compartimentos da resposta imune

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Universidade de São Paulo Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Programa de Pós-Graduação em Imunologia Básica e Aplicada Autores: Gislane Lelis Vilela de Oliveira e Bernardo Pereira Moreira Compartimentos da Resposta Imune Os órgãos e tecidos linfóides podem, didaticamente, ser divididos em órgãos linfóides primários (medula óssea e timo) e órgãos linfóides secundários (sistema linfático, linfonodos e baço). A medula óssea é constituída por tecido esponjoso com função principal de realizar a hematopoese, que ocorre no interior dos ossos chatos (esterno, vértebras, ílio, costelas, dentre outros). As principais células do sistema imunológico, os linfócitos B e T, têm origem em progenitor linfóide comum e seu desenvolvimento, e ainda, a maturação funcional ocorrem na medula óssea, para o linfócito B e, no timo para os linfócitos T. O timo está localizado atrás do osso esterno e é formado por uma cápsula de tecido conjuntivo. Está dividido em lobos esquerdo e direito e subdividido em lóbulos. Cada um desses lóbulos contém um córtex externo e uma medula interna. Os linfócitos T, durante sua maturação, são chamados de timócitos,

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Page 1: Compartimentos da Resposta Imune

Universidade de São Paulo

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto

Programa de Pós-Graduação em Imunologia Básica e Aplicada

Autores: Gislane Lelis Vilela de Oliveira e Bernardo Pereira Moreira

Compartimentos da Resposta Imune

Os órgãos e tecidos linfóides podem, didaticamente, ser divididos em órgãos linfóides

primários (medula óssea e timo) e órgãos linfóides secundários (sistema linfático, linfonodos e

baço).

A medula óssea é constituída por tecido esponjoso com função principal de realizar a

hematopoese, que ocorre no interior dos ossos chatos (esterno, vértebras, ílio, costelas, dentre

outros). As principais células do sistema imunológico, os linfócitos B e T, têm origem em

progenitor linfóide comum e seu desenvolvimento, e ainda, a

maturação funcional ocorrem na medula óssea, para o

linfócito B e, no timo para os linfócitos T.

O timo está localizado atrás do osso esterno e é

formado por uma cápsula de tecido conjuntivo. Está dividido

em lobos esquerdo e direito e subdividido em lóbulos. Cada

um desses lóbulos contém um córtex externo e uma medula

interna. Os linfócitos T, durante sua maturação, são chamados

de timócitos, passando por dois processos de maturação

importantes, a seleção positiva, que ocorre no córtex, e ainda,

a seleção negativa que ocorre na medula. No processo de

seleção positiva, somente são selecionados os timócitos que

apresentam interação adequada do TCR com a molécula do

MHC. Na seleção negativa, são delidos os linfócitos com alta afinidade pelos antígenos próprios

(link Tolerância).

Os órgãos linfóides secundários são os locais onde as respostas imunes são iniciadas.

Antígenos com porta de entrada nos tecidos são conduzidos aos linfonodos drenantes pelas células

dendríticas, carregados pela linfa por intermédio dos vasos linfáticos, enquanto antígenos

introduzidos diretamente na corrente sanguínea são conduzidos ao baço.

Os linfonodos estão localizados ao longo dos vasos linfáticos e são pequenos órgãos

envoltos em cápsula fibrosa, perfurada por um vaso linfático aferente, por onde a linfa adentra ao

Page 2: Compartimentos da Resposta Imune

linfonodo e um vaso eferente, de saída do liquido “filtrado”. Os linfonodos são constituídos por

córtex e medula interna. A camada mais externa do córtex contém os folículos primários ou zona de

células B e, na região parafolicular, a zona de células T.

Após os respectivos processos de maturação no timo ou medula óssea, os linfócitos entram

na circulação sanguínea, povoando os órgãos linfóides secundários. Ao migrarem para os

linfonodos, os linfócitos B e T naive atingem o estroma do córtex pelas vênulas de endotélio alto

(HEV – high endothelial venules), havendo interação da selectina (CD62L), presente nos linfócitos

T e B, com o ligante dessa molécula expresso nas HEVs. Uma vez dentro do linfonodo, ocorre

segregação anatômica dessas células, que expressam receptores que se ligam a quimiocinas

específicas presentes em diferentes locais do linfonodo. Assim, as quimiocinas CCL19 e CCL21

são produzidas pelas células estromais da região parafolicular, atraindo para essa região linfócitos T

e células dendríticas que expressam CCR7 (receptor específico para CCL19 e CCL21). A

quimiocina CXCL13 é produzida pelas células foliculares e atrai os linfócitos B naive para os

folículos primários, por meio da expressão do receptor CXCR5.

