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1. INTRODUÇÃO 1.1 RELEVÂNCIA DA PESQUISA O movimento de Batalha Espiritual encontrou solo fértil em muitas igrejas brasileiras, em função de alguns acontecimentos históricos, que gestaram o ambiente adequado para sua aceitação e difusão. Do “lado de dentro” da igreja tem-se o legado do protestantismo de origem norte-americana, fundamentalista, messiânico, evangelical, individualista, que delineia de modo geral a igreja brasileira, gerando um cristão avesso às iniciativas sociais, peregrino, interditado em sua inserção social por um evangelho de “espera”. Em seguida, no neopentecostalismo, o crente passa a ter legitimado o acesso às benesses sociais como prova da bênção divina, sente-se divinamente comissionado para influenciar e exercer domínio, é pragmático e ativista, e aceita movimentos como o de guerra espiritual como resposta à alegada perda, por parte de algumas denominações, do sobrenatural e do mistério em seus cultos, e de uma maior relevância na sociedade. Do “lado de fora” da igreja encontra-se o contexto da pós-modernidade, que influencia a igreja como um todo, e coloca o homem no centro de sua teologia e liturgia, e que também, como força cultural e social, exerce tensão sobre o cristão. Há também o sincretismo, subproduto de um mundo globalizado e espiritualista, além da força cultural do Ocidente, materialista, consumista, que apela a uma revisão de absolutos morais, éticos e teológicos, pressionando para o surgimento de um cristianismo que busca a realização no “aqui”, no “agora”, e não mais apenas na eternidade. É num âmbito como este que o movimento de Batalha Espiritual encontra espaço e voz, como ferramenta operacional e de legitimação para responder às demandas da igreja do final do século XX e começo do XXI. André Costem define bem a questão afirmando que “o termo solução ofusca o termo salvação”. 1 Seria o Movimento de Batalha Espiritual um representante legítimo de uma nova forma de falar em novos tempos, ou apenas uma adaptação influenciada pela pós-modernidade? Esse é um dos temas mais discutidos da atualidade, envolvido em muita polêmica e digno de ser alvo de um estudo acadêmico acurado. O tema é relevante em virtude da prática, cada vez mais disseminada, padronizada ou não, do que se convencionou chamar de “batalha espiritual”, “guerra espiritual” e “ministério de libertação”, entre outras nomenclaturas, dentro da igreja. Cada vez mais as 1 Em CÉSAR, Waldo e SHAULL, Richard. Pentecostalismo e futuro das igrejas cristãs. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 178. 1

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1. INTRODUÇÃO

1.1 RELEVÂNCIA DA PESQUISA

O movimento de Batalha Espiritual encontrou solo fértil em muitas igrejas brasileiras,

em função de alguns acontecimentos históricos, que gestaram o ambiente adequado para sua

aceitação e difusão. Do “lado de dentro” da igreja tem-se o legado do protestantismo de

origem norte-americana, fundamentalista, messiânico, evangelical, individualista, que delineia

de modo geral a igreja brasileira, gerando um cristão avesso às iniciativas sociais, peregrino,

interditado em sua inserção social por um evangelho de “espera”. Em seguida, no

neopentecostalismo, o crente passa a ter legitimado o acesso às benesses sociais como prova

da bênção divina, sente-se divinamente comissionado para influenciar e exercer domínio, é

pragmático e ativista, e aceita movimentos como o de guerra espiritual como resposta à

alegada perda, por parte de algumas denominações, do sobrenatural e do mistério em seus

cultos, e de uma maior relevância na sociedade. Do “lado de fora” da igreja encontra-se o

contexto da pós-modernidade, que influencia a igreja como um todo, e coloca o homem no

centro de sua teologia e liturgia, e que também, como força cultural e social, exerce tensão

sobre o cristão. Há também o sincretismo, subproduto de um mundo globalizado e

espiritualista, além da força cultural do Ocidente, materialista, consumista, que apela a uma

revisão de absolutos morais, éticos e teológicos, pressionando para o surgimento de um

cristianismo que busca a realização no “aqui”, no “agora”, e não mais apenas na eternidade. É

num âmbito como este que o movimento de Batalha Espiritual encontra espaço e voz, como

ferramenta operacional e de legitimação para responder às demandas da igreja do final do

século XX e começo do XXI. André Costem define bem a questão afirmando que “o termo

solução ofusca o termo salvação”.1 Seria o Movimento de Batalha Espiritual um

representante legítimo de uma nova forma de falar em novos tempos, ou apenas uma

adaptação influenciada pela pós-modernidade? Esse é um dos temas mais discutidos da

atualidade, envolvido em muita polêmica e digno de ser alvo de um estudo acadêmico

acurado. O tema é relevante em virtude da prática, cada vez mais disseminada, padronizada

ou não, do que se convencionou chamar de “batalha espiritual”, “guerra espiritual” e

“ministério de libertação”, entre outras nomenclaturas, dentro da igreja. Cada vez mais as

1 Em CÉSAR, Waldo e SHAULL, Richard. Pentecostalismo e futuro das igrejas cristãs. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 178.

1

pessoas estão expostas a todo tipo de ensino sobre o assunto, através da igreja, da mídia

escrita e eletrônica, gerando, não poucas vezes, grande confusão e dúvida a respeito da

veracidade e autenticidade desta prática. Em função disto, escolheu-se pesquisar o tema,

desde sua origem, seu desenvolvimento e atualidade, contribuindo para um entendimento

histórico-teológico do assunto.

O que o movimento de Batalha Espiritual propõe? Ele defende uma postura agressiva

e ofensiva da igreja diante dos poderes das trevas, produzindo libertação em pessoas,

estruturas e cidades, através de sinais, curas e maravilhas, por meio de instrumentos de

libertação, tais como o “mapeamento espiritual”, que o movimento define como discernir os

espíritos das trevas que agem e dominam determinada região, bem como a “quebra de

maldições hereditárias”, que consistiria na quebra de vínculos ainda existentes com demônios

na vida de um cristão, em virtude de pecados ainda não confessados e de demônios ainda não

expulsos. O movimento crê que a pessoa, ao converter-se, não é liberta automaticamente dos

poderes das trevas; expulsar os demônios que tiveram acesso à vida da pessoa é tarefa

delegada à igreja, e deve ser efetuada na vida de todas as pessoas. Há ainda outras ferramentas

mais tradicionais e menos controvertidas que o movimento utiliza, como orar por enfermos e

ungir as pessoas com óleo.

É inegável a influência e abrangência do movimento de Batalha Espiritual no meio

evangélico/protestante do Brasil. É importante conhecer suas origens, história,

desenvolvimento e atuais implicações na vida da igreja evangélica; compreender sua

fundamentação bíblico-teológica, a influência (ou não) de correntes históricas como a pós-

modernidade, o pragmatismo, o consumismo descartável, o fechar das cortinas do segundo

milênio, a manifesta espiritualidade e misticismo dessas últimas décadas, o “misticismo

tecnológico” que o cinema e a televisão disseminam (Star Wars, Matrix, p.e.). Tudo isso

fornecerá um panorama para, de forma objetiva, concluir se este movimento labora em erro

ou se merece crédito, se possui raízes genuínas tanto teologicamente como historicamente

(origens estas nos genuínos movimentos históricos da igreja), se é apenas um subproduto

temporário de necessidades espirituais e temporais, ou se tem (ou terá) seu lugar na história da

igreja.

É necessário admitir que a interpretação teológica e histórica da igreja é exatamente

isto: a interpretação humana das Escrituras, o entendimento humano do que é a inserção do

divino na história, o que nos força a pensar na possibilidade de qualquer interpretação

(patrística, reformada, pentecostal, liberal, histórica, filosófica, etc.) conter deficiências, por

ser humana. Naturalmente, existe a ortodoxia que, consagrada por séculos de labor teológico,

2

nos aproxima o máximo daquilo que é possível chegar em termos de entendimento da Bíblia.

Admitimos que somente as Escrituras são aceitas como inspiradas e inerrantes; porém, a

produção literária dela advinda contém suas limitações, por não ser possível explicar toda a

realidade divina. De certo modo, esta pesquisa assume a postura socrática de começar com

dúvidas, para terminar com certezas, para não começar com certezas e terminar com dúvidas.2

1.2. OBJETIVOS

Os objetivos deste trabalho são:

- Investigar as origens históricas do movimento de Batalha Espiritual, basicamente nos

Estados Unidos, e os principais personagens, datas e fatos mais relevantes. Compreendendo

como nasceu e com quais motivações, poderemos entender por que se tornou no que é hoje.

- Estabelecer o momento e as condições da chegada desse movimento no Brasil, seus

principais expoentes e fatos marcantes, e o seu impacto na cultura da igreja brasileira.

- Identificar os principais pressupostos do movimento, em suas linhas gerais. Não se

irá analisar cada detalhe e afirmação do movimento, e sim seus principais pilares doutrinários,

que darão uma compreensão ampla das idéias da guerra espiritual.

- Concluir se há contribuições do movimento como resultados intencionais ou não-

intencionais, e se na verdade pode-se chamá-lo de movimento, ou se é apenas uma nova

roupagem de práticas já existentes, porém diluídas e não organizadas.

- Compreender as tendências atuais da igreja, bem como da sociedade, com sua

influência cultural e valores pós-modernos.

Não são objetivos deste trabalho: a) estudar profundamente os detalhes da teologia do

movimento; presume-se ser esta uma tarefa da área de teologia bíblica ou sistemática, não da

história da igreja; b) estudar as tendências futuras do movimento.

1.3. HIPÓTESES

A pesquisa levanta as seguintes hipóteses:

- É possível (pode-se até dizer provável) existir uma lacuna teológica e/ou pastoral que

favoreceu o surgimento do movimento, como é comum em casos assim. Quando a igreja falha

em alguma área, ou não lhe dá a importância devida, surgem movimentos que, no mínimo, a

sacodem e expõem esta brecha em sua praxis diária. Portanto, já haveria um benefício na

2 DURANT, Will. A História da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 33.

3

existência do movimento: apontar deficiências na abordagem da igreja dentro de seu atual

contexto.

- É também possível que, apesar do labor teológico já registrado sobre o assunto, não

haja ainda uma compreensão completa do movimento de Batalha Espiritual.

- De certo modo, a produção teológica, ao longo da história, aconteceu em função de

cada momento que a igreja viveu. Por exemplo, a apologética de alguns pais da igreja não

surgiu senão em face da necessidade de se defender a igreja e o evangelho em momentos de

perseguição ou de heresias e controvérsias doutrinárias que se manifestaram no decorrer do

tempo; a teologia protestante foi produzida no calor da disputa com a Igreja Católica Romana

sobre temas como salvação, méritos e obras, graça e fé. Não se vive em um momento peculiar

da história da humanidade, e da própria igreja, onde podem (ou devem) surgir teologias e

interpretações que traduzam este momento?

- Este movimento seria apenas uma organização de várias práticas já existentes em

outras épocas da igreja, porém não aglutinadas, como a cura interior, o exorcismo, a

intercessão e grupos de oração.

- Este movimento não é uniforme. Percebem-se acréscimos em alguns lugares, como o

da teologia da prosperidade, cuja promessa é de que a pessoa será próspera financeiramente a

partir do momento em que for liberta. Em outros lugares, os “instrumentos” diferem, como os

chamados “pontos de fé”, as “cordinhas ungidas”, as “rosas ungidas” e outros, como ocorre na

Igreja Universal do Reino de Deus, que por sua vez não crê em línguas estranhas e outros

dons, o que já não acontece em outros movimentos de Batalha Espiritual. Enfim, certas linhas

históricas que se cruzam e se influenciam são identificadas com o movimento, porém são

muito anteriores a ele, como o exorcismo, a oração intercessória e a cura divina.

- Seria o tipo de manifestação que coincide com o final de milênio, sempre místico e

carregado de espiritualismo, e o pragmatismo da pós-modernidade, que pode ser descrito da

seguinte maneira: através de um processo metódico (o processo de libertação), a pessoa

alcança (automaticamente) todos os benefícios a que teria direito, materiais, emocionais e

espirituais.

- Diante do quadro cultural-ideológico-eclesiástico do momento, o surgimento de um

movimento como o de Batalha Espiritual seria inevitável. Bem ou mal, ele veio como

tentativa de resposta às expectativas que surgiram em muitas igrejas brasileiras a partir das

três últimas décadas do século vinte, como o desejo de avivamento espiritual, liberdade

litúrgica (na área da música, por exemplo) e o afã da igreja em ter respostas para a onda

espiritualista e mística que se fez sentir no referido período.

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1.4. METODOLOGIA

O método utilizado é o analítico-descritivo, onde a parte descritiva (histórica), à qual

naturalmente esta investigação dá grande ênfase, é sucedida pela analítica, onde se procura

estudar os grandes pressupostos da Batalha Espiritual, sem haver um aprofundamento em sua

doutrina, pois tal não é o alvo desta pesquisa. Conhecer o movimento, seus pontos básicos, o

ambiente em que surgiu, sua influência através de uma perspectiva histórica, fornecerá

elementos para averiguar se é mais um movimento transitório, como obteve aceitação e se tem

um lugar permanente na história da igreja. Esse é o eixo deste trabalho.

1.5. SEQÜÊNCIA DA ARGUMENTAÇÃO

A dissertação começa com uma investigação sobre as origens do movimento de

Batalha Espiritual na teologia da confissão positiva e no movimento de crescimento de igreja,

conhecendo seus personagens principais e fatos mais relevantes, nos Estados Unidos. A

seguir, o trabalho mostrará a chegada do movimento ao Brasil, bem como seus principais

proponentes. Na seqüência, se verificará como a herança do protestantismo de missão legado

especialmente pela igreja norte-americana foi importante para formar o pensamento da igreja

evangélica brasileira, e a conseqüente aceitação de movimentos como o de guerra espiritual.

Segue-se a esse legado o protestantismo de espera, messiânico, e também, por outro lado, o

conceito de “conquista” presente nessa herança norte-americana, através da idéia de “Destino

Manifesto”, que caiu como luva no que se refere às afirmações de conquista da Batalha

Espiritual.

Num segundo momento, se observará como os fatores “externos” à igreja,

especialmente a pós-modernidade, influenciaram e pressionaram o modo de se “fazer igreja”

no mundo e no Brasil a partir da segunda metade do século vinte, com as impressionantes e

vastas mudanças ocorridas nesse período. Será possível entender como a possibilidade de

opinar, escolher e formar um sistema próprio de crenças contribuiu para a aceitação da guerra

espiritual. Por fim, este trabalho procurará entender os princípios fundamentais do movimento

de Batalha Espiritual, bem como seus principais problemas, concluindo com o seu papel

histórico e sua importância para a igreja.

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1.6. OBRAS RELEVANTES

Para a confecção do trabalho foram usadas fontes primárias e secundárias, dentre as

quais são especialmente relevantes duas obras de Augustus Nicodemus Lopes. A primeira é o

livro O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual. É uma obra que analisa

detalhadamente os principais pressupostos do movimento de Batalha Espiritual, bem como

suas origens e personagens mais importantes, do ponto de vista reformado, ponto importante

para uma análise equilibrada e objetiva deste assunto. Outro livro com o qual Nicodemus

Lopes contribui, junto com outros autores, é Fé cristã e misticismo, obra mais abrangente em

sua análise do misticismo, superstição e fé que compõem muito das práticas atuais de diversas

igrejas e correntes dentro do movimento evangélico no Brasil. É importante porque amplia a

visão sobre outros elementos formadores da religiosidade evangélica que também

desembocam na Batalha Espiritual.

Outra obra que utilizada é o trabalho de Neuza Itioka: Os deuses da umbanda – O

baixo espiritismo: implicações teológicas e pastorais. Esta é a tese de doutorado de Neuza

Itioka no Fuller Theological Seminary, centro difusor do movimento de crescimento de igreja,

base do movimento de Batalha Espiritual. Neuza Itioka é um dos nomes mais representativos

do movimento no Brasil, e nessa obra a autora detalha muitos dos princípios da guerra

espiritual.

