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Tracção Eléctrica © Manuel Vaz Guedes, 1992, 2ooo pp. 1.1 a 1.32 Introdução à Tracção Eléctrica ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||| A Tracção Eléctrica é uma forma de utilização de energia que aproveita a capacidade de transformação de energia eléctrica em energia mecânica para promover o deslocamento de um ou de mais veículos. Esta aplicação da electricidade apareceu no ano de 1879, logo nos primórdios da exploração industrial daquela forma de energia. Nesse ano, Werner von Siemens apresentou na Exposição Internacional de Berlim um pequeno tractor, accionado por um motor eléctrico de corrente contínua, que rebocou três pequenos vagões, constituídos por bancos de seis lugares montados sobre rodas, e que podiam transportar 18 passageiros. O conjunto deslocava-se sobre carris, numa via circular de 300 m de comprimento, com uma velocidade de 12 km/h. A alimentação era feita por um carril central, em corrente contínua, com uma tensão de 150 V, sendo o circuito de retorno constituído pelos carris de guiamento. Fig. 1.1 – Primeiro sistema público de Tracção Eléctrica — 1879 O comboio eléctrico da empresa Siemens & Halske, para além de constituir, na sua época, uma mera demonstração das possibilidades de utilização da energia eléctrica, apresentou, desde logo, todo o conjunto de problemas inerentes à Tracção Eléctrica: o problema da alimentação em energia do veículo motor, o problema da disponibilidade e 1

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© Manuel Vaz Guedes, 1992, 2ooo pp. 1.1 a 1.32

Introdução à Tracção Eléctrica

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A Tracção Eléctrica é uma forma de utilização de energia que aproveita a capacidade detransformação de energia eléctrica em energia mecânica para promover o deslocamento deum ou de mais veículos.

Esta aplicação da electricidade apareceu no ano de 1879, logo nos primórdios daexploração industrial daquela forma de energia. Nesse ano, Werner von Siemensapresentou na Exposição Internacional de Berlim um pequeno tractor, accionado por ummotor eléctrico de corrente contínua, que rebocou três pequenos vagões, constituídos porbancos de seis lugares montados sobre rodas, e que podiam transportar 18 passageiros. Oconjunto deslocava-se sobre carris, numa via circular de 300 m de comprimento, com umavelocidade de 12 km/h. A alimentação era feita por um carril central, em correntecontínua, com uma tensão de 150 V, sendo o circuito de retorno constituído pelos carris deguiamento.

Fig. 1.1 – Primeiro sistema público de Tracção Eléctrica — 1879

O comboio eléctrico da empresa Siemens & Halske, para além de constituir, na suaépoca, uma mera demonstração das possibilidades de utilização da energia eléctrica,apresentou, desde logo, todo o conjunto de problemas inerentes à Tracção Eléctrica: oproblema da alimentação em energia do veículo motor, o problema da disponibilidade e

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controlo da força motriz e, também, todo o conjunto de problemas inerentes à exploraçãodeste novo sistema de transporte.

Nos anos que se seguiram, foi grande o número de realizações, assim como foi grande oestudo e a experimentação efectuados na procura de soluções para aquele amplo conjuntode problemas. Hoje, ainda continuam a realizar-se estudos e continua a realizar-seinvestigação no âmbito da Tracção Eléctrica, mas existe já um vasto conjunto de soluçõespossíveis, que só não são adoptadas porque dependem de opções de carácter político oueconómico, que ultrapassam o domínio da Tracção Eléctrica.

Nos estudo da Tracção Eléctrica aparecem problemas de várias áreas do conhecimento.Mesmo no restrito campo da Engenharia Electrotécnica existem alguns problemas deprodução e distribuição de energia eléctrica, um grande conjunto de problemas deutilização de energia eléctrica e aparecem, já, problemas do domínio da Informática e daárea dos Sistemas Digitais. Neste curso, esses problemas serão devidamente apresentados,assim como serão apresentados os métodos e as tecnologias desenvolvidas para a suaresolução. No entanto, alguns assuntos serão apenas referidos nos aspectos específicos dasua ligação à Tracção Eléctrica, porque tais assuntos pertencem ao programa de outrasdisciplinas.

Entre os assuntos estudados na disciplina de Tracção Eléctrica, incluem-se:– uma descrição sumária dos diferentes veículos utilizados nas diferentes formas

de tracção eléctrica;

– o problema mecânico da tracção eléctrica;

– a alimentação em energia eléctrica do veículo motor;

– o problema do accionamento electromecânico — elementos constituintes dosistema de accionamento, estratégia de controlo, aplicação;

– os sistemas auxiliares de controlo, comando, sinalização e de utilização daenergia eléctrica em tracção;

– os diversos sistemas de tracção em serviço, ou em desenvolvimento;

– a problemática resultante da inserção dos assuntos de Tracção Eléctrica naspreocupações sociais contemporâneas — preocupação com uma economia derecursos escassos, preocupação com a influência na sociedade do problema dostransportes, preocupação com a utilização racional de energia e preocupaçãocom o meio e o ambiente.

Com o estudo destes assuntos de Tracção Eléctrica pretende-se que o aluno crie ummaior conhecimento dos problemas de accionamentos electromecânicos, e de utilização deenergia eléctrica, através de uma aplicação actual, com grande interesse social e económico.Os sistemas de tracção eléctrica existentes em Portugal servirão, frequentemente, deexemplo no âmbito desta disciplina. No entanto, serão também analisadas as soluçõestecnológicas aplicadas, ou em desenvolvimento, noutros países e que, num futuro próximo,poderão ser instaladas em Portugal.

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1.1 História Breve da Tracção Eléctrica

Com a descoberta em 1820 por H. C. Oersted da interacção entre um íman permanente euma corrente eléctrica — descoberta do electromagnetismo — iniciou-se um década em queda observação experimental de Ampére, de Arago e de Faraday surgiu o conhecimento dosfenómenos físicos e das leis que regem as acções electromecânicas. Mas irão passar muitosanos até que sejam dominados todos os problemas de construção de máquinas capazes depromover eficazmente a conversão de energia envolvendo a energia eléctrica e a energiamecânica. Durante esses quarenta anos (1820 a 1860) surgiram aplicações primitivas que setornaram precursoras dos sistemas de tracção eléctrica.

1837 – Thomas Davenport, um ferreiro em Rutland, Vermont,obteve a primeira patente sobre um motorelectromagnético (1837), julga-se ter sido a primeira pessoaa produzir trabalho útil com um motor eléctrico.Davenport construiu um modelo com uma máquinamagnetoeléctrica rudimentar que utilizou paramovimentar um veículo que transportava uma bateria depilhas.

1839 – M. H. Jacobi, na Rússia, inicia um conjunto deexperiências que conduziram ao primeiro barco movido a electricidade. Efectuou váriasviagens a uma velocidade de 4 km/h no rio Neva, num barco que podia transportar dezpessoas, e era accionado por uma motor eléctrico de electroímanes, alimentado por umabateria eléctrica com uma superfície de 1,9 m2.

1840 – Em Inglaterra, utilizaram-se telégrafos Wheatstone de agulha magnética para transmitir sinaissimples (ready ; stop) ao mecânico que controlava uma máquina a vapor a partir das seisestações de uma linha funicular instalada entre Londres e Blackwall (13 km) por RobertStephenson. Representa uma primeira aplicação da electricidade na exploração dos caminhosde ferro — sinalização.

1842 – Robert Davidson, um escocês residente em Aberdeen,construiu uma locomotiva eléctrica, com quatro rodase 4,8 m de comprimento, que pesava cerca de 5 ton.com a bateria de pilhas (ferro-zinco). O motor tinhabobinas indutoras em ferradura, mas sem núcleoferromagnético, em frente das quais rodavam barrasde ferro apoiadas no eixo das rodas. Esta locomotivafoi experimentada na linha de caminho de ferroEdimburgo-Glasgow; atingiu uma velocidade de 6 km/h.

1850 – George. C. Page, de Salem, Massachusetts, promoveu a construção de uma locomotiva (12ton.), financiada pelo Congresso, que atingiu a velocidade de 31 km/h com um motoralternativo: dois solenóides atraíam alternativamente uma armadura de ferro que estavaligada a um volante por um sistema de biela–manivela; era alimentado por uma bateria depilhas; chegou a atingir a velocidade de 30 km/h… Teve apenas um sucesso parcial.

1850 – Moses G. Farmer construiu uma pequena locomotiva electromagnética que rebocava umacarruagem de dois lugares.

1855 – O italiano Alexander Bessolo requereu uma patente sobre um sistema de tracção em queprevia a possibilidade da energia eléctrica ser transmitida ao motor por um condutor aéreo,análogo ao utilizado em telegrafia, e com o retorno pelos carris.

Pode-se verificar que, nesta fase histórica, o veículo motor transportava a fonte deenergia eléctrica, que era uma bateria de pilhas.

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1855 – Thomas Hall, de Boston, de 1851 a 1860 construiu váriaslocomotivas eléctricas alimentadas em energia pelos carrisde guiamento a partir de pilhas. A pequena locomotivaeléctrica que foi construída em 1851 encontra-serepresentada na figura junta.

A fonte de energia eléctrica então utilizada, que era umabateria de pilhas, não era suficientemente potente parapermitir o desenvolvimento da tracção eléctrica face àtracção animal e à tracção a vapor. No entanto éimportante salientar que nesta fase de desenvolvimento dos mais diversos aparelhoselectromagnéticos destinados a produzir movimento, a utilização mais experimentada era ada movimentação de veículos.

