1. introdução; 1. introduÇÃo 2. teoria dasegmentação do ... · a teoria da segmentação do...

11
1. Introdução; 2. Teoria da segmentação do mercado de trabalho; 3. Comentários sobre a teoria; 4. Evidências empíricas sobre o mercado interno de trabalho. Maria Cristina Cacciamali de Souza * * Meste em economia pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEAUSP); Professora do Departamento de Economia da mesma .. Rev. Adm, Emp. Rio de Janeiro, 1. INTRODUÇÃO A teoria da segmentação do mercado de trabalho (MT) comporta diferentes abordagens. Cada enfoque parte de hípôteses específicas que condicionam a segmentação e procura explicar os diferentes tipos de emprego existentes noMT. Cada tipo de emprego caracteriza-se por diferentes critérios de recrutamento, seleção, treinamento e promo- ção da mão-de-obra, bem como apresenta diversas formas de supervisão, condições de trabalho e níveis salariais. São, por outro lado, preenchidos por diferentes grupos de tra- balhadores que constituem a força de trabalho. Os diferentes segmentos do MTsão denominados na literatura 1 primário independente, primário dependente e secundário. Os empregos que compõem o mercado de trabalho primário caracterizam-se por período integral, estabili- dade, e salário e produtividade relativamente altos. As pro- moções e os salários são determinados por regras e proce- dimentos administrativos determinados no interior da empresa. 2 Estes empregos são típicos de empresas de gran- de porte, que apresentam alta relação capital-trabalho, às vezes oligopolistas. Parte considerável do custo de mão- de-obra, neste segmento do mercado de trabalho, pode ser considerada para a empresa como custo fixo. O segmento do mercado de trabalho denominado pri- mário dependente, ou rotineiro, compreende ocupações na linha de produção das grandes empresas, geralmente oligopolistas, da indústria de transformação e do setor de serviços (transporte e comunicações), ocupações rotineiras de escritório e burocráticas da administração direta e indi- reta do governo. A produtividade destes empregos é deter- minada por uma série de atributos da mão-de-obra, tais como: hábitos de trabalho estáveis, responsabilidade, res- peito à hierarquia e aceitação de metas de produção. A qualificação específica é obtida no próprio emprego, me- diante o desempenho na função e a experiência adquí- rida. 3 As ocupações que compõem este segmento estão su- jeitas a promoções, por meio de critérios e cadeias de promoções bem definidas pela empresa. O elo inicial de tais cadeias constitui-se na porta de entrada da empresa, sendo preenchido por elementos do mercado externo de trabalho mediante critérios de seleção, que envolvem, além dos citados, escolaridade, sexo, idade, raça." Os elos seguintes das cadeias de promoção são preenchidos geral- mente por elementos da própria empresa, isto é, por meio , de elementos do mercado interno de trabalho, mediante treinamento. Enfatiza-se aqui a diferença entre os con- ceitos de on-the-job-training e tmining-on-the-job, O pri- meiro processo consiste em aprender a executar uma ta- refa trabalhando sobre ela; o segundo em aprender uma tarefa enquanto se executa uma outra." "A principal di- ferença entre os dois processos reside em seus custos rela- tivos; training-on-the-job é essencialmente um subproduto do processo de produção, um bem livre para a empresa, apesar de que talvez não o seja para o empregado" . 6 O 18 (1): 59-69, jan./mar. 1978 Mercado de trabalho abordagens duais

Upload: others

Post on 14-Jun-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 1. Introdução; 1. INTRODUÇÃO 2. Teoria dasegmentação do ... · A teoria da segmentação do mercado de trabalho pode ser apresentada sob dois prismas. Inicialmente, Doeringer

1. Introdução;2. Teoria da segmentação do mercado

de trabalho;3. Comentários sobre a teoria;

4. Evidências empíricas sobre o mercadointerno de trabalho.

Maria Cristina Cacciamali de Souza *

* Meste em economia pela Faculdadede Economia e Administração da

Universidade de São Paulo (FEAUSP);Professora do Departamento de

Economia da mesma ..

Rev. Adm, Emp. Rio de Janeiro,

1. INTRODUÇÃO

A teoria da segmentação do mercado de trabalho (MT)comporta diferentes abordagens. Cada enfoque parte dehípôteses específicas que condicionam a segmentação eprocura explicar os diferentes tipos de emprego existentesnoMT.

Cada tipo de emprego caracteriza-se por diferentescritérios de recrutamento, seleção, treinamento e promo-ção da mão-de-obra, bem como apresenta diversas formasde supervisão, condições de trabalho e níveis salariais. São,por outro lado, preenchidos por diferentes grupos de tra-balhadores que constituem a força de trabalho.

Os diferentes segmentos do MTsão denominados naliteratura 1 primário independente, primário dependente esecundário.

Os empregos que compõem o mercado de trabalhoprimário caracterizam-se por período integral, estabili-dade, e salário e produtividade relativamente altos. As pro-moções e os salários são determinados por regras e proce-dimentos administrativos determinados no interior daempresa. 2 Estes empregos são típicos de empresas de gran-de porte, que apresentam alta relação capital-trabalho, àsvezes oligopolistas. Parte considerável do custo de mão-de-obra, neste segmento do mercado de trabalho, pode serconsiderada para a empresa como custo fixo.

O segmento do mercado de trabalho denominado pri-mário dependente, ou rotineiro, compreende ocupaçõesna linha de produção das grandes empresas, geralmenteoligopolistas, da indústria de transformação e do setor deserviços (transporte e comunicações), ocupações rotineirasde escritório e burocráticas da administração direta e indi-reta do governo. A produtividade destes empregos é deter-minada por uma série de atributos da mão-de-obra, taiscomo: hábitos de trabalho estáveis, responsabilidade, res-peito à hierarquia e aceitação de metas de produção. Aqualificação específica é obtida no próprio emprego, me-diante o desempenho na função e a experiência adquí-rida.3

As ocupações que compõem este segmento estão su-jeitas a promoções, por meio de critérios e cadeias depromoções bem definidas pela empresa. O elo inicial detais cadeias constitui-se na porta de entrada da empresa,sendo preenchido por elementos do mercado externo detrabalho mediante critérios de seleção, que envolvem,além dos citados, escolaridade, sexo, idade, raça." Os elosseguintes das cadeias de promoção são preenchidos geral-mente por elementos da própria empresa, isto é, por meio

, de elementos do mercado interno de trabalho, mediantetreinamento. Enfatiza-se aqui a diferença entre os con-ceitos de on-the-job-training e tmining-on-the-job, O pri-meiro processo consiste em aprender a executar uma ta-refa trabalhando sobre ela; o segundo em aprender umatarefa enquanto se executa uma outra." "A principal di-ferença entre os dois processos reside em seus custos rela-tivos; training-on-the-job é essencialmente um subprodutodo processo de produção, um bem livre para a empresa,apesar de que talvez não o seja para o empregado" .6 O

18 (1): 59-69, jan./mar. 1978

Mercado de trabalho abordagens duais

Page 2: 1. Introdução; 1. INTRODUÇÃO 2. Teoria dasegmentação do ... · A teoria da segmentação do mercado de trabalho pode ser apresentada sob dois prismas. Inicialmente, Doeringer

60

processo de training-on-the-job, como se verá adiante, pre-valecendo constantemente nas empresas, tem grande in-fluência na determinação das seqüências de promoção.