Um livro importante para se compreender o momento cultural atual e sua influência

sobre a igreja é o livro de Samuel Escobar e Eduardo Salinas, Pós-Modernidade – Novos

desafios à fé cristã. Esta obra é importante na medida em que os autores, ligados à Aliança

Bíblica Universitária (ABU) e ao movimento internacional de estudantes da Bíblia, do qual

participam cristãos como John Stott, fazem uma análise do ponto de vista evangélico da pós-

modernidade, suas origens e efeitos sobre a sociedade e a igreja. É referência importante para

se compreender as forças “externas” à igreja que a pressionam e são responsáveis por gerar

respostas às demandas deste mundo pós-moderno.

Outra obra importante para entender as idéias do movimento é Possuindo as portas do

inimigo, de Cindy Jacobs. A autora é uma das primeiras seguidoras de Peter Wagner e

integrante da entidade conhecida como “Generais de Intercessão”, entre outras que compõem

a rede de guerra espiritual. Em seu livro ela explica as doutrinas mais usadas dentro do

movimento, constituindo-se em valioso material para entender os conceitos que os seus

líderes têm sobre a guerra espiritual.

Uma compreensão sociológica dos movimentos de libertação como a Batalha

Espiritual pode ser encontrada no livro de José Rubens Jardilino, Sindicato dos mágicos – Um

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estudo de caso da eclesiologia neopentecostal. Esse trabalho analisa especialmente a Igreja

Universal do Reino de Deus (IURD) e suas práticas, do ponto de vista sociológico. A IURD

não representa um parâmetro dos mais importantes para este trabalho, em razão de não estar

ligada ao restante do movimento da Batalha Espiritual, de Peter Wagner e seus seguidores.

Porém, a análise sociológica interessa à pesquisa porque visa interpretar a sociedade que a

igreja e os movimentos como a Batalha Espiritual buscam alcançar, tornando-se assim

importante para compor esta dissertação. Outra obra sociológica que foi muito importante

para a pesquisa é o livro de Ricardo Mariano, Neopentecostais – sociologia do novo

pentecostalismo no Brasil, onde o autor, após profunda pesquisa de campo e investigação

literária, analisa as origens, desenvolvimento, perfil e doutrinas das igrejas neopentecostais,

igrejas estas que formam o ambiente mais propício e acolhedor às idéias do movimento de

Batalha Espiritual. É rico em informações, porém com alguns traços de ironia do autor, que se

confessa ateu “declarado”.

Um livro especialmente importante do ponto de vista da história do protestantismo de

missão introduzido no Brasil é a obra de Antonio Gouvêa Mendonça e Prócoro Velasques

Filho, Introdução do Protestantismo no Brasil. Trata-se de obra de elevado valor no que se

refere a historiar as origens do protestantismo em terras brasileiras, principalmente o de

missão, suas características e legado para a igreja evangélica brasileira. É uma obra rica em

dados para este trabalho, que procura mostrar como essa herança torna-se matéria-prima para

criar o ambiente propício que é a igreja evangélica brasileira para movimentos como o de

Batalha Espiritual. Tem-se ainda o livro de Ricardo Gondim Rodrigues, O Evangelho da

Nova Era – Uma análise e refutação bíblica da chamada teologia da prosperidade. O livro

de Ricardo Gondim fala da teologia da prosperidade, estreitamente ligada à confissão

positiva, que forneceram material para o surgimento da Guerra espiritual. É uma obra

importante em virtude de ser uma análise equilibrada de um autor que se localiza mais ao

centro do cenário evangélico nacional, entre as igrejas tradicionais e as pentecostais e

neopentecostais.

Na mesma linha de pesquisa tem-se o livro de Paulo Romeiro, Super Crentes – O

evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os profetas da prosperidade. O

autor, que recentemente defendeu uma tese de doutorado cujo tema é a “negação do

sofrimento no discurso da Igreja Renascer em Cristo”, também aborda a confissão positiva e a

teologia da prosperidade, mas com o acréscimo de colher dados de expoentes da igreja

evangélica brasileira da linha neopentecostal, como Valnice Milhomens, que transitam com

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desenvoltura nos domínios da guerra espiritual. É relevante para esta dissertação por também

se constituir na análise de um autor oriundo do pentecostalismo clássico.

Por fim, utilizou-se a obra de Peter C. Wagner Por que crescem os pentecostais? –

Uma análise do espantoso avanço pentecostal na América Latina. Peter Wagner é o teólogo

do movimento de Batalha Espiritual e é reconhecido como o seu maior expoente. Neste livro

ele descreve suas impressões e idéias sobre evangelismo e crescimento de igrejas, sua cadeira

no Fuller Theological Seminary. Ele fala sobre a “terceira onda”, termo que descreve

basicamente o atual neopentecostalismo, e sobre como passou a identificar-se com essas

idéias, ele que era um conservador. É obra importante para o trabalho porque revela o

pensamento do formulador da moderna Guerra espiritual.

Espera-se, através desta dissertação, contribuir com a igreja evangélica brasileira no

que se refere a um melhor entendimento de como um movimento como o de Batalha

Espiritual encontrou espaço e acolhida.

1.7. DEFINIÇÃO DE TERMOS

Evangélicos – Este termo se refere historicamente àqueles que basearam na tradição

evangélica da igreja seu modo de entender a fé cristã. Enfatizam a necessidade de um

relacionamento pessoal com Deus, a autoridade da Bíblia, a pessoa de Jesus como Deus

encarnado, a centralidade da cruz e a necessidade da conversão.

Evangelicalismo - Movimento no cristianismo moderno que se identifica com as doutrinas

básicas da fé e um alcance missionário de compaixão e urgência. Seus adeptos são conhecidos

como “evangélicos conservadores” (ou “evangelical”), que crêem no evangelho de Jesus

Cristo e o proclamam.

Fundamentalismo – Movimento que surgiu na década de 1920 nos Estados Unidos a fim de

defender o cristianismo protestante ortodoxo contra o surgimento da teologia liberal ou

modernista, da alta crítica, do darwinismo e de outros desafios aos fundamentos (daí o nome)

do evangelho, que são a inerrância das Escrituras, o nascimento virginal de Cristo, sua

expiação vicária, sua ressurreição e a historicidade dos milagres. O termo ganhou, com o

decorrer do tempo, um tom pejorativo, ligando-o à um evangelho avesso à inserção cultural,

ao preparo teológico e intelectual de qualquer espécie, o que, contudo, não é hoje um conceito

generalizado.

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Neopentecostalismo – Ramo oriundo do pentecostalismo, do qual herdou características

básicas como a centralidade da pneumatologia em sua teologia, porém sem enfatizar, como os

pentecostais, a glossolalia (o falar em línguas estranhas) como principal sinal distintivo. O

neopentecostal vê o mundo malignizado como o pentecostal mas, diferentemente deste, não se

afasta deste mundo para viver como um peregrino à espera da eternidade; ele quer apoderar-se

do mundo, conquistá-lo. Daí a grande importância da libertação e do exorcismo em sua

doutrina.

Pós-modernidade – Sistema de valores que predomina desde a segunda metade do século XX,

cujas características principais são um desencanto com as instituições, a razão e a ciência,

valorizando o individualismo, o julgamento pessoal como parâmetro maior (em alguns casos

o único), o utilitarismo e a descartabilidade nos relacionamentos e vínculos pessoais. O que

vale é o aqui-e-agora, sem amarras com o passado e céticos em relação ao futuro.

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CAPÍTULO 2

AS ORIGENS HISTÓRICAS DO MOVIMENTO DE BATALHA ESPIRITUAL E

SEUS PERSONAGENS PRINCIPAIS

Há elementos históricos em comum o suficiente para afirmar-se que, nas raízes do

Movimento de Batalha Espiritual, a Confissão Positiva e o Movimento de Crescimento de

Igreja aparecem como norteadores do fenômeno. Não é pretensão deste trabalho analisar

teologicamente o movimento, e sim seus aspectos históricos. Começando pela confissão

positiva, se conhecerá as suas origens e alguns de seus pressupostos, para que se compreenda

qual a sua ligação com o tema principal, a Batalha Espiritual.

2.1. AS ORIGENS DA CONFISSÃO POSITIVA E SEUS PERSONAGENS

PRINCIPAIS

A confissão positiva, como o próprio nome diz, defende que o cristão recebeu

autoridade da parte de Deus para dominar e subjugar todas as coisas, temporais e espirituais.

Essa autoridade é exercida através de comandos de voz, mediante verbalizações do nome de

Jesus e de frases como “eu determino”, “eu exijo”, entre outras. Como se verá posteriormente,

o mundo continua maligno para o adepto da confissão positiva. Diferentemente, porém, do

pentecostal clássico, ele não se afasta, e sim procura desmalignizar o mundo onde vive, pois

entende que deve usufruir dele, e não apenas rejeitá-lo. A idéia de domínio e conquista está

bem arraigada nela.

O maior expoente desse movimento é Kenneth Hagin. Paul Crouch, presidente da

maior rede evangélica de TV do mundo, a Trinity Broadcasting Network (TBN), com sede na

Califórnia, EUA, refere-se a Hagin como “papai Hagin”.3 Porém, Hagin segue outro pregador

anterior a ele, que delineou as doutrinas básicas do movimento. Seu nome é Essek William

Kenyon.

Kenyon nasceu no condado de Saratoga, Nova Iorque, em 1867. Converteu-se ao

evangelho em sua juventude, tendo pregado o seu primeiro sermão aos 19 anos, em uma

3 ROMEIRO, Paulo. Super Crentes – O Evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os profetas da prosperidade. São Paulo: Mundo Cristão, 1993, p.7.

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igreja metodista. Teve pouco treinamento teológico formal. Em 1892 mudou-se para Boston,

um dos centros metafísicos do fim do século XIX e começo do século XX nos Estados

Unidos, onde freqüentou várias escolas, entre elas a Faculdade Emerson de Oratória.4 Diz

Paulo Romeiro:

É importante saber quem foi Charles Emerson para se compreender a hermenêutica... de Kenyon. Em seu livro A Different Gospel, McConnell comenta que Charles Emerson foi um colecionador de religiões (...) evoluiu do congregacionalismo, para o universalismo, para o unitarismo, para o transcendentalismo, para o Novo Pensamento (Nova Idéia), e terminou... na Ciência Cristã.5

Kenyon teve um ministério pastoral também eclético; pastoreou igrejas metodistas,

batistas e pentecostais. Sendo sua teologia diferente de todas elas, tornou-se um evangelista

itinerante sem vínculos denominacionais. Começou a atingir um grande público pelo rádio e

por um boletim periódico, nos anos 30 e 40. Produziu 18 livretos sobre seus ensinos. São

esses livretos que permitem traçar sua ligação com Kenneth Hagin.6 Paulo Romeiro cita em

seu livro Super Crentes o relato de Ern Baxter, que afirma que Kenyon foi influenciado por

Mary Baker Eddy, fundadora da Ciência Cristã. Baxter conheceu e conviveu com Kenyon:

Ele [Kenyon] estava sentado lendo, num canto da sala onde eu tinha uma prateleira com alguns livros, um dos quais era Chave das Escrituras, de Mary Baker Eddy (...) Voltei uns 30 ou 40 minutos depois e ele ainda o estava lendo. Então fiz um comentário e ele respondeu, positivamente, que havia muito que se poderia aproveitar de Mary Baker Eddy. Aquilo me despertou (...) me alertou para o fato de que ele (...) foi influenciado pelos metafísicos.7

Kenyon faleceu no dia 19 de março de 1948, aos 80 anos de idade. Sua filha Ruth foi

encarregada de publicar os seus escritos. Ela o fez, e estes escritos teriam influenciado a

Kenneth Hagin.

Kenneth Erwin Hagin nasceu de parto prematuro em McKinney, Texas, em 20 de

agosto de 1917. Hagin nasceu com um problema cardíaco. O próprio Hagin relata que o

médico que assistiu o parto assustou-se de que ele sobrevivesse aos primeiros dias de vida.

Teve uma infância tumultuada, pois, além da saúde debilitada, seu pai separou-se de sua mãe

quando ele tinha seis anos de idade, o que a levou a inclinações suicidas. Antes de completar

dezesseis anos sofreu um declínio em sua saúde, ficando a partir de então confinado a uma

4 Ibid., p.7.5

Ibid., p. 8.6

PIERATT, Alan B. O Evangelho da Prosperidade. São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 27.7

ROMEIRO, Super Crentes, p. 9.

11

cama. Alega ter tido experiências de arrebatamento ao inferno durante este período, o que o

levou a uma devoção mais profunda. Começou a estudar intensamente a Bíblia, fixando-se em

Marcos 11.23-24. Recebeu uma revelação desta passagem em duas ocasiões diferentes, em

janeiro e agosto de 1934. Depois de uma intensa luta íntima com sua fé e os sintomas da

doença, foi curado.8

Entre 1934 e 1937 iniciou o seu ministério como pastor batista. Suas experiências de

cura divina e manifestações sobrenaturais o afastaram dos batistas, pois na época já dizia que

sua pregação vinha acompanhada da “nuvem da glória de Deus”. Em 1937 relata ter sido

batizado com o Espírito Santo, e no mesmo ano foi licenciado como pastor das Assembléias

de Deus. Cuidou de várias igrejas dessa denominação no interior do Texas até 1949, quando

pregou o seu sermão de despedida na cidade texana de Van. Depois disso envolveu-se com

vários pregadores de cura divina, como William Branham (Tabernáculo da Fé) e T. L.

Osborn, entre outros. Em 1962 fundou o seu ministério, chamado Rhema.

As visões, dentro da formação da teologia de Hagin, tornaram-se um elemento

importante. Percebe-se que conceitos como o de autoridade do cristão estão presentes em

visões como a que ele diz ter tido em 1952. Enquanto Jesus falava com ele, um demônio,

parecido com um macaquinho, espalhou uma “fumaça” e começou a fazer um barulho

estridente, fazendo com que ele não pudesse ver nem entender o que Jesus lhe dizia. Hagin

diz que Jesus não tomou nenhuma iniciativa. Então Hagin repreendeu o demônio, que cessou

sua atividade. Ele relatou que, neste momento, Jesus lhe disse: “Se você não tivesse tomado

uma atitude a respeito, eu não poderia fazê-lo”. Hagin, pasmo, perguntou mais quatro vezes a

Jesus se ele não poderia fazer nada se ele, Hagin, não fizesse. A resposta foi: “Não”.9

Sua ênfase doutrinária está baseada em confessar aquilo que se deseja e crer nisso,

mesmo contra qualquer evidência. Seus escritos enfatizam a posição do cristão, sua

autoridade, a necessidade de sinais e prodígios como autenticação ministerial, a conversão e a

libertação de pessoas.

A ligação entre Kenyon e Hagin é discutida por Alan Pieratt:

De fato, em alguns casos, Hagin não somente leu os textos de Kenyon; ele copiou palavra por palavra e, depois, lançou os resultados como se fossem fruto de seu trabalho. Por exemplo, quase 75% da edição original do livro A Autoridade do Crente coincide palavra por palavra com um livreto anterior de Kenyon, publicado em sua origem com o mesmo título (...) é claro que nem todos os livros de Hagin são cópias dos de Kenyon, mas as semelhanças são

8 Apud, Super Crentes, p. 129

Ibid., p. 14.

