1. introduÇÃo 1.a.sistema imune

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1. INTRODUÇÃO 1.A.SISTEMA IMUNE Igualmente a outros sistemas do organismo, o sistema imune é constituído por órgãos, tecidos e células, das linhagens mieloide e linfoide (Fig.1), que são responsáveis por reconhecer e eliminar os agentes estranhos e potencialmente perigosos ao organismo. As células de defesa possuem um sistema de transferência de informações que permite a comunicação de uma para a outra, por meio de expressão de moléculas nas membranas celulares e também por secreção de proteínas mediadoras conhecidas como citocinas que, nas células receptoras, são responsáveis por mediar e regular uma série de processos fisiológicos (FIG. 2). As citocinas podem ser classificadas como: - Interleucinas (IL): produzidas principalmente pelos linfócitos T e macrófagos, possuem funções diversas, especialmente promovendo a proliferação e a ativação de diversos tipos celulares; - Interferons (IFN): atuam principalmente na defesa contra vírus e agentes intracelulares, ativando as células de diversos tecidos e impedindo sua replicação. Os tipos alfa ( α) e beta (β) são produzidos por células Uso do Propionibacterium acnes como imunoestimulante em cães e gatos ROSCOE 1 , M. P.; ROSSI 2 , R.; CARRAZZA 3 , T. G. 1 – Médica veterinária, Msc. 2 – Médica veterinária, Msc, doutoranda em Ciência Animal pela EV-UFMG. 3 – Médica veterinária infectadas, e já o tipo gamma (γ) é secretado por linfócitos T, sendo importante para a amplificação da reposta; - Fatores estimulantes de colônias (CFS): induzem e aceleram a proliferação e a diferenciação de células precursoras de leucócitos na medula óssea, mas as proporções entre os diferentes tipos celulares dependem do equilíbrio entre os CFSs; - Fatores de necrose tumoral (TNF): os tipos alfa ) e beta (β) são produzidos principalmente por macrófagos. Possuem ação pró-inflamatória e iniciam a cascata de ativação imunológica.

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Page 1: 1. INTRODUÇÃO 1.A.SISTEMA IMUNE

1. INTRODUÇÃO

1.A.SISTEMA IMUNEIgualmente a outros sistemas do organismo, o sistema imune é constituído por órgãos, tecidos e células, das linhagens mieloide e linfoide (Fig.1), que são responsáveis por reconhecer e eliminar os agentes estranhos e potencialmente perigosos ao organismo.

As células de defesa possuem um sistema de transferência de informações que permite a comunicação de uma para a outra, por meio de expressão de moléculas nas membranas celulares e também por secreção de proteínas mediadoras conhecidas como citocinas que, nas células receptoras, são responsáveis por mediar e regular uma série de processos fisiológicos (FIG. 2).

As citocinas podem ser classificadas como:

- Interleucinas (IL): produzidas principalmente pelos linfócitos T e macrófagos, possuem funções diversas, especialmente promovendo a proliferação e a ativação de diversos tipos celulares;

- Interferons (IFN): atuam principalmente na defesa contra vírus e agentes intracelulares, ativando as células de diversos tecidos e impedindo sua replicação. Os tipos alfa (α) e beta (β) são produzidos por células

Uso do Propionibacterium acnes como imunoestimulante em cães e gatosROSCOE1, M. P.; ROSSI2, R.; CARRAZZA3, T. G.

1 – Médica veterinária, Msc. 2 – Médica veterinária, Msc, doutoranda em Ciência Animal pela EV-UFMG. 3 – Médica veterinária

infectadas, e já o tipo gamma (γ) é secretado por

linfócitos T, sendo importante para a amplificação da

reposta;

- Fatores estimulantes de colônias (CFS): induzem

e aceleram a proliferação e a diferenciação de células

precursoras de leucócitos na medula óssea, mas as

proporções entre os diferentes tipos celulares dependem do

equilíbrio entre os CFSs;

- Fatores de necrose tumoral (TNF): os tipos

alfa (α) e beta (β) são produzidos principalmente por

macrófagos. Possuem ação pró-inflamatória e iniciam

a cascata de ativação imunológica.

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No sistema imune existem células apresentadoras de antígenos, destacando-se os macrófagos, que, após fagocitarem o agente estranho ao organismo, expõem partes peptídicas para os linfócitos T e B, que reconhecem os fragmentos como antígenos. Após esse reconhecimento, o sistema imune elabora respostas celulares e humorais para sua eliminação (FIG. 3). A regulação desse sistema depende de mecanismos que atuam aumentando ou suprimindo sua ação. Depois de um período de descanso, os mesmos antígenos podem estimular o sistema imune, desencadeando as defesas de memória criadas anteriormente.

