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1 DINÂMICA DE ATUAÇÃO EM REDE ENTRE ASSOCIAÇÕES DE MORADORES DO MUNICÍPIO DE SANTO AMARO DA IMPERATRIZ Autores: Neide Lara Broering (ESAG/UDESC) – [email protected] Daniel Moraes Pinheiro, Dr. (ESAG/UDESC) [email protected] RESUMO O artigo tem por objetivo analisar a dinâmica de atuação em rede entre associações de moradores do município de Santo Amaro da Imperatriz, e conferir seus impactos em relação ao desenvolvimento comunitário e ao fortalecimento da cidadania. A pesquisa destaca sua importância no fomento ao desenvolvimento sustentável do município. A metodologia é a qualitativa, com a abordagem do estudo de caso (YIN, 2005; WORTHEN et al., 2004). Por meio de entrevistas com os gestores das associações e da participação em reuniões, buscou-se compreender a dinâmica da rede com os demais atores locais, assim como o papel dos atores envolvidos no processo de consolidação da rede de associações. É possível perceber, na análise, traços marcantes do conceito de cidadania democrática (DENHARDT, 2008), no sentido de empoderamento e engajamento das pessoas, quando se veem como responsáveis por suas atitudes no contexto em que vivem e pela realidade social de sua comunidade. A pesquisa comprova a importância de se estimular a força associativa nas localidades, ampliando-se nas comunidades à medida que se compreendem o conceito de capital social e suas dimensões (PUTNAM, 2006), já que esses ambientes apresentam relações cotidianas e próximas mais favoráveis à criação de laços de reciprocidade, cooperação e solidariedade, características essenciais ao desenvolvimento de qualquer região. Este trabalho descreve a busca dos gestores em ampliar espaços que propiciem o diálogo entre os diferentes atores da sociedade, e demonstra a importância do fortalecimento desses movimentos na construção de uma sociedade mais justa, humana e inclusiva, utilizando de forma coerente os instrumentos legais e os espaços institucionais já existentes nas localidades.

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DINÂMICA DE ATUAÇÃO EM REDE ENTRE ASSOCIAÇÕES DE MORADORES DO MUNICÍPIO DE SANTO AMARO DA IMPERATRIZ

Autores:Neide Lara Broering (ESAG/UDESC) – [email protected] Moraes Pinheiro, Dr. (ESAG/UDESC) – [email protected]

RESUMOO artigo tem por objetivo analisar a dinâmica de atuação em rede entre associações de moradores do município de Santo Amaro da Imperatriz, e conferir seus impactos em relação ao desenvolvimento comunitário e ao fortalecimento da cidadania. A pesquisa destaca sua importância no fomento ao desenvolvimento sustentável do município. A metodologia é a qualitativa, com a abordagem do estudo de caso (YIN, 2005; WORTHEN et al., 2004). Por meio de entrevistas com os gestores das associações e da participação em reuniões, buscou-se compreender a dinâmica da rede com os demais atores locais, assim como o papel dos atores envolvidos no processo de consolidação da rede de associações. É possível perceber, na análise, traços marcantes do conceito de cidadania democrática (DENHARDT, 2008), no sentido de empoderamento e engajamento das pessoas, quando se veem como responsáveis por suas atitudes no contexto em que vivem e pela realidade social de sua comunidade. A pesquisa comprova a importância de se estimular a força associativa nas localidades, ampliando-se nas comunidades à medida que se compreendem o conceito de capital social e suas dimensões (PUTNAM, 2006), já que esses ambientes apresentam relações cotidianas e próximas mais favoráveis à criação de laços de reciprocidade, cooperação e solidariedade, características essenciais ao desenvolvimento de qualquer região. Este trabalho descreve a busca dos gestores em ampliar espaços que propiciem o diálogo entre os diferentes atores da sociedade, e demonstra a importância do fortalecimento desses movimentos na construção de uma sociedade mais justa, humana e inclusiva, utilizando de forma coerente os instrumentos legais e os espaços institucionais já existentes nas localidades.Palavras-chave: Redes, Democracia, Cidadania, Participação

RESUMENEl artículo tiene como objetivo analizar la dinámica de la creación de redes entre las asociaciones de vecinos en la ciudad de Santo Amaro da Imperatriz, y comprobar su impacto en el desarrollo comunitario, como también el fortalecimiento de la ciudadanía. Esta investigación hará hincapié en su importancia para el desarrollo sostenible del municipio. La metodología es cualitativa, con el enfoque de estudio de caso (Yin, 2005; WORTHEN et al., 2004). Para el estudio, se realizaron entrevistas con los directores de las asociaciones, además, participamos en reuniones con la gente del lugar. Así, tratamos de comprender la dinámica de trabajo en red con otros actores locales, así como el papel de los actores que participan en la consolidación de la red entre el grupo de asociaciones. Es posible observar en el análisis, las características sobresalientes del concepto de ciudadanía democrática (Denhardt, 2008), en el sentido de empoderamiento y la participación de la gente, cuando ven por sí mismos como responsables de sus acciones en el contexto en el que viven y la realidad social de su comunidad. La investigación demuestra la importancia de estimular la fuerza asociativa en las localidades, la ampliación de las comunidades, ya que entienden el concepto de capital social y sus dimensiones (Putnam, 2006), ya que estos ambientes tienen a diario y estrechas relaciones más favorables a la creación de lazos de reciprocidad, cooperación y la solidaridad,

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esencial para el desarrollo de cualquier región. En este trabajo se describe la búsqueda de directivos de grandes espacios que faciliten el diálogo entre los diferentes actores de la sociedad, y demuestra la importancia de fortalecer estos movimientos en la construcción de una sociedad más justa, humana e incluyente, utilizando constantemente los instrumentos jurídicos y los espacios institucionales existentes en los lugares.Palabras clave: Redes, Democracia, Ciudadanía, Participación