12

grandes.10

D. R. McConnell defendeu sua tese de mestrado sobre a teologia da prosperidade na

Universidade Oral Roberts, conhecido líder pentecostal. Ele afirma que “até as doutrinas que

fizeram de Kenneth Hagin e do Movimento de Fé uma força poderosa e distintiva dentro do

movimento carismático independente são plagiadas de E. W. Kenyon”.11 Ricardo Mariano

confirma isso e acrescenta alguns dados interessantes:

Em sua carreira de pregador da confissão positiva (...) Hagin inspirou-se em Essek William Kenyon (1867-1948) e chegou mesmo a plagiar vários escritos dele. No Emerson College of Oratory, em Boston, Kenyon – escritor, pregador batista, metodista, pentecostal e itinerante sem vínculos denominacionais, radialista de sucesso no final dos anos 30 e começo dos 40 – inclinou-se aos ensinos das “seitas metafísicas” derivados da filosofia do “Novo Pensamento”, formulada originalmente por Phineas Quimby (1802-66). Quimby, que estudara espiritismo, ocultismo, hipnose e parapsicologia para produzir sua filosofia, inspirou e curou Mary Baker Eddy, fundadora da Ciência Cristã. E os escritos de Mary Baker, por sua vez, teriam influenciado as doutrinas de Kenyon, autor original da confissão positiva.12

Hagin faleceu no final do ano de 2003. Seu filho, Ken Jr., assumiu a direção do

Instituto Bíblico Rhema, em Oklahoma, Estados Unidos. Porém, seus ensinos continuam a

gerar enorme controvérsia, em vista de afirmações destituídas de fundamentos bíblicos

sólidos, baseadas principalmente em alegadas revelações dadas pelo próprio Deus, o que fere

a regra básica de que nenhuma revelação pode ultrapassar a Bíblia em matéria de autoridade e

palavra final. Além de colocar as “revelações” acima da autoridade das Escrituras, Hagin faz

afirmações estarrecedoras:

1- No livro “O Nome de Jesus”, ele afirma que “a morte espiritual significa mais do que a

separação de Deus. A morte espiritual significa ter a natureza de Satanás. Assim como

receber vida eterna significa ter a natureza de Deus em nós, assim morte espiritual

significa ter a natureza de Satanás”.13

2- Neste mesmo livro Hagin ensina que Jesus morreu fisicamente na cruz e espiritualmente

no inferno. Ele diz: “Porque provou a morte espiritual por todos os homens. [O] seu

espírito, seu homem interior foi para o inferno em nosso lugar (...) A morte física não

10 PIERATT, O Evangelho da Prosperidade, p. 30.11

Ibid., p. 30,31. Ver também RODRIGUES, Ricardo Gondim. O Evangelho da Nova Era - Uma análise e refutação bíblica da chamada teologia da prosperidade. São Paulo: Abba Press, 1995, p. 45-47.12

MARIANO, Ricardo. Neopentecostais – sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999, p. 151.

13 RODRIGUES, O Evangelho da Nova Era, p. 59.

13

removeria os nossos pecados. Provou a morte por todo homem – a morte espiritual”.14 Ou

seja, o brado de Jesus: “Está consumado” não foi verdade. O sangue derramado e sua

morte expiatória não foram suficientes. Ele teria de sofrer, padecer e “morrer”

espiritualmente no inferno. Seguindo esse raciocínio, deve-se entender então que Cristo

assumiu a natureza satânica ao provar da morte espiritual.15 Percebe-se claramente a falta

de base bíblica ao afirmar coisas como estas, pois a Bíblia diz que “aquele que não

conheceu pecado, fez-se pecado por nós (2 Co 5.21). Em 1 Pe 3.18 está escrito: “Pelo que

também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a

Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado pelo Espírito”. Em Hb 13.8 está

escrito que “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente”. Jamais deixou, em

momento algum, de ser imaculado e de ser Deus, ainda que tenha estado transitoriamente

em fraqueza humana durante o seu ministério terreno (Fp 2.6-10).

3- No jornal “Palavra da Fé”, de dezembro de 1977, Hagin disse: “Quando o homem nasce

de novo, ele toma sobre si a natureza divina e torna-se, não semelhante, mas igual,

exatamente igual, em natureza com Deus. A única diferença entre o homem e Deus torna-

se a magnitude; Deus é infinitamente divino e nós ainda finitamente divinos. O crente é

uma encarnação de Deus exatamente como é Jesus de Nazaré”.16 Kenneth Copeland vem

em “socorro” de Hagin e afirma de forma categórica: “Você não tem Deus morando

dentro de você. Você é Deus”.17 Porém, a Bíblia afirma que somos habitação de Deus (I

Co 6.19; 2 Co 6.16), e não que, em função disso, sejamos “Deus”. Isso é gnosticismo e

total distorção do ensino bíblico. Há um só Deus (Dt 4.35-39; Is 43.10). Hagin e seus

seguidores confundem Deidade com Divindade. A Deidade é atributo exclusivo de Deus,

de sua natureza, que o distingue de sua criação. Divindade é a porção de Deus da qual

participamos através do Espírito Santo (2 Pe 1.4).

Portanto, a contribuição de Kenneth Hagin ao evangelho, no que tange a se ter ousadia

no uso da fé e da luta contra os poderes das trevas, fica empanada diante de afirmações que

beiram a heresia, o que compromete também aqueles que bebem de seus ensinos e os

difundem. Além de Kenyon e Hagin, estão ligados à confissão positiva nomes como Kenneth

e Glória Copeland, T. L. Osborn, Fred Price, Hobart Freeman, Charles Capps, Lester Sumrall

14 Ibid., p. 67. (Minha ênfase).

15 Ibid., p. 68.16

Ibid., p.83.

17 Ibid., p. 85

14

e Bob Tilton, entre outros. Mais recentemente, surgiram Marilyn Hickey, John Avanzini,

Benny Hinn, Dave Roberson e Paul Yonggi Cho, sendo que estes últimos já estiveram no

Brasil, e também estão ligados, através de suas pregações e literaturas, ao movimento de

Batalha Espiritual.18

Para compreender-se a controvérsia que o assunto provoca, vale considerar o que

Nicodemus Lopes comenta a respeito de Benny Hinn, já citado como um dos expoentes da

Palavra da Fé, e de outros evangelistas do movimento. Ele afirma o seguinte:

Benny Hinn diz: “Você não tem um deus dentro de você, você é deus”. O que está por detrás disso é a idéia de que podemos criar como Deus criou, porque nós também somos deuses. Um outro evangelista dessa linha diz o seguinte: “Não diga que você está doente, você simplesmente bata em seu corpo e diga: ´Ah! esse corpo saudável!` Porque na hora em que você disser: ´eu estou doente’ você vai ficar doente, porque a palavra tem poder. Mas diga: ´eu estou curado’. Não diga também que você está pobre, bata no seu bolso e diga: ´Ah! carteirinha cheia de dinheiro.’” Esse pensamento da palavra criadora está por detrás de muitas das estratégias do movimento de “Batalha Espiritual”. Ou seja, a voz de autoridade e comando dos crentes vai criar aquilo que eles estão dizendo e aquela vocalização vai derrubar fortalezas, vai amarrar o Diabo, vai repreender os demônios, e vai criar realidades favoráveis ao crescimento da Igreja. Então há a influência do movimento. Essa idéia de confissão positiva, não é só idéia da “teologia da prosperidade”, mas também do movimento de “Batalha Espiritual”.19

Neste relato já se percebe a ligação entre os movimentos de fé e a Batalha Espiritual.

Irá se perceber que há um trânsito entre escritores e pregadores alinhados com a confissão

positiva e o movimento de guerra espiritual, porque há uma identificação em vários aspectos

da teologia de ambos. São exemplos disso a ênfase na autoridade do nome de Jesus, a

verbalização (falar, declarar) das Escrituras, além de se declarar em voz audível aquilo

que se deseja, e também o conceito que acompanha esta verbalização, ou seja, de que a

palavra declarada é “material” para o Espírito Santo criar ou trazer à existência as coisas que

ainda não existem, especialmente quando, alegam, a palavra que declaram é uma palavra

rhema, ou seja, uma palavra ou promessa específica, revelada a um indivíduo ou grupo, para

um determinado assunto, em contraponto à palavra de Deus revelada de forma genérica, para

todos, aplicável à todos os momentos, o logos. Porém, esta distinção não tem fundamento

gramatical ou teológico.20 Ricardo Gondim afirma que “as palavras que saem da sua boca não

18 Por exemplo, HICKEY, Marilyn. Quebre as cadeias da maldição hereditária. Rio de Janeiro: ADHONEP, 1993.1919 LOPES, Augustus Nicodemus. Batalha Espiritual – Disponível em: http://www . solascriptura- tt.org/Seitas/Pentecostalismo . Acesso em: 11/04/2003.

20 “Na LXX (Septuaginta) as palavras Rhema e Logos são usadas para traduzir a palavra Hebraica “dabar”. Na frase bem conhecida “veio a palavra do Senhor”, é traduzida por Logos em 2 Sm 24.11; 1 Rs 6.11, etc., e por Rema em 1 Sm 15.10; 2 Sm 7.4; 1 Rs 17; etc. Nos livros proféticos, os tradutores da LXX favorecem Logos para

15

têm em si mesmas poder, elas não são entidades em si mesmas. A expressão ‘palavras são

sementes’ pode ser perigosa, pois pode significar como os hereges do gnosticismo [criam] que

a palavra subsiste por ela mesmo.”21 No que se refere ao alcance e extensão destas práticas,

Alan Pieratt diz:

[A teologia da prosperidade] tem resposta para algumas das esperanças mais profundas que as pessoas têm na vida, ou seja, o desejo de ter saúde e prosperidade financeira. Além disso, encaixa-se bem nas pressuposições culturais da sociedade ocidental, no sentido de que as boas coisas da vida não devem ser evitadas, mas buscadas (...) O evangelho da prosperidade está fadado a se expandir por algum tempo e a ser ouvido a acatado por muitos, pois diz aquilo que as pessoas querem escutar. Novos movimentos crescem porque satisfazem alguma necessidade do coração humano expressa na cultura de determinada época.22

Aqui Alan Pieratt toca em um assunto que permeia esta pesquisa: Até onde é lícito

satisfazer pressupostos culturais para levar o evangelho às pessoas? Seriam o materialismo, o

narcisismo, o individualismo e o hedonismo meios legítimos para se alcançar fins legítimos?

Ou aqui os fins não justificam os meios? Ao longo desta abordagem se buscará responder a

essas perguntas.

No Brasil, o movimento de fé tem seus expoentes em nomes como o de Valnice

Milhomens, também um personagem importante na Batalha Espiritual, além de Miguel

Ângelo, pastor da Igreja Evangélica Cristo Vive, no Rio de Janeiro. Miguel Ângelo saiu da

Igreja de Nova Vida na década de 70, juntamente com Edir Macedo e R. R. Soares. A

personagem mais destacada, porém, é Valnice Milhomens.

Valnice Milhomens Coelho nasceu na cidade de Carolina, Estado do Maranhão, em 16

de Julho de 1947. Converteu-se em sua juventude, ingressando no Seminário de Educadoras

Cristãs, em Recife, onde bacharelou-se em Assistência Social e Educação Religiosa. Em

janeiro de 1971 foi enviada como missionária à África pela Convenção Batista Brasileira,

ficando por treze anos em Moçambique. Foi na África do Sul, onde ficou por dois anos, que

teve contato com a confissão positiva através da Escola Bíblica Rhema, de Hagin. Ela conta

que passou por uma crise de fé, na qual diz ter entendido a direção de Deus para a sua vida.

voltando ao Brasil, fundou o Ministério Palavra da Fé.23 Hoje ela também é presidente da

indicar a mensagem de Deus aos profetas que deve ser proclamada ao povo. O NT usa ambas, Rhema e Logos, com aparente indiferença a qualquer variação relevante de significado”. ELWELL, Walter E. (ed.), Enciclopédia Histórico-Teológico da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, v. III, 1992, p. 81-82. Uma excelente obra sobre erros exegéticos é de CARSON, D. A. A Exegese e suas falácias. São Paulo: Vida Nova, 1992.21

RODRIGUES, O Evangelho da Nova Era, p. 122.22

PIERATT, O Evangelho da Prosperidade, p. 16.23 ROMEIRO, Super Crentes, p. 21,22.

16

Igreja Nacional do Senhor Jesus, com filiais espalhadas pelo Brasil e pelo exterior, além de

programas de TV e estudos em vídeo, e lidera o grupo de intercessores chamado Guerreiros

de Oração. Envolveu-se com o movimento G1224 e foi declarada “discípula” e “apóstola” por

Cesar Castellanos, pastor colombiano formulador do G12. Guerreiros de Oração e o G12 são

movimentos também ligados à Batalha Espiritual.

Atualmente Romildo Ribeiro Soares, conhecido como missionário R. R. Soares,

fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, também se destaca como grande

propagador da literatura e das idéias de Hagin. Soares nasceu em Muniz Freire, ES, em 1948.

Sua mãe era católica até converter-se à Igreja Internacional da Graça de Deus no final dos

anos 80. Seu pai, pedreiro, desviara-se da igreja presbiteriana, à qual Soares, aos seis anos de

idade, foi levado por vizinhos, e se converteu. Isto, segundo ele, lhe rendeu discriminações,

não sendo convidado para as festas dos amigos de escola. Passou a freqüentar a Igreja Batista,

onde ficou até os dezesseis anos de idade, quando se mudou para o Rio de Janeiro, ficando

afastado do evangelho por quatro anos. Em 1968 filiou-se à Igreja de Nova Vida, onde se

casou. Em 1975 foi consagrado pastor na Casa da Bênção e participou da fundação de uma

igreja chamada Cruzada do Caminho Eterno.25

Soares, junto com Edir Macedo, que saíra da Igreja de Nova Vida em 1977, e Roberto

Augusto Lopes, fundou a Igreja Universal do Reino de Deus, em um prédio que outrora havia

abrigado uma funerária, no Rio de Janeiro, no mesmo ano de 1977. No princípio Soares era o

líder da Igreja Universal, mas sua liderança logo começou a ser ofuscada por Edir Macedo,

seu cunhado, por este ter um estilo autoritário, centralizador e carismático. A situação chegou

ao ponto de o presbitério da igreja promover uma votação para decidir qual dos dois seria o

líder. Macedo ganhou, e Soares, compensado financeiramente, desligou-se e fundou, em

1980, a Igreja Internacional da Graça de Deus.26

Trata-se uma das igrejas que mais tem ganho visibilidade no Brasil, através de seus

programas de televisão, tendo Soares sido considerado, no ano de 2002, a figura mais vista na

televisão, pela quantidade de horas em que aparece (quase sessenta horas mensais) em duas

24 O G12 é um movimento celular surgido na Colômbia, através do pastor (hoje “apóstolo”) Cesar Castellanos. G12 é a abreviação de “grupo de 12”, das doze pessoas que formam uma célula. Esta célula dura cerca de nove meses, quando cada componente é treinado para ser o próximo líder de uma nova célula. Dentro do grupo a pessoa passa pelo ministério de libertação, com cura interior, confissão de pecados e cura física, dentre outros. O evangelismo é agressivo e o movimento reivindica ser uma das últimas manifestações do Espírito Santo antes dos tempos do fim. No Brasil, várias denominações e igrejas aderiram ao movimento, não sem provocar divisões em várias delas. Além de Valnice Milhomens, outro nome conhecido é o do pastor René Terra Nova, de Manaus.25

MARIANO, Neopentecostais, p. 99.26

Ibid., p. 55, 56.

17

emissoras (Rede Gazeta e Rede Bandeirantes).27 Atualmente o seu principal programa é

“Show da Fé”, veiculado pela TV Bandeirantes em horário nobre (20h30). Sua pregação

baseia-se numa linguagem simples e direta, com ênfase na libertação e posse de milagres

diante dos desafios da vida.

Será visto a seguir como os movimentos de fé desembocam em outro movimento

controvertido e alvo de interesse dos estudiosos, o movimento de crescimento de igreja, que

irá produzir um dos fenômenos mais impactantes da atualidade: a Batalha Espiritual.

2. 2. O MOVIMENTO DE CRESCIMENTO DE IGREJA E SEUS PROPONENTES

Augustus Nicodemus Lopes relata que as raízes desse movimento surgiram

espontaneamente na década de 30, através de um missionário até então desconhecido, o

americano J. O. Fraser, da Missão para o Interior da China, fundada por Hudson Taylor.