Uma vez que haja o encontro da célula dendrítica com o antígeno nos tecidos, essas células

migram para os vasos linfáticos por onde são

levadas até aos linfonodos onde se inicia a

resposta que envolve a interação de linfócitos

T e B. Os linfócitos T CD4 auxiliares são

ativados por células dendríticas que

apresentam o antígeno peptídico e passam

então a expressar CD40 e CXCR5, migrando

assim em direção ao folículo. Já os linfócitos

B, ativados pelo antígeno solúvel ou

apresentados na superfície de células

dendríticas foliculares, passam a expressar CD40L e CCR7, migrando assim em direção a zona de

células T. Dessa forma, as duas células entram em contato e a interação dos seus ligantes é essencial

na formação do centro germinativo ou folículo secundário, região de amplificação da resposta

imune. Após essa interação, os linfócitos B voltam a expressar CXCR5 e retornam ao folículo, onde

iniciam intensa proliferação. Depois disso, as células vão passar pelo processo de maturação de

afinidade e somente aquelas que mantiverem maior afinidade ao antígeno são selecionadas para

diferenciação em células secretoras de anticorpos e células B de memória (link Imunidade

Humoral). As células T e B ativadas nos linfonodos, por intermédio da mudança da expressão de

receptores, migram para o local da infecção, onde realizam sua função efetora.

Page 3: Compartimentos da Resposta Imune

Assim como os linfonodos filtram a linfa, o baço exerce sua função de filtrar o sangue,

eliminando antígenos veiculados diretamente pela corrente sanguínea. Este órgão envolto por uma

cápsula está localizado no quadrante superior esquerdo do abdômen e está subdivido, interiormente,

em polpa branca e polpa vermelha. A polpa branca é constituída principalmente por linfócitos T e

B, que também são segregados anatomicamente pela atração de quimiocinas, assim como nos

linfonodos, compreendendo as zonas de células B (folículos) e zonas de células T. Na polpa

vermelha, encontram-se grandes quantidades de eritrócitos, células dendríticas e macrófagos, que

desempenham papéis importantes na remoção de microrganismos opsonizados e hemácias

danificadas, modificadas ou senescentes.

Como parte dos órgãos linfóides secundários está o sistema imunológico cutâneo e o

associado às mucosas. O sistema imunológico cutâneo é constituído pela pele, como a principal

barreira física, sendo os queratinócitos, células de Langerhans e linfócitos intra-epiteliais os

constituintes da primeira barreira de vigilância. Na derme, estão macrófagos e linfócitos T (tanto

CD4+ quanto CD8+) e essas células podem entrar nos vasos linfáticos e iniciar a resposta imune

nos linfonodos.

O sistema imunológico associado às mucosas, por outro lado, é constituído principalmente

pelas mucosas dos tratos gastrintestinal e respiratório. Estes ambientes são colonizados por

linfócitos e APCs e podem, rapidamente, migrar para os linfonodos para iniciar a resposta imune.

Como principal constituinte do sistema imunológico associado às mucosas, estão as Placas de

Peyer, que são conjuntos organizados de linfócitos, localizados logo abaixo do epitélio mucoso e

que podem rapidamente iniciar a resposta imune frente a um antígeno.

Esta organização dos tecidos linfóides está relacionada com a funcionalidade das células de

defesa que possuem a capacidade de vigiar todo o organismo e responder de forma efetiva em todos

os sítios de infecção. Para isso, o sistema deve ser capaz de responder a qualquer tipo de patógeno

que pode invadir qualquer lugar do organismo, mesmo levando-se em consideração que somente

poucos linfócitos são específicos para cada antígeno. Para isso, a rede de vasos sanguíneos e vasos

do sistema linfático proporcionam vias acessíveis para que os linfócitos vigiem o organismo e

facilitem a sua chegada aos sítios de infecção e exerçam seus mecanismos efetores. O movimento

dos linfócitos entre esses locais é chamado de recirculação linfocitária e o processo pelo qual as

diferentes populações de linfócitos entram em determinados tecidos em detrimento de outros, é

chamado de endereçamento linfocitário ou homing. Essa recirculação e migração de linfócitos são

mediadas por moléculas de adesão presentes nas superfícies dos linfócitos e das células endoteliais,

além de moléculas quimioatraentes produzidas por várias células (quimiocinas).

Page 4: Compartimentos da Resposta Imune

As moléculas de adesão e

quimiocinas são expressas em

diferentes momentos nas células e

tecidos. Linfócitos naive ou inativos

expressam principalmente receptores

L-selectina, cujo principal ligante é

expresso na superfície de células

endoteliais e estão relacionados com

a adesão dos linfócitos às vênulas de

endotélio alto (HEVs) que chegam

aos linfonodos. Se não são ativadas

por células apresentadoras de

antígenos, os linfócitos naive saem

dos linfonodos através dos vasos linfáticos eferentes e retornam à corrente sanguínea. Quando os

linfócitos que atingiram os linfonodos são ativados por células APCs (link Imunidade Celular) que

capturaram antígenos na periferia, eles passam a expressar um novo perfil de moléculas de

superfície e receptores, diferentes daqueles expressos em linfócitos naive. Então, ocorre aumento de

ligantes de selectinas –E e –P nas superfícies dos linfócitos ativados que se aderem ao endotélio de

capilares expressando selectinas –E e -P, nos locais de infecção. Integrinas de alta afinidade, como