A estabilidade do trabalhador é incentivada pelo siste- .ma de promoções, que considera, no processo de avaliaçãodo desempenho do indivíduo, o tempo de casa como umdos critérios relevantes para percorrer os vários degraus daescala promocional.

A estrutura da cadeia de promoção determina a ma-nutenção do trabalhador no mercado de trabalho no seg-mento em que se inseriu, e legitima as desigualdades de au-toridade e controle. 7

A estrutura hierárquica e rígida dos salários e o sis-tema de promoções baseado em tempo de casa incentivama não-competição entre trabalhadores novos e antigos, eestes se sentem menos ameaçados ~m transmitir sua expe-riência ao longo do desempenho da função. Representaesse um fator favorável à manutenção e à continuação dasrelações de trabalho vigentes na sociedade.

O segmento designado por primário independente, oucriativo, é privilegiado dentro do mercado de trabalho.Compreende ocupações ligadas a gerência e/ou supervisãoadministrativa, de planejamento ou fmanceiras das grandesempresas, geralmente obgopolístas," da indústria de trans-formação, do setor serviços (bancos, grande comércio,transportes, comunicações), e da administração direta eindireta do governo. Compõe-se de empregos que exigeminiciativa própria e criatividade por parte do trabalhador.

As ocupações do segmento primário rotineiro exigemaceitação de normas impostas. Os trabalhadores, no de-sempenho das funções dessas ocupações, detêm pequenopoder de decisão sobre regras e procedimentos da em-presa, seja a nível administrativo, seja na própria linha deprodução. As ocupações do primário criativo, em contra-posição, tomam as regras e procedimentos da empresacomo um dado existente e inovam sobre as normas inter-nas. As funções que envolvem as ocupações do segmentonão podem ser desempenhadas por mera repetição e prá-tica adquirida no exercício da função.

A produtividade destes empregos é determinada poruma série de atributos da mão-de-obra, .tais como racio-cínio dedutivo, aplicação de raciocínio abstrato a pro-blemas imediatos, liderança, capacidade e rapidez emtomar decisões, segurança pessoal, ambição, formação etreinamento formal profissional. Como grau de escolari-dade exige-se, normalmente, segundo grau completo, uni-versitário incompleto ou completo.

As camadas superiores do segmento primário do mer-cado de trabalho, apesar das cadeias de promoção, estãosujeitas a maior influência do mercado externo, no quese refere a salários, alocação e treinamento. Estas deci-sões são tomadas entre firmas, caso contrário a rotativi-dade aumentará," implicando custos indesejáveis para asempresas. Isto é, quando o trabalhador necessita de qua-lificação específica para desempenhar certas funções emuma empresa, esta suporta os custos de treinamento, sejaformal, training-on-the-job, ou on-the-job-traintng," dadoque os trabalhadores, em geral, não estariam interessados

Revista de Administração de Empresas

em arcar com custos de treinamento, cujo acréscimo deconhecimento seria somente aplicável a uma empresa de-terminada. Dessa forma, a empresa não está disposta aperder trabalhadores que detêm conhecimentos espe-cíficos, pois além de ter que arcar com os custos de treina-mento de novos trabalhadores, perde o nível de produti-vidade daqueles já treinados e adaptados às funções.

Os empregos compreendidos no segmento secundáriodo mercado de trabalho requerem mínima qualificação,propiciam o mínimo de treinamento 10 e não estão inse-ridos em cadeias promocionais. Os salários e produtividadesão relativamente baixos, os hábitos de trabalho não sãoestáveis, a rotatividade é alta, e mudanças de emprego nãocorrespondem à melhoria salarial.'! O contrato formal detrabalho é quase uma exceção. Os empregos do mercadosecundário são oferecidos, em grande parte, por pequenasfirmas competitivas que atuam em mercados restritos, eapresentam demanda instável, tendo ainda como agravantepouco acesso a capital e tecnologia, devido à pouca gera-ção de lucros. 12

Entretanto empregos característicos do mercado se-cundário são oferecidos também em grandes empresasindustriais. A segmentação do MT é uma das respostas dosistema capitalista aos movimentos e reivindicações dostrabalhadores." Compartindo a classe trabalhadora, com-promete-se sua solidariedade enquanto classe. Geram-seconflitos internos na medida em que o trabalhador domercado primário não se identifica com o do secundário, eàs vezes pode vê-lo como concorrente em potencial.

Obviamente, não existe neste segmento mercado in-terno de trabalho, visto que o trabalho é aparentementehomogêneo, e o custo de rotatividade de mão-de-obra énulo ou próximo disso. Os salários, dessa forma, não refle-tirão geralmente variações nas características individuaisda mão-de-obra, mas serão determinados pela oferta e de-manda agregadas de trabalho no mercado.

Excetuando-se os casos em que o mercado secundáriorepresenta um papel importante para quem não quer, ounão pode, inserir-se no mercado de trabalho por vínculoformal e regular (donas de casa com filhos pequenos, estu-dantes, etc.),14 a condição dos trabalhadores neste mer-cado, sujeitos a hábitos não estáveis de trabalho e de em-prego, sem possibilidade de aprendizagem e treinamento, éa de um círculo vicioso .. Isso decorre de que, ainda quefatores aleatórios lhe proporcionassem condições de al-terar sua situação de emprego, as características do pas-sado constituem forte empecilho a esta mudança, seja porhábitos adquiridos, seja por preconceito social.

2. TEORIA DA SEGMENTAÇÃO DO MERCADODE TRABALHO

A teoria da segmentação do mercado de trabalho pode serapresentada sob dois prismas.

Inicialmente, Doeringer e Piore IS apresentam o surgi-mento da segmentação do mercado de trabalho, entre pri-mário e secundário, como resultado da crescente especifi-

Page 3: 1. Introdução; 1. INTRODUÇÃO 2. Teoria dasegmentação do ... · A teoria da segmentação do mercado de trabalho pode ser apresentada sob dois prismas. Inicialmente, Doeringer

cidade das funções nas firmas,16 do on-the-job-trainingpara adquirir as qualificações necessárias a seu desem-penho e-da influência das leis consuetudinárias em vigorno interior da firma.

Cada estrutura de mercado interno de trabalho refleteum ajuste alocativo, que satisfaz o empregador no que serefere à alocação de custos de treinamento e rotatividadede mão-de-obra; satisfaz também os trabalhadores do mer-cado interno, no que se refere a sua estabilidade no empre-go, vantagens adquiridas e possibilidade de promoção(ascensão, maiores salários, etc.).

Este raciocínio, aplicado ao mercado secundário,indica que o empregador, nesse mercado, não deseja inves-tir em treinamento, e que os empregados, devido a suascaracterísticas, tais como raça, sexo, condição socíoeco-nômica própria e da família, escolaridade, experiência pro-fissional, etc., só podem inserir-se nesse segmento.