ABSTRACT

The article aims to analyze the dynamics of networking between associations in the city of Santo Amaro da Imperatriz, and to check their impact to community development, also the strengthening of citizenship. This research will highlight their importance to the sustainable development of the municipality. The methodology is qualitative, with case study approach (Yin, 2005; WORTHEN et al., 2004). For the study, interviews were conducted with managers of the associations as well as the participation in meetings with the locals. So, it was attempted to understand the dynamics of networking with other local actors even as the role of the actors involved in network consolidation between the group of associations. It is possible to observe in the analysis, outstanding features of the concept of democratic citizenship (Denhardt, 2008), in the sense of empowerment and engagement of people, when they see by themselves as responsible for their actions in the context in which they live and the social reality of their community. The research demonstrates the importance of stimulating associative strength in localities, expanding the communities as they understand the concept of social capital and its dimensions (Putnam, 2006), as these environments have daily and close relations more favorable to creation of reciprocal ties, cooperation and solidarity, essential to the development of any region. This paper describes the search of managers in larger spaces that facilitate the dialogue between the different actors in society, and demonstrates the importance of strengthening these movements in order to build a fairer, more humane and inclusive society, by using consistently the legal instruments and institutional spaces existing in the locations.Keywords: Networks, Democracy, Citizenship, Participation.

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1 INTRODUÇÃO

A análise do conceito de cidadania permite uma derivação para os mais diversos e

complexos campos de debates sociais. Geralmente, porém, é possível observar que o

significado desse termo ainda é muito limitado, sendo entendido como algo comum à

sociedade em geral, mas com reflexões restritas, intangíveis ao cidadão comum. As

discussões mais profundas são normalmente delegadas ao campo da academia ou a

pequenos grupos. Na maioria das vezes, a cidadania relaciona-se apenas à garantia do

direito do cidadão, concebido de forma passiva pela sociedade como pressuposto para o

equilíbrio social.

No momento em que se adotava o regime de governo democrático no Brasil,

estabelecia-se um cenário favorável ao processo de ocupação dos espaços públicos pelos

cidadãos, uma das prerrogativas mais básicas para uma sociedade democrática. Um dos

efeitos desse processo foi o direito de associação, inserido no Título II da Constituição

Federal de 1988, tornando-se um direito e garantia fundamental do ser humano,

assegurando-lhe a liberdade de reunião e associação. Com os distintos movimentos

populares urbanos brasileiros, como aponta Sousa (2002), nos anos 80 foram surgindo as

organizações locais; dentre elas, mais especificamente, as associações de moradores.

Essas associações surgiram de uma relação espontânea de participação e organização dos

moradores, visando à melhoria da qualidade de vida dos bairros e, por consequência, do

município como um todo (SANTOS, 2000).

Neste novo contexto, as organizações locais apresentam um lado do conceito de

cidadania diferente daquele atrelado ao direito. O cidadão, de sujeito passivo em seu

contexto social, passa a ator, com o dever como base de suas ações. A cidadania passa a

ser entendida como ação, no sentido de que empodera e compromete as pessoas,

tornando-as responsáveis por suas atitudes no contexto em que vivem e pela realidade

social da sua comunidade. Dessa maneira, assim como os direitos, o cidadão é visto como

detentor de deveres por viver em sociedade. Um dos mais importantes, para a

compreensão deste trabalho, é o de possuir uma “visão” comunitária, considerada

elemento de conexão entre tantos outros que vão formar o contexto em que se encontra

inserido.

Ao longo deste artigo, será possível compreender a importância do trabalho

realizado pelas três associações de moradores de bairro no município de Santo Amaro da

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Imperatriz nesse processo de transformar a população em ator da sociedade, superando a

visão de mero agente passivo do contexto político de seu bairro e município.

Como será apresentado adiante, o recorte temporal do contexto político propiciou

a observação de um momento crucial no qual as associações lutam pela adoção de um

novo plano diretor do município. O plano diretor, juntamente com o Estatuto das Cidades,

é um instrumento de planejamento obrigatório para municípios com mais de 20 mil

habitantes e pode ser considerado como uma “caixa de ferramentas” em uma política

urbana local, permitindo considerar as características de cada local e que o crescimento

dos municípios seja realizado de forma sustentável.

Será possível, dessa forma, observar, ao longo do artigo, a relevância da atuação

das três associações por meio de uma “rede” de parceria e comunicação que reflete uma

intensa atuação, tanto no caso do novo plano diretor, como no de outras problemáticas da

localidade. Esta consolidação demonstra a união das organizações na busca do bem

comum, não apenas de cada bairro, isoladamente, mas do município de Santo Amaro da

Imperatriz como um todo. Os objetivos deste trabalho e a sua construção metodológica

são detalhados no próximo item.

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Este trabalho foi construído em torno da seguinte questão central: “Como a

dinâmica de atuação em rede entre Associações de Moradores dos Bairros de Santo

Amaro da Imperatriz pode contribuir para o fortalecimento da cidadania e o

desenvolvimento comunitário do município?”.

Delinearam-se, a partir disso, o objetivo geral e os objetivos específicos para se

iniciar o estudo da temática. Definiu-se como objetivo geral da pesquisa analisar o

processo de reconhecimento do trabalho desenvolvido pela Rede de Associações de

Moradores de Santo Amaro da Imperatriz como um caminho para o fomento do

desenvolvimento sustentável do município. Com base nisso, foram formulados como

objetivos específicos: (a) analisar o contexto atual da formulação do novo plano diretor a

partir da dinâmica da rede de associações do município, seus participantes e suas relações

com outros atores-redes no município e região; (b) identificar de que maneira as

comunidades envolvidas participam em conjunto com as associações do processo de

formulação do novo plano diretor do município.

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Existem diversas maneiras de se realizar uma pesquisa. Para diferenciá-las, é

necessário identificar primeiramente a questão a ser aprofundada. Dessa maneira, quando

o objeto de análise for respondido com questões do tipo “como” e “por que”, Yin (2005,

p. 25) recomenda a metodologia de Estudo de Caso, pois “[…] isso se deve ao fato de que

tais questões lidam com ligações operacionais que necessitam ser traçadas ao longo do

tempo, em vez de serem encaradas como meras repetições ou incidências”.