LFA-1 (Lymphocyte function-associated antigen 1) e VLA-4 (Very Late Antigen-4) também são

expressas pelos linfócitos efetores que auxiliam na forte adesão destas células na parede dos

capilares e posterior migração para o tecido inflamado adjacente. Esta migração é dependente de

diferentes quimiocinas produzidas nos sítios de inflamação. Para cada tipo de tecido, são expressos

diferentes perfis de quimiocinas (ex: CCL25 na inflamação intestinal, CCL27 na inflamação

cutânea).

Os diferentes tipos celulares, em diferentes estágios de desenvolvimento e maturação,

expressam perfis específicos de moléculas de superfície e receptores, sendo responsáveis pelo

direcionamento dessas células para o seu local de ação. Todo esse mecanismo e as vias de

recirculação são fundamentais para o sucesso do sistema imunológico em combater as infecções e

manter a homeostase do organismo.

Page 5: Compartimentos da Resposta Imune

Implicações Clínicas

Uma vez perdida a homeostase no organismo, surgem alterações na função ou na arquitetura

dos órgãos linfóides primários ou secundários. No entanto, algumas alterações podem ser

congênitas ou de origem genética como veremos a seguir.

Algumas alterações na medula óssea podem ocorrer por insuficiência desse tecido, como

ocorre na anemia aplásica, ou por interferências na composição celular da medula, como ocorre nas

leucemias, em que as células neoplásicas infiltram esse tecido. O paciente com anemia aplásica

possui medula óssea hipocelular e o seu desenvolvimento está associado com exposições a drogas,

radiação ionizante, agentes químicos e infecções virais. Por outro lado, pacientes com leucemia

mielóide aguda apresentam a medula óssea infiltrada por blastos que sofreram transformação

neoplásica e prejudicam a produção de células sanguíneas (hematopoese).

Medula óssea hipocelular (aplasia de medula) e composição celular de medula óssea saudável. Fonte: Zago, MA; Falcão, RP; Pasquini, R. Hematologia, fundamentos e prática.

Medula óssea infiltrada por blastos mielóides em pacientes com leucemia mielíde aguda. Fonte: http://anatpat.unicamp.br/lamhemo4.html.

Page 6: Compartimentos da Resposta Imune

A ausência congênita do timo, conhecida como síndrome de DiGeorge, é caracterizada pelo

numero reduzido de células T maduras na circulação sanguínea e nos órgãos linfóides periféricos,

ocasionando deficiência na imunidade mediada por linfócitos T.

Com relação aos órgãos linfóides secundários, algumas alterações podem ocorrer nos

linfonodos, como aumento de tamanho (adenomegalia) nos linfomas e alterações na arquitetura,

como ocorre na leucemia linfóide crônica. Os linfomas compreendem um conjunto de alterações,

em que ocorre transformação neoplásica dos linfócitos, infiltrando os linfonodos (principalmente os

axilares), formando massas tumorais linfáticas e prejudicando o funcionamento das respostas

imunes. Na leucemia linfóide crônica, ocorre alteração da arquitetura dos linfonodos, com

comprometimento das zonas cortical e medular e desaparecimento dos folículos devido à infiltração

por linfócitos em todo o órgão, incluindo a região do hilo.

Biópsia do linfonodo evidenciando todo comprometimento da arquitetura do órgão. Ausência de diferenciação das zonas cortical e medular e ausência de folículos. Fonte: http://anatpat.unicamp.br/lamhemo7.html.

Com relação ao baço, algumas doenças podem apresentar aumento deste órgão

(esplenomegalia), como ocorre em algumas doenças hematológicas (alguns tipos de anemias) e

infecciosas. O baço também participa na eliminação de hemácias defeituosas ou senescentes,

eliminando da circulação as células com alterações de forma, como os eritrócitos falciformes na

anemia falciforme ou as hemácias esféricas na esferocitose hereditária. Por outro lado, a retirada

deste órgão linfóide, seja por falência como consequência de doenças ou por acidentes, prejudica

gravemente o processo de fagocitose de bactérias encapsuladas, deixando estas pessoas suscetíveis

a infecções por tais bactérias.

Page 7: Compartimentos da Resposta Imune

Hemácias normais bicôncavas, esferócitos e hemácia falciforme em microscopia eletrônica de varredura. Fonte: Página da Academia de Ciência e Tecnologia (http://www.ciencianews.com.br/perguntas/perguntas-index.htm).

Microscopia eletrônica de varredura mostrando um macrófago, fagocitando um esferócito no baço. Fonte: Página da Academia de Ciência e Tecnologia (http://www.ciencianews.com.br/perguntas/perguntas-index.htm).