A alocação inicial do trabalhador em um emprego,normalmente, irá determinar a evolução de suas caracte-rísticas pessoais e suas futuras inserções no mercado detrabalho. Os hábitos de trabalho adquiridos pelo traba-lhador em empregos intermitentes e instáveis e reprodu-zidos no meio social em que vive o condicionam, e pos-teriormente tenderão a condicionar seus filhos, a perma-necer no segmento secundário do mercado de trabalho.

Fatores de discriminação social também são incluídosna análise de Doeringer e Piore. O enfoque apresentadosobre esse problema, no entanto, leva a analisar a discri-minação mais como fator cultural, um dado existente nosistema social, que como a evolução histórica do sistemacapitalista e, conseqüentemente, do processo da divisão dotrabalho.

Vietorisz e Harríson'? apresentam outra justificativapara a segmentação do mercado de trabalho. A produçãobásica, nesse trabalho, reside nas diferenças tecnológicasda estrutura industrial, entre as principais atividades quecompõem os segmentos primário e secundário do MT. Aorganização do sistema industrial, que condiciona a estru-tura da demanda de trabalho, cerceia os mais pobres narealização de suas potencialidades.

O dualismo tecnológico, fruto da concentração dosistema capitalista, induz e reforça a segmentação'do mer-cado de trabalho por meio de feedback positivo, ao invésde negativo, do ciclo técnico de produção. Isto é, no mer-cado primário, os altos salários induzem à adoção e ino-vação de técnicas intensivas de capital mas, ao invés dereduzir os salários via redução de demanda de trabalho(modelo neoclássico), os investimentos em capital humanoacompanham os investimentos em capital físico. Estas rea-ções acarretam aumentos na produtividade, devido ao aco-plamento entre o capital moderno adotado pela empresa ea qualificação da mão-de-obra e, conseqüentemente, au-mentos nos salários.

No mercado secundário de trabalho, em contrapar-tida, a persistência na utilização de técnicas intensivas demão-de-obra e a não existência de investimentos em ca-pital humano mantêm a produtividade e os salários estag-nados.

Vietorisz e Harrison, baseados nesse argumento, ne-gam a hipótese neoclássica de feedback negativo, isto é, dedesenvolvimento convergente do ciclo técnico de pro-dução, que equaliza os salários entre atividades. Admitem,por outro lado, que o mercado de trabalho é dominadopor mecanismos de feedback positivo, isto é, de desenvol-vimento.divergente do ciclo técnico de produção, que im-plica segmentação e divergências salariais entre atividades.

Estas duas interpretações sobre a segmentação domercado de trabalho provêem explicações sobre a per-sistência de pobreza, subemprego e desemprego nas classesmenos favorecidas da sociedade. Tais interpretações,entretanto, giram ao redor das condições tecnológicas pre-dominantes na estrutura do sistema econômico vigente.Explicitando: os menos favorecidos reproduzem as rela-ções sociais (de família, educação e emprego) no seio dosegmento populacional em que vivem, e seus filhos têmgrande probabilidade de adquirir estes comportamentos ereproduzi-los, Por isso, são vistos com desconfiança pelosempregadores em geral e, em particular, pelos do seg-mento primário do mercado de trabalho. Os menoresíndices de contratação dos menos favorecidos devem-se aonível de educação e qualificação profissional e às suascaracterísticas gerais, adquiridas no segmento populacio-nal em que estão inseridos. Para o empregador esse tipo demão-de-obra implica maiores custos de treinamento emserviços, associados a custos de rotatividade de mão-de-obra, e em maiores riscos devido a seus hábitos de instabi-lidade de trabalho e emprego.

Em contraposição a esses autores, Reich, Edwards eGordon.!" estudando a história dos Estados Unidos, apre-sentam a origem e manutenção da segmentação do mer-cado de trabalho na evolução das forças políticas e eco-nômicas inerentes ao sistema capitalista, na passagem docapitalismo competitivo ao capitalismo monopólico. Asegmentação do mercado de trabalho corresponde a umesforço consciente dos capitalistas industriais no sentidode dividir e conquistar a força de trabalho. Os capitalistase o Estado organizam a produção e as instituições deapoio à produção (escolas, sindicatos, etc.), de forma amanter o controle sobre o sistema produtivo e reduzir opoder de barganha salarial dos trabalhadores.

O controle sobre o sistema produtivo e sua manuten-ção são favorecidos, em grande parte, quando a força detrabalho é dividida em grupos de interesses opostos; equando os interesses dos trabalhadores mais qualificados,de mais difícil reposição devido ao treinamento incorpo-rado, identificam-se com os dos capitalistas e organi-zadores da produção. Esta linha de estudo enfatiza, não adualidade do mercado de trabalho, mas a funcionalidadede sua segmentação na evolução e manutenção do sistemacapitalista.

Dividindo os trabalhadores, diminuindo-lhes o poderda barganha frente aos empregadores e impondo barreirasentre segmentos, limitando suas aspirações, institui-se umsistema de controle que ratifica e mantém as diferençasentre os diversos segmentos do mercado de trabalho, fa-vorecendo os capitalistas e os organizadores de produção.

Mercado de trabalho

61

Page 4: 1. Introdução; 1. INTRODUÇÃO 2. Teoria dasegmentação do ... · A teoria da segmentação do mercado de trabalho pode ser apresentada sob dois prismas. Inicialmente, Doeringer

3. COMENTÁRIOS SOBRE A TEORIA

A dualidade ou segmentação do mercado de trabalho podeser originada devido:

a) à necessidade de uma forma operacional mais flexívelno dinamismo do processo produtivo (Doeringer e Piore);b) ao duálísmo tecnol6gico resultante da concentraçãocapitalista (Víetorísz e Harrison);

c) ao processo hist6rico de estratificação dos trabalha-dores imposta pelos capitalistas, e/ou organizadores daprodução, ao longo da evolução do sistema capitalista(R.eich, Edwards e Gordon).

62

Qualquer que seja a origem, as barreiras existentes nomercado de trabalho coíbem a mobilidade dos traba-lhadores entre os segmentos primário e secundário. Mesmono primário, existem barreiras entre o independente e ro-tineiro. Os empregos do primário independente não po-dem ser preenchidos pelos trabalhadores somente pormaior experiência ou melhor desempenho na função, umavez que são qualitativamente díferentes,'? e os traba-lhadores também deverão possuir características diferentespara passar de um segmento a outro.

O dualismo do mercado de trabalho, do lado da de-manda, é influenciado: a) pelo tipo de empresa; b) pelacaracterística do emprego em que o indivíduo trabalha.Empresas competitivas (empresas pequenas, tanto indus-triais como comerciais) tendem a oferecer empregos dotipo secundário, enquanto empresas oligopolistas (grandesempresas, tanto industriais como comerciais) tendem aoferecer empregos do tipo primário. Isto deve-se ao fatode as empresas competitivas estarem sujeitas a variaçõessazonais nas vendas e no processo produtivo. Grande partedos empregos oferecidos por essas empresas é instável e,como o processo produtivo utiliza intensivamente a mão-de-obra, obsorve relativamente mais trabalhadores compouca ou nenhuma qualificação. A taxa de lucro é baixa,o que implica pouco ou nenhum investimento nos traba-lhadores, ou gastos em melhores condições de trabalho.Tendem a pagar menos que as grandes empresas, ou que osníveis de mercado, e empregam trabalhadores com menosescolaridade e experiência, em geral relativamente maisjovens e mulheres.