No caso do presente trabalho, a utilização desse método se deve ao fato de se

tratar do estudo de um fenômeno contemporâneo, no qual, a partir da compreensão em

profundidade de cada um dos casos observados tanto isoladamente quanto em conjunto,

foi analisada a relação entre as três associações de moradores de bairro de Santo Amaro

da Imperatriz e seus papéis como espaços para o fomento do exercício da cidadania no

município. Para Worthen et al. (2004), os estudos de caso, na maioria das vezes, usam

métodos de coleta de dados, mas também dependem de técnicas que utilizam métodos

qualitativos, como observações e entrevistas.

No caso, foram captadas informações a partir da técnica de observação e seus

devidos registros, com a participação em reuniões de três associações e na passeata em

favor da formulação do novo plano diretor, nas reuniões de bairro para esse fim,

complementarmente à aplicação de entrevistas com o corpo diretivo das associações

envolvidas, em reunião com dinâmica e metodologias apropriadas.

Na visão de Goldenberg (2004, p. 27), os meios mais adequados para o

pesquisador captar a realidade seriam os que lhe permitem compreender o mundo através

“dos olhos dos pesquisados”. A autora também fala da importância de se utilizar as

pesquisas qualitativas como forma de estudar as questões que às vezes se tornam difíceis

de quantificar, como, por exemplo, os sentimentos, as motivações, as crenças e as atitudes

dos indivíduos. Worthen et al. (2004) também advogam que a utilização de entrevistas se

torna necessária quando é preciso obter informações em profundidade. As entrevistas

pessoais trazem uma grande quantidade de informações; as exploratórias, quando

utilizadas com grande número de interessados no início do processo, ajudam a clarear

suas perspectivas e preocupações.

Para a pesquisa foram realizadas entrevistas individuais e semiestruturadas com os

gestores de três associações do município. Os entrevistados poderão ser identificados ao

longo da análise pelas abreviações: E1, E2 e E3. Esses números foram escolhidos de

forma aleatória para cada gestor entrevistado, a fim de não o caracterizar ou identificar de

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maneira direta, em respeito ao pedido dos entrevistados, para que ficassem mais à

vontade quanto às suas respostas.

As entrevistas foram analisadas de forma descritiva e interpretativa, a partir de

questões originadas dos objetivos específicos e do referencial teórico de base,

considerando, na visão de cada entrevistado, elementos que caracterizassem conceitos

centrais, como: (a) capital social; (b) cidadania; (c) rede; (d) participação.

O processo de coleta é complementar à análise documental dos dados do

município e das associações que ajudam a contextualizar e caracterizar formalmente o

local e o objeto de estudo; relaciona-se diretamente com os achados no processo de

observação anteriormente descrito. Ainda, durante todo o processo de pesquisa, para

fortalecer os laços com as associações e legitimar a participação dos pesquisadores, foi

realizado um acompanhamento sistemático de reuniões e apresentações dos objetivos do

trabalho à comunidade.

Com base nas informações captadas, pôde-se realizar uma análise que permitiu

compreender o cenário atual em que se encontram inseridas as três associações e a visão

de cada um dos entrevistados. Dessa forma, foram identificados elementos essenciais ao

trabalho, posteriormente relacionados como instrumentos de participação social e

exercício pleno da cidadania no processo de formulação do novo plano diretor do

município.

3 CONTEXTUALIZAÇÃO GEOGRÁFICA E HISTÓRICA

Santo Amaro da Imperatriz, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), apresenta uma população estimada, em 2014, de 21.572 habitantes e

uma área de 352,4km². Sua posição geográfica pode ser considerada privilegiada por estar

conectada ao planalto e ao litoral catarinense pela Rodovia BR 282. Seu território é

cortado pelo Rio Cubatão. Apresenta muitas opções de lazer, com águas termais, atrativos

naturais e algumas festividades religiosas e culturais, das quais os santo-amarenses muito

se orgulham em preservar.

De acordo com o IBGE, o município apresentava, em 2010, um IDH-M (Índice de

Desenvolvimento Humano Municipal) de 0,781. A população residente em 2010 era de

19.823 pessoas, das quais 9.984 homens e 9.839 mulheres. Em 2010, entre sua população

residente foram identificadas 17.588 pessoas alfabetizadas e 5.445 pessoas que, na época,

frequentavam creche ou escola.

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Além das suas belas paisagens naturais, resultantes de seus verdes vales e de uma

fauna e flora exóticas, Santo Amaro da Imperatriz tem sua economia atualmente baseada

em dois eixos: agricultura e turismo.

Quanto ao número de bairros no município, não foram encontrados dados oficiais.

Nesta pesquisa, será considerado o número de 21 bairros, segundo estimativa das três

associações. Dentre esses, alguns apresentam associações de moradores de bairro. No

início, cinco delas se destacavam por sua luta coletiva pelos interesses de seus bairros e

do município como um todo. Porém, segundo os entrevistados, ao longo do tempo os

interesses em comum entre essas associações acabaram se distanciando e apenas três

delas continuam o trabalho em conjunto, de forma ativa e unida, na busca por uma cidade

mais cívica para todos. Fato, aliás, que explica o motivo de as três associações terem sido

escolhidas como objeto da presente pesquisa, considerando a intenção de observar a

dinâmica de cooperação existente entre instituições.

A seguir, de forma breve, apresenta-se cada uma das associações, com a

identificação de algumas de suas características gerais, para, no item seguinte, proceder-

se à análise:

i. Bairro Fabrício: A AMFA (Associação de Moradores do Bairro Fabrício) foi

fundada em 6 de agosto de 2009. Possui atualmente trinta associados, os quais

contribuem financeiramente de forma descontínua.

ii. Bairro São Francisco: A AMAR (Associação dos Moradores do Bairro São

Francisco e Sítio de Dentro) foi fundada em 18 de agosto de 2007. Atualmente

ela conta apenas com o seu corpo diretivo, por não possuir associados ainda.

iii. Bairro Sul do Rio: A Unisuldorio (Associação dos Moradores do Bairro Sul do

Rio) foi fundada no dia 23 de setembro de 2009. Apresenta atualmente trinta

associados que contribuem mensalmente.

4 AS ASSOCIAÇÕES COMO ESPAÇOS DE ESTÍMULO À PARTICIPAÇÃO CÍVICA

4.1 A Cidadania

No dicionário Aurélio (2010, p. 164), cidadania pode ser definida como “a

qualidade ou estado de um cidadão”, por sua vez conceituado como “o indivíduo no gozo

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dos direitos civis ou políticos de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com

este”.

