo, estando já ensinando,acercaram-se dele os principais sacerdotes e os anciãos do povo, perguntando: Com queautoridade fazes estas coisas? E quem te deu essa autoridade? Os membros do sinédrio judeu queera o grande conselho da igreja dos judeus, sempre eram zelosos sobre seus direitos e desconfiavamde qualquer um que se atrevia pensar e agir por si mesmo. O ponto de sua pergunta foi: Se tupretendes ter a autoridade de purificar o templo, se publicamente ensinas e curas no templo, dá-nosuma prova do teu caráter profético, e prova que tens a missão de profeta de Deus. Era umressentimento tolo, e que, realmente, escancarava a cegueira dos líderes. Pois, Jesus havia dadoexemplos incontáveis de seu poder profético, tanto por milagres como pela sua pregação cheia deautoridade, como nenhum outro mestre de Israel possuía. A demanda deles é dupla: Dá-nosevidências que, de fato, possuis esta autoridade, e, então, satisfaze-nos quanto à fonte da autoridadeque alegas ter. Queriam que ele lhes desse uma prestação de contas sobre todos os atos que fizeraem seu ministério oficial.

A resposta: V. 24) E Jesus lhes respondeu: Eu também vos farei uma pergunta; se meresponderdes, também eu vos direi com que autoridade faço estas coisas. 25) Donde era o batismode João? do céu ou dos homens? E discorriam entre si: Se dissermos: Do céu, ele nos dirá: Entãopor que não acreditastes nele? 26) E, se dissermos: Dos homens, é para temer o povo, porquetodos consideram João como profeta. 27) Então responderam a Jesus: Não sabemos. E ele por suavez: Nem eu vos digo como que autoridade faço estas coisas. O método de Cristo, respondendopergunta com pergunta, novamente se mostrou eficiente. Queria só informação sobre uma coisa.Caso a resposta a esta pergunta fosse dada, ele teria o prazer de dar-lhes a prestação que desejavam.

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Sua pergunta, porém, os colocou num dilema sobre qual era a autoridade pela qual João Batistafizera a obra do seu ministério, em especial seu ofício de batizar. Discutiram o assunto muito entresi e avaliaram uma possível resposta que não os comprometesse. Mas, só havia esta umaalternativa: Dum lado atrairiam a censura de Cristo, e do outro, o ódio do povo. Se João tinhaautoridade divina para o seu batismo, não havia escusa para a sua oposição a ele, por sua recusa emcrer. Doutro lado, caso se atrevessem em expressar sua crença que João não tinha autoridadedivina, o ódio do povo, facilmente, poderia tornar a situação muito desagradável para eles. Foi, porisso, que preferiram não responder, absolvendo a Jesus da necessidade de responder a sua pergunta.Havia na resposta, assim como Jesus a colocara, uma clara reprovação. Caso precisassem admitirque João tinha autoridade divina, muito mais o ensino e os milagres de Jesus argumentam que ele éalguém enviado por Deus. Descrer é imoral. Os descrentes não podem negar a evidência daEscritura, mas não querem aceitar a verdade. Por isso suas armas são as mentiras, as evasivas e asescusas.

A Parábola dos Dois Filhos, Mt.21.28-32.

V.) 28) E que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Chegando-se ao primeiro, disse:Filho, vai hoje trabalhar na vinha. 29) Ele respondeu: Sim, Senhor; porém não foi. 30) Dirigindo-se ao segundo, disse-lhe a mesma coisa. Mas este respondeu: Não quero; depois, arrependido, foi.31a) Qual dos dois fez a vontade do pai? Disseram: O segundo. A distinção moral que Jesus fezaqui, foi algo como que os próprios fariseus concordaram. Por isso sua verdade era tanto maisamarga para eles. Ambos os filhos foram abordados da mesma forma e com as mesmas palavras. Oque se tinha por piedoso diz que irá trabalhar, mas, apesar de seu aparente zelo e polidez, rejeitatanto a autoridade paterna como sua obediência filia. O outro, quando abordado, é rude e mal-educado e aparentemente cheio de mal-humorada desobediência, mas, ainda assim, repensandomelhor, vai e trabalha para o pai. A resposta dos fariseus, por isso, não podia ser outra.

A aplicação: V31b) Declarou-lhes Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizesvos precedem no reino de Deus. 32) Porque João veio a vós outros no caminho da justiça, e nãoacreditastes nele; ao passo que publicanos e meretrizes creram. Vós, porém, mesmo vendo istonão vos arrependestes, afinal, para acreditardes nele. Os líderes dos judeus, pela resposta quederam a Jesus, haviam proferido a sua própria sentença. João, em sua mensagem e em seu viver, foium pregador da justiça, não havendo quem fosse maior do que ele. Mas a escória da sociedadejudaica, aqueles que haviam sido expulsos da sinagoga e já não eram mais membros da igrejajudaica, estes deram acolhida à sua admoestação para o arrependimento. Estes, ao final, foramobedientes à vontade do Pai celeste. Mas os fariseus e escribas, os principais sacerdotes e osanciãos, não aceitaram a pregação de João e nem a de Cristo. Sua prática era ter a Palavra e a lei deDeus em suas bocas, mas seus corações estavam longe da real obediência à vontade do Pai celeste.Um cristianismo que é só de cabeça e de boca, na verdade, não passa de desobediência a Deus. Masaquele pobre pecador que reconhece sua culpa e se arrepende de seu pecado, é por Deusreconhecido e tratado como um filho obediente, sendo seus pecados, cometidos no passado, já nãomais lembrados.

A Parábola dos Agricultores Maus, Mt.21.33-46.

V. 33) Atentai noutra parábola. Havia um homem, dono de casa, que plantou uma vinha.Cercou-a de uma sebe, construiu nela um lagar, edificou-lhe uma torre e arrendou-a a unslavradores. Depois se ausentou do país. 34) Ao tempo da colheita, enviou os seus servos aoslavradores, para receber os frutos que lhe tocavam. 35) E os lavradores, agarrando os servos,espancaram a um, mataram outro, e a outro apedrejaram. 36) Enviou ainda outros servos emmaior número; e trataram-nos da mesma forma. Jesus, sem dar ocasião aos judeus para objetarem,

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introduz, com grande emoção, outra lição, com a deliberada intenção de fazê-los enxergar suaprópria malícia e corrupção. O quadro que traça era muito familiar aos seus ouvintes. E ele sabiaque, de imediato, também enxergariam o significado, visto que o Antigo Testamento fala tantasvezes da vinha da igreja. Cristo dá uma descrição detalhada do chefe, ou dona dos bens. Cf. Is.5.1-7; Sl.80.9-11. O objetivo era que eles não só produzissem fruto mas que este fosse da melhorqualidade. Plantou uma cerca viva ao redor para impedir que os animais selvagens pudessemarrancar e arrasar as videiras. Construiu um lagar, onde os cachos de uvas pudessem ser esmagados,e um tanque onde o suco pudesse ser armazenado. Construiu uma torre de vigia contra os ladrões,fossem homens ou animais. Em suma, fez tudo o que se podia esperar dum cuidadoso proprietárioduma vinha. A seguir ele arrendou a vinha com participação nos lucros, pois precisava fazer longaviagem. Mas os que a tomaram em arrendamento eram maus. Em vez de pagarem os lucros dacolheita que pertencia ao seu senhor, trataram com desprezo e, até, mataram os servos que haviamsido enviados para trazer o lucro ao senhor. Cristo, propositalmente, retrata a maldade com umaintensidade dramática.

V. 37) E por último enviou-lhes o seu próprio filho, dizendo: A meu filho respeitarão. 38)Mas os lavradores, vendo o filho, disseram entre si: Este é o herdeiro; ora vamos, matemo-lo, eapoderemo-nos da sua herança. 39) E, agarrando-o, lançaram-no para fora da vinha e omataram. 40) Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores? 41)Responderam-lhe: Fará perecer horrivelmente a estes malvados, e arrendará a vinha a outroslavradores que lhe remetam os frutos nos seus devidos tempos. A paciência do dono ainda não seesgotara. Decidiu por uma última medida para levar aqueles lavradores a tomarem consciência, e,também, para conseguir o fruto do seu pomar. Pensou que, com certeza, iriam reverenciar oumostrar respeito a seu filho, e que sentissem muita vergonha sobre a sua conduta anterior, bemcomo um desejo sincero de recuperar a confiança de seu patrão. Mas a maldade desses lavradoresexcedeu a medida costumeira. Eles, com malignidade verdadeiramente diabólica, resolveram mataro herdeiro. Removendo ao herdeiro, esperavam tomar, sem qualquer oposição, a herança para si.Apossando-se dela. Jesus, tendo alcançado o auge de sua história, fez uma pausa para perguntarpela opinião de seus ouvintes, quanto ao destino dos agricultores, quando o dono retornaria. Aresposta veio, sem hesitação, que ele, de modo muito impaciente, executaria aqueles servosindignos e maus, e confiaria sua vinha a agricultores honestos que lhe dariam, no tempo devido, arenda estipulada. Ao darem esta resposta, com a qual Jesus concordou integralmente, os membrosdo conselho dos judeus suas frontes ousadas em manifesta indignação sobre uma maldade tãoultrajante, ainda que sentissem que a parábola visasse a eles; mas, talvez, estavam cegos demaispara verem a analogia das palavras do Senhor. Mas, em qualquer dos casos, seu juízo foi umasentença de destruição sobre eles próprios e sobre todos aqueles de seu povo que os seguiamdeliberadamente em sua iniqüidades, ou seja, em sua rejeição do Salvador.

Pois, ao um relance de olho, já fica claro o sentido da parábola. O próprio Deus é o Senhorda casa e de suas atividades. A vinha, tal como aparece nas passagens do Antigo Testamento, é asua igreja, que ele plantou em meio ao povo de Israel, que era o seu povo escolhido. Ele dera a estanação a plenitude de sua benignidade e graça. Erguera uma sebe ao redor deles contra os gentios,que foi a lei cerimonial e forma teocrática de governo. Dera-lhes a forte torre de sentinela do reinode Davi e seus descendentes. Dera-lhes todas as vantagens externas, que os habilitavam a atestarque eram uma nação santa. Mas o fruto que esperou não apareceu. Enviou a Samuel e outrosprofetas no tempo dos juízes. Enviou mais e maiores profetas, do que os de antes, com umapregação poderosa, e grandes sinais e prodígios. Mas, à medida que o tempo passava, aumentava oabuso aos mensageiros, como vemos nos casos de Elias, Jeremias e Sacarias, 2.Cr.24.20; Mt.23.37;Jr.3.20; Hb.11.36-38; Lc.11.47-51. Depois de todos, enviou seu unigênito e bem-amado Filho,esperando que a este reconheceriam como o seu representante pessoal e lhe dessem o respeito ereverência que lhe são devidos. Eles, porém, endureceram seus corações contra os seus ensinos econtra os seus milagres, reuniram-se para tramar o ódio contra ele, e, finalmente, depois dumaformal excomunhão, o mataram. Assim os lavradores, ou seja os membros proeminentes do povojudeu, em especial seus principais sacerdotes e anciãos, os escribas e fariseus, rejeitaram o

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conselho de Deus para com eles, e chamaram sobre si mesmos a condenação. E a vinha com seufruto, que é o reino de Deus com as riquezas da sua misericórdia e amor, foi entregue aos gentiosque a aceitaram e que, desde então, gozam suas bênçãos e, ao menos em certa medida, pagaramcom boas obras os lucros que Deus ordenava.

A aplicação: V. 42) Perguntou-lhes Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra que osconstrutores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular; isto procede do Senhor, e émaravilhoso aos nossos olhos? 43) Portanto vos digo que o reino de Deus vos será tirado e seráentregue a um povo que lhe produza os respectivos frutos. 44) Todo o que cair sobre esta pedraficará em pedaços; e aquele sobre quem ela cair ficará reduzido a pó. Cristo não mede palavras,mas aplica a parábola com força impiedosa. Faz com que os membros do conselho judeu serecordem das palavras do profeta, Sl. 118.22. Os judeus foram os escolhidos construtores dotemplo espiritual de Deus. Mas uma das condições para poderem continuar neste trabalho, foi suaaceitação da pedra que fora selecionada por Deus para ser a principal pedra angular. Pelo milagreda ressurreição de Cristo foi julgada a sua rejeição de Cristo. Cristo se tornou a pedra angular daigreja do Novo Testamento, o fundamento da grande estrutura espiritual que será completada noúltimo dia, Ef.2.20-22. Jesus, dirigindo-se diretamente a eles, narra-lhes a destruição que podemesperar: a perda total de seus privilégios no reino, que será entregue ao mundo gentio. E há, ainda,mais uma palavra que se aplica aqui, que é a da pedra de tropeço e da rocha de ofensa, Is.8.14.Qualquer que se ofende nesta Pedra angular e cai sobre ela, esse será despedaçado. Mas se a Pedracair sobre alguém pelo juízo de Deus, esse será moído em pó e espalhado ao vento, Lc.2.34,35. Noúltimo dia, todos aqueles que se negaram obedecer ao Rei celeste e rejeitaram seu Filho, destaforma desprezando a graça que este lhes conseguiu, serão feitos em pedaços pela justiça inexorávelde Deus. “Mas, ser construído sobre a Pedra é crer em Cristo e que ele é nosso Salvador. Se, pois,sou chamado ao evangelho e o aceito e nele creio, então sou uma das pedras erguidas sobre ele esou considerado salvo, não por causa de mérito ou obra minha,... mas que sou edificado e colocadosobre a Pedra angular, o que acontece por meio da verdadeira fé cristã, tal como é a prece dascrianças: Creio em Jesus Cristo, que foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu de Maria, a virgem,sofreu sob Pôncio Pilatos; ele é Pedra polida e provada de esquina. Se nele creio, então souedificado sobre ele e serei salvo, como diz Isaías: ‘Aquele que crer não foge’ (nota: ‘Aquele quenela crê não será confundido, Rm.9.33). Lá o profeta expõe claramente que ser edificado sobre elesignifica confiar em Cristo e crer nele”5).

O resultado: V. 45) Os principais sacerdotes e os fariseus, ouvindo estas parábolas,entenderam que era a respeito deles que Jesus falava; 46) e, conquanto buscassem prendê-lo,temeram as multidões, porque estas o consideravam como profeta. A estupidez real ou assumidadeles, tendo em vista a aplicação feita de modo tão rude, precisou dar lugar ao entendimento. Mas,em lugar de se apartarem da perversidade de seus caminhos, só se intensificou a amargura de seuódio. No ato teriam prendido a Jesus, se não tivessem temido o povo. Uma prisão nesta hora teriagerado um levante, visto que grandes multidões, reunidas nos pátios do templo bem como por todaa cidade, julgavam que ele era um profeta, e não teriam permitido que sofresse qualquer dano.

Resumo: Jesus faz uma entrada triunfal em Jerusalém, expulsa os mercadores e cambistasdo templo, aceita o louvor das crianças, amaldiçoa a figueira, afirma sua autoridade e conta asparábolas dos dois filhos e dos agricultores maus.

C A P I T U L O 2 2

A Parábola da Festa de Casamento, Mt.22.1-14.

5 ) 169) Lutero, 7.1102.

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V.1) De novo entrou Jesus a falar por parábolas, dizendo-lhes: 2) O reino dos céus ésemelhante a um rei que celebrou as bodas de seu filho. 3) Então enviou os seus servos a chamaros convidados para as bodas; mas estes não quiseram vir. 4) Enviou ainda outros servos, com esterecado: Dizei aos convidados: Eis que já preparei o meu banquete: os meus bois e cevados jáforam abatidos, e tudo está pronto; vinde para as bodas.É uma descrição vívida dos preparativoscuidadosos para uma festa oriental de casamento, para salientar a conclusão moral na questão doreino de Deus. Pois, Cristo sempre teve um propósito claro, quando contava suas parábolas, que, namaioria dos casos, foi ensinar a qualificação certa para se tornar um membro de seu grande reino.“Aprendemos, antes de tudo, que o reino dos céus é o reino de Cristo, nosso Senhor, onde a Palavrae a fé estão presentes. Neste reino nossa vida tem esperança e somos, de acordo com a Palavra e afé, puros dos pecados e livres da morte e do inferno, ainda que somos nesta vida embaraçados pelavelha casca e a carne indolente. A casca ainda não foi retirada e a carne ainda não foi removida.Isto ainda precisa ser feito. Então haverá para nós nada outro, do que vida, justiça e salvação”6).Este reino, assim como se apresenta no mundo ou em sua forma externa, é semelhante a um homemque era um rei ilustre, um poderoso governante, que preparou uma festa de casamento para seufilho. Uma festa dessas não era acontecimento para uma hora ou duas, mas, muitas vezes, duravavários dias, Jz.14.17. Na época pré-estabelecida, servos foram enviados para anunciar o fato aosque haviam recebido um convite, provavelmente príncipes, e as pessoas ricas e poderosas do reino.Esta segunda chamada parece confirmar totalmente o costume oriental, Et.6.14. O resultado, tenhasido por comum acordo ou por mesquinhez pessoal, foi um flagrante não. O rei, porém, conservoua paciência. Enviou ainda outros servos como uma mensagem mais urgente aos hóspedesconvidados. Dirigem-lhes palavras tais que exaltam a festa, para lhes estimular o desejo em aceitara promessa. A atenção dos convidados devia ser despertada para fato que a refeição do meio-dia,com a qual as festas iniciavam, já lhes estava inteiramente preparada. Os bois e carneiros cevadoshaviam sido abatidos e cozidos, não faltando na mesa nenhuma das delícias. O bem-estar do rei nãose esquecera de nada, no esforço de honrar tanto a si mesmo como a seus convidados.

A rejeição: V. 5) Eles, porém, não se importaram, e se foram, um para o seu campo, outropara o seu negócio; 6) e os outros, agarrando os servos, os maltrataram e mataram. 7) O rei ficouirado e, enviando as suas tropas, exterminou aqueles assassinos e lhes incendiou a cidade.Estamos diante dum caso premeditada insolência e insulto. Ficaram indiferentes diante do conviteurgente. Em sua maioria nem lhe prestaram atenção. Mas saíram e se devotaram aos seus afazeresparticulares – o proprietário de terras à sua lavoura, o negociante à sua loja. Alguns dosconvidados, porém, não se deram por satisfeito com uma mera desaprovação e desprezo a uma festade bodas como esta. Voltaram seu rancor aos mensageiros. Tendo conseguido apanhá-los, trataram-nos com todas as evidências de desrespeito e, ao final, os mataram. Estes eram atos de clararebelião, que, naturalmente, foram seguidos pela guerra. O rei, profundamente irritado, enviou seusexércitos e puniu os assassinos com a morte e com a queima de sua cidade. A recusa de vir à festade casamento, juntamente com os atos de violência contra os servos, se constituíram em atos deatrevida desobediência que, assim, foram corretamente punidos.

Novos convidados: V.8) Então disse aos seus servos: Está pronta a festa, mas osconvidados não eram dignos. 9) Ide, pois, para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para asbodas a quantos encontrardes. 10) E, saindo aqueles servos pelas estradas, reuniram todos os queencontraram, maus e bons; e a sala do banquete ficou repleta de convidados. Então, quando haviasido dado o relatório do fracasso dos servos em persuadir aos primeiros convidados. Mas o tempopremia. Era preciso muita urgência. Por isso deviam sair para as vias expressas e às encruzilhadasdos caminhos, fosse este um entroncamento donde os caminhos seguiam para todas as direções, oupróximo das entradas da cidade onde estradas de todas as direções se juntam. Em cada caso,estariam passando muitas pessoas em curto espaço de tempo, e, assim, seria bem maior a chance deencontrar hóspedes. Os servos não se deviam preocupar com qualquer seleção mais cuidadosa, emespecial, não quanto à nacionalidade. Pois, os hóspedes indignos deviam ser substituídos o quanto

6 ) 170) Lutero, 13.926.

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antes possível por outros, quaisquer que encontrassem. Os servos seguiram a ordem ao pé da letra.Saindo para as ruas e estradas, trouxeram a todos que encontraram, bons e maus, e a assembléianupcial dos que deviam participar dela se completou.

A veste nupcial que faltou: V.11) Entrando, porém, o rei para ver os que estavam à mesa,notou ali um homem que não trazia veste nupcial, 12) e perguntou-lhe: Amigo, como entraste aquisem veste nupcial? E ele emudeceu. 13) Então ordenou o rei aos serventes: Amarrai-o de pés emãos, e lançai-o para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes. 14) Porque muitos sãochamados, mas poucos escolhidos. O rei estava muito satisfeito com o sucesso do seu plano e, logoque os convidados se haviam sentado e a festa de casamento estava em curso, ele entrou para dar asboas vindas a todos. Mas, enquanto seguia entre as fileiras de mesas, sua atenção caiu sobre umhomem que, mesmo estando reclinado com os demais à mesa e participando da refeição, não estavavestido de vestes nupciais apropriadas. Isto não só era inescusável, mas era insultuoso. Pois, oshóspedes dos reis orientais sempre eram providos, em especial para uma ocasião como esta, comvestes festivas, sendo que hóspedes ocasionais recebiam atenção especial neste ponto. Também eranatural, para ser igual à dignidade da ocasião, que os hóspedes tivessem cuidado especial com suasvestes, para não parecer que eram insensíveis quanto à honra recebida. Não admira que, diante dapergunta surpresa do rei quanto à maneira como conseguira penetrar sem ser observado,visto queele sabia muito bem que era requerida uma veste nupcial a qual, quando faltava, podia ser pedida erecebida facilmente, que o sujeito culpado sentisse sua voz trancada na garganta, sendo incapaz deuma só palavra como explicação ou defesa. Era um caso de desprezo doentio e deliberado dagenerosidade, da liberalidade do rei. Por isso o rei falou esta sentença sumária. Os servosreceberam ordens de amarrar ao infrator de mãos e pés, a atirá-lo para fora, nas trevas docalabouço, onde teria tempo suficiente para se arrepender de sua tolice com choro e ranger dedentes. Pois, conclui Jesus, muitos são chamados, mas poucos são escolhidos.

A lição desta parábola é semelhante à da precedente. Sua primeira parte foi,provavelmente, entendida pelos judeus. Na segunda parte ela excedeu à igreja judia, e contém umaadvertência para todos os tempos. O próprio Deus é o rei. A festa nupcial é a do reino do Messias,as bodas do Cordeiro. O primeiro convite foi feito ao povo escolhido do Antigo Testamento,formado pela nação dos judeus. Os profetas, em número sempre crescente, vieram para ele,trazendo mensagens sempre mais claras. Depois, vieram João Batista e o próprio Cristo, e osapóstolos com sua mensagem urgente de arrependimento e salvação. Mas a resposta que veio foiindiferença, ódio, blasfêmia e assassinato. Então a paciência de Deus cansou. Seu juízo foiexecutado sobre Jerusalém e nação judaica, tendo os romanos sob Vespaciano e Tito sitiado suacapital e destruído tanto ao templo como a cidade, no ano 70 AD. O Senhor, desde aquele tempo,de modo fidelíssimo tentou conseguir outros hóspedes para a sua festa nupcial. Seus mensageirossaíram pelas vias expressas e estradas secundárias das nações gentias de todo o mundo. A igrejacristã se espalhou praticamente e todos os países da terra. Pessoas de todas as línguas foramcongregadas no grande salão da festa nupcial do Cordeiro. Bons e maus, hipócritas e cristãossinceros, foram reunidos na comunhão exterior, conhecida como a igreja visível. Chegou, porém, ahora para o Rei fazer a sua avaliação. Ele providenciou, poro meio de seu Filho Jesus Cristo, umaveste nupcial de justiça e pureza sem mácula para cada um que foi chamado para a festa. Suamisericórdia e graça, de fato, são livres para todas as pessoas, mas que não podem participar daceia, sem, primeiro, terem aceitado esta veste nupcial para encobrir a imundície e nudez do seupecado. Ele revelará a trapaça, caso não for antes, então, certamente, no grande dia do julgamento.E o insulto ao amor de Deus será corretamente punido, sendo toda e qualquer pessoa que põe suaconfiança em seus próprios méritos e obras será lançada no calabouço do inferno e seus tormentoseternos. “Este será o castigo de que o tem da visitação não foi reconhecido nem aceito, que fomosconvidados e tivemos Sacramento, Batismo, evangelho e a absolvição, mas, ainda assim, não ocremos nem nos servimos deles. Que bom seria se Deus e o amado Senhor nos ensinassem de modotão pleno e nos levassem a ponto de reconhecermos a misericórdia imenso que temos recebido,sendo convidados a uma festa tão bendita, onde certamente acharemos salvação do pecado, dodiabo, da morte e da eterna lamentação! Aquele que se nega a aceitar isso de coração agradecido,

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esse terá em lugar dela a morte eterna. Porque será verdade um dos dois: Ou receber o evangelho ecrer e ser salvo, ou não crer e ser eternamente condenado”7).

A Pergunta Sobre o Imposto, Mt.22.15-22.

Um elogio não sincero: V.15) Então, retirando-se os fariseus, consultaram entre si como osurpreenderiam em alguma palavra. 16) E enviaram-lhe discípulos, juntamente com osherodianos, para dizer-lhe: Mestre, sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus,de acordo com a verdade, sem te importares com quem quer que seja, porque não olhas aaparência dos homens. Os fariseus, mais uma vez, haviam sentido a ardência da aplicação daúltima parábola, mas isto não lhes melhorou o temperamento. A força está fora de cogitação, porcausa do povo. Por isso buscavam jeito e meios para encontrar um pergunta capciosa, cuja respostapudesse ter como resultado a provocação do ódio do povo comum e a averiguação do governoromano. A propósito planejam e buscam alguma questão que lhes possa servir para este fim. Tendoachado uma que, em sua opinião, foi adequada, tentaram, primeiro, desviar a atenção de Jesus,jogando em seus olhos a areia do elogio. Isto, contudo, quando muito, foi uma tentativa frustrada,quando se tem em mente a onisciência de Cristo. Enviam alguns dos seus discípulos, juntamentecom os horodianos. Os últimos pertenciam a uma seita ou facção que na crença se assemelhavacom os saduceus, mas que em sua organização eram fortemente políticos. Conforme os relatos maisconfiáveis, surgiram no tempo de Herodes o Grande, e fomentavam a idéia dum reino nacional soba dinastia herodiana. Tendo como sua força o conhecimento, a riqueza e a influência, com suasesperanças políticas não podiam ser ignorados como aliados dos fariseus e dos saduceus. Parecemter sido talhados para fazer parte desta delegação para que o plano não fosse tão aparente. A coisamais estranha foi, que suas palavras foram plenamente verdadeiras. Jesus, sendo a própria verdade,realmente ensinava o verdadeiro caminho de Deus e para Deus. Era plenamente apartidário emrelação a todos e não tinha a menor hesitação, quando preciso, de expressar sua opinião diante detodos. Mas na boca desses inimigos, estes fatos se tornaram zombaria e malícia vazia, e uma lisonjafalsa que buscava enganar e iludir. Era a hipocrisia mais falsa e diabólica.

A pergunta e a réplica: V.17) Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar tributo a César,ou não? 18) Jesus, porém, conhecendo-lhes a malícia, respondeu: Por que me experimentais,hipócritas? 19) Mostrai-me a moeda do tributo. Trouxeram-lhe um denário. 20) E ele lhesperguntou: De quem é esta efígie e inscrição? 21) Responderam: De César. Então lhes disse: Daí,pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. 22) Ouvindo isto, se admiraram e,deixando-o, foram-se. Sua pergunta ecoa, como se eles fossem uns inocentes e inofensivos, que tãosó perguntavam pela opinião dum respeitado mestre, desejando saber se era certo, apropriado, ouseja, se assim podia ser feito, pagar imposto ou taxa por cabeça ao imperador romano.A dificuldadeda pergunta está nisso, que ela foi feita segundo o ponto de vista da religião: Será que não podiaacontecer que quem pagava este imposto corra o perigo de entrar em conflito com Deus e com seudever para com a igreja? Sem dúvida, esperavam que Jesus se declarasse contra o pagamento doimposto, o que lhes daria motivos para o denunciarem como rebelde diante do governador romano.Do outro lado, se favorecesse o pagamento deste imposto tão questionado, facilmente, podiamlançar sobre ele a suspeição de que era amigo e agente do governo romano e que não tinha o amoradequado para com os privilégios dos judeus como o povo escolhido de Deus. Cristo, porém, esteveciente de sua perversidade. Diz-lhes que são hipócritas, tentando mascarar seu ataque sob aaparência duma cortesia sincera. Mas eram maus atores tentando-o para o desviar do trilho de seuministério. Ordena que lhe mostrem uma moeda do censo, que era a moeda com que se pagava estataxa. Quando lhe mostraram um denário, a moeda romana de prata que tinha a imagem e inscriçãode César, que valia uns dezessete cents em dinheiro americano, de pronto lhes deu sua decisão: Oque é de César dêem a César, o que é de Deus dêem para Deus. É uma regra simples e muito

7 ) 171) Lutero, 13.938.

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eficiente para conservar clara e definida a distinção entre igreja e estado. Foi uma resposta que ossilenciou por completo, e que sobre esta questão tão controvertida forneceu a informaçãonecessária para todos os tempos. O povo de Deus, acima de tudo, devia dar a Deus a honra e aobediência devidas. Em tudo o que diz respeito a Palavra de Deus, o próprio culto, a fé econsciência, tão somente obedecemos a Deus e não consideramos as objeções das pessoas. Mas emcoisas meramente temporais e terrenas, que se relacionam a dinheiro, posses, corpo e vida,obedecemos ao governo do país em que vivemos. “Mesmo que não fossem dignos, ainda assim oSenhor lhes ensinou o caminho certo. Com estas palavras ele também confirma a espada temporal.Eles esperavam que Cristo o condenasse e argumentaria contra ele. Ele, porém, não faz nada disso,mas elogia ao governo civil e lhes ordena que lhe dêem o que lhe pertence. Com isto afirma que suavontade é que haja governo, príncipes e senhores, aos quais devemos obediência, sejam eles queme o que quer que sejam. E não nos cabe perguntar se eles, de modo justo ou injusto, têm econservam em suas mãos o regime e o governo. Cabe-nos, tão só, preocupar-nos com o poder dogoverno, e esse é bom, pois foi ordenado e instituído por Deus, Rm.13.1. Não deves atrever-te ainsultar ao governo, pelo fato de, ocasionalmente, seres oprimido por príncipes e tiranos, e quandoeles abusam do poder que receberam de Deus. Pois, disso certamente deverão prestar contas. Oabuso de algo não o torna mau, quando é bom em si mesmo....Mas, e como seria, se eles nosquisessem tirar o evangelho, ou proibir sua proclamação? Então te cabe dizer: Não te entregarei oevangelho e a Palavra de Deus, e não tens poder nenhum sobre isto; pois teu governo é um governotemporal sobre bens terrenos, o evangelho, porém, é uma posse celeste; por isso o teu poder não seestende sobre o evangelho e a Palavra de Deus. ... Esse não devemos entregar, visto que é o poderde Deus, Rm.1.16; 1.Co.1.18, contra o qual nem mesmo as portas do inferno prevalecerão,Mt.16.18. Por isso o Senhor, habilmente, condensa estes dois pontos, e, num só versículo, os separaum do outro, e diz: ‘Daí, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus’. Pertence a Deusa sua honra, que eu nele creia como sendo o Deus verdadeiro, todo-poderoso e sábio, e confesseque ele é o autor de todas as coisas boas. Mesmo, porém, que não lhe dê esta honra, ele a detém. Ofato que tu o honrares, não a aumenta nem diminui. Em mim, contudo, ele é verdadeiro, todo-poderoso e sábio, quando assim o considero e creio que ele é assim como ele próprio o confirma desi mesmo. Mas ao governo é devido temor, imposto, tributo, taxa e obediência. O que Deus quer é ocoração. O corpo e os bens estão sob o governo que, em lugar de Deus, deve governar sobre eles”8).

A Pergunta dos Saduceus, Mt.22.23-33.

V. 23) Naquele dia aproximaram-se dele alguns saduceus, que dizem não haverressurreição, e lhe perguntaram: 24) Mestre, Moisés disse: Se alguém morrer, não tendo filhos,seu irmão casará com a viúve e suscitará descendência ao falecido. 25) Ora, havia entre nós seteirmãos; o primeiro, tendo casado, morreu, e não tendo descendência, deixou sua mulher a seuirmão; 26) o mesmo sucedeu com o segundo, com o terceiro, até ao sétimo; 27) depois de todoseles, morreu também a mulher. 28) Portanto, na ressurreição, de qual dos sete será ela esposa?Porque todos a desposaram. Os herodianos e os discípulos dos fariseus haviam sido silenciados.Este fato, porém, pareceu como um desafio aos saduceus que se gloriavam de sua sagacidade. Esteshomens não só vieram em seu espírito de malícia mas com a intenção de ridicularizar a Cristo.Pois, pessoalmente, não acreditavam na ressurreição, como observa Mateus, e também sóaceitavam os cinco livros de Moisés como palavras autênticas de Deus. Jesus estava bem ciente dasduas coisas, e aqui ele se usou desse seu conhecimento para frustrá-los. Contam uma história, quetem todos os sinais inequívocos de ter sido inventada para esta ocasião, e citam Moisés, Gn.38.8;Dt.25.5,6, em apoio à sua pergunta. Era o assim chamado casamento do levirado, a que sereferiram.Conforme este, fora ordenado para a preservação das famílias, que, se um homem morreusem deixar filhos, seu irmão devia casar a viúva, e que o primogênito fosse registrado como sendo

8 ) 172) Lutero, 11.1813,1814; 13.2508-2514.

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filho do irmão falecido. Os saduceus, propositalmente, contam a história do modo como a contam,para expressar a loucura da situação que, em sua opinião, haverá depois da ressurreição: Esposa dequem será ela? Pois, todos os irmãos têm os mesmos direitos.

A resposta de Cristo: V.29) Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escriturasnem o poder de Deus. 30) Porque na ressurreição nem casam nem se dão em casamento; são,porém, como os anjos no céu. Jesus, de modo completamente imparcial, mas com uma ênfase queatropela, dá-lhes a resposta: Todos estais em erro, e isto, porque não conheceis nem os fatos daEscritura nem o poder de Deus. Segundo os primeiros, deviam ter conhecido o fato que aressurreição é afirmada no Antigo Testamento. Conforme o segundo, deviam ter conhecido queDeus é capaz de ressuscitar da morte. Notemos: A pergunta deles é uma questão secundária paraCristo. Interessa-lhe muito mais o motivo da pergunta. Até ao ponto que a história deles vai, adificuldade que, como eles, de modo zombeteiro, sugerem, existe caso houver uma ressurreição,nem é tão grande. Cristo lhes diz, que no céu os crentes ressuscitados serão assexuados, serão comoos anjos, visto não haver mais necessidade para casar, por estarem no passado tanto a procriação defilhos como os desejos sexuais do corpo.

Prova da ressurreição: V.31) E, quanto à ressurreição dos mortos, não tendes lido o queDeus vos declarou: 32) Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ele não éDeus de mortos, e, sim, de vivos. 33) Ouvindo isto, as multidões se maravilhavam da sua doutrina.É um pedacinho de explicação bíblica, que é tão irrefutável como é surpreendente. O método deCristo inclui uma censura à maneira deles de ler, sem nenhum entendimento, os livros de Moisés:Sois ignorantes nos próprios livros, que confessais serem sagrados, em que o Senhor faladiretamente convosco. Foi no Monte Horebe que o Senhor disse estas palavras a Moisés, Ex.3.6,16.Se os patriarcas estavam mortos, tanto de corpo como de alma, se estavam aniquilados e já nãomais existiam, como podia Deus se chamar seu Deus, ele que é o Deus só dos vivos? Os mortosressuscitados, conforme suas almas, vivem com Deus no céu. Estão realmente vivos, e no últimodia suas almas serão reunificadas com o corpo para viverem para sempre na morada dos anjos, e demaneira muito semelhante a eles. Não é de admirar que o povo, todos quantos estavam reunidoscom ele e ouviram sua discussão com eles, estavam muito admirados com este pedacinho dedoutrina tão clara. “Vede, quem podia ter pensado que nestas palavras tão breves, simples ecomuns, tanto podia ser contido e pudesse produzir um sermão tão excelente e rico, sim, que delepudesse ser derivado um livro volumoso e vigoroso. Eles bem que sabiam estas palavras, mas nãocriam que em todos os livros de Moisés se pudesse encontrar uma só palavra sobre a ressurreiçãodos mortos. Esta opinião os moveu a aderirem só a Moisés mas a rejeitarem aos profetas, ainda queestes tiravam de Moisés seus sermões sobre os artigos principais da fé de Cristo”9).

O Emudecer dos Fariseus, Mt.22.34-46.