As grandes empresas (por exemplo, grandes indústriasde transformação, grandes empresas de serviços, empresasestatais, etc.), por outro lado, detêm um mercado estável,que absorve regularmente o escoamento da produção, enecessitam manter estável uma grande parte do quadro depessoal, reduzindo o custo de treinamento e rotatividadede mão-de-obra. Tendem a oferecer maiores salários e be-nefícios, e melhores condições de trabalho. O processoprodutivo é mais complexo, exige maíor treinamento eparte considerável do custo de mão-de-obra corresponde acustos fiXOS para a empresa.

A organização administrativa, nessas empresas, é maiscomplexa, envolve diversos níveis hierárquicos, que cons-tituem canais de comunicação entre os escalões superiores

Revista de Adminilltração de Emprellall

e inferiores da empresa. As grandes empresas lançam mãode estímulos pecuniários, ou de promoções, para manterseus empregados, e os incentivam a seguir carreira dentroda empresa, absorvendo-lhes a experiência acumulada. Osempregados com maior tempo de casa são importantesdentro do processo de renovação do quadro de pessoal daempresa, ensinando os mais novos.

Assim, a análise sobre o mercado dual de trabalhoapresenta o mercado de trabalho bisseccionado: de umlado, as grandes empresas oligopolistas, tendendo a ofere-cer empregos primários; do outro, empresas competitivas,tendendo a oferecer empregos secundários. Dentro dasempresas os empregos primários são mais bem remune-rados e obedecem a uma escala organizacional que oferecemobilidade via promoções especificadas por critérios defi-nidos. Requerem maior grau de escolaridade para ingressarno emprego e oferecem maior treinamento em serviçorelativamente aos empregos secundários. Estes últimos,por sua vez, apresentam características opostas do tipoprimário: são instáveis, não apresentam mobilidade,exigem escolaridade mínima e oferecem pouco trei-namento.

A análise sobre o mercado dual de trabalho envolve oestudo das barreiras que restringem as possibilidades deemprego nesse mercado. A primeira barreira é a de seleçãopara certas funções que exigem requisitos específicos dostrabalhadores para seu desempenho. A segunda é repre-sentada pelos critérios de mecanismos de promoção inter-nos à empresa, que coíbem a mobilidade da mão-de-obra.

Do lado da oferta de trabalho podem-se identificarcertas características da mão-de-obra que preencherão osempregos do tipo primário e secundário. Status socíoe-conômico, sexo, escolaridade, idade, experiência no ser-viço são características que determinam a inserção do tra-balhador em um dos dois tipos de emprego.

Os indivíduos homens de maior status socíoeco-nômico, escolaridade e experiência profissional obterão osmelhores empregos do primário, e os indivíduos homens emulheres, entre os menos favorecidos da sociedade, de-sempenharão os empregos do secundário.

A dualidade do mercado de trabalho, dessa forma,pode ser vista como conseqüência da necessidade de es-trutura produtiva mais funcional, resultante do aprimo-ramento tecnol6gico e sua contrapartida em mão-de-obra.Esses elementos, por sua vez, qualificam uma etapa doprocesso hist6rico da evolução do sistema capitalista.

4. EVIDeNCIAS EMPlRICAS SOBRE MERCADOINTERNO DE TRABALHO

Como se viu, define-se o mercado interno de trabalhocomo a unidade administrativa em que a alocação da mão-de-obra e a fixação de salários é regida por um conjuntode regras e procedimentos mternos.ê? Diferencia-se domercado externo de trabalho, da teoria convencional,onde a alocação de mão-de-obra, salário e treinamento écontrolada diretamente por variáveis econômicas.

Page 5: 1. Introdução; 1. INTRODUÇÃO 2. Teoria dasegmentação do ... · A teoria da segmentação do mercado de trabalho pode ser apresentada sob dois prismas. Inicialmente, Doeringer

A complexidade da estrutura produtiva, organizadade uma forma hierárquica, implica que a força de trabalhoexterna à empresa se defronte com barreiras, seja devido àprópria organização da empresa, seja às características pes-soais de seus componentes. E o acesso ao mercado internose dá em alguns elos inferiores das cadeias ocupacionais ede promoções que constituem portas de entrada ou saídada empresa,

A força de trabalho interna tem preferência para pre-encher as vagas que surgem. Esses traballiadores, além deterem passado pelo crivo dos critérios de seleção da em-presa, quando da admissão, ainda adquirem, ao longo dotempo de sua permanência no serviço, conhecimentosespecíficos por meio dos processos de treínamento.ê! Sãoprotegidos, assim, da concorrência da força de trabalhoexterna,

Os critérios de ingresso na empresa reagem ao mer-cado externo de trabalho, e dependem do nível de desem-prego, salário oferecido por competidores e das caracte-rísticas da oferta de trabalho local Os critérios de demis-são e promoção são fixados internamente, se baseiam naadaptação e habilidade pessoal e nos anos de casa dostrabalhadores já funcionários da empresa, Estes critériosajustam-se ao longo do tempo mas não reagem ao mercadoexterno de trabalho, o que explica, em parte, a perma-nência, a médio e longo prazos, de estruturas rígidas desalários e diferenças salariais, dentro de certas empresas,diferenças salariais inter e intra-atividades e setores, e tam-bém os critérios e cadeias de ocupações e promoções paraos funcionários dentro de cada empresa, 22

A origem do mercado interno de trabalho situa-se noacoplamento entre a crescente especificidade da tecno-logia e os requisitos específicos de qualificação da mão-de-obra, visualizados na evolução do modo de produçãocapitalista.

As vantagens decorrentes da existência e manutençãodo mercado interno de trabalho abrangem tanto os traba-lhadores nele inseridos como os capitalistas e/ou organi-zadores da produção. Os primeiros obtêm segurança eestabilidade no emprego, remuneração fixa sujeita a au-mentos via promoções ou anos de casa, e recebem tambémos benefícios decorrentes do contrato formal de trabalho,e outros vinculados à organização interna da empresa; sen-tem-se protegidos da concorrência da força de trabalhoexterna à empresa devido às barreiras existentes à entradade novos funcionários e às cadeias de promoções bem defi-nidas. Os últimos, por sua vez, reduzem os custos de rota-tividade, seleção e treinamento de mão-de-obra, mantêmmaior controle sobre os empregados e aumentam a efi-ciência do processo produtivo.

Nesse sentido, apresentam-se a seguir alguns mecanis-mos internos à empresa, detectados em uma amostra deestabelecimentos industriais pesquisados no município deSão Paulo, em 1976.23

As variáveis pesquisadas são contratações externas emrelação a promoções, rotatividade, cadeias de promoção,treinamento e salários, desagregados por tamanho de esta-belecimento e classes ocupacionais.