1.B. IMUNOESTIMULANTESO conceito de imunoestimulante não específico foi originado em 1907, por William B. Colley, com a administração experimental de toxinas bacterianas para tratamento de câncer, após notar regressão espontânea de tumores em pacientes com episódios de septicemia (Hadden, 1993).

O uso de imunoestimulantes consiste na ativação fisiológica ou farmacológica do sistema imune, desencadeando e ampliando os mecanismos da resposta imunológica. Na imunofarmacologia, os imunoestimulantes são geralmente usados como

adjuvantes nas terapias convencionais e em vacinas (Rush e Flaminio, 2000).

Segundo Diasio e LoBuglio (1996), os três quadros clínicos nos quais os imunoestimulantes podem ser empregados, são:

- Distúrbios de imunodeficiência: imunodeficiências secundárias e doenças autoimunes;

- Doenças infecciosas crônicas: virais, bacterianas e parasitárias;

- Câncer, em especial aqueles do sistema linfático.

Outras utilizações dos imunoestimulantes também podem ser consideradas:

- Melhora da resposta vacinal;

- Maturação do sistema imune em filhotes.

Os imunoestimulantes têm sido considerados como recursos promissores em novos esquemas terapêuticos. No entanto, poucos estão disponíveis no mercado brasileiro, reduzindo a possibilidade de uso.

Este informativo técnico tem como objetivo revisar e divulgar estudos, com o uso de imunoestimulantes, destacando-se o Propionibacterium acnes, comercialmente disponível no Brasil como Infervac® (Ceva Saúde Animal). Sua composição está descrita no Quadro 1.

Figura 1 - Linhagens de células do sistema imune dos mamíferos.

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1.C. MECANISMOS DE AÇÃOPropionibacterium acnes

O Propionibacterium acnes (P. acnes) é uma bactéria gram-positiva, anaeróbia, anteriormente conhecida como Corynebacterium parvum (C. parvum), sendo reconhecida por seus efeitos antitumorais há mais de 30 anos (Halpern et al., 1966).

A detecção do P. acnes, por parte de monócitos e macrófagos, ativa a ação dessas células e desencadeia uma série de reações “em cascata”, que induzem secreção de citocinas, dinamizando as funções de defesa dos fagócitos e dos linfócitos. Quando essa resposta inespecífica, caracterizada por sua atividade fagocítica e citotóxica, não é suficiente para controlar determinado processo infeccioso, o P. acnes age favorecendo a ativação de mecanismos de defesa específicos, celulares e humorais, principalmente por aumento de linfócitos T e B. Além disso, as células responsáveis pelas respostas inespecíficas transmitem informações para a totalidade do sistema imune, garantindo um grande fluxo de informações intracelulares para desencadear uma resposta de defesa eficaz contra agentes diversos. Ambos os mecanismos (resposta imune inespecífica e específica) impedem o estabelecimento de agentes infecciosos e bloqueiam sua proliferação, impedindo a progressão de lesões patológicas.

LPS de Escherichia coli

A Escherichia coli (E. coli) é uma bactéria gram-negativa oportunista, presente na flora bacteriana de animais, sendo constituída pelos antígenos: O do LPS, K (cápsula), F (vilosidade), H (flagelo), pelo lipídeo A e pelo núcleo. O antígeno O está presente na parte externa da célula e, junto com o lipídeo A, desencadeia a resposta imune.

O LPS, uma vez presente na corrente sanguínea ou em tecidos diversos, é fagocitado por células

apresentadoras de antígeno, como os macrófagos, que expressam tais moléculas antigênicas em sua superfície e produzem citocinas. Determinadas células do sistema imune já possuem receptores para LPS em suas membranas, uma vez que essa bactéria faz parte da flora intestinal e está constantemente presente no organismo. Quando tal interação ocorre, o receptor começa um processo de ativação celular que desencadeia o início de suas atividades de defesa, já memorizadas anteriormente por outros episódios semelhantes, como a ativação de linfócitos T, a proliferação de linfócitos B e a sua diferenciação em plasmócitos produtores de anticorpos.