Informação pedida e dada: V.34) Entretanto os fariseus, sabendo que ele fizera calar ossaduceus, reuniram0se em conselho. 35) E um deles, intérprete da lei, experimentando-o, lheperguntou: 36) Mestre, qual é o grande mandamento na lei^37) Respondeu-lhe Jesus: Amarás oSenhor teu Deus de todo o teu coração, de toda alma, e de todo o teu entendimento. 38) Este é ogrande e primeiro mandamento. 39) O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo comoa ti mesmo. 40) Destes dois mandamentos dependem toda alei e os profetas. Os saduceus haviamsido silenciados de modo muito eficiente, já não tendo eles mais nada a dizer. Com isto a antigarivalidade entre as duas seitas entrou em jogo. Se os membros duma delas tivessem o sucesso de,em algum argumento, derrotar a Jesus, isto seria motivo de orgulho para todo o partido. Por isso,os fariseus resolveram encontrar um ponto em que poderiam triunfar sobre o Senhor. Reuniram0see, por fim, concordaram sobre uma questão, cuja resposta certamente o comprometeria. De modo

9 ) 173) Lutero, 11.674; 7.1125-1127.

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muito sério, como se fossem muito sinceros em seu desejo pela verdade, seu porta-voz, que eraalguém bem versado na lei, apresenta a questão: Qual é o grande mandamento, o mais importante,ou aquele do qual tudo depende? Seu desejo está claro. Caso Jesus fosse selecionar a algumpreceito da lei e colocá-lo acima dos demais, poderia ser acusado de colocar os demaismandamentos numa posição inferior e menosprezar sua validade. Cristo, porém, evita a cilada aodar um resumo de toda a lei, colocando os da primeira taboa em primeiro lugar e, logo ao seu lado,os da segunda taboa. O amor a Deus é o cumprimento da lei. Mas precisam ser seus o coração todo,a alma toda e o entendimento todo, Dt.6.5. Razão e intelecto, sentimento e paixão, pensamento evontade precisam ser entregues ao seu serviço. “Toma, pois, este mandamento perante ti: Amarás oSenhor teu Deus, de todo o teu coração, e reflete sobre isso, vai à sua procura, e tenta entendê-lo,para saber que espécie de lei é esta, e quão distante ainda estás de cumprir este mandamento; sim,que realmente ainda não começaste a cumpri-lo de modo correto, a saber, de em teu coraçãosuportar e abandonar o que Deus requer de ti. É pura hipocrisia, quando alguém se recolhe a umcanto e pensa: Sim, quero amar a Deus! Oh! quão ternamente ama a Deus: Ele é meu Pai! Oh! quãobem-intencionado é meu sentimento em relação a ele! E coisas semelhantes. É verdade, quando Eleage conforme o que nos agrada, somos capazes de dizer muitas dessas palavras, mias, quando, derepente, nos envia o infortúnio e a adversidade, já não mais o consideramos como Deus e um Pai.Um amor verdadeiro a Deus não age assim, mas o sente no coração e o expressa com a boca:Senhor Deus, sou tua criatura, age comigo segundo o que tu queres, para mim é tudo o mesmo; poiseu sou teu, isto é o que sei; e caso for da tua vontade que eu deva morrer agora mesmo ou sofrer umgrande infortúnio, deverei suportá-lo de coração; nunca deverei considerar minha vida, honra ebens e tudo quanto tenho mais alto e valioso do que tua vontade, a qual me deve ser um prazer emtodo o meu viver” (Lutero). Este é o primeiro mandamento, aquele com que inicia a santificação. Eele é grande, visto que inclui todos os demais mandamentos. Mas o segundo é semelhante a ele,Lv.19.18,34, visto que, pelo cumprimento da sua lei, traz o amor a Deus para a forma visível etangível, no relacionamento com o próximo. Assim como cada pessoa tem por natureza o desejoque lhe sobrevenha unicamente o que é bom e agradável, assim ela devia empenhar-se, por meio deseu total relacionamento com o próximo, de lhe render e prover, sempre que possível, as mesmascoisas aprazíveis e agradáveis. Toda a lei e os profetas dependem destes dois mandamentos. A féno coração encontra sua expressão no fazer a vontade de Deus, e a santificação da vida inicia e sefunda em amar a Deus e ao semelhante. O amor é o cumprimento da lei, Rm.13.10.

A Contra-pergunta de Jesus: V. 41) Reunidos os fariseus, interrogou-os Jesus: 42) Quepensais vós de Cristo0? De quem é filho? Responderam-lhe eles: De Davi. O ataque dos fariseusfalhara. Seu próprio porta-vos fora obrigado a admitir a verdade da resposta de Cristo,Mc.12.32,33. Agora Cristo se volta ao ataque apresentando uma pergunta que espetaria seusadversários nos chifres dum verdadeiro dilema. Sua pergunta se refere à filiação de Cristo, doMessias. De qual família deve ele se originar? É o assunto mais momentoso de investigação diantedo mundo, não só no tempo de Cristo, mas em todos os tempos. Conforme as pessoas decidem suaavaliação de Cristo, assim será decidido seu destino. Um mero conhecimento intelectual e umamera confissão de lábios, como acontecia com os fariseus que sabiam responder bemdesembaraçado mas só de modo mecânico, não bastam ao verdadeiro cristão, como o Senhorprocede a demonstrar nesta ocasião.

Forçando a conclusão: V. 43) Replicou-lhes Jesus: Como, pois, Davi, pelo Espírito, chama-lhe Senhor, dizendo: 44) Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que euponha os teus inimigos debaixo dos teus pés? 45) Se Davi, pois, lhe chama Senhor, como é ele seufilho? 46) E ninguém lhe podia responder palavra, nem ousou alguém, a partir daquele dia, fazer-lhe perguntas. A propósito, é afirmado tantas vezes no Antigo Testamento que o Messias foi umdescendente de Davi, que cada judeu estava acostumado a chamá-lo por este nome. Os fariseus,porém, nunca haviam comparado as várias passagens sobre o Messias, sua pessoa e obra, e, por estemotivo, ignoravam sua missão. O fato da dupla natureza unida em Cristo foi claramente ensinadono Antigo Testamento, mas os olhos deles estavam cegados por suas esperanças e aspirações falsas.“Jesus refere somente a este fato, que Davi, Sl.110.1, o chama seu Senhor: Se, pois, Davi, diz ele, o

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chama Senhor, como é ele seu filho? Soa estranho e é contrário à natureza que um chame seu filhode seu senhor, e que se lhe torne submisso e o sirva. Ora, Davi chama a Cristo seu Senhor, e um talSenhor para quem o próprio Deus diz: Senta-te à minha direita, etc., isto é: Sê igual a mim,conhecido e adorado como o verdadeiro Deus; pois na cadeira de Deus ou à sua mão direitaninguém outro tem o direito de se assentar. Ele é um Deus tão zeloso que permitirá a ninguémoutro sentar0se como seu igual ao seu lado, como ele o diz no profeta Isaías, capítulo 48.11: Aminha glória não a dou a outrem, etc. Visto, pois, que ele coloca Cristo no mesmo nível consigo,este último precisa ser mais do que todas as criaturas”10). Ser o Senhor das alturas, igual a Deus,mas também ser, segundo a carne, o Filho de Davi, ter a divindade e a humanidade unidas em umasó pessoa, este é o Messias da profecia. O imenso conforto dos fiéis de todos os tempos era algoque os sábios judeus não conseguiam entender nem explicar, e foi isso que os fez emudecer e ficarmuito confusos. “Apreciar a pessoa de Cristo e saber que ele é o Filho de Davi; pois ele é umhomem mas também um Senhor de Davi, como aquele que está sentado à mão direita de Deus etem seus inimigos, o pecado, a morte e o inferno como estrado de seus pés. Por isso, aquele quenecessita de resgate destes inimigos, que não o busque em Moisés, não por meio da lei, de suaspróprias obras e piedade; mas que o busque com o Filho e Senhor de Davi, onde, com certeza, oencontrará. Os cegos fariseus não sabem isto, por isso não respeitam a Cristo o Senhor; mas se dãopor satisfeitos com o que sabem à base da lei, sobre como se deve amar a Deus e ao próximo. Masé impossível conhecer a Deus, muito menos amar a Deus, caso não se conhece Cristo., Como elepróprio diz, Mt.11.27: ‘Ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiserrevelar’. ... Mas aqui enxergamos as riquezas da bondade e misericórdia superabundantes de Deus,que Deus não poupou a seu próprio Filho unigênito mas o entrega por nós à morte de cruz, para quenós, libertos dos pecados, vivêssemos eternamente por meio dele. Este é um amor e misericórdiaeterna, ilimitada e insondável, que nenhuma pessoa pode conhecer a não ser que conheça aCristo”11).

Resumo: Jesus conta a parábola da festa de casamento, responde a pergunta dosherodianos sobre o dinheiro do imposto, condena os saduceus que negavam a ressurreição, dá aosfariseus a informação apropriada quanto ao maior dos mandamentos, e dirige uma pergunta sobre anatureza dupla do Messias a qual eles não são capazes de responder.

C A P I T U L O 2 3

A Ambição desordenada dos Fariseus, Mt.23.1-12.

A hipocrisia nos altos escalões: V.1) Então falou Jesus às multidões e aos seus discípulos:2) Na cadeira de Moisés se assentam os escribas e os fariseus. 3) Fazei e guardai, pois, tudoquanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem. 4) Atamfardos pesados e difíceis de carregar e os põem sobre os ombros dos homens, entretanto elesmesmos nem com o dedo querem movê-los. Aqui o evangelista registra a denúncia mais implacávele contundente da boca de Jesus de que temos conhecimento. É uma denúncia da existência deperversão espiritual nos maiores assentos e um tratado sobre o uso e abuso da lei, que não tem seuigual nos evangelho. Jesus, embora os escribas e fariseus estivessem presentes, proferiu estediscurso ao povo e a seus discípulos. Definitivamente havia-se isolado destes inimigosincorrigíveis, com os quais cada nova tentativa de conquistar seu amor só resultava em ódio aindamaior.Ele define a posição deles. Escribas e fariseus, formalmente, por indicação de Deus,ocupavam a cadeira de Moisés. Com permissão divina ainda ocupam a cadeira de professores dopovo. Ainda que muitas das suas explicações do Antigo Testamento eram insuficientes,

10 ) 174) Lutero, 11.1709.11 ) 175) Lutero, 13.911.

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inadequadas e, até, às vezes falsas, eles por enquanto detinham seu ofício como professores. “PoisDeus instituíra o ofício do sacerdócio levítico e do ministério da Palavra, para que o povoaprendesse os Dez Mandamentos dados por meio de Moisés. Toda a tribo de Levi foi estabelecidapara esta finalidade, ou seja para zelar pelas Escrituras Sagradas. É isto o que o Senhor chama acadeira de Moisés, isto é, o ministério da Palavra, para que pregassem Moisés. Ele diz: Se ouvis apregação, e isto foi ordenado pela Lei e por Moisés, então fazei e observai-o, pois não é a palavra ea obra dos fariseus mas a do próprio Deus e de Moisés”12). Neste sentido, caso ordenarem epedirem ao povo algo que está afirmado claramente na Palavra de Deus, se usarem sua posição eAutoridade oficial de modo próprio e legítimo, ensinando e expondo a lei e os profetas, então aspessoas devem fazer exatamente conforme a sua doutrina, e fazer da observância dos seus preceitosum costume fiel. Mas, as pessoas deviam prevenir-se de seguir seu exemplo, ou seja, de moldarsuas vidas segundo as obras hipócritas destes líderes. Pois, estavam longe de praticar o quepregavam e exortavam. Juntavam, semelhante a ramos num grande feixe, dolorosos fardos e osimpunham aos ombros das outras pessoas, mas eles próprios não tinham o desejo de tocá-los nemmesmo só como um de seus dedos. Eram severíssimos com os outros, mas muito tolerantes eindulgentes consigo mesmos. Os múltiplos preceitos e ordens que adicionaram à lei de Moisés, comordem expressa ou implícita de que deviam ser colocados e considerados iguais às injunçõesescritas deste legislador, eram um fardo intolerável, o qual eles próprios, de modo muito atento,omitiam em sua vida particular.

Seu desejo ardente para receber honra das pessoas: V. 5) Praticam, porém, todas as suasobras com o fim de serem vistos dos homens; pois alargam os seus filactérios e alongam as suasfranjas. 6) Amam o primeiro lugar nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas, 7) assaudações nas praças, e o serem chamados mestres pelos homens. Os fariseus e escribas, quandoem público e perante os olhos das pessoas, eram modelos de piedade e virtude. Realizavam suasobras e todos os seus atos públicos, tendo este objetivo em mente, visto serem atores quedesempenhavam esplendidamente. São dados alguns exemplos desse comportamento hipócrita.Deus ordenara aos judeus, Dt.6.8, que deviam atar suas palavras como sinal sobre a mão e comofaixa entre os olhos. Os líderes judeus interpretavam isto no sentido literal. Por isso os filactériosou mementos, que eram tiras de veludo ou pergaminho tendo mais ou menos uma polegada delargura por doze a dezoito polegadas de comprimento, em que as seguintes passagens estavamescritas, Dt.11.13-21; 6.4-9; Ex.13.11-16; 13.1-10. Estes eram colocados em minúsculos cofrinhosou caixinhas, sendo um deles preso na testa para o intelecto e a mente, e o outro preso no braçoesquerdo para o coração. Os fariseus faziam estes mementos da lei excepcionalmente grandes,fosse no tamanho do pergaminho ou nas letras em que os textos eram escritos.Eles, da mesmaforma, exageravam no caso das extremidades, das bordas ou franjas de suas roupas, que os judeususavam, segundo Nm.15.37-40, para que se recordassem dos mandamentos do Senhor. Eramamarrados às vestes com fitas azuis, visto ser o azul a cor simbólica de Deus, do céu, da aliança eda felicidade. Em geral eram tecidos versículos da lei nestas faixas. Os escribas e fariseus, fazendoestas bordas bem grandes e distintas, queriam exibir seu zelo pela lei do Senhor. Bem do mesmojeito, amavam de coração, e sempre tentavam conseguir para si, o assento mais elevado, o primeirosofá, o lugar de honra numa refeição festiva. Sempre escolhiam o assento da sinagoga reservadopara os anciãos. Sua vaidade suspirava com a saudação formal que recebia o mestre do povo,quando o povo leigo, com deferência, os chamava de rabi. Era uma ambição desordenada erepugnante.

Humildade é exigida: V.8) Vós, porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vossoMestre, e vós todos sois irmãos. 9) A ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque só um évosso Pai, aquele que está no céu. 10) Nem sereis chamados guias, porque um só é vosso Guia, oCristo. 11) Mas o maior dentre vós será vosso servo. 12) Quem a si mesmo se exaltar, seráhumilhado; e quem a si mesmo se humilhar será exaltado. Cristo, de modo enfático, separa seusdiscípulos para esta parte de seu discurso. Deviam destacar-se, sendo um contraste claro a esse

12 ) 176) Lutero, 7.1130.

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desejo por honra e glória baratos. Não deviam procurar tais propinas de vaidade. Títulos setornarão, exatamente então, um flagelo de primeira grandeza, quando são usados para designardistinção e categoria na igreja. No que diz respeito aos fiéis, diante de Cristo não há superiores neminferiores, não há rabis, pais ou mestres. Ele é o único que tem esta categoria e tem este título. Seusdiscípulos, sejam eles homens ou mulheres, são todos iguais, são irmãos e irmãs no mesmo nível,Gl.3.28; Cl.3.11. Títulos nunca podem ser mais na igreja, do que nomenclatura de cortesia. Elesindicam certa medida de conhecimento e serviço, mas nunca alguma honra de direito divino. Averdadeira medida de grandeza perante Cristo é a humildade no servir a ele e ao próximo. Aqueleque, na sinceridade de seu coração, presta um tal servir que flui da verdadeira fé, é consideradogrande aos olhos do Mestre. Por isso, todo aquele que luta por honra diante das pessoas, que buscacategoria na igreja de Cristo, será colocado bem em baixo, na posição mais indigna. Sua ambiçãodesordenada, até, lhe pode tirar do coração o cristianismo. Enquanto o verdadeiro humilde, que temem mente tão só o servir, será exaltado, no tempo apropriado, pelo Senhor, 1.Pe.5.6.

Os Ais Sobre A Hipocrisia Dos Fariseus, Mt.23.13-33.

O primeiro ai: V. 13) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque fechais o reino doscéus diante dos homens; pois, vós não entrais, nem deixais entrar os que estão entrando. Estapassagem de denúncias não representa uma mera opinião de Jesus, mas é o julgamento do Santo deDeus sobre aqueles que estavam fazendo da religião inteira uma zombaria e um fingimento. O aisignifica o fogo eterno do inferno. Este será o castigo deles, como diz Lutero. Eles, em suahipocrisia e em sua ação, chegaram ao ponto em que enganam tanto a si mesmos como aos outros.Fingem, com grande ostentação de zelo, estar abrindo as portas dos céus aos seus semelhantes,ensinando-lhes o caminho da salvação farisaica por obras. Mas, procedendo assim, de fato, fechamos portais do céu diante deles. Pensavam que tinham o céu como certo e que, quando bemquisessem, podiam entrar, mas, tão só, se enganaram e ainda enganam outros, impedindo-os deentrar.

O segundo ai: V. 14) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque devorais as casasdas viúvas e, para o justificar, fazeis longas orações; por isso sofrereis juízo muito mais severo. Osfariseus não gostavam de trabalho braçal ou mental, com o qual pudessem conseguir a vidahonestamente. Assim como sua religião era mera farsa, também seus costumes religiosos eramusados para esquemas de enriquecimento. Longas oração, como as que eles costumavam fazer,eram a sua marca forte, sendo produzidas com a finalidade de mostrar ao povo que possuíamméritos e poderes excepcionais. Mulheres, despojadas de seus protetores naturais, viúvas, cujossentimentos facilmente podiam ser dominados, com muita disposição pagavam pela assistência delongas orações feitas por elas. Este era o pretexto frívolo pelo qual escribas e fariseus conseguiampropriedade e riquezas, Is.5.8. Esta forma de suborno era especialmente condenável, porque incluíao abuso do nome de Deus, e, desta forma, era tanto uma blasfêmia como um assalto.

O terceiro ai: V.15) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque rodais o mar e aterra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do quevós. Os escribas e fariseus, em seu desejo de impressionar o povo, eram zelosos em ganharprosélitos para a igreja judaica. Atravessavam os mares e viajavam pelos desertos procurandohomens e mulheres que pudessem ser ganhos para a religião judaica, sendo naquele tempo notávelo número de prosélitos da porta e os prosélitos da justiça, ou seja, daqueles que haviam aceito asdoutrinas judaicas sem ou com a circuncisão e o batismo. Mas eles, juntando externamente pessoasà igreja, internamente lhes causavam eterno dano às almas, ensinando-lhes a religião da hipocrisia.Muitos dos prosélitos da justiça eram muito mais fanáticos do que os próprios judeus. Desta formaos fariseus, mais uma vez, provaram que eram adeptos da dissimulação, visto que aos olhos daspessoas isto parecia que eles eram zelosos por Deus, e que tiravam muitas pessoas da idolatria.Mas, de fato e de verdade, eles as metiam numa idolatria ainda muito maior, do que a anterior,ainda que oculta, porque passaram a crer em suas próprias boas obras.

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O quarto ai: V. 16) Ai de vós, guias cegos! Que dizeis: Quem jurar pelo santuário, isso énada; mas se alguém jurar pelo ouro do santuário, fica obrigado pelo que jurou. 17) Insensatos ecegos! Pois, qual é maior: o ouro, ou o santuário que santifica o ouro? 18) E dizeis: Quem jurarpelo altar, isso é nada; quem, porém, jurar pela oferta que está sobre o altar, fica obrigado peloque jurou. 19) Cegos! Pois, qual é maior: a oferta, ou o altar que santifica a oferta? 20) Portanto,quem jurar pelo altar, jura por ele e por tudo o que sobre ele está. 21) Quem jurar pelo santuário,jura por ele e por aquele que nele habita; 22) e quem jurar pelo céu, jura pelo trono de Deus e poraquele que no trono está sentado. É um exemplo típico das diferenças sem sentido que erampermitidas porque a tradição assim o falava. Jesus chama aos escribas e fariseus de guias cegos, ouseja, aqueles que se atreviam guiar outras pessoas enquanto eles próprios careciam deconhecimento e compreensão corretos, Rm.2.17-24. Era considerado um transgressor manifestoaquele que, sob juramento, fazia um voto pelo ouro do lugar santo ou pelo sacrifício sobre o altar,coisas que eram santificadas a Deus, caso não considerasse seu voto como totalmente obrigatório.Mas, jurar pelo santo dos santos ou pelo altar de sacrifício era nada, tinha nenhum valor e não eraobrigatório. Detalhes pequenos e insignificantes eram sustentados no interesse de preceitoshumanos e com o propósito de conservar os corações das pessoas por meio da pressão do medo,sendo, porém, ignorados os assuntos fundamentais. O Senhor os chama de tolos estúpidos e cegos,que não têm entendimento nem valor reais. É o altar que santifica, que dá o valor ao sacrifício. É olugar santo que confere santidade ao ornamento. É Deus, o Rei dos céus, que dá ao trono lá do altodignidade e valor. Por isso chegara o tempo para os judeus para reajustarem os valores. Os votossão sacros e válidos, mas nunca deve acontecer que distinções humanas os encubram.

O quinto ai: V.23) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque dais o dízimo dahortelã, do endro e do cominho, e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da lei, ajustiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas.24) Guiascegos! Que coais o mosquito e engolis o camelo. É um outro exemplo da observância religiosa decoisas insignificantes. Interpretavam a lei do dízimo tão severamente, Lv.27.30,31, que, conformeuma explicação rabínica, se preocupavam sinceramente em incluir as menores ervas e vegetais dahorta, a cheirosa hortelã, o endro, o cominho aromático, cujo uso era medicinal. Em outraspalavras, eram severíssimos no escrúpulo em observar, até, os mínimos detalhes de sua religião.Mas, fazendo isto, deixavam de lado os assuntos mais pesados da lei, como o juízo, a misericórdiae a fé. Justiça e equidade para com todos, misericórdia e amor para com aqueles que estavam emnecessidade de compaixão, fé em Deus como a fonte de toda religião verdadeira. Eles nada sabiamdestas grandes virtudes, mas as omitiam e desprezavam. Era bom e elogioso dar o dízimo, mesmose a interpretação dos mestres incluía as ervas da horta, mas o que representava a exatidão nesteassunto tão pequeno em comparação com a necessidade muito maior de cultivar as virtudesmaiores? Sua atitude bem podia ser comparada ao proverbial engasgar na tentativa de engolir ummosquito, mas engolir com a maior facilidade um camelo. Com extremo cuidado coavam qualquerpequeno inseto do vinho, para que não se contaminassem, mas o engolir dum camelo lhes davapouco remorso. A menor omissão duma regra secundária feria suas consciências, mas a infraçãodos preceitos fundamentais de Deus, que deviam observar diante das pessoas, isso não osimpressionava.

O sexto ai: V. 25) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque limpais o exterior docopo e do prato, mas estes por dentro estão cheios de rapina e intemperança. 26) Fariseu cego!Limpa primeiro o interior do copo, para que também o seu exterior fique limpo. É uma figuratomada da bem conhecida rigidez dos fariseus no assunto das purificações e abluções prescritas nalei. Em todas estas formas exteriores, também nos preceitos sobre comida e bebida, tomavam ocuidado de manter uma aparência imaculada diante das pessoas. Mas, enquanto isso, os lucros deassalto e incontinência enchiam seus bolsos. É essencial que em verdadeira pureza, primeiro, estejalimpo o lado de dentro do prato e da xícara. A pureza do exterior seguirá como conseqüência. Nãopode haver verdadeira piedade, ou retidão de viver, a não ser que, primeiro, o homem interior estejarenovado. A conversão precisa preceder à santificação. Uma pessoa pode exercitar-se para observara aparência exterior apropriada e, até, das virtudes cristãs, mas sem uma mudança de alma tudo isso

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nada será. “Ele diz: Tudo está externamente tão limpo que não podia ser melhor. Mas, como estáem vosso coração? Ele não fala da xícara ou do prato, mas do coração que está cheio de impurezas.Ele não rejeita sua pureza, mas deviam, primeiro, limpar o que está dentro. Esta pureza a qual nãosó observais, mas também ensinais, quando pensais que se a roupa de púrpura está escovada e tudo,seja cama e vestes, está limpo, esta é a vossa justiça, e não obstruís esta pureza mas a enfatizais,mas estais, ainda, internamente cheios de assalto, ganância e impurezas, e ainda defendeis estadoutrina e vida. Não pode ser pecado, quando assaltais e roubais tudo o que eles, o povo pobre,possuem”13).

O sétimo ai: V. 27) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque sois semelhantes aossepulcros caiados, que por fora se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos demortos, e de toda imundícia. 28) Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, maspor dentro estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade. Era costume entre os judeus, desenvolvidode Ez.39.15, pelos rabis, do qual se afirmava que voltava até aos tempos de Josué, que, no diaquinze do mês de Adar de cada ano, um mês antes da páscoa, as sepulturas daqueles que haviamsido sepultados nas encostas dos morros ou perto das estradas deviam ser pintadas com umaespécie de cal. Desta forma eram bem visíveis, tanto de dia como de noite, e os peregrinos, que nãoestavam acostumados com o país, que vinham às grandes festas, podiam evitar qualquercontaminação levítica, quando caminhavam por entre estas sepulturas, visto que o contacto comuma sepultura podia contaminar a um judeu. De acordo com o julgamento de Cristo, os escribas efariseus são exatamente como essas sepulturas. Sua vida, tal como eles a apresentam à vista damultidão, era imaculada, provocando nada menos do que elogios, mas, quando se penetrava paraalém da casca exterior e examinava o coração, a verdadeira abominação era tão grande queprovocava nada menos do que a condenação. São hipócritas, cujo verdadeiro orgulho da lei semede em indisciplina e oposição da lei.

O oitavo ai: 29) Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque edificais os sepulcrosdos profetas, adornais os túmulos dos justos, 30) e dizeis: Se tivéssemos vivido nos dias de nossospais, não teríamos sido seu cúmplices no sangue dos profetas. 31) Assim, contra vós mesmos,testificais que sois filhos dos que mataram os profetas. 32) Enchei vós, pois, a medida de vossospais. 33) Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno? As sepulturasverdadeiras e supostas dos profetas do Antigo Testamento eram tidas em grande veneração pelosjudeus do tempo de Cristo. Um sinal que geralmente caracteriza uma ortodoxia morta é edificar ostúmulos e decorar as sepulturas enquanto, de fato, se rejeita as palavras dos profetas que se honracom esta demonstração exterior. Tudo isto acompanhado com muita exibição de santimônia.Lamentam amargamente o fato que os pais mostraram tão pouco juízo e foram tão rápidos em suaação – o que é uma peculiaridade encontrada até este dia numa geração que imagina estar noentendimento e no conhecimento, em especial das Escrituras e na compaixão, muito acima daspessoas, que viveram a poucos séculos passados. Tudo isto, unicamente, mostra que eles tinham amesma índole e sangue de seus pais, que, como filhos de assassinos de profetas, teriam poucacompunção, e não hesitaram em preencher a medida de seus pais, excedendo-os em crueldade e emsede por sangue, matando ao Salvador. Em vista de tal vileza e hipocrisia, o Senhor, só com muitoesforça, acha epítetos que expressam seu desprezo a tal maldade. Chama-os de serpentes e prole devíboras, a quem não será possível escapar da condenação do inferno.

O Epílogo e o Lamento Sobre Jerusalém, Mt.23.34-39.

V. 34) Por isso eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas. A uns matareis ecrucificareis;a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade; 35)para que sobre vós recaia todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do justoAbel até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o santuário e o altar.

13 ) 177) Lutero, 7.1194,1195.

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36) Em verdade vos digo que todas estas coisas hão de vir sobre a presente geração. Este é oprincípio do juízo sobre a nação judia por sua consistente recusa em aceitar o Messias, quesobrevirá primeiro aos seus líderes. Jesus afirma isto com muita seriedade, porque a geraçãopresente está prestes a encher a medida de iniqüidade até às bordas. Ele lhes enviaria novamenteseus mensageiros, mas a mensagem lhes endureceria os corações, tanto contra a própria mensagemcomo contra seus portadores. Sua adoração falsa não lhes permitiria a adoração em espírito e emverdade. Iriam matar, crucificar, açoitar e perseguir aos mensageiros de Cristo. Nenhuma forma deinquisição e crueldade é horripilante demais, quando as pessoas voltaram seu desprezo aosmensageiros do verdadeiro evangelho. Assim os judeus, sendo punidos pelo assassinato de Cristo edos mensageiros do Novo Testamento, cujo sangue viria sobre eles, ainda receberiam a punição dosassassinos dos profetas do Antigo Testamento. Trazem em si o espírito dos pais, o mesmo ódio àverdade e seu portadores. Por isso os pecados dos pais serão visitados em seus filhos. Abel foi oprimeiro a morrer, sendo um mártir de suas convicções, de sua fé. E o ódio aos filhos de Deuscontinuou pelos séculos, sendo um dos casos mais claros o de Zacarias, filho de Joiada, tambémchamado Baraquias, 2.Cr.24.2021, sem falar de outros assassinatos registrados na história. Toda aira acumulada de Deus foi visitada nos judeus da geração de Jesus, porque rejeitou ao próprioMessias: “É, como se ele dissesse: É um só povo, uma só parentela, uma só geração – quais pais,tais filhos. Pois a obstinação que nos pais se opôs a Deus e a seus profetas, nos filhos ela se opõeda mesma forma – o filho é como a mãe. ... Todo o sangue que derramaram é juntado e derramadosobre eles”14).

O lamento: V.37) Jerusalém, Jerusalém! Que matas os profetas e apedrejas os que teforam enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seuspintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! 38) Eis que a vossa casa vos ficará deserta. 39)Declaro-vos, pois, que desde agora já não me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que vemem nome do Senhor! É um choro muito comovente de preocupação misericordiosa, que vem dumcoração cheio de amor sincero do Salvador. “É evidente que nosso bendito Salvador desejou séria esinceramente a salvação dos judeus. Ele fez tudo o que podia ser feito, conforme sua própriaperfeição e na liberdade de suas criaturas, para realizá-lo. Suas lágrimas sobre a cidade, Lc.19.41,evidenciam suficientemente sua sinceridade. Estas pessoas ainda assim pereceram. A razão dissofoi que elas não quiseram ser reunidas sob sua proteção”15). Não quiseram aceitar sua salvação. Éuma figura linda a que o Senhor usa aqui. Cf.Sl.91.1-7. “Observem como age a galinha.Dificilmente há algum animal que se interessa tanto em seus pequeninos. Ela troca sua voz naturale assume um chamado triste e lamentoso. Ela procura e cisca na terra, e coage os pintinhos. Sempreque acha algo, não o come, mas o deixa aos pintinhos. Luta e alerta com toda a seriedade contra ogavião, e com muita boa vontade estende suas asas, e permite que seus pintinhos se escondam sobela ou mesmo subam sobre ela. É um quadro belo e agradável. Assim também Cristo assumiu umavoz triste, e lamentou por causa de nós e pregou o arrependimento, mostrou de coração a cada umseus pecados e desgraça, abriu as belezas das Escrituras, com amor nos persuade a entrarmos e nospermite comermos, e sobre nós estende suas asas com toda sua justiça, mérito e misericórdia, e nosabriga sob si de modo tão terno, aquece-nos com o seu calor, isto é, como seu Santo Espírito quevem somente por meio dele, e por nós luta contra o diabo no ar”16). Mas eles não quiseram, diz oSenhor aos judeus. Esta acusação se mantém inalterável. Foi por isso que sua casa ficaria deserta,desolada, sendo sua terra entregue nas mãos dos inimigos. Pois, agora, removeria deles suapresença messiânica. O dia da graça deles está no fim. Não o serão novamente até ao dia em quevem em sua glória, quando, até, seus inimigos deverão confessar que ele é o Senhor sobre tudo,quando será cantado o grande Aleluia, para todo o sempre.

Resumo: Jesus desmascara a ambição desordenada dos fariseus, repreende sua hipocrisianuma série de oito ais, prediz a vinda do castigo, e lamenta a obstinação da nação judaica.

14 ) 178) Lutero, 11.208,209.15 ) 179) Clarke, Commentary, 5.224.16 ) 180) Lutero, 11.241; 7.1261.

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Fariseus e Saduceus

Ainda que tenha havido um bom número de partidos e seitas entre os judeus, os quaistinham seus adeptos entre o povo simples, sendo alguns os herodianos, os essênios e partidospolíticos de várias tempos, mas nenhum era tão influente ou exercia sua influência por tanto temposobre o povo, do que os fariseus e saduceus.

A seita mais poderosa dos judeus era a dos fariseus, que representavam o hebraísmo maisextremado sendo os ortodoxos entre os judeus. Seus adeptos só eram selecionados entre os queeram mas ricos e distintos na sociedade. Apegavam-se estritamente ao sentido literal da lei deMoisés. Adicionavam à autoridade das Escrituras a da tradição, os preceitos e regulamentos dosanciãos. Mas também introduziram alguns dos princípios especulativos da filosofia ou religião dasnações do leste. Estas idéias haviam sido adotadas pelos judeus durante o exílio, e se apoiavamsobre o dualismo persa. A doutrina do destino ou da predestinação, de anjos e demônios, e dasituação futura de recompensa e punição, se achavam entre os novos artigos formulados de fé. Osfariseus tentavam fazer um compromisso entre a religião revelada e estes princípios obscuros,adotando aquelas partes que não eram expressamente condenadas no Antigo Testamento. Visto queacreditavam no destino, eles sustentavam que ele cooperava em todas as ações do homem, eafirmavam que fazer o que é correto ou errado está, de modo especial, no poder do homem. Adoutrina da transmigração de almas eles atenuaram a ponto de dizer que todas as almas sãoincorruptíveis, mas que as almas dos bons são removidas para outros corpos, enquanto que as almasdos maus estão sujeitas ao castigo eterno.

O Novo Testamento faz muitas referências à sua doutrina, visto Cristo ser obrigado a, emmuitas ocasiões, expor a falsidade de suas asserções, e advertir contra o fermento de sua doutrinafalsa, Mt.16.12; Mc.8.15. Aderiam, com a maior seriedade, aos 613 preceitos da “GrandeSinagoga”, fazendo desta forma suas próprias vidas e as de seus seguidores um peso intolerável.Também não davam qualquer valor ás condições perversas e aos desejos maus do coração,orgulhando-se eles mesmos só de sua aparência externa de santidade. Viviam modestamente ejejuavam mais vezes do que o exigia a lei. Desprezavam os manjares finos, Lc.18.12. Proibiam aossábados, até mesmo os trabalhos mais essenciais e as obras de caridade, Mt.12.1-8, 9-13; Lc.13.14-16; Mc.2.27; Jo.7.23. Cristo chama sua adesão servil às tradições dos anciãos de culto vão, Mc.7.2-7,9.

Estas doutrinas eram reveladas continuamente nas virtudes fingidas das vidas dos fariseus.De fato, os dois estavam relacionados tão intimamente, que é difícil fazer uma divisão. A passagemacima, Mt.23, é uma denúncia perfeita da hipocrisia dos fariseus. Conseguiam atirar areia nos olhosdo povo, a ponto de ser aceito sem reservas tudo o que faziam em questão de culto divino, oraçõese sacrifícios, e muitas cidades lhes darem grande afirmação por causa de sua conduta tão virtuosa17). Interpretando todas as profecias que se referem à grandeza do reino do Messias, comopredizendo um reino temporal, nunca cessaram em sua tentativa de reforçar sua influência política,no que, às vezes, e por breve tempo, tiveram sucesso. Apareciam diante da multidão com seu jejum,Mc.2.18. aos seus olhos comer com mãos não lavadas era uma transgressão igual aos piorespecados, Mc.7.2-7. Temiam a contaminação caso tocassem a um pecador manifesto, Lc.7.36-50, esempre lutavam em cumprir a lei em seu sentido mais literal, Jo.8.2-11.

Tendo em vista que eles, tanto em sua doutrina como em sua prática religiosa, tinham umaposição que era inteiramente oposta a Cristo, não é de surpreender, que estavam cheios de ódiomortífero contra o Nazareno. Tentavam-no, Mt.16.1; Mc.8.11; buscavam apanhá-lo em seu falar,Mt.22.15; Mc.12.13; Lc.20.20; Reuniram-se em conselho para o matarem, Mc.3.6; Jo.11.47-53. E,depois de terem conseguido afastá-lo, da mesma forma perseguiram seus discípulos, Mt.23.34;

17 ) 182) Josefo, Antiquities, Book XVIII, Cap. I.

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At.7.58; 8.3; 9.1,1; Gl.1.13,23; At.23.6-9. É história tão antiga como o mundo, que a justiça e averdade são odiadas pela injustiça e hipocrisia.