A conceituação do dicionário é bastante semelhante ao entendimento de E1,

considerando-se que sua compreensão de cidadania advém da capacidade das pessoas de

se apropriarem do seu espaço, da moradia, da vida, no sentido de se apropriar da cidade.

Conforme destaca o entrevistado, “a minha compreensão de cidadania é essa: as pessoas

conseguirem se sentir protagonistas do caminho da cidade, do bairro, intervir

cotidianamente nesse debate da cidade, do município, do bairro”.

Esta visão se assemelha ao conceito histórico de cidadania: “Ser cidadão é ter

direito à vida, à propriedade, à igualdade perante a lei: e, em resumo, ter direitos civis. É

também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos”

(PINSKY, 2003, p. 9). Para E1, o exercício do voto é apenas parte de um processo, sendo

necessário, mais do que participar, apropriar-se do próprio direito de participar; esse seria

o objetivo da cidadania.

Nessa mesma linha de pensamento, Denhardt (2012) apresenta o conceito de

“cidadania democrática” como um espaço em que o indivíduo divide o autogoverno de

forma mais ativa. O autor defende que o papel do cidadão seria olhar além do

autointeresse, enxergando, assim, um interesse público mais amplo, criando uma

perspectiva mais abrangente e duradoura.

Essa acepção de "cidadania democrática" entrega uma responsabilidade ao

cidadão, segundo a qual não o encara como um ser passivo na sociedade, mas como

sujeito com o dever e o poder de mudar a sua realidade. Neste sentido, a cidadania passa a

dar "voz" aos indivíduos, tornando-os mais responsáveis e críticos com a realidade que os

rodeia. Analisando o contexto local, nota-se que as associações de moradores estudadas

neste artigo criam um importante ambiente para a promoção dessa cidadania democrática

e participativa, que possibilita aos mais diferentes habitantes de uma comunidade

questionar a realidade presente e criar um novo "olhar". A partir disso, o cidadão não

espera que as mudanças ocorram e passa a perceber que, com a sua ação, elas se tornam

possíveis de maneira mais fácil.

Outro termo interessante de ser analisado no contexto apresentado é o de

comunidade cívica, apresentado por Putnam (2006, p. 101), segundo o qual “[...] a

cidadania se caracteriza primeiramente pela participação nos negócios públicos.” O autor

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também evidencia que a virtude cívica residiria em buscar o bem público acima de

qualquer outro interesse, individual e particular.

A cidadania, em uma comunidade cívica, implica direitos e deveres de forma

igualitária para todos. Ainda segundo o mesmo autor (2006, p. 102), uma comunidade

cívica: “[…] se mantém unida por relações horizontais de reciprocidade e cooperação, e

não por relações verticais de autoridade e dependência”. Um ponto importante que ele

também relata (2006, p. 102), é que: “[…] tal comunidade será tanto mais cívica quanto

mais a política se aproximar do ideal de igualdade política entre cidadãos que seguem as

regras de reciprocidade e participam do governo”.

No processo de entrevista, ficou claro que os questionados reconhecem a

existência de outros grupos relevantes em cada bairro e que sabem da importância de

possuir o apoio e a parceira deles, a despeito de sua institucionalização. Esta posição se

destaca quando E1 enfatiza que, de alguma maneira, esses grupos oferecem espaços

importantes de discussão e alinhamento dos interesses do bairro e que as associações

devem agregar esses atores, processo que, infelizmente, ainda não ocorre. Porém,

segundo E1, já se discute entre as associações sobre a unificação dos conjuntos dos atores

da comunidade em objetivos que sejam comuns a todos.

A propósito das relações com os atores de uma comunidade, segundo Putnam

(2006, p. 129) “[...] a desarmonia social e o conflito político são inimigos da boa

governança. O consenso é tido como pré-requisito da democracia estável.” O autor

também nota que em sociedades com muitas divisões, maior será a dificuldade de

formular um governo estável que possua consentimento dos governados. Assim, quando

existirem muitas divergências a respeito de determinada questão importante para aquela

comunidade, menor será a possibilidade de se encontrar uma solução coerente. Essa ideia

pode ser demonstrada, na prática, pelo contexto estudado, em que os diferentes atores de

um município estão discutindo atualmente a formulação de um plano diretor, que deve ser

de interesse de todo o município, observando-se, assim, a importância e o desafio de

encontrar um sentido comum e equilibrado entre diferentes interesses e prioridades.

Putnam (2006, p. 113) escreve que as “[…] regiões onde há muitas associações

cívicas, muitos leitores de jornais, muitos leitores politizados e menos clientelismo

parecem contar com governos mais eficientes”. Dessa forma, observa-se a importância do

comportamento dos atores e do papel da associação, que, além de estarem presentes nas

comunidades, estabelecem mecanismos que auxiliam na formulação de relações estáveis

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entre os diversos atores apresentados pelas três associações estudadas. Espera-se que,

juntos, consigam melhorar o fluxo de informações entre eles existente, encontrando assim

melhores formas de relacionamento para alcançar objetivos comuns da melhor forma

possível.

As associações comunitárias possuem uma representativa integração horizontal

em uma comunidade. É importante desenvolver sistemas horizontais, como na sociedade,

para manter a confiança e a cooperação social, pois fluxos horizontais tornam-se mais

confiáveis que os verticais, considerando os laços de reciprocidade entre as partes. Assim,

é maior a probabilidade de as pessoas agirem em benefício mútuo (PUTNAM, 2006).

Segundo E2, existe a percepção de que a população está notando a

“movimentação” realizada pelo trabalho da “rede” de associações, uma vez que as

pessoas passam a comentar cada vez mais sobre elas. E1, por sua vez, relembra a passeata

realizada pelas associações dia 12 de junho de 2014, com o objetivo de conscientizar a

população de que o plano diretor do município se apresentava ultrapassado e a induzi-la a

exigir providências da prefeitura sobre o caso. Segundo ele, a fraca participação nesse

episódio se explica pelo fato de a passeata ter sido, em suas palavras, “[...] um ato político

mais efetivo do ponto de vista dos interesses da comunidade”, demonstrando ainda a

inexistência de uma cultura de participação ativa de parte da população. De acordo com o

entrevistado, isso poderia ser atribuído à leitura que as pessoas fazem do que é

apresentado na televisão sobre as passeatas: “[…] ou a leitura que não vai resolver, ela

não tem a leitura em compreensão da passeata como um instrumento de pressão pelos

direitos dela, ainda”. O entrevistado defende que essa nova compreensão precisa ser

construída.