No ano de 1860 Antonio Pacinotti construiu um modelo de um máquina electromagnéticacom induzido em anel e formulou o princípio de reversibilidade das máquinas de correntecontínua. Mas a sua aplicação industrial só começou com a construção das máquinas decorrente contínua por Werner von Siemens (1867 e 1873) e por Z. Gramme (1870) e com ademonstração prática, na Exposição de Viena de 1873, da transmissão da energia eléctricaà distância e da reversibilidade do funcionamento de máquinas eléctricas semelhantes.

Nesta época o transporte ferroviário comlocomotivas a vapor continuava a progredir, enquantoque o transporte público urbano continuando aexplorar a tracção animal (através dos tramways ou carros

americanos de tracção animal) vinha experimentandooutros meios de tracção mecânica ferroviária, como atracção funicular e a tracção a vapor.

Ao período dos precursores segue-se a fase de grande desenvolvimento da TracçãoEléctrica. Esse desenvolvimento dá-se, primeiro, na Europa, de 1879 a 1883, e depois nosEstados Unidos, de 1883 a 1888, e resulta, fundamentalmente, da utilização do dínamo(máquina electromagnética de corrente contínua com excitação ligada) como fonte de energiaeléctrica, e da confirmação experimental do princípio da reversibilidade de funcionamentoda máquina eléctrica de corrente contínua.

Fig. 1.2 – Locomotiva eléctrica Siemens Halske (1879)

1879 – Na Exposição Industrial de Berlim circula o primeiro comboio eléctricoque funcionou em condições reais. A pequena locomotiva, ou tractor,era alimentada em energia a partir de um carril especial, colocado no

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meio da via férrea, e onde atritavam escovas em fio de cobre.Transportava uma máquina eléctrica de corrente contínua, do tipoSiemens, e o movimento do rotor do motor, que estava colocadolongitudinalmente, era transmitido às rodas através de umaengrenagem. Os carris de rolamento serviam de condutor de retorno dacorrente eléctrica.

1880 – O pequeno comboio eléctrico de Siemens & Halskecircula na Exposição Nacional de Bruxelas. Nesteano Werner von Siemens propõe para a cidade deBerlim uma via férrea eléctrica aérea (comboio eléctrico

elevado); os carris serviam de condutor eléctrico.Dificuldades provocados pelos protestos públicos epelos interesses da administração da cidadeimpediram a concretização desse projecto.

Ernest–Werner von Siemens (1816–1892)Foi oficial do exército prussiano, altura em que teve uma formaçãotécnica. Em 1847 fundou uma firma para produzir material paratelegrafia eléctrica. Procedeu ao trabalho de instalação de algumaslinhas telegráficas, na Alemanha e na Europa. Contribuiu para odesenvolvimento das máquinas eléctricas com: o induzido em fuso(1866), com o desenvolvimento das máquinas auto-excitadas (dínamo) ecom o projecto de vários tipos de máquinas. Aplicou as máquinaseléctricas na tracção, e criou a primeira linha de transporte urbanoelectrificada. Desenvolveu muitos outros aparelhos e instrumentoscientíficos no âmbito da Electrotecnia. Fundou a firma Siemens &Halske (1847), que em 1879 se tornou uma sociedade anónima e em 1903 se fundiu com a firmaSchuckert resultando a firma Siemens–-Schuckertwerke. Em 1966 esta firma tomou o actualnome Siemens.

1880 – Em 13 de Maio, em Menlo Park, Th. Edison apresenta o seu comboioeléctrico experimental, e requer várias patentes relativas a um caminho deferro electromagnético.

1881 – É inaugurada a linha de Gross–Lichterfelde (12 de Maio), perto deBerlim, que é a primeira linha férrea electrificada (1,2 km). Tinhacarris com uma bitola de 1 m, colocados 0,20 m acima do solo. Oscarris serviam de sistema transportador da energia eléctrica (embora

estivesse previsto um sistema de alimentação por linha aérea), que era produzidapor duas máquinas Siemens numa pequena central térmica situada a5oo m da estação do caminho de ferro. O carro eléctrico, que circulavanesta linha, podia transportar 26 pessoas, com uma velocidade normalde 20 km/h, mas podendo atingir os 40 km/h em percurso plano semcurvas (em patamar) e com todos os passageiros (4,8 ton.). O motoreléctrico (máquina de corrente contínua Siemens com excitação ligada do tipo série)

accionava os dois eixos por meio de roldanas e de lâminas de aço.

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Fig. 1.3 – Carro eléctrico da linha de Gross–Lichterfelde

1881 – Perante o sucesso da electrificação da linhade Gross–Lichterfelde, na ExposiçãoUniversal de Electricidade em Paris foiapresentada uma linha de carros eléctricos(inaugurada em Julho), com veículos de tramwayelectrificados (50 passageiros) e com alimentaçãopor via aérea oca, através de um colector deslizante (núcleo de metal deslizando

no interior do tubo condutor e ligado a um pequeno carrinho rebocado por uma corda,

como na figura), sendo o retorno por um sistema colector–condutor aéreoigual (ver fig. 1.4).

Devido aos problemas de segurança das pessoas na transmissão de energia eléctrica peloscarris de rolamento, surgiram diversas soluções para a distribuição aérea da energiaeléctrica.

1881 – William Siemens escreve numa revista inglesa: “Um outro arranjo através do qual umomnibus se pode deslocar numa rua teria um cabo de suspensão lançado a intervalos de umlado da rua para o outro, com dois fios dependurados desse cabo; permitindo um carrinhodeslocar-se em cima desses dois fios, a corrente podia ser transportada para o carro eléctrico,e retornar ao dínamo na estação sem necessidade alguma de se deslocar nos carris”.

Surge assim o “trolley”, pequeno carrinho rebocado, que se deslocava no alto doscondutores de transporte da energia. Seguiram-se-lhe outros sistemas de condutores e decontactos móveis.

1881 – durante a Exposição Internacional de Electricidade de Paris sãoapresentados diversos aparelhos eléctricos para a exploração doscaminhos de ferro: sistemas de exploração por secções (cantonamento),aparelhos auxiliares de protecção automática, protecção das estaçõespor encravemento dos sinais e agulhas, aparelhos avisadores e decorrespondencia, manobra à distância dos aparelhos de segurança,aparelhos de controlo, etc...

Durante o ano de 1881 Camille Faure melhorou a construção do acumulador de chumbodescoberto por Gaston Planté em 1859. Imediatamente se deu a aplicação do acumuladorna Tracção Eléctrica, existindo referência a um tractor industrial numa lavandaria emFrança em 1880.

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1881 – aparece (em 7 de Junho) uma viaturaeléctrica (tramway de 50 lugares com imperial)

equipada com 225 acumuladores Fauré(1,8 ton.) colocados sobre os bancos,capazes de fornecerem uma correnteeléctrica de 40 A, com uma tensão de 120V. Esta viatura, desenvolvida por N.-J.Raffard, foi utilizada na via férrea dalinha de tramways de Vincennes. O veículodeslocou-se, com facilidade, sobre os carris e sobre o piso da estrada.Realizaram-se várias viagens em 1881 e 1882, tendo sidoexperimentados, com o mesmo veículo, diferentes tipos deacumuladores, que entretanto iam sendo desenvolvidos.

Os veículos eléctricos alimentados por acumuladores começam nesta altura a ter umdesenvolvimento análogo ao que se passava nos sistemas com alimentação directa. Surge,também, neste ano de 1881 e desenvolvido por Fauré um triciclo accionado por umpequeno motor eléctrico e alimentado por acumuladores (ver fig. 1.4). Mas, a aplicação dosveículos eléctricos será sempre limitada pelo peso da bateria de acumuladores, pelapequena autonomia e pela demora na recarga dos acumuladores.

Fig. 1.4 – Veículos eléctricos em 1881

Na sequência da instalação da linha de carros eléctricos de Gross–Lichterfelde, emBerlim, começaram a surgir na Europa outras linhas férreas electrificadas:

Minas de Zaukerode, instalada em 1882 com um comprimento de 0,8 km ealimentação aérea;

Portrush, na Irlanda, com 10 km, construída pela empresa Siemens, de Londres, comalimentação por carril central sobrelevado e retorno pelos carris; ficou terminada em 1883;(foi o primeiro tramway eléctrico instalado na Inglaterra)

1883 – na Exposição de Electricidade de Viena o carro eléctrico de Siemens,resultante da electrificação duma carruagem do serviço de tramway dacidade, conduzia os visitantes do Prater até à entrada da exposição efoi apresentado o projecto da electrificação da linha de Mödling aBrühl. Foi grande a variedade de material eléctrico auxiliarapresentado nesta exposição — controladores de agulhas,manobradores de barreiras de passagem de nível, cronógrafos,indicadores de nível.

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Brighton, ligação à praia, que foi instalada em 1883, com a alimentação pelos carris deguiamento a uma tensão de 55 V, numa extensão de 0,4 km. A viatura, que transportavadoze pessoas, tinha um motor eléctrico com 1,2 kW de potência.

1883 – William E. Ayrton e John Perry propõem um novo sistema dealimentação em energia eléctrica dos veículos. O sistema consiste nacolocação de condutores à superfície do solo, espaçados, eestabelecendo um contacto com a central produtora de energia apenasno momento de passagem do veículo.