Os inimigos ferrenhos dos fariseus, sendo também seus oponentes na doutrina, mas sempreunidos com eles em seu ódio a Cristo, eram os saduceus, que eram os representantes do helenismolevado ao seu extremo, tendo, até, características gregas. Eram arregimentados só dentre os maisricos, e dos que se inclinavam à cultura pagã. Eram os racionalistas entre os judeus, com princípiosmodernos de filosofia. Negavam a imortalidade da alma e a ressurreição do corpo, Mt.22.23-33;Mc.12.18-27. Sustentavam que não existem anjos ou espíritos, At.23.8. Só aceitavam os livros deMoisés e rejeitavam qualquer tradição, afirmando que os judeus deviam estimar aquelas práticascomo obrigatórias, que estão na palavra escrita, mas não deviam observar o que é derivado datradição vinda dos antepassados 18). Visto que não creram na vida futura, rejeitavam a idéia dumarecompensa ou punição futura. Por causa do pequeno número de seguidores e do pequeno alcancede sua influência, não são tantas vezes aludidos nas Escrituras, como o são os fariseus.

Cristo foi obrigado, por amor à verdade, a advertir contra suas doutrinas falsas, Mt.16.6,12.Ele refutou a eles a à sua doutrina sobre o casamento, quando inventaram aquele problema para odebocharem, Mt.22.32. Também em outras ocasiões, os saduceus foram desmascarados e seusargumentos derrubados, com a mesma franqueza, Mt.16.4; 3.7. Por tudo isto sua relação com oProfeta de Nazaré foi tudo menos amigável. Por serem chamados uma geração má e adúltera,Mt.16.3,4, e ser-lhes dito que não conheciam as Escrituras nem o poder de Deus, Mt.22.29;Mc.12.24, sua ira subiu a tal ponto que prontamente se juntaram em conselho com os fariseus,formando o sinédrio, consultando como poderiam apanhar a Jesus à traição e matá-lo, Mt.26.3,4. E,depois da morte de Jesus, perseguiram seus discípulos, At.4.12; 5.18, visto que as pessoas maisinfluentes de sua nação pertenciam à sua seita, At.5.17. Mas a Palavra de Deus continuou vitoriosa.

C A P I T U L O 2 4

O Julgamento De Deus Sobre Jerusalém E Sobre O Mundo, Mt. 24.1-14.

A destruição do templo: V. 1) Tendo Jesus saído do templo, ia-se retirando, quando seaproximaram dele os seus discípulos para lhe mostrar as construções do templo. 2) Ele, porém,lhes disse: Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra, que não seja derrubada.Neste capítulo, como diz Lutero, é descrito o resultado e o fim dos dois reinos, o dos judeus e o detodo o mundo. Jesus havia tido um dia atarefado nesta terça-feira, ensinando e pregando desde cedode manhã até que o crepúsculo da tarde sobreveio. Então deixou o templo e a cidade, para retornarpara Betânia onde pernoitou. Enquanto passava pelo portal do templo, um de seus discípulos, cheiode admiração, mostrou-lhe as pedras enormes e belas e os ricos ornamentos do templo, que era oorgulho dos judeus. Outros discípulos, animados, vieram à frente e chamaram a atenção sobrecaracterísticas especiais, os vários pórticos, vestíbulos, pátios e outras instalações. A conversa, queentão começou, continuou por algum tempo, provavelmente até alcançarem a colina oposta àcidade, donde contemplaram o esplendor da construção mais magnífica de Herodes. Mas a sumadas palavras de Cristo é dada na solene afirmação – tanto mais impressionante, visto estaremparados ou sentados num lugar que permitia uma visão bem ampla do templo – que não sobrariauma só pedra em seu lugar apropriado sobre a outra, que não seria completamente demolida. A belafundação e as paredes de mármore branco, as esplêndidas colunas coríntias, a pesada ornamentaçãoe folheado de ouro, tudo seria completamente destruído.

A pergunta dos discípulos, quanto aos detalhes: V. 3) No Monte das Oliveiras, achava-seJesus assentado, quando se aproximaram dele os discípulos, em particular, e lhe pediram: Dize-nos quando sucederão estas coisas, e que sinal haverá da tua vinda e da consumação do século. 4)

18 ) 183) Josefo, Antiquities, Book XIII, Cap. X; Wars of the Jews I, Cap. VIII.

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E ele lhes respondeu: Vede que ninguém vos engane. 5) Porque virão muitos em meu nome,dizendo: Eu sou o Cristo, e enganarão a muitos. A abrupta predição de Cristo fez uma profundaimpressão sobre os discípulos. Por isso aproveitaram a ocasião, quando Cristo, já no outro lado dacidade, se sentou à margem do caminho, para lhe perguntarem sobre o cumprimento desta profeciaque eles associaram com o fim do mundo. Pedro, Tiago, João e André eram, dentre eles, os maisinsistentes, Mc.13.3. Antes de tudo, estavam interessados sobre o tempo em que Cristo retornaria esobre o sinal que o precederia, anunciando a sua vinda para o juízo sobre a cidade e sobre o mundo.Notemos as três perguntas: Quando ocorrerá a destruição do templo, da cidade e do estado judeu?Que sinal especial indicará a vinda de Cristo? Quando será o fim do mundo, e ocorrerá ojulgamento de vivos e mortos? Não há qualquer traço duma idéia dum milênio nesta questão. A féque os judeus sustentavam, e que suporta neste ponto, é que a presente era do mundo, a era depecado e morte, findará com o juízo final, sem qualquer tempo intermediário de glória de mil anos.Isto também está indicado na resposta de Cristo, quando lhes diz que observem, que prestematenção, que se previnam contra o engano e o pavor. Porque os sinais, que precederiam tanto adestruição de Jerusalém como o fim do mundo, seriam duma espécie tal, que exigiriam mentestranqüilas e corações corajosos. O primeiro sinal seria a vinda de falsos mestres, falsos cristos.Estes viriam em seu nome, alegando identidade com ele. Impressionariam pela própria pompa desua conduta. Muitos seriam enganados, muitos escutariam suas mentiras e poriam neles suaconfiança. Foi assim no tempo da destruição de Jerusalém, como relata Josefo, e, hoje, também éassim. O número de mestres falsos como suas seitas se multiplica tão rápido, que faz serextremamente difícil registrar a todos eles.

Outros sinais exteriores: V. 6) E certamente ouvireis falar de guerras e rumores deguerras; vede, não vos assusteis, porque é necessário assim acontecer, mas ainda não é o fim. 7)Portanto se levantará nação contra nação, reino contra reino, e haverá fomes e terremotos emvários lugares; 8) porém, tudo isto é o princípio das dores. A declaração de Cristo éimpressionante e dramática: Acontecerá assim; sobre isso não há dúvida. As muitas guerras, osantecedentes inquietantes, as guerras subseqüentes que conduzem a mais guerras, guerras comnações a que os cristãos pertencem e são envolvidos, e guerras de que apenas ouvem por relatos erumores. Todas estas coisas são fadadas a acontecer. São o resultado da rejeição ao Messias. Porisso os cristãos não deviam dar espaço para perturbação e medo excessivos. Precisam de calma eforça, pois isto ainda não é o fim das tristezas. Não foi a última coisa a acontecer antes dadestruição de Jerusalém, e não será a última coisa antes do fim do mundo. As guerras, ao contrário,assumirão uma forma constante. Haverá levantes e rebeliões de nação contra nação, de povo contrapovo, de reino contra reino, dos judeus contra os sírios, dos de Tiro contra os judeus, dos judeus egalileus contra os samaritanos, dos judeus contra os romanos e contra Agripa, e a guerra civil naprópria Roma. Como aconteceu nos dias antes da destruição de Jerusalém, assim também osexemplos da história contemporânea poderiam ser citados e multiplicados, afirmando comantecedência a desintegração do mundo, conforme a palavra de Cristo. Sucede a mesma coisa emrelação às carestias e fomes, às pestes e aos terremotos: Havia fome nos dias do imperador Cláudio,At.21.28, e há fome envolvendo milhões de pessoas em nossos dias. Os historiadores mencionarampestes que aconteceram naqueles dias, e em nossos tempos há pestilências terríveis e inexplicáveisassolando a terra. Naqueles tempos ocorreram terremotos em Creta, na Ásia Menor, nas ilhas doMar Egeu, em Roma, na Judéia, e semelhantes a eles devastam hoje cidades e regiões imensas. Masestas são só o princípio das dores insuportáveis.

Perseguições: V.9) Então sereis atribulados, e vos matarão. Sereis odiados de todas asnações, por causa do meu nome. 10) Nesse tempo, muitos hão de se escandalizar, trair e odiar unsaos outros; 11) se levantarão muitos falsos profetas e enganarão a muitos. 12) E, por semultiplicar a iniqüidade, o amor se esfriará de quase todos. 13) Aquele, porém, que perseverar atéo fim, esse será salvo. 14) E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, paratestemunho a todas as nações. Então virá o fim. Esta é uma profecia do destino que foi reservadoaos apóstolos e discípulos no tempo da geração antes da queda de Jerusalém, bem como asperseguições que viriam como porção aos cristãos fiéis de todos os tempos, em especial, do tempo

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imediatamente antes da destruição do mundo e do juízo final. Então os inimigos fariam com que oscristãos fossem passar aflições, de modo que aperto de toda forma de ódio os envolveria. E esteódio, em certas ocasiões, não haveria de hesitar em matar alguns deles, visto isto ser a sua favoritadisposição de espírito, Lc.21.16; Jo.16.2. Tudo isto sobreveio como porção abundante, não só sobreos primeiros discípulos e os cristãos dos primeiros três séculos, e nas dez perseguições gerais, mastambém aos cristãos bíblicos dos séculos posteriores, quando se tornaram as vítimas da inquisição,de guerras religiosas, e de maquinações políticas. A posição dos seguidores de Cristo, em todos ostempos, tem sido a dos que são odiados por causa do nome do Senhor. Em algumas das antigasperseguições, o mero nome cristão já era um crime que merecia a pena de morte. E hoje o mesmoódio está presente em toda a terra, na intolerância e fanatismo, que não são dirigidos primeiramentecontra línguas mas contra a verdade do cristianismo. Seria acrescentado, ao ódio dos inimigos deCristo, a traição pelos próprios membros da igreja, que, ao final, se ofenderiam com as cruzesimpostas aos discípulos. Ofensa, traição e ódio é o que ocorre em casos assim, e isto não só naigreja apostólica e anti-niceana, onde esses ex-membros recebiam certo nome específico, mastambém em nossos dias, quando a ciência, recebendo falsamente este nome, causa o tropeço e aqueda de muitos membros, que finalmente se tornam inimigos da Bíblia e da igreja.

Estas condições se tornariam ainda mais difíceis para serem suportadas, porque surgiriamfalsos profetas de dentro das próprias congregações, At.20.29,30; 2.Tm.2.17,18. É exatamente istoo que acontece hoje, quando se opõem ao efeito da pregação pura do evangelho e, porqueconduzem muitos ao erro, causam mais ofensa. E na mesma medida como aumentam piedade einiqüidade, também diminuem o verdadeiro amor e a caridade entre os cristãos, visto que os ventosda aflição os esfriarem e matarem. É bem então que, como se fossem uma só unidade, se destacama admoestação e a promessa, num emblema glorioso. Aquele que persevera pacientemente,suportando tudo por amor ao nome do Senhor, aquele cuja fé permanece inabalável, esse serásalvo, finalmente será liberto de todo o mal e receberá a glória eterna como galardãomisericordioso. “Isto é o que importa aqui, onde temos uma vida cheia de cruzes, e o diabo e omundo colocam muitos obstáculos no caminho, que os expoentes da cristandade perseveram até aofim. Isto é, que corajosamente venças todos os obstáculos e ofensas, se quiseres ser salvo diante deDeus. Porque o reino dos céus, diz Cristo em outro lugar, Mt.11.12, sofre violência, e os violentoso tomam pela força. Por isso importa que um cristão não só comece na fé, esperança, amor,paciência, e nisso continue por algum tempo, mas continue até ao fim. Doutro modo, se todo o bemse materializasse no que desejamos, o céu ficaria na terra”19 ).

Também há muito conforto na segunda promessa do Senhor, quando afirma que o fim domundo virá, quando o evangelho tiver sido pregado em todo o mundo habitado. Jesus,propositalmente, não fixa limites exatos, mas faz sua afirmação de modo bem geral, para prevenir atola contagem do tempo, que se tornou verdadeira coqueluche em nossos dias. O evangelho de suagraça e misericórdia seria proclamado, muito amplamente, por todo o mundo gentio, e entre todasas nações, para evitar falsas acusações sobre qualquer favorecimento. Isto é tanto uma promessa,como um encorajamento: promessa duma concessão abundante de sua mensagem graciosa, e umencorajamento para realizar, com destemida coragem e boa vontade, a obra missionária que, nestesentido, lhes cabe.

O abominável da desolação: V. 15) Quando, pois, virdes o abominável da desolação de quefalou o profeta Daniel, no lugar santo, quem lê, entenda, 16) então, os que estiverem na Judéiafujam para os montes; 17) quem estiver sobre o eirado não desça a tirar de casa alguma coisa;18) e quem estiver no campo não volte atrás para buscar a sua capa. Isto é verdade, acima de tudo,para o tempo da queda de Jerusalém. Os discípulos devem lebrar0se de tudo quanto o Senhor disse,e as esperanças que lhes apresentou. Fazendo-o, serão capazes de manter o equilíbrio que énecessário nos últimos dias, nos tempos turbulentos que então sobrevirão. Lutero e outrospensaram que o abominável da desolação, referido aqui, fosse a estátua do imperador Caio

19 ) 184) Lutero, 9.1807.

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Calígula, que o governador mandou colocar no templo para que fosse adorada 20 ). Isto, realmente,foi uma abominação, uma profanação do templo que fora consagrado ao verdadeiro Deus. Mas, afigura é, aqui, usada num sentido ainda mais amplo, Lc.21.20,24. O abominável da desolação, ahorda blasfema que levava consigo morte e destruição, que executava a sentença terrível mas justade Deus sobre o povo judeu, foi o exército romano, com suas insígnias militares, suas águias eídolos. Este, como Daniel o descreve, capítulo 11.22,27; 9.27;11.31;12.11, mostraria que o santolugar caíra nas mãos dos gentios, e que cessariam os sacrifícios ao Deus vivo. Essa situação dascoisas seria tão terrível, excederia tanto qualquer imaginação, que precisariam esforçar-se paracompreender o seu real significado. Este sinal, o abominável da desolação, indica o período final,não precisando eles esperar por mais algum outro: Os cristãos já não deveriam tentar por ficar nacidade, nem mesmo um só momento. É aconselhada a fuga mais repentina. Aqueles que ainda estãona Judéia deviam fugir para a segurança das montanhas, o que foi um conselho seguido literalmentepela congregação cristã de Jerusalém que fugiu para Pella. A qualquer um que estiver sobre otelhado chato da casa, quando a notícia vier, não devia nem se atrever a fugir pela casa mas quedescesse pela escada que levava diretamente para a rua, a fim de não perder tempo. Da mesmaforma aquele que estiver ocupado no campo, não devia tentar pegar roupas boas. A fuga precipitadaé a única maneira de escape.

Mais conselho: V. 19) Ai das que estiverem grávidas e das que amamentarem naquelesdias! 20) Orai para que a vossa fuga não se dê no inverno, nem no sábado; 21) porque nessetempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não tem havido, enem haverá jamais. 22) Não tivessem aqueles dias sido abreviados, e ninguém seria salvo; maspor causa dos escolhidos tais dias serão abreviados. Circunstâncias assim, naturalmente, seriam,de modo especial, desagradáveis e perigosas para aquelas mulheres que estavam para ser – ou querecém haviam sido – mães, visto que uma fuga rápida seria acompanhada de muitas dificuldades.Outro mal seria, provavelmente, que o tempo de fuga podia cair na época do inverno, quando otempo aumentaria em muito as dificuldades e durezas de viajar. E, caso a fuga caísse num sábadoquando uma compreensão falsa poderia por em risco suas vidas, ou num ano sabático quando aterra havia sido deixada sem cultivo, então poderiam ter problemas para obter o alimentonecessário no caminho. Todos estes fatores cooperariam para que as tribulações, já tão fortes,fossem ainda maiores, visto terem sido grandes as desgraças daquela época da história dos judeus.Deus estaria derramando os vasos de sua ira em toda a sua plenitude sobre sua cidade e nação. SeDeus não temperasse a justiça com a misericórdia e a compaixão, todo podo seria consumido nadestruição geral. Mas Deus, em meio da sua ira, sempre tem compaixão. Por amor de seu povo, quesão os crentes em Cristo, ele abreviará o tempo de castigo, para que não morram todos.

O ataque à fé: V.23) Então se alguém vos disser: Eis aqui o Cristo! Ou: Ei-lo ali! nãoacrediteis; 24) porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais eprodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos. 25) Vede que vo-lo tenho predito. 26)Portanto, se vos disserem: Eis que ele está no deserto! não saiais; ei-lo no interior da casa! Nãoacrediteis. 27) Porque assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até no ocidente, assimhá de ser a vinda do Filho do homem. 28) Onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão os abutres. OSenhor ainda tem em mente, principalmente, os dias que precedem a destruição de Jerusalém, aindaque possa ser dito, que suas palavras encontram uma aplicação universal. As aflições externas setornariam ainda mais insuportáveis devido ao fato, que os ataques à fé dos discípulos de Cristoseriam mais agudos e operados com muito mais atrevimento. Falsos messias tentariam alcançarforça, ao menos por algum tempo. O modo e as circunstâncias da conduta deles são, aqui,brevemente, descritos, sendo que isso é fato, também, em nossos dias. Apresentariam grandessinais e maravilhas a um mundo boquiaberto. Seriam sinais que só o aparentavam, havendo outrosque o eram realmente; uns que facilmente podem ser explicados pela psicologia religiosa, masoutros que confundem aos que os investigam. Nisso é preciso uma cuidadosa diferenciação, paranão misturar o falso cristo com o verdadeiro Cristo, e os falsos mestres dos mestres verdadeiros.

20 ) 185) Lutero, 13.2560; 7.1303.

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“Aqui podes ponderar sobre aquilo de que depende a verdadeira doutrina, da qual não devemosousar em apartar-nos. Recorda: A doutrina certa não faz nada outro do que mostrar e colocar Cristodiante de ti, para que por meio dele confortes teu coração contra pecado e morte. Isto é feito assim,que somos ensinados que Cristo é real, eterno e todo-poderoso Deus, junto com o Pai e o EspíritoSanto, que desceu à terra para junto de nós homens, que foi concebido pelo Espírito Santo e nestemundo nasceu da virgem Maria; que ele, finalmente, morreu na cruz, não por causa dos seuspróprios pecados, pois ele, sendo Deus, não pode pecar, mas por causa dos nossos pecados, paraque Deus, por uma morte assim, pudesse ser satisfeito e a nossa culpa fosse paga, e nós, pelaressurreição de Cristo da morte, também possamos alcançar a vida eterna; que Cristo, por isso,venceu o pecado e a morte em nosso benefício, para que pecado e morte não mais nos pudessemferir; e agora, desde agora, está sentado à mão direita de Deus, para nos defender contra o diabo,conceder-nos graciosamente seu Espírito, e ouvir-nos em todas as coisas que necessitamos para ocorpo e a alma quando pedimos em seu nome. Isto é pregar corretamente a respeito de Cristo, e emcada detalhe concorda com a Palavra; por isso, neste caso, não se precisa ter preocupação com oanti-cristo e suas mentiras 21). Quando a fé de alguém se basear firmemente sobre este evangelho deJesus, esse tal não se perturbará com os sinais e maravilhas dos falsos cristos. “É isto que devemosrecordar, para que, ao encontrarmos aqueles que louvam tanto os sinais miraculosos, lhes digamos:Conheço o demônio; ele pode imitar a Deus (pois ele é o macaco de Deus); ele pode fazer sinaismiraculosos; mas eles são sinais miraculosos falsos. As pessoas imaginam, realmente, que sejamsinais verdadeiros; até mesmo aqueles sobre os quais são realizados não tem outro sentimento doque esse de estarem cegos e mortos. ... Mas são sinais falsos, que são feitos para que debandemosde Deus e nos penhoremos a algum santo. Porém, quando alguém fez isto, então o diabo removeeste espírito, e as pessoas dizem: Este ou aquele santo me socorreu e, desta forma, são fortalecidosem sua idolatria. O papa confirmou e fortaleceu com suas indulgências estes falsos sinaismiraculosos que o diabo realizou para comprovar suas mentiras e erros e para que a idolatria setornasse ainda maior no mundo”22 ).

Duas características adicionais dos falsos mestres são, que eles sempre procuram provocara curiosidade tornando seus ensinos tão obscuros quanto possível, ora retirando-se para lugaresdesertos, ora ocultando-se no interior dos aposentos. Casos assim não só são mencionados naBíblia, At.21.28, e pelo historiador Josefo, mas eles tiveram seus sucessos naturais nos ascetas, nosmonges e freiras de todos os tempos, que se retiraram do mundo, com o tolo objetivo de conhecermais plenamente a Cristo. Muitas dessas pessoas foram consideradas, pelos ignorantes, com amaior veneração e adornados com a pessoa e o poder do próprio Cristo. É esse o fanatismo que éapontado nas palavras de Cristo: Vede que vo-lo tenho predito; não o creiais! E ele enfatiza suaspalavras com uma figura, que é o da imprevisibilidade do relâmpago cujo brilho, ainda assim,ilumina a terra. Será assim que Cristo virá para o juízo, antes de tudo sobre os judeus querejeitaram a ele e sua Palavra. Poderão as nuvens surgir e subir no céu e o trovão reverberar nadistância, mas o relâmpago repentino, enviando seu raio em terrível destruição, é imprevisível.Desta forma os sinais que precederam a queda de Jerusalém, bem como os que anunciam o dia dojuízo, tornarão aos vigilantes ainda mais alerta, mas, ainda assim, o real aparecimento do Juiz serácomo o raio do relâmpago, repentino e terrível. Por isso a admoestação forte, mas familiar: Onde ocorpo morto tiver sido descartado, lá os abutres que comem carniça se reunirão. Onde Cristo está,lá também estarão os seus eleitos. “Foi assim que o Senhor fez uso de duas parábolas, primeiro,duma celeste, que é a do relâmpago que é uma luz impressionante, para indicar que não é possívelprender e cativar seu reino. Pois, desde que Jerusalém, onde anteriormente estava o reino de Cristo,agora está destruída, é feita a pergunta sobre onde estará agora o reino, visto que Jerusalém jaz aospedaços. Então é dito: lá onde bate o raio e onde o cadáver estiver, isto é, onde estiver a Palavradivina, seja isto aqui ou em algum outro lugar, lá estará a igreja” 23).

21 ) 186) Lutero, 13.994,995.22 ) 187) Lutero, 13.2571,2572.23 ) 188) Lutero, 7.1348.

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Os sinais do último dia: V. 29) Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o solescurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do firmamento e os poderes doscéus serão abalados. 30) Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; todos os povos daterra se lamentarão e verão o Filho do homem vindo sobre as nuvens do céu com poder e muitaglória. 31) E ele enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seusescolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus. Todo este trecho é muitovívido. Notemos: Uma qualidade forte de pronunciamentos proféticos em geral é a ausência doelemento do tempo conforme os padrões humanos. Eventos, que podem estar separados por anos ouséculos, são ligados como se ocorressem numa ação contínua. O Deus eterno, que inspira aprofecia, não está sujeito ao tempo. Tudo o que acontece, ocorre diante dele num grande agora.Outro fato significativo: Jesus liga, tão intimamente, as profecias sobre Jerusalém e sobre o juízofinal, que elas quase se sobrepõem. O juízo sobre Jerusalém não somente é um tipo do último egrande dia do juízo, mas o juízo do mundo, em certo sentido, já começou com a queda deJerusalém. – Há lições sérias contidas neste capítulo. Quando raiar o dia que está destinado como oúltimo dia do mundo, aparecerão sinais muito extraordinários e terríveis. O sol será escurecido, alua perderá seu brilho, as estrelas cairão do firmamento, os poderes que dirigem os céus serãoabalados e todas as leis da natureza serão aniquiladas. Eis eclipses incomuns, estrelas que voamrápidas como balas e meteoros que foram acionados pelas circunstâncias das leis da natureza! Eis ocaos, a subversão de todos os poderes que mantinham o universo em seu trilho habitual. O mesmoCriador que formou os céus e dispôs as leis que regulam a grande máquina da criação, naqueletempo as anulará, e agirá com o universo segundo sua vontade e plano ulterior. E então, em meio aofuror dos elementos e ao estremecer dos céus, aparecerá o grande sinal, o próprio Filho do homemaparecerá no céu, revestido em seu eterno poder e majestade. O anteriormente tão desprezadoNazareno, o Filho do homem em sua humilhação, mostrará que suas reivindicações de trazer em sidons sobrenaturais estavam muito bem fundamentadas.24) Então todas as tribos, todas as naçõesprantearão e lamentarão, vendo o Juiz descer nas nuvens do céu, com poder e glória imensos.Ecoará o som de fortíssima trombeta, e os anjos serão enviados como seus mensageiros pararecolher aqueles que pela fé são os seus. Serão juntados, por meio do grande brado, dos quatroventos e cantos da terra, de cada povo, língua e nação.

A lição da figueira: V.32) Aprendei, pois, a parábola da figueira: quando já os seus ramosse renovam e as folhas brotam, sabeis que está próximo o verão. 33) Assim também vós: quandovirdes todas estas coisas, sabei que está próximo, às portas. 34) Em verdade vos digo que nãopassará esta geração sem que tudo isto aconteça. 35) Passará o céu e a terra, porém as minhaspalavras não passarão. Assim como a pessoa com um censo comum costumeiro e capacidade deobservação não precisa de mais outras provas para o fato que o verão está próximo, quando vê queos galhos da figueira se tornarem tenros por causa da seiva que os enche, fazendo com que brotemfolhas novas dos rebentos, assim o discípulo de Cristo que enxerga os sinais dos quais Cristo falaem todo este capítulo, incluindo a destruição de Jerusalém, compreende e está ciente que o juízofinal está diante deles, bem junto à sua porta. Aqui está outro sinal, mais uma prova da verdade desua afirmação, da solidez de sua profecia: Esta geração não há de passar, até que tudo istoacontecerá. Ele tenciona afirmar que a nação judaica permanecerá como uma raça ou com todas ascaracterísticas raciais sobre a terra, até o dia do juízo, ou que a geração de filhos que ele escolheu,ou seja, a sua igreja, não passará eternamente, isto é, resistirá a todas as tentativas para a destruir.Em meio à quebra dos mundos, quando céu e terra voltarão ao caos e serão destruídos, a Palavra doSenhor permanecerá para sempre.

A ocorrência do dia do juízo: V.36) Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nemos anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o Pai. 37) Pois assim como foi nos dias de Noé,também será a vinda do Filho do homem. 38) Porquanto, assim como nos dias anteriores aodilúvio, comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou naarca, 39) e não o perceberam, senão quando veio o dilúvio e os levou a todos, assim será também

24 ) 189) Cobern, The New Archheological Discoveries, 606.

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a vinda do Filho do homem. 40) Então dois estarão no campo, um será tomado, e deixado o outro;41) duas estarão trabalhando num moinho, uma será tomada, e deixada a outra. Está aqui umassunto para cuidadosa avaliação, em especial, para aqueles que têm o costume de predizer a dataexata da vinda de Cristo para o juízo, tal como muitas seitas o têm feito desde o começo da igrejacristã, mas especialmente desde o ano 1000 AD. Nem homens nem anjos têm conhecimento exatoda época e tempo, do dia e hora, quando irromperá o dia do juízo sobre o mundo, até nem mesmoJesus conforme sua humanidade, ou quando só o consideramos na humildade de sua naturezahumana, Mc.13.32. Este é um segredo que está escondido nos conselhos de Deus Pai. O Filho deDeus renunciou, segundo sua humanidade, o direito a este conhecimento por amor aos homens,para que estes não inquiram pelo dia e a hora e se entreguem à segurança falsa. Mas, tanto é certo:Haverá uma repetição da despreocupação atrevida que caracterizava os dias que precederam aodilúvio. Na medida que o tempo da volta de Cristo para o juízo se aproxima, haverá uma contínuasucessão de festejar e buscar prazeres, sem jamais reparar na gravidade da situação. Notemos: Aspalavras do Senhor casavam e davam-se em casamento não significam desencorajar o santo estadodo matrimônio, mas elas atiram um raio de luz sobre as condições do tempo de hoje. Pois, pessoasde nossos dias, em vez de compreender a santidade do estado conjugal e buscar entrar nele notemor do Senhor, só têm em mente a gratificação de seus desejos. A santidade do voto docasamento foi relegada ao lixo, e enquanto a maioria dos assim chamados cristãos ainda nãoprofessa abertamente o amor livre, muitos deles perigosamente se lhe aproximam, sancionando apraticando-o. O dia do juízo lhes será um cataclisma, como o foi para as pessoas do tempo de Noé,trazendo-lhes repentina e terrível punição. Pois o culpado não pode escapar, nem mesmo quandoestá associado externamente com o inocente ou o cristão. De dois homens que trabalham juntos,como sócios, no campo ou em outro lugar, um será aceito, mas o outro será deixado e, desta forma,rejeitado. De duas mulheres ocupadas em suas tarefas caseiras, atendendo às obrigações que lhescabem, uma será aceita como cristã, mas a outra será rejeitada como descrente. Cristo, neste pontoe de modo singularmente vívido, mostra a rotina da vida oriental – os homens no campo, mas asmulheres na cozinha. “Quando o cereal era cortado, malhado e joeirado, não havia moinhos a quese pudesse levar o grão para ser moído. Este processo precisava ser feito em cada lar, e a tarefa defazê-lo caía sobre as mulheres da casa. O cereal era reduzido à farinha, seja triturando ou socando-ºO processo de trituração ou moagem era feito sobre uma pedra chata, em forma de sela, sobre aqual outra era esfregada, ou pelo esmagamento entre duas pedras em que a ponta duma era, dealgum modo, girada à maneira das modernas pedras de moinho. Eram exigidas duas mulheres,como afirmou Jesus, para moer num tal moinho – uma para alimentá-lo, enquanto a outra manejavaa pedra que moia. A pedra de cima aparentemente era girada, dando voltas com a mão. Desta formapodia-se dar a metade duma volta e então girar no sentido contrário”25).

A Necessidade De Vigilância, Mt.24.42-51.

Um resumo: V.42) Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia vem o vosso Senhor. 43)Mas considerai isto: Se o pai de família soubesse a que hora viria o ladrão, vigiaria e nãodeixaria que fosse arrombada a sua casa. 44) Por isso ficai também vós apercebidos; porque, àhora em que não cuidais, o Filho do homem virá. Por isso: Tendo em vista que o tempo exato édesconhecido e tendo em vista que é requerida fidelidade, vigiai, estejai em vossos postos, nãorelaxeis vossa vigilância nem mesmo por um dia, ou hora ou momento. Seu dia vem como umladrão de noite. O pai de família, sabendo que um ladrão vem em algum momento da noite, irávigiar toda a noite sem descansar, pois isto lhe poderá custar que sua casa seja vasculhada porcausa da sua despreocupação. É assim que o cristão dos últimos dias não se pode arriscar a umcochilo, pois há demais em jogo. Dos fiéis em Cristo é requerido um estado de vigilânciaincessante, no qual a cada minuto estão conscientes da seriedade da situação, sendo isto um fatoque sempre se destaca em suas mentes e que é expresso em seu viver.: o Filho do homem está

25 ) 190) Barton, Archeology And the Biible, 135,136.

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vindo, sendo um juiz justo e implacável sobre os infiéis que ignoraram sua advertência, mas umjuiz misericordioso e meigo sobre os fiéis que sempre estiveram preparados para a sua vinda.

O servo fiel: V. 45) Quem é, pois, o servo fiel e prudente a quem o senhor confiou os seusconservos para dar-lhes o sustento a seu tempo? 46) Bem-aventurado aquele servo a quem seusenhor, quando vier, achar fazendo assim. 47) Em verdade vos digo que lhe confiará todos os seusbens. Quando um dono encarrega a um de seus servos para, durante sua ausência, cuidar da casa edos seus bens, supervisionando a todos os servos, esse servo mostrará que é confiança não foi postaem alguém que não a merece, pois, bem então, se mostrará dobradamente fiel e prudente. Não setornará negligente e despreocupado, caso o patrão demorar mais para voltar, mas a cada diaempenhará todos os seus esforços, para que seja encontrado digno aos olhos de seu patrão. Essafidelidade será recompensada com alegria e bênçãos na volta do senhor. Será dada ao escravo aindamais autoridade. Será encarregado de todos os bens. Bem assim os discípulos de Cristo, aos quaisele confiou seus meios da graça, serão destemidos diante dos insultos do mundo e diante daaparente demora do Senhor para retornar. Como cristãos, permanecerão fiéis no cumprimento dosseus deveres e nunca se tornarão relaxados.

O servo infiel: V.48) Mas se aquele servo, sendo mau, disser consigo mesmo: Meu senhordemora-se, 49) e passar a espancar os seus companheiros, e a comer e beber com ébrios, 50) viráo senhor daquele servo em dia em que não o espera, e em hora que não sabe, 51) e o castigará,lançando-lhe a sorte com os hipócritas; ali haverá choro e ranger de dentes. Este é o lado opostodo quadro: O servo se usa da suposta demora de seu padrão. De modo frívolo e jactancioso diz emseu coração: Não há perigo; o patrão está atrasado em vir. Isto já mostra que seu trabalho é meraadulação. E do seu comportamento nasce isto: Bancar o tirano, batendo em seus conservos, emespecial naqueles que estão preocupados em fazer as obrigações, mas entregando-se a excessos nocomer e beber com aqueles que concordaram com ele no deboche. Neste caso a chegada inesperadado patrão traz a maldição e o juízo, e um açoitamento e condenação insensíveis, como arecompensa dos hipócritas e o calabouço onde lhes resta o remorso do choro e do ranger de dentes.O mesmo destino espera aos cristãos falsos, dos que abusam da confiança de seu Senhor JesusCristo, que adiam o verdadeiro arrependimento, que são impiedosos em seu lidar com os demais,que se juntam aos filhos do mundo em todos os desejos e vícios da carne, e tentam consolar-se coma idéia: O dia do juízo ainda não vem. O Senhor, enquanto galardoa aos verdadeiros crentes com aplenitude de suas bênçãos celestes e com todas as riquezas das mansões lá do alto, fará que osservos fingidos serão destinados aos tormentos eternos no inferno. E não é sem razão que oscomentaristas de todos os tempos têm feito uma aplicação especial desta parábola aos ministros daPalavra, visto que sobre eles pesa responsabilidade especial. Quanto maior a confiança depositadapor Deus sobre qualquer pessoa, tanto mais exata será a prestação de contas.

Resumo: Jesus prediz a destruição do templo e da cidade de Jerusalém, sendo que todos ossinais visam advertir aos cristãos; isto ele torna num tipo do juízo vindouro, que ele descrevebrevemente, juntando uma admoestação séria à vigilância e fidelidade.

C A P I T U L O 2 5

A Parábola Das Dez Virgens, Mt.25.1-13.

A demora do noivo: V.1) Então o reino dos céus será semelhante a dez virgens que,tomando as suas lâmpadas, saíram a encontrar-se com o noivo. 2) Cinco dentre elas eram néscias,e cinco prudentes. 3) As néscias, ao tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeita consigo; 4) noentanto, as prudentes, além das lâmpadas, levaram azeite nas vasilhas. 5) E, tardando o noivo,foram todas tomadas de sono, e adormeceram. Esta parábola esta intimamente relacionada com asadmoestações do Senhor que precederam, quando urge a vigilância e fidelidade, a fé e o amor. Ele,quanto mais próximo estava o tempo de sua partida, tanto mais se empenhou no imprimir em seus

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discípulos a necessidade das virtudes cristãs, que são necessárias para um cristianismo vivo e ativo.“Para resumir, esta parábola, por isso, não indica nada outro do que, que vigiemos e não sejamosconfiantes demais, visto que não sabemos quando vem o dia do Senhor. ... Pois, toda ela fala contraa nossa despreocupação, sendo a acusação de que somos exageradamente seguros demais, e semprepensamos: Não há perigo, o dia final ainda não virá por muito tempo. Cristo e os apóstolosprotestam contra isto, pedindo-nos que prestemos atenção àquele dia, vigiemos e estejamos empermanente temor, para que não nos apanhe despreparados. Por isso, aqueles que vigiam receberãoao Senhor e sua graça, mas aqueles que são seguros encontrarão um Juiz impiedoso”26). Sãomencionadas dez virgens na parábola, não que isto tenha um significado especial, mas é só umnúmero redondo. O mínimo de virgens na recâmara da noiva variava nos casamentos orientais,variando muito conforme as posses dos pais. A festa nupcial era, evidentemente, realizada, a altashoras da noite, na casa da noiva, conforme o costume judeu, sendo o noivo com seus amigosesperado a qualquer minuto. Por isso, as dez virgens viajaram em vestes festivas para encontrar onoivo e acompanhá-lo neste seu propósito. Todas tomaram suas lâmpadas que eram recipientespequenos em forma de prato com uma cobertura no centro na qual havia um pequeno furo, onde sederramava o azeite e que provia ar. De lado saía ou se projetava um bico donde saía um pavio. Umadestas lâmpadas não continha azeite suficiente para queimar a noite toda, assim que levá-la a umalonga festa de casamento, sem um suprimento extra de óleo, era um exemplo forte deimprevidência”27 ). As virgens sábias, que foram previdentes e suaram percepção, tomaram consigoum suprimento adicional de azeite em vasos apropriados. As néscias e imprevidentes, querecusaram aceitar esta necessidade, só tomaram suas lâmpadas. “Quando o reino é pregado, osresultados são estes: Alguns o recebem de todo coração e são sinceros nisso. Crêem a Palavra.Esforçam-se no máximo em praticar boas obras. Permitem que suas lâmpadas brilhem diante domundo. Pois estão, muito bem, providos com lâmpadas e azeite, isto é, com fé e amor. Estes são osque são representados pelas virgens sábias. Há, porém, também alguns que aceitam o evangelho,mas são sonolentos e não o levam a sério, pensam que podem ter êxito com suas obras, sentem-seseguros e crêem que tudo pode ser garantido por meio das obras. Estes são apontados por meio dasvirgens tolas. Aqueles são chamados tolos na Escritura, que não obedecem à Palavra de Deus, masseguem sua própria razão, não querem ser instruídos e não aceitam outra opinião se não só a suaprópria. A estes há de ocorrer no final, como ocorreu às virgens tolas. Há estas duas espécies depessoas neste reino, a saber lá onde o evangelho e a Palavra de Deus são pregados e onde a fé deviaser exercida: Alguns seguem, mas outros não seguem. ... Recorda, pois, neste evangelho que aslâmpadas sem azeite significam uma coisa meramente externa e um exercício físico sem fé nocoração. Mas as lâmpadas com azeite são as riquezas internas bem como as obras externas comverdadeira fé”28). O noivo se atrasou. Com isto aconteceu que as virgens, sentando-se em lugaresconfortáveis, começaram a cochilar e, finalmente, todas elas, tanto as sábias como as tolas,adormeceram. Sempre é perigoso que uma sensação falsa de seguridade embala os sentidosespirituais ao sono.