Fraser trabalhou no interior da China com um povo conhecido como Lisu, povo este

envolvido com magia negra, espiritismo e animismo. Não conseguindo obter êxito

inicialmente, Fraser, na base da tentativa e erro, começou a utilizar de expedientes como

ordenar em voz alta que os demônios deixassem as pessoas. As pessoas começaram a ficar

libertas e Fraser se convenceu de que estava no caminho certo. Até hoje existe uma forte

igreja cristã entre os Lisu, o que, enfatiza Nicodemus Lopes, não deve ser aceito como

confirmação inequívoca dos métodos de Fraser.28 Aqui estão os primórdios conceituais do

crescimento de igreja: sinais e prodígios como meio de crescimento. No mesmo livro,

Nicodemus Lopes cita o trabalho de David Powlison, que identifica quatro linhas principais

dentro da Batalha Espiritual:

a) Os carismáticos, cuja raiz foi o livro de Don Bashan, Deliver Us From Evil (Livra-

nos do mal), lançado em 1972, de tom fantástico, relatando vários encontros com demônios.

Benny Hinn é citado como um de seus representantes.

b) Os dispensacionalistas, que não aderiram ao movimento carismático. Menos

fantásticos que os carismáticos, propõem um trabalho de libertação através de

aconselhamento pastoral e oração. Mark Bubeck, com o conhecido livro no Brasil O

27 O Pregador Reacionário. Páginas Amarelas. Veja. no. 39, 2003, p. 11.28

LOPES, Augustus Nicodemus. O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual. São Paulo: Cultura Cristã, [1997], p. 27. Ver também o mesmo trabalho, parcialmente e com variantes, disponível em: http://www.solascriptura-tt.org/Seitas/Pentecostalismo . Acesso em: 06/04/2003.

18

Adversário (1975), e Merril Unger, com What Demons Can Do To Saints (O que os demônios

podem fazer aos santos, de 1977) são dois representantes dessa corrente.

c) Os moderados, com Neil T. Anderson (Quebrando Correntes – Como Vencer a

Guerra Espiritual), Timothy Warner (da Trinity Evangelical Divinity School) e Ed Murphy

(Handbook of Spiritual Warfare – Manual de Batalha Espiritual), defendem a oração e o

ensino das Escrituras como meio de libertação, evitando confrontos espetaculosos.

d) Movimento de Crescimento de Igreja, citado como provavelmente a mais popular

corrente de Batalha Espiritual no Brasil, atualmente. Nomes como Peter Wagner (Seminário

Fuller) e John Wimber (Igreja Vineyard – A Videira) são os mais conhecidos.29 Esta linha é a

que mais interessa a esta pesquisa, pois influenciou e influencia o movimento de Batalha

Espiritual no Brasil, sendo seu maior expoente o Dr. Charles Peter Wagner.

Peter Wagner nasceu em 1930 na cidade de Nova York. É casado com Doris Mueller e

o casal tem três filhos. Estudou na Universidade Rutgers, no Seminário Teológico Fuller

(M.Div, 1955), no Seminário Teológico de Princeton (Th.M., 1962), na Escola de Missões

Mundiais do Seminário Fuller (M.A., Missiologia, 1968) e na Universidade do Sul da

Califórnia (Ph.D. em Ética Social, 1977).

Ordenado ministro em 1955 pela Convenção Conservadora Cristã Congregacional, foi

missionário na Bolívia, sendo que em Cochabamba foi professor no Seminário Teológico

George Allan (1962-1971) e diretor geral da Missão Evangélica dos Andes (1964-1971).

Estudou com Donald A. McGavran, o mentor do movimento de Crescimento de Igreja no

Seminário Fuller, tornando-se posteriormente vice-presidente do Instituto Charles E. Fuller

para Evangelismo e Crescimento de Igreja (1971-1979) e professor na Escola de Missões

Mundiais (1971-1981). Em 1984 McGavran o indicou como professor titular da cadeira de

Crescimento de Igreja. Serviu no Comitê Executivo de Lausanne em 1974. Com Edward R.

Dayton, iniciou e co-editou os primeiros três anuários de povos não-alcançados. Em 1985

tornou-se presidente da Sociedade Norte-Americana para Crescimento de Igreja.

Sendo missionário na América Latina por vários anos, teve contato com o

pentecostalismo, e quando voltou para os Estados Unidos para ser professor no Seminário

Fuller, ele, que era um conservador e avesso às manifestações carismáticas, começou a

ensinar na cadeira de Crescimento de Igreja que esse crescimento só seria possível através da

manifestação de sinais e prodígios. Peter Wagner fala sobre isso:

Embora não seja pentecostal, considero-me parte da “Terceira Onda”. Refiro-me à Terceira Onda de poder do Espírito Santo que se manifestou no século XX (...) A terceira onda, surgida

29 Ibid., p. 28.

19

no último quarto do século [XX], é uma manifestação do mesmo poder miraculoso do Espírito Santo em igrejas e instituições tradicionais que, por diversas razões, não desejam ser incluídas entre os pentecostais ou carismáticos.30

Nesse mesmo livro (Por que crescem os Pentecostais?) Wagner fala do curso que ele

e John Wimber31 introduziram no Seminário Fuller, intitulado “Sinais, Prodígios e

Crescimento de Igreja”, com o código MC 510. Hoje o curso se chama “O Miraculoso e o

Crescimento de Igreja”. Ele relata curas e libertações em sala de aula, sendo ele próprio

curado.32

Pensando sobre a idéia de como conciliar evangelismo e intercessão, Peter Wagner

reuniu um grupo de cinqüenta intercessores para orarem em um hotel localizado em frente do

local onde seria realizado o Segundo Congresso de Lausanne.

Durante essa intercessão, Peter Wagner diz que recebeu de Deus o que denominou de

“parábola viva”. Ele deu esse nome a um acontecimento durante a intercessão. Uma das

intercessoras, Juana Francisco, foi acometida de uma crise asmática e levaram-na às pressas

para o hospital. Esperando a recuperação da amiga no hospital, outras duas intercessoras,

Mary Lance e Cindy Jacobs, tiveram uma mensagem que logo identificaram como sendo de

Deus. Juana Francisco havia sido atacada por um “espírito da macumba”. Recebendo a

revelação, as duas intercessoras fizeram uma oração quebrando o poder do demônio, enquanto

que, no mesmo momento, Bill Bright estava com a enferma orando em prol da cura. O que

aconteceu foi que no mesmo momento a mulher ficou boa.

Peter Wagner interpretou esse episódio como sendo uma lição de Deus ao seu povo. A

partir daí ele adotou os seguintes princípios: (1) a evangelização do mundo é uma questão de

vida ou morte; (2) a chave para a evangelização do mundo consiste em ouvirmos a Deus e

obedecermos àquilo que tivermos ouvido. “Elas sabiam que Deus queria que a maldição fosse

30 WAGNER, Peter C. Por que crescem os pentecostais? – Uma análise do espantoso avanço pentecostal na América Latina. São Paulo: Vida, 1994, p. 7. Ele diz ter iniciado sua participação na terceira onda no ano de 1982, p. 29.31

John Wimber é fundador do movimento Vineyard (“A Videira”), uma das denominações carismáticas que mais crescem nos Estados Unidos e de onde saiu a Igreja da “Bênção de Toronto” (Christian Fellowship Vineyard Airport, Toronto, Canadá). A “bênção de Toronto” é conhecida por manifestações como o “riso santo”, o “urro santo” (lembraria a Jesus, “O Leão da Tribo de Judá”, ou o livro de Amós, onde Deus é apresentado como um Leão). As pessoas, durante os cultos (e mesmo fora deles) são acometidas de “gargalhadas”, “urros”, e vômitos, este último sinal de libertação. Porém a situação ficou fora de controle e John Wimber cortou a Igreja de Toronto da comunhão. Augustus Nicodemus Lopes, Batalha Espiritual. Disponível em http://www.solascriptura-tt.org/Seitas/Pentecostalismo . Acesso em: 12/04/2003.32

WAGNER, Por que crescem os pentecostais?, p. 8.

20

anulada, pelo que entraram em ação”; (3) Deus usará a totalidade do corpo de Cristo para

completar a tarefa da evangelização do mundo.

Naquela mesma conferência de Lausanne foram abordados os temas de espíritos

territoriais e da intercessão espiritual em nível estratégico. O interesse pelo assunto cresceu e

foi organizado um grupo de pessoas que se interessavam por guerra espiritual. Peter Wagner

tornou-se o líder desse grupo que posteriormente foi denominado “Rede de Guerra

Espiritual”. Entre os membros deste grupo destacam-se Larry Lea, John Dawson, Cindy

Jacobs e Edgardo Silvoso.33

Wagner fala em quatro níveis de fé: 1) fé salvadora; 2) fé santificadora; 3) fé do

pensamento e da possibilidade (baseado em Robert H. Schuller); 4) fé da quarta dimensão

(Paul ou David Y. Choo).34 Percebe-se uma espécie de bricolage35 teológica em Wagner, onde

algumas dessas bases são questionáveis, como o terceiro nível de fé, o de “pensamento e da

possibilidade”, baseado em Robert Schuller. Pode-se entender o que Schuller pensa sobre

“pensamento e possibilidade” lendo seu livro intitulado Você pode ser quem deseja.36 Ali se

vê nitidamente que a ênfase é do pensamento ou confissão positiva. Ele ensina que “pensar

possibilidades” é a mesma coisa que exercer fé. Ora, fé bíblica não é uma técnica mental; ela

exige um objeto da fé, que é Deus. Logo em seguida Schuller diz o seguinte:

Quando a pessoa começa a crer que pode ser possível, de alguma forma, de algum modo, em algum lugar, algum dia – então nesse instante mágico do Pensar Possibilidades ocorrem três milagres: (1) As células cerebrais que detectam as oportunidades são ativadas! (2) Células cerebrais que resolvem problemas tomam vida; (3) Substâncias químicas energizantes que ajudam a faculdade de tomar decisões são jogadas em torrente na corrente sangüínea! Afirmo com toda a responsabilidade que isso realmente funciona, se procurar diligentemente os resultados! 37

Isto poderia ser chamado de “filosofia”, “psicologia”, “auto-sugestão” ou “ideologia”,

ou se poderia admitir ser lógico pensar de forma positiva e confiante, diante dos desafios da

vida, mas jamais se pode chamar isso de fé.38 Esse é o grande problema desse livro. Quando se 33 GALVÃO, Nelson Leite. O Movimento de Batalha Espiritual - uma análise à luz das Escrituras. Centro Apologético Cristão de Pesquisas – CACP, 2003, em disquete.

34 Ibid., p. 29.

35 Palavra francesa que significa “agrupar”, “reunir”. 36

São Paulo: Vida, 1987.37

SCHULLER, Robert H. Você pode ser quem deseja. São Paulo: Vida, 1986, p. 7-8.38 Note-se a frase de um certo Thomas Robert Gaines como exemplo de como se faz confusão sobre o significado da palavra fé: “É bom sonhar, mas é melhor trabalhar. A fé é poderosa, mas a ação é ainda mais poderosa”. Confunde-se pensar positivamente, sonhar, com fé. Sem senso crítico, coisas assim passam a ser entendidas como fé. Frases. Você S/A, no. 63, 2003, p. 61.

21

crê verdadeiramente em Deus, “ser quem eu desejo” passa a depender mais da vontade de

Deus do que a do indivíduo. O livro é francamente de confissão positiva. Ele cita Norman

Vincent Peale como base para suas afirmações, e chega a ponto de aconselhar os pastores a

não dizerem às pessoas que elas são pecadoras! Isto “joga as pessoas para baixo”. Observe o

que ele diz:

Faço preleções regularmente a ministros sobre como pregar com o fim de mudar as pessoas. Não lhes diga que são pecadoras – crerão em você – e assim estará reforçando essa auto-imagem! Firmará essa impressão negativa em suas mentes e sua conduta somente provará que você estava certo (...) Afirme positivamente que são as pessoas que você deseja e alcançará o que espera delas.39

Um dos problemas de Wagner são estas fontes da sua teologia.40 E isto é importante

porque ele é visto como o teólogo do movimento.41 Nesta qualidade, observa-se que ele, ao

citar a teoria de “redenção e elevação” de Donald McGavran,42 segundo a qual a pessoa “é

salva e almeja algo melhor em termos sociais, sem perder o testemunho”, demonstra a

vinculação da Batalha Espiritual com a tendência atual das igrejas renovadas e até mesmo

pentecostais43 de buscar um melhor posicionamento social, para não falar da teologia da

prosperidade. As ligações dessas tendências (libertação = melhoria de vida) desembocam na

Batalha Espiritual, que passa a ser, neste contexto, legitimadora das mesmas.Wagner é o

principal difusor da Dominion Theology, a teologia do domínio, que procura embasar a idéia

do domínio do mundo, das pessoas e das estruturas por espíritos territoriais, hierarquicamente

distribuídos pelo Diabo, tendo como oponente a Igreja, que, ajudada pela autoridade que lhe

foi delegada, além dos anjos que trabalham a seu favor, trava a batalha pela posse das pessoas,

dentro da cosmovisão maniqueísta que a Batalha Espiritual defende.

Outro nome bem conhecido dentro do movimento é o de Cindy Jacobs. Filha de

pastor, é presidente dos Generais de Intercessão, um ministério que agrega líderes do

39

SCHULLER, Você pode ser quem deseja, p. 157. Minha ênfase.40

Augustus Nicodemus Lopes afirma, por exemplo, que “Wagner admite que seu conhecimento sobre ‘espíritos territoriais’ baseia-se principalmente na sabedoria popular sobre o assunto”, e que “Ele tenta um cálculo do número de demônios que existem baseado nas informações de um ex-pai de santo da Nigéria...” O que Você Precisa Saber Sobre Batalha Espiritual, p. 47.41

LOPES, Batalha Espiritual. Disponível em http://www.solascriptura-tt.org/Seitas/ Pentecostalismo. Acesso em: 12/04/2003.42

McGAVRAN, Donald. Understanding Church Growth. Grand Rapids: Eerdmans, 1980, p. 295-313.43

É notória a preocupação, hoje, dentro das Assembléias de Deus, por exemplo, com a preparação pastoral, os estudos seculares e um melhor posicionamento social.

22

movimento de Batalha Espiritual e Intercessores. Ela é também escritora, além de ser

conselheira da organização feminina Women’s Aglow Fellowship (Associação das Mulheres

Radiantes) e membro organizador da Rede de Guerra Espiritual, que mobiliza intercessores ao

redor do mundo.

Há alguns ensinos de Cindy Jacobs sobre oração que são, no mínimo, controvertidos,

como o que ela chama de “feitiçaria na oração”. Ela diz:

São orações psíquicas, feitas pela mente humana, diferentemente daquelas orações feitas conforme a mente de Cristo. As bruxas e parapsicólogos chamam isto de poder da mente ou “controle mental” (...) Tem gente que anda por aí “tomando posse” de casas e propriedades. Conhecemos pessoas que não conseguiam vender suas propriedades por que alguns crentes oravam, tomando posse delas, e para isso oravam fervorosamente.44

O que Cindy Jacobs admite neste ensino é que há um poder na oração do cristão que é

divorciado da vontade de Deus, a quem essa oração é feita (ou deveria ser). É uma espécie de

“poder da mente”, como ela mesma define. Além desse primeiro problema, o de admitir que

exista tal coisa, isto é, pessoas, mesmo cristãos, sendo prejudicados por orações “que

controlam” suas vidas e suas propriedades, existe o segundo problema: as fontes que ela usa

para fundamentar seu ensino. No trecho que foi reproduzido, ela cita como fontes “bruxas” e

parapsicólogos, os quais, naturalmente, estão longe de constituir fontes dignas de crédito,

além de não basear este ensino nas Escrituras, a fonte única e correta. Aqui se repete o

problema de certas fontes que legitimam o ensino de algumas práticas da Batalha Espiritual:

não são fontes confiáveis e ortodoxas. E isso se repete no ensino dos expoentes do

movimento, como se tem verificando ao longo deste trabalho.