Para fechar a ideia construída nesta parte da entrevista, E1 conclui que, no seu

entendimento, o nível de participação vai estar estritamente ligado ao nível de consciência

da comunidade, e abre uma questão: “Como é que a gente avança nesse processo da

construção da consciência social da comunidade?”.

Por indagações como esta surgiram estudos de campo sobre as relações que

formam a sociedade, entre eles o de Putnam (2006), nos quais observou a relação entre

uma sociedade civil fortalecida e o nível de seu desenvolvimento. Em sua análise, o

pesquisador (2006, p. 126) verificou: “[...] que a coisa pública é mais bem administrada

nas regiões mais cívicas. Portanto, não admira que os cidadãos das regiões cívicas

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geralmente estejam mais satisfeitos com a vida do que os cidadãos das regiões menos

cívicas”.

Outra relação por ele observada (2006, p. 112) foi que “[...] quanto mais cívica a

região, mais eficaz o seu governo”, constatando que as regiões que apresentam

adiantamento econômico possuem governos regionais mais eficientes pelo fato de nelas

existir maior participação cívica.

Dessa maneira, o que o estudo apresentou foi que uma sociedade que dispõe de

uma representativa cultura cívica e cidadã se torna mais propensa à prosperidade

econômica e a uma boa governança. O fenômeno observado por Putnam, mais tarde

chamado de capital social, para Franco:

[...] se refere aos laços fracos (não hierárquicos, não funcionais, não parentais ou consanguíneos) entre pessoas, em conexões voluntárias, baseadas em reciprocidade, cooperação, solidariedade. E esse fenômeno se manifesta na sociedade civil em maior intensidade do que aquela se verifica nas outras esferas da realidade social ou nos outros tipos de agenciamento, como o Estado e o mercado (2005, p. 5).

Constata-se nos estudos de Putnam (2006) que a cooperação voluntária se torna

mais fácil de existir em uma comunidade com um representativo estoque de capital social,

possível de ocorrer de forma mais espontânea em ambientes que possuem regras de

reciprocidade e instrumentos que vão incentivar a participação cívica.

Compreende-se também que o conceito de capital social é político, por se tratar de

um tipo de poder. Porém, um poder distinto do sentido de mandar em alguém, mas no de

levar a fazer, a empreender e a inovar. Pela análise de Franco (2005), esse poder seria

uma forma de empoderamento, uma forma de a sociedade “criar” forças em seus

indivíduos. Essa ideia de empoderamento do cidadão compreende a maneira como irá ser

exercida a cidadania democrática citada anteriormente.

O fato de esse fenômeno, chamado capital social, se apresentar de forma mais

significativa na sociedade civil mostra a importância de se incentivar o seu

fortalecimento, principalmente nas comunidades. Isso porque é nelas que se vivem as

relações sociais cotidianas. O envolvimento local, pela proximidade entre os cidadãos,

torna-se mais favorável à criação de laços de reciprocidade, cooperação e solidariedade,

que, juntos, formam o capital social. Este ponto evidencia a importância do trabalho

desenvolvido pelas associações de moradores do caso estudado.

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O autor também destaca que para ocorrer esse empoderamento é necessária a

existência de uma rede social. A correlação se torna mais nítida trazendo o conceito de

redes sociais de Elias:Para ter uma visão mais detalhada desse tipo de inter-relação, podemos pensar no objeto de que deriva o conceito de rede: a rede de tecido. Nessa rede, muitos fios isolados ligam-se uns aos outros. No entanto, nem a totalidade da rede nem a forma assumida por cada um de seus fios podem ser compreendidas em termos de um único fio, ou mesmo de todos eles, isoladamente considerados; a rede só é compreensível em termos da maneira como eles se ligam, de sua relação recíproca (1994, p. 35).

Os entrevistados foram questionados sobre a utilização desse termo para

conceituar o fenômeno que está ocorrendo na atualidade com a união de três associações

de moradores de Santo Amaro da Imperatriz. A relação apresentada foi compreendida,

identificada, aceita por eles, e complementada por E1, que destacou que essa ideia se

torna mais interessante ainda quando se pensa no conjunto dos atores, constituindo para o

entrevistado um desafio a percepção dos atores envolvidos no processo.

Assim como uma rede de tecido, as comunidades só existem pela união desses

diversos e diferentes "fios" que as compõem. Por este motivo, enfatiza-se a necessidade

de que as três associações consigam de alguma forma organizar os “fios” (indivíduos) de

cada bairro, de forma que se encontrem bem alinhados e organizados para que o “tecido”

(comunidade) possua o melhor aspecto, desempenhando o seu papel de reciprocidade da

melhor forma possível.

4.2 A Comunidade

Outro conceito importante de se destacar nesse contexto é o de comunidade. Para

Denhardt (2012, p. 256), “a comunidade baseia-se em solicitude, confiança, trabalho em

equipe, e se conecta por um sistema forte e efetivo de colaboração, comunicação e

resolução de conflitos”. De acordo com o autor, as comunidades verídicas seriam as que

congregam as pessoas ao redor de entendimentos e compromissos mútuos, assim

satisfazendo os interesses comuns mais elementares. A essência da comunidade também é

definida por Gardner da seguinte forma:Os membros de uma boa comunidade se tratam com humanidade, respeitam as diferenças individuais e valorizam a integridade de cada pessoa. A boa comunidade fomenta uma atmosfera de cooperação e conectividade. Os membros reconhecem que precisam uns dos outros.

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Há um sentimento de pertencimento e identidade, um espírito de responsabilidade mútua (1991, p. 18 apud DENHARDT 2012, p. 256).