A chegada do noivo: V. 6) Mas, à meia-noite, ouviu-se um grito: Eis o noivo! Saí ao seuencontro. 7) Então se levantaram todas aquelas virgens e prepararam as suas lâmpadas. 8) E asnéscias disseram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas estão-seapagando. 9) Mas as prudentes responderam: Não! para que não nos falte a nós e a vós outras;ide antes aos que o vendem, e comprai-º 10) E, saindo elas para comprar, chegou o noivo, e as queestavam apercebidas entraram com ele para as bodas; e fechou-se a porta? Depois duma demoralonga e fora do comum, e depois de quase terem perdido todas as esperanças, alguém deu o alarme,porque fora despertado pelo barulho da companhia do noivo que chegava. Todas as virgens selevantaram rapidamente e puseram em ordem os pavios de suas lâmpadas, para que queimassem

26 ) 191) Lutero, 11.1924.27 ) 192) Barton, Archeology And The Bible, 148.

28 ) 193 Lutero, 11.1925,2407.

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com o máximo de luz, ao entrarem na festa das bodas. Mas as virgens imprudentes não estiveramprontas para a emergência. Suas lâmpadas, cujo azeite já se consumira, estavam prestes a se apagar,pois só mais restava uma mera brasa dum pavio seco. Mas seu apelo feito às virgens prudentesencontrou-se com uma recepção fria. Caso seu pedido fosse atendido, havia o perigo que todas elastivessem falta de azeite e lhes fosse recusada admissão à festa do casamento. Este ato não foiegoísmo, mas sadia prudência. Na emergência da vinda de Cristo para o juízo, a prestimosidade davida cristã é coisa do passado, e os laços de amizade e, até, do mais íntimo parentesco seromperam. O tempo da graça chegou ao fim. Os comerciantes, os despenseiros da graça de Deus,definitivamente fecharam suas lojas. Cada qual precisa agüentar na base de seus próprios méritos.“Este é um estouro de trovão contra aqueles que confiam nos méritos dos santos e de outraspessoas, visto que nenhum deles tem o suficiente para si mesmo, sem falar que haja alguma sobrapara ser dado aos outros. Por isso, agora, quando querem vir e bater, e também gostariam de vir aocasamento, precisarão ouvir, como as virgens tolas: Não vos conheço; os que deviam ter entrado jáentraram. Essa será uma sentença terrível”29). Os apelos frenéticos das virgens imprudentes paraprovidenciar combustível para suas lâmpadas foram inúteis. E, enquanto isto, a procissão festivachegou à casa da noiva. Aquelas que estavam preparadas em todos os sentidos, foram com o noivoe receberam seus lugares à mesa da festa, tendo-se com isto fechado a porta. Que palavras fatais,que cortaram todas as esperanças!

Tarde demais: V. 11) Mais tarde, chegaram as virgens néscias, clamando? Senhor, senhor,abre-nos a porta! 12) Mas ele respondeu: Em verdade vos digo que não vos conheço. 13) Vigiai,pois, porque não sabeis o dia nem a hora. Foi tarde demais, quando as outras virgens vieram. Nãoestá expresso, se tiveram algum sucesso em sua procura. Mas tentaram conseguir admissão na festanupcial. Sem sucesso! É-lhes dito com ênfase majestosa: Não vos conheço. Seu terror,arrependimento e desespero veio tarde demais. Menosprezaram sua oportunidade. Perderam odireito à felicidade. O Senhor, mais uma vez, junta a solene advertência do capítulo 24.42,insistindo em vigilância constante e incessante, visto que o dia e a hora de sua vinda estãoencobertos ao conhecimento humano. Para resumir: O noivo é Jesus Cristo, Jo.3.29. A festa é abem-aventurança do céu, preparada para todos os seus verdadeiros cristãos. As virgens tolas sãoaqueles que, realmente, receberam fé, mas só guardaram a sua imagem exterior, esperandoencontrar aceitação pela força de seus méritos passados. As virgens sábias são aqueles que sãocuidadosos quanto ao prover e guardar combustível para sua fé, para que, surgindo algum tempocrítico, suas lâmpadas não se apaguem. O Azeite é a graça e salvação de Deus oferecida e dada naPalavra, por meio da ação do Espírito Santo. O noivo, aparentemente, está atrasando suas vinda,2.Pe.3.9. Mas, com certeza, aparecerá para o último e grande julgamento, num tempo quando émenos esperado. Então, cada qual ficará de pé ou sucumbirá com a sua própria fé. E todos aquelesque tiverem falta do poder da fé, precisarão aceitar o destino que eles próprios trouxeram sobre si:A exclusão da festa nupcial do Cordeiro.

A Parábola Dos Talentos, Mt.25. 14-30

V. 14) Pois será como um homem que, ausentando-se do país, chamou os seus servos elhes confiou os seus bens. 15) A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada umsegundo a sua própria capacidade; e então partiu. 16) O que recebera cinco talentos saiuimediatamente a negociar com eles e ganhou outros cinco. 17) Do mesmo modo o que receberadois, ganhou outros dois. 18) Mas o que recebera um, saindo, abriu uma cova e escondeu odinheiro do seu senhor.A transição da parábola antecedente para esta é muito abrupta, mostrandoque em mente há uma conecção íntima. É a questão da fidelidade e seu exame no juízo do último egrande dia. Visto que a hora do retorno de nosso Senhor nos é desconhecida, e visto que lê nosexigirá uma prestação de contas, faz com que a lição desta parábola seja importante. O dono dacasa, ao se preparar para sua viagem, chamou os servos que eram seus escravos favoritos, de cuja

29 ) 194) Lutero, 11.1926.

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fidelidade e boa vontade de servir ele estava convicto, e entregou os bens aos seus cuidados.Confiou a um deles cinco talentos, sendo que cada talento de prata vale, mais ou menos, 1.200dólares, mas ao segundo confiou dois (2) e ao terceiro um (1). Havia-os observado atentamente eestava convicto que a quantia dada a cada um, para que negociasse com ela, correspondia com ahabilidade de cada um para negociar. Tendo partido o patrão, o primeiro servo, sem perda detempo, investiu proveitosamente o dinheiro recebido. Saiu-se tão bem no negócio, que, em breve,dobrou o capital. O segundo, de igual modo, por meio dum hábil investimento conseguiu mais doistalentos sobre os dois que recebera. Mas o terceiro servo foi falto, tanto de energia como dedisposição. Cavou um buraco no chão, onde escondeu o talento de prata.

A prestação de contas dos bons servos: V. 19) Depois de muito tempo, voltou o senhordaqueles servos e ajustou contas com eles. 20) Então, aproximando-se o que recebera cincotalentos, entregou outros cinco, dizendo: Senhor, confiaste-me cinco talentos; eis aqui outroscinco talentos que ganhei. 21) Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco,sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. 22) E, aproximando-se também o querecebera dois talentos, disse: Senhor, dois talentos me confiaste; aqui tens outros dois que ganhei.23) Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito tecolocarei; entra no gozo do teu senhor. O senhor retornou depois de longo tempo, durante o qualos servos, facilmente, podiam achar ocasião de fazer um investimento seguro, prudente e bemremunerado, e executá-lo.Imediatamente se reuniu em conferência com seus servos a aborda oassunto sobre o negociar enquanto ele estivera ausente. Altivo, veio o primeiro servo à frente etrouxe consigo não só a soma inicial de dinheiro mas também o dinheiro que ganhou por meio deseu trabalho duro e do seu cuidadoso empreendimento comercial. Expõe o dinheiro para serconferido. O dono de casa ficou muito feliz, não tanto pela quantia lucrada, mas pelo trabalho fieldo servo. Afirma-lhe que procedeu de modo muito excelente. Chama-o de servo dedicado e fiel.Como recompensa, recebe uma atividade muito maior no serviço de seu patrão, visto que estaatividade comercial, exercida com tal energia, entusiasmo e honestidade, era digna dum campo deação ainda maior. Igualmente devia participar nos lucros de seus trabalhos, tornando-se, de certomodo, um sócio de seu patrão, gozando os resultados da maneira mais proveitosa. O segundo servoveio à frente, bem da mesma forma, e, da mesma maneira modesta e despretensiosa, deu relatóriosobre o investimento que fizera com o dinheiro do patrão. E foi louvado da mesma forma, sendoelogiado pelo modo em que agiu, e sendo recompensado nos termos idênticos aos que o outro ofora, visto que em sua esfera a dedicação e fidelidade haviam sido exatamente iguais às doconservo, mostrando grande inteligência financeira.

A prestação de contas do servo preguiçoso: V. 24) Chegando, por fim, o que recebera umtalento, disse: Senhor, sabendo que és homem severo, que ceifas onde não semeaste, e ajuntasonde não espalhaste, 25) receoso, escondi na terra o teu talento; aqui tens o que é teu. 26)Respondeu-lhe, porém, o senhor: Servo mau e negligente, sabias que ceifo onde não semeei eajunto onde não espalhei? 28) Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-lo ao que tem dez. 29) Porque a todoo que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado.30) E o servo inútil lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes. É descritade modo excelente a infelicidade queixosa e irritante deste servo. Vindo à frente, de mododissimulado, trouxe o seu talento solitário e, então, tentou fazer uma defesa de sua condutaindesculpável. Como acontece em tais casos, procurou colocar a culpa sobre o patrão. Acreditavaque o patrão fosse duro, avarento, mão-fechada e mesquinho, não tendo amor e consideração a seusservos, que eram forçados a servir de escravo e a trabalhar sem cessar para aumentar seus lucros,não recebendo eles participação alguma na colheita que suas mãos produziam. O velho clamor dotrabalho contra o capital. Insinua que não quis fazer mais do que o absolutamente necessário paraum patrão que é assim, visto que não valia a pena. Fazer só e estritamente tanto quanto é exigido,mas nem um tiquinho mais. Desta forma, no medo de seu coração covarde, ele próprio não sabiaporque havia escondido o talento que agora apresentava. Ele, porém, nestas palavras, proferiu suaprópria sentença. Acreditando isto a respeito do caráter de seu patrão, então devia ter agido deacordo. Sem prejudicar a si mesmo e sem gastar suas energias e habilidades comerciais, poderia ter

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levado o dinheiro ao banco, onde os cambistas teriam ficado contentes em poder, em lugar dele,investir a prata e então entregar ao patrão o lucro da transação. A sentença do patrão, por isso, épassada, rápido, sobre ele. Chama-o de servo mau e de espírito mesquinho. É uma daquelas almasmiseráveis que nunca sobem acima da lama. Com ele o verdadeiro problema é a preguiça, juntocom a falta de avaliação das chances que lhe foram oferecidas. Por isso deve-lhe ser tirado o seuúnico talento para ser juntado aos dez talentos daquele cuja energia e ambição, que não temcomparação com este mandrião. O dito proverbial, usado anteriormente, capítulo 13.12, novamenteacha sua aplicação. A recompensa do sucesso é mais sucesso ainda, enquanto que a penalização dofracasso se encaminha para enriquecer ao que é bem sucedido. Isto é real no campo espiritual e notemporal. E o servo inútil, lá no inferno, teria tempo suficiente para se arrepender de suaindolência, com choro e ranger de dentes.

A mensagem de Cristo é clara. O homem rico é o próprio Deus. Os servos são aqueles queprofessam a fé nele, que são seus seguidores. A estes Deus entrega dons e bens espirituais, que sãoos meios da graça, o Espírito Santo, todas as virtudes cristãs e o talento de agirem nas várias linhasde ação em seu reino. Deus deu a cada um, a cada indivíduo, dons espirituais para serem usados emseu serviço, 1.Co.7.7; 1.Pe.4.10. Ele conhece a força intelectual e moral de cada um, e está segurode que não requer demais de ninguém. Quer, porém, ver resultados a nível individual e de toda aigreja. Ele quer que cada um, com toda a energia, invista os talentos que recebeu, para trabalhar demodo ininterrupto em seu serviço. Alegra-o dar uma recompensa graciosa àqueles que são fiéisnestas coisas pequenas, e em sua esfera tão humilde. Dará a eles participação nas alegrias do reinolá de cima. Mas, ai do covarde egoísta e mesquinho, do servo indolente, que se nega em investir seutalento, de fazer uso dos seus dons e habilidades naquela esfera de ação em que o Senhor ocolocou. Com isto ele mostra que não é digno da generosidade do Senhor e não se preocupa comsua graça. Há poucas escusas que soam tão pobres e tão miseráveis, como aquelas pelas quaiscristãos confessos tentam escapar do trabalho na igreja. A sentença do Senhor, por isso, será tantomais terrível: Daquele que não tem, até mesmo o que tem lhe será tirado.

O Juízo Final, Mt.25.31-46.

V.) 31) Quando vier o Filho do homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então seassentará no trono da sua glória; 32) e todas as nações serão reunidas em sua presença, e eleseparará uns dos outros, como o pastor separa dos cabritos as ovelhas; 33) e porá as ovelhas àsua direita, mas os cabritos à esquerda. Aqui está descrita a prestação de contas, tal como ela seráfeita no fim. Pois, o dia do fim é inevitável. É mais uma passagem impressionante que impressionapor sua simplicidade, não contendo qualquer busca por repercussão. Como diz Jerônimo, aqueleque em apenas dois dias celebraria sua última páscoa na terra, para então ser crucificado, aqui, demodo muito apropriado, apresenta a glória do seu triunfo. Ele virá em glória, a glória do céu, aglória de seu Pai, a glória que ele possuía antes da fundação do mundo, antes que ele entrasse nafraqueza e humildade de nossa carne, acompanhado de todos os anjos que são seus mensageiros,ministros e sua côrte. Ele fará com que, pelo serviço deles, sejam reunidas perante ele todas asnações do mundo, tanto judeus como gentios. A seguir, ele reunirá cada espécie de pessoas em seulugar apropriado, procedendo como o pastor de ovelhas que conserva apartadas as ovelhas doscabritos, sendo a divisão assim, que uns estarão à direita do trono e os outros à sua esquerda.Notemos: Só há duas divisões no último dia. Não haverá distinções sociais, nem por preferênciapor casta e riqueza, ou de pessoas neutras. Cada pessoa do mundo se encontrará, de modoinevitável e que não tem mais saída, em um dos dois grupos, e nem ela mesma já não terá mais odesejo de escapar. Este é o primeiro ato do julgamento, a separação e a colocação dum abismointransponível. As ovelhas são aqueles que de boa vontade seguiram ao Sumo Pastor Jesus, ou seja,aqueles que ouviram sua voz, os fiéis. Os cabritos são aqueles que foram desobedientes aoevangelho, os infiéis, os hipócritas dentre os cristãos e todo o mundo ateu.

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A sentença sobre os justos: V. 34) então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinda,benditos de meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação domundo. 35) Porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era forasteiro eme hospedastes; 36) estava nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; preso e fostes ver-me. 37)Então perguntarão os justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Oucom sede e te demos de beber? 38) E quando te vimos forasteiros e te hospedamos? Ou nu e tevestimos? 39) E quando te vimos enfermo ou preso e te fomos visitar? 40) O Rei, respondendo,lhes dirá: Em verdade vos afirmo que sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos,a mim o fizestes. Neste quadro o Juiz se ergue de modo muito altivo: Ele é o anterior Nazarenohumilde e desprezado, mas agora o Rei da glória, Rei dos reis e Senhor da glória. Este Rei chamaaos da sua direita os benditos de seu Pai, visto que pela fé receberam a bênção do Pai, pela quallhes foram concedidas todas as boas dádivas, e pela qual eles se tornaram os filhos de Deus.Perseverando nesta fé, eles alcançaram a maioridade espiritual. Entram na posse inquestionável eno desfrute de sua herança e possuem os bens que lhes foram preparados e disponibilizados desde afundação do mundo e desde que tomado o conselho eterno de Deus de salvar a humanidade, Ef.1.4.É um reino que eles estão prestes a herdar, pois foram feitos reis e sacerdotes para com Deus, seuPai, Ap.1.6. Mas, qual a razão deste dom maravilhoso? É um galardão pela sua fé, como ela seatestou nos atos comuns do dia a dia por meio da bondade para com os irmãos humildes de Cristo:alimentando aos famintos, dando de beber aos com sede, mostrando hospitalidade aos forasteiros,vestindo os nus e visitando os enfermos e presos, que são as expressões externas do amor que fluido amor de Cristo e que é uma evidência da fé. Cristo não espera por atos heróicos, não exigemilagres, mas, quando julgar o mundo com justiça, fará destes atos de gentileza e caridade a basedo seu julgamento. Pois é impossível realizar nem ao menos o menor ato de gentileza no espírito deCristo, sem que haja no coração a fé nele. A humildade dos cristãos poderá chegar ao ponto, delevá-los a desprezar qualquer conhecimento pessoal de Cristo e, por isso, de qualquer serviçopessoal rendido a ele. Cristo, porém, rapidamente lhes esclarece, que estas obras, feitas semqualquer ostentação, sem qualquer idéia de lucro pessoal, são, na verdade, o serviço mais autênticoque lhe podem render.

A sentença sobre os injustos: V. 41) Então o Rei dirá também aos que estiverem à suaesquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos.42) Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; 43) sendoforasteiro, não me hospedastes; estando nu, não me vestistes; achando-me enfermo e preso nãofostes ver-me. 44) E eles lhe perguntarão: Senhor, quando foi que te vimos com fome, com sede,forasteiros, nu, enfermo ou preso, e não te assistimos? 45) Então lhes responderá: Em verdade vosdigo que sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer.46) E irão estes para o castigo eterno, porém os justos para a vida eterna. Uma acusação terrívelmas justa àqueles do lado esquerdo do Rei. Em vez dum benditos que eles esperavam, soa ummalditos. Em vez do vinde soa um apartai-vos de mim. Destacamos vários pontos muitoimportantes. Ele não diz: Malditos de meu Pai, pois a maldição eles próprios a trouxeram sobre si.O fogo eterno não foi preparado para eles, mas, na realidade, só para o diabo e seus anjos. E estefogo não foi preparado desde a fundação do mundo. Deus não tinha qualquer conselho segundo oqual quis a condenação de qualquer pessoa. “Eles não têm a culpar a ninguém outro do que a simesmos. Esta sentença justa os acerta por culpa de ninguém mais se não só pela deles próprios.Usando o mesmo método de avaliação de valores que Cristo usara no caso dos justos, eles forampesados e achados em falta. Não empregaram sua vida na atividade de boas obras que brotam doamor de Cristo. Provavelmente se gloriaram em atos que são considerados grandes à vista daspessoas, e que, certamente, receberam as manchetes dos jornais. Mas foram totalmente deficientesnas obras específicas da verdadeira caridade, nos pequenos atos do servir no dia a dia, num vivergentil que é fruto natural dum coração cheio de fé e amor a Cristo. Por isso foram más todas as suasobras, mesmo aquelas sobre as quais se orgulhavam, visto não terem vindo da fé. E quem serácapaz de retratar o terror dos hipócritas dentre os cristãos, que tinham a forma da piedade masnegaram o seu poder, quando no último dia sua falta de misericórdia lhes será imputada! É verdade,

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se Cristo aparecesse em pessoa sobre a terra, tendo consigo um respeitável agente e administradorde publicidade, sem dúvida, o mundo seria bem voluntário para o servir e festejar. Mas não é este oserviço pelo qual ele olha. Aquilo que é feito aos mais pequeninos dentre os fiéis, que são seusirmãos, em amor singelo que brota, qual torrente límpida, dum coração cheio de fé nele, isto éregistrado como se feito a ele. Quanto aos injustos, seu destino está selado: Castigo eterno é a suaporção. Enquanto isto, os justos, aqueles que são justificados pela sua fé no Redentor, entrarão navida eterna. Os primeiros, por sua própria culpa, perderam a felicidade do amor de Cristo e daglória eterna. Os últimos pelo amor e a misericórdia de Jesus, que se tornaram seus pela fé,herdarão as alegrias das bendições eternas.

Resumo: Para enfatizar a necessidade da vigilância e da fidelidade, Jesus conta asparábolas das dez virgens e dos talentos, e da uma descrição detalhada do juízo final.

C A P I T U L O 2 6

Eventos Que Precedem A Última Páscoa Mt. 26.1-9.

A predição final da paixão: V. 1) Tendo Jesus acabado todos estes ensinamentos, disse aseus discípulos: 2) Sabeis que daqui a dois dias se celebrará a páscoa; e o Filho do homem seráentregue para ser crucificado. Jesus, logo que deixara o templo, começou seu último grandediscurso aos discípulos, capítulo 24.2 o qual ele continuou no Monte das Oliveiras e durante acaminhada para a hospedaria em Betânia. Ele não concluira tudo quanto queria ter dito. Queria daraos discípulos ainda um discurso muito íntimo de despedida, cheio de profunda humildade epenetrante amor que caracteriza sem ministério, Jo.13-17. Aqui, porém, o Senhor concluiu seuofício profético histórico e público. Antes de despedir seus seguidores, quando anoiteceu, lembrou-lhes, mais uma vez, o auge do seu ministério. Em dois dias, na quinta-feira desta semana,começando com o por do sol do dia 14 de nisã, que é o primeiro mês do calendário da igrejajudaica, começaria a festa da páscoa. Com ela se combinava a festa dos pães asimos. Ela durariauma semana inteira, ou seja, até o entardecer do dia 21 do mês. Jesus ainda era membro da igrejajudaica, o observava os dias sacros e as festas dos judeus. Os evangelhos mostram que ele, desdeque entrou em seu ministério, esteve presente a praticamente cada uma das grandes festas. Estapáscoa, porém, devia ser destacada assim como nenhuma outra páscoa jamais o fora ou seria, pormeio do cumprimento do tipo e da profecia na pessoa de Jesus que é o verdadeiro Cordeiro deDeus. Seus discípulos, com ele também membros da igreja judaica, estavam plenamenteconscientes do fato que a festa se aproximava. O que ele quis fixar neles foi o fato que ele, o Filhodo homem, nela, literalmente, é entregue para ser crucificado, o que no catálogo de torturas dosromanos é a morte mais horrenda. Cristo, em seu caráter profético, fala como se a páscoa já tivessecomeçado neste instante. É um fato imutavelmente resolvido no conselho de Deus. O processo datraição já iniciou neste momento.

A conspiração: V. 3) Então os principais sacerdotes e os anciãos do povo se reuniram nopalácio do sumo sacerdote, chamado Caifás; 4) e deliberaram prender Jesus, à traição, e matá-lo.5) Mas diziam: não durante a festa, para que não haja tumulto entre o povo. Mateus coloca, depropósito, os dois eventos lado a lado: Jesus lá fora em Betânia declarando solenemente que estásendo entregue para ser crucificado; os principais sacerdotes juntamente com o conselho supremodos judeus, que é o sinédrio, reunidos, não no lugar usual que era uma sala conhecida como Gasithou “a casa das pedras polidas” que ficava no lado sul do templo e era contígua à Côrte de Israel,mas na ala aberta no centro do palácio do sumo sacerdote, onde havia menos perigo debisbilhoteiros. Caifás, o genro de Hannas ou Anãs, o antigo sumo sacerdote, estava no ofícionaquele ano, Jo.11.49, o que conferia com o acordo feito pelos romanos, segundo o qual aindicação era feita por um ano em vez de ser vitalício, como fora antigamente. Assim como

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furtivamente se haviam reunido, também seus discursos se harmonizaram com suas intenções queforam, pegar Jesus por meio de astúcia ou de malícia, tendo, como o evangelista o escreve de modoabrupto, o objetivo final, não condena-lo por meio dum processo legal, mas matá-lo. Sóexpressaram um escrúpulo, a saber, que a prisão não acontecesse na festa, em especial não no diada ceia da páscoa, para que não acontecesse um tumulto do povo, o que rapidamente poderiaassumir proporções tais que poderiam fugir do controle das autoridades. Para eles tudo era umaquestão de conveniência, de bom senso, de política. Eram um bando de assassinos impiedosos. Eramuito difícil dizer a que caminho o capricho dos milhares de peregrinos se inclinaria, nestemomento crucial, se para o Aldo dos líderes religiosos ou para o lado do profeta de Nazaré. Porisso era exigido cuidado muito astuto.

A unção em Betânia: V.6) Ora, estando Jesus em Betânia, em casa de Simão, o leproso, 7)aproximou-se dele uma mulher, trazendo um vaso de alabastro cheio de precioso bálsamo, que lhederramou sobre a cabeça, estando ele à mesa. 8) Vendo isto, indignaram0se os discípulos edisseram: Para que este desperdício? 9) Pois este perfume podia ser vendido por muito dinheiro, edar-se aos pobres. Mateus, para completar sua narrativa, relata aqui um acontecimento do sábadoanterior, Jo.12.1-8. Quando Jesus subiu de Jericó para Betânia, jantou com um certo Simão, nomais um homem desconhecido, que no passado fora leproso, tendo sido, provavelmente, curado porJesus. Conforme uma tradição, era ele o pai de Lazaro, e conforme outras, o esposo de Marta.Enquanto o jantar se desenvolvia, e, conforme o costume oriental, os hóspedes estavam reclinadosao redor da mesa, entrou Maria, irmã de Lázaro e Marta, na sala. Segurava na mão um estojo dealabastro de preciosíssimo ungüento de nardo da Índia, o qual começou a derramar sobre a cabeçade Jesus, enquanto este estava reclinado para jantar. Ungir com óleo era o método do AntigoTestamento, para indicar a consagração para o Senhor. Era empregado no caso de reis, sacerdotese profetas, Lv.8.12; 1.Sm.10.1; 16.13; 1.Rs.19.16. Também era uma distinção concedida ahóspedes de honra, Lc.7.46. Maria não fez economia em sua aplicação. Quebrou a parte de cima dovaso de alabastro, que ela tinha comprado fechado, e de modo decidido e profuso aplicou o aromaprecioso, assim que a sala todo se encheu com seu odor. Todos os discípulos se surpreenderam e seaborreceram, murmurando. Por que este desperdício? Mas um deles foi o mais forte em suasobjeções. Foi Judas, o tesoureiro dos apóstolos e que era ladrão. O nardo, observa ele comindignação, podia ter sido vendido por muito dinheiro, provavelmente, por trezentos denários, e odinheiro ser dado aos pobres. Mas sua demonstração de caridade só serviu de cobertura para suacobiça. O dinheiro, uma vez em suas mãos, seria algo fácil usar para fins pessoais, ao menos umpouco dele.

Cristo faz a defesa da mulher: V.10) Mas Jesus, sabendo disto, disse-lhes: Por quemolestais esta mulher? Ela praticou boa ação para comigo. 11) Porque os pobres sempre ostendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes; 12) pois, derramando este perfume sobre omeu corpo, ela o fez para o meu sepultamento. 13) Em verdade vos digo: Onde for pregado emtodo o mundo este evangelho, será também contado o que ela fez, para memória sua. É irrelevante,se estas observações foram feitas em voz bem baixa, sendo inaudíveis para Cristo, ou se este estevetão absorto em seus pensamentos que não as captou. Mas ele soube do resmungar secreto e ingrato,bem como da observação irada de Judas. Ergueu-se imediatamente em defesa de Maria. Não lhedeviam causar qualquer aborrecimento, não deviam-na fazer sentir-se mal “confundindo suaconsciência, perturbando seu amor ou depreciando o ato nobre de seu sacrifício”. Não era só umaação gentil, mas era uma ação boa e nobre. Não foi um ato meramente impulsivo, e, caso ela tivertido um pressentimento do mal que se aproximava, tendo entendido melhor do que os discípulos asprofecias de Jesus sobre sua morte, ou se unicamente queria honrar o hóspede maior, ela tevesucesso que foi além de sua intenção, ao embalsamá-lo com esta unção para o seu sepultamento.Julgar asperamente muitas ações que envolvem despesas e que são feitas para a honra de Jesus epara o embelezamento do culto a ele, mostra uma falta de compreensão correta do que é overdadeiro amor real e abnegado a ele. Quanto aos pobres, estes estão sempre conosco, e sempre háocasião, e com certeza necessidade, de lhes fazer algum favor. Mas a presença corporal de Cristoem breve seria removida dos discípulos. Então todas as evidências e provas de afabilidade à sua

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pessoa estariam no passado. Ele declara solenemente, que a ação bondosa da mulher, visto que elaveio dum coração cheio de fé e amor, seria comentada onde quer que o evangelho fosse proclamadopelo mundo a fora, sendo uma lembrança dela. Notemos: Jesus soube, com a certeza da onisciênciade Deus, que o evangelho seria pregado por todo o mundo. Ele soube que a bondade desta mulherse tornaria assunto de discussão em qualquer lugar onde ocorresse esta proclamação. Com isto eleencorajou, de maneira muito delicada e também séria, a todos quantos estão dispostos para servi-lode modo semelhante.

Judas se oferece para trair a Cristo: V.14) Então um dos doze, chamado Judas Iscariortes,indo ter com os principais sacerdotes, propôs: 15) Que me quereis dar, e eu vo-lo entregarei? Epagaram-lhe trinta moedas de prata. 16) E desse momento em diante buscou ele uma boa ocasiãopara o entregar. Há um mundo de significados na expressão um dos doze. Um daqueles que Jesusescolheu do grupo maior de discípulos. Um daqueles que ele, por três anos, tinha consigo naintimidade da comunhão que se estabelece entre mestre e alunos. Um daqueles aos quais ele dera apromessa de galardões especiais. Um dos doze que se deveriam tornar, num sentido todo especial,os professores do mundo todo. Seu nome, Judas Iscariortes, desde então e até o fim dos tempos,simboliza a traição mais vulgar e desprezível. Ele permanece como um exemplo que adverte edissuade todas as pessoas contra o ceder ao primeiro impulso ao pecado. Amor ao dinheiro, cobiça,avareza, roubo, traição e assassinato de seu Salvador – estas foram as pedras da escada em suacarreira na corrupção. Ele, sem antes receber algum incentivo dos principais sacerdotes,deliberadamente, foi até eles e fez sua oferta hedionda. Entregaria-lhes Cristo, se recebesse algumpagamento. E então começou a barganha e pechincha diabólica sobre o valor da traição. Mas elesperceberam o tamanho do homem com que lidavam, porque naquela hora seu vício já estavaestampado em sua face. Eles colocaram na balança, pesaram para ele e colocaram diante dele, paraestimular sua ganância ao ver o dinheiro ao seu alcance, trinta shekels ou peças de prata, que sãouns trinta dólares, o que equivalia ao preço médio dum escravo naqueles dias, Ex.21.32; Zc.11.12.Judas vendeu seu Senhor por esta miserável soma e por ele trocou sua alma imortal. Sua mentevacilante e cobiçosa pelo dinheiro chegou a uma decisão – buscou uma ocasião conveniente para otrair.

Os preparos da ceia pascal: V. 17) No primeiro dia dos pães asmos, vieram os discípulos aJesus e lhe perguntaram: Onde queres que te façamos os preparativos para comeres a páscoa? 18)E ele lhes respondeu: Ide à cidade ter com certo homem, e dizei-lhe: O Mestre manda dizer: Omeu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a páscoa com os meus discípulos. 19) E elesfizeram como Jesus lhes ordenara, e prepararam a páscoa. A páscoa também era conhecida comoa festa dos pães amos, Lc.22.1, e, tendo em vista que qualquer fermento era removido das casas dosjudeus na tarde do dia 14 de nisã, em preparação do sacrifício e da ceia pascais, este dia depreparação também era considerado como um dos dias festivos, em especial porque se unia ao dia15, visto que a páscoa principiava com o pôr do sol, aproximadamente às seis horas da tardenaquela estação do ano. Era costume de Jesus celebrar a festa com seus discípulos, o que explica apergunta deles quanto ao lugar em que teriam o jantar. A preparação da páscoa consistia emconseguir um cordeiro que preenchesse as qualificações da instituição de Deus e tê-lo abatido pelossacerdotes no pátio do templo; também em prover os pães sem fermento e os demais requisitos paraa festa, assar o cordeiro, preparar a mesa, os assentos reclinados, e os travesseiros para a sala dojantar. Dois dos discípulos, Pedro e João, foram encarregados desta tarefa, dando-lhes mais umademonstração do seu poder onisciente. Deviam ir a certo lugar, indicado exatamente por Cristo, aum homem que ele também lhes descreve, e dar-lhe uma mensagem. O tempo do Senhor estavapróximo, bem pertinho. Era esse o tempo para o qual convergia toda sua vida, o tempo quando ele,por meio de sofrimento e morte seria tomado para a glória. Com este homem e na casa dele, elecelebraria a páscoa com seus discípulos. Como tem sido sugerido, é provável, que este homem foisecretamente um discípulo de Jesus, tal como Nicodemos e José de Arimatéia também o foram. Osdiscípulos cumpriram os desejos do Mestre em todos os detalhes, e atuaram como os representantesdo chefe da casa no realizar todos os preparativos para a noite.

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A Refeição Da Páscoa E A Instituição Da Ceia Do Senhor, Mt.26.20-29.