Outro nome bem mais conhecido, Frank Peretti, popularizou essas idéias no mundo

todo. Peretti é o autor de dois livros intitulados Este Mundo Tenebroso, onde descreve a luta

espiritual de uma pequena comunidade de uma cidade dos Estados Unidos para impedir que

os espíritos malignos daquela região se apoderassem da cidade. Best-seller nos Estados

Unidos (e muito conhecido na igreja brasileira), já foi traduzido para quase todas as línguas

ocidentais. Peter Wagner agradece publicamente a Perreti dizendo que deve mais a Perreti do

que a qualquer outro autor a difusão da idéia do movimento de “Batalha Espiritual” no mundo

todo.45

44 JACOBS, Cindy. Possuindo as portas do inimigo. Belo Horizonte: Atos, 1997, p. 142. Minha ênfase.

45 LOPES, Augustus Nicodemus. Batalha Espiritual. Disponível em http://www.solascriptura-tt.org/Seitas/Pentecostalismo . Acesso em: 06/04/2003.

23

2.3. A CHEGADA DO MOVIMENTO AO BRASIL – PERSONAGENS

PRINCIPAIS

No Brasil, além de Valnice Milhomens (já citada), temos como divulgadores das

idéias do movimento de Batalha Espiritual o pastor (hoje “apóstolo”) Robson Rodovalho,

líder da Comunidade Sara Nossa Terra, com sede em Goiânia, que participa do movimento do

G12 e enfatiza a quebra de maldições hereditárias.

A Sara Nossa Terra é fruto de uma dissidência da Comunidade Evangélica de Goiânia,

onde Rodovalho era líder juntamente com outro pastor, César Augusto Machado. No começo

da década de 90 os dois se separaram. César Augusto, com as igrejas que permaneceram com

ele, especialmente em Goiânia, criou o Ministério Comunidade Cristã, atualmente com cerca

de 400 igrejas no Brasil e no exterior. César também adotou o título de “apóstolo”. Já

Rodovalho criou a Sara Nossa Terra a partir de Brasília.

Rodovalho nasceu em 1955 em Anápolis, onde o avô, Manoel Rodovalho, era grande

propagador do kardecismo, doando terrenos e fundando centros e associações espíritas.46 Um

episódio abalaria profundamente sua crença no kardecismo e na umbanda. Aos quatorze anos

de idade, estava na fazenda dos pais, em férias, e manuseava uma espingarda. Ao forçar a

colocação de um cartucho, a arma disparou, ferindo o caseiro da propriedade, matando-o.

Robson desequilibrou-se emocionalmente, frustrado com os guias da umbanda, que não o

socorreram.47 Aos quinze anos se converteu em um acampamento da igreja presbiteriana.

Seus pais, em datas diferentes, também se converteram ao evangelho. O avô Manoel

converteu-se um pouco antes de morrer. Além da igreja, Rodovalho participou da Mocidade

para Cristo (MPC), tornando-se seu presidente em Goiás, evangelizando em colégios naquele

período. Aos 17 anos recebeu o “batismo no Espírito Santo”. Em 1976, junto com César

Augusto e Cirino Ferro, fundou a Comunidade Evangélica, onde, em 1992, aconteceu o cisma

com César, que não concordou com uma ampla reestruturação que Rodovalho quis implantar,

filiando todas as igrejas do ministério e centralizando a administração e as finanças dessas

igrejas, que, até então, caminhavam juntas fraternalmente.48 Surgiu, pelas mão de Rodovalho,

a Comunidade Sara Nossa Terra. Hoje a denominação possui pouco mais de 200 templos, a

46 MARIANO, Neopentecostalismo, p. 104

47 Ibid., p. 105.48 Ibid., p. 106.

24

maioria no Sudeste e Centro-Oeste, e em alguns países, como Estados Unidos, Paraguai e

Portugal.

Jorge Linhares, pastor batista de Belo Horizonte, ficou conhecido no Brasil

principalmente através do livro “Bênção e Maldição”, onde ele fala do poder da palavra

falada, ensino acolhido dentro do movimento não apenas como expressão da autoridade das

Escrituras nos lábios do fiel, mas como um poder criativo, inerente à confissão positiva ou

negativa, que se aproxima perigosamente do gnosticismo.49 Esse ensino é amplamente

aceito na igreja evangélica brasileira.

Há ainda o “apóstolo” Jehser Cardoso, do Ministério Shekiná, de São Paulo,

conhecido pelos seminários de libertação que promove, onde é realizado um trabalho de

libertação coletiva. A Igreja Apostólica Renascer em Cristo também contribui grandemente

para a divulgação das idéias da Batalha Espiritual (não como formuladores teológicos),

através dos programas da Rede Gospel de Comunicações, com um canal de UHF, TV a Cabo,

além de emissoras de rádio AM e FM.

Todavia, Neuza Itioka é reconhecida como uma das maiores propagadoras do

movimento.

Ela é bacharel em teologia, licenciada em pedagogia pela Universidade de São Paulo e

doutora em missiologia pelo Seminário Teológico Fuller. Trabalhou na Aliança Bíblica

Universitária (ABU) como assessora e secretária geral entre 1966 e 1976; criou e organizou o

1º Congresso Missionário/76, com o alvo de incrementar a evangelização entre os estudantes

(trabalhou cerca de dez anos entre eles). Trabalhou seis anos na Rádio Transmundial como

escritora, programadora, locutora e diretora do departamento de aconselhamento (conta ter

respondido cerca de cem cartas mensalmente, e várias delas contando casos de

endemoninhamento). Trabalhou com treinamento na Missão Evangélica Transcultural –

AVANTE. Trabalhou na SEPAL (Serviço de Evangelização para a América Latina), onde

ministrou cursos sobre batalha espiritual, intercessão, oração de guerra e libertação. Ficou

conhecida no Brasil e no exterior a partir de 1990, quando o Movimento de Batalha Espiritual

e libertação ganhou força. Viaja pelo Brasil e pelo exterior ministrando cursos sobre Batalha

Espiritual. Foi recentemente ungida como “apóstola”, tendo escrito vários livros sobre o tema

49

Doutrina antiquíssima que pressupõe haver um conhecimento secreto que, possuído por alguns “escolhidos”, permite o uso de um “poder” que traz à realidade coisas que se desejam, ao pronunciá-las. Além disso, o movimento, que é considerado uma mistura da filosofia grega com o cristianismo, defende que a matéria é má, negando assim a encarnação do Verbo, Jesus Cristo, o que foi combatido já no período apostólico pelo apóstolo João e. posteriormente, pelos pais da Igreja, como Tertuliano, Hipólito e outros. A palavra vem do grego gnose, que significa “conhecimento”. ELWELL, Walter A. (ed.). Gnosticismo. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1992, p. 202-207.

25

“Batalha Espiritual”, entre eles a sua tese de doutorado, de onde foram extraídas estas

informações.50

Atualmente o seu ministério “Ágape Ministério de Reconciliação” tem sede no bairro

do Belém, na capital de São Paulo. Também esta envolvida com a Rede Internacional de

Intercessão Estratégica, que, entre outras atividades, realiza vigílias de oração.

Neuza Itioka conta que resolveu pesquisar e escrever sobre o assunto porque sentiu-se

chamada para fazê-lo. Ao participar da evangelização de estudantes, deparou-se com muitos

casos de endemoninhamento. Passou a ser convidada para falar sobre o tema em congressos

de jovens, nos congressos da ABU, no Geração 79 (um congresso missionário promovido

pela ABU e outras entidades envolvidas com missões urbanas) e em conferências

missionárias da

Visão Mundial.51 A partir daí não parou mais. Ministrando sobre o tema em seus seminários

e livros, Neuza Itioka apresenta as bases do movimento como é conhecido, o qual será

analisado ao longo deste trabalho em suas linhas gerais. O autor desta pesquisa teve a

oportunidade de participar de um destes seminários, no ano de 1995. O tema foi a Batalha

Espiritual, com suas ênfases em libertação, endemoninhamento, conquista de cidades,

mapeamento espiritual, cura interior e perdão. Neuza mostrou-se séria e dedicada ao seu

trabalho, com amplas demonstrações de amor e preocupação com a igreja de Cristo. Contudo,

o problema observado em seu ensino foi o de citar fontes não-ortodoxas para embasar suas

afirmações. Nicodemus Lopes, ao falar sobre o trabalho de Neuza Itioka, afirma que:

A grande crítica que se faz contra ela é quanto à fonte de informação que usou para descobrir os nomes dos demônios, porque a Bíblia não dá nome a nenhum demônio. À exceção daquela legião, que simplesmente quer dizer “muitos”, e de Satanás, a Bíblia não dá nome a demônio nenhum. Como, então, Neuza Itioka sabe os nomes dos demônios que estão no Brasil? A resposta dela é que soube disso através de informação de pessoas endemoninhadas em tratamento no seu gabinete.52 O que se pôde observar, nestes seminários e em práticas de libertação em várias

igrejas, é que o testemunho de muitas pessoas é de terem sido libertas e/ou experimentarem

mudanças substanciais em suas vidas. Havia momentos dramáticos, quando pessoas, ao

comando de certas palavras, tinham manifestações de espíritos, vômitos e curas, entre outras.

Ao verem as práticas funcionando, muitos aderiram à elas.50 ITIOKA, Neuza. Os Deuses da Umbanda – O Baixo Espiritismo: Implicações Teológicas e Pastorais. São Paulo: ABU, 1988.

51 Entidade fundada em 1950 por Bob Pierce, jornalista americano que trabalhava na ocasião na Índia. Um dia, uma órfã lhe foi trazida, dando início ao trabalho humanitário da World Vision.

52 LOPES, Batalha Espiritual. .Disponível em http://www.solascriptura-tt.org/Seitas/Pentecostalismo. Acesso em 12/04/2004.

26

Algumas coisas precisam ser ditas: (a) Não se pode negar que Deus, em sua soberana

vontade, pode agir na vida de qualquer pessoa, a respeito de qualquer assunto, a qualquer

momento; (b) Porém, as práticas libertadoras sugerem um trabalho padronizado de exorcismo,

característico da Batalha Espiritual, que atribui a maior parte dos problemas das pessoas a

demônios, desembocando na pragmatismo, pois passa-se a acreditar que qualquer problema

pode ser resolvido através da Batalha Espiritual. Ainda que alguns setores do movimento

admitam que há outras causas para os problemas das pessoas, como falta de arrependimento e

posicionamento contra o pecado, em geral a percepção que fica é a de que os demônios são

normalmente a causa de todos os males. (c) Apesar de o movimento de Batalha Espiritual

concordar que Cristo é quem liberta, as atenções e créditos muitas vezes ficam com o ministro

que está realizando as sessões de libertação, impressão que muitas vezes não é desencorajada

nas pessoas.

O que se observou é que a adesão de muitas igrejas e pessoas aos métodos da Batalha

Espiritual ocorreu também por não haver outras respostas para as manifestações que

presenciavam em seus cultos. É um fato que há igrejas que não consideram a possibilidade de

buscar respostas a certos fenômenos que ocorrem com as pessoas, algumas vezes com os seus

próprios membros. Ao deixarem de responder às perguntas que surgem referentes a estes

fenômenos sobrenaturais, essas igrejas podem estar contribuindo para que seus membros, sem

o esclarecimento devido, passem a aderir a práticas que parecem “funcionar”. Por sua vez, se

a Batalha Espiritual se propõe a dar respostas a questões problemáticas e controversas, não

deixa de criar outras controvérsias e problemas com a teologia evangélica tradicional. Ricardo

Mariano, citando Paulo Romeiro, afirma:

Os adversários dessa teologia a acusam de atentar contra a soberania de Deus. Pois seus adeptos são instruídos a estabelecer relações com o Todo-Poderoso em que os “verbos como exigir, decretar, determinar, reivindicar freqüentemente substituem os verbos pedir, rogar, suplicar (...) O suposto atentado dos neopentecostais à soberania divina é minimizado por sua submissão a Deus e por seu acentuado pietismo ...53

A guerra espiritual cria um problema tentando resolver outro. Ao procurar explicar a

luta dos poderes das trevas contra a igreja, o movimento anda no limite, quando não o

ultrapassa, da soberania de Deus em relação a todas as coisas, incluindo-se o Diabo e seus

demônios. O manifesto maniqueísmo da Batalha Espiritual não encontra eco nas Escrituras,

que só admitem um Deus que governa soberanamente, em cujos domínios e vontade encontra-

se também as forças das trevas. É o que diz Alan Myatt:

53 MARIANO, Neopentecostalismo, p. 157, 158 e nota de rodapé na p. 158.

27

...A mão de Deus está dirigindo todas as coisas para cumprir os seus propósitos. O Deus onipotente é ativo e está envolvido em tudo o que acontece. Deus não é apenas a causa primária das coisas, o motor imóvel, mas, sim, o agente que regula todas as coisas de tal maneira que nada acontece sem a sua deliberação. Por causa disso, o crente não tem que temer as estrelas ou outros sinais dos céus como os não-crentes temem. Todas essas coisas são governadas pelo plano oculto de Deus, de modo que nada acontece que não seja consciente e livremente decretado por ele.54

O dualismo da Batalha Espiritual escancara a dificuldade com a qual os seus

proponentes têm que lidar: com a soberania de Deus e o seu total controle sobre os

acontecimentos. Diante de relatos que são comuns na literatura da guerra espiritual, como os

de cristãos sendo constantemente esbofeteados por demônios, e que têm que ungir-se com

óleo e ungir portas e janelas de suas casas para impedir o acesso de demônios, têm-se a

impressão de que o Diabo, e não Deus, parece ser onipotente e onipresente, acuando e

neurotizando crentes que parecem orar em vão pelo socorro de Deus. Livros como o de

Rebecca Brown (Ele veio para libertar os cativos, p.e.) são fartos de relatos assim e,

normalmente, são justificados com frases do tipo “sim, somente aqueles que vieram do

satanismo podem compreender e acreditar no que está sendo dito; parecerá realmente

fantástico para aqueles que não conheceram o satanismo”. Não se pode negar que o Diabo

tem poder, limitado sim, mas possui poder para realizar coisas sobrenaturais, até porque ele

próprio é um ser sobrenatural; mas, procurar justificar fatos relatados através de experiências

de pessoas é cair no erro já citado anteriormente,55 o de fundamentar doutrinas e práticas em

qualquer coisa, menos nas Escrituras, e isso o movimento de Batalha Espiritual faz com

freqüência. Além disso, um argumento assim soa “pedante”, como se uns poucos

privilegiados (por experiências anteriores com o satanismo!) tivessem acesso a um

“conhecimento privilegiado” do mundo espiritual. Isto é exclusivismo, orgulho espiritual e

cheira a gnosticismo.

A contribuição que a guerra espiritual traz, como a preocupação com a evangelização

e um exercício mais dinâmico da fé, não pode ser esquecida. Mesmo homens como Kenneth

Hagin, que flertaram com a heresia com as suas afirmações, deram uma contribuição no que

tange a uma fé viva e atuante. Contudo, as dificuldades levantadas até aqui nesta pesquisa não

podem ser relevadas pelas contribuições positivas do movimento. Como já foi dito, ao tentar

resolver um problema, a guerra espiritual criou outros tantos problemas tão sérios quanto

aqueles que propõe resolver.54 MYATT, Alan. O livre arbítrio nas seitas e na apologética reformada. Fides Reformata. São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, v. VIII, no. 2, 2003, p. 24-25.55

Ver o relato de Cindy Jacobs a respeito de bruxas e parapsicólogos como fontes autoritativas na p. 22.