As classes ocupacionais, em número de oito, foramassim definidas:

1. TNS - Técnicos de nível superior (engenheiros, quí-micos, administradores de empresa, analistas, etc.).

2. TNM - Técnicos de nível médio (calculistas, dese-nhistas, técnicos em contabilidade, em eletricidade etc.).

3. SONM - Supervisores de operações não manuais(chefes de seção de pessoal, supervisores em geral, etc.).

4. FAD - Funções administrativas de rotina (secretárias,perfuradores, telefonistas, recepcionistas, almoxarífes,ocupações de escritório rotineiras como auxiliares de con-tabilidade, de seção de pessoal, etc.).

5. SOM - Supervisores de ocupações manuais (mestres econtramestres, encarregados na linha de produção).

6. MQ - Manuais qualificados (operadores de máquinasna indústria, operários qualificados).

7. MNQ - Manuais não-qualificados (vigias, traba-lhadores de apoio aos qualificados na linha de produção,ajudantes gerais, pessoal de limpeza, etc.).

8. Ap - Aprendizes.

4.1 Contratações, rotatividade e promoções

As ocupações de supervisão (SOM e SONM) são as quemais evidenciam a existência do mercado interno. Em con-trapartida, como esperado, as ocupações não-qualificadassão as menos sujeitas a esse mercado.

As funções de supervisão dentro da empresa exigemqualificação específica, isto é, um conjunto de conheci-mentos técnicos e desenvolvimento de habilidades que sãoúteis somente em determinadas funções. No caso de super-visão de determinada firma, esse conjunto é adquiridoprincipalmente mediante processos de treinamento em ser-viços e promoções consecutivas. Dessa forma, entende-se oporquê da grande incidência de promovidos para essas fun-ções dentro da empresa (quadro 1).

Os SONM provém em maior número das ocupaçõesde escritório (quadro 2), isto é, 33% das empresas entre-vistadas responderam que a origem de mais de 50% de seussupervisores administrativos é interna, promovidos de ocu-pações de escritórios. Cabe perguntar por que os técnicosde nível médio e superior não são promovidos para essasfunções. Os técnicos de nível médio nas empresas indus-triais situam-se em sua grande maioria no setor de pro-dução, e possuem contatos limitados com os procedi-mentos, rotinas e tomadas de decisão que caracterizam asfunções administrativas. Em outras palavras, têm oportu-nidades restritas para se treinarem nessas funções, e de-monstrarem seus conhecimentos e habilidades para desem-penhá-las.

Mercado de trabalho

63

Page 6: 1. Introdução; 1. INTRODUÇÃO 2. Teoria dasegmentação do ... · A teoria da segmentação do mercado de trabalho pode ser apresentada sob dois prismas. Inicialmente, Doeringer

Quadro 1Contratações, por classes ocupacionais, por tamanho da empresa

Tamanho da empresa Médias Medianas

Classe ocupacionalPEQ GED PEQ GED

% % % %

1. TNS 87.00 70.50 60.10 87.50 87.50 62.00

2. TNM 57.18 63.00 51.00 87.50 87.50 37.50

3. SONM 17.40 35.80 43.40 5.00 5.00 17.50

4. FAD 84.72 84.20 69.70. 87.50 87.50 87.50

5. SOM 30.27 23.40 29.00 5.00 5.00 17.50

6. MQ 48.09 53.10 54.30 62.00 50.00 62.00

7. MNQ 82.45 77.20 77.00 87.50 87.50 87.50

8. Ap 87.00 78.80 87.00 87.50 87.50 87.50

Fonte: Barbosa, Morley &Cacciamali de Souza. op. citoObs.: A mediana refletiu melhor o comportamento da maioria das empresas devido à distribuição das respostas, que se apresentaram naforma assimétrica.

% SONM TNS MQ TNM

64 Ninguém 27 64 62 78 Ninguém 12 61

0-10 20 20 13 11 0-10 19 10

10-25 7 9 3 10-25 15 3

25-50 20 9 16 3 25-50 24 23

+ 50 33 3 + 50 40 3

Quadro 2Promoções para supervisor de ocupações não-manuais

Fonte: Barbosa, Morley & Cacciamali de Souza. op. cito

Os técnicos de nível superior situam-se nos estabeleci-mentos industriais, principalmente nestas posições: no elosuperior da cadeia de promoções para supervisor, desem-penhando funções de segundo ou terceiro escalão imedia-tamente ínferier a esse, como por exemplo subgerente,subchefe, etc.; como trainee, recebendo treinamento es-pecífico para desempenhar funções na administração su-perior; ou como assessor, isto é, apoio à linha executiva daadministração. Dessa forma, a maior parte dos TNS emuma empresa industrial desempenha funções de SONM,exercendo apenas funções de técnico, sendo relativamentepouco promovida.

Os SOM provêm, em sua grande maioria, dos manuaisqualificados em contraposição aos técnicos de nível médio(quadro 3). Acredita-se que isso ocorra devido às pessoasalocadas na linha de produção, em ocupações manuais,estarem diretamente ligadas a um supervisor, tendo comisso maiores chances de aprender essas funções que ostécnicos vinculados geralmente ao setor de administração.

Esses fatos corroboram a importância da proximidadefísica e funcional na determinação das cadeias de pro-

RevUta de Admbriltraçílo de Empr_

Quadro 3Promoções para supervisor de ocupações manuais

Percentagem de empresas

Fonte: Barbosa, Morley & Cacciamali de Souza. op. cito

moção, e são uma indicação das barreiras existentes entreas diferentes classes ocupacionais, inibindo a mobilidadedos funcionários: dificilmente um funcionário chegará asupervisor, a não ser que esteja diretamente vinculado aum supervisor. Ainda mais, dificilmente um trabalhadorpassará de uma classe ocupacional para outra dentro damesma empresa (quadros 4 e 5). As promoções ascenden-

Quadro 4Promoções para funções administrativas rotineiras

Percentagem de empresas

SOM MQ

Ninguém 88 72

0-10 3 19

11-25 6 6

26-50 3 3

+ 50

Fonte: Barbosa, Mor1ey .\ Cacciamali de Souza. op. cito

Page 7: 1. Introdução; 1. INTRODUÇÃO 2. Teoria dasegmentação do ... · A teoria da segmentação do mercado de trabalho pode ser apresentada sob dois prismas. Inicialmente, Doeringer

Quadro 5

Promoções para técnicos de nível médioQuadro 6

Promoções para mão-de-obra qualificada

Percentagem d~ empresas

FAD MNQ Ap

Ninguém 54 71 72 0-10 29 510-10 17 10 19 10-25 23 15

10-25 6 13 25-50 35 2725-50 14 3 9 + 50 12 6+ 50 9 3 Média ponderada 27 20

Fonte: Barbosa, Morley & Cacciamali de Souza. op. citoObs.: O número de aprendizes é relativamente menor que o denão-qualificados. Proporcionalmente, um maior número de apren-dizes tornam-se manuais qualificados que os não-qualificados.Fonte: Barbosa, Morley & Cacciamali de Souza. op. cito

tes se referem à mobilidade dentro da classe ocupacional enão entre classes ocupacionais.