Mödling a Hinterbruel, perto de Viena, construída a primeirasecção até Brühl em 1883 e a última em 1885 pela empresa Siemens &Halske, com um comprimento de 4,5 km e alimentação e retorno porlinha aérea ôca; as viaturas tinham 18 lugares sentados;

Frankfurt–Offenback , terminada em 1884, com umcomprimento de 6,6 km e alimentação por linha aérea;

Bessbrook–Newry, em Inglaterra, linha destinada ao transportede mercadorias (mármores e carvão) terminada em 1885, com umcomprimento de 1,2 km e alimentação por condutor central em e retorno pelos carrisde rolamento.

Fig. 1.5 – Carro eléctrico da linha Bessbrook–Newry (1885)

Nestas diferentes linhas vai-se verificando a evolução do sistema de alimentação doveículo motor; desde o terceiro carril, até aos dois condutores aéreos com um isolamentosuficientemente bom para permitir uma tensão eléctrica de 500 V.

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1885 – realiza-se em Anvers, durante aExposição Universal de Anvers,um Concurso Internacional deTracção Mecânica e de Materialde Tramways, em que saiuvencedor no grupo tramways decidade uma viatura automotoraeléctrica (2,6 ton; sendo 1,1 ton dos

acumuladores (42 %)). Tratava-sede um viatura ordinária dostramways de Bruxelas, electrificada com um motor Siemens alimentado poracumuladores colocados debaixo dos bancos. Esta viatura eléctrica (carro

Julien) vinha sendo utilizada desde Outubro de 1884 no transporte públicoem Bruxelas (percurso sem rampas).

A partir desta época é nos Estados Unidos da América que ocorrerão as experiências e asinovações capazes de fazerem evoluir a Tracção Eléctrica. Também nos Estados Unidas daAmérica do Norte houve acções precursoras que, devido a causas várias, não tiveramimportâcia imediata.

1878 – George F. Green, requereu uma patente sobre um caminho de ferro eléctrico, com alimentaçãopelos carris e por linha aérea, começou por construir um modelo em 1875 e, depois, construiuum outro modelo capaz de deslocar duas pessoas. No entanto, por preguiça burocrática apatente, que envolve os princípios gerais da tracção eléctrica, só foi atribuída em 1891 (!!!).

1880 – Em Menlo Park, Thomas Edison realiza várias experiências de tracção com máquinaseléctricas e constroi uma linha electrificada experimental com uma extensão de 536 malimentada por dois geradores Edison tipo Z.

No entanto em 1883 começam a ocorrer um conjunto de factos que são relevantes naHistória da Tracção Eléctrica.

Fig. 1.6 – Locomotivas de Edison (1880) e Edison e Field (1883)

1883 – Thomas Edison e Stephen Field apresentaram uma locomotiva eléctricaque se deslocou numa pequena via férrea com 0,9 m de bitola (aderiram

ao sistema de um veículo motor rebocando os outros). O circuito eléctrico dealimentação era formado por um carril colocado no eixo da via férrea eo circuito de retorno era constituído pelos carris de rolamento da viaférrea. Nesta caso, a velocidade do motor eléctrico era controlada porreóstatos e existia um mecanismo de inversão de marcha.

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1883 – Inicia os seus trabalhos sobre tracção eléctrica Charles J. Van Depoele:faz circular uma pequena viatura alimentada por condutores eléctricosaéreos, instala uma linha electrificada na Exposição de Chicago, e

1883 – projectou para Toronto uma linha decarros eléctricos em que a alimentação erafeita por um carril central subterrâneo.Com esta instalação conseguiu-se umatensão eléctrica excepcionalmente elevada, 2500 V, sem que tivesse havidoacidentes, e

1885 – começou a utilizar o trólei de mastro no tejadilho do carro eléctrico. Umaforte mola pressionava a vara de forma que a roda de contacto atritavapermanentemente contra a parte inferior da linha aérea maciça.

Mas na Europa continua a realizar-se a electrificação de linhas de transporte públicourbano, embora a rigidez da legislação obrigasse à procura de novas soluções. No caso daalimentação em energia eléctrica sempre houve objecções estéticas à alimentação por linhaaérea, pelo que foram procuradas outras formas de alimentação dos veículos.

1885 – Em Blackpool, Inglaterra, é electrificada uma linha de transporte público,sendo a alimentação também por carril central subterrâneo.

Fig. 1.7 – Aspectos construtivos da linha de Blackpool (1885)

1885 – Foi electrificada, por Leo Daft, parte da linha de transporte público deBaltimore numa extensão de 3,2 km. Apresentava a particularidade deter um perfil acidentado e com numerosas curvas. Existia um veiculomotor (1,9 ton.) que rebocava as carruagens de passageiros. Aalimentação em energia eléctrica era feita através de um terceiro carrilisolado, mas nas curvas e cruzamentos de linha a alimentação emenergia realizava-se por um condutor aéreo. O motor eléctrico (5,8 kW)

era controlado pelo circuito indutor.

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Fig. 1.8 – Linha de Baltimore; parte de condutor aéreo.

1885 – é utilizada uma locomotiva eléctrica — Benjamin Franklin —desenvolvida por Leo Daft na linha de caminho de ferro elevada deNova York (Elevated Railroad Company). O motor eléctrico (indutor Siemens e

induzido Gramme) atacava directamente as duas rodas de um eixo.

A partir destas primeiras instalações de tracção eléctrica começou a crescer a confiançado público neste meio de transporte e iniciou-se a aparecimento de um conjunto de marcoshistóricos na evolução do transporte público com veículos accionados por motoreseléctricos.

Linha Data Extensão(km)

Alimentação

Cleveland 1884 3 carril central subterrâneo

Blackpool 1885 3,2 carril central subterrâneo

Hamburg 1886 5,3 acumuladores

Montgomery (USA) 1885–86 17,6 linha aérea

Appleton (USA) 1886 7,2 linha aérea dupla

Los Angeles (USA) 1887 8 linha aérea simples e dupla

Em Portugal, onde estavam em franca exploração sistemas de tracção animal (caminho de

ferro americano) (Porto 1870, Lisboa 1873), começou a haver interesse pela tracçãomecânica, essencialmente os sistemas de tracção funicular (tramway-cabo) (Porto, Janeiro de1886) e de tracção a vapor (Porto 1878, Lisboa 1889). Nesse contexto, e na procura de ummeio de transporte público mais rápido e mais económico, ocorre em Lisboa, desdeSetembro 1887 a Setembro de 1890, a realização de experiências com dois veículoseléctricos alimentados por acumuladores deslocando-se na linha de tramways entreSt. Amaro e Algés.

1887 – iniciaram-se em 18 de Setembro de 1887 as experiências com um carroeléctrico (sistema Julien — vencedor do concurso de Anvers 1885) comprado aofabricante belga, e em Novembro ficou concluído um outro carro eléctricoconstruído em Lisboa sob a direcção de Maximiliano Herrmann. Estescarros eram alimentados por acumuladores Julien e accionados por ummotor Inmisch. Surgiram dificuldades com o gerador de corrente contínuapara carregar os acumuladores e com a duração dos acumuladores. Não foipossível tirar conclusões sobre o interesse económico da utilização dos

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carros eléctricos com acumuladores face à tracção animal.

Em Setembro de 1886 é apresentada numa conferência a electrificação desenvolvida porFrank J. Sprague para a linha de metropolitano elevado da 3ª Avenida de Nova York.

Frank. J. Sprague (1857–1934)

Sprague graduou-se na Academia Naval Americana (1878), visitou a

Exposição de Electricidade de Paris em 1881 e de Londres (Cristal

Palace 1 8 8 2 ), iniciou em 1885 um trabalho de projecto e

desenvolvimento no domínio da Tracção Eléctrica que veio a ter grande

influência no desenvolvimento do transporte urbano. Em 1887 Sprague

assinou um contrato para instalar um linha de carros eléctricos com 40

carros na cidade de Richmond. Em Junho de 1888 apresentou uma

comunicação sobre “A Solução para o Trânsito Municipal Rápido”

onde tira conclusões e escreve sobre o desenvolvimento de sistemas de tracção eléctrica para o

transporte urbano e suburbano, servindo-se da experiência adquirida com a construção da

linha de Richmond. Acompanhando a exposição com dados financeiros e salientando as

vantagens da tracção eléctrica sobre os outros métodos de tracção, apresenta ainda os aspectos

técnicos relevantes (como as curvas características dos motores eléctricos) e inovadores (como

a suspensão semi-elástica do motor: dois pontos de apoio sobre o eixo da roda e um ponto de

suspensão por molas do chassi).

1888 – Foi instalada em Richmond(Virgínia, USA) uma linha decarros eléctricos projectadapor F. Sprague, com aextensão de 19,2 km, 30carros e alimentação porlinha aérea a uma tensão de450 V. Os carros eléctricos,abertos e fechados, foramdotados com dois motores,actuando sobre cada eixo ecom controlador duplopermitindo a comutação série-paralelo. Foi utilizado o trolei universal —contacto rotativo inferior com a linha aérea colocado na extremidade de ummastro mantido por molas. Esta linha electrificada constituiu um sucessotécnico e comercial (no início), o que fez consagrar a ideia da utilização daTracção Eléctrica como meio de transporte público.

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Nesta época uma cidade como Birmingham podia ser simultâneamente servida por umempresa de transportes (Birmingham Central Tramways Company) com sistemas de transportepor tracção animal (10,9 d/milha), por tracção funicular (17,4 d/milha) e por tracção avapor (13,8 d/milha), sendo importante a comparação entre os respectivos custos médiospor milha percorrida.