Observa-se, analisando a perspectiva fornecida por E1, que a noção sobre a

importância de se envolver a comunidade no processo de cidadania juntamente com as

três associações já está sendo construída. O entrevistado deixou claro que não enxerga o

papel da associação como um mecanismo de resolução de problemas da população local;

ao contrário, deixa clara a sua visão de que ela tem o papel de fomentar e envolver a

população do bairro na resolução de seus problemas. No caso, pode-se dizer que a

associação de moradores teria o papel de incentivar a comunidade a exercer

verdadeiramente a função social anteriormente definida pelos autores citados.

Segundo E1, a associação de moradores é um instrumento de cidadania,

principalmente por seu papel de realizar um esforço contínuo de desconstrução da

“cultura paternalista”, presente no município estudado, e incentivar a construção de uma

cultura ativa. Isto, segundo ele, “para as pessoas se sentirem: eu vou lá porque a cidade é

minha, o bairro é meu”. Percebe-se, no relato, a importância desse mecanismo social para

o fomento da coprodução nas comunidades envolvidas, no sentido de passar a

responsabilidade pelo que acontece no município a cada indivíduo que nela exerce

alguma função.

4.3 A Coprodução

O termo “coprodução”, com base em diversos autores, em particular Schommer et

al. (2011), surge para explicar a transformação dos indivíduos de uma comunidade, seja

ela macro ou micro, em atores responsáveis pela produção de bens públicos em redes e

parcerias, promovendo um engajamento mútuo entre governos e cidadãos

(individualmente ou em organizações associativas ou econômicas). Essa estratégia cria

nos cidadãos um ativo envolvimento, tanto na produção quanto na entrega dos bens e

serviços públicos, fazendo com que eles se tornem corresponsáveis pelas políticas

públicas que serão desenvolvidas.

De acordo com Schommer et al. (2011), a coprodução se caracteriza por processos

movidos a conflitos, relações de poder e articulações que devem ser negociados entre os

atores envolvidos. Esta caracterização é comprovada pelos autores no capítulo que trata

das relações com os atores e as associações no contexto analisado, que envolvem não só

distintos atores, mas também diferentes interesses e perspectivas. É preciso, porém,

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aprender a lidar com esse fato, intermediando as diferenças através do diálogo,

construindo consensos e objetivos em comum.

Com a formulação correta de um processo que permita a coprodução, obter-se-á a

participação direta e ativa de diferentes atores, o que, segundo Schommer et al. (2011, p.

40), admite que se levem em consideração “[...] prioridades nos processos de elaboração,

implementação, controle e avaliação de políticas públicas, tendo a democracia como

critério fundamental de desenvolvimento dos serviços públicos”. Dessa maneira,

compreende-se ser este um caminho que abre inúmeras oportunidades de participação

cidadã, produzindo como resultado a aproximação de governantes e cidadãos, o que fará

com que as políticas públicas se tornem cada vez mais adequadas à realidade local.

É inquestionável o fato de que em qualquer comunidade sempre existirão

diferentes interesses: alguns, coletivos; outros, privados e alguns, mistos. Porém, Putnam

mostra o fato de que, mesmo em casos de interesse próprio, ele assumirá um caráter

distinto quando inserido num contexto social que fomente a confiança mútua. Esta

particularidade se explicaria, segundo o mesmo autor (2006, p. 103), por essas relações de

confiança permitirem que uma comunidade cívica possa “[...] superar mais facilmente o

que os economistas chamam de “oportunismo”, no qual os interesses comuns não

prevalecem porque o indivíduo, por desconfiança, prefere agir isoladamente e não

coletivamente”.

Por esse motivo, entende-se que a harmonização, a partir de um processo de

coprodução, apenas se torna possível pela concepção de um sentimento de pertencimento

e responsabilidade entre as pessoas que participam do sistema. Este ponto retoma a

discussão anterior sobre o papel da rede de associações de moradores como facilitadora

do processo de conscientização da população, que gera, a longo prazo, uma mudança da

cultura atualmente preponderante nas comunidades estudadas.

Como resultado desse processo de coprodução, facilitado pela atuação da “rede”

de associações de moradores, os cidadãos são direcionados a discutir entre si e a pensar

em soluções globais, o que acaba criando e fortalecendo um senso coletivo, pelo qual não

se foca mais o interesse individual, mas se constrói um ideal de bem comum para a

localidade como um todo.

Borba (2010, p. 182) apresenta o conceito de bem comum como “um dos valores

fundamentais da humanidade”, destacando que deve ser uma das preocupações

prioritárias dos cidadãos e das sociedades. Este termo, tão presente nas mais simples

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relações cotidianas de uma comunidade, possui um papel decisivo na promoção do bem-

estar e da segurança coletiva, tornando-se fundamental para o futuro de uma sociedade.

Se o ideal do bem comum for entendido como uma atitude moral básica que merece ser

respeitada, tratada como uma determinação predominante da coletividade que deveria ser

formalmente seguida, as prioridades sociais seriam mais facilmente entendidas e

atendidas.

Dessa maneira, torna-se mais fácil identificar o que, dentre tantas outras demandas

sociais existentes, seria claramente prioritário. Daí a importância de esse valor ser

difundido nas relações presentes em uma comunidade, pois são elas que facilitam o

processo de identificação das prioridades de cada região, permitindo que os indivíduos

comecem a pensar de forma coletiva e pelo bem geral da comunidade em que vivem.

Portanto, acaba impedindo que interesses privados suprimam os interesses do bem

comum da comunidade.

Pressupõe-se, dessa maneira, que se trata de um conceito que precisa surgir

através da organização da sociedade, não sendo algo que pode ser imposto pelos

governantes ou por qualquer outra pessoa da comunidade. Deve estar presente de forma

natural nas mais diversas relações sociais e requer um esforço social contínuo para existir

e se fortalecer. Na visão de E1, fomentar esse bem comum na comunidade é função da

“rede” de associações nela inseridas. Isso porque, como em outro momento lembrou o

mesmo E1, as associações de moradores servem para encontrar meios que incentivem os

diferentes atores presentes numa sociedade a pensar de forma comum e solidária.