28

Poderá ser observado, ao longo deste trabalho, como estas doutrinas e práticas

adotadas pela Batalha Espiritual encontraram eco e espaço no meio evangélico mundial e

brasileiro, especialmente entre os neopentecostais. Distinguindo-se dos pentecostais clássicos,

os neopentecostais se caracterizam por enfatizarem os dons do Espírito em favor da guerra

espiritual e posse de bênçãos já nesta vida, diferentemente dos primeiros pentecostais, que

tinham como eixo o falar em línguas como marca distintiva e um evangelho de renúncia em

relação às coisas desta vida e de espera pelo paraíso, local das bênçãos verdadeiras. Além

disso, em função das tendências internas e externas da igreja neste início de século e milênio,

a Batalha Espiritual ocupa este espaço não como uma intrusa que se aproveitou de um

“descuido” da igreja; pelo contrário, é recebida de braços abertos por autenticar e legitimar os

novos conceitos e comportamentos adotados pela igreja evangélica nos anos recentes.

CAPÍTULO 3

O LEGADO HISTÓRICO DO PROTESTANTISMO DE MISSÃO NO BRASIL

29

3.1. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS: EVANGELICALISMO E

INDIVIDUALISMO

As origens da igreja evangélica brasileira se devem especialmente ao evangelicalismo

norte americano.56 Naturalmente, o termo foi cunhado e popularizado no século XX,

principalmente em função da controvérsia modernista-fundamentalista na década de vinte.

Aqui afirma-se a sua presença no protestantismo de missão no sentido de que as mesmas

bases evangélicas defendidas pelo evangelicalismo no século XX estavam presentes na

pregação dos missionários em terras brasileiras no século XIX.

George Gallup Jr., após uma pesquisa em 1976 revelar que 34% dos norte-americanos,

ou seja, quase 50 milhões de pessoas, classificavam-se como evangelicais, declarou 1976

como o “ano dos evangelicais”.57 E este evangelicalismo sem fronteiras permeou a pregação

missionária que introduziu de forma definitiva o protestantismo no Brasil. A sua preocupação

principal era a salvação do indivíduo. As principais correntes protestantes que se iniciavam

em terras brasileiras não pregavam o evangelho com o fim de promover mudanças estruturais,

coletivas, da sociedade. Houve esforços, é verdade, por parte dos presbiterianos,58 (entre

outros) através da Junta de Missões de Nova York e do Comitê de Nashville, que a partir de

1859 enviaram missionários ao Brasil, para, também através da educação (em 1870 fundou-se

a Escola Americana, hoje Universidade Presbiteriana Mackenzie), alcançar os nativos; porém,

isso fazia parte de uma estratégia conversionista individual, e não de uma proposta de

alcance coletivo.59

56 Movimento no cristianismo moderno que transcende as fronteiras denominacionais e confessionais, enfatizando a conformidade com as doutrinas básicas da fé e um alcance missionário de compaixão e urgência. Quem se identifica com este movimento é um “evangélico conservador” (ou “evangelical”) que crê no evangelho de Jesus Cristo e o proclama. PIERARD, R. V. Evangelicalismo. Em: ELWELL, Walter A. (org). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, p. 115.57

CAIRNS, E. E. O Cristianismo através dos séculos – Uma história da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 424.58

RIBEIRO, Boanerges. Protestantismo e Cultura Brasileira – Aspectos Culturais da Implantação do Protestantismo no Brasil. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981, p. 286.59 Antonio Gouvêa MENDONÇA e Prócoro VELASQUES Filho escrevem: “No começo do séc. XIX... o Brasil, como toda a América Latina, voltava-se com admiração para os modelos anglo-saxões de pensamento e progresso...O sistema educacional que os missionários norte-americanos trouxeram obteve grande êxito junto à elite brasileira. É lugar comum nos relatórios dos missionários educadores a expressão “filhos das melhores famílias”...na realidade, a elite brasileira, em grande parte liberal, não estava interessada na “religião” protestante, mas na educação que os missionários ofereciam...apesar do sucesso, no entanto, os colégios protestantes ofereceram aos missionários escassos frutos religiosos. Foram mínimas as conversões.” Introdução do Protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990, p.73, 74. Ao que parece, mesmo que tenha havido o objetivo de, através da educação, promover-se mudanças estruturais, elas não ocorreram.

30

Gouvêa Mendonça diz que “o atual protestantismo brasileiro de origem missionária

ainda é conversionista. O individualismo conversionista produz ética também individualista,

altamente excludente, não só do ambiente cultural, mas capaz de romper os laços familiares

mais íntimos”.60 A ética de exclusão se expressa freqüentemente em cânticos conversionistas

como este:

Caminhando vou pra Canaã,Caminhando vou pra Canaã!Se você não vai, não importa a mim!Se você não vai, não importa a mim!Caminhando vou pra Canaã,Se meu pai não vai, não importa a mim...61

Segundo os mesmos autores, essa herança (de nossas raízes evangélicas) de um não-

envolvimento em questões “mundanas”, sociais, estruturais, e sim de uma maior preocupação

individual, tem seus desdobramentos:

A teologia conversionista, componente de nossa tradição missionária, repousa sobre o princípio de que convertendo-se os indivíduos a sociedade toda acabará se convertendo e mudando para melhor. Mas, ao contrário do que cria o Evangelho Social, a sociedade nunca será inteiramente justa a não ser no milênio. A mudança de estrutura social está fora de cogitação (...) o grande responsável pelos males e injustiças é o pecado individual. Daí a ênfase na conversão individual (...) mas o veículo não podia ser mais a velha estrutura das igrejas, que revelava certo cansaço e alguma relutância em aceitar missionários estrangeiros por causa do nacionalismo e do surgimento de liderança própria (...) neste cenário é que surgem as organizações paraeclesiásticas. 62

Mendonça e Velasques não são unanimidade a respeito dessas afirmações. Porém, é

um fato o de que a igreja evangélica brasileira tem essas características em grande parte dela.

Houve e há exceções citadas nesse trabalho63, mas em geral concorda-se com o perfil traçado.

3.2. MINISTÉRIOS PARAECLESIÁSTICOS

60

MENDONÇA e VELASQUES, Introdução do Protestantismo no Brasil, p. 33.

61 Ibid., 33

62 Ibid., 56. Ver também GUSSO, Sandra de Fátima Krüger. O Início do Protestantismo Histórico no Brasil. Artigo. Via Teológica. Curitiba: Faculdade Teológica Batista do Paraná, vol. 1, no. 3, 2001.63 Ver nota de rodapé 137.

31

E. E. Cairns explica o vínculo entre evangelicalismo e movimentos alternativos, de

ruptura, não-conformistas,64 da seguinte maneira:

Entre o fim da II Guerra Mundial e o presente, o espectro evangelical tem se ampliado para pelo menos quatro grandes linhas de orientação. Todas sustentam a autoridade da Bíblia para a fé e prática, a deidade de Cristo, e outras doutrinas, mas diferem na maneira em que essas doutrinas devem ser concebidas (...) Organizações evangélicas paraeclesiásticas, grupos carismáticos, o “Jesus People” e grupos leigos intra-denominacionais devem ser considerados parte do espectro evangelical. 65

Essas organizações são vistas como entidades que procuram manter vivo o movimento

“evangelical”, e seu discurso doutrinário conservador. Elas atuariam em três diferentes níveis:

evangelização de massa, acampamentos para juventude e literatura, e seriam responsáveis por

alguns desdobramentos dentro das igrejas, entre eles: o reforço do conversionismo

individualista e do messianismo de espera, dificultando ainda mais a aproximação do

protestantismo tradicional das realidades sociais do país; a formação, nos acampamentos de

juventude, de jovens que tendem a formar, nas igrejas, grupos separados, às vezes em clara

oposição às igrejas; e, através da literatura, o incentivo ao individualismo religioso e solitário,

enfraquecendo o sentido de vida religiosa comunitária.66 Por sua própria natureza, a

organização paraeclesiástica surgiu como uma alternativa à inoperância ou indiferença da

igreja para com algumas questões que ela considera importantes, como missões (e aqui

missões não só de cunho salvífico, mas de manutenção da teologia evangélica tradicional), o

que já traz em seu bojo uma espécie de crítica à igreja. É inerente a esse tipo de organização e,

mesmo que sutil, em sua teologia, a crítica à instituição eclesiástica. Daí haver uma espécie de

incentivo ao individualismo.

Historicamente, o evangelicalismo surgiu, como já demonstrado anteriormente, como

um movimento conservador da igreja contra os ventos teológicos liberais no início do século

vinte. Porém, as mesmas bases teológicas que ele defendeu nesta controvérsia estavam

presentes no discurso dos missionários que vieram trabalhar no Brasil. Foi também neste

período (final do século XIX) que rupturas importantes surgiram, em meio às divisões

causadas nos Estados Unidos pela guerra civil, que dividiu igrejas literalmente e em questões

teológicas e sociais, como a escravidão, e em meio a mudanças sociais num tempo de

64

Ver “ruptura, não-conformistas” também em GALINDO, Florêncio. O Fenômeno das Seitas Fundamentalistas. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 155.65

CAIRNS, O Cristianismo através dos séculos, p. 427.

66 MENDONÇA e VELASQUES, Introdução do Protestantismo no Brasil, p. 57,59.

32

convulsão social como foi a revolução industrial, a urbanização e a imigração nos Estados

Unidos do século XIX. Este eixo (a ruptura) permanece em seus desdobramentos.

A constatação é que foi também através de ministérios paraeclesiásticos, como o de

Neuza Itioka, que o movimento de Batalha Espiritual teve acesso à igreja, especialmente

àquelas que, de dentro de si mesmas, não teriam acesso a esse tipo de informação. Florêncio

Galindo ressalta que:

O Movimento Evangélico não é uma igreja ou denominação, mas um movimento ou tendência que influi simultaneamente em diversas igrejas. Segundo Barret, o Movimento Evangélico contava em 1982 com cerca de 150 milhões de adeptos; na atualidade (1995) giram em torno de 175 milhões. Em Lausanne II (Manila), do total de participantes, 25% eram batistas, 20% anglicanos, 15% reformados, 10% luteranos, 10% pentecostais, 5% metodistas, 15% de outras confissões. O Movimento Evangélico compreende uma linha radical (fundamentalista), e uma linha moderada (neo-evangelicalismo). 67

Como se vê, os canais para a aceitação da Batalha Espiritual, como movimento

fundamentalista, estavam abertos nas mais diferentes denominações. Na metade do século

XX, com o surgimento do pentecostalismo de cura, esses valores são reafirmados, agora

também atingindo até mesmo igrejas históricas e conservadoras. Com a evolução dos meios

de comunicação, o acesso à informação foi extraordinário. O desdobramento seguinte foi a ida

desses movimentos para o rádio e a televisão, veículos de massa, atingindo os membros das

mais variadas denominações, que passaram a receber informação doutrinária antes não

acessível. 68

3.3. À ESPERA DE CRISTO: PEREGRINOS NO MUNDO E AFASTADOS DAS

QUESTÕES SOCIAIS.

A pregação era, como foi dito, de urgência em função de uma teologia de espera da

volta de Cristo; portanto, de um despojamento das preocupações com as coisas deste mundo,

suas “vaidades”, seus problemas. Este “vale de lágrimas” logo seria substituído pelo paraíso.

67 GALINDO, O Fenômeno das Seitas Fundamentalistas, p. 151.68

Leonildo Silveira CAMPOS, registra uma frase do “apóstolo” Estevan Hernandes Filho, fundador da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, veiculada na revista VINDE, ano 2, no. 13, p.16: “...quem não souber fazer TV vai ter a igreja vazia”. Estudos da Religião - Estratégias Religiosas na Sociedade Brasileira – O marketing e as estratégias de comunicação da Igreja Universal do Reino de Deus. São Bernardo do Campo: UMESP, ano XII, no. 15, 1998, p. 29.

33

Não havia a preocupação com questões maiores. O protestantismo alcançou, em seu início, a

massa, o trabalhador, e não as elites, como já foi mencionado. Como mobilizar uma pessoa

que está lutando para sobreviver, para ter o que comer nos próximos dias, para questões

maiores, como as injustiças sociais, o papel da igreja no mundo, por exemplo? Como diz

Ricardo Gondim:

Sei que muitos cristãos não estão interessados nessas questões complexas. Alguém portador de câncer está interessado em ser curado de seu mal, e não em saber o que os sacerdotes da igreja ortodoxa russa fizeram durante o regime do czar... ao tentarmos buscar respostas para o dia seguinte, não temos respostas às questões maiores.69

Esse tipo de evangelho também é fruto de contexto histórico. No começo do século

XX cristalizava-se o conflito entre o liberalismo e o fundamentalismo. O liberalismo

teológico tinha como bandeiras, entre outras, um empenho para um diálogo com a sociedade e

a sua cultura, num esforço para “desmalignizá-las” e interagir com elas, além do chamado

“Evangelho Social”.70 O fundamentalismo preocupa-se em distanciar-se dessas premissas, e

acaba indo para o outro extremo, o da preocupação maior com as questões espirituais das

pessoas, em detrimento dos demais aspectos do ser humano. O desdobramento dessa disputa

entre o modernismo e o fundamentalismo acaba não fazendo justiça a alguns movimentos

evangélicos norte-americanos e britânicos. Eles não só reavivaram a pregação do evangelho

como também tiveram grande preocupação com as questões sociais, como a escravidão, a

pobreza, a criminalidade, a marginalização dos desfavorecidos. Destaca-se, por exemplo, John

Wesley,71 que, com o metodismo, além da pregação do evangelho, sacudiu a Inglaterra

também nas questões sociais, e, contemporâneo à ele, o “grupo de Clapham” (pequena cidade

69 RODRIGUES, Ricardo Gondim. Orgulho de ser evangélico – por que continuar na igreja. Viçosa: Ultimato, 2000, p.34.70

O termo “evangelho social” com sua associação atual com o pensamento social protestante teologicamente liberal e moderadamente reformista, veio a ser usado por volta de 1900, para descrever aquele esforço protestante no sentido de aplicar princípios bíblicos aos crescentes problemas urbanos-industriais nos Estados Unidos emergidos durante as décadas entre a Guerra Civil e a Primeira Guerra Mundial. Alguns nomes importantes do movimento são o do inglês Charles Kingsley, Washington Gladden, o “pai do evangelho social”, e Walter Rauschenbusch, entre outros. ELWELL, Walter A. (org). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, p.112-114.71 John Wesley (1703-1791), inicialmente pastor ordenado pela Igreja Anglicana, era, junto com o seu irmão Charles Wesley e outros, como George Whitefield, membro do chamado “Clube Santo”, quando estudantes em Oxford, onde desenvolveram várias atividades assistenciais e sociais, como visitas às prisões inglesas e mobilizações para melhorar as condições de vida dos órfãos e desfavorecidos. Foi, na avaliação de vários historiadores, como Edwin Orr, e pensadores, como John Stott, responsável pelo fato de a Inglaterra não passar por uma revolução sangrenta como a francesa, pois “...o evangelho que ele pregava inspirava as pessoas a se envolverem em causas sociais em nome de Cristo. Os historiadores atribuem à influência de Wesley – muito mais do que a qualquer coisa – o fato de a Inglaterra ter sido poupada dos horrores de uma revolução sangrenta como a da França”. – STOTT, John. Mentalidade Cristã. Rio de Janeiro: Vinde, 1997, p.17.

34

a quase cinco quilômetros ao sul de Londres), formado por nomes como Granville Sharp,

Henry Thornton, Charles Grant e William Wilberforce, este o mais conhecido dentre eles,

que, como cristãos, contribuíram para profundas mudanças sociais, como o primeiro acordo

para libertar os escravos de Serra Leoa (1787) e a abolição do tráfico escravagista (1807),72

entre outros atos importantes.