Começa nesta época a tornar-se predominante o método de alimentação dos veículos emenergia eléctrica por linha aérea. Surge na electrificação (por Van Depoele) de uma linha emMinneapolis com locomotivas eléctricas o seccionamento e a alimentação da linha aérea decontacto em cada secção por cabos condutores directamente ligados à central produtora deenergia eléctrica — alimentadores ou “feeders”. No entanto, ainda existem linhas de carroseléctricos alimentadas por acumuladores — Filadélfia, Nova York e Boston — e ainda sefazem electrificações com este tipo de alimentação.

1888 – Em Birmingham iniciam-se em 1 de Outubro as experiências com umalocomotiva eléctrica alimentada por acumuladores (análoga às pequenas

locomotivas a vapor), e baseada no sistema Julien, nas linhas exploradaspor tracção a vapor. Em consequência foi adoptada a tracção eléctricacom acumuladores em 1890, com 12 carros eléctricos do tipo imperial(dois andares).

Perante as realizações de Van Depoele e de Sprague, as principais empresas industriaisque trabalhvam na área da energia eléctrica começaram a dedicar-se à tracção eléctrica,recorrendo a fusões com absorção da tecnologia: a empresa Thomson-Houston (criada em

1883) absorveu em 1888 a empresa de tracção eléctrica de Van Depoele (Van Depoele Electric

Manufacturing Company, 1881); a empresa de F. Sprague (Electric Railway and Motor Company, 1884)

foi integrada em 1889 numa nova companhia recém-criada a Edison General ElectricCompany, mas em 1892 foi reunida com a Thomson-Houston Company na General ElectricCompany. Só a empresa Westinghouse (criada em 1886) desenvolveu em 1890 o seu própriosistema de tracção eléctrica em corrente contínua, partindo da sua experiência naconstrução de geradores e de motores, e devido ao falhanço na utilização do motor de Tesla(motor de indução) na tracção eléctrica.

1889 – A empresa Thomson-Houston fornece para a minade antracite “Erie” na Pensilvânia uma locomotivamineira para via de 0,95 m de bitola, tinha umapotência de 29,4 kW. Já antes na Europa tinhamsido fornecidas pela empresa Siemens & Halskelocomotivas eléctricas para trabalho em minas:1882 — Zaukerode, Neu-Strassfürt; 1883 – Paulus-Hohenzollern.

Segue-se agora um período em que se dará uma electrificação gradual dos meios detransporte urbano e suburbano e em que se iniciará a electrificação de algumas linhas decaminho de ferro. Em 1890 na Europa existem 71 km de linhas electrificadas e 140 viaturaseléctricas.

1890 – É instalada, em França, a primeira linha industrial de carros eléctricos— linha de Clermont–Ferrand. Nesta linha a alimentação ainda é feitapor linha aérea constituída por um tubo fendido com um contactodeslizante no interior.

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1890 – É inaugurado em Londres o primeirometropolitano (subterrâneo) — City and SouthLondon Railway. Uma locomotiva eléctrica de como peso de 13,5 ton com dois motores eléctricos tiposérie associados em série e os induzidos montadosdirectamente sobre o eixo das rodas. Aalimentação era por terceiro carril.

1890 – A empresa Siemens & Halske começa a utilizar naalimentação por linha aérea dos veículos de tracção umtrolei em arco.

1891 – É construída a primeira locomotiva eléctrica parapequenas linhas de caminho de ferro, na Suíça, pelafirma Oerlikon: Sissach--Gelterkinden e deGrütsch–Mürren.

1891 – Em Junho começam a circular os carroseléctricos de Halle, construídos pela AEG –Allgemeine Elektricitäts Gesellschaft, comlicenças Sprague. Os veículos têm um chassiem ferro e o motor (11 kW) está ligado á roda por um redutor duplo. Aalimentação em energia é feita por linha aérea dividida em secçõesalimentada por um cabo alimentador (“feeder”) aéreo.

1891 – Em Paris começa-se a discutir a construção de uma tramwaysubterrâneo eléctrico, indo do Bosque de Bolonha ao Bosque deVincennes.

1891 – Na Exposição de Francfort a empresa Siemens & Halske apresentoupara demonstração um carro eléctrico alimentado por uma bateria deacumuladores. O veículo para 40 passageiros tinha dois motores de 7kW, e a bateria tinha acumuladores sistema Tudor, pesando 1 ton(12,5%), enquanto que o veículo pesava 8 ton.

Nesta época existiam linhas de carros eléctricos alimentadas por acumuladores emFiladélfia (The Lehigh Avenue Passenger Railway), Barking Road (Londres), Hague (Holanda),Lião (França).

1892 – Para controlo de velocidadedos veículos utilizados nasl i n h a s d e tramwayelectrificadas, H. WardLéonard inventa o sistema decontrolo da velocidade demotores eléctricos decorrente contínua através davariação excitação dogerador de um grupo motor-gerador de alimentação do motor eléctrico:sistema Ward Léonard.

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Salientando as vantagens da tracção eléctrica na exploração das linhas de transportepúblico urbano (linhas de tramway) são publicados artigos divulgando valores contabilísticoscom um aumento da receita bruta de 30% a 300% e com uma diminuição dos gastos deexploração. No entanto, sob o ponto de vista electrotécnico, as linhas de carros eléctricoscom retorno pelos carris interferem com as linhas de telecomunicações com retorno pelaterra. Surgem diversas situações de avaria e as correspondentes notícias alarmantes naimprensa, e a discussão do problema nas revistas técnicas.

1892 – Nas reuniões das Associações de Tramways americanas começam asurgir tendências normalizadoras que levam a caracterizar uma linhamodelo de tramways eléctricos, com a sua linha aérea perfeita, via,partes dos veículos (chassi e caixa), estação central geradora e sistema decontabilidade.

Fig. 1.9 – Viatura fechada típica de tracção eléctrica (construção americana 1892)

Verifica-se então que sistema de electrificação dos veículos tinha já sofrido umaevolução, resultante de uma década das mais diversas experiências. Uma dos elementos queteve de ser adaptado foi o motor eléctrico de tracção. Se nas primeiras electrificações foramutilizados geradores de corrente contínua a funcionar como motores, nesta época existe jáuma tentativa de normalização dos aspectos construtivos dos motores eléctricos de tracção.

Os motores eléctricos estão ligados às rodas por um redutor simples(pinhão-roda dentada), o que torna a construção mais barata, amanutenção mais simples e reduz o ruído. Para melhorar acomutação, nas condições rigorosas de tracção, reforçou-se o campomagnético indutor, utilizaram-se escovas de carvão colocadasperpendicularmente ao colector. Começaram a utilizar-se motoresquadripolares. Passaram a utilizar-se dois motores por viatura dedois eixos (diferencial eléctrico), com uma potência média 11 kW,accionando cada motor um eixo. A carcaça passou a ter uma forma que, protegendomecanicamente o motor, é de fácil abertura.

1892 – É inaugurada em 8 de Outubro a electrificação da linha da CompanhiaFerro Carril do Jardim Botánico, no Rio de Janeiro, Brasil, entre oCentro e o Largo do Machado, onde se situava a central termoeléctrica.A linha electrificada era anteriormente explorada com tracção animal(bonde de burro). O material de electrificação dos carros eléctricos(bondes) é da Thomson-Houston International Electric Corp.

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1893 – Na Exposição Internacional de Chicago foram utilizados agrupamentosde carros eléctricos — Unidades Múltiplas — em que o conjunto écomandado como uma unidade a partir de um posto de controlo ecomando.

A expansão das linhas de carros eléctricos leva aoaparecimento de situações novas. Assim, em Saint-Louis é utilizado um carro eléctrico como centraldistribuidora do correio servindo uma zona dispersa aolongo de 12 km de linha. Mas são previstas outrasfunções para os carros eléctricos sobre carris: postomédico, ambulância, veículo de limpeza e rega de ruas,limpa-neves, etc...

1894 – Passa a ser utilizada nas unidades de controlo e comando docircuito do motor — combinadores (“controllers”) — umcomutador cilindrico dotado de sistema de sopro magnético(extintor magnético) do arco formado durante a comutação docircuito (combinador tipo K da Thomson-Houston).

1894 – Começam a ser construídas por conta de uma empresafabricante de baterias de acumuladores, em Filadélfia, carruagenselectrificadas. Dois engenheiros Pedro Salom e Henry Morris passaramo Outono a aplicar baterias e motores eléctricos às carruagens. Eramveículos eléctricos, que se deslocavam em qualquer estrada e que sedestinavam a substituir no transporte individual, essencialmente dealuguer, dentro das cidades as diferentes carruagens puxadas porcavalos: cab, phaéton, coupé, fiacre, dog-car.

1895 – Em Baltimore, uma locomotiva eléctrica,alimentada em corrente contínua, 625 V, 1059kW e com quatro motores série bipolares, atingeos 80 km/h de velocidade máxima, tendoestabelecido o primeiro serviço regular decomboios eléctricos. Os motores hexapolares sãode 264 kW. A alimentação é por linha aérea emcondutores rígidos, ocupando diversas posiçõesconforme a situação: túnel, curva ou patamarem trincheira.