Quanto à questão da união das três associações em uma “rede”, E3 acredita que a

união das associações torna seu trabalho mais fácil quanto ao alcance da construção do

bem comum do município. Se as associações não fossem atuantes e estivessem unidas

como estão hoje, E1 acredita que o processo sobre a discussão de um novo plano diretor,

pelo qual passa o município hoje, seria totalmente distinto. Em sua opinião, isto é hoje

possível graças às associações, criadas justamente para gerenciar ações coletivas como

essa. Sem sua participação no exercício do papel de cobrança do poder público por

medidas adequadas à lei, o entrevistado acredita que dificilmente o processo estaria no

“caminho” em que se encontra. Acredita que cenário político atual de Santo Amaro da

Imperatriz é o mais propício para se alcançar a cidadania. Isso por existir uma “força”

contra esse processo, posto que a administração municipal não está cumprindo a

legislação prevista no Estatuto das Cidades, sendo algo que vai interferir na vida de todos.

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Para ele, o contexto atual é um cenário propício ao fomento do debate entre as

pessoas, a fim de intervirem, lutarem, para que esse acesso seja verdadeiramente

participativo.

Dessa forma, constata-se que a cidadania apresentada na forma da participação

cidadã, já iniciada por cada indivíduo nas comunidades de Santo Amaro da Imperatriz por

meio do entrelaçamento atual dessas associações, tornou-se essencial para a formulação

de um capital social que criou redes de confiança entre as três associações.

Nesse contexto, a dinâmica apresentada pela rede de associações no município,

além de ter conquistado a atenção das autoridades sobre a necessidade de um novo plano

diretor, também criou um importante ambiente de incentivo à inclusão dos cidadãos no

processo de discussão e formulação do novo plano diretor da região, tornando-o cada vez

mais próximo da realidade e das necessidades de cada bairro inserido naquele espaço.

5 ESTATUTO DAS CIDADES: PLANO DIRETOR E O CASO DO MUNICÍPIO DE SANTO AMARO DA IMPERATRIZ

Um movimento durante a consolidação da Constituição Federal de 1988 lutou para

que fossem adicionados instrumentos que levassem à instauração da função social da

cidade e da propriedade no processo de construção das cidades.

O Estatuto das Cidades funcionaria, assim, como uma espécie de “caixa de

ferramentas” em uma política urbana local. Dessa forma, definirá a cidade que querem as

pessoas que nela vivem. Chama-se a atenção, porém, para o fato de que isso irá depender

da forma como os planos diretores serão formulados em cada um dos municípios, nos

quais será determinada ou não a mobilização dos instrumentos presentes, e sua forma de

aplicação. Observe-se que a natureza e a direção de intervenção do uso dos instrumentos

propostos no estatuto irão depender do engajamento da sociedade civil.

Dessa maneira, a população efetivamente engajada na transformação da cidade, no

sentido de superar uma ordem urbanística excludente, patrimonialista e predatória,

encontra no Estatuto das Cidades um instrumento importante para essa “luta”. O estatuto

supõe a necessidade inicial de se encontrar e incentivar elementos nos municípios que

permitam um maior controle social desse instrumento, para que, dessa forma, seja

efetuado da melhor maneira possível.

O Estatuto da Cidade se apresenta tanto como um meio, quanto como uma

oportunidade para que os cidadãos construam e reconstruam espaços urbanos

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humanizados, integrados ao ecossistema em que estão inseridos, respeitando ao mesmo

tempo a identidade e a diversidade cultural de cada cidade brasileira. Para Carvalho Filho

(2013), a necessidade de organização urbanística não consistiria apenas no

embelezamento das cidades, mas adviria da necessidade de que esses espaços propiciem o

pleno desenvolvimento de suas funções sociais e garantam, assim, o pleno

desenvolvimento de suas funções sociais e o bem-estar dos cidadãos.

A política urbana, segundo Carvalho Filho (2013), trata de um conjunto de

estratégias e de ações do poder público, de forma isolada ou em cooperação com o setor

privado, “[…] sendo necessárias à constituição, à preservação, à melhoria e restauração

da ordem urbanística em prol do bem-estar das comunidades”. Em outro momento, o

autor afirma que os propósitos urbanísticos têm a participação das coletividades por

serem elas as titulares de interesses ligados ao fenômeno urbanístico. Para ele, o conceito

de bem-estar das comunidades não poderia ficar de fora, visto que se trata da direção da

política urbana, por visar ao atendimento do interesse público.

No caso de Santo Amaro da Imperatriz, o que atualmente se observa mais

especificamente é um descaso do poder público com a formulação adequada e atualizada

do plano diretor. Aprovado em 1991, hoje com 23 anos, está no mínimo desatualizado.

Não existe, porém, por parte da prefeitura, um esforço para que o plano seja atualizado e

compatível com a realidade atual do município. A impressão que se capta nessa situação é

que o plano diretor seria um favor, algo a mais que a prefeitura estaria proporcionando

aos cidadãos. De fato, porém, trata-se de uma obrigação, de um direito dos indivíduos que

residem nessa localidade de ter um crescimento ordenado, sustentável e compatível com

as características locais.

Atualmente, o objetivo principal das três associações é a defesa desse direito, por

acreditarem na força desse instrumento em modificar a realidade na qual se encontra o

município. Visando ao alcance disso, as associações buscaram a prefeitura para auxiliá-

los nesse processo. A proposta de uma tentativa de parceria durou aproximadamente um

ano.

Nesse período, foram realizadas reuniões mensais entre as associações de

moradores de Santo Amaro da Imperatriz juntamente com o prefeito e sua equipe diretiva.

Nas reuniões, cada bairro tinha a oportunidade de apresentar os seus problemas, como

forma de utilizar essas demandas para a confecção do novo plano diretor do município.

Após um ano de reuniões, as associações perceberam que as reuniões pouco adiantavam,

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pois as demandas captadas não foram utilizadas para nada, o que gerou um

estremecimento da relação de confiança que tinha sido até então construída. A partir de

disso, as associações informaram ao prefeito que não “andariam” mais com ele, e que

tomariam outras providências para que as suas solicitações fossem atendidas.