Digno de nota é também o trabalho de William Booth,73 que, através do Exército de

Salvação, era profundamente envolvido com questões sociais, além da pregação do

evangelho. Tem-se ainda o avivalista norte americano Charles G. Finney,74 que combateu

ferozmente a escravidão. Finney é descrito por Donald W. Dayton da seguinte maneira:

[Finney] estava convencido de que o evangelho “libera um poderoso impulso rumo à reforma social”, e também de que a negligência da Igreja pela reforma social entristece o Espírito Santo e constitui um empecilho para o reavivamento. É impressionante ler a declaração de Finney na sua 23ª palestra sobre o reavivamento, onde afirma que “o grande negócio da Igreja é reformar o mundo (...) A Igreja de Cristo foi originalmente organizada para ser um corpo de reformadores. A própria profissão do cristianismo implica profissão e juramento de tudo fazer pela reforma universal do mundo”. 75

Porém, o conflito modernista-fundamentalista foi um dos principais responsáveis pelo

distanciamento do evangelicalismo das questões sociais.76 Nesta abordagem, onde inicia-se

uma compreensão do pano de fundo do movimento de Batalha Espiritual, percebe-se que esta

herança evangelical, ou seja, a falta de interesse e desmotivação da parte do evangélico

brasileiro em envolver-se mais nas questões à sua volta, explica uma característica das igrejas

onde a Batalha Espiritual encontrou espaço: a mudança que o movimento propõe é individual,

pessoal. É o que afirma Samuel Escobar:

72 Ibid., p. 19.73

William Booth (1829-1912), inicialmente pregador da União Wesleyana Reformada, e depois da Nova Conexão Metodista, funda em 1865 a Missão Cristã. Ele e sua esposa, Catherine Munford Booth (1829-1890), tinham então 36 anos. Treze anos depois (1878) o nome da Missão muda para Exército de Salvação. O alvo assumido do casal era “declarar guerra à pressão da pobreza e ao poder do pecado”. O Exército de Salvação é a organização beneficente que mais atrai apoio financeiro ao redor do mundo. CÉSAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil – dos jesuítas aos neopentecostais. Viçosa: Ultimato, 2000, p. 123.74

74 Charles Grandison Finney (1792-1875) era advogado, e converteu-se ao evangelho em 1821. Tornou-se conhecido como avivalista, com metodologia questionável, como sua teologia de sinergia, tipicamente arminiana, onde o incrédulo era convidado a refletir sobre a pregação e aceitá-la, como ato pensante e volitivo, sendo assim salvo, além de inovações litúrgicas, como o “banco dos aflitos” (anxious seats), onde iam assentar-se, durante o culto, aqueles que desejavam a salvação. JEPSON, J. W. Finney – tudo se resume no amor. Venda Nova: Betânia, 1984, p. 18-25. BOYER, Orlando S. Heróis da Fé. Rio de Janeiro: CPAD, 1986, p.125-137.

7575 DAYTON, Donald W. Discovering an Evangelical Heritage. Em: STOTT, Mentalidade Cristã, p. 20-21.

76 Mais uma vez citando John Stott: “Uma das mais notáveis características do movimento evangélico mundial durante os últimos dez a quinze anos (1989) tem sido a recuperação da nossa consciência social, temporariamente perdida. Os evangélicos passaram cerca de cinqüenta anos (1920-1970) tentando defender a fé histórica bíblica contra os ataques do liberalismo, reagindo em oposição a seu “evangelho social”. Ibid., p. 13.

35

Em seu afã por defender a “sã doutrina” da teologia liberal, os evangélicos “sentiram que não tinham tempo para assuntos sociais” e, portanto, deixaram de lado a responsabilidade social da igreja e começaram a pregar um evangelho para as “almas”, aceitando tacitamente a reclusão da religião à esfera do que é “particular” de cada um, proposta característica dos pensadores modernos.77

Quando pressupõe-se mudanças coletivas e/ou estruturais, essas mudanças não são

efetivadas através de mobilização social, material, e sim através do enfrentamento das

potestades espirituais que dominam estruturas corrompidas da sociedade. Isso se daria através

da oração, do jejum e da libertação espiritual, estratégia que é denominada pelo movimento

através de termos como “conquista de cidades” e “destronando príncipes territoriais”, entre

outras nomenclaturas. Neuza Itioka indica isso da seguinte maneira:

O que é [a] luta contra os principados, potestades e governadores do mundo tenebroso? [É] a luta contra altas hierarquias espirituais do mal, existentes sobre cidades e nações (...) Como enfraquecer os principados que manipulam as grandes corporações do mal: máfias de drogas, prostituição, violência, seqüestro? Pedir perdão pelos pecados (...) impeachment do presidente [Fernando Collor de Melo], a podridão e a corrupção (...) Oração sacerdotal pelos pecados da nação ... corrupção, CPI’s , Congresso, INSS, violência social, seqüestros, abandono de crianças...injustiça social em todos os níveis...Orar nos pontos importantes da cidade: oração diante da prefeitura, Fórum... prefeituras, câmara dos vereadores, Universidades, Torre da TV...78

A maioria dos cristãos ortodoxos concorda que há uma batalha espiritual, conforme o

texto de Efésios 6.12, onde o apóstolo Paulo declara: “A nossa luta não é contra a carne e

sangue, e sim contra os principados, contra as potestades, contra os dominadores deste mundo

tenebroso, contra as forças espirituais do mal, que operam nas regiões celestiais”. O que esta

pesquisa procura demonstrar, entretanto, é que os instrumentos ou armas desta luta, como a

mobilização de recursos e trabalho contra as estruturas comprometidas da sociedade, usadas

nas origens do chamado movimento evangelical por líderes engajados na transformação

social, foram deixadas, em muito, de lado pela igreja brasileira durante muitos anos, herança,

como demonstrado, de um protestantismo em luta contra o liberalismo que foi introduzido

no Brasil, que legou um evangelho mais comprometido com o indivíduo; a Batalha

Espiritual surge com um discurso de mudança individual e também coletivo, porém

sem usar dos instrumentos naturais de mudança já citados, considerados, como se

77

ESCOBAR, Samuel e SALINAS, Daniel, citando também John Stott. Pós-Modernidade: Novos desafios à fé cristã. São Paulo: ABU, 1999, p.21. 78

ITIOKA, Neuza. Oração de Guerra. Ministério Ágape-Reconciliação. Anais... São Paulo: SEPAL, 1996, p. 3-6.

36

poderá observar posteriormente, de uma categoria inferior, pois os meios sobrenaturais são

inquestionavelmente mais valorizados no meio pentecostal e neopentecostal.79

3.4. O “DESTINO MANIFESTO” NA PREGAÇÃO EVANGELICAL NORTE-

AMERICANA E SUA ATUAL INFLUÊNCIA NA IGREJA BRASILEIRA

Quando, em 1620, o Mayflower, embarcação que levava peregrinos puritanos que

fugiam da perseguição na Europa, aportou na Nova Inglaterra, havia um sentimento entre

esses peregrinos de que Deus havia providenciado aquelas terras para que cumprissem uma

ordem divina: a de estabelecer uma nova realidade social, teocrática, de justiça, igualdade

social, enfim, um lugar onde o evangelho se fizesse presente em toda a vida da sociedade. O

puritanismo, movimento que teria se iniciado com William Tyndale, o tradutor da Bíblia,

continuado com a reforma puritana, e sido perpetuado pelos peregrinos que fugiam da

perseguição que se seguiu, era visto como descreve J. I. Packer:

O alvo dos puritanos era completar aquilo que fora iniciado pela Reforma Inglesa: terminar de reformar a adoração anglicana, introduzir uma disciplina eclesiástica eficaz nas paróquias anglicanas, estabelecer a retidão nos campos político, doméstico e sócio-econômico, e converter todos os cidadãos ingleses a uma vigorosa fé evangélica. Por meio da pregação e do ensino do evangelho, bem como da santificação de todas as artes, ciências e habilidades, a Inglaterra teria de tornar-se uma terra de santos, um modelo e protótipo de piedade coletiva e,

como tal, um meio para toda a humanidade ser abençoada. 80

Não sendo possível, naquele momento, estabelecer esses ideais na Inglaterra, os

peregrinos levaram este sonho consigo para as colônias britânicas na América do Norte. Esses

ideais, conjugados ao fato de que muitos europeus realmente acreditavam que a raça branca

era superior, predestinada, moldaram uma consciência naqueles colonos conhecida como

“Destino Manifesto”. Justo Gonzalez diz que:

Embora tudo isto estivesse presente na história norte-americana, desde muito antes, em 1845 apareceu pela primeira a frase “destino manifesto”, que resumia a convicção dos brancos

79 Um exemplo de pregador evangelical famoso do período abordado que já prenunciava o que seria a tônica do protestantismo que predominou no trabalho missionário em terras brasileiras é o norte americano Dwight Lyman Moody (1837-1899). Justo Gonzalez descreve o seu trabalho assim: “A sua mensagem tocava a alma das massas urbanas, embora não se ocupasse diretamente com os grandes problemas da cidade [Chicago, ESTADOS UNIDOS]. Conforme Moody esperava, a conversão das massas levaria à melhoria das condições de vida na cidade”. GONZALES, Uma História Ilustrada do Cristianismo – A Era dos Novos Horizontes, p. 47-48.80 PACKER, J. I. Entre os Gigantes de Deus – Uma visão puritana da vida cristã. São José dos Campos: Fiel, 1996, p. 25 .

37

norte-americanos de que o seu país tinha um objetivo assinalado pela divina providência de guiar o resto do mundo nos caminhos do progresso e da liberdade.81

Embora em 1823 o presidente James Monroe tivesse proclamado a sua famosa

“Doutrina Monroe”, preconizando que os Estados Unidos não tolerariam novas incursões

colonizadoras européias no hemisfério ocidental, foi somente depois da Guerra Civil (1861-

1865) que esta idéia ganhou corpo, inclusive como elemento unificador do país após o

conflito separatista.82 No fim do século XIX o secretário-geral da Aliança Evangélica, Josiah

Strong, declarava que Deus estava adestrando a raça anglo-saxônica para um grande

momento, “a competição final entre as raças, para a qual a anglo-saxônica está sendo

preparada”.

Esse pensamento de um representante da ala conservadora do protestantismo norte-

americano era semelhante ao dos líderes liberais do mesmo protestantismo norte americano,

que sustentavam que o protestantismo e o direito de pensar livremente eram a grande

contribuição das raças nórdicas, ou anglo-saxônicas.83 Aliado a isso, os Estados Unidos

experimentaram, após a Guerra Civil, um espetacular desenvolvimento industrial e

econômico, tornando-o uma das principais potências emergentes na segunda metade do século

XIX. Gregory J. Miller relata:

Os avanços tecnológicos que capacitaram o rápido desenvolvimento industrial também deram pela primeira vez ao Ocidente (Europa Ocidental e Américas) uma vantagem militar sobre o Oriente Médio e o Extremo Oriente. Ambos saíram à procura de matérias-primas e mercados para os produtos industrializados que fabricavam, e sentiram o dever de “civilizar” os “selvagens” não-europeus. Os poderes ocidentais estenderam o controle sobre grande parte do mundo mediante a colonização ou intimidação em fins do século XIX. 84

81

GONZALEZ, Justo L. E até os confins da Terra – Uma história ilustrada do cristianismo – A Era dos Novos Horizontes. São Paulo: Vida Nova, 1988, p. 31-32. A revista Super Interessante, de cunho popular registra o seguinte: “A humanidade estava sob forte influência das teorias de Charles Darwin e, nesse clima, um certo John Fiske formulou em 1885 a hoje infame teoria do ‘destino manifesto’ , uma versão social da teoria da evolução, carregada de racismo. Fiske falava da inevitabilidade da expansão americana, dada a mistura rara entre a superioridade racial anglo-saxônica e a aptidão política americana. Apropriações indevidas das teorias de Darwin deram origem a crenças parecidas em várias partes do mundo, inclusive na Alemanha – o que viria a desembocar no nazismo”. O que acontece com os Estados Unidos? Artigo. Super Interessante. São Paulo: abril, no. 193, 2003, p. 74. Registrou-se essa informação como exemplo de conotação que o “destino manifesto” assumiu para alguns setores, conotação de imperialismo e autoritarismo.

82 GONZALEZ, E até os confins da Terra – Uma história ilustrada do cristianismo, p. 44.

83 Ibid., p. 44-45.84 PALMER, Michael D. (org). Panorama do Pensamento Cristão. Rio de Janeiro: CPAD, 2001, p.130. Poderíamos acrescentar “o dever de civilizar também os selvagens não-americanos”.

38

A resposta a essa cosmovisão, que se tornou a força propulsora dentro do

protestantismo norte americano, foi o século XIX, declarado o século das missões, o “Grande

Século”;85 e foram essas missões que trouxeram o evangelho que predomina na igreja

protestante brasileira, tanto histórica como pentecostal.86 Portanto, na esteira das conquistas

coloniais e de novos mercados por parte do Ocidente, as missões cristãs viram nisso também

uma providência divina e o cumprimento da vocação de liderança no mundo.87 Pelas suas

próprias características, portanto, era um evangelho pontuado pelo pragmatismo, ou seja, a

atividade e o esforço eram legitimados pela missão divina de liderança mundial;88 tudo isso

características de uma ética protestante que valorizava o trabalho e a geração de riquezas,89

porém com uma atitude de frugalidade em relação à elas. Como disse John Wesley, “trabalhe

o quanto puder, economize o quanto puder, doe o quanto puder”. E esta característica de um

protestantismo de “obreiros” delineou o evangelho no Brasil.90 Ricardo Gondim diz que:

A teologia brasileira sofre influências dos norte-americanos. O ativismo norte-americano promoveu um evangelho muito mais prático que reflexivo. Isso significa que importa “fazer”, o “certo” fica relativamente menosprezado...Obcecado pelo praticismo, ele se importa muito mais com o que sente, não com o que sabe como verdade. O crer relaciona-se ao fator experimental. A fé torna-se subjetiva em suas bases. 91

85

Ibid., p. 130.86

Aqui consideramos o pentecostalismo como produto do protestantismo, como afirma Antonio Gouvêa MENDONÇA: “Não é necessário ir muito longe para entender o fenômeno do divisionismo protestante e, principalmente, o da proliferação, no seu seio, de movimentos de cunho alternativo que, não encontrando vias de expressão entre a liberdade e a “verdade”, acabam saindo da instituição para encontrar seus próprios espaços. O pentecostalismo é, portanto, um fenômeno religioso que tem por matriz o protestantismo.” SOUZA, Beatriz Muniz de, GOUVÊA, Eliane Hojaij, e JARDILINO, José Rubens L. Sociologia da Religião no Brasil. São Paulo: PUC/UMESP, 1998), 79MESP, 1998, p.79. Antonio Carlos Magalhães, professor da UNESP, diz que “o pentecostalismo, apesar de ter saído do protestantismo, não é mais protestantismo”. MAGALHÃES, Antonio Carlos. Pentecostalismo: Movimento Espúrio ou a 4ª Face do Cristianismo? Em: Seminário na Faculdade Teológica Batista, 06, 2003. Anais... São Paulo, FTB, 2003. 87

Mendonça ressalta que “sendo a vinda do Reino não algo particular para os americanos, mas um evento cósmico, é mais ou menos claro que foi fácil passar dessa crença para a empresa missionária via “Destino Manifesto”. MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O Celeste Porvir – A Inserção do Protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1995, p. 59.

88 Florêncio GALINDO diz: “O protestantismo americano centrou-se logo na reforma do indivíduo; reforçando essa tarefa com traços apocalípticos, ou seja, considerando o surgimento dos Estados Unidos como símbolo do final dos tempos e começo de “um novo céu e uma nova terra”. A travessia do oceano havia sido uma réplica da travessia do deserto por Moisés e seu povo, e os “pais fundadores” se consideravam como predestinados por Deus para ser a semente de um novo povo (...) eleição divina + bem estar + riqueza e o individualismo – traços básicos do protestantismo norte-americano”. Em O Fenômeno das Seitas Fundamentalistas, p. 145. 89 É o pensamento encontrado em WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2ª edição, 2001.90

MENDONÇA, Introdução ao Protestantismo no Brasil, p. 205.