2. ESTUDOS DE USO DE P. acnes EM CÃES E GATOS

2.A. CÃESNa medicina canina, o P. acnes é utilizado como adjuvante à terapia convencional em situações de imunossupressão sistêmica ou cutânea como, por exemplo, nas doenças de pele (demodicidose, piodermite, dermatose por malassezia e dermatofitose), nas doenças virais (papilomatose e parvovirose) e também nas doenças parasitárias (erliquiose e leishmaniose), nas quais há principalmente necessidade de estímulo da resposta imune celular (Castells, 2011).

A demodicidose canina é uma dermatose ainda frequente na clínica de pequenos animais, sendo considerada um desafio quanto ao tratamento e ao prognóstico. Mediante protocolos de tratamento mais modernos, consegue-se maiores taxas de sucesso e baixas recidivas.

Um ensaio clínico foi realizado com 20 cães com demodicidose, diagnosticada por tricograma, raspado e observação de lesões cutâneas. Desses, 16 foram tratados utilizando terapia convencional (banhos com peróxido de benzoíla e amitraz a cada quatro dias) e quatro foram tratados com terapia convencional associada ao uso de P. acnes e LPS. Os resultados demonstraram que o tratamento com P. acnes diminuiu a sintomatologia clínica e o período de recuperação, quando comparado com grupo tratado com terapia convencional. Foi observado no grupo imunoestimulado também a diminuição mais rápida das lesões e do número de parasitos (larvas, ninfas, ovos e adultos) (Calier, 1999).

Quadro 1 - Composição Infervac®

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Em um relato de caso de tratamento de demodicidose canina generalizada, um cão SRD foi tratado com fluidoterapia e polivitamínico durante dois dias, dez aplicações de P. acnes associadas ao LPS a cada 48 horas, cefalexina durante 30 dias, quatro banhos com peróxido de benzoila a 2,5% a cada 3 dias e acaricida à base de moxidectina por via oral, a cada 24 horas, durante 6 meses. Com 60 dias de tratamento, a pele do cão não apresentava mais alopecias ou lesões hemorrágicas, e o paciente recebeu alta com recomendação de manter os banhos medicamentosos semanais e a administração diária do acaricida. O protocolo utilizado mostrou-se eficaz para o tratamento da enfermidade (Conte, 2008).

A patogenia da demodicidose e da piodermite

possui um componente imunossupressor associado,

caracterizado por menor proliferação de linfócitos T

aliado a um decréscimo nos níveis de IL, principalmente

na demodicidose generalizada e na piodermite

recorrente.

Uma vez que o princípio de atuação do P. acnes

concentra-se no estímulo indireto à produção de

linfócitos e na produção de citocinas, é possível

concluir que seu uso pode ser efetivo como adjuvante

no tratamento dessas enfermidades.

Em um estudo com 28 cães com diagnóstico de

piodermite recorrente superficial ou profunda, dois

tratamentos foram avaliados: tratamento convencional

(antibioticoterapia sistêmica) mais placebo ou

Figura 2 - Ação da rede de citocinas (IL, IFN, CFS e TNF) no organismo de mamíferos

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antibiótico associado ao P. acnes (via intravenosa), num total de 12 semanas. Foi observada 80% (12/15) de remissão completa ou melhora expressiva no grupo tratado com antibiótico e P. acnes, com diferença significante em relação ao grupo convencional, de 38,5% (5/13). Os resultados indicam que P. acnes é eficiente como adjuvante à antibioticoterapia no tratamento de piodermite recorrente em cães (Becker et al., 1989).

A papilomatose viral canina é uma enfermidade tumoral benigna, caracterizada pela formação de papilomas orais (lábios, faringe, língua), cutâneos ou oculares, acometendo cães jovens ou adultos, predominantemente os imunossuprimidos ou debilitados. Em caso de comprometimento do estado geral do animal, são adotados diferentes protocolos de tratamento, incluindo ressecção cirúrgica, criocirurgia quimioterapia sistêmica ou intralesional, drogas antivirais, vacinas autógenas e/ ou drogas imunomoduladoras

(Tizard, 2000; Fernandes et al., 2009).

Em um estudo com 16 cães tratados com P. acnes, sendo nove filhotes com idade entre quatro e seis meses e sete adultos com idade entre 18 meses e 15 anos, todos os animais apresentavam papilomas na mucosa bucal, e, nos casos mais graves, também no palato. Os animais jovens obtiveram regressão mais rápida das lesões, caracterizada por necrose e desprendimento dos papilomas da segunda à quinta aplicação. Nos animais adultos, as aplicações foram feitas em intervalos mais curtos (três dias) e observou-se, após a terceira aplicação, coloração enegrecida e ressecamento das lesões, com cicatrização até a sexta aplicação. Em geral, a papilomatose canina apresenta regressão autolimitante, entre um e cinco meses após seu aparecimento, e nesse estudo foi observada regressão rápida das lesões em todos os animais tratados com P. acnes, entre 21 e 36 dias ou seis aplicações (Megid et al., 2001).