Dessa forma, um indivíduo, de acordo com suascaracterísticas pessoais, uma vez inserido em uma classeocupacional de uma certa empresa, dificilmente alterarásua situação.

A classe ocupacional que mais se ressente desse pro-blema é a dos não-qualificados, cuja probabilidade de setornarem qualificados é pequena, pois os aprendizes den-tro da cadeia de promoções são os favorecidos (quadro 6).

Esses resultados são consistentes com as evidênciassobre rotatividade, advindas deste e de outros estudos. Ahipótese aqui discutida prende-se ao fato de o custo desubstituição de pessoal ser maior quanto mais elevado onível, ou especificidade, da função na escala hierárquica.Espera-se, assim, que a rotatividade de pessoal seja maiornos níveis ocupacionais inferiores.

O quadro 7 mostra que o grau de rotatividade é maiornas ocupações de baixa qualificação, e menor nas ocupa-ções de supervisão (SOM, SONM) que requerem qualifi-cação e conhecimentos específicos na função. As ocu-pações técnicas, em contraposição, cujos requisitos deconhecimentos situam-se mais a nível geral que específico,

apresentam maior grau de rotatividade que as de super-visão, principalmente nos pequenos estabelecimentos. Istoleva a crer que é grande a probabilidade de os técnicos daspequenas empresas treinarem-se parcialmente, e passarempara uma grande empresa que ofereça maiores salários eoportunidades de treinamento e promoção. As grandesempresas que detêm um mercado interno de trabalho maisvigoroso apresentam menor rotatividade no que se refereaos técnicos, seja porque os trabalhadores estão mais satis-feitos, seja porque parte deles está sendo preparada paragalgar postos na estrutura hierárquica.

Voltando ao problema da alta rotatividade dos não-qualificados, ressalte-se que esse pessoal tem pouca mo-tivação para permanecer no emprego pois além de não es-tar sujeito a treinamento e promoções, incorpora conheci-mentos gerais que podem ser aplicados em qualquer em-presa. A baixa remuneração e as más condições de tra-balho conduzem o trabalhador à mudança de emprego namedida em que exista um pequeno aumento em sua rendareal (um emprego mais perto de casa, por exemplo), ouperspectiva de melhores condições de trabalho.

Quadro 7

Rotatividade de pessoal na indústria, por tamanho de estabelecimento e classe ocupacional

Tamanho do estabelecimento

Rotatividade por ano Pequeno Médio e grande

-5%15-10% /10-25%125-50%1 +50% r NTR -5% 15 - 10% /10 - 25% 125 - 50% 1 + 50% 1 NTR

TNS 36 9 27 27 70 7 4 4 7 7TNM 64 9 18 9 67 15 4 7 7SONM 64 18 9 9 81 11 4 4FAD 45 18 18 9 9 48 26 15 7 4SOM 64 9 18 9 78 15 7MQ 27 18 36 9 9 26 19 33 19 4MNQ 9 27 36 27 11 22 11 30 26

Fonte: Barbosa, Morley & Cacciarnali de Souza. op. citoObs.: Os números no corpo de tabela se referem à percentagem de estabelecimentos.

Mercado de trabalho

65

Page 8: 1. Introdução; 1. INTRODUÇÃO 2. Teoria dasegmentação do ... · A teoria da segmentação do mercado de trabalho pode ser apresentada sob dois prismas. Inicialmente, Doeringer

4.2 Treinamento

o gasto direto em treinamento como percentagem docusto total representa, para as empresas pesquisadas, emtorno de 1% (quadro 8), o que leva a crer que a empresaevita incorrer em custos diretos de treinamento (treina-mento formal). Para resolver os problemas decorrentes daadequação entre os requisitos de qualificação das funçõesexistentes na empresa e as habilidades e a qualificação dostrabalhadores, a empresa adota os processos training-on-the-job e on-the-job-training (quadro 9). Enfatiza, ainda, aexperiência profissional anterior do trabalhador como cri-tério de seleção de novos empregados.

Quadro 8

Gasto dispendido em treinamento

Gastos em treinamentocomo percentagem

do custo total 0% 0-1% +1%Tamanho daempresa

PequenoGrande e médio

45 41

6 50

Fonte: Barbosa. Morley & Cacciamali de Souza. op. citObs.: Excetuam-se as contribuições ao Senai.

66Quadro 9

Fonte mais importante de conhecimento da função(em percentagem)

Tamanho da Pequena Grande e média

Classeocupacional TFE

1. TNS 100 - 50 22 28

2. TNM 82 18 61 21 18

3. SONM 92 8 58 22 20

4. FAD 84 8 8 57 14 29

5. SOM 92 8 69 24 7

6. MQ 92 8 70 15 15

7. MNQ 100 82 18

Obs.: TSTFI

Treinamento em serviçoTreinamento formal interno

TFE = Treinamento formal externo

Quando inquiridas sobre a mais importante fonte detreinamento na empresa, muitas firmas responderam: ne-nhuma. Essas respostas foram agrupadas em treinamentoem serviço (quadro 9), que constitui a fonte mais impor-tante de transmissão de conhecimentos gerais e específicosdentro da empresa.

A defasagem existente entre a importância atribuídapela empresa ao processo de treinamento e a grande ênfase

Revista de Administraç40 de Empresas

9

dada ao sistema de promoções internas leva a repensar osprocessos de treinamentos utilizados pela empresa, paratransmitir os conhecimentos específicos e gerais que habi-litam seus funcionários ao desempenho das funções.

Detectou-se, ao nível da empresa, que uma das maisimportantes fontes para aquisição de conhecimentosreside no que se denominou aqui training-on-the-lob(TOJ), complementar ao on-the-job-training (OJT). Esteúltimo processo consiste em aprender a executar uma sériede tarefas, que caracterizam uma função, trabalhandosobre elas; o primeiro implica aprender uma série de ta-refas enquanto se executam outras. A principal diferençaentre ambos reside em seus custos relativos. OJT é relati-vamente mais caro, recai sobre o empregado, que recebeum salário mais baixo enquanto aprende as tarefas, ousobre a firma, que paga ao treinando um salário acima desua contribuição à empresa, durante o período de treina-mento, esperando recuperar esse investimento com o de-sempenho futuro do empregado. TOJ, entretanto, é essen-cialmente um subproduto do processso de produção, umbem livre para a empresa, apesar de não o ser para oempregado. 24

Os indivíduos treinam-se na empresa, desempenhandosuas tarefas específicas e observando os outros no desem-penho de suas funções. No processo de produção operamas máquinas de sua atribuição e aprendem, paulatina-mente, a lidar com outras inseridas na linha de produção;aprendem, também. as funções dos trabalhadores hierar-quicamente superiores que se situem física e funcional-mente próximos. No escritório aprendem a maior partedas tarefas que compõem as funções características dasocupações administrativas, assimilando conhecimentosmediante observação, ou desempenhando parte de umatarefa maior, delegada pelos supervisores a seus subordi-nados.