O traidor entre eles: V 20) Chegada a tarde, pôs-se ele à mesa com os doze discípulos. 21)E enquanto comiam, declarou Jesus: Em verdade vos digo que um dentre vós me trairá. 22) E eles,muitíssimo contristados, começaram um por um a perguntar-lhe: Porventura sou eu, Senhor? 23)E ele respondeu: O que mete comigo a mão no prato, esse me trairá. 24) O Filho do homem vai,como está escrito a meu respeito, mas ai daquele por intermédio de quem o Filho do Homem estásendo traído! Melhor lhe fora não haver nascido! 25) Então Judas, que o traía, perguntou: Acasosou eu, Mestre? Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste. Com o por do sol os cordeiros, que haviamsido apresentados no pátio do templo, já haviam sido mortos. E por toda Jerusalém podiam servistos pequenos grupos de dez a vinte judeus reunidos ao redor da refeição festiva. Originalmente,o jantar era comido de pé, Ex.12.11. Mas os judeus, tendo entrado na terra prometida, modificarama regra, afirmando que escravos é que ficam de pé, mas senhores se reclinam à mesa. Jesus teveconsigo todos os doze discípulos quando a refeição começou. Iniciava com a bênção sobre o vinhoe a festa e o servir do primeiro cálice, sendo o senhor da casa quem bebia primeiro, seguindo-senisso os demais. Depois que todos lavaram as mãos, comiam as ervas amargas que erammergulhadas em vinagre ou água salgada, como uma recordação das tristezas do Egito. Enquantoisso era trazida a refeição pascal, o charoseth ou o molho, os pães asmos, as oferendas festivas, e,sobre tudo, o cordeiro assado, ao que seguia a explanação de todas as comidas que era feito pelochefe da família. Então cantavam a primeira parte do Hallel, Sl. 113 e 114, e bebiam o segundocálice. Após isso começava a festa propriamente dita, quando o chefe da família tomava dois pães equebrava um deles ao meio e o deitava sobre todo o pão. Então o abençoava, cobria com ervasamargas, mergulhava no molho e então o alcançava a todos no círculo, dizendo: Este é o pão daaflição que nossos pais comeram no Egito. Depois o dono abençoava o cordeiro pascal e comiadele. As oferendas festivas eram comidas com o pão mergulhado no molho. E finalmente ocordeiro. O agradecimento pela refeição era seguido pelo abençoar e beber do terceiro cálice. Emconclusão era contado o cantado o restante do Hallel, Sl. 115-118, e bebido quarto cálice 30).”“Assim o primeiro cálice era dedicado à proclamação da festa. E Lucas nos diz que Cristo, comeste cálice, anunciou aos seus discípulos que esta era a última festa que celebraria com eles nestemundo. ... O segundo cálice era dedicado à interpretação do ato festivo. Com ele o apóstolo Pauloune a exortação: ‘Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice’. O terceiro cáliceseguia ao partir do pão, que celebrava os pães asmos, este era o cálice de agradecimento. O Senhorconsagrou a este como o cálice da Nova Aliança” 31 ). Foi durante a primeira parte da refeição queo Senhor fez seu surpreendente anúncio sobre o traidor em seu meio. Não se dirige diretamente aoculpado, mas lhe é muito ponderado, como se ainda o instasse ao arrependimento. É natural, queestas palavras provocaram a maior consternação e tristeza, e os discípulos ansiosamente lhe rogam:Certamente não sou eu! Jesus lhes dá um sinal claro pelo qual podiam conhecer o traidor, a saber,seria aquele que com ele mergulharia seu pedaço de pão no molho e então o receberia das suasmãos. Mas isto não foi notado em parte, por causa da geral agitação e porque todos os membros dopequeno grupo mergulhavam seu pão no molho ou charoseth. Mas Cristo prefere palavras sérias deadvertência num último esforço para deter Judas da execução de seu empreendimento nefando. OSenhor, conforme as Escrituras e a vontade de Deus, realmente precisa entrar em sua paixão, masaquele que por traição fosse entregá-lo às mãos de seus inimigos, era um ser maldito ao qual teriasido muito melhor se nunca tivesse nascido. Judas, porém, estava de coração extremamenteendurecido. As palavras penetrantes e advertentes de Cristo serviram unicamente para torná-lo umdescarado. Notemos: Enquanto os demais discípulos se dirigem a Jesus como Senhor, Judas ochama meramente de Rabi, seja que isto tenha provindo da má consciência ou do abismo da

30 ) 195) Robinso’s Babilonian Talmud, Tract Peschim, V.68-221.31 ) 196) Schaff, Commentary, Matthew, 469.

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insolência. Também: Quando pessoas deliberadamente recusam aceitar as doces promessas doevangelho, isto finalmente se lhes tornará num cheiro de morte para a morte, 2.Co.2.15,16.

A instituição da Ceia do Senhor: V. 26) Enquanto comiam, tomou Jesus um pão e,abençoando-o, o partiu e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai, comei; isto é o meu corpo.27) Aseguir tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos: 28)porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, pararemissão de pecados. 29) E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira,até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai. 30. O sacramento daantiga aliança recém havia sido celebrado por Cristo. Pois ele não veio para mudar a essência daantiga fé, que é o mesmo em todos os tempos, porém traz à plenitude tanto o tipo como a profecia.Mas, como os próprios sacramentos do tempo antes de Cristo eram só típicos, era necessário quefossem substituídos pelos do Novo Testamento, para que remetessem a Cristo e se apoiassem sobreele. Enquanto comiam, provavelmente logo depois que Jesus distribuíra o pão da aflição, ele tomoupão, solenemente voltou a agradecer por ele e assim o abençoou. A oração dos judeus antigos sobreo pão era: “Bendito sejas tu, nosso Deus, Rei do universo, que da terra fazes produzir pão!”32).Então, tendo-o partido, deu-o aos discípulos e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo. São calaraspalavras de ordem. Deviam tomar das mãos dele e então comer o que lhes deu. Mas não era meropão o que lhes deu. Pois, referindo-se aos pedaços que lhes distribuiu, ele emprega o neutrodemonstrativo, enquanto que no grego pão é masculino. Há aqui uma clara referência à presençasacramental do corpo de Cristo em, com e sob o pão. Isto é ressaltado, de modo ainda mais forte,nas passagens paralelas, em especial em 1.Co.11.24. Da mesma forma, após o jantar, quando ocálice de agradecimento estava por ser passado, ele tomou o cálice, deu graças, abençoando destaforma o seu conteúdo, e o deu aos discípulos, fazendo com que fosse passado pelo círculo, com aordem expressa que todos bebessem dele. Pois o vinho que o cálice continha era o seu sangue daNova Aliança, visto que ele é derramado pelo perdão dos pecados de todos, o qual é dado a todosquantos o recebem na fé. Quanto ao conteúdo do cálice, todas as tentativas para interpretar aexpressão fruto da videira como se qualquer produto da ova possa ser usado, por exemplo sucofresco de uva, suco não fermentado de uva, aguardente de uva, ou algum outro produto moderno,não podem subsistir sem que neguem o texto. Pois, se a todos se aplicarem as leis exegéticas, nãopode haver a menor dúvida que a expressão, tal como Cristo a empregou na noite da instituiçãoreferida aqui, se referia ao vinho verdadeiro usado na páscoa. Pois, a expressão fruto da videira eraum termo técnico dos judeus para o vinho da páscoa 33).

“Nós cristãos confessamos e cremos que o Sacramento do Altar é o verdadeiro corpo esangue de nosso Senhor Jesus Cristo, sob o pão e o vinho, para ser comido e bebido por nóscristãos, instituído por Cristo mesmo. Todas as explicações das seitas, reformados bem comopapistas, como se o pão meramente representa o corpo e o vinho o sangue de Cristo, ou que pão evinho são transformados em corpo e sangue de Cristo, são novamente frustrados, por causa do textoclaro das Escrituras. A razão, realmente, precisa ceder aqui. Ela não consegue entender como Jesusnaquela hora, enquanto estava de forma visível diante de seus discípulos, podia dar-lhes seu corpoe sangue, para ser comido e bebido, nem como o Cristo exaltado, mesmo estando no céu, está aindaassim presente com seu corpo e sangue em qualquer lugar da terra, sempre que esta refeição écelebrada conforme sua instituição. Mas a palavra de Cristo é clara e certa. Também sabemos dasEscrituras, que o corpo de Cristo, que foi o receptáculo de sua divindade, tinha, mesmo nos dias desua humilhação, uma forma superior e supra-sensível de ser, ao lado de sua forma limitada deexistir, Jo.3.23, mas que o Cristo exaltado já não está fechado no céu, porém, como Deus e homemenche todas as coisas também conforme seu corpo, Ef.1.23. Levamos, assim, nossa razão cativa soba obediência à Escritura e não nos perdemos nos pensamentos sobre isso, mas, antes, agradecemosa Deus pela grande bênção deste seu sacramento. Disso recebemos sempre de novo a certeza doperdão dos nossos pecados. O sacramento, garantindo-nos a graça de Deus, serve para o

32 ) 197) Goodwin, Moses et Aaron, 489,490.33 ) 198) Lehre und Wehre, 1918, 409; Theol. Quart. 17.163-175; 20.97-101.

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fortalecimento de nossa fé. Tal como a primeira páscoa fortaleceu os israelitas para a viagem à suafrente, através do deserto para Canaã, assim a ceia do Senhor é para os filhos da nova aliançaalimento para o caminho, para o que chamamos a jornada terrena. Ela também aponta para frente,bem assim como a ceia pascal, para o fim da jornada, para a ceia da eternidade, quando o Senhor abeberá conosco no reino de seu Pai”34).

O Que Aconteceu no Getsêmani, Mt.26.30-46.

A profecia da negação: V.30) E, tendo cantado um hino, caíram para o Monte dasOliveiras. 31) Então Jesus lhes disse: Esta noite todos vós vos escandalizareis comigo; porqueestá escrito: Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho ficarão dispersa. 32) Mas, depois da minharessurreição, irei adiante de vós para a Galiléia. 33) Disse-lhe Pedro: Ainda que venhas a ser umtropeço para todos, nunca o serás para mim. 34) Replicou-lhe Jesus: Em verdade te digo que,nesta mesma noite, antes que o galo cante, tu me negarás três vezes. 35) Disse-lhe Pedro: Aindaque me seja necessário morrer contigo, de nenhum modo te negarei. E todos os discípulosdisseram o mesmo. Depois do fim da ceia pascal, foi cantada parte final do grande Hallel, que eraum agradecimento solene dado a Deus por todas as suas bondosas e misericordiosas dádivas. EntãoJesus começou a retirar0se da sala superior, e passou pelas estreitas ruas de Jerusalém, atravez doescuro vale do Cedrom, em direção às encostas do Monte das Oliveiras, para o jardim da agonia.Enquanto seguiam, ora sob a luz da luz cheia da primavera, ora na escuridão das sombras fechadasprojetadas pelas oliveiras ao longo da trilha, Jesus, entre outras coisas, predisse que todos eles seescandalizariam, se ofenderiam e seriam levados a tropeçarem nele nesta noite. A desgraça dosacontecimentos desta noite seria grande demais para sua fé vacilante. Não seriam capazes parareconciliar as idéias deles sobre a divindade com a evidência de sua profunda humilhação, talcomo ela se lhes apresentaria nesta noite. Isto havia sido profetizado por Zacarias, capítulo 13.7.Ferirei o Pastor, disse Deus, e as ovelhas do rebanho serão dispersas para longe. Tal como umrebanho de ovelhas, quando não tem um guia, rapidamente, erra o caminho e entra no grande perigode ser tornar a presa de bestas devoradoras, assim os discípulos, sem a certeza da presençaonipotente de Cristo, se tornariam vítimas da dúvida, estando no perigo de perderem totalmente afé. Cristo, por isso, de pronto lhes assegura, não só a sua ressurreição, mas também o fato que eleos precederia para a Galiléia onde eles teriam a oportunidade de vê-lo novamente. Mas Pedro nãose satisfez com a declaração de Cristo. Ela lançava dúvidas sobre a sua fidelidade, e ele, bem agora,sofria de muita presunção. Por isso ele reagiu à afirmação radical de Cristo, exigindo ser ele umaexceção do caso. Quanto aos demais, eles podiam ser tão esquecidos, a ponto de se tornaremculpados dum procedimento tão mau e vulgar, mas quanto a ele, jamais se ofenderia. Isto foipresunção e arrogância. Por isso Cristo lhe declara de modo expresso, que ele o negaria três vezesnesta mesma noite, antes da hora de o galo cantar, mais ou menos às três horas da manhã,Mc.13.35. Visto que o primeiro cantar do galo, via de regra, ocorre um pouco antes da meia-noite,a declaração tão enfática de Jesus que Pedro realmente o negaria três vezes, antes que o galocantasse duas vezes, devia tê-lo acordado do seu sonho de autocomplacência. Mas ele ainda éteimoso, contestando com veemência ao Mestre: Ele, mesmo que lhe fosse necessário morrer comele, em absoluto não negaria ao Senhor. E os outros discípulos reforçaram esta afirmaçãojactanciosa, em vez de pedirem ao por graça e poder para a hora da tentação. Um cristão que lançasua confiança em sua própria capacidade de resistir às astúcias do diabo, é menos seguro do quecanoa furada em meio a um tufão.

A chegada ao Getsêmani: V.36) Em seguida, foi Jesus com eles a um lugar chamadoGetsêmani, e disse a seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto eu vou ali orar; 37) e, levandoconsigo a Pedro e aos dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se. 38) Entãolhes disse: A minha alma está profundamente triste até à morte; ficai aqui e vigiai comigo.Getsêmani, o vale da prensa de azeite, era um lugarejo rural onde havia um imenso pomar de

34 ) Stoeckhardt, Biblische Geschichte dês Neuen Testaments, 267.

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oliveiras, que Judas também conhecia bem, porque era o abrigo favorito para o Senhor em seusretiros. Tendo inteira noção de tudo quanto devia acontecer nesta noite, ele escolheu este lugar datraição, esperando conseguir uma última hora de oração. Deixou oito de seus discípulos junto àentrada do jardim. Lá deviam esperar por ele, até que ele tivesse orado no lugar escolhido. Somentelevou consigo os três discípulos que haviam sido testemunhas de sua transfiguração, para verem aagonia de sua alma. Sentia a necessidade de alguém em que podia confiar, do qual, nesta hora,podia esperar alguma assistência na forma de encorajamento e oração. Neste instante começou asentir-se muito triste e angustiado, o que é uma expressão que indica a aflição espiritual maispungente e aterradora. Em sua agonia brada aos discípulos que sua alma está extremamente triste,envolta e esmagada com a mais sufocante tristeza. Caíam sobre ele os terrores da morte. Pediu-lhes,ao menos, alguma medida de companheirismo e força de apoio pela oração. E a angústia de almaaumentou mais ainda, tornando insuportável mesmo a proximidade destes discípulos.

A primeira oração: V. 39) Adiantando-se um pouco, prostrou-se sobre o seu rosto, orandoe dizendo: Meu Pai: Se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e,sim, como tu queres. 40) E, voltando para os discípulos, achou-os dormindo; e disse a Pedro:Então, nem uma hora pudestes vós vigiar comigo? 41) Vigiai e orai, para que não entreis emtentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca. Deixando até mesmo seusdiscípulos favoritos, ainda que o lugar onde foi ficava próximo, sentiu-se compelido a estar a sóscom os horrores da morte e do inferno, com a percepção da ira inextinguível de Deus sobre ospecados do mundo que ele tomara sobre si. Como o vicário, o representante da humanidadecorrupta, a condenação o encarava de frente. Prostrou-se sobre seu rosto no pó da terra. E dumcoração cheio da angústia por causa dum sofrimento terrível, ecoou sua prece: Pai, se possível,deixa que este cálice, literalmente, passe por mim, mas nunca seja como eu quero, porém, como tuqueres. O cálice de tortura excruciante, de morte na cruz, estava diante seus olhos, e sua fracanatureza humana se intimidava diante de seus terrores. Pois a morte é uma condição estranha.Destrói a vida que Deus criou. Rompe o laço entre corpo e alma que Deus atou. Por isso, suplica, sehá alguma possibilidade para realizar a obra da salvação sem ser obrigado a suportar a soma totaldo castigo sobre o pecado, sem beber o cálice da ira de Deus até a última gota, que lhe sejapermitido escolher o meio mais fácil. O conselho de Deus, com o qual ele próprio haviaconcordado, a saber, que a salvação dos pecadores perdidos e condenados seria ganha por meio desofrimento e morte, se havia tornado obscuro em sua percepção humana. Que humilhaçãoprofunda! Contudo, em sua oração não houve a menor insinuação de oposição e murmuração. Avontade do Pai celeste deve ser realizada de todas as formas e de qualquer jeito. “Como, pois, oraCristo? Esta é uma instrução útil e necessária, que devemos seguir dispostos e sem esquecer. ...Nosso caro Senhor Jesus ora que Deus lhe tire o cálice e, como o Filho unigênito, espera do Painada mais do que o bem. Mas, ainda assim, ele junta estas palavras: Não como eu quero, mas comotu queres. Faze-o tu da mesma forma. Se estás em tribulação e sofrimento, guarda-te para não julgarque Deus, por isso, seja teu inimigo. Volta-te a ele como um filho ao seu pai (pois, visto crermosem Cristo, ele deseja aceitar-nos como filhos e co-herdeiros de Cristo), clama a ele por ajuda, edize: Ó Pai, vê o que me está acontecendo aqui e ali; ajuda-me por amor de teu amado Filho JesusCristo. ... Devíamos, porém, colocar nossa vontade em todas as coisas que pertencem ao corpo, soba vontade de Deus. Pois, como diz Paulo, nós não sabemos pedir como devíamos. Além disso,muitas vezes, é necessário que Deus nos conserve sob cruz e tristeza. Agora, visto só Deus saber oque nos é bom e útil, devíamos colocar sua vontade em primeiro lugar, e a nossa vontade depois esendo pacientes provar nossa obediência”35). Depois da oração, retornando a seus discípulos, Jesusos encontrou dormindo. Foram incapazes de agüentar o teste deste grande esforço. A naturezahumana exigia descanso. A magnitude e a profundidade da revelação que se desenvolvia em suafrente foi demais para sua carne fraca. Jesus se dirige, de modo repreensivo, a Pedro, tentandoerguê-lo: Assim, pois, não pudestes vós vigiar comigo por, ao menos, uma hora, depois de todos osprotestos feitos a apenas uma hora atrás. Ele insiste com todos eles para que se mantenham

35 ) 200) Lutero, 13.355-357.

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vigilantes, e que, para tanto, orem para que não caiam em tentação. Pois a fraqueza da carne tem aforça única de dominar a força do espírito, por mais voluntário que este seja. É nas horas deprovação amarga e severa, quando a carne está pronta para entregar a dura luta, que a vigilância emoração, ao lado da inabalável confiança no poder de Deus, manterá a força do espírito paraconservar a fé.

A continuação da agonia: 42) Tornando a retirar-se, orou de novo, dizendo: Meu Pai, senão é possível passar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade. 43) E, voltando,achou-os outra vez dormindo; porque os seus olhos estavam pesados. 44) Deixando-os novamente,foi orar pela terceira vez, repetindo as mesmas palavras. O Santo de Deus, neste momento, estavaquase submerso na torrente de dor e amargura que tentavam tragá-lo. Medo e tremor lhesobrevieram, e o horror o assoberbava, Sl.55.5, o horror da morte e do inferno. Pois sobre elepesavam os pecados, a culpa, a maldição e a punição do mundo todo. Devia morrer a morte dumpecador, do pecador mais detestável que o mundo já conheceu. Por isso ele sentiu mil, sim, ummilhão de vezes o aguilhão da morte. Sua luta nas sombras do Getsêmani foi uma segunda tentaçãodo diabo. Foi o príncipe do inferno quem lhe encheu a alma com o terror da morte, para o fazerrecuar diante das torturas da cruz, recusar obedecer a seu Pai no céu. Desta forma estaria arruinadoo plano de Deus e a redenção da humanidade. Os sofrimentos de Cristo nestas horas estão além doque o poder da linguagem humana pode expressar. Numa segunda e terceira vez prostrou-se à terra.Se não pode ser concedido, se lhe está fora de questão esperar qualquer alívio de seus sofrimentos,se não há outro recurso a não ser que beba o cálice já posto aos seus lábios, então ele está pronto ase curvar sob a vontade do Pai. Não havia a esperar dos discípulos qualquer conforto eencorajamento. Os olhos deles estavam pesados, abatidos pelo sono. Distante de qualquerassistência humana, sofrendo toda a ira de seu Pai celeste, Jesus teve que combater a batalha dasalvação da humanidade até o fim amargo – mas vitorioso.

O fim da luta: V. 45) Então voltou para os discípulos e lhes disse: Ainda dormis erepousais! eis que é chegada a hora,e o Filho do homem está sendo entregue nas mãos depecadores. 46) Levantai-vos, vamos! Eis que o traidor se aproxima. Sua alma atribulada havialutado sem trégua e sem auxílio qualquer com a morte e o inferno. E seu corpo estava cansado aponto de total exaustão. Arrastando-se, finalmente, de volta a seus discípulos adormecidos, diz-lhes, não em ironia ou com repreensão, mas em completa resignação: Quanto a mim, poderíeisdormir; esta batalha está no fim, não é mais necessária a vossa vigilância em meu favor. Mas, parao seu próprio bem, é melhor que agora se levantem, pois a hora de sua traição está aí. O traidor, queo entregaria nas mãos dos gentios para por estes ser morto, se aproximava lá longe. Claro, e comose anunciasse a aproximação, ele dá a ordem: Levantai-vos, vamos! Agora já não há mais hesitaçãoou esquiva. Ele não é qual fugitivo ao qual os agentes da lei precisam procurar e finalmentearrancar do seu esconderijo. Ele é qual conquistador a encontrar-se com o derrotado.

A Traição E A Prisão, Mt.26.47-56.

A vinda do traidor: V,47) Falava ele ainda, e eis que chegou Judas, um dos doze, e com elegrande turba com espadas e cacetes, vinda da parte dos principais sacerdotes e dos anciãos dopovo. 48) Ora, o traidor lhes havia dado esta sinal:Salve, Mestre! E o beijou. 50) Jesus, porém, lhedisse: Amigo, para que vieste? Nisto, aproximando-se eles, deitaram as mãos em Jesus, e oprenderam. Enquanto Jesus ainda admoestava seus discípulos a espantarem o sono a que se haviamentregue, veio Judas. É chamado um dos doze, para ressaltar o efeito do contraste: Um apóstoloescolhido do Senhor, mas, ainda assim, seu traidor. Com ele vinha uma grande multidão, tantosquantos podiam ser reunidos naquela hora da noite. Em sua maioria eram da camada mais baixa dasociedade, mas cujo núcleo era formado pelos guardas do templo que estavam sob as ordens dosinédrio, sendo servos dos principais sacerdotes e dos líderes dos judeus. Talvez apareciam algunsdos anciãos em meio à multidão heterogênea, ainda que se conservassem na retaguarda. Traziam,até, algumas armas, como espadas e paus, para logo de início reprimir qualquer perturbação dosseguidores de Cristo. O traidor, é certo, se preocupava com a melhor maneira para se aproximar do

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Senhor. Afinal de contas, mesmo endurecido como era, não era coisa fácil entregar seu antigoMestre a esta multidão complexa. Finalmente bateu-lhe o plano de dar-lhe um beijo, o sinal doafeta e da fidelidade. Informou ao bando, que este era o sinal pelo qual deviam reconhecer oSenhor. Ao que ele beijaria deviam pôr as mãos de prisão, para, se necessário, prendê-lo à força.Com uma saudação respeitosa: Rabi, Judas veio rápido a Jesus, e o beijou ternamente. E o Senhor,gentil, discreto, mas sempre perspicaz, se lhe dirige com a saudação de discípulo ou colega, em vezde espetar seus beijos traiçoeiros que era a própria essência da hipocrisia. Cristo, ao mesmo tempo,mostra que sabe o propósito de sua vinda. Esta é a última vez que o adverte: Recorda o quesignifica esta traição. “Deste caso horrível devíamos aprender a temer a Deus. Pois não era umhomem qualquer, mas um apóstolo, e sem dúvida possuía muitos dons belos e excelentes. Isto vemexpresso no fato que ele, acima dos demais discípulos, teve um ofício especial, tendo o Senhordecidido que ele fosse o administrador ou tesoureiro. Mas, visto que este homem, que é umapóstolo, que em nome de Jesus prega o arrependimento e o perdão dos pecados, batiza, expeledemônios e realiza outros milagres, cai de modo tão deplorável, torna-se um inimigo de Cristo,vende-o por uma miséria de dinheiro, trai-o e o sacrifica como um cordeiro levado ao matadouro;visto, digo, uma desgraça tão horrível vem sobre um homem tão importante; certamente temosmotivo para não nos considerarmos infalíveis, mas temermos a Deus, nos precavermos contra ospecados, e orarmos diligentemente que Deus não nos deixe cair em tentação; mas, se ainda assim,cairmos em tentação, que ele por graça nos resgate dela para que não fiquemos presos nela. Poisacontece facilmente que se entra em apuros e cai em pecados, quando não se vigia atentamente efaz uso diligente da proteção da oração”36).

Pedro oferece resistência: V. 51) E eis que um dos que estavam com Jesus, estendendo amão, sacou da espada, e, golpeando o servo do sumo sacerdote, cortou-lhe a orelha. 52) EntãoJesus lhe disse: Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada, à espadaperecerão. 53) Acaso pensas que não posso rogar a meu Pai, e ele me mandaria neste momentomais de doze legiões de anjos? 54) Como, pois, se cumpririam as Escrituras, segundo as quaisassim deve suceder? Os discípulos, porque haviam entendido mal as palavras de Cristo sobre anecessidade de estarem efetivamente preparados contra todos os inimigos, Lc.22.36-38, haviamprovidenciado duas espadas. Estimulado pela agitação do momento, uma ira carnal que facilmentepode ser explicada tomou conta de Simão Pedro, que era um dos discípulos. Ele sacou da espadaque trouxera consigo, colocou toda a força de sua indignação no golpe de deu, tendo o belo sucessode cortar a orelha do servo do sumo sacerdote. Isto foi zelo carnal, sem uma correta avaliação dascircunstâncias, sem considerar os possíveis resultados prejudiciais para o Senhor. Uma precipitaçãocarnal está totalmente fora de lugar no serviço ao Mestre. A repreensão de Jesus é muito merecida.Guarda a espada em seu lugar apropriado. A razão desta ordem é: Saca a espada e perece pelaespada. A não ser que alguém tem o dever de usar a espada, como membro que é do governo ouestá a mando do governo nalguma ação que não é pecado, não se tem o direito do emprego dearmas. Os seguidores de Cristo não devem executar sua missão pela força das armas, mas pelaPalavra, no poder o Espírito Santo. Notemos também: Por conseqüência, deduz-se que o governodeve empregar seus direitos e deveres carregando a espada para punir aos malfeitores. “Onde ogoverno civil deixa sua espada agir contra o pecado e a ofensa, isto é servir a Deus. Pois, Deus oordena, visto que ele não deseja que pecado e ofensa passem sem punição. Esta é uma distinçãoespecial que Deus faz entre os homens, que ele entrega a espada nas mãos de uns poucos, paraimpedir o mal e para proteger os súditos”37).

Jesus adiciona outra razão para questionar o uso da espada nesta ocasião. Ele poderia terempregado um meio bem mais fácil e eficiente para dar fim aos seus inimigos, se ele não tivesseescolhido o caminho do sofrimento que agora se abria perante ele. Poderia ter pedido a seu Paiceleste a assistência de mais de doze legiões de anjos, ou seja, mais de doze mil poderosos espíritosda luz, aos quais teria sido coisa fácil derrotar o grupo presente na hora. Mas a preocupação

36 ) 201) Lutero, 13.363,364.37 ) 202) Lutero, 13.374.

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principal de Cristo é o cumprimento das Escrituras, das quais ele próprio dissera que não podiamfalhar, nas quais os milhares de fiéis do Antigo Testamento haviam depositado sua confiança, aesperança no Messias que conseguiria redenção total e completa ao mundo inteiro. “É isto o queCristo diz: Precisa acontecer assim, para que as Escrituras sejam cumpridas. Todavia, não façasmais outras perguntas, mas crê nas Escrituras. Se não queres crer ou seguir as Escrituras, entãodeixa-as de lado. Assim também dizemos aos entendidos de nosso povo. Não inventamos nenhumadoutrina nova, nem pregamos alguma fé diferente do que aquela da qual as Escrituras falam. E,tendo nós ensinado e pregado conforme a Escritura, então fizemos a nossa parte, e deixamos queoutros permaneçam os sábios. Nós, porém, permanecemos com o pequeno grupo que crê e segue asEscrituras”38).

Censura aos inimigos: V. 55) Naquele momento disse Jesus às multidões: Saístes comespadas e cacetes para prender-me, como a um salteador? Todos os dias, no templo, eu meassentava convosco ensinando, e não me prendestes. 56) Tudo isto, porém, aconteceu para que secumprissem as Escrituras dos profetas. Então os discípulos todos, deixando-o, fugiram. Cristoacertou exatamente seu alvo, especialmente porque dirigiu estas palavras, acima de tudo, aos chefese aos guardas do templo. A maneira deles para prendê-lo foi um insulto a ele e da parte deles umato indigno, caso ainda tiverem tido dignidade pessoal. Haviam saído como em busca dumassassino comum ou algum outro criminoso, com espadas e cacetes, para o cercar e pegar. O modode proceder deles cheirava à obscuridade e má consciência. Dia após dia ele se assentara no templo,de modo franco e destemido, visto que nada tinha a esconder e nada de que se envergonhar. Tinhacondições de defender cada palavra de seus ensinos, e de boa vontade o teria feito, tivessem eles, aqualquer hora, pedido por tanto. Mas naquele tempo não haviam mostrado seu poder contra ele.Tudo isto, contudo, devia ser feito bem do modo como aconteceu, para que as Escrituras do AntigoTestamento, que em detalhes falavam de sua paixão e morte, fossem cumpridas nestes mesmosdetalhes. É a Palavra eterna do Deus fiel que foi estabelecida no cânon do Antigo Testamento, doqual cada palavra é verdade e não pode ser derrubada. O fato que Jesus se submeteu tãovoluntariamente à prisão vergonhosa encheu aos discípulos de apreensão e horror. Com seu Mestreem algemas, estavam sem amparo e sem esperança. Figuram em desabalada pressa, abandonando-oà sua própria sorte. Cristãos fracos, que não percebem sempre a presença onipotente de Deus, bemda mesma forma, são capazes de esquecer as promessas firmes da Escritura e na prática, caso nãode fato, se tornam traidores e negadores.

O Processo Perante Caifás E A Negação De Pedro, Mt.26.57-75.

Rumo à casa de Caifás: V. 57) E os que prenderam a Jesus o levaram à casa de Caifás, osumo sacerdote, onde se haviam reunido os escribas e os anciãos. 58) Mas Pedro o seguia delonge até ao pátio do sumo sacerdote e, tendo entrado, assentou-se entre os serventes, para ver ofim. O palácio de Caifás, segundo a maioria dos investigadores, ficava no canto sudoeste extremoda cidade de Jerusalém. Era, obviamente, construído na forma dum quadrilátero ao redor dum pátioaberto. O sogro Anás morava num dos lados deste palácio, no outro lado morava Caifás, ocupandoas famílias os andares superiores, enquanto os servos os cômodos do andar térreo. A entrada aopalácio era através dum portal e passagem arqueada, que, em geral, era vigiada por um dos servos.Depois duma audiência breve e preliminar perante Anás, Jo.18.13, que foi feita no entremeio,enquanto esperavam que fossem reunidos todos os membros do conselho, Jesus foi conduzidoperante a côrte suprema da igreja judaica, constituída de escribas e anciãos conforme o seu ofício,ou de fariseus e escribas conforme suas tendências sectárias, mas onde todos concordaram nesteum ponto que foi, que este homem precisa ser eliminado. Pedro, enquanto isso, em parte levado porafeição e em parte por curiosidade, seguia à distância ao grupo, e, tendo recebido licença de entrarno pátio do palácio, sentou-se com os servos perto dum brazedo, algo necessário por causa da noitefria da primavera, para ver o fim e descobrir o que aconteceria ao Senhor. Há muito cristão que já

38 ) 2003) Lutero, 13.1762.

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pensou ser o suficientemente forte para resistir à tentação, para ignorar ataques e zombaria, quandose aventurou ao meio dos filhos do mundo, mas, para sua imensa tristeza, descobriu que estasexperiências são acompanhadas de imenso risco.

O sofrimento perante Caifás: V. 59) Ora, os principais sacerdotes e todo o Sinédrioprocuravam algum testemunho falso contra Jesus, a fim de do condenarem à morte. 60) E nãoacharam, apesar de se terem apresentado muitas testemunhas falsas. Mas afinal compareceramduas, afirmando: 61) Este disse: Posso destruir o santuário de Deus e reedificá-lo em três dias.62) E, levantando-se o sumo sacerdote, perguntou a Jesus: nada respondes ao que estes depõemcontra ti? 63) Jesus, porém, guardou silêncio. E o sumo sacerdote lhe disse: Eu te conjuro peloDeus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus. 64) Respondeu-lhe Jesus: Tu odisseste; entretanto eu vos declaro que desde agora vereis o Filho do homem assentado à direitado Todo-poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu. Notemos: A enumeração de diversas sessões dosinédrio traz à luz de modo ainda mais forte a injustiça do processo. Homens, cujo ofício eraconhecer a lei e de governar de modo digno, foram aqui exatamente os que subverteram o direito efizeram da justiça uma farsa. Também: Deliberadamente procuram falso testemunho. Sabendo elesque o método comum de com seguir testemunho contra um criminoso, no caso, não daria resultado,eles se esforçaram muitíssimo por encontrar testemunhas que lhes dessem a possibilidade de julgá-lo digno de morte. Mas não tiveram sucesso. Quanto mais pessoas interrogavam, tendo esteobjetivo em mente, tanto mais completamente justo e santo estava Jesus perante eles. Até mesmo asduas últimas que adulteraram a profecia de Cristo sobre o templo de seu corpo, Jo.2.19, nãoconseguiram que seu testemunho concordasse entre si. Todo o processo ameaçava tornar-se umagloriosa justificação de Jesus. Neste ponto, porém, o sumo sacerdote Caifás, temendo perder acausa, esqueceu a dignidade de sua posição como juiz e se tornou em acusador, ou até o ofendido.Exigiu que Cristo se defendesse contra o testemunho que fora citado. Mas Cristo permaneceuabsolutamente calado, sabendo que nestas circunstâncias o silêncio era o melhor caminho. Vistonão quererem justiça, mas a todo custo sua morte, teriam atacado cada palavra que fosse dizer e atruncado a tal ponto que teria sido irreconhecível. “Vês aqui quão injustamente os sumossacerdotes lidam com Cristo o Senhor. Pois, ao mesmo tempo, são acusadores e juízes. Por isso, emseu processo o Senhor precisa estar errado, não importando o que ele diga ou faça. Em assuntostemporais isto seria uma tremenda desonestidade. ... Mas para estas pessoas santas nada é pecado.Elas têm poder sobre tudo. Podem fazer o que bem lhes pareça, e desafiar a todos quantos osquiserem acusa de erro ou de terem interpretado algo de maneira perversa”39). Agora vem o auge davil farsa encenada pelo sinédrio. O sumo sacerdote, de modo muito solene, interpela Cristo aafirmar sob juramento, se realmente é o Filho de Deus. Estava determinado a, de a qualquer custo,tirar de Cristo uma explanação que pudesse servir como prova de condenação contra ele. Continuarem silêncio, neste momento, seria o mesmo que a negação duma verdade que era essencial ao seuministério messiânico. Por isso ele respondeu com um enfático: Eu sou. Mas, de modo tão ou maisenfático, ele acrescentou um bocado de informação alarmante, a saber, que o tempo viria em queele retornaria em glória. De fato, esta glorificação estava por começar com sua entrada, por meio desofrimento e morte, na glória de seu Pai. No dia em que estes juízes injustos o verão novamente,será ele quem estará na função de juiz deles. E todos os inimigos de Cristo estremecerão etremerão, quando o mesmo Cristo que eles rejeitaram virá para o juízo e lhes exigirá um ajuste decontas.

A sentença: V.65) Então o sumo sacerdote rasgou as suas vestes, dizendo: Blasfemou! quenecessidade mais temos de testemunhas? Eis que ouvistes agora a blasfêmia! 66) Que vos parece?Responderam eles: É réu de morte. 67) Então uns cuspiram-lhe no rosto e lhe davam murros, eoutros o esbofeteavam, dizendo: 68) Profetiza-nos, ó Cristo, quem é que te bateu! Era sinal damaior tristeza, do luto mais profundo, para um judeu rasgar suas vestes de cima. Aqui, por isso,ocorreu um ato de afetação teatral que não continha verdadeira emoção. E, com esta ação, declara

39 ) 204) Lutero, 13.385.

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que está chocadíssimo com a blasfêmia que ouviu da boca de Jesus. Declara que já não há maisnecessidade de julgamento nem de testemunhas. Ele se refere ao castigo da blasfêmia em Lv.24.15,e a Dt.18.20 ao fato de ser um profeta falso. Caifás, em sua ânsia, ignorou completamente o fatoque não comprovara qualquer blasfêmia contra Jesus. Mas sua representação teve efeito. Não foifeita uma votação formal, mas os gritos de assentimento que vinham de todos os lados foramconsiderados como prova suficiente da concordância geral. Neste ponto seguiu uma cena, na qualnão só os servos e os guardas do templo, mas também os membros do grande conselho perderam oúltimo grão de sua assumida dignidade e humanidade, quando deram espaço para as maneiras maisvis de baixas para dar vazão ao seu ódio contra Jesus. Cuspir-lhe no rosto, esmurrá-lo com ospunhos, dar-lhe tapas com as mãos, eram apenas algumas das maneiras com que se divertiram.Parecia uma orgia dos diabos. Tentaram ridicularizar sua capacidade de predizer o futuro. Emsuma, ódio satânico corria a solto. Pois, na realidade, estavam frustrados, apesar de sua aparentevitória. Foi assim, que eles ocuparam as horas da madrugada daquela noite miserável. Semelhante aeles, os inimigos da verdade de Cristo, incapazes de achar uma acusação real contra os cristãos, vãobuscar desculpas para dar vazão a seu ódio contra eles e tentar impedir seu trabalho.