12 de Setembro de 1895 –

Iniciou-se o serviço regular de transporte de passageiros na primeiralinha de carros eléctricos da cidade do Porto. Resultou daelectrificação da linha da Restauração — ligava Massarelos ao Carmopela rua da Restauração. Os dois carros eléctricos eram carruagensde tramway da Companhia Carris de Ferro do Porto electrificadascom material Thomson–Houdson (dois motores de corrente contínua de 18

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kW; combinador). A central termoeléctrica localizava-se no Ouro:gerador de 100 kW, 500 V.

1896 – Em Julho deste ano existiam em exploração nos Estados Unidas daAmérica 19413 km de linhas de carros eléctricos, e somente 1950 km delinhas de tracção animal, 960 km de linhas de tracção por cabo(funicular) e 830 km de linhas de carros com tracção a vapor. Os carroseléctricos pertenciam a 916 empresas que possuiam 26242 veículoseléctricos. A despesa média de exploração era de 68% da receita bruta.

1896 – É utilizada, pela primeira vez, a corrente alternada (trifásica, 400 V, 42

Hz) em Tracção Eléctrica (fase_R–trólei_1; fase_S–trólei_2; fase_T-carril).Alimentou os carros eléctricos de Lugano, Itália, (4,9 km). Eram carroseléctricos de 24 lugares com dois eixos (9 ton.), um motor de induçãotrifásico, com doze pólos, com rotor bobinado e controlo de velocidadepor variação da resistência do circuito do induzido, veículos dotadoscom dois tróleis. [funcionou até 1910].

1897 – Entram em exploração comercial as primeiras composições eléctricasreversíveis com unidades múltiplas (UME); solução que se tornouclássica nalguns transportes urbanos e nos transportes suburbanos.

1897 – É apresentada em Reno (Nevada) uma viaturacom trólei para vias ordinárias — tróleicarro.A duas linhas aéreas, a uma tensão de 500 V,colocadas na vertical, eram percorridas porsistemas colectores com rodas. A correnteeléctrica era conduzida ao veículo por umcabo condutor, de 60 m, que se enrolava numcontentor automático.

1897 – É criada em Nova York uma companhia — The Electric Vehicle Cº —com 50 cabs e 50 coupés de aluguer, cada veículo tem dois motoreseléctricos Westinghouse 1,5 kW.

Fig. 1.10 — Veículo eléctrico (cab) de Morris & Salom (1897)

1898 — No jornal New York Sun aparece escrita a seguinte frase: “Nesta esquina movimentada, GrandStreet e Bowery, podem ser vistos carros accionados por cinco métodos de propulsãodiferentes — por vapor, por cabo, por trólei subterrâneo, por bateria de acumuladores, e por

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cavalos”.

1898 – É o ano da primeira instalação em França de um sistema de agulhagemeléctrico na estação de caminhos de ferro de Lião.

1898 – Em Chicago cessa a exploração da tracção a vapor na linha demetropolitano aéreo de Chicago (South Side Elevated Railway).

1898 – Começa a exploração do sistema de protecção “homem morto”, quepromove a paragem do veículo se o condutor não actuar sobre oscomandos durante um certo intervalo de tempo.

1899 – Para iluminação eléctrica das carruagens, feita até então a partir deacumuladores, a energia eléctrica passa a ser gerada por um dínamomovimentado pelos eixos da carruagem: dínamo de três escovas.

1900 – Em França surgem duas linhas de caminho de ferro electrificadas:Paris–Les Molineaux (em corrente contínua 650 V) e Paris Orsay–ParisAusterlitz (corrente contínua 1500 V). Inauguração (em 14 de Julho) daprimeira linha (Porte Maillot–Porte Vincennes) do metropolitano de Paris.

1901 – É inaugurada em 31 de Agosto a electrificação de 47,8km de linhas da Companhia Carris de Ferro de Lisboa.Era servida por carros eléctricos abertos e fechados.

1902 – Continuam os ensaios, iniciados em 1899, comlocomotivas eléctricas de grande velocidade, (55 a 105 km/h) alimentadasem corrente alternada trifásica (6 a 10 kV, 25 a 47,5 Hz). Os motores eramalimentados directamente em tensão da linha aérea e tinham reóstatospara o controlo da velocidade.

Fig. 1.11 – Locomotiva Experimental Trifásica Siemens & Halske (10 kV)

1902 – Em Fevereiro Emile Huber-Stockar pronuncia em Zurique umaconferência — “A Tracção Eléctrica nos Caminhos de Ferro de ViaNormal” — onde defende a tese que a tracção eléctrica nos caminhosde ferro em via normal só será possível utilizando uma catenáriaalimentada em tensão elevada (15 kV) e com um frequência da ordemdos 15 Hz. Trata-se do início do desenvolvimento da tracção eléctricamonofásica.

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1903 – Continuam osensaios detracçãoeléctricatrifásica dasempresasAllgemeine Elektricitäts Gesellschaft (AEG) e Siemens & Halske numa linhaexperimental entre Marienfelde e Zossen. Uma das duas automotorasatingiu a velocidade de 213 km/h.

1903 – Na cidade do Porto entram emexploração carros eléctricos construídosno País, os “risca ao meio”, queapresentam já um aspecto construtivoanálogo aos que estiveram em serviço nostransportes públicos da cidade durante oséculo passado.

1903 – Em Sintra é estabelecida uma linha de carros eléctricos servindoalguns pontos da vila e acabando por estabelecer ligação com a Praiadas Maçãs — linha Sintra–Atlântico.

A tracção eléctrica com alimentação em corrente alternada monofásica tinha tidodiversas experiências ao longo do tempo: 1893 — M. Lamme cria para a Westinghouse ummotor monofásico de 22 kW, 200 V a 16 2/3 Hz; em 1897 criou novos motores; 1900 —começaram estudos que permitiram construir em 1902 um motor de 73 kW a 16 2/3 Hz combons resultados, para isso aumentaram a resistência do circuito induzido com ligaçõesresistentes ao colector de lâminas.

Em 1903 e 1904 Behn-Eschenburg, trabalhando na empresa Suiça Oerlikon, melhorou acomutação do motor série com colector de lâminas alimentado em corrente alternadaatravés da criação de um campo magnético auxiliar esfasado do campo indutor principal.Isso permitiu construir em 1904 uma locomotiva (nº 2) com dois motores eléctricos de 183kW, alimentados em corrente alternada monofásica 15 kV, 15 Hz, para a linha deSeebach–Wettingen. A experiências permitiram concluir sobre o interesse de umafrequência baixa na exploração da tracção eléctrica em corrente alternada monofásica.

Fig. 1.12 – Locomotiva nº 2 com motores de colector de lâminas para corrente alternada monofásica

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Hans Ben-Eschenburg (1864–1938)

Estudou Matemática e Física no Politécnico Federal de Zurique e em

Berlim. Em 1891 tornou-se assistente de Henrich F. Weber no

Istituto de Física do Politécnico de Zurique, admirávelmente

equipado para o estudo das Correntes Fortes. Em 1892 entrou ao

serviço da empresa Oerlikon, onde se tornou Chefe do Departamento

Eléctrico e depois Director Geral da Fábrica. Aí iniciou um trabalho

de concepção científica das Máquinas Eléctricas, que o levou

desenvolver novas máquinas, além de aprofundar o conhecimento

sobre as já existentes e em aplicação. Participou activamente na

Comissão de Estudos para a Electrificação dos Caminhos de Ferro Suíços e nos trabalhos de

electrificação encomendados à empresa Oerlikon.

Nesta altura foi definida, nos Estados Unidos da América, a frequência especial de 25 Hzpara os sistemas de alimentação em corrente alternada monofásica. Na Europa, foiadoptada em 1908 a frequência de 16 2/3 Hz.

1909 – Robert Goddard, sugere que poderiam circular carros no interior deum túnel suspensos e accionados pelo “poder mágico do magnetismo”.

O desenvolvimento da Tracção Eléctrica dá-se a partir desta altura em simultâneo nosdois sistemas de alimentação em energia eléctrica: em corrente contínua e em correntealternada. Note-se que, nesta época, as redes nacionais de distribuição de energia eléctricapraticamente não existiam. No caso da tracção eléctrica urbana as empresas de transportespúblicos eram autoprodutoras de energia eléctrica, ou subsidiárias de uma empresaprodutora. Por isso, havia toda a liberdade de, na electrificação de uma linha de caminhode ferro, escolher as características do sistema de produção de energia eléctrica.

1911 – Na cidade de Coimbra é inaugurado um serviço de carros eléctricospara transporte público.

1914 – É inaugurado o serviço de carros eléctricos da cidade de Braga.

1915 – É inaugurada, e entra em funcionamento, a Estação CentralGeradora de Massarelos da Companhia Carris de Ferro do Porto paraalimentar em energia eléctrica a rede de linhas de carros eléctricos.Tem um sistema gerador de corrente contínua e um sistema gerador decorrente alternada e unidades conversoras (comutatrizes) desses doissistemas de energia.