Figura 3 - Observe dentro da ilustração abaixo. Agentes extracelulares (ex. bactérias, fungos)

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Em outro relato de caso com 12 cães (Quadro. 1), os animais apresentavam papilomas na língua, na gengiva e no palato, de odor fétido, causando inapetência. A predominância das lesões na cavidade oral sugere que a ingestão de água e alimentos contaminados, a lambedura de secreções que contêm partículas virais, traumatismos e/ou pequenas soluções de continuidade na cavidade oral representariam as principais vias de transmissão da doença.

Em seis animais foi verificada infecção concomitante por Ehrlichia canis, os quais apresentaram pancitopenia (anemia, leucopenia e trombocitopenia) e/ou a visualização de mórulas do parasito no sangue periférico. O tratamento com P. acnes associado ao LPS e/ou vacina autógena resultou em cura em oito animais (66,7%), e em nove animais tratados com P. acnes foi obtida cura das lesões em seis (60%). Os resultados reforçam o uso do P. acnes como alternativa

Quadro 1 - Dados clínicos-epidemiológicos e procedimentos terapêuticos em 12 cães com papilomatose viral oral canina.

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eficaz no tratamento da papilomatose viral (Fernandes et al., 2009).

Em um estudo duplo cego, no qual colaboraram diversas clínicas veterinárias de Barcelona, Espanha, 56 cães com idade entre 2 e 7 meses, apresentando diarreia sanguinolenta e/ou vômitos foram selecionados após resultado positivo de ELISA para parvovírus nas fezes. Os animais foram divididos conforme tratamento, em grupo convencional, com 25 animais (fluidoterapia glicosada, antibioticoterapia, antiemético, vitaminas do complexo B), e em grupo imunoestimulado, com 31 animais (recebendo tratamento convencional mais P. acnes associado a LPS). Foi observado menor tempo para recuperação, com diminuição dos sintomas clínicos (diarreia sanguinolenta, desidratação e vômito) e menor mortalidade no grupo imunoestimulado, quando comparado ao grupo convencional. A restauração da resposta imune é de extrema importância na parvovirose, uma vez que não há tratamento específico, apenas

sintomático. Dessa forma, a imunoestimulação com a administração de P. acnes + LPS, juntamente com o tratamento convencional, favorece a recuperação e diminui a mortalidade de cães acometidos por parvovirose (Calier, 1995).

Camundongos da linhagem BALB/c são extremamente susceptíveis a Leishmania major, que se multiplica e se dissemina rapidamente pelas vísceras e pelos tecidos cutâneos desses animais. Em um estudo, camundongos BALB/c foram infectados com L. major, juntamente com uma fração inativada de P. acnes (antigo C. parvum). Após a aplicação, foi observada rápida capacidade de bloqueio da multiplicação do parasito no local de inoculação e prevenção de disseminação em órgãos distantes. Além disso, os animais desenvolveram resistência à reinfecção. O uso de P. acnes reverteu a capacidade limitada do sistema imune de camundongos BALB/c, a gerar uma resposta protetora, ou atuou como adjuvante para prevenir a

Quadro 2 - Protocolo de uso de P. acnes em caninos de acordo com diversos autores

Demodicidose

Demodicidose

Piodermite

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multiplicação e a disseminação do parasito, permitindo que o sistema imune agisse de forma adequada. Apesar de a habilidade do P. acnes não ser específica, os mecanismos de resistência aos microrganismos pela ação de macrófagos, podem estar envolvidos. O uso de um adjuvante na inoculação do parasito sugere que o P. acnes facilite o desenvolvimento de uma resposta imune protetora (Hill, 1987).

No Quadro 2 estão compilados os protocolos de uso de P. acnes em caninos de acordo com diversos autores.

2.B. GATOS

Em medicina felina, os imunoestimulantes são mais comumente empregados nas infecções virais, especialmente na Leucemia Viral Felina (FeLV), na Imunodeficiência Viral Felina (FIV) e na Peritonite Infecciosa Felina (PIF), visando restaurar e fortalecer

a função imunológica gravemente comprometida,

fazendo com que os pacientes controlem o processo

viral, recuperando-se dos sintomas clínicos associados

(Tizard, 1991).