Dessa forma, os trabalhadores aprendem tarefas vin-culadas a outras funções que não as suas. Programas for-mais de treinamento, geralmente, são implementadosapenas quando surge um conjunto de tarefas novas, quevão compor novas funções ou caracterizar uma ocupaçãonova na empresa. Por exemplo, na indústria de contruçãocivil, durante a construção do metrô ou o início da im-plantação de um novo processo produtivo devido a altera-ção tecnológica.

19

4.3 Salários

Os gerentes de relações industriais detêm grande controlesobre os salários, seja por meio de associações formais,onde determinam as diretrizes de política de pessoal esalarial a serem seguidas pelos associados, seja por pes-quisas formais sobre o nível dos salários no mercado.

Entre as grandes empresas, 75% e 24% entre as peque-nas, realizam pesquisas formais sobre salários. As restan tesusam outros métodos, sendo o mais usual a pesquisa infor-mal, por meio de troca de informações entre os respon-sáveis pela política de pessoal das empresas (quadro 10).

Page 9: 1. Introdução; 1. INTRODUÇÃO 2. Teoria dasegmentação do ... · A teoria da segmentação do mercado de trabalho pode ser apresentada sob dois prismas. Inicialmente, Doeringer

A empresa geralmente reluta em tornar medidas admi-nistrativas que envolvam aumentos salariais. Poder-se-iapensar que, em caso de escassez de mão-de-obra para aempresa, nenhuma firma, mesmo aquela que detém algumgrau de poder de monop6lio, ou mesmo em-uma situaçãoem que os sindicatos não sejam fortes, poderia evitar au-mentos salariais. Entretanto, essa relutância reflete-se emoutras medidas adotadas, além de acréscimos salariais,para aumentar a oferta de trabalho, tais como horas extras,aumento de anúncios de vagas e treinamento.

Quadro 10

Percentagem de empresas que participam de pesquisaformal de salários

Empresas Pequenas Grandes

ParticipamNão participam

2476

7525

Fonte: Barbosa, Morley & Cacciamali de Souza. op. cito

A resistência em aumentar os níveis salariais, princi-palmente dos menos qualificados, deve-se, em parte, aofato de que o simples aumento de salário, quando disse-minado, isto é, envolvendo todos os indivíduos da mesmaocupação, eleva os custos sem elevar a oferta de mão-de-obra. Além disso, aumentos de salário, quando dissemi-nados, implicam geralmente a elevação dos salários dasoutras classes ocupacionais hierarquicamente superiores, oque levaria a mudanças de toda a estrutura salarial daempresa. Ressalte-se ainda que principalmente as grandesempresas, com poder monopsonístíco no mercado de tra-balho, podem manter o mesmo nível salarial sem perderempregados para as outras, porque a concorrência salarialé considerada entre elas indesejável, isto é, uma forma deconcorrência desleal.

Considere-se ainda que, em uma dada ocupação, ocor-rendo disparidade entre o salário de mereado e o fixadointernamente, a maior parte das empresas nada faz deimediato, e geralmente resolve caso por caso, dependendoda qualificação e do conhecimento incorporado peloempregado. A preferência é dada e exceções são feitas àsocupações de alta qualificação, pois o custo de perder umfuncionário nestas condições é alto, o mesmo não ocor-rendo na perda e substituição de funcionários menos qua-lificados. Estes sofrem influência do mercado externo eseus salários não devem variar significativamente entre em-presas (quadro 11).

Esse comportamento não é consistente com a teorianeoclássica, segundo a qual cada empregado aufere ovalor de seu produto marginal na empresa. Se válida essahipótese, a empresa seria indiferente à perda de um traba-lhador de maior qualificação.

Pode-se argumentar que a resposta para esse problemasituar-se-ia na qualidade do treinamento (OJT) incorpo-rado pelo empregado mais qualificado. 25 Se o custo do

Quadro 11

Medidas tomadas pela empresa quando seus salários sãomais baixos que os do mercado

Tamanho da empresa Pequena TotalGrande

Medidas:

Estuda o caso e ajusta osalário

Não faz nada

Estuda o caso e ajusta osalário só para ocupa-ção de alto escalão

Ajusta só quando começaa perder pessoal

Outros

SR

41

45

3144

37

45

9 19 13

6 5

Fonte: Barbosa, Morley & Cacciamali de Souza. op. cito

treinamento (OJT) recair sobre a empresa, esta remu-nerará o empregado abaixo de sua produtividade marginallogo após o treinamento, de forma a recuperar o custodeste. As evidências sobre a importância do treinamentonas empresas industriais, entretanto, foram relativamentepouco significativas. Uma explicação alternativa decorreda teoria do mercado interno de trabalho, particularmenteno que se refere às diferenças de especificidade de conhe-cimentos necessários para as diversas ocupações dentro daempresa. Ressaltou-se em outros itens deste trabalho queas promoções internas prevalecem sobre as contraçõesexternas, à medida que a especificidade de conheci-mentos necessários ao desempenho das funções que carac-terizam uma ocupação seja maior.

As ocupações de alta qualificação e conhecimentosespecíficos, como as de supervisão, estão mais vinculadasàs regras estabelecidas pelo mercado interno que peloexterno. O salário é fixado, nesse caso, por meio de umprocesso de barganha entre empregado e empregador emque cada um detém um certo poder. O poder da empresaderiva do fato de saber que o trabalhador, devido a seuconhecimento específico sobre certa função, recebe umsalário maior na firma do que em qualquer emprego alter-nativo. O trabalhador, sob essa ótica, receberia um saláriomenor caso mudasse de emprego. Por outro lado, o tra-balhador detentor de conhecimentos específicos sobreuma certa função pode pedir um salário maior do quereceberia em um emprego alternativo, devido ao custo detreinamento que recairia sobre a empresa caso esta o subs-tituísse. Além disso, o trabalhador pode ter adquiridoconhecimentos sobre outras ocupações hierarquicamentesuperiores, por meio de training-on-the-job (TOJ), que seperderiam com sua saída. Este fato poderia representaruma restrição para a empresa, no caso de expansão, sevários trabalhadores se encontrassem nesta situação e res-solvessem mudar de emprego.

67

MerClldo de trabalho

Page 10: 1. Introdução; 1. INTRODUÇÃO 2. Teoria dasegmentação do ... · A teoria da segmentação do mercado de trabalho pode ser apresentada sob dois prismas. Inicialmente, Doeringer

68

A questão aqui envolvida reside em como dividir umrent sobre um bem de capital, o conhecimento específicoda função, possuído por um ou mais trabalhadores, e apli-cável somente em uma determinada empresa.

O resultado final é indeterminado, e dependerá dorelativo poder de barganha de cada lado. A magnitude daindeterminação será determinada pela diferença entre ocusto de recrutar, selecionar e treinar o novo empregado,no caso de este ingressar na empresa, ou treinar o em-

. pregado, no caso em que já pertença ao quadro de pessoalda empresa, e a melhor alternativa de salário que poderiareceber em outro emprego. Quanto maior o conhecimentoespecífico incorporado pelo trabalhador, e quanto maior onível hierárquico da ocupação, maior a diferença.