Luís Couto dos Santos (1872–1938)

Engenheiro Civil de Obras Públicas pela Academia Politécnica do

Porto. Trabalhou como engenheiro na empresa que distribuía a energia

eléctrica para iluminação da zona central do Porto, e depois trabalhou

numa empresa de construção “A Construtora” dedicada ao projecto e à

construção de edifícios urbanos, instalações de iluminação e de tracção

eléctrica. Em 1901 fundou uma fábrica modelo movida a electricidade

“A Electra” que produzia material hospitalar. No âmbito da

Electrotecnia foi director dos Serviços de Exploração da Companhia

Carris de Ferro do Porto, onde em 1909 projectou a estação central geradora de Massarelos,

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tendo em 1912 refeito o projecto (5 MW) e acabando a Central por ser inaugurada em 1915 e o

Eng. Luís Couto dos Santos por ser nomeado seu Engenheiro--Chefe. Salienta-se também a

forma como resolveu o problema da passagem dos carros eléctricos sobre o tabuleiro superior

da ponte de D. Luis I. Em 1915 o engenheiro Luís Couto dos Santos iniciou a sua actividade

docente na Faculdade Técnica da Universidade do Porto, da qual foi professor ordinário e

Director de 1919 até 1926, altura em que foi nomeado director do Laboratório Eléctrotécnico.

Depois de criada a Faculdade de Engenharia (1926) foi professor catedrático e Director da

Faculdade (1935–1936). Foi regente das disciplinas de Electrotecnia Geral (18ª Cadeira) onde

estava incluído o estudo da Tracção Eléctrica, e Máquinas Eléctricas (17ª Cadeira).

É construída em 1911 a primeira locomotiva diesel-eléctrica. Já em 1893 tinha sidoconstruída uma locomotiva Heilmann vapor-eléctrica. Em 1911 foi desenvolvida uma

primeira locomotiva turbo eléctrica (735 kW; 132 ton.; turbina Zoelly de 3000

rot/min) para a North British Railway Co. Mas só em 1914 é que um motor deexplosão Diesel foi utilizado num veículo de uma rede pública natransformação em energia mecânica, que depois através de um sistemagerador–motor é transmitida como energia eléctrica, para no motor eléctricoser convertida em energia mecânica de accionamento do veículo (Caminhos deFerro do Saxe). A automotora de 64 ton. tinha um motor Diesel de 149,1 kW,a 440 rot/min, como seis cilindros em V, e montado conjuntamente com ogerador eléctrico (100 kW; 100 V) num bogie frontal com três eixos.

Ne tracção em corrente contínua definiram-se os dois padrões de tensão: 1500 V (em 1920)

e 3000 V (em 1918). Continua a aumentar a potência dos motores eléctricos econsequentemente a potência total das locomotivas. É no auge da utilização deste sistemade alimentação em vias férreas que: em Portugal, e em 1924, começou a ser electrificada alinha de Cascais, em via dupla, alimentada em tensão contínua de 1500 V. Esta linha foiinaugurada oficialmente em Agosto de 1926.

1924 – Em Portugal começou a ser electrificada a linha de Cascais: viadupla, alimentada em tensão contínua de 1500 V por linha aérea.

1926 – Em Portugal e em Agosto foi inaugurada a electrificação (materialAEG) da linha de Cascais. Para além de duas locomotivas paracomboios de mercadorias, existiam automotoras.

1927 – Em Portugal é lançado o Concurso para o anteprojecto da RedeEléctrica Nacional (Dec. nº 14:166 de 27 de Agosto de 1927) onde se exige “odimensionamento das linhas de transporte de forma a servir as linhasferroviárias actuais ou com construção prevista”. Tal não passou deum expediente governamental para justificar o montante de um pedidode empréstimo financeiro a uma organização internacional !

O desenvolvimento da Tracção Eléctrica com corrente alternada e com frequênciareduzida, face ao valor da frequência industrial, leva ao aparecimento, em 1915, delocomotivas com sistemas conversores trifásicos rotativos, que utilizavam o motor deindução como motor de tracção. É de salientar o aparecimento, no centro da Europa, deuma vasta rede de caminho de ferro electrificado com um sistema de tensões monofásico de15 kV, 16 2/3 Hz.

Os sistemas de alimentação em corrente alternada com frequência industrial apareceram

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em 1923 e estiveram numa fase experimental até 1951, sem que houvesse resultadosconcludentes. Em 1951 foi normalizado o valor da tensão da linha aérea em 25 kV, 50 Hz.Com este sistema de alimentação era possível utilizar quatro sistemas de accionamento:motores directos, transformação rotativa monofásica-contínua, rectificaçãomonofásica–contínua e transformação rotativa monofásica–trifásica.

Nesta segunda década do século vinte a Tracção Eléctrica atingiu já um desenvolvimentotécnico que lhe permitirá influenciar grandemente o desenvolvimento dos transportes nasdécadas seguintes. Tinham aparecido já todo o tipo de sistemas de tracção, e alguns vinhamtendo um desenvolvimento e uma aplicação consideráveis.

Tracção Eléctr ica Urbana e Suburbana em PortugalData Cidade Observações1895 Porto carros eléctricos + troleicarros (1959)

1901 Lisboa carros eléctricos + metropolitano (1959)

1903 Sintra carros eléctricos1911 Coimbra carros eléctricos + troleicarros (1947)

1913 Braga carros eléctricos + troleicarros (1961)

1926 Linha de Cascais unidades múltiplas eléctricas

Nos transportes urbanos e suburbanos, o sistema de alimentação por via aérea e ossistemas de alimentação em corrente contínua eram preponderantes. O tipo de veículoutilizado (carro eléctrico) pouco tinha variado, mas o sistema de accionamento tinhaevoluído para um tipo de motor e de controlador de características normalizadas. Por essemundo fora aumentava o número e a extensão das linhas electrificadas.

Foi grande a influência social da electrificação dos transportes urbanos, principalmentenas décadas iniciais do século vinte. A influência da tracção eléctrica no urbanismo e nosoutros aspectos sociais da cidade traduziu-se por: um aumento da influência da cidade eaumento da sua extensão, aumento considerável da mobilidade das pessoas, e na separaçãoentre o local de habitação e o local de trabalho.

Nas linhas de caminho de ferro a electrificação foi mais lenta, e nas décadas seguintesainda foram realizadas muitas experiências, no âmbito da Mecânica, Electrotecnia,Comunicações, e foram construídos muitos tipos diferentes de locomotivas.

Em Portugal só em 1957 foi inaugurada aprimeira fase de electrificação da Linha Norte,entre Lisboa e o Entroncamento. As primeirasencomendas de material tinham sido lançadas em1953. Também se iniciou a electrificação da linha Lisboa–Sintra. (Nesta primeira fase foi

electrificado um total de 142 km de via dupla).

Durante os trabalhos de electrificação procedeu-se a obras de sinalização das linhas emodernizou-se o sistema de telecomunicações.

Existem ainda outras marcas importantes no desenvolvimento da Tracção Eléctrica.

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1929 – Inauguração de um sistema telefónico (por correntes transportadoras) noscomboios canadianos.

1930 – É feito um contrato de estudo deum novo carro eléctrico — carroseléctricos PCC (de Presidents

Conference Comitee). Foram criadosequipamentos electromecânicospara assegurar uma aceleração do veículo cómoda para o utente (sem

sobreaceleração (‘jerk’) exagerada). O sistema, que trouxe inovações aofabrico de carros eléctricos, foi desenvolvido na América de 1936 até1955, mas chegou tarde porque o automóvel individual já suplantava ostransportes colectivos; foi desenvolvido na Europa até à decada de 50(em Hague, Holanda esteve em serviço de 1949 a 1992); e a patente foi compradapor empresas Checas em 1947 que construíram um carro eléctrico queespalharam (mais de 17000) pela Europa de Leste.

1931 – Nos Estados Unidos da América uma viatura é equipado com umsistema completo de condicionamento do ar.

1931 – Começam a ser utilizados rectificadores de vapor de mercúrio nassubestações de tracção.

1932 – Entram em serviço em França as primeiras locomotivasdiesel–eléctricas de manobra.

1933 – Entram em serviço as primeiras automotoras diesel–eléctricas na linhaBerlim–Hamburgo. Entra em serviço um comboio diesel–eléctricorápido (114 km/h) na linha Paris-Deauville.

1937 – Entra em serviço a primeira locomotiva Diesel-eléctrica de grandevelocidade.

1954 – Uma locomotiva eléctrica, rebocando um comboio de 111 ton atinge avelocidade de 243 km/h. No ano seguinte esse recorde é elevado para331 km/h, (o recorde no ano 2000 é de 515,3 km/h).

Rede de Carros Eléctricos – Porto 1958Extensão da rede – 80,6 km

Carros Eléctricos – 192Linhas – 39

1958 – Atinge o seu máximo aexploração dos transportes públicos urbanos com carros eléctricos nacidade do Porto.

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1959 – Em 1 de Janeiroentraram em serviço ostroleicarros na cidadedo Porto (e começaram a

ser suprimidas as linhas decarro eléctrico).

1959 – Em 30 de Dezembroiniciou-se a exploraçãodo Metropolitano deLisboa.

1959 – É colocado em serviço o primeiro programa que assegura o comandoelectrónico da circulação de comboios. Entra em serviço um locomotivacom rectificadores de silício.

Começam a ser substituídos os sistemas de rectificação baseados em válvulaselectrónicas, como o tiratron.

1965 – É posta em serviço, em Berlim, uma locomotiva de manobra com motoreléctrico controlado por tracejador (hacheur, chopper) tiristorizado, numlinha alimentada em corrente contínua.

1967 – É utilizado o princípio da frenagem regenerativa em locomotivas.Várias medições comprovam que no trânsito urbano pode atingir-se umvalor de aproximadamente 20 % de energia recuperada.

1972 – Circula um eléctrico rápido articulado com motor controlado portracejador.