Por conta desse “enfraquecimento” dos laços políticos com o poder local

instituído, as associações buscaram o apoio do Ministério Público de Santa Catarina e do

Fórum da região. Segundo todos os entrevistados, a relação e a comunicação com esses

órgãos foram boas em todos os momentos. Pelos relatos, tanto um quanto o outro

conseguiram perceber a importância do que estava sendo solicitado, cumprindo, até o

presente momento, o seu papel na defesa dos interesses coletivos e direitos da

comunidade em questão. A Polícia Militar também foi lembrada por todos os

entrevistados como um ator sempre presente nas ações realizadas pelas associações e

sempre disposta a ajudar, quando necessário.

Junto com o apoio das instituições, outras medidas foram tomadas pelas

associações. Uma delas foi a passeata, com placas e panfletos explicativos, que ocorreu

no centro da cidade, passando pela prefeitura e a Câmara de Vereadores. Com ela,

pretendia-se chamar a atenção da sociedade sobre a importância de um novo plano diretor

para o município e também pressionar as autoridades a assinar um acordo com as

associações de um prazo para a realização do plano.

Após essa movimentação, reuniões ocorreram em alguns bairros do município

sobre o novo plano diretor do município, promovidas pela Câmara de Vereadores, por

terem sido pressionadas pela “rede” de associações para ocorrerem. Essas reuniões

deveriam ser importantes espaços de discussão, dando destaque ao futuro desejado pelas

comunidades, espaço em que a população deveria ter a oportunidade de discutir sobre o

que se tem hoje e o que se deseja para o futuro.

Porém, como E1 destaca, o plano diretor que está sendo desenvolvido atualmente

pela administração só está sendo realizado por existirem liminares da justiça que a

obrigam a isso, pois, caso contrário, iriam continuar postergando a sua confecção, como

anteriormente. Segundo o entrevistado, as associações encaminharam outro documento,

depois de realizadas audiências sobre o plano diretor nos bairros. Isso se deveu ao

descontentamento geral das associações e comunidade. De acordo com E1:Nós estamos encaminhando outro documento agora, porque para se ter uma ideia, como que em três horas que participamos lá, não deu nem três horas de debate, você vai conseguir que a comunidade se aproprie de um documento de 115 páginas e mais doze anexos.

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Detectou-se ainda, com as reuniões, maior participação em alguns bairros do que

em outros, um sentido de bem comum mais apurado e incentivado. O fato se explica pela

distinta cultura de cada comunidade, com diferentes atores que possuem diversas

maneiras de se relacionar, sendo natural, portanto, que o processo de participação seja

diferenciado em cada região. Embora cada uma de acordo com suas características, todas

devem ser levadas em consideração pelas associações em suas ações de incentivo à

participação.

O entrevistado conclui que todos estes fatos demonstram, ao longo do tempo, que

não existe um interesse político de viabilizar um plano diretor com uma verdadeira

participação social, o que comprova mais uma vez a importância de a rede de associações

continuar em seu trabalho de incentivar a população a participar desse processo e cobrar a

aplicação correta de instrumentos que o validem.

Estes dados permitem considerar que o processo para a construção de uma

participação mais ativa e cívica já foi iniciado pela “rede” de associações de moradores de

Santo Amaro da Imperatriz. A partir de seu trabalho, constata-se que a visão “micro” está

em desconstrução e a noção de que as comunidades precisam deixar de ser secções do

município para se tornar partes integrantes de um todo que está sendo fortalecido com o

trabalho dos participantes da “rede”.

Verificou-se que as associações estão alcançando um estágio de conscientização

muito importante, pelo qual perceberam que, afora o papel individual, juntas elas podem

alcançar de forma efetiva tanto seus objetivos individuais quanto a criação de objetivos

comuns.

Constata-se, assim, que a cidadania apresentada na forma da participação cidadã,

já iniciada por cada indivíduo nas comunidades de Santo Amaro da Imperatriz, se tornou

essencial, por meio dessas associações, para a formulação, primeiramente, de um capital

social que criou redes de confiança entre as três associações, e, segundo, seu

entrelaçamento no processo de formulação do novo plano diretor.

O que fica claro, porém, é o fato de que ainda existe muito trabalho a ser realizado

e desafios a serem superados. Para que essa “rede” se fortaleça cada dia mais, estratégias

precisam ser delineadas, de forma que ela tenha a capacidade de abranger as comunidades

e os atores que ainda não fazem parte e de fortalecer as relações já existentes, de forma

que eventuais empecilhos não impeçam o município de continuar a lutar por uma cidade

mais humana, sustentável e cívica.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente artigo, ficam evidentes as diversas razões que demonstram a

importância de se estimular a força associativa nas comunidades. Observou-se que, pelas

relações cotidianas e de proximidade que representam para o envolvimento local, tornam-

se mais propícias à criação de “laços” de reciprocidade, cooperação e solidariedade, pois

tais laços formam o capital social tão essencial ao desenvolvimento de qualquer região.

A partir dessas relações, torna-se mais fácil que os indivíduos se sintam

responsáveis por sua realidade, por lhes permitir uma noção de pertencimento que resulta

no fomento da cidadania democrática que enxerga o cidadão como um ser ativo, com

capacidade de compreender que o interesse público deve ser mais amplo do que o

privado.

A partir da análise empreendida no campo, seja nas entrevistas, nas participações

nas reuniões das associações e na análise documental, foi possível perceber a penetração e

a relevância da ação que as três associações de moradores do município de Santo Amaro

da Imperatriz estão desenvolvendo em suas localidades, criando um ambiente favorável à

promoção dessa cidadania democrática e participativa, que possibilita aos mais diferentes

habitantes dessa comunidade a possibilidade de questionar a realidade atual e criar uma

nova percepção sobre a atuação cívica conjunta.

Cabe destacar, neste ponto, o importante papel da união e do trabalho em conjunto

dessas associações na busca pela criação de um novo plano diretor para o município.

Além disso, que sua formulação seja fruto da mobilização dos bairros, permitindo que

eles deixem de se ver como “secções” e passem a se perceber interdependentes, sentindo-

se integrantes do município do qual fazem parte, notando que unidas possuem mais poder

de provocar as autoridades na tomada de atitudes concretas em prol da comunidade.

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