A negação de Pedro: V. 69) Ora, estava Pedro assentado fora no pátio; e, aproximando-seuma criada, lhe disse: Também tu estavas com Jesus, o Galileu. 70) Ele, porém, o negou diante detodos, dizendo: Não sei o que dizes. 71) E, saindo para o alpendre, foi ele visto por outra criada aqual disse aos que ali estavam: Este também estava com Jesus, o Nazareno. 72) E ele negou outravez, com juramento: Não conheço tal homem. 73) Logo depois, aproximando-se os que aliestavam, disseram a Pedro: Verdadeiramente és também um deles, porque o teu modo de falar odenuncia. 74) Então começou ele a praguejar e a jurar: Não conheço esse homem! Eimediatamente cantou o galo. 75) Então Pedro se lembrou da palavra que Jesus lhe dissera: Antesque o galo cante, tu me negarás três vezes. E, saindo dali, chorou amargamente. Pedro haviaencontrado um lugar no vestíbulo do palácio, não longe da porta da sala em que o conselho estavaem reunião, e também perto do círculo de servos que se aquentavam junto ao fogo no pátio. Aquiuma das empregadas que o vira entrar fez a observação de que ele era um dos seguidores doprisioneiro. Foi natural que os serventes tomassem o lado dos seus senhores contra o Galileu, e,sem sombra de dúvida, discutiam meios e maneiras para eliminar todos os seus seguidores. Pedro,sentindo o ouriçar do círculo contra ele, rapidamente negou o fato, mas na pressa do que emdeliberada premeditação. Mas sua consciência deve tê-lo incomodado um pouco, pois deixou ocírculo perto do fogo e voltou para a arqueada passagem que levava ao pátio. Mas novamente foiacusado de ser um seguidor deste Jesus de Nazaré. Desta vez o medo que lhe aumentava no coraçãose tornou excessivamente forte: Ele confirmou sua mentira com um juramento. Observavam-no,porém, com suspeição, discutindo, com certeza, o assunto entre eles. Por fim, depois de algumtempo, os que estavam parados ao redor pelo pátio vieram a ele e falaram mais direto. Certamente,esse deve ser um membro do grupo do Nazareno, pois, eis seu dialeto Galileu o traía. E Pedroperdeu por completo o controle sobre si. Com a mais espantosa veemência acrescentou juramentoao amaldiçoar, em sua negação de ter qualquer ligação com Jesus. Há a possibilidade, que suaproposital ênfase tenha confirmado a suspeição dos serventes sobre a qual, contudo, não reagiram.O Senhor, porém, não esquecera seu discípulo tão fraco. Chegara a hora de o galo cantar. E ocantar vigoroso dum deles, bem neste momento, fez ecoar na mente de Pedro a profecia de Jesussobre a sua tripla negação dele. E, saindo, chorou em amargo arrependimento sobre seu terrívelpecado. “Aqui devemos aprender, no exemplo de Pedro, a nossa própria fraqueza, para que não nosapoiemos tanto nas outras pessoas e nem em nós mesmos. Pois nossos corações são, em seu todo,tão fracos e vacilantes, que mudam a cada hora, como afirma o Senhor em jo.2.24,25. Quem podiaesperar tanta instabilidade e fraqueza em Pedro? ... Quem podia acreditar que um homem tãocorajoso, que se atém tão firme ao seu Senhor, podia negá-lo tão vergonhosamente? Observa esteexemplo muito atentamente, para que conheças bem a ti mesmo e aos demais, e te guardes contra aarrogância. Pois, se isto podia acontecer com Pedro, o que, pensas, pode acontecer conosco, que

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não somente somos mais inferiores mas também muito mais fracos? Por isso, não faz bem serconvencido, mas mantém teu temor a Deus e uma vigilância muito eficiente para todos os lados”40).

Resumo: Os judeus completam sua conspiração, e Judas se prontifica para trair seuSenhor, mas Jesus aceita a unção de Maria de Betânia, celebra a páscoa pela última vez, institui aEucaristia, suporta a agonia de morte no Getsêmani, é traído, preso, levado a Caifás parajulgamento, é sentenciado e ultrajado, enquanto Pedro nega três vezes a seu Senhor.

C A P I T U L O 2 7

O Fim de Judas, Mt. 27.1-10.

Cristo entregue a Pilatos: V. 1) Ao romper o dia, todos os principais sacerdotes e osanciãos do povo entraram em conselho contra Jesus, para o matarem; 2) e, amarrando-o,levaram-no e o entregaram ao governador Pilatos. O julgamento de Jesus perante o sinédrio, acôrte suprema da igreja judaica, durara até as primeiras horas da manhã de sexta-feira, até ao tempodo canto do galo. Mesmo após isto, o Senhor não teve descanso. As vis torturas que alguns doscriados e outros lhe aplicaram, roubaram-lhe, até mesmo, os poucos momentos de descanso que seucorpo torturado e cansado precisava. Tão logo que o dia rompeu, os membros do conselho sereuniram novamente para confirmar a sentença de poucas horas antes, e para fazer planos paraexecutar a resolução já aprovada. A lei exigia, em casos criminais graves, ao menos, duas sessões, eassim, mesmo que não obedeceram ao espírito da lei, obedeceram sua letra. Estando presentestodos os membros, foi tomado um voto formal, o que realmente era só uma formalidade, visto quequalquer voz contrária teria sido silenciada rapidamente. E o objetivo foi claramente afirmado:Matá-lo. Da palavra de Lucas, capítulo 22.66, parece que levaram Jesus, em procissão, do paláciodo sumo sacerdote até a “casa das pedras polidas”, que era a sala de reunião no templo. Pois,conforme o Talmude, uma sentença de morte só podia ser pronunciada nesta sala. Os judeus, norancor de seu ódio e no ardente desejo por vingança, até, ignoraram o fato que num dia de festavaliam as leis do sábado e que, conforme elas, uma reunião do sinédrio era irregular. Tendoconcordado na maneira de agir, neste momento, levaram ao Senhor, algemado como se fosse umcriminoso, e o entregaram a Pilatos, que era o governador ou procurador da província. Pois, vistoque a Judéia, depois da deposição de Arquelau, se tornara uma província romana, os judeus nãomais tinham o direito de executar uma sentença de punição capital. Eram obrigados a entregar umcriminoso, que acreditavam ser culpado de morte, ao procurador, que residia em Cesaréia, mas queviera a Jerusalém durante a semana da páscoa, em parte para conservar a ordem entre os muitosmilhares de peregrinos, e em parte para intimidar e, desta forma, conservar, pelo poder do prestígioromano, em cheque quaisquer espíritos revolucionários.

O remorso e a morte de Judas: V.3) Então Judas, o que o traiu, vendo que Jesus foracondenado, tocado de remorso, devolveu as trinta moedas de prata aos principais sacerdotes e aosanciãos, dizendo: 4) Pequei, traindo sangue inocente. Eles, porém, responderam: Que nosimporta? Isso é contigo. 5) Então Judas, atirando para o santuário as moedas de prata, retirou-see foi enforcar-se. Aqui vemos dois fatos, como diz Lutero, a saber, que o pecado começa demaneira muito aduladora, mas, depois, causa um fim terrível. Com certeza, Judas esteve sob a

40 ) 205) Lutero, 13.392,393.

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impressão que Jesus iria agir da maneira como agira muitas vezes, e usaria seu divino poder, selivraria das algemas e sairia como um homem livre. Mas a procissão até o palácio do governadormostrou-lhe, indiscutivelmente, que neste caso não haveria uma libertação miraculosa. Acondenação de Cristo havia sido votada pelos judeus, e se esperava que o governador concordariacom o pedido dos judeus. Quando se convenceu disto, de repente seus olhos se abriram para aabominação de sua ofensa contra Jesus. Dominaram-no remorso e tristeza profundos sobre o fato.Foi um arrependimento criado por Satanás, que só enxergava a profundeza do abismo datransgressão. Seu primeiro pensamento foi não fazer uma confissão franca de seu pecado aoSenhor, implorando humildemente perdão que, até mesmo neste momento, era conseguido para oseu pecado, mas quis livrar-se dos frutos e das provas do seu pecado. Por isso retornou com astrinta peças de prata, o galardão da iniqüidade, tentando devolver o dinheiro aos principais dossacerdotes e anciãos, os quais haviam aceito sua oferta de traição. Compreendeu agora sua traiçãode sangue inocente, o sangue de um homem inocente e santo, foi um pecado atroz. Mas encontrouuma recepção fria, sendo-lhe dito que isto não era preocupação deles mas que ele deve cuidar dosseus próprios negócios. É assim que agem os tentadores e enganadores: Antes de o pecado serpraticado, mostram uma face amiga, mas, quando a vítima das suas astúcias é torturada por remorsopungente, eles negam toda e qualquer responsabilidade. Então seu grito é, que cada um cuide de simesmo. No caso aqui, o diabo assumiu o cuidado de quem já era seu. Pois, Judas pegou o dinheiroque os principais sacerdotes e anciãos rejeitaram, atirou-o no templo, provavelmente com a idéia defazer, ao menos em parte, expiação por seu pecado, e então, enforcando-se, cometeu suicídio. Estefoi o fim dum arrependimento que não voltou ao Salvador, mas desesperou em qualquer clemênciapossível. A tristeza do mundo produz a morte, 2.Co.7.10. “Esta é a outra peculiaridade do pecado,que devíamos notar com cuidado: No começo ele dorme, e parece ser coisa simples e inofensiva.Mas ele não dorme por muito tempo, e, quando acorda, se torna um peso insuportável, que éimpossível para ser carregado, salvo que Deus ajude de um modo especial. Vemos isto no caso domiserável Judas. ... Pois, quando enxerga que o Senhor é conduzido a Pilatos, e que ele já precisatemer que a vida dele está perdida, se arrepende e enxerga pela primeira vez o que realmente fez.Nesse momento, o pecado desperta e se mostra de modo tão violento e terrível que já não o podesuportar. Antes havia amado tanto o dinheiro, as trinta peças de prata, que lhe pareceu coisapequena trair e vender Cristo o Senhor. Mas agora tudo mudou: Se tivesse o dinheiro e os bens domundo inteiro, ele o daria para ter a certeza que a vida de Cristo o Senhor pudesse ser salva”41).

A compra do campo de sangue: V. 6) E os principais sacerdotes, tomando as moedas,disseram: Não é lícito deitá-las no cofre das ofertas, porque é preço de sangue. 7) E, tendodeliberado, compraram com elas o campo do oleiro, para cemitério de forasteiros. 8) Por issoaquele campo tem sido chamado até ao dia de hoje Campo de Sangue. 9) Então se cumpriu o quefoi dito poro intermédio do profeta Jeremias: Tomaram as trinta moedas de prata, preço em quefoi estimado aquele a quem alguns dos filhos de Israel avaliaram; 10) e as deram pelo campo dooleiro, assim como me ordenou o Senhor. Aqui o evangelista pinta um quadro da mais repulsivahipocrisia. O remorso de Judas sobre a traição de sangue inocente faz absolutamente nenhumaimpressão sobre eles, mas a possível infração dum preceito, tirado de Dt.23.18, enche seuscorações de temor. Em terror santimônio, ergueram suas mãos para se precaver duma calamidadeameaçadora: Nunca fará bem lançar este dinheiro de sangue (que eles próprios haviam pago paraisso) na caixa do santo tesouro. E, assim, os piedosos fraudadores se reuniram solenemente edecidiram investir o dinheiro num cemitério para estrangeiros, estando disponível um velhobarreiro de olaria. Mateus se refere a uma profecia que aqui se cumpriu de modo muito marcante,citando como fonte o profeta mais importante, Jr.18.2,3; 32.6-15; Zc.11.13. Tomaram as trintapeças de prata, o preço daquele que foi avaliado neste valoro, ou o preço daquele cujo valor éinestimável, que eles compraram dentre os filhos de Israel, pagando o dinheiro pelo campo dooleiro, conforme a ordem do Senhor. As duas profecias são mescladas de maneira maravilhosa,

41 ) 206) Lutero, 13.405.

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proporcionando uma prova adicional da inspiração, tanto do evangelho como dos livros dosprofetas, visto que o Senhor expõe sua verdade eterna conforme sua própria vontade. O cemitério,assim adquirido, depois de muitos anos do ocorrido, era simplesmente conhecido como o cemitérioadquirido como o Campo de Sangue, num monumento excelente aos principais sacerdotes e atraição do Santo de Deus.

O Julgamento Perante Pilatos, Mt.27.11-30.

O início do julgamento, V. 11) Jesus estava em pé ante o governador; e este o interrogou,dizendo: És tu o rei dos judeus? Respondeu-lhe Jesus: Tu o dizes. 12) E, sendo acusado pelosprincipais sacerdotes e pelos anciãos, nada respondeu. 13) Então lhe perguntou Pilatos: Nãoouves quantas acusações te fazem? 14) Jesus não respondeu nem uma palavra, vindo com isto aadmirar-se grandemente o governador. O relato de Mateus dos acontecimentos da manhã de sexta-feira ressalta muito a dignidade, a divindade, a deidade do Senhor, perante o governador, onde foiacusado como criminoso. Sobre a pergunta do procurador, se era o rei dos judeus, ele lhe deu umaresposta afirmativa e enfática, expondo também ao mal-agradecido Pilatos a natureza de seu reino,Jo.18.33-37. Mas em relação às demais acusações, que os principais sacerdotes haviam inventadocontra ele, o Senhor manteve um silêncio frustrante. “Pelo seu silêncio as acusações foramcarimbadas como sem fundamento, e este majestoso silêncio encheu a Pilatos de admiração eespanto”42). Todos os esforços do governador para que respondesse aos insultos dos judeus deramem nada. Por que falar em vão, quando os judeus e Pilatos sabiam muito bem, que todas asacusações eram infundadas! A admiração, e também a superstição de Pilatos aumentaram muito nodecorrer do julgamento.

A oferta de soltar a Jesus: V. 15) Ora, por ocasião da festa, costumava o governador soltarao povo um dos presos, conforme eles quisessem. 16) Naquela ocasião tinham eles um preso muitoconhecido, chamado Barrabás. 17) Estando, pois, o povo reunido, perguntou-lhes Pilatos: A quemquereis que eu vos solte, a Barrabás ou a Jesus, chamado Cristo? 18) porque sabia que por invejao tinham entregado. O caráter de Pilatos era fraco, vacilante e não confiável. Não tinha a coragemde afirmar suas convicções, nem era um homem que exigia respeito às suas opiniões. Governantesque são assim, são capazes de ser, ora, indevidamente tolerantes e frouxos, ou ora indevidamenteduros e cruéis. Havia-se tornado costume em Jerusalém, soltar ao povo, na época da páscoa, algumpreso cuja liberdade pedissem. O fraco governador lembrou-se que este costume poderia vir em seuauxílio para resolver esta dificuldade, sem entrar em conflito com os judeus. Tinha ele Barrabás nacadeia, um criminoso muito conhecido e infame, um sedicioso e assassino. Por isso Pilatosraciocinou: Certamente preferirão ao gentil Jesus a este sujeito perigoso e assassino. Foi nestesentido que lhes colocou o assunto, enfatizando o fato que Jesus é chamado o Cristo, o Messias.Julgou que a escolha seria fácil. Não contava com a psicologia de massa. Já era o suficientementedoloroso ver o que desde o começo deve ter sido evidente ao observador imparcial, que asacusações citadas pelos líderes judeus eram nada mais do que imputações inventadas, devido aoódio deles. Pois o povo comum ouvia a Jesus com satisfação, tendo muito deles chegado aoconhecimento da verdade.

O sonho da mulher de Pilatos: V. 19) E, estando ele no tribunal, sua mulher mandou dizer-lhe: Não te envolvas com esse justo; porque hoje, em sonho, muito sofri por seu respeito. Este foium interlúdio. O primeiro impacto do ataque contra Jesus acabara, tendo a tempestade se acalmado.A pergunta de Pilatos fora feita ao povo. Por isso o governador, que passara algum tempo na salainterna com Jesus com a intenção de chegar ao fundo do problema, aproveitou a ocasião para se

42 ) 207) Schaff, Commentary, Matthew, 510.

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sentar na cadeira oficial de julgamento, que ficava sobre o pavimento de pedra num nível mais alto.Esperou pela decisão do povo para decretar o julgamento correspondente. Foi então que recebeuuma advertência dum lado inesperado, de sua mulher, que atribulada com o sonho que tivera nanoite anterior, lhe enviou a recomendação, rogando-lhe que ele nada tenha a ver com as açõescontra Jesus. Ela o chama um homem justo a quem ela deseja a justiça. Aparentemente, porém, istonão influiu em nada a Pilatos. Nos apócrifos Atos de Pilatos este incidente é desenvolvido muito eenfatizado intensamente.

A continuação do processo: V. 20) Mas os principais sacerdotes e os anciãos persuadiramo povo a que pedisse Barrabás e fizesse morrer Jesus. 21) De novo perguntou-lhes o governador:Qual dos dois quereis que eu vos solte? Responderam eles: Barrabás. 22) Replicou-lhes Pilatos:Que farei então de Jesus, chamado Cristo? Seja crucificado! Responderam todos. 23) Que mal fezele? Perguntou Pilatos. Porém, cada vez clamavam mais: Seja crucificado! O fato que Pilatoscolocou Jesus num só nível com Barrabás, fora uma concessão aos judeus. Pois, colocava umhomem inocente na mesma categoria dum criminoso, quando, era fato, não havia nenhumacomparação. Os judeus sentiram a fraqueza da posição de Pilatos, e não foram lerdos para tirarvantagem dela. Os principais sacerdotes enviaram seus mensageiros por entre a multidão paraincitarem com mais força as paixões. Não foi preciso muita persuasão. Uma multidão de pessoas éinfluenciada facilmente. Em especial, quando o esperado são ações de violência. Por isso, quandoPilatos os perguntou sobre a escolha entre os dois homens, gritaram alto pela libertação do culpado.Muitos, dentre a multidão, poucos dias antes, estiveram meio convencidos que Jesus, se não eramais, era um grande profeta, mas, sob a astuta instigação dos agentes do sinédrio, tomaram o ladodos inimigos de Cristo. Eles, até, têm uma resposta à inquirição meio perplexa de Pilatos sobre oque fazer com Jesus. Seu grito rouco ecoava em volume crescente pelas ruas estreitas: Sejacrucificado! E, sobre a pergunta vazia e fútil de Pilatos: Que mal fez ele? Compreenderam, demodo mais claro do que nunca, que tinham o governador sob seu comando. A questão já não eramais sobre a culpa ou a inocência de Cristo, mas em ceder ao que a turba queria e às ameaças dosanciãos e principais dos sacerdotes. O tumulto aumentava de minuto a minuto, e o governador foiincapaz de enfrentar a situação.

O último apelo de Pilatos à razão: V. 24) Vendo Pilatos que nada conseguia, antes, pelocontrário, aumentava o tumulto, mandando vir água, lavou as mãos perante o povo, dizendo:Estou inocente do sangue deste justo; fique o caso convosco! 25) E o povo todo respondeu: Caiasobre nós o seu sangue, e sobre os nossos filhos! Pilatos, desde o princípio, estava totalmenteenganado: Não insistira sobre um procedimento legítimo e apropriado, exigindo acusações clarascom testemunho suficiente. Também não contara com a influência sobre a massa, tendo sidosuperado pela liderança dos principais sacerdotes. A situação agora era tal que ele podia esperar umtumulto que poderia evoluir para uma insurreição. E ele, assim, vai pelo curso dos que fraquejam,tentando desviar a responsabilidade de sua pessoa. Pedindo um pouco d’água, lavou suas mãosdiante do povo, como penhor de sua inocência. Queria ser considerado inatacável em toda estaquestão. A culpa deste sangue inocente não devia pesar sobre ele. Afirmando isto, ele foi umhipócrita ou um covarde. Ou ele queria acalmar sua consciência, quando declarou publicamenteque Cristo é inocente, ou ele declarou que, contra sua convicção sincera, foi forçado a umacondenação. Nos dois casos ele foi um culpado, mesmo colocando toda a culpa nos judeus. “Mas éassim que sempre acontece com o sangue de Cristo o Senhor, e com o de seus cristãos. O Herodesmais antigo massacra as crianças inocentes nos arredores de Belém. Seu filho assassina ao santoJoão Batista. Mas os dois pensaram que alcançariam alguns benefícios destes assassinatos. AgoraPilatos também não considera assunto sério que condene Cristo à morte. Ele afaga a idéia que, oque ele pensa do caso, Deus também pensará e o há de considerar inculpável. Fora de Dúvida,porém, a ira de Deus não hesitou em sobrevir, sendo que a casa, a geração e o nome de Pilatosforam aniquilados, e seu corpo e alma condenados ao inferno e fogo eternos. Lá ele descobriu quão

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inocente foi neste sangue”43). A ação do governador unicamente trouxe à luz amais horripilantemaldição por parte do povo: Venha o sangue deste homem sobre nós e sobre nossos filhos! Se estehomem foi inocente, e nós exigimos sua morte como pessoa culpada, que a punição de tal crimeseja visitado sobre nós, e sobre nossos filhos que vêm depois de nós! Um pouco mais do que umageração depois, esta terrível maldição foi visitada neles. Então seu relatório lhes foi exigido compesado ajuste de contas, por meio dum dos juízos mais pesados de Deus de que a história temnotícia.

Jesus condenado e debochado pelos soldados: V. 26) Então Pilatos lhes soltou Barrabás;e, após haver açoitado a Jesus, entregou-o para ser crucificado. 27) Logo a seguir, os soldados dogovernador, levando Jesus para o pretório, reuniram em torno dele toda a coorte. 28)Despojando-o das vestes, cobriram-no com um manto escarlate; 29) tecendo uma coroa deespinhos, puseram-lha na cabeça; e, ajoelhando-se diante dele, o escarneciam, dizendo: Salve, reidos judeus! 30) E, cuspindo nele, tomaram o caniço, e davam-lhe com ele na cabeça. Aqui não foium julgamento mas uma caricatura que chegou ao fim. Barrabás é solto, mas Jesus condenado. Éum tipo da redenção, até nisso: O inocente é achado culpado, o culpado é libertado. Mas Pilatosadiciona à injúria o insulto, e dá mais provas da crueldade de naturezas pequenas, fazendo comoque Jesus fosse açoitado, quando suas costas desnudas foram curvadas sobre um poste, ao qual foraamarrado, e retalhado com tiras de couro, quando assim foi estendido sobre o cavalete de tortura. Etendo desta forma, como esperava, plenamente reconquistado a confiança dos judeus, pronunciou asentença formal de condenação sobre Jesus, sentenciando-o à morte de cruz. Este foi um sinal aossoldados do procurador. O prisioneiro estava agora entregue aos seus caprichos. Estes, primeiro, olevaram para a sala do julgamento do palácio, chamado praetorium, do fato que o praetor oumagistrado romano ali administrava a justiça, quando estava ausente um magistrado superior doimpério. Aqui todos os membros da guarda pretoriana se reuniram para ter seu esporte com avítima desamparada. Pela segunda vez o despiram, lançando sobre ele, em vez das suas roupas, omanto escarlate dum soldado, que se parecia um pouco com o manto dum rei ou imperador.Trançaram uma coroa de espinhos agudos e a forçaram sobre sua cabeça, rasgando, assim, a pela.Colocaram em sua mão, em vez dum cetro, um velho caniço. E, em debochada solenidade e comfingida sinceridade, dobraram os joelhos diante dele, mas também e não menos aos judeus. Averdadeira natureza deles se revelou no auge da tortura, quando já não mais sentiam prazer emfingir, e cuspiram em seu rosto, enquanto alguns deles tomaram o cetro de zombaria e, por meio defortes batidas, forçaram os espinhos ainda mais fundo na pele viva de sua testa. Mas, em tudo isto,as profecias do Antigo Testamento, reforçadas pelas do próprio Cristo, foram cumpridas para aredenção da humanidade.

A Crucificação E Morte, Mt.17.31-56.

. 31) Depois de o terem escarnecido, despiram-lhe o manto, e o vestiram com as suaspróprias vestes. Em seguida o levaram para ser crucificado. 32) Ao saírem, encontraram umcireneu, chamado Simão, a quem obrigaram a carregar-lhe a cruz. 33) E, chegando a um lugarchamado Gólgota, que significa Lugar da Caveira, 34) deram-lhe a beber vinho com fel; mas ele,provando-o, não o quis beber.35) Depois de o crucificarem, repartiram entre si as suas vestes,tirando a sorte. 36) E, assentados ali, o guardavam. 37) Por cima da sua cabeça puseram escrita asua acusação: ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS. Finalmente a zombaria cruel não maisinteressou aos soldados. Aprontaram-se para executar a sentença. Tirando o manto, vestiram-lhemais uma vez suas próprias vestes, e o levaram para o crucificar. A simplicidade da narrativaressalta, de modo centuplicado, seu efeito, além de ser uma evidência interna em favor da verdade

43 ) 208) Lutero, 13.429.

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das Escrituras. Só Mateus relata alguns dos incidentes principais do dia. Logo ao sair dos portõesda cidade, a procissão encontrou um certo Simão de Cirene, uma cidade da Líbia, na África, ondemoravam muitos judeus. Serviram-se deste, visto que Jesus estava fraco de mais, para lhe carregara cruz, porque o carregar da cruz fazia parte da punição do criminoso. Assim todos chegaram aolugar chamado Gólgota, ou o Lugar da Caveira. Sem dúvida chamado assim, por causa de suaaparência que se assemelhava a uma caveira humana. Localizava-se fora dos muros da cidade,Hb.13.12. Aqui, conforme a profecia, Sl.69.21, deram-lhe a beber vinagre ou vinho azedo,misturado com fel, que era uma poção da qual se supunha que entorpecia os sentimentos e atenuavao sentimento de dor. Isto era um uso judeu. Jesus, porém, recusou a bebida. Queria suportar emplena consciência todos os seus sofrimentos, também as dores que acompanharam o ato dacrucificação. Esta era uma punição para criminosos. Cristo foi contado entre estes. O castigo danossa paz pesava sobre ele, Is.53.5. Acabada a crucificação, os soldados se distraíram em jogopelas vestes de Jesus, fazendo-o, provavelmente, da seguinte maneira: Primeiro exibiam as diversaspeças e as sorteavam conforme o valor de cada uma, recebendo, assim, cada um algo. Da túnicafizeram uma aposta especial, pois não podia ser dividida, Jo.19.23,24. Assim, mais uma vez, umapalavra profética se cumpriu, Sl.22.28, e os soldados zombeteiros, sem sabê-lo, fizeram a vontadede Deus. A seguir se ocuparam do seu dever de vigiar seus crucificados, para que ninguém seaproximasse deles, em especial não com o propósito de retira a algum deles. A mando de Pilatostambém fixaram uma tabuleta no alto da cruz, dando o motivo da sentença: Este é Jesus, o Rei dosJudeus. Estava escrito em latim, grego e aramaico hebreu. Foi assim que Pilatos deu vazão àamargura de seu coração, pois sentia o ferrão de sua derrota por meio dos judeus. E os soldados, àsexpensas de Jesus, tiveram o prazer de sua última caçoada da nação a que este pertencia. Mas,mesmo sem sabê-lo, mas, nem por isso, menos verdadeiro, com isto proferiram um pedacinhoconsolador da verdade evangélica. Pois Jesus de Nazaré é o prometido Rei dos judeus, o Messiasdo mundo.

A forma de execução pelos meios da crucificação fora introduzida pelos romanos naJudéia, quando esta terra se tornou uma província do Império romano. Os judeus usavam um posteou mastro ereto para forca, chamado o madeiro da maldição, Gl.3.13; Dt.21.23. Mas os romanosempregavam uma forma de poste em cruz, e pregavam o corpo à cruz, cravando pregos pelas mãose pés. Visto que, raramente, havia mais do que pequeno apoio sob os pés para suportar o peso docorpo, as dores que acompanhavam a crucificação, deve ter sido a tortura mais insuportável,ocorrendo um lento esforço excessivo dos músculos e tendões, uma gradual luxação dos ligamentose juntas, ao que, em geral, se juntava a febre causada pelas feridas abertas, Sl.22.14-17. Segundocostume romano, o criminoso crucificado era obrigado a morrer nesta agonia excruciante, sendo,após, sua carne dada aos abutres e animais selvagens. Segundo o costume judeu, em parte, devido arazões humanitárias e, em parte, devido às exigências da pureza levítica, os corpos deviam sertirados e sepultados. Combinando os dois, foi introduzida a prática de quebrar as pernas, paraapressar a morte, e dar um golpe de misericórdia perfurando o corpo com uma lança 44).

O escarnecer do povo: V.38) E foram crucificados com ele dois ladrões, um à sua direita eoutro à sua esquerda. 39) Os que iam passando, blasfemavam dele, meneando a cabeça, edizendo: 40) Ó tu que destróis o santuário e em três dias o reedificas! Salva-te a ti mesmo, se ésFilho de Deus! E desce da cruz! 41) De igual modo os principais sacerdotes, com os escribas eanciãos, escarnecendo, diziam: 42) Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar0se. É rei deIsrael! desça da cruz, e creremos nele.43) Confiou em Deus; pois venha livrá-lo agora, se de fatolhe quer bem; porque disse: Sou Filho de Deus. 44) E os mesmos impropérios lhe diziam tambémos ladrões que haviam sido crucificado com ele. Cristo foi contado com os criminosos, com ostransgressores, Is.53.12. Em seus dois lados estavam suspensos homens que haviam cometidocrimes dignos de morte. Mas aqui o inculpável Filho de Deus, por sua obediência à vontade do Pai

44 ) 209) Schaff, Commentary, Matthew, 522,523.

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em favor da redenção do mundo, era com eles culpado, sim, milhares e milhões de vezes maisculpado do que eles. As dores da cruz foram intensificadas pelas observações escarnecedoras dopovo que afluiu da cidade, para ver o espetáculo, dos quais a maioria ainda tinha um ânimosedento de sangue, alguns sendo atraídos por mórbida curiosidade e uns poucos no sentimentosincero de afeto e comiseração. A grande maioria utilizou a ocasião bem da mesma forma como ofaz a massa em todo o mundo: Meneavam suas cabeças, não só em desaprovação ou em prazerperverso, Sl.22.7; Jó 16.4; Sl.109.25; Is.37.22, mas, como sobre alguém cuja consciência sadia écolocada em dúvida. Citaram sua profecia sobre o templo e seu próprio corpo, mas em sua formadeturpada, que foi uma profecia que se estava cumprindo diante de seus olhos, e o provocavam asalvar a si mesmo e a descer da cruz. À blasfêmia dos elementos da massa juntou-se a zombaria doslíderes da igreja judaica, que nesta ocasião esqueceram sua dignidade e medo de contaminação,chegando ao ponto de também virem cá para se deliciar com seu aparente triunfo, que eram astorturas daquele que eles, de modo tolo, consideraram sua vítima. Concordaram que ele salvou aosoutros, mas concluem, blasfemando, que ele não pode salvar a si mesmo. Que ele prove suaalegação de ser o Messias, descendo da cruz, fato que os levaria a crer jubiloso nele. Estavamtotalmente cegos, não entendendo que tal tentativa, se empreendida por Jesus, frustrariacompletamente toda a obra da redenção. A ele, porém, foi preciso sofrer até ao fim, caso quisessefazer plena satisfação. Até os criminosos, os assassinos das outras cruzes, se uniram nas maldiçõeslevantadas contra Jesus, até que um deles foi levado ao arrependimento, influenciado que foi pelapaciência do Senhor, Lc.23.40-43.

As últimas horas de sofrimento: V.45) Desde a hora sexta até à hora nona houve trevassobre toda a terra. 46) Por volta da hora nona, clamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lemasabactani, que quer dizer: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? 47) E alguns dos queali estavam, ouvindo isto, diziam: Ele chama por Elias. 48) E logo um deles correu a buscar umaesponja, e, tendo-a embebido de vinagre e colocado na ponta de um caniço, deu-lhe a beber. 49)Os outros, porém, diziam: Deixa, vejamos se Elias vem salvá-lo. Era meio-dia e a hora maisluminosa do dia. Mas, repentinamente, os raios do sol foram apagados, não porque obstruídos pelodisco da lua porque era tempo de lua cheia quando um eclipse do sol é impossível (também nãoduraria três horas), mas por um milagre de Deus. Foi um fenômeno extraordinário associado, namaneira mais íntima e misteriosa, com a morte de Jesus. Conforme alguns relatos, estas trevasforam registradas, até, por historiadores seculares, juntamente com o terremoto que se seguiu. Estastrevas se estenderam por sobre todo o mundo, encerrando tudo nesta misteriosa escuridão, como na“escura sexta-feira santa (Good Friday) da história americana antiga. O Filho de Deus foi obrigadoa experimentar e suportar, nestas três horas, a força total e todo o horror da ira divina sobre ospecados da humanidade. Aqui o Substituto da humanidade estava em prisão e juízo. Serabandonado e rejeitado por Deus, esta é a tortura do inferno. Que humilhação profunda para oFilho de Deus foi este entrar nos abismos da morte e tormento eternos! Mas nós, pelo seu suportardos tormentos do inferno, fomos libertos, pois ele, em meio a esta mais terrível paixão, permaneceuobediente a Deus e, assim, por nós venceu a ira, o inferno e a condenação. Quando ele proferiu emaramaico seu brado de dor e terror extremos, alguns dos circunstantes aproveitaram a ocasião parao debochar. Jesus havia citado as palavras do profeta, Sl.22.1, usando o dialeto que costumavafalar. Eles, porém, deliberada ou tolamente, entenderam mal ou quiseram entendê-lo mal, julgandoque ele chamasse pelo auxílio de Elias. E, enquanto um deles, após seu segundo brado por algo quemitigasse sua sede, teve suficiente sentimento de compaixão para levar aos seus lábios uma esponjacheia de vinagre, os demais, de modo zombeteiro, procuravam impedi-lo pedindo que esperasse atéque visse se Elias realmente viria ajudar a Jesus. Toda esta insultante zombaria estava cumprindo aprofecia do Antigo Testamento, Sl.69.22. Nenhuma das palavras do Senhor sobre a paixão doSalvador caiu por terra.

A morte de Jesus: V. 50) E Jesus, clamando outra vez com grande voz, entregou o espírito.51) Eis que o véu do santuário se rasgou em duas partes, de alto a baixo: tremeu a terra,

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fenderam-se as rochas, 52) abriram-se os sepulcros e muitos corpos de santos, que dormiam,ressuscitaram; 53) e, saindo dos sepulcros depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidadesanta e apareceram a muitos. Cristo, em sua capacidade de Vicário e Mediador, como Substitutode toda a humanidade, já havia suportado as torturas eternas, a punição completa dos pecados detodo o mundo. Ele, enquanto a escuridão sóbria a terra, havia travado e vencido sua última e grandebatalha. E assim seu último brado não foi o de uma alma que sucumbe na batalha desigual, mas ode um vencedor. Ele, entregou sua alma por sua própria e espontânea vontade e poder ao cuidadode seu Pai celeste. Ele entrou na morte como o seu conquistador. Mas isto foi como que um avisoàs forças da natureza. A cortina imensa, cara e pesada que no templo separava o lugar santo dosantíssimo, e que nunca era aberta, a não ser no grande dia da expiação para permitir que o sumosacerdote trouxesse o sacrifício pelos pecados do povo à presença de Deus, foi rasgado em doispedaços, do alto até em baixo. Isto aconteceu justamente na hora do sacrifício da tarde, emuitíssimo deve ter impressionado ao sacerdote que oficiava junto ao altar do incenso. Aqui Deusindicou que já não há mais nenhuma necessidade para esta cortina. O pecado, que anteriormenteseparava Deus e homem, havia sido removido pelo único e grande sacrifício do verdadeiro SumoSacerdote, e já não há mais necessidade de outros sacrifícios, Hb.9. Ao mesmo tempo, umterremoto abalou a cidade e a região, fazendo com que rochas se partissem e se abrissem muitostúmulos de santos, daqueles que haviam morrido na esperança no Messias, cavados em rocha. Estaspessoas, sendo seus corpos revivificados, deixaram suas sepulturas depois da ressurreição de Cristoe foram vistas por muitos habitantes da cidade de Jerusalém. Isto indicou que o reino cruel damorte já fora deposto, que é impossível para a morte deter os corpos daqueles que adormecem emJesus.

Os efeitos da morte de Cristo nos circunstantes: V. 54) O centurião e os que com eleguardavam a Jesus, vendo o terremoto e tudo o que se passava, ficaram possuídos de grandetemor, e disseram: Verdadeiramente este era Filho de Deus. 55) Estavam ali muitas mulheres,observando de longe: eram as que vinham seguindo a Jesus desde a Galiléia, para o servir; 56)entre elas estavam Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e de José, e a mulher de Zebedeu. Ocenturião e os soldados de seu pelotão, que haviam sido designados para vigiar a cruz, ficaramprofundamente impressionados pelas evidências extraordinárias, ocorridas na natureza, queacompanharam a morte deste homem a quem eles e os demais haviam zombado. Grande temor lhessobreveio, não de supertição, mas causado por influência sobrenatural. Sentiram que era Deusquem lhes falava nestes fenômenos. E o capitão expressou, não só a impressão mas a convicção detodos eles: Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus! Os acontecimentos daquele dia,juntamente com a noção de que os judeus estavam esperando um Messias que tinha atributosdivinos, fato que cada pessoa inteligente que vivia na Judéia era obrigada a aprender ao longo dotempo, haviam aberto seus olhos e lhe dado esta compreensão que é necessária para a salvação.Nesta hora de provação também, como em tantas outras ocasiões, as mulheres se revelaram maiscorajosas do que os homens. Não se aproximaram até aos pés da cruz, como o fez Maria a mãe deJesus, mas, de alguma distância próxima, foram testemunhas de tudo quanto lá transpirava.Algumas dessas mulheres haviam deixado para trás posições de riqueza e influência, tambémdeixado pronto e alegremente seus lares onde sua presença já não era mais requerida, e se devotadoao ministério de Cristo. Os nomes de umas poucas delas foram registrados, numa recordação dessaocasião, a saber, Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e José, e Salomé a ma~e de Tiago e João,filhos de Zebedeu. É algo louvável, quando senhoras que têm a disponibilidade, a habilidade e osmeios de servir ao Senhor, espontaneamente dão desses talentos e se colocam ao serviço de Cristo.