O controlo electrónico dos motores para tracção eléctrica começa a ser empregue nosveículos de tracção urbana.

1975 – Circula um eléctrico rápido articulado com accionamento trifásicotiristorizado.

1979 – Começa a ser utilizado o microprocessador em múltiplas funções decontrolo, regulação e vigilância a bordo de veículos para tracçãoeléctrica.

1981 – Em 21 de Setembro entra em serviço o primeiro comboio de altavelocidade TGV (Train Grand Vitesse) entre Paris e o Sudeste da França(Paris–Lião: 2 h 50 min). Os estudos tinham começado em 1960, e foramexperimentados diferentes veículos. O accionamento era feito commotores de colector de lâminas alimentados por tracejador (1,5 kV CC)

ou por ponte mista rectificadora (2,5 kV, 50 Hz)

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1984 – Em Birmingham entra emfuncionamento um sistema delevitação magnética (MAGLEV)

para transbordo de passageirosentre o aeroporto e a estação decaminho de ferro (630 m). Osveículos transportam 40 passageiros. Mostrou-se um sistema com poucamanutenção, elevado custo de instalação e elevado custo de exploraçãodevido às perdas por dissipação dos electroímanes e ao baixo rendimentodos motores lineares.

1987 – Começam a serentregues em Françaas locomotivas SYBIC( c o m a c c i o n a m e n t o

trifásico com motor

síncrono podendo seralimentadas por corrente contínua 1500 V ou corrente alternada 25 kV, 50 Hz).

1988 – Entram em serviço os comboios pendulares nas linhasItalianas ETR 460 PENDOLINO. Permitem umavelocidade máxima de 250 km/h.

1989 – Entram em serviço os comboios pendulares nas linhasda Suécia. Permitem velocidade de 115 km/h a 150km/h na linha de Estocolmo–Gotemburgo.

Na década de noventa do século vinte são predominantes ostrabalhos em Tracção Eléctrica nos seguintes domínios:

• alta velocidade — são desenvolvidos sistemas e são electrificadas linhas quepermitiram a criação de uma rede europeia de comboios de altavelocidade.

Comboios de Alt a Velocidade Europeus (v ≥ 250 km/h)dat as e f actos s ignif icativos

1990 Recorde de velocidade (TGV) — 515,3 km/h1991 Entra em serviço na Alemanha o ICE1992 Entra em serviço em Espanha o AVE1993 Entra em serviço o TGV Norte de Europa (Paris-Pas de Calais)1994 Entra em serviço o EUROSTAR (Londres-Paris-Bruxelas)1994 Demonstração de ICE nas linhas da AMTRAK (USA)1995 Entra em serviço o TGV-Duplex (com dois andares)1996 Entra em serviço o THALYS (TGV)

(Paris, Bruxelas, Amesterdão, Colónia) (tri e quadricorrente)1997 Continuam a aumentar as linhas servidas por ICE (ICE-2)1998 Iniciam-se experiências com o TGV-pendular1999 Primeiros Veículos ICE-Diesel Electrico em serviço1999 Entra em serviço a primeira linha de ICE-pendular — ICT

Continuaram as investigações e o desenvolvimento dos Sistemas de Levitação Magnética(MAGLEV): recorde de velocidade 450 km/h em 1993; começa o projecto da linha Berlim-Hanburgo (1994); experiências com sistemas de alta velocidade (1995) e baixa velocidade emlinhas experimentais no Japão; experiências na Coreia (1993).

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• tracção eléctrica com metro ligeiro (Light Rail Traction) — desenvolvem-semuitos veículos e são electrificadas linhas em muitas cidades parautilização do conceito (em evolução) de metropolitano ligeiro.

1970 – Começa a desenvolver-se o conceito de trânsito rápido no transporte de massas — um métodode transportar grande número de pessoas através de uma cidade, ao longo de corredores bemdefinidos, em veículos rodando com prioridade e em sítio próprio.

1972 – O Departamento de Transporte Americano publica um relatório intitulado “Light RailTransit Systems – a definition and evaluation”.

1975 – Na sequência da crise energética criada pelo embargo petrolífero de 1973, em França élançado um concurso de ideias para o projecto de um carro eléctrico suficientemente atraentepara cativar a população entusiasta do transporte automóvel individual. Começa, a partir daíe de uma forma evolutiva, o desenvolvimento do veículo típico de metro ligeiro.

1989 – A UITP – União Internacional dos Transportes Publica considera que um sistema de metroligeiro é um sistema sobre carris (ferroviário), accionado electricamente, que pode serdesenvolvido passo a passo de um sistema de carros eléctricos modernos para um meio detransporte deslocando-se em túneis ou acima do nível da rua. Cada estado de desenvovimentopode ser um estado final; deve contudo permitir um desenvolvimento futuro para o próximoestado superior.

1990 – Começa a ser discutido (1990), para depois a ser projectado (1995) e finalmente construído(1999) o Metro Ligeiro do Porto.

1995 – Começam a circular em Lisboa os eléctricos articulados da Companhia Carris de Ferro deLisboa.

• sistemas informáticos — cresce a aplicação de sistemas digitais e dos sistemasinformáticos no controlo, comando, sinalização e diagnóstico emtracção eléctrica.

Fig. 1.13 – Tracção Eléctrica na Arte (Paul Devaux; “La messagère du Soir” (parte), )

Desta forma, desde 1879 a Tracção Eléctrica desenvolveu-se e tornou-se uma forma

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extremamente importante de transporte, tanto ferroviário como rodoviário.

1.2 Tracção Eléctrica em Portugal

Em Portugal, a Tracção Eléctrica iniciou o seu desenvolvimento com a tracção eléctricaurbana. Foram Companhias privadas de transporte público que introduziram os primeirosveículos de tracção eléctrica em Portugal.

Assim, em 1887 a Companhia Carris de Ferro de Lisboa fez experiências (inconclusivas)

com um veículo electrificado e alimentado por acumuladores e a Companhia que exploravaos transportes públicos na região metropolitana da cidade do Porto (CCFP) instalou osprimeiros carros eléctricos com alimentação por linha aérea em 1895 e esta rede detransportes, em corrente contínua, desenvolveu-se de tal forma que serviu muito bem acidade e os arredores até que em 1958 começou a ser reduzida. Em 1959 foramintroduzidos os troleicarros, e começou-se a desenvolver a rede de transportes eléctricosrodoviários, na região metropolitana do Porto. Existiram também, ou ainda existem, redesde transportes eléctricos urbanos na região metropolitana das cidades de Braga, deCoimbra e de Lisboa e realizaram-se experiências de tracção eléctrica (GLT – Transporte em

Linha Guiada) na cidade da Maia.

A exploração da rede de metropolitano de Lisboa foi iniciada em 30 de Dezembro de1959. Trata-se de um sistema de tracção eléctrica, em corrente contínua com uma tensão de750 V. A rede tinha uma extensão de 11,931 km em 1980. Nos últimos anos foi muitoaumentada.

O material circulante é constituído porcarruagens automotoras assentes em dois bogies,com cabinas de condução nas extremidades. Acaptação da corrente eléctrica é feita pordispositivos de assentamento de sapatas numterceiro carril, e o retorno é feito através doscarris. A motorização inicial era feita commotores de corrente contínua, mas estão já emfuncionamento carruagens com motorizaçãotrifásica com motor de indução.

Existem para várias regiões urbanas projectosde redes de metro ligeiro: Porto, Coimbra, Sul do Tejo (Almada, Seixal) ...

Na tracção ferroviária eléctrica tem aumentado, nos últimos anos, o número de linhas

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electrificadas.

Linha do Norte – electrificada em corrente alternada monofásica comfrequência industrial, 25 kV, 50 Hz, estende-se de Lisboa ao Porto. Foi ligada àrede eléctrica nacional (60 kV) através de subestações de transformação. Estalinha eléctrica é percorrida por veículos (locomotivas; UME) com motorização pormotores de colector de lâminas e, recentemente, por motores de indução. Ligada aesta linha principal encontram-se electrificados os ramais de Coimbra A –Coimbra B, e a linha da Figueira da Foz. Encontra-se em fase de renovação: via,sinalização, catenária (parcial).

Linha de Sintra – também está electrificada em tensão alternada monofásica,25 kV, 50 Hz, e liga Lisboa-Rossio a Sintra. O perfil desta linha é bastanteinclinado, análogo ao de uma linha de montanha. Esta linha é percorrida,essencialmente, por UTE, unidades triplas eléctricas, frequentemente ligadasnuma composição de duas ou três UTE. Também estão em serviço UQE, unidadesquádruplas eléctricas, com accionamento trifásico por motores eléctricos deindução.

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Fig. 1.14 – Perfil da linha de Sintra

Linha de Cascais – Estende-se de Lisboa-Cais doSodré até Cascais. Está electrificada em correntecontínua, 1500 V. Foi a primeira linha de caminho deferro electrificada em Portugal (1926).

Linha da Beira Alta – via dupla entre Pampilhosa(Linha do Norte) e Vilar Formoso, numa extensão deduzentos e dois quilómetros, tem subestações de tracção,sistema 2 x 25 kV, 50 Hz alimentado pela rede da REN(EDP) de 220 kV, em Mortágua, Gouveia e Sobral

Linha do Minho – Encontra-se electrificada (em via

dupla) apenas até S. Romão e, brevemente, seráelectrificado o troço da linha entre S. Romão e Braga ouGuimarães.