Dentre os imunoestimulantes com resultados

comprovados, encontram-se: interferon-α humano

recombinante (IFNα), interferon-ω felino recombinante

(IFNω), P. acnes e proteína A de Staphylococcus (SPA),

sendo que P. acnes está entre os imunoestimulantes

de melhor eficácia. Seus benefícios são potencializados

quando associado com agentes antivirais (Gunn-

Moore, 2008).

A FeLV é considerada a doença de maior relação

com mortes de felinos domésticos (Hartmann et al.,

1999) e sua progressão está relacionada ao estado

imunológico do animal, sugerindo que pequenas

alterações na capacidade de defesa do sistema imune

podem resultar em grandes mudanças na habilidade

Quadro 3 - Protocolos de uso de P. acnes em felinos de acordo com diversos autores

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de controle da infecção. A leucemia, propriamente dita, é um achado incomum em gatos com FeLV. O achado mais prevalente é a leucopenia, demonstrando uma imunossupressão profunda, que se apresenta relacionada às síndromes secundárias. Apesar de uma pequena parcela dos gatos infectados com FeLV realmente desenvolver a doença clínica, uma vez iniciado os sintomas, quase 70% dos casos resultam em óbito em até 8 semanas (Tizard, 1991).

O tratamento de gatos infectados com FeLV é, em sua maioria, sintomático. As terapias que visam o estímulo do sistema imune são relatadas com sucesso. Segundo Cox (1988), citado por Flaminio et al. (1998), a administração de P. acnes em gatos infectados com FeLV resulta em aumento do apetite e estimulação da hematopoiese. Em um estudo realizado por Tizard (1991), em 19 gatos que manifestavam sinais clínicos de FeLV, tratados com P. acnes, 47,4% obtiveram melhora clínica, dos quais dois animais apresentaram exames sorológicos negativos após o tratamento. As análises hematológicas revelaram que os animais tratados com P. acnes atingiram valores de linfócitos, neutrófilos e hematócrito mais próximos aos valores de referência, se comparados ao grupo controle. Ao final do experimento de 20 semanas, 63% dos animais ainda mantinham-se vivos.

Em gatos infectados com FIV, o uso de imunomoduladores, como o P. acnes, associado ao interferon-α, é o protocolo de eleição por sua eficácia e segurança (Ayala et al., 1998). Além disso, o uso dessa associação reduz a sintomatologia, melhora o estado geral do animal e prolonga o tempo de vida, podendo, ocasionalmente, induzir a remissão da viremia (McCaw; Shelton, 1994 citado por Ayala et al., 1998).

De forma semelhante, Weiss et al. (1990) também obtiveram resultados positivos no uso da associação de imunoestimulantes na terapia de tratamento para PIF. Em gatos experimentalmente infectados com doses letais de vírus da PIF, o uso da combinação de P. acnes e interferon diminuiu temporariamente os sintomas clínicos e aumentou o tempo de sobrevivência, obtendo melhores resultados se comparado à administração única de altas doses de interferon.

Vários médicos veterinários já descreveram suas experiências pessoais no tratamento de FeLV, em mesas-redondas. Em uma discussão, foi relatado o tratamento de 76 gatos, com sintomas de FeLV utilizando P. acnes, prednisolona, antibióticos e vitaminas, dos quais 72%

se tornaram soronegativos para FeLV. Em outro relato de caso, foram tratados 700 gatos infectados com FeLV utilizando P. acnes, antibióticos, fluidoterapia e outros tratamentos de suportes, em que 50% dos animais obtiveram melhora clínica, apesar de a soroconversão ter sido rara (Lies, 1990 citado por Levy, 2002).

No quadro 3 estão compilados os protocolos de uso de P. acnes em felinos de acordo com diversos autores.

3. CONCLUSÃO

Os imunoestimulantes têm sido utilizados em diversos estudos como forma de melhorar o tratamento e o prognóstico de doenças, principalmente as de difícil resolução, como as infecções crônicas, as doenças virais e alguns tipos de neoplasias. Além disso, seu efeito associado à vacinação estabelece imunidade inespecífica e amplia a imunidade específica. Infelizmente, seu uso na prática da Medicina Veterinária ainda é restrito, já que suas doses e vias de uso ainda não estão bem estabelecidas, além de poucos produtos comerciais estarem disponíveis no mercado. Contudo, deve-se destacar o P. acnes como imunoestimulante de escolha, uma vez que os estudos descritos neste trabalho demonstram os diversos benefícios em seu uso na rotina clínica.

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