O Sepultamento de Cristo, Mt.27.57-66.

O sepultamento de Cristo: V. 57) Caindo a tarde, veio um homem rico de Arimatéia,chamado José, que era também discípulo de Jesus. 58) Este foi ter com Pilatos e lhe pediu o corpode Jesus. Então Pilatos mandou que lho fosse entregue. 59) E José, tomando o corpo, envolveu-o

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num pano limpo de linho, 60) e o depositou no seu túmulo novo, que fizera abrir na rocha; e,rolando uma grande pedra para a entrada do sepulcro, se retirou.61) Achavam-se ali, sentadas emfrente da sepultura, Maria Madalena e a outra Maria. Na hora de provação e maior perigo, quandoos escolhidos apóstolos do Senhor falharam em sua lealdade, alguns dos que lhe aderiamsecretamente, se tornaram manifestos. Já era o começo do entardecer, conforme a contagem detempo dos judeus, a hora imediatamente antes do pôr do sol, próximo das seis horas da tarde. Nãoera permitido que os corpos daqueles que haviam sido executados ficassem na cruz até o diaseguinte, que começava com o pôr do sol, Dt.21.22,23. Por isso José de Arimatéia ou Ramataim-Zofim, um conselheiro rico dos judeus e membro do sinédrio, o qual não votara pela morte deCristo, fez os preparos necessários para o sepultamento de seu Senhor. Pediu licença do governadorpara obter o corpo de Jesus. Depois disso, com o auxílio de Nicodemos, retirou o corpo do Senhorda cruz, Jo.19.39. Envolveu-o num lençol de linho, e então o depositou em seu próprio túmulonovo, que fizera cavar numa rocha em seu próprio jardim. Jesus, em sua morte, recebeu todas ashonras que os judeus ricos esperavam para si. Isto foi muito mais do que ele esperava para si emsua vida, Is.53.12. Foi uma bela demonstração de veneração e afeto e nos ensina algumas lições.“Este é, pois, o fruto da morte do Senhor Jesus Cristo, que os corações fracos e mais temerosos seapresentam sem apreensão ou medo, confessam Cristo, sepultam seu corpo que pendera do alto emcompleta desonra, com todos os sinais de respeito para testificar aos judeus, aos principaissacerdotes, a Pilatos e a todos os inimigos de Cristo, que o consideram como o Filho de Deus e,desta forma, nele se gloriam, esperam em seu reino e estão cheios de conforto, mesmo agora queele está morto e cada um tem a opinião que sua carreira está definitivamente acabada. Pois, é isto oque Marcos e Lucas pretendem, quando dizem que José esperava pelo reino de Deus, isto é,esperava que Deus por meio deste homem organizaria um novo reino sobre a terra, no qual ospecados seriam perdoados e concedidos o Espírito Santo e a eterna salvação. Pois, é isto o que oreino de Deus, na verdade, significa, e como ele é prometido nos profetas para ser organizado porCristo ou pelo Messias. ... Também devíamos notar o exemplo de José, que dera instruções paraque seu sepulcro fosse feito enquanto ele ainda vivia. Disto está claro que ele não esqueceu suahora final, como as pessoas o fazem via de regra. Pois, todos fazem todas as disposições para estavida terrena, como se ficássemos para sempre aqui. Mas os que temem a Deus, em vez disso,consideram toda sua vida aqui na terra como uma peregrinação, onde nada é permanente mas ondesempre precisamos olhar para frente para a pátria verdadeira. ... Foi assim que o piedoso Josétambém o fez. Era um cidadão rico e respeitado de Jerusalém, mas seus pensamentos sempreestavam centrados nisso: Aqui nada é permanente, finalmente serás sepultado. É para isso que emseu jardim tem pronto um sepulcro. No mesmo lugar onde em outras ocasiões se distraía, lá eletencionava olhar para frente para a feliz ressurreição com todos os santos, por meio do SenhorJesus Cristo”45). Enquanto estes últimos rituais estavam sendo realizados para o amado Senhor, euma pesada pedra era rolada diante da entrada do túmulo, duas das fiéis senhoras, Maria Madalenae a outra Maria, estavam sentadas no lado oposto do sepulcro, lamentando a perda de seu Senhor eamigo, mas observando com atenção tudo o que era feito.

Vigiando contra o furto do corpo: V. 62) No dia seguinte, que é o dia depois dapreparação, reuniram-se os principais sacerdotes e os fariseus e, dirigindo-se a Pilatos, 63)disseram-lhe:Senhor, lembramo-nos de que aquele embusteiro, enquanto vivia, disse: Depois detrês dias ressuscitarei. 64) Ordena, pois, que o sepulcro seja guardado com segurança até aoterceiro dia, para não suceder que, vindo os discípulos, o roubem, e depois digam ao povo:Ressuscitou dos mortos; e será o último embuste pior do que o primeiro. 65) Disse-lhes Pilatos: Aítendes uma escolta; ide e guarda o sepulcro como bem vos parecer. 66) Indo eles, montaramguarda ao sepulcro, selando a pedra e deixando ali a escolta. Não pode ser determinado, se foidevido a má consciência ou a um caráter vingativo, mas os chefes judeus, mesmo agora, não sederam por satisfeito. O dia da preparação findara com o pôr do sol, mas eles estiveram tão ansiosos

45 ) 210) Lutero, 13.499,505.

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sobre um assunto, a ponto de desconsiderarem as regras da grande festa. Jesus recém foradepositado no sepulcro, quando a delegação deles foi até Pilatos. Ocorrera-lhes que aquele sedutorlá (e apontaram desdenhosamente em direção da cruz), predisse que ressuscitaria no terceiro dia. Oque agora queriam era uma maneira de guardar com segurança o túmulo, para que o corpo nãopudesse ser furtado por discípulos fanáticos e então ser proclamada a sua ressurreição. Ocorrendoisso, julgavam eles, que o último engano que era a crença na ressurreição de Jesus, seria pior doprimeiro, que foi a crença em sua messianidade. Pilatos, de um modo meio ríspido, como queestando intimamente desgostoso com todo este assunto, consentiu o pedido: Está aqui vossaguarda; estou certo que ela não é necessária; vigiai o túmulo como bem desejais! Fizeram isto tãobem quanto possível. Esticaram uma corda em cruz sobre a pedra, fixando-a em cada lado daentrada com cera em que foi impresso o selo do governador. Isto foi feito na presença dumobservador delegado para isso, ficando por fim os soldados para guardar o sepulcro. Os judeus, semsabê-lo ou em só intentá-lo, aqui prepararam o caminho para uma prova robusta em favor daressurreição de Cristo. O testemunho dos próprios homens, escolhidos por eles, os soldados queeram totalmente neutros, seriam a forte evidência em favor do grande milagre da ressurreição.

Resumo: Judas em falso remorso sobre sua traição de Cristo comete suicídio quando oSenhor é entregue a Pilatos, enquanto o próprio Jesus é julgado perante a côrte romana, vêBarrabás preferido a ele pela massa, e pela côrte condenado à morte de crucificação, ainda quenenhuma culpa é encontrada nele, sofre as dores da crucificação, morre na cruz e é sepultado poramigos.

C A P I T U L O 2 8

A Ressurreição De Cristo Mt.28.1-15.

O túmulo aberto, V. 1) No findar do sábado, ao entrar o primeiro dia da semana, MariaMadalena e a outra Maria foram ver o sepulcro. 2) E eis que houve um grande terremoto; porqueum anjo do Senhor desceu do céu, chegou-se, removeu a pedra e assentou-se sobre ela. 3) O seuaspecto era como um relâmpago, e a sua veste alva como a neve. 4) E os guardas tremeramespavoridos, e ficaram como se estivessem mortos. Assim como a morte de Cristo foi acompanhadade sinais sobrenaturais para despertar a atenção do mundo inteiro sobre a redenção que então estavasendo conseguida no Calvário, assim também sua ressurreição foi acompanhada por um alvoroçona natureza que indica para um acontecimento muito especial. Nas últimas horas do sábado, nosétimo dia da semana, quando este já estava para se fundir numa nova semana sabática, isto é,muito cedo na manhã de domingo, antes do raiar do sol, as mesmas mulheres fiéis, que haviamobservado o sepultamento do Senhor, saíram para ver o túmulo e para tomar os primeiros passos noprocesso para embalsamar o corpo do Senhor. Ainda não haviam alcançado o jardim, quando umforte abalo fez a terra tremer, causando pelo fato que um anjo descera do céu e removeu a pedra daentrada do túmulo, a qual então usou como seu assento. Ele não viera para abrir a sepultura paraCristo, mas para mostrar ao mundo todo a sepultura vazia, para dar evidência total e inegável dofato que a ressurreição já acontecera, apesar da pedra, do selo e da guarda. Diz o evangelista que aaparência do anjo era semelhante ao raio, e suas vestes brancas como a neve. Foi uma apariçãoterrível para os supersticiosos soldados, quando precisaram encarar a um dos santos anjos de Deus.Ela os dominou. Caíram desmaiados e se tornaram como mortos. Quando Deus quer executar a suavontade com vistas à salvação da humanidade, então, nenhum homem pecador e nenhum inimigopodem resistir-lhe. A ressurreição de Jesus foi o selo e a prova final em favor da plena propiciaçãoalcançada para o mundo inteiro, e são inúteis todos os esforços dos judeus e de Satanás paraimpedi-la.

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A mensagem do anjo: V.5) Mas o anjo, dirigindo-se às mulheres, disse: Não temais:porque sei que buscais a Jesus, que foi crucificado. 6) Ele não está aqui: ressuscitou, como haviadito. Vinde ver onde ele jazia. 7) Ide, pois, depressa, e dizei aos seus discípulos que ele ressuscitoudos mortos, e vai adiante de vós para a Galiléia; ali o vereis. É como vos digo! 8) E, retirando-seelas apressadamente do sepulcro, tomadas de medo e grande alegria, correra a anunciá-lo aosdiscípulos. Durante os primeiros momentos da manhã, certo número de anjos veio ao sepulcro paraparticipar da santa alegria da ressurreição de Cristo, como o narram os vários relatos evangélicos.Aqui, contudo, só este um é mencionado, como o porta-voz junto às duas mulheres que ficaram,pois Maria Madalena, vendo o túmulo vazio, retornara para a cidade. A mensagem foi a quecaracteriza toda pregação do evangelho, uma admoestação para que não temam. Bem o mesmo quedissera o arauto do Natal aos discípulos. A mensagem do evangelho é assim, que precisa banir docoração qualquer terror de pecado e morte, e enchê-lo de santa alegria no Senhor. Jesus, de fato,fora crucificado, mas elas já não mais o deviam procurar entre os mortos. Pois ele ressuscitou,como lhes havia dito, tantas vezes, e como deviam ter sabido das profecias do Antigo Testamento.O lugar onde o Senhor fora deitado estava diante delas, mas seu corpo fora liberto das algemas damorte que ele subjugara. Não deviam demorar-se aqui, mas partir já com a gloriosa notícia pra osdiscípulos, recordando-os também da promessa do Senhor de precedê-los para a Galiléia, capítulo26.32. Enquanto a aparência do mensageiro, do santo anjo de Deus, as encheu de temor, suamensagem da ressurreição de seu Senhor e Mestre as encheu do maior deleite. De modoprecipitado deixaram a sepultura, e correram para levar as boas novas aos discípulos. “Que o anjoestá tão preocupado no anúncio da ressurreição de Cristo aos discípulos, que neste momentoestavam prostrados com falta de fé e má consciência, é uma indicação certa que o Senhor JesusCristo ressuscitou por causa e para confortar aqueles de pequena fé, sim, para aqueles sem fé, paraque obtivessem o benefício da sua obra, e achassem amparo e refúgio com ele. ... Que Cristo vive,ele o vive em nosso benefício, para que nós sempre sejamos defendidos por ele e protegidos contraqualquer desgraça”46).

A aparição de Jesus: V. 9) E eis que Jesus veio ao encontro delas, e disse: Salve! E elas,aproximando-se, abraçaram-lhe os pés, e o adoraram. 10) Então Jesus lhes disse: Não temais. Ideavisar a meus irmãos que se dirijam à Galiléia, e lá me verão. Esta, sem dúvida, foi a primeiraaparição do Cristo ressuscitado. Quando elas iam apressadas em direção à cidade, provavelmenteantes de terem saído do jardim, Jesus veio ao seu encontro, com a maravilhosa saudação: A todas,salve! Rejubilai! No reino do ressuscitado Senhor há tão somente alegria e paz e eterna felicidade.As mulheres, reconhecendo-o, expressando toda sua alegria e adoração, prostraram-se aos seus pés.Ao mesmo tempo, esta plenitude de Cristo e a emoção moveram-as a se agarrarem a ele, como setemessem perdê-lo de novo. Por isso Jesus, mais uma vez, as acalma. Daqui para diante e nemjamais devia haver medo em seus corações, mas, tão somente, o desejo de levar a alegre notícia aosapóstolos, aos quais, aqui, chama carinhosamente de irmãos. Todos estes estavam agora maispróximos dele, do em qualquer tempo anterior. Apesar da fuga deles, ele soube que sua fé não seapagara para sempre, mas que só fora envolvida pelo medo. Esta mensagem foi planejada comouma notícia animadora e consoladora, para renovar a fé, a esperança e a confiança em seuscorações. Da mesma forma, todos os fiéis em Cristo e em sua ressurreição são agora irmãos e irmãsde Cristo no sentido mais pleno e melhor do termo. Pois eles, na fé por meio da fé, se tornaramparticipantes de todos os frutos gloriosos da ressurreição de Cristo. Foi assim que foram colocadospor Deus Pai no mesmo nível com seu próprio Filho Jesus Cristo, sendo co-herdeiros com ele daeterna alegria e bendição.

O relatório dos guardas: V.11) E, indo elas, eis que alguns da guarda foram à cidade econtaram aos principais sacerdotes tudo o que sucedera. 12) Reunindo-se ele em conselho com osanciãos, deram grande soma de dinheiro aos soldados, 13) recomendando-lhes que dissessem:

46 ) 211) Lutero, 13.520,521.

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Vieram de noite os discípulos dele e o roubaram, enquanto dormíamos. 14) Caso isto chegue aoconhecimento do governador, nós o persuadimos, e vos poremos em segurança. 15) Eles,recebendo o dinheiro, fizeram como estavam instruídos. Esta versão divulgou-se entre os judeusaté ao dia de hoje. Enquanto tudo isto acontecia, e enquanto as mulheres, com suas notícias tãoalegres, corriam para a cidade, os soldados da guarda, aos poucos, acordaram do pasmo em quehaviam sido atirados. O estrago, está claro, estava feito, e eles precisam aproveitá-lo da melhormaneira, visto ser impossível negar o fato. Alguns deles foram enviados para prestar relatório dosacontecimentos da manhã aos principais sacerdotes, que eram os responsáveis por sua presençajunto ao sepulcro. O assunto foi suficientemente grave para exigir uma reunião do sinédrio paraachar maneiras e meios que fossem prevenir algum estrago a eles e à sua causa. Finalmente foiresolvido subornar os soldados, dando-lhes uma soma considerável de dinheiro. Não estavammuito preocupados com a quantia, por isso deram com liberalidade, pois a mentira que, segundoqueriam, os soldados sempre repetissem, com certeza era a própria essência da tolice. Deviamcontar por toda parte, que os discípulos de Cristo vieram de noite, mas que eles viram eles viram osladrões e reconheceram que eram os discípulos. Aos soldados, porém, é muito mais importante apromessa que os membros do conselho haviam sido forçados a dar, a saber, que garantissem apoiá-los para explicar o assunto, caso o governador descobrisse o caso algum dia: eles iriam responderpor sua segurança. Pois, um soldado romano ser encontrado dormindo em seu posto era tudo,menos o que se tolerava a um deles. E foi assim que o relato ridículo se espalhou entre os judeus eentre eles se tornou um boato comum, para salvar as aparências, como eles, credulamente,esperavam.

A Grande Ordem Missionária, Mt.28.16-20.

V.16) Seguiram os onze discípulos para a Galiléia, para o monte que Jesus lhes designara.17) E, quando o viram, o adoraram; mas alguns duvidaram. 18) Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. 19) Ide, portanto, fazei discípulosde todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; 20) ensinando-osa guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até àconsumação do século. Jesus havia indicado a seus discípulos um certo monte na Galiléia, onde osencontraria depois de sua ressurreição. Mas não sabemos nem o tempo e nem a localização domonte deste encontro. Fora sua ordem expressa que lá se reunissem, e, depois de terem recebido aconfirmação desta palavra por meio da mensagem das mulheres na manhã da páscoa, foramcumprir a ordem. Lá, quando lhes apareceu, alguns deles se prostraram em pronta adoração peranteele, mas outros ainda estavam com dúvidas. Não conseguiam crer o fato de sua ressurreição e nemque era realmente seu Senhor aquele que aqui lhes apareceu. Jesus, por isso, chegou-se mais partodeles para que pudessem reconhecer mais exatamente seus traços. Ele, contudo, fez depender oresultado de sua presença, principalmente, sobre sua palavra. O discurso de Jesus é majestoso,ainda que todo seu proceder foi amigável e tencionava afastar todas e quaisquer apreensões havidasentre eles. Seu comissionamento final é um trecho maravilhoso de solene oratória. Assim como estáperante eles, em seu corpo espiritual, verdadeiro homem como sempre o fora em seu viver terreno,porém não mais em humildade e fraqueza, é-lhe dado todo o poder no céu e na terra. Ele é oonipotente Deus que têm autoridade ilimitada. E, porque isto é verdade, por isso eles, ao saírem erealizarem a obra de sua missão apostólica, deviam fazer discípulos de todas as nações. A terra todadevia ser sua área de ação. E este fazer discípulos devia ser feito atravez de dois meios da graça.Primeiro há o meio de fazer discípulos batizando em nome do Deus trino, o Pai, o Filho e o EspíritoSanto: Em nome, com o confessar do nome que resume todo o credo cristão. O segundo meio defazer discípulos é ensiná-los a observar de perto todas as coisas que Jesus confiou a seusdiscípulos, a expor-lhes o conselho de Deus para sua salvação. Nenhuma vontade ou opiniãohumana, mas a Palavra do Evangelho, a Palavra inspirada de Deus, e nada mais e nada menos, deveser o conteúdo de toda e qualquer pregação na igreja de Jesus Cristo. Sendo seu comissionamentorealizado desta forma, então sua promessa permanecerá firme, de que ele ficará conosco todos os

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dias até o fim dos tempos. Quando este tempo chegar ao fim, quando ele próprio introduzirá o novotempo com o alvorecer do seu dia do juízo, então o trabalho da igreja terá chegado ao fim.

Resumo: Jesus ressurge dos mortos em meio ao tremor de terra, o anjo mostra às mulhereso túmulo vazio e lhes pede levar a notícia aos discípulos. Cristo, aparecendo às mesmas mulheres,confirma a mensagem, enquanto os principais sacerdotes e anciãos tomam os passos necessáriospara espalhar mentiras sobre a ressurreição. Finalmente Cristo aparece corporalmente a seusdiscípulos sobre um monte na Galiléia e lhes dá a grande ordem missionária.

O BASTISMO DE CRIANÇAS

Em vista do fato que os direitos das crianças, tanto os alegados como os reais, estão sendo,mais e mais, discutidos em convenções de mestres, de mães, de associações de bairro, federaçõesde clubes de mulheres e em incontáveis outras organizações, quase parece um anacronismo ouvir oquestionamento sobre o batismo infantil que, de tempos em tempos, ecoa com grande ênfase easpereza.

Antes de tudo, há a ordem expressa de Cisto com referência às crianças. “Fazei discípulosde todas as nações”, Mt.28.19, e que ele cita, não sem razão muito apropriada, como primeirométodo o batismo. Há sua ordem de batizar as crianças, porque elas formam, certamente, boa partedas nações. Caso for feita a objeção, que crianças não são citadas especificamente, podemosperguntar: Senhoras são especificamente mencionadas? Será que, no tempo quando as mulhereseram consideradas utensílios ou escravas, elas deviam ser colocadas em igualdade com os homensda nação, presumivelmente os representantes da nação? O apóstolo Paulo diz, Cl.2.11: “Fostescircu8ncidados, não por intermédio de mãos”. E no versículo 12 ele explica isto: “Sepultadosjuntamente com ele no batismo”. Mas, se o batismo deve ocupar o lugar da circuncisão numaanalogia tão íntima, segue que ele deve ser administrado também às crianças. Pedro, em seu grandesermão de pentecostes, afirmou à multidão: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado. ...Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos,” At.2.38,39. É mais uma ordem expressapara incluir as crianças nas bênçãos do batismo.

Há, ainda, o fato que crianças podem crer e de fato crêem, que é uma razão premente paraque sejam batizadas. Cristo diz: “Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, demodo algum entrareis no reino dos céus. ... Qualquer, porém, que fizer tropeçar a um destespequeninos que crêem em mim”, Mt.18.3,6. Não pode haver palavra mais clara do que esta, queCristo as considera como crentes nele, mas sem fé nele seria-lhes impossível entrar no reino do céu.E mais uma vez diz ele: !Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dos tais é oreino de Deus. Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança, demaneira nenhuma entrará nele”, Mc.10.14,15. A língua humana, dificilmente, pode ser tornadamais clara.

Há, ao lado disso, os fatos da história escriturística em apoio do Batismo de crianças. Seriaum ultrage ao entendimento geral do termo, se a palavra “família”, At. 16.15, ou a expressão: “foiele batizado, e todos os seus”, At.16.33, cf. versículos 32 e 34, excluíssem as crianças.

Há, finalmente, os fatos da história da igreja antiga, que apresenta o batismo de criançascomo um costume que sempre foi praticado nas congregações. Houve, claro, uma diferença: Osconvertidos, quando já adultos, só então recebiam o batismo, e visto ser este o caso na maioria doslugares de missão, segue que o batismo de adultos era o que mais prevalecia nos primeiros séculos,e não o de crianças. Mas, parece que desde o princípio, era costume batizar os filhos de pais

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cristãos. Bastarão alguns exemplos para mostrar esta verdade. Irineu, bispo de Lion, no segundoséculo, afirma que bebês e pequeninos, garotos e jovens, e pessoas idosas eram batizados. Origines,que viveu um pouco mais tarde, escreve que a igreja havia recebido dos apóstolos a tradição deadministrar o batismo aos bebês. Da mesma forma, um concílio realizado na cidade de Cartago,252 AD, declarou que a nenhum ser humano, desde o seu nascimento, fosse negado o batismo. Estaresposta foi dada com referência à pergunta, se crianças podiam ser batizadas já antes do –ou no –oitavo dia. A objeção de Tertuliano ao batismo infantil, no fim do segundo século, mostra que ocostume era universal. Gregório de Nazianzo, no quarto século, exigia que as criancinhas fossembatizadas, especialmente quando estavam em perigo de não permanecerem vivas.

Nossas crianças pertencem a Cristo, e é a ele que as trazemos no batismo.47

Canoas, Pentecostes, 2003. - ED

47 ) 212) Cf. Syn.Ber.Mittl.Distr., 1910, Lehre und Wehre, 1909, fev.: 1910, set.

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A relação de Mateus 28.16-20 com o restante do evangelho (David P. Scaer, Concordia Theological Quarterly 55/4 Outubro de 1991 pp. 245-266)

A importância de Mateus 28.16-20 na vida da Igreja é demonstrada pelo seu

uso freqüente. Ela é a pericope usada mais do que qualquer outra para demonstrar a necessidade do batismo e é usada na liturgia do batismo. O batismo infantil é apoiado/sustentado por esta pericope também. A mesma pericope é usada na liturgia de ordenação, para mostrar que Deus estabeleceu o ofício do ministério. Esta perícope também é usada para demonstrar que Deus é tri-pessoal. Assim também, o culto tradicional da Igreja inicia com as palavras “Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” e, conforme o Catecismo Menor (de Martinho Lutero), devoções pela manhã e pela noite e as orações nas refeições deveriam iniciar da mesma forma. Estas palavras foram incorporadas ao Gloria Patri e, desta forma, são ditas ou cantadas com os Salmos das Matinas e Vésperas e com o Intróito do culto principal da Igreja. Em tempos mais recentes, o texto se tornou palavra de ordem do Movimento Crescimento da Igreja, que toma uma de suas palavras características, “discipular”, desta pericope.1

I. Considerações iniciais A. A autenticidade de Mateus 28

O estudioso luterano confessional Edmund Schlinck adotou a então popular

opinião de que esta pericope era tão avançada teologicamente, com sua fórmula Pai-Filho-Espírito Santo, que dificilmente poderia ter sido dita por Jesus.2 Ele sustentou que sua teologia trinitária era tão avançada que a igreja antiga a colocou nos lábios de Jesus. Outros até mesmo sustentaram que esta passagem, bem como o capítulo como um todo, nem eram parte da forma mais antiga do Evangelho conforme Mateus. Alguns anos mais tarde, o teólogo do Novo Testamento, Jack Kingsbury, anteriormente membro da LC-MS (Igreja Luterana - Sínodo de Missouri) minou aquela teoria mostrando que Mateus 28.16-20 não contém nada que não possa ser lingüisticamente integrado ao restante do evangelho.3 Kingsbury mostrou que o evangelista era capaz de uma teologia trinitária em outras partes do seu Evangelho. Em 11.27, por exemplo, o Pai e o Filho têm, cada um deles, um conhecimento exclusivo a respeito do outro. A linguagem de 11.27 é tão avançada em sua teologia que para muitos 4 estudiosos ela parece estranhamente fora de lugar em Mateus - algo que estaria mais confortável em João. O 1 Este artigo foi apresentado originalmente para a Faculdade do “Concordia Theological Seminary”, em Setembro de 1987. Depois daquela data, o estudo “The Structure of Matthew’s Gospel” (A Estrutura do Evangelho de Mateus) de David R. Bauer (Sheffield, England: Almond Press, 1988) foi editado no “Journal for the Study of the New Testament Supplement Series” (31). Do prefácio pode-se ver que este trabalho veio de uma tese escrita para Jack Dean Kingsbury do “Union Theological Seminary” (Virginia). Apesar de que meu estudo foi apresentado sem o benefício das notas de rodapé, referências à obra de Bauer foram acrescentadas. Muito da argumentação e conclusões são bastante semelhantes, apesar de que não dispunha daquela obra quando escrevi originalmente este ensaio. 2 “The Doctrine of Baptism”, traduzido por Herbert J. A. Bouman (Saint Louis: Concordia Publishing House, 1972), p. 28. “Provavelmente o batismo foi originalmente realizado com (em) o nome de Cristo e isto foi mais tarde expandido, como na expansão da confissão cristológica até chegar aos Credos com três partes. Neste caso, a ordem batismal na forma de Mt 28.19 não pode ser a origem histórica do batismo cristão.No mínimo se poderia assumir que o texto foi transmitido em uma forma expandida pela Igreja. 3 “The Composition and Christology of Matt. 28.16-20,” Journal of Biblical Literature, 93 (1974), pp. 573-584. 4 Início da página 246.

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estudo de Kingsbury foi suficientemente exaustivo para demonstrar que Mateus 28.16-20 é tão semelhante ao restante do Evangelho que um único autor foi responsável pelo evangelho todo.

Mateus 28.16-20 não é apenas parte integrante do Evangelho todo, mas de fato o evangelista quis que ele fosse um resumo e um endosso do Evangelho. Nenhum outro livro da Escritura chega a uma tão satisfatória conclusão como o faz Mateus com a ordem de Jesus de preservar Suas palavras e fazer discípulos através do batismo, e Sua promessa de estar com a Igreja até que a era presente termine. O evangelista não informa seus leitores se os apóstolos realmente seguiram a ordem de fazer discípulos dentre os gentios. Talvez Lucas-Atos foram escritos para mostrar ao leitor que a Igreja de fato seguiu esta ordem, mas esta idéia é assunto para discussão em outra ocasião. Se houve gentios na primeira audiência de Mateus, eles seriam a evidência viva de que a ordem foi cumprida ao menos de alguma forma.

B. A organização de Mateus 28

O capítulo final de Mateus consiste de três seções ou perícopes: (1) os eventos

concernentes à descoberta da tumba vazia, com as aparições do anjo e de Jesus para as mulheres (vv. l-10); (2) a alegação dos judeus de que os discípulos haviam roubado o corpo de Jesus (vv. 11-15); e (3) o comissionamento dos discípulos (vv. 16-20). Compare o capítulo final de Mateus com aquele de Lucas. Em Lucas, como em Mateus, as mulheres descobrem o túmulo vazio (24. l-7), mas as narrativas do caminho de Emaús (24.13-32) e Jerusalém (24.36-53) com Jesus no centro de cada uma são unicamente de Lucas, sem paralelos em Mateus. Marcos tem apenas a descoberta do túmulo com o anúncio do anjo para as mulheres (16.l-8). João não é diferente de Lucas em dar-nos narrativas nas quais Jesus aparece e fala com seus seguidores, ou seja, Maria Madalena (20.11-18), os discípulos (20.19-23) e Tomé (20.26-29), e os discípulos e Pedro (21.1-22). Em comparação com o falante Jesus de Lucas e João, a narrativa da ressurreição em Mateus é mais formal. Em Lucas e João Jesus se engaja em extensivas 5 conversas com seus seguidores. Ele conversa por o que devem ter sido várias horas com os discípulos de Emaús e depois com os discípulos em Jerusalém (conforme Lucas). Há um diálogo com Maria Madalena e com Pedro (conforme João). Não há nenhum paralelo em Mateus com este tipo de diálogo entre o Senhor ressuscitado e Seus seguidores. Jesus fala. Os que ouvem Suas palavras não respondem. A ausência nas narrativas da ressurreição em Mateus de qualquer conversa com Pedro (como em João 21.9-22) ou mesmo menção a Pedro (como em Marcos 16.7 e Lucas 24.34) é muito surpreendente, visto que este discípulo tem um papel importante para Mateus antes da crucifixão (16.16-18; 17.1,4; 18.21; 26.33-35, 69-75). Aqueles que argumentam pela supremacia de Pedro, como a Igreja de Roma faz e deve fazer, com base em 16.17-19, devem responder por que Pedro não recebe nenhum papel especial no comissionamento final dos apóstolos.6

Em Mateus 28 os eventos que acompanharam a ressurreição são informados, ou seja, o terremoto (v. 2) , a vinda e aparição do anjo (v. 3) o tremor dos guardas (v. 4) e o anúncio para as mulheres de que o Crucificado está ressurreto e que elas deveriam anunciar isto aos discípulos (vv. 5-7), apesar de que o leitor nunca é informado sobre quando e como esta ressurreição ocorreu (v. 8). Jesus então aparece, é adorado (v. 9) e 5 p., 247. 6 Ver: Joseph A. Burgess, A History of the Exegesis of Matthew 16:17-19 from 1781 to 1965 [Uma História da Exegese de Mateus 16.17-19 de 1781 a 1965] (Ann Arbor, Michigan: Edwards Brothers, Inc., 1976).

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repete a ordem do anjo, de que as mulheres devem informar aos Seus discípulos de que eles devem ir para a Galiléia, onde Ele será visto (v. 10). Diferentemente de Lucas e João, Mateus não tem registro do que as mulheres disseram ao anjo ou a Jesus. O que é central é que o túmulo está vazio, que Jesus apareceu para as mulheres e que seus discípulos o verão na Galiléia, uma mensagem que é repetida duas vezes (vv. 7,10). Mateus não faz menção do que os discípulos responderam às mulheres, O que ocorre é que eles de fato o vêem na Galiléia, como Jesus disse às mulheres.

O registro da alegação dos judeus de que os discípulos roubaram o corpo de Deus (vv. 11-15) é notável, pois não tem paralelo em nenhum outro lugar do Novo Testamento. As palavras dos oficiais judeus para os soldados são preservadas, mas não na forma de um diálogo. A inclusão de Mateus desta alegação do roubo do corpo tem implicações para a teologia dogmática e, daí, para a missão da Igreja. A ressurreição pode ser mais do que meramente um 7 evento histórico (assim como o corpo ressuscitado é um soma pneumatikon, um corpo que pelo Espírito Santo foi trazido para o reino de Deus [1 Co 15.44]), mas não no sentido de que sua realidade esteja além da investigação histórica ordinária. Afinal, as mulheres são convidadas a examinarem o túmulo vazio (v. 6) e os guardas, que não são crentes, são de fato os primeiros informantes históricos da ressurreição (v. 11). No esquema do seu Evangelho, Mateus parece ter incluído esta perícope para mostrar que a proclamação do evangelho não poderia continuar entre aqueles que denunciavam como insustentável a ressurreição, que é um aspecto característico da proclamação cristã. Aqueles que estavam criando e espalhando mentiras, dizendo que a ressurreição de Jesus era uma ficção criada pelos discípulos, não poderiam esperar que suas alegações ficassem sem resposta. A Igreja não hesitaria em entrar em debate com eles. (A apologética cristã nasceu, por assim dizer, aqui em Mateus.)

Observamos novamente que, diferentemente de Lucas e João, que devotaram um espaço considerável para as aparições de Jesus ressuscitado, Mateus tem apenas duas breves aparições de Jesus. Além do seu registro do comissionamento dos discípulos, Mateus preserva apenas estas palavras: “Salve”, “Não tenham medo; vão e digam para os meus irmãos que vão para a Galiléia e lá eles me verão”. Marcos, obviamente, não tem nenhuma aparição ou palavra de Jesus.

Mateus liga o v. 10, a declaração das mulheres para Seus discípulos, que agora são chamados de Seus irmãos, irão vê-lo na Galiléia, com os versículos 16,17, onde eles de fato o vêem. Os discípulos obedeceram a ordem de Jesus dada pelas mulheres para irem para a Galiléia (v. 16), embora, como mencionado antes, não nos é relatado sob quais circunstâncias a ordem foi dada.8

Ao verem Jesus na Galiléia, os discípulos o adoram isto é, reconhecem-no como Deus (v. 20).9 A referência à dúvida (v. 18) não deveria ser entendida como significando que os discípulos tivessem questões acerca da natureza ou veracidade de Sua ressurreição. Antes, esta dúvida envolvia confusão no sentido de não entenderem

7 p. 248. 8 Uma comparação com Lc 24.36-43, onde Jesus se encontra com Seus discípulos em Jerusalém na noite após Sua ressurreição, não responde a questão de quando as mulheres transmitiram a ordem aos discípulos. Jo 21.1-23 lembra uma aparição de Jesus após a ressurreição a cinco dos discípulos na Galiléia, que pode ter acontecido perto da aparição aos onze discípulos mencionados em Mt 28.16. deve-se lembrar que Mateus não menciona os discípulos indo para o túmulo vazio ou recebendo qualquer palavra específica do anjo ou de Jesus. Lucas e João, que têm ambos aparições de Jesus aos discípulos em Jerusalém naquele primeiro dia da semana, não deixam nenhuma indicação se Jesus mesmo confirmou aquela ordem diretamente aos seus discípulos de que eles deveriam ir para a Galiléia. 9 Bauer (p. 117) corretamente afirma: “O termo ‘adorar’ designa o reconhecimento de autoridade divina.” Ele liga a adoração dos discípulos com aquela dos magos (2.11).

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completamente a importância da ressurreição para eles e a razão porque Jesus ordenou-lhes irem para a Galiléia.10 A ordem que segue, para fazer discípulos dentre os gentios, tenciona responder tais questões.11 Embora Mateus 28 inicia em 12 Jerusalém, o evangelista leva o centro da atenção de lá para a Galiléia, com duas ordens idênticas, uma pelo anjo (v. 7) e a outra por Jesus (v. 10), de que Seus discípulos o veriam lá para receberem uma mensagem importante. C. A audiência

Mateus é bastante cuidadoso em identificar os receptores originais do

comissionamento como sendo os “onze discípulos” (v. 16), uma distinção notável, visto que os discípulos originais, mesmo após a morte de Judas, eram chamados de “os doze” (1 Co 15.5), uma designação que o próprio evangelista conhecia (10.1,2). Mateus conhecia suas opções, mas escolheu o restritivo “onze discípulos”. Qualquer idéia de que Jesus estivesse falando para uma imensa multidão, tal como aquela que estava com ele no Sermão do Monte ou na alimentação dos quatro mil ou dos cinco mil, não tem nenhuma base. Mateus deliberadamente mostra a audiência limitada dos onze como recipientes da ordem de fazer discípulos dentre os gentios. Lucas fala de um grupo maior de discípulos presente na ascensão, mas Mateus 28.16-20, que se situa na Galiléia, não pode ser confundido com um evento que ocorreu na região de Jerusalém, em Betânia (Lc 24.50), no monte das Oliveiras (At 1.12).