Linha do Douro – Está electrificada até Caíde, emvia dupla e em exploração suburbana.

Os planos de expansão da CP – Caminhos de Ferro

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Portugueses, EP e das suas empresas associadas prevêem a electrificação futura de outraslinhas de caminho de ferro.

Existem ainda, em Portugal, uma grande quantidade de veículos eléctricos industriais,essencialmente de movimentação de cargas e destinados à manutenção industrial.

1.3 Vantagens da Tracção Eléctrica

A escolha da tracção eléctrica sobre as outras formas de tracção é um problemaeconómico em que a rentabilidade do investimento tem de ser devidamente analisada. Noentanto, a tracção eléctrica apresenta algumas vantagens próprias que convém enunciar.

• Vantagem de Ordem Energét ica

A rede de tracção ferroviária eléctrica encontrando-se ligada à rede eléctricanacional tem sob esta influência benéfica; porque pode servir para ajudar aregularizar o diagrama de cargas diário. De facto, os consumos de energia peloscomboios eléctricos efectuam-se a qualquer hora, podendo alguns ser desviados parahoras vazias, como, por exemplo, os comboios de mercadorias.

Hoje, quando a carga imposta pela tracção eléctrica é uma parte pouco significativado diagrama de cargas da rede nacional, já não se põe o problema de desequilíbrio decargas, que era importante no início da electrificação da Linha do Norte (1953–1959) emPortugal.

Também o rendimento do consumo de energia eléctrica por um sistema detransporte com accionamentos electromecânicos é superior ao rendimento obtido comos outros sistemas de tracção. O rendimento energético do conjunto central térmica —linha aérea — locomotiva é superior ao de uma locomotiva térmica.

No caso em que o veículo eléctrico tem de transportar a sua fonte de energia, asvantagens da tracção eléctrica diminuem substancialmente. O peso desses sistemas é detal ordem que diminui, muito, o rendimento energético do veículo, além do que épequena a sua autonomia, e é considerável o seu tempo de recarga.

• Flexibi lidade de Exploração

As locomotivas a vapor eram lentas na entrada em serviço, e necessitavam deoperações de manutenção frequentes e demoradas. Tal não se passa com as locomotivaseléctricas, ou os outros veículos de tracção eléctrica, que podem entrar imediatamenteem serviço e que tem operações de manutenção bastante distanciadas no tempo.Normalmente, a substituição da tracção a vapor por tracção eléctrica traduzia-se pelasubstituição de duas locomotivas a vapor por uma locomotiva eléctrica. É, por isso,reduzido o valor do parque de locomotivas necessário à exploração de uma linha de

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caminho de ferro electrificada.

Também a composição dos diferentes comboios eléctricos, ou outros sistemas detransportes do tipo unidade múltiplas, se pode modificar rapidamente, conforme asnecessidades de serviço.

• Vantagens Devidas aos Veículos Motores Eléctricos

Devido às características do motor eléctrico os veículos com accionamento eléctricoapresentam as seguintes vantagens:

Potência – a potência instalada só é limitada pelo peso total da locomotiva, peloesforço de tracção disponível e pelo peso aderente. A potência só é limitada pelacapacidade das instalações fixas de alimentação e o esforço de tracção pela resistênciaà ruptura dos sistemas de atrelagem.

Capacidade de Sobrecarga – o motor eléctrico pode suportar sobrecargastanto mais altas quanto menor for o respectivo tempo de duração. A capacidade desobrecarga de um motor eléctrico só é limitada pelo aquecimento da máquina eléctrica.O mesmo não se passa com os motores térmicos. Esta característica permite que umalocomotiva eléctrica possa arrancar com grandes cargas, tanto em patamar, como emrampa.

Características do Motor – o motor eléctrico pode apresentar, naturalmente oudevido à estratégia de controlo adoptada, as características de funcionamento própriaspara a tracção eléctrica (características naturais do motor série de corrente contínua):

– facilidade na regulação da velocidade do motor por alteração do valor da tensãonos terminais (U) ou por alteração da amplitude do fluxo magnético indutor (ϕ),porque n = ((U – RI·I)/k·ϕ);

– adaptação da velocidade à situação de carga: o motor diminui naturalmente avelocidade quando aumenta o esforço de carga;

– no arranque o motor desenvolve um bom binário de arranque, (n = 0; E = 0; I = U/R I; e T el = k T·ϕ·I), o que é necessário para acelerar a massa do veículoou da composição de veículos;

– o funcionamento do motor eléctrico é reversível, pelo que pode funcionar comogerador, e assim contribuir para a frenagem do veículo accionado.

Velocidade Elevada – a tracção eléctrica pode efectuar-se a velocidade elevada.São normais velocidades de 160 km/h a 180 km/h, e em linhas próprias pode-se circularcom uma velocidade de deslocação superior a 250 km/h. O recorde de velocidade, emtracção eléctrica, sobre carris é de 515,3 km/h (18 de Maio de 1990).

• Melhoria Social e Urbanística

A tracção eléctrica melhora as condições de trabalho do ferroviário, porque:

– faz desaparecer os esforços físicos com a manipulação do carvão, mas naactualidade exige boa aplicação das qualidades intelectuais;

– melhora muito a habitabilidade da cabina de condução, e

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– diminui os ruídos, os fumos e a sujidade.

Também na vida urbana, a tracção eléctrica contribui para uma melhoria dascondições de vida por aumento da comodidade do transporte e por uma redução dapoluição do ar e da poluição sonora.

1.4 Estudo de uma ElectrificaçãoA electrificação de uma linha de transporte pode considerar-se como o estabelecimento

de um circuito eléctrico constituído por uma fonte de energia (fixa), uma linha de contacto,um veículo equipado com motores eléctricos e um condutor eléctrico de retorno. Naactualidade a fonte principal de energia é a rede eléctrica nacional à qual o sistemaeléctrico de tracção está ligado através de uma subestação de tracção.

A linha de contacto pode apresentar essencialmente duas formas: linha aérea e terceirocarril. A linha aérea encontra-se colocada em suspensão catenária, sensivelmente no eixoda via e a captação da corrente eléctrica é feita por um pantógrafo (ou ainda por um trólei). Oterceiro carril está colocado ao lado da via a uma pequena distância do solo e a captação dacorrente é feita por um patim.

linha de retorno

linha de contacto

A linha de retorno da corrente eléctrica para fechar o circuito é feita através dos carrisde rolamento, que, não sendo bons condutores, exigem a aplicação de alguns cuidadosconstrutivos.

Ao efectuar-se o estudo, ou o projecto, de uma electrificação em tracção eléctrica, háque atender:

• ás características do material motor;

• ás instalações de alimentação em energia, e

• à rentabilidade económica da electrificação.

A condução do estudo depende do tipo de electrificação: se em corrente contínua, emque há que considerar as quedas de tensão, que são função da corrente de carga e doequipamento utilizado; se em corrente alternada, em que as quedas de tensão dependem daimpedância da linha e em que há que considerar também o factor de potência dainstalação, que é fortemente influenciado pelo factor de potência que apresentam osveículos motores.

A fase seguinte do estudo consiste na definição do material motor e na caracterização dasinstalações fixas.

Resta efectuar um estudo financeiro que permita a escolha da solução maiseconómica. Isso consegue-se através da determinação do patamar de rentabilidade dosdiferentes modos de tracção, ou das diferentes soluções, em função do tráfego,representado pelo consumo de energia por ano e por quilómetro de linha.

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No caso da tracção eléctrica as despesas com as instalações fixas — subestações, linhaaérea, trabalho acessório — são muito elevadas, quando comparadas com as dasinstalações fixas necessárias à tracção diesel-eléctrica. Tais despesas são muitoimportantes, mesmo quando o tráfego é reduzido ou mesmo nulo, em que as despesas decapital ainda são importantes.

Despesasanuais

Energia consumida por ano

diesel

Tracção Eléctrica 1

P T

Tracção Eléctrica 2

Fig. 1.15 – Patamar de rentabilidade para um sistema de tracção

As despesas devidas ao tráfego, são sensivelmente proporcionais ao valor do tráfego, mascrescem muito menos do que as despesas devidas ao aumento de tráfego com tracção diesel-eléctrica.

Existe, pois, um patamar de tráfego (PT) a partir do qual a tracção eléctrica, ou asolução em estudo, apresenta menores despesas anuais. Para lá desse patamar orendimento da electrificação aumenta com o tráfego. É, por isso, que se electrificam, depreferência, as linhas de maior tráfego.

Também a comparação económica entre dois tipos de electrificação, 1 e 2, pode serefectuada desta forma.

Note-se que este tipo de estudo depende de valores circunstanciais, válidos somente emintervalos de tempo curtos: preço da energia, preço das matérias primas e o preço da mãode obra.

1.5 ConclusãoCom o início da exploração industrial da electricidade, surgiu a Tracção Eléctrica.

Desde essa altura, este sistema de transporte tem vindo a desenvolver-se, acompanhando econtribuindo para a evolução tecnológica e para alteração das condições sociais.

Em Portugal, desde o início que foram instalados sistemas de tracção eléctrica urbana esuburbana que ainda hoje têm grande significado nos transportes colectivos ferroviários erodoviários.

Apesar do desenvolvimento que a tracção eléctrica tem tido, a adopção de algumasinovações passa por decisões económicas e opçõespolíticas que ultrapassam o âmbito da Tracção Eléctrica,mas que devem ser fundamentadas nos conhecimentosdesta disciplina.