Quando consideramos as ocupações caracterizadaspor funções e tarefas que requerem conhecimentos gerais,independente do nível hierárquico, os salários tendem aser iguais entre firmas, e a se aproximar do valor da pro-dutividade marginal do trabalhador.

A empresa, dessa forma, obterá um ganho líquidomaior sobre as ocupações caracterizadas por maior conhe-cimento específico e nível hierárquico, mesmo que a essasse atribuam maiores salários. Isso acontecerá desde que aempresa remunere os trabalhadores que detêm conheci-mentos específicos e alto nível hierárquico abaixo do va-lor de sua produtividade marginal, e aqueles que detêmconhecimentos gerais no valor de sua produtividade mar-ginal. Enfatíza-se aqui, novamente, que a saída de um tra-balhador que detenha maior conhecimento específico enível hierárquico representa para a empresa um customaior que a saída de um trabalhador que detenha conheci-me~ge~ O

BIBLiOGRAFIA

Barbosa, Morley & Cacciamali de Souza. Evidências sobreo mercado interno de trabalho em um processo de cresci-mento rápido. CNRH-lpea/PNUD-OlT, 1976.

Becker, Gary. Hurnan capital. NBER, 1964.

Carnoy, Martio. Càn educational policy equalize incomedistribution in Latin America? ILO, 1973, mimeogr.

Castro, C. M. & Mello e Souza, Alberto de. Mão-de-obraindustrial no Brasil IPEA, J 974.

Doeringer & Piore. Internai labor market and manpoweranalysis: Heath Lexington Books, 1971.

Revista de Administração de Empresas

Gordon, D. Theories of poverty and underemployment.DC Heath, 1972.

. Reich & Edwards. A theory of labor marketssegmentation. AER, May 1973.

Harrison, B. Education and underemployment in theurban ghetto. In: Gordon, David. Problems in politiealeconomy: an urban perspective. DC Heath, 1971.

Uma, Ricardo. Càpital humano e segmentação no mer-cado de trabalho. UNB, 1975.

Mincer, Jacob. On the job training: costs, returns andsome implications. JPE, Oct. 1962.

. the distribution of labor incomes: a survey withspecial reference to the human capital approach. JEL,Feb.1970.

Oi, Walter. Labor as a quasí-flxed factor. JPE. Dec. 1962.

Piore. M. The dual labor market: theory and implications.ln: Gordon,David. Problems in political economy ... op. cito

Velloso, Jacques. Human capital, segmented markets andthe distribution of earnings in Brazil: UNB, 1975.

Vietorisz & Harrison. Labor market segmentation: posítívefeedback and divergent development. AER, May 1973.

I Gordon, Reich & Edwards. A theory of labor markets segmen-tation. AER, May 1973; Piore, M. The dual labor market: theoryand implications. In: Gordon, David. Problems in politicaleconomy: an urban perspective. OC Heath, 1971; e Doeringer &Piore. Internai labor market and manpower analysis. Heath Lex-ington Books, 1971.2 Doeringer & Piore definem o mercado interno de trabalhocomo governado por um conjunto de regras e procedimentosadministrativos, enquanto o mercado externo de trabalho (dateoria econômica convencional), no que se refere a salários, alo-cação de mão-de-obra e treinamento, é controlado diretamente porvariáveis econômicas. Ambos os mercados são inter-relacionados, ea conexão se dá em algumas ocupações influenciadas diretamentepelo mercado externo, que constituem portas de entrada e saídaao mercado interno. Doeringer & Piore. Internallabor market ~•.cit.

3 Doeringer & Piore. op. cito4 Doeringer & Piore enfatizam os critérios vinculados a caracte-rísticas de estabilidade, enquanto Gordon, Reich e Edwards enfa- .tizam critérios vinculados a variáwis de discriminação. Ver Gor-don, Reich & Edwards. op. cito5 Esse conceito pode ser visto em maior detalhe em Barbosa,Morley & Cacciamali de Souza. Evidências sobre o mercado in-terno de trabalho em um processo de crescimento rápido. CNRH-Ipca/PNUD-OIT, 1976.

• Id., ibid.7 Gordon, Reich & Edwards. op. citoa Barbosa et alii. op. cit.; Doeringer & Piore. op. cito• O treinamento formal implica custos relativamente superioresaos demais; o processo training-on-the-job custos relativamente in-feriores aos demais.

Page 11: 1. Introdução; 1. INTRODUÇÃO 2. Teoria dasegmentação do ... · A teoria da segmentação do mercado de trabalho pode ser apresentada sob dois prismas. Inicialmente, Doeringer

10 Nenhum treinamento formal e on-the-iob-tmtntngs. Em algu-mas ocupações permite um mínimo de training-on-the-job, porexemplo, trabalhadores não-qualificados da construção civil, ser-vente geral de apoio na linha de produção, etc.

11 Os trabalhadores saem devido a outros fatores, como adaptaçãoà função, bom relacionamento com o chefe e com os colegas detrabalho, etc. Ver Gordon, D. Theories of poverty and under-employment. De Heath, 1972.12 Piore. op. cito13 Gordon et alli. op. cito

14 Doeringer & Piore. op. cito

15 Doeringer & Piore. op. cit.; Piore. The dual labor market ...op. cit.

16 Define-se aqui especificidade de função como conjunto deconhecimentos e habilidades úteis somente em determinadas fun-ções que caracterizam uma ocupação de determinada f~a.

17 Vietorisz & Harrison. Labor market segmentation: positivefeedback and divergent developments, AER. May 1973; Harrison,

B. Education and underemployment in the urban ghetto. In:Gordon, David. Problems in political economy ... op. cito18 Gordon et alli. op. cito19 Gordon et alli. op. cito20 Doeringer & Piore. op. cito21 Id., ibid.

22 Barbosa et alli. op. cito

23 Esta parte do trabalho provém de um estudo maior realizadopor Barbosa, Modey e Cacciamali de Souza para o CNRH-Ipea ePNUJX)IT: Evidências sobre o mercado interno de trabalho e umprocesso de crescimento répido. 1976.24 A discussão dessas definições encontra-se em Barbosa et alli.op. cit.

25 Becker, Gary. Human capital NBER, 1964; Mincer, Jacob. Onthe job training: costs, returns and some implications. JPE. Oct.1962; Mincer, Jacob. The distribution of labor incomes: a surveywith· special reference to the human capital approach, JEL. Feb.1970.

69ú" MAIOR CATEGORIA fl,~ ~

~ O CORREIO DA UNESCO c:~ CONJUNTURA ECONOMICA (CE)O REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO POBLICA (RAP) c:::l

REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO (RDA) r-REVISTA DE CItNCIAPOL1TICA (RCP) -

REVISTA DE ADMINISTRAÇ40 DE EMPRESAS (RAE)(jARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOLOGIA APLICADA (ABPA) >

REVISTA BRASILEIRA DE ECONOMIA (RBE) ~FORUM EDUCACIONAL (FE)· J.. )

S~CsvaVZ11VI:J3dS3

Mercado de trabalho