Os onze discípulos (28.16) conhecidos pelos leitores de Mateus como apóstolos (10.2), podem ter estado no lugar da Igreja em ouvir a ordem, mas não há qualquer sugestão de que a Igreja, assim como estava constituída naquele tempo (os outros seguidores, ou a comunidade mais ampla), estivesse presente.13 Se outros estavam presentes, Mateus não o menciona. Mateus já informara seus leitores em 10.2-4 da identidade dos onze e prepara-os para a redução de doze (10.2) para onze (28.16), ao dizer que Judas trairia Jesus (10.4). Assim, o leitor já tem a resposta para a questão do porquê havia onze e não doze presentes. O capítulo 10 nomeia os doze e refere-se ao seu primeiro estado como “discípulos”, quando Jesus os listou, e no seu estado atual na Igreja como “apóstolos” (vv. 1-2). Mateus 10.2, ainda que se referindo à escolha dos doze, claramente pressupõe os eventos de 28.16-20, pelo qual os discípulos foram autorizados como apóstolos. Colocando em outras palavras, já no capítulo 10 o evangelista sabia do desenrolar da sua história. 14 O Evangelho não foi redigido à medida que os eventos iam acontecendo, mas depois e à luz da ressurreição. Os onze já são nomeados em 10.1,2 e o evangelista espera que seus leitores já saibam seus nomes. 10 Bauer não se refere a qualquer contradição, que alguns estudiosos têm visto, entre os conceitos de adoração e de dúvida. Juntamente com a maior parte de estudiosos recentes, ele rejeita a idéia de que não foram os discípulos que duvidaram, mas algumas pessoas que os teriam acompanhado. Todos adoraram, mas alguns deles, ou todos, duvidaram. Sua dúvida deve ser entendida à luz de 14.31-33, onde são identificados como aqueles de “pequena fé”. É difícil discordar da avaliação de Bauer: “esta dúvida expressa uma hesitação, que impede os discípulos de se apropriarem das plenas possibilidades de persistência, poder e missão que são oferecidos através de Cristo.” Op. cit., p. 110. 11 Bauer deve ser elogiado por esta sugestão: “O problema da dúvida é respondido pelas declarações de Jesus nos vv. 18b-20, e especialmente por Sua promessa de estar com eles sempre (v. 20b).” 12 p. 249. 13 Apesar de que Lucas não menciona o encontro de Jesus com os discípulos na Galiléia e Marcos apenas o antecipa, João tem um paralelo com Mateus neste ponto. Apesar de que Jo 21.1-22 ocorre no mar de Tiberíades (v. 1), acontece na Galiléia e não haveria dificuldade em sugerir um número de montanhas naquela área, que se encaixaria com Mt 28.16. João não se refere aos “onze”, como Mateus o faz, mas lista Pedro, Tomé, Natanael e os filhos de Zebedeu (Tiago e João), num total de cinco. 14 p. 250

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No capítulo 10 os discípulos também recebem sua missão. Assim, o capítulo 10 é o pressuposto para o 28.16-20. Jesus primeiro considerou os doze (10.1; onze - 28.16) como Seus discípulos, mas a Igreja deve entende-los como Seus apóstolos, homens autorizados por Cristo para representa-lo. A partir destas perícopes, 10 e 28.16-20, a Igreja poderia entender-se corretamente como cristã - isto é, consistindo de seguidores de Cristo, mas também como apostólica - isto é, ensinada pelos apóstolos.

A designação de Jesus para os Seus discípulos como “meus irmãos” (v. 10) não é sem importância. Aqueles que foram Seus alunos foram elevados a um estado quase igual a Ele como mestres de Sua mensagem para a Igreja, porque eles realizam a vontade do Pai de Jesus (12.50), que é a proclamação de Sua morte e ressurreição. Os apóstolos não são os originadores dos ensinos da Igreja, mas eles estão em Seu lugar como mestres da Igreja. O “mandato apostólico” (uma expressão usada pelo Reverendo Charles J. Evanson) pode ter sido pretendido primeiro para os ouvidos dos apóstolos apenas, mas o Evangelho no qual Mateus registrou-o tinha como finalidade os ouvidos da Igreja toda. Esta finalidade dificilmente significa que todos os que eram batizados poderiam se considerar apóstolos, mas eles estavam a par do papel especial que os apóstolos tinham em relação à Igreja e que a Igreja tinha em relação aos apóstolos. Os apóstolos estavam em lugar de Cristo (10.40) e a Igreja devia dar suporte á missão apostólica com meios materiais (10.11). D. Galiléia como o lugar de Mateus 28.16-20

Compare a concentração de Mateus em ver Jesus na Galiléia com as aparições

e ascensão de Jesus conforme Lucas em e na região de Jerusalém. A Galiléia é mencionada três vezes em Mateus 28 (vv. 7, 10, 16), com a significativa manifestação da ressurreição ocorrendo lá. Esta concentração na Galiléia pertence ao propósito de Mateus de ter o evangelho proclamado entre os gentios, um propósito que ele colocou imediatamente antes (4.15) da introdução 15 do ministério de Jesus (4.17).16 Isaías 9.1,2, citado por Mateus (4.15), fala das terras de Zebulom e Naftali como a “Galiléia dos gentios”. Aqui a versão Almeida revista e Atualizada, bem como outras traduções, não é satisfatória em transmitir a intenção do evangelista, quando a ordem é entendida como fazer discípulos das nações e não dos gentios - que é a tradução correta. A palavra traduzida por “gentios” em 4.15, ethne, é a mesma que a maioria das traduções traz como “nações” (28.19). e evangelista está se referindo ao mesmo grupo de pessoas em ambas perícopes (4.15 e 28.19) e ele quer que o leitor faça esta ligação. Para serem o mais fiéis possíveis para com a intenção do evangelista, as traduções deveriam usar a palavra “gentios” e não “nações” para ethne.17 O norte da Palestina é a “Galiléia dos

15 p. 251. 16 Ao comentar 28.16-20, Bauer usa corretamente este subtítulo: “A noção do universalismo, que vem ao clímax em 28.16-20” (op. cit.,. p. 121). Por “universalismo” ele claramente entende a universalidade do evangelho e não a idéia de que todos os homens são salvos ao final. Ele vê este tema da universalidade iniciando no título de Jesus como “filho de Abraão”, visto que em Abraão todas as nações ou gentios serão abençoados (pp. 76, 122). 17 Lutero, ao traduzir com “Heiden” (“pagãos”) provavelmente é mais acertado que qualquer outra tradução alemã ou inglesa dp termo grego ethne; isto é, eles são as pessoas sem o conhecimento salvífico do verdadeiro Deus. Esta visão é apoiada por Louw e Nida, cujo Léxico diz que, apesar de que ta ethne “pode ser traduzido como ‘aqueles que não crêem em Deus’ é freqüentemente mais apropriado [pensar] em termos de crença em outros deuses ou em deuses falsos.” Johannes P. Louw e Eugene A. Nida, eds., Greek-English Lexicon of the New Testament Based on Semantic Domains, 2 vols. (New York: United Bible Societies, 1988), 1:127.

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gentios” (4.15), não a “Galiléia das nações.18 O que é importante e, sim, mesmo chocante para a audiência judaica de Mateus é que os novos seguidores de Jesus devem vir dentre os gentios e que eles, os descendentes dos patriarcas, perderam seu estado especial (8.11,12). Jesus havia dado aos Seus discípulos a ordem de ir para as ovelhas perdidas da casa de Israel e evitar os gentios (10.5,6). Mateus 28.19 se distingue claramente daquela situação, pois os judeus como um povo distinto não é nem ao menos mencionado. Discípulos devem ser feitos dentre os gentios.19 A missão não é mais apenas para os judeus ou primeiro para os judeus e então para os gregos (Rm 1.16; Gl 3.28), mas simplesmente para os gentios. É de se notar que ethne é um neutro plural, e o pronome auta [neutro plural] seria o esperado como a forma correta em relação a ele. Mateus usa autous [masculino plural] como que para especificar que a referência é para pessoas e não para grupos.

A Igreja antiga discutiu se os gentios tinham de se tornar judeus primeiro antes de serem cristãos (At 15.5). Eles debateram sobre o lugar dos não judeus, e não das nações, na Igreja! O uso do evangelista da “Galiléia dos gentios”, de Isaías, indica seu estado como uma província fronteiriça do tempo da catividade do reino do norte. Os gentios estavam misturados aos judeus e esta integração deus aos galileus uma situação inferior. Jesus, cuja comissão da parte do Pai, limitou-o aos judeus (15.24), não apenas teve contato causal com os gentios, mas Sua mensagem encontrou um sucesso inesperado entre eles (8.10; 15.28), 20 mesmo entre aqueles que haviam apenas ouvido notícias a respeito de sua pregação (4.24). A ordem dada aos onze de fazer discípulos dos gentios foi reforçada ao ser dada na Galiléia, a terra onde os judeus e os gentios estavam já misturados.21 O ministério de Jesus na Galiléia é o protótipo e o prólogo para a missão gentílica dos apóstolos.22

II. Considerações centrais A. Jesus como o Revelador e a Revelação de Deus

A cena da montanha na Galiléia é para Mateus o ápice de diversos episódios

anteriores nos quais Jesus é designado como o revelador e a revelação de Deus. Isto lembra Deuteronômio 34. O primeiro discurso de Jesus é dado do monte no qual Jesus subiu (5.1) e do qual ele desceu (8.1), conforme o modelo de Moisés.23 Deus o declara como Seu Filho em uma alta montanha, na presença de Moisés (17.1,2). Mateus 28.16-20 é a última de uma série de cenas que o evangelista vê como significativas para

18 A menção à Galiléia em 4.15 como parte da citação de Is 8.23-9.1,2 é um tanto surpreendente visto aparecer imediatamente antes do que muitos comentaristas (por exemplo, Kingsbury) vêem como o início da primeira ação principal de Mateus , em 4.17. Bauer, pp. 41-45. 19 Não há base aqui para os batismos em massa de entidades políticas - nações, nem para igrejas ligadas ao Estado, nem para conversões em massa de grupos de pessoas unidos política ou etnicamente fazendo deles igrejas relacionadas etnicamente ou de âmbito nacional. A ordem de Jesus focaliza indivíduos, não nações. 20 p.252. 21 Novamente com relação a isto, ver o excelente sub-capítulo de Bauer, observado acima, “The Notion of Universalism which Comes to Climax in 28.16-20,” pp. 121-123. 22 A semelhança com o que Paulo diz “primeiro para o judeu e então para o grego” (por exemplo, em Rm 2.10), com o que ele se refere aos gentios (Rm 2.14,24) deve ser observada. Não é impossível que tanto Mateus como Paulo estivessem tratando do mesmo problema, a partir de perspectivas diferentes. 23 Robert H. Gundry, Matthew: A Commentary on His Literary and Theological Art (Grand Rapids, Michigan: William B. Eerdmans, 1982), pp. 593-594.

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entender quem Jesus é.24 Diferentemente das cenas do Sermão do Monte e do monte da Transfiguração, não é feita nenhuma menção a Moisés. Jesus o substituiu completamente como oráculo de Deus (cf. Hb 1.1,2 e Jo 1.17). Com uma precisão quase desnecessária, Mateus informa seus ouvintes que os discípulos não apenas seguiram a ordem, dada primeiramente pelo anjo e depois pelo próprio Jesus (por meio das mulheres que visitaram o túmulo), que eles deviam ir para a Galiléia, mas eles de fato foram “para o monte que Jesus lhes ordenou” (28.16). Como Moisés, em Dt 34, transfere sua autoridade da parte de Deus para Josué. Jesus coloca os discípulos em Seu lugar. Moisés, que foi impedido por Deus de entrar na terra dos judeus, teve de encerrar seu ministério na fronteira da terra prometida, sem entrar nela. De uma forma reversa, Jesus, cujo ministério foi limitado por ordem divina às ovelhas perdidas da casa de Israel, pode de forma semelhante olhar para a terra dos gentios, da montanha da Galiléia, sem entrar nela. Assim como Josué foi em lugar de Moisés, os discípulos vão em lugar de Jesus. Enquanto que os israelitas. Para experimentarem sucesso, devem permanecer na revelação mosaica escrita, os discípulos recebem a promessa da presença do próprio Jesus: “E eis que estou convosco todos os dias, até a consumação do século” (28.20). A diferença aqui é surpreendente. Moisés vai com Josué e com as tribos 25 apenas no sentido que o Pentateuco serve para eles como ordens de comissionamento. Jesus de fato vai pessoalmente com os onze para os gentios” Diferentemente de Moisés, Seu corpo não permanece sepultado (Dt 34.6) ou levado assunto ao céu (Jd 9). Jesus pode subir ao céu (At 1.9), mas não é assunto. A diferença entre ascensão e assunção é crucial.26 Jesus, que promete retornar para Sua Igreja (Mt 25.31-46) de fato nunca a abandona (28.20).

Mateus não apenas organiza seu evangelho para mostrar que Jesus é a revelação completa e final de Deus, mas este arranjo é então evidenciado pelas próprias palavras de Jesus: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra”. Esta passagem pode com boa razão se referir a Jesus quase em termos paulinos, como Aquele em quem os céus e a terra têm sua plenitude, o novo Adão no qual Deus estabelece Sua nova criação (Cl 1.15,16). Deus estabelece Cristo como o novo Adão, o homem do céu (1 Co 15.45), no qual Sua nova humanidade está unida, não por sangue, mas pela proclamação do evangelho, batismo e fé. A Igreja se tornou a nova criação de Deus e assim a cosmologia deu lugar à eclesiologia. O mundo real de Deus se tornou aqueles que seguem Cristo, isto é, a Igreja. O impulso de Mateus neste capítulo é mover-se rapidamente da ressurreição, o evento primeiro, para a transferência da autoridade de Jesus de ensinar, para os apóstolos. Lucas e João, ao colocarem outras narrativas históricas, estão com menos pressa em observar esta transferência de autoridade para os apóstolos. Na comissão aos discípulos, conforme Mateus, Jesus mantém a posse plena de Sua autoridade. Não há uma transferência real no sentido de renunciar a ela; os apóstolos exercitam-na em Seu lugar. A autoridade apostólica não é diferente da de Cristo. Mateus 28.16-20 serve como uma perícope eclesiológica, que define o povo de Deus não mais como sendo exclusivamente Israel, mas por trazer inclusivamente os gentios.27

24 Bauer afirma: “Em Mateus, o monte é o lugar de revelação (cf. 5.l; 17.1-8).” 25 p. 253. 26 Os Reformados afirmam mais uma assunção de Jesus ao céu, não diferente da doutrina Católico-Romana da assunção de Maria. 27 Bauer afirma (p. 124): “Aqui o universalismo é deixado explícito e obrigatório. De fato, este universalismo encontra uma plena expressão apenas em 28.16-20, visto ser unido à autoridade universal do Cristo exaltado.”

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B. Fazer discípulos dentre os gentios Na língua inglesa a palavra “discípulo” é um substantivo. Mais recentemente

tem sido usada como um verbo, de modo que as pessoas falam em “discipular”. Pelo menos desde Shakespeare o uso de substantives como verbos tem sido comum e assim a lingual inglesa tem uma capacidade inata 28 de expandir seu vocabulário mais do que outras línguas modernas, como o alemão e o francês. Traduzir matheteusate por “ensinar” (como fazem algumas traduções em inglês) seria permissível em Mateus 28 se o versículo 19 fosse o final da perícope. Entretanto, a tradução de didaskontes no versículo 20 também é “ensinando” (v. 20) e o leitor receberia a falsa impressão de que a mesma palavra grega ocorreria em ambos locais: “ensinai os gentios” (v. 19) e “ensinando-os” (v. 20). “Fazer discípulos” (v. 19) refere-se à vida cristã completa de fé, vida e aderência fiel aos ensinos apostólicos, não meramente à conversão e instrução, embora obviamente estes são considerados primários no que se refere ao tempo.

Durante Seu ministério, Jesus reuniu seguidores em torno de Si, que o consideravam o Cristo. Agora a responsabilidade de realizar esta finalidade é transferida aos apóstolos. De maneira breve, pode-se dizer que ser um seguidor de Jesus significa ter Jesus através de Sua palavra e tornar aquela palavra normativa para toda a vida. Fazer discípulos é o propósito para o qual Mateus escreveu o Evangelho. O que está envolvido em tornar gentios em discípulos está descrito no “batizando-os” e “ensinando-os”. Ao ouvir este Evangelho, o seguidor batizado de Jesus está neste ato continuando a cumprir esta ordem.

Tem se argumentado que batizar e ensinar (vv. 19,20) são complementares, de modo que pouco importa qual atividade precede a outra. Alguns luteranos, especialmente aqueles associados à escola de Erlangen, no século XIX, encontraram suporte para o batismo infantil na posição do batismo precedendo o ensino em Mateus 28 (19,20). Por outro lado, eles se sentiram livres para reverter a ordem no caso de adultos, com a proclamação do evangelho precedendo a aplicação da água.29 Por mais teologicamente conveniente que o argumento possa ser, a pergunta é se a perícope é usada corretamente desta forma.

A ordem de Jesus de batizar não veio sobre ouvidos surdos ou despreparados (vv. 19,20). Os ministérios de João e de Jesus foram caracterizados por batizar, tanto no caso de João que ele foi chamado de “o Batista” (3.1). Apesar de que outros se engajaram nesta prática,30 ele, mais do que qualquer outro, esteve associado com este ritual. Os discípulos haviam sido batizados, provavelmente todos por João (Jo 1.38) e eles próprios agiram como substitutos de Jesus (Jo 4.2) 31 ao batizarem o grupo mais amplo de Seus seguidores, que cresceu a tal proporção, que aos olhos das autoridades religiosas, Sua morte era necessária. Nem o grupo original dos onze, nem os primeiros leitores do Evangelho tinham de ser informados sobre o que Jesus queria dizer ao ordenar o batismo. “Batizar” não era uma palavra estrangeira, de uma língua estranha, mas tinha sido parte de sua experiência. Eles não entendiam o batismo como um sacramento isolado, mas como uma proclamação, em água e palavra, chamando à fé e criando-a. O batismo significava para eles que o reino dos céus estava vindo em Jesus

28 p. 254. 29 Ver David P. Scaer, “The Doctrine of Infant Baptism in the German Protestant Theology of the Nineteenth Century” (Tese de Doutorado, Concordia Seminary, St. Louis, 1963), pp. 53-156. 30 James H. Charlesworth, Jesus Within Judaism (New York: Doubleday, 1988), p. 79. “Por décadas já sabemos que João Batista foi apenas um representante bem conhecido de grupos de batismo que se reuniam especialmente ao longo do rio Jordão.” 31 p. 255.

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(3.1; 4.17). Na morte e ressurreição de Jesus aquele reino veio. O próprio batismo (a aplicação da água e da palavra) deu ao batizado o que foi prometido no kerygma (a proclamação), ou seja, perdão dos pecados (Mc 1.4). A ordem para os discípulos de batizar tinha de significar que o que João, Jesus e seus discípulos tinham feito antes da crucificação iria agora continuar basicamente da mesma forma. A única e real diferença - e era uma diferença significativa - era que o batismo, praticado antes por João, por Jesus e pelos discípulos destes, foi transformado por aquele que foi crucificado e ressuscitado. A ordem de batizar tinha de significar para os discípulos que eles deviam proclamar a respeito daquele que foi prometido como vindo com o reino dos céus e que, de fato, agora veio e manifestou aquele reino em Sua morte e ressurreição. Os batismos de João e de Jesus antes de Sua morte envolviam o batizado na obra da salvação prometida e que vinha. O batismo pós-ressurreição, de Mt 28.19, envolvia o batizado na obra realizada. Aquele que era tanto o Rei como o reino estava agora trazendo os gentios para dentro daquele reino através da proclamação a respeito dele e da aplicação da água, que operava contrição pelos pecados e fé naquele que deu a ordem. Sim, era o mesmo batismo, mas não idêntico. O túmulo vazio elevou-o a uma dimensão superior (cf. Rm 6.3-4).

O batismo opera através do (não por causa do) intelecto, no sentido de que a lei e o evangelho - isto é, a proclamação do arrependimento - são endereçados a seres humanos moras e, daí neste sentido, racionais, na proclamação que acompanha e está envolvida no batismo. Por meio desta proclamação na água Jesus incorpora os crentes a Si mesmo e os torna discípulos. Batismo é a proclamação (evangelho) na sua forma mais pura.32 Sem batismo não há discípulos! Qual então, 33 é o papel do ensino (didaskontes, v. 20)?

O “ensinar” do versículo 20 refere-se à comunicação da revelação total que Deus deu em Jesus e não apenas o chamado à fé. O chamado ao arrependimento (isto é, contrição e fé) é o chamado a ser batizado. O ensino (didaskontes) vai além daquele chamado. Os doze (agora onze) discípulos foram colocados em um relacionamento com Jesus no qual outros crentes não foram colocados. Assim como o batismo não faz pastores, assim ele também não faz apóstolos. Eles são separados como aqueles que receberam de Jesus Sua revelação (13.16,17). Independente da qualidade de sua fé e sua habilidade ou inabilidade de aplicar a revelação de Jesus para si mesmos (como se observa no “duvidaram”), a eles são confiados mistérios que intelectualmente entendem (13.11,51). Este ensino não se refere àquele ensino necessário que deve preceder o batismo e que de certa forma está compreendido no batismo, mas a exposição continuada do evangelho na Igreja entre aqueles que se tornaram discípulos através do batismo. Aqueles que foram tornados discípulos permanecem como discípulos pelo ouvir do ensino apostólico, que não é nada mais do que a proclamação de todo o desígnio de Deus.34

O conteúdo do ensino é “todas as coisas” que Jesus “ordenou”. Mateus não está fazendo referência aqui ao Antigo Testamento, que desde o começo ele assume ser palavra divina, um pressuposto compartilhado com os judeus. Ele também não está se referindo ao cânone completo do Novo Testamento, apesar de que seu Evangelho pode muito bem ter seguido outros escritos apostólicos. Diferente de Lucas (1.1-4) ou João

32 Não há base para a visão praticamente dualista dos teólogos do séc. XIX, de Erlangen, de que o batismo destina-se misticamente ao corpo, enquanto o ensino destina-se à mente. Ver nota 29 acima. 33 p. 256. 34 A referência em Atos 2 aos primeiros cristãos permanecendo na “doutrina dos apóstolos” é uma tal curiosa lembrança da ordem de Jesus em Mt 28.19,20 que não é impossível que Lucas esteja fazendo uma clara alusão à coleção das palavras de Jesus, em Mateus em seu Evangelho.

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(21.25), Mateus não reconhece quaisquer escritos anteriores a respeito de Jesus. Mateus está claramente se referindo ao que ele a pouco colocou no seu Evangelho e nada mais do que isto. Seu Evangelho escrito é o “todas as coisas” que Jesus ensinou. O leitor é convidado, não a ir a outros escritos, mas a retornar de forma circular e ler novamente o que ele acabou de terminar de ler. “A Escritura interpreta a Escritura”, mas aqui o Evangelho de Mateus, na mente do evangelista, é um documento satisfatoriamente completo em si mesmo. Aqui no seu Evangelho estão coletados os ditos de Jesus, a instituição dos sacramentos e o registro da vida, morte e ressurreição do Senhor. Quando Mateus registra Jesus dizendo que os gentios devem “observar todas as 35 coisas” que Ele “ordenou”, ele não está falando da lei como uma condenação negativa, no sentido de Paulo e de Lutero. A terminologia do ordenar é aqui aplicada às palavras de Jesus na qualidade de palavras divinas. O que é dito por Deus é, por sua própria natureza, imperativo. Com Deus é indicativo é imperativo. As palavras de Mateus são tão palavra de Deus como aquelas palavras ditas e preservadas por Moisés.36 Estas palavras, aquelas que Jesus disse, são a palavra autoritativa de Deus registradas por Mateus, o que dá ao seu evangelho a autoridade na Igreja. Apenas na medida em que estas palavras são ditas e cridas a promessa de Deus se realiza de que Ele estará com Sua Igreja até o fim da era. A promessa de Jesus de estar presente é feita especificamente aos apóstolos. Apesar de que a doutrina da onipotência da natureza humana de Jesus pode se deduzida corretamente a partir destas palavras, a promessa é endereçada à comunidade apostólica. III. Considerações adicionais A. Uma palavra acerca do evangelista

Diferentemente de Lucas (Lc 1.1-4), não há nenhuma indicação de que Mateus se veja como um cristão da terceira geração. Nenhuma fonte é reconhecida além das Escrituras do Antigo Testamento. No primeiro evangelho não há ninguém que lembre o quase onipresente discípulo amado do quarto Evangelho, que foi favorecido com um relacionamento especial e próximo com Jesus. Apesar de que os autores de Mateus e Marcos se assemelhem no sentido de ficarem por detrás de seus relatos, as atitudes destes evangelistas são claramente diferentes. Enquanto Marcos inicia a história de Jesus já no Seu batismo, ele também termina a história com uma conclusão aparentemente insatisfatória, sem as aparições de Jesus ressuscitado. Sua abreviada vida de Jesus está de acordo com a ausência de uma busca de ser totalmente completo. Podemos comparar esta abordagem com aquela de Mateus, muito ampla, que inicia a história da vida de Jesus com Abraão (Gn 11.27) e termina com a promessa de que Jesus permanecerá até o fim do tempo (28.20). A história da salvação é magnificamente englobada. Para sermos exatos, Mateus não dá detalhes da atuação de Jesus com Sua Igreja no período entre Sua promessa e Sue retorno visível, como Lucas faz em Atos. O tempo entre o comissionamento 37 dos apóstolos e o fim da era é ainda parte da história de Jesus. Lucas, ao escrever Atos, preencheu uma pequena parte da lacuna entre estes dois pontos. A história continua a ser contada na vida da Igreja cristã, onde quer que ela se encontre!

35 p. 257. 36 Ver Josué 1 na Septuaginta, onde as palavras de Moisés são ditas de uma maneira semelhante. 37 p. 258.

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O comissionamento dos apóstolos, conforme Mateus, envolve mais do que uma ordem oral isolada; ele envolve o Evangelho que ele escreveu. Os discípulos devem ensinar os gentios “todas as coisas” que Jesus lhes ensinou. O primeiro evangelista escreveu seu Evangelho precisamente com o propósito de preservar todos os ensinos de Jesus. Na verdade, esta é, por assim dizer, sua reivindicação consciente por fama. Mateus não está simplesmente rascunhando um longo documento com palavras e eventos desconexos da vida do Senhor, entre os quais estaria Sua ordem aos apóstolos para ensinarem os gentios tudo o que Ele próprio ensinara. Antes, o primeiro evangelista se vê a si mesmo como alguém que recebeu aquela tarefa de fazer isto.

Determinar as circunstâncias de tempo, lugar e eventos que moveram Mateus a escrever o Evangelho é uma outra questão, mas ele estava consciente do que estava fazendo e sobre que importância teria seu manuscrito para a Igreja. Ninguém iria sugerir que ele soubesse que estava escrevendo o livro que mais tarde seria colocado em primeiro lugar no cânone do Novo Testamento, mas ele estava a par do relacionamento deste livro com o Antigo Testamento. Ele estava pensando e escrevendo “canonicamente”. As reivindicações de seu documento são muito elevadas para ser de outra forma.

A conclusão mais fácil de se alcançar é que o escritor está entre aqueles onze que ouviram a ordem de ensinar e preservar todas as coisas. Assim para que os nomes destes onze não fossem um mistério para os leitores, Mateus, como já mencionado, nomeou-os em 10.2,3 como “discípulos” e “apóstolos”. Se ele não fosse um destes doze, então ele teria de ser alguém outro que havia sido autorizado a agira em lugar de um deles ou de todos eles. Naturalmente, é mais natural concluir que foi um dos onze que estava agindo não como um autor independente, mas em lugar dos outros, mesmo daqueles que já haviam sido martirizados naquela época (por exemplo, Tiago, o filho de Zebedeu) e para este assunto Judas, cujo ato traiçoeiro não destruiu a validade de seu apostolado (10.4). A apostolado é como o batismo, nisto que sua validade não depende da fé daquele que o recebe.

38 A personalidade de um único autor é tão evidente no Evangelho de Mateus como em Lucas e João, mas em Mateus há mais indicação de uma autoridade múltipla. A cena que conclui o Evangelho autoriza os onze e não acentua algum deles, Pedro, como tendo atenção especial, mesmo que o autor não hesitou em outras partes de seu Evangelho em elevar Pedro a uma posição de proeminência, como já mencionado. Antes de darmos nome ao autor do Evangelho, é importante reconhecer primeiro que ele pertence aos doze e que ele se entende como possuindo a autoridade que pertence a todos os apóstolos coletivamente. Ele fala tanto pelos outros como ele fala por si mesmo. Seu escrito tem a mesma autoridade inerente a sua palavra proclamada. O Evangelho escrito é apenas uma extensão e não uma descontinuidade do evangelho proclamado. O evangelista também entende que seu Evangelho possui uma autoridade única na Igreja, porque ele consiste das palavras de Jesus confiadas aos apóstolos. Ele concordaria com o segundo versículo de Hebreus: “Agora nestes últimos dias Ele nos falou através de Seu Filho”. B. Uma palavra a respeito da inspiração do Evangelho

Mateus é tão completo que ele também estabelece uma doutrina da inspiração,

que raramente é abordada de maneira plena por outros livros do Novo Testamento. Os

38 p. 259.

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apóstolos são, para Mateus, não apenas conduzidos (2 Pe 1.21) ou ensinados (Lc 12.12; Jo 14.26) pelo Espírito Santo; o Espírito Santo de fato fala através deles de uma tal maneira que suas palavras já não são mais deles, mas do Espírito. “Pois não são vocês que falam, mas o Espírito de seu Pai fala em vocês” (10.32). Não é necessário escolher entre descrever a mensagem apostólica como tendo sido dada aos apóstolos por Jesus e descrevê-la como anunciada por meio deles pelo Espírito. À parte de quaisquer outras considerações, tudo o que o Espírito possui o tem a partir do Filho e assim Ele não opera independentemente do Filho. O Espírito não atua independentemente de Cristo. Suas palavras são palavras de Cristo. O Espírito Santo é enviado ao mundo por Ele, que viveu, morreu e ressuscitou, e Ele continuamente traz para a Igreja os mistérios profundos da encarnação e da expiação. O Espírito é cristocêntrico até o ponto de ser “Cristomonístico” em Seus propósitos. Mesmo Paulo pode dizer: “Não pregamos a nós próprios, mas a Cristo e Ele crucificado”. O que é não a respeito de Cristo e não vem dele não é 39 do Espírito! Forçar uma escolha entre descrever as palavras de Mateus como sendo de Jesus ou como sendo do Espírito revela uma teologia deficiente sobre a Trindade. Com este excurso dogmático atrás de nós, o melhor é seguir o pensamento do próprio evangelista.

Os apóstolos foram escolhidos por Jesus (10.2,3) para falarem as palavras do Espírito do seu Pai (10.20) e lhes foi confiada a autoridade de preservar e ensinar as palavras de Jesus dentro do contexto trinitário do batismo (28.19,20). Jesus se refere ao Espírito como “o Espírito do vosso Pai” (10.20) e não do “Meu Pai”, para mostrar que os apóstolos não são instrumentos sem vida, mas instrumentos conduzidos pelo Pai para confessarem quem Jesus realmente é (10.32; 16.17). A mensagem apostólica não vem com fúria soberana e majestade irresistível dos céus. Antes, ela procede daquele que da humildade de Seu coração convida os sobrecarregados a encontrarem descanso nele e aprender dele. Apenas Ele conhece o pai e é autorizado a revelar o Pai (11.25-30). Ele se humilhou na crucifixão por nossa causa e espera uma humilhação semelhante em Seus seguidores que anunciam Sua palavra (20.26-28). A anúncio apostólico das palavras do Espírito não ficam for a da teologia da cruz, mas está incluído nela. Na hora de sua aflição e sofrimento por confessarem o nome de Jesus (10.16-20; cf. 32), os apóstolos anunciam as palavras de Jesus dadas pelo Espírito. Em seu sofrimento eles são como Cristo. O Espírito que capacitou a Cristo para oferecer-se como sacrifício agora fala através deles como sacrifícios vivos. O Evangelho de Mateus é escrito a respeito daquele que foi colocada na morte e foi martirizado por todos e é escrito por aqueles que ao confessarem a fé nele foram martirizados por Ele. O mesmo pode ser dito também dos outros Evangelhos. Qualquer mensagem que não é escrita por mártires para mártires acerca do Martirizado, não é um evangelho salvífico ou autorizado. O Espírito, que fala através dos apóstolos martirizados, procede do mistério da expiação que está escondido no evento da cruz. Por esta razão, os Evangelhos gnósticos foram rejeitados como fraudulentos e a mensagem de muitos pregadores modernos, não importando quanta glória dêem a Cristo, cai sob a mesma condenação. 40C. Uma palavra a respeito da pessoa de Jesus

Em Mateus 28 nenhum título é acrescentado ao nome de Jesus ou aplicado a

Ele. Ele é simplesmente referido como “Jesus” (vv. 9,18) ou “Jesus, que foi crucificado” (v. 5). A partir de outras partes do Evangelho, fica claro que Ele é o Filho em cujo nome o batismo é administrado e que é igual ao Pai (11.27). A promessa de 39 p. 260. 40 p. 261.

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estar com os discípulos lembra o fato de ser chamado Emanuel, “Deus conosco”. Assim, o argumento é correto de que a ressurreição mostra que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, o próprio Deus; mas o evangelista espera que o leitor chegue a estas conclusões por si mesmo. Mateus usou os títulos divinos de Jesus durante Seu sofrimento e crucificação. A fé reconhece a deidade transcendental de Jesus no momento da cruz e não na glória dos milagres. A verdadeira fé aceita o convite de Jesus, dito em Sua humildade, a vir a Ele: “sou manso e humilde de coração” (11.29). O Filho do Homem em Sua humildade, não o Senhor ressurreto em Sua glória, é o exemplo dado aos cristãos. O fato de Mateus cuidadosamente evitar o uso dos títulos divinos ao registrar a ressurreição de Jesus e sua referência a Ele como aquele que foi crucificado (28.5) deve pelo menos ter o propósito de identificar o Ressuscitado com o Crucificado. A crucifixão é um evento passado, mas Ele permanece conhecido aos Seus seguidores como “Jesus, o crucificado”. Conclusão

Mateus 28.16-20 é tão notável quanto qualquer outra passagem no Novo

Testamento. Nada é encontrado aqui que não possa ser deduzido nos 27 capítulos anteriores. Nenhuma nova revelação é feita pelo Jesus ressuscitado; Ele apenas deixa como legado à Igreja, através dos apóstolos, a mensagem que Ele proclamou antes de Sua crucifixão. Nenhum outro escrito do Novo Testamento oferece uma conclusão tão satisfatória como Mateus, ao sumarizar e requerer fé naquilo que foi colocado no próprio documento e ao dar à Igreja um mandato. Este mandato não diz que, à medida que a Igreja proclama o evangelho, ela estaria desobrigada de preservar as palavras de Jesus. Bem ao contrário, a ordem de Jesus requer atenção cuidadosa e continuada às Suas palavras. Isto também significa que ao expandir-se, não dá 41 ao mundo um pouco disto e um pouco daquilo; a Igreja proclama a mensagem completa de Jesus e o faz sem constrangimento, sem escusas e sem subtração ou adição.

Nós apenas podemos nos considerar como a Igreja apostólica quando nos comprometemos em preservar as palavras de Jesus e atingir com aquelas palavras o mundo descrente, pelo qual o Filho do Homem deu Sua vida como resgate (20.20). Mateus 28.16-20 requer que a Igreja, para ser apostólica, deve ter um ministério apostólico, no que se refere ao ofício e à função. O ofício do ministério precisa ser preservado e as qualificações para este ofício devem ser cuidadosamente mantidas. Os seminários da Igreja devem permanecer fiéis à missão apostólica, visto estarem sob a obrigação de preservarem a palavra de Jesus, preparando as próximas gerações de pastores para guardarem aquela palavra, assim como os apóstolos o fizeram e por meio daquela palavra levarem o reino de Satanás a um devido e temível fim.42 Por meio desta palavra as portas do inferno são derrubadas e seus prisioneiros libertados.43

Traduzido por Gerson Luis Linden Agosto de 2004

41 p. 262. 42 Cf. Martin Chemnitz, Examination of the Council of Trent 2, trad. por Fred Kramer (Saint Louis: Concordia Publishing House, 1978). Neste estudo Chemnitz colocou Mt 28.19,20 juntamente com outros textos usados normalmente para o ofício do pastor; por exemplo, vol. 2, pp. 468,680,695. 43 Se considerarmos a questão do currículo, sendo o mais amplo dos quatro Evangelhos canônicos, Mateus deveria ser colocado como disciplina obrigatória. A Igreja antiga, ao usá-lo mais do que os outros Evangelhos, deu a Mateus o lugar da maior honra no cânone do Novo Testamento.