39

E esse sentimento de conquista, além dos desdobramentos citados acima, como a

valorização da experiência individual, do que “dá certo”, em detrimento do que é verdadeiro,

também predomina no discurso do movimento de Batalha Espiritual, no domínio de cidades, e

em frases como “O Brasil é do Senhor Jesus: povo de Deus, declare isso”.92 Há uma ética de

domínio, de conquista. José Rubens L. Jardilino diz que “um dos encaminhamentos para

explicar o fenômeno [a eclesiologia pentecostal] gira em torno da “guerra santa” – [a]

ofensiva contra os cultos afros; uma luta pelo espaço sagrado travada entre as igrejas do

“Novo Pentecostalismo” e a umbanda, candomblé, etc...93

É comum ao movimento o desejo de ver um cristão na presidência da República. Não

se trata apenas do “Ide” do evangelho, em que a nação brasileira fosse alcançada pelo

evangelho com tal abrangência que a conseqüência natural seria ter-se um evangélico no

posto mais alto do país, mas sim de parte importante do pensamento que é legitimado pelos

conceitos da guerra espiritual, guerra de conquista, libertadora, ekbalística.94 Não há dúvida

de que uma das grandes ênfases da Batalha Espiritual é a conquista, o avanço. Uma das

matrizes desse pensamento é este legado histórico do destino de liderança que Deus teria

outorgado ao seu povo, típico do pensamento teológico fundamentalista norte-americano, que

ajustou-se aos temas de conquista dentro da Batalha Espiritual. Veja o que S. D. Gordon,

citado por Cindy Jacobs, fala sobre oração:

A oração é a maior arma colocada nas mãos do homem e só podemos definir o que é oração usando termos de guerra. Qualquer termo de paz é inconcebível numa definição de oração. A terra está em prontidão de guerra, sitiada por forças de ocupação. Assim, somente os termos de guerra poderão definir o que é oração.95

É claro que oração não pode ser tratada apenas em termos guerreiros; orar é descansar

em Deus; orar é contemplar, meditar. Mesmo nos ensinos sobre oração a ênfase da Batalha

Espiritual é de conquista. A Batalha Espiritual abraça a visão clássica pentecostal de que o

mundo “jaz nas mãos do maligno” (João 5.19), não, porém, a reação pentecostal diante desse

mundo malignizado, que é o afastamento, a renúncia, o ascetismo como virtude para alcançar

91 RODRIGUES, Ricardo Gondim. O Evangelho da Nova Era – Uma análise e refutação bíblica da chamada Teologia da Prosperidade. São Paulo. Abba Press, 1995. p. 9.92

Propaganda veiculada por meio da mídia televisiva, radiofônica e através de Outdoors a partir de 1990. 93

JARDILINO, José Rubens L. Sindicato dos Mágicos – Um estudo da eclesiologia neopentecostal. São Paulo: C.E.P.E.-1993, p.16.94

“Estas igrejas têm colocado a tônica, em seus escritos e discursos, no termo libertação.” Ibid, p. 18.

95 JACOBS, Possuindo as portas do Inimigo, p. 227. Minha ênfase.

40

um mundo vindouro, o paraíso. Não. Os proponentes da Batalha Espiritual, que, como vimos,

tem em suas origens elementos da teologia da prosperidade e confissão positiva, partem “para

cima” do diabo e seus demônios, expulsando-os de pessoas e estruturas, possuindo-as - as

pessoas para suas igrejas, para “povoar o céu e despovoar o inferno”, como diz um conhecido

“bordão” neopentecostal, e conquistar as estruturas sociais e econômicas, para viverem um

“aqui e agora” de saúde, prosperidade e projeção social, detalhes que serão abordados no

capítulo que trata do neopentecostalismo.

Até aqui se pôde conhecer as raízes históricas que contribuíram para a formação tanto

do ambiente como do próprio movimento de Batalha Espiritual. O sentimento de um

“chamamento divino” para a liderança do mundo impregnou a cultura americana e, por

conseqüência, as igrejas daquele país. A igreja evangélica brasileira é majoritariamente seu

fruto, herdando seus conceitos de pragmatismo, de ser “obreiro”, do “fazer” como expressão

mais relevante do que “ser”, favorecendo a idéia de instrumentalidade para o cumprimento

dos propósitos divinos de expansão e implantação do reino de Deus neste mundo. O próximo

capítulo mostrará como influências “externas” e atuais contribuem para a complementação do

cenário em que o movimento de Batalha Espiritual se instala.

CAPÍTULO 4

O FRACASSO DA MODERNIDADE, O SURGIMENTO DA PÓS-MODERNIDADE E

CONSEQÜENTE VALORIZAÇÃO DO INDIVÍDUO

A respeito das influências da pós-modernidade sobre a igreja, deve-se concordar com

Leonildo S. Campos:

...tornou-se difícil, no estudo da realidade religiosa e cultural brasileira, no que pese as impropriedades de alguns termos, evitar expressões como “modernidade” ou “pós-modernidade”, nomes dados a todo um conjunto de transformações que afeta, mesmo de forma desigual, todas as sociedades, culturas e universos simbólicos no atual ocidente “cristão”.96

96 CAMPOS, Leonildo Silveira.– Imagens de Jesus na Religiosidade Brasileira de origem Protestante. Artigo. Estudos da Religião. São Bernardo do Campo: UMESP, ano XV, no. 20, 2001, p. 42.

41

4.1. A TRANSIÇÃO DA MODERNIDADE PARA A PÓS-MODERNIDADE

Normalmente, os historiadores dividem o período da história que vai do Renascimento

até os dias atuais em três partes:

_ Da Idade Média até o Renascimento: Pré-Modernidade;

_ Do Iluminismo até a metade do século XX: Modernidade;97

_ Da 2a. Guerra Mundial até os dias atuais: Pós-Modernidade.98

O primeiro período, da Pré-Modernidade, momento onde ocorrem o Renascimento e a

Reforma Protestante e surge o Iluminismo, é uma reação ao obscurantismo que predominou

por toda a Idade Média, quando o Absolutismo, tanto da Igreja Católica quanto dos monarcas,

impedia o livre pensamento e expressão. A igreja medieval tinha o instrumento de interdição e

de punição que era a Inquisição, além do poderio militar, econômico e político que fizeram

dela a instituição mais poderosa da terra por centenas de anos. Os reis, no que se refere à livre

expressão do pensamento, científico, literário, artístico, serviam algumas vezes, como

vassalos da igreja, controlando tudo aquilo que fosse contrário aos desígnios eclesiásticos. As

palavras-chaves eram: fé, obediência, dogma, instituição e Deus.

Com os abalos provocados pelo Renascimento e logo em seguida pelo Iluminismo

muda-se o parâmetro para o homem, não mais Deus; tem-se o livre pensamento, não mais o

dogma, além da filosofia, não mais a Bíblia. Esta mudança abriu caminho para o período da

Modernidade.99

A Modernidade caracterizou-se por uma fé inabalável no homem, no conhecimento

científico e no progresso, esquecendo-se do passado, como meio de alcançar-se a felicidade e

97

Foi Hegel que assim primeiramente denominou este período – MARTINS, Jaziel Guerreiro. O Espírito e a Cosmovisão da Pós-Modernidade. Via Teológica. Curitiba: Faculdade Teológica Batista do Paraná, no. 6, 2002, p. 37. 98

SALINAS, Daniel e ESCOBAR, Samuel. Pós-Modernidade – Novos Desafios à fé cristã. São Paulo: ABU, 1999, p.13. Ver também ORO, Ari Pedro e STEIL, Carlos Alberto (orgs). Globalização e Religião – O Campo Religioso Contemporâneo no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 104 .99 Martin Weingaertner descreve este fato assim: “Na Europa iluminista brotou o questionamento da hegemonia cristã como podemos conferir no poema Nathan der Weise, de Gotthold Ephraim Lessing (1729-81) publicado em 1779. Ele retrata o sábio Natã que mandara confeccionar duas cópias perfeitas do seu preciosíssimo anel. Cada um de seus três filhos recebe, assim, “o anel” por herança. A perfeição das cópias induz cada um dos três filhos a crer que recebera o anel original. Mas nenhum deles, jamais, terá certeza absoluta disso. Dessa maneira, Lessing expressa sua convicção de que é impossível alcançar a verdade absoluta, de modo que, apesar de buscarem-na incessantemente, cristãos, judeus e muçulmanos não têm outra opção além da tolerância mútua”. WEINGAERTNER, Martin. O Diálogo inter-religioso na perspectiva evangelical. Vox Scripturae – Revista teológica Latino-Americana. São Paulo: VS/AETAL. vol. VII, no. 1, 1997, p. 113.

42

a verdade tão almejadas. A obtenção do conhecimento, em conjunto com o “sacudir” dos

grilhões da ignorância e da opressão medievais levaria a humanidade a um estágio nunca

antes alcançado. Porém, o progresso não eliminou a pobreza em muitos lugares, além de

outros sérios problemas, que culminaram na grande decepção para o entusiasmo modernista

que foi a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), onde a brutalidade foi tal que a fé na

capacidade do ser humano de resolver todos os problemas por meio da razão e do

conhecimento foi duramente questionada. Houve uma decepção com o homem, que passou a

ser alvo de desconfiança; a razão falhou em sua missão de organizar a humanidade, pela

política, ciência e sistemas racionais; o homem passou a ser patrocinador da devastação do

meio ambiente, em nome do propalado e desejado progresso moderno. Surgiu o desencanto e

a decepção.

Esta decepção provocou o processo que, especialmente no final da Segunda Guerra

Mundial iniciou o período da pós-modernidade, caracterizado agora pelas decepções dos

períodos anteriores: a decepção em relação à fé e a decepção quanto à razão humana como

referenciais para o conhecimento da verdade e felicidade. A verdade objetiva tornou-se

subjetiva; o individualismo100 passou a ser o background para o pensamento e aceitação de

qualquer idéia. O julgamento pessoal, o sentimento, a sensação e o raciocínio individuais

passam a ser os critérios últimos do indivíduo. E neste estado de coisas se estabelece um

fenômeno cultural: a mídia, os formadores de opinião, a educação passam a ser difusores

dessas idéias. Tudo passa a ser questionado; há inclusive um incentivo a isso. Não há mais

lugar para os absolutos. Will Durant, em seu livro A História da Filosofia, falando sobre a

formação do estado grego, descreve um cenário muito semelhante ao nosso. Ele diz:

Onde existem mil crenças, tendemos a nos tornar céticos em relação a todas elas. É provável que os comerciantes tenham sido os primeiros céticos; haviam visto demais para acreditarem demais; e a disposição geral dos mercadores de classificarem todos os homens como bobos ou patifes, levavam-nos a questionar todos os credos (...) O aumento da riqueza trazia o lazer e a segurança, que são o pré-requisito da pesquisa e da especulação.101

Os Guinness descreve assim a transição da modernidade para a pós-modernidade:

100

É interessante observar o que Wolfgang Schürger afirma sobre a Pós-Modernidade criar um novo ambiente religioso: “Essa tendência [subjetivismo e individualismo] se manifesta também num novo movimento religioso, de fronteiras mal definidas, ligado à chamada pós-modernidade. Nele há uma redescoberta do divino e do sagrado, separada, porém, de uma fé clara num Deus pessoal ou da adesão a uma religião bem definida, institucionalizada. Busca-se uma espécie de comunhão com o cosmo, uma imersão no todo...” SCHÜRGER, Wolfgang. Teologia e Pós-Modernidade: Encontros e Desencontros – NUMEN – Revista de Estudos e Pesquisa da Religião. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 1999, p. 30.101

DURANT, A História da Filosofia, p. 30.

43

Ao passo que a modernidade era um manifesto de auto-suficiência humana e de auto-gratificação, o pós-modernismo é uma confissão de modéstia e até de desesperança. Não há “verdade”, há apenas verdades. Não existe a razão suprema, somente há razões. Não há uma civilização privilegiada (nem cultura, crença, norma e estilo), há somente uma multidão de culturas, de crenças, de normas e de estilos. Não há uma justiça universal, há apenas interesses de grupos (...) não existe a realidade simples nem uma grande realidade de um conhecimento universal e objetivo, existe apenas uma incessante representação de todas as coisas em função de tudo o mais. 102

4.2. COMO A IGREJA É AFETADA

Neste ambiente não seria possível que a igreja deixasse de ser afetada. Após a Segunda

Guerra Mundial surge a Guerra Fria, caracterizada pelo conflito político (Ocidente x cortina

de ferro), ideológico (capitalismo x comunismo), tecnológico (corrida espacial) e militar

(Guerra da Coréia, 1950-1953; Guerra do Vietnã, 1959-1975; surgimento da OTAN e do

Pacto de Varsóvia). Na sociedade e igreja norte-americanas (principal matriz ideológica da

igreja brasileira), no auge da “Era McCarthy”, considerava-se a falta de filiação eclesiástica

uma possível indicação de tendências anti-americanas.103 Não é difícil entender como, em

um ambiente assim, não fossem gestadas mudanças significativas na sociedade e na igreja.

Buscavam-se respostas para estas demandas. Justo González fala sobre este período:

Outro aspecto do reavivamento pós-guerra foi uma compreensão da fé cristã como meio de se obter paz interior e felicidade (...) Sydney E. Ahlstrom falou com propriedade acerca da religiosidade do período quando disse que era “fé na fé” e que prometia “paz de espírito e vida confiante”. Essa forma de religiosidade adequava-se bem à época, visto que proporcionava paz em meio a um mundo de confusão, e falava pouco sobre responsabilidades sociais.104

É importante a análise de Ahlstrom na medida em que ele identifica os elementos

presentes naquele período que fundamentaram mudanças profundas os quais desembocaram

em movimentos de ruptura (citados anteriormente), gerando o ambiente para fenômenos como

a Batalha Espiritual. O individualismo, o relativismo e o utilitarismo passam a ser

componentes do dia-a-dia de muitos cristãos, seja por usá-los, seja por serem pressionados

por eles. Surgem as igrejas que, a título de falarem a esta geração, passam a formar uma

102

SALINAS e ESCOBAR, Pós-Modernidade: Novos Desafios à Fé Cristã, p. 25.

103 GONZALEZ, Justo L. Uma História Ilustrada do Cristianismo – A Era Inconclusa. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 91.104

Ibid., p. 93.

44

eclesiologia e liturgia de acordo com essas tendências. Surge o fenômeno da igreja-mercado,

onde o fiel, típico pós-moderno, se serve sem ter compromisso com ela. Afinal, o

compromisso do fiel é consigo mesmo.105 A pregação de arrependimento e mudança de vida

(moral) é substituída, ou pelo menos diminuída, pelo discurso da mudança sócio-econômica,

como sinal da bênção de Deus, e pela atuação do evangelho como transformador social onde a

pessoa “pára de sofrer”, como resultado de uma conjuntura dualista, onde o mal deve ser

combatido (ekbalísticamente) e o triunfo alcançado. Os sinais externos de transformação

sócio-econômica passam a ser altamente valorizados; a igreja eletrônica, por exemplo,

simboliza o utilitarismo no relacionamento religioso. O fiel recebe uma palavra de conforto e

oração pelos problemas, sendo convidado a tornar-se associado, entre outras nomenclaturas,

contribuindo com a denominação. E esse individualismo, já presente no processo de

conversão da teologia missionária dos primórdios do protestantismo no Brasil, e exacerbado

pelo contexto social e cultural já predisposto pela pós-modernidade, acaba legitimado

pela teologia da prosperidade, da conquista, da transformação pessoal como fenômeno

de transformação coletiva posterior, embutida nos conceitos da Batalha Espiritual, como

afirma José Rubens Jardilino:

Uma quantidade de anônimos são libertados nas reuniões [da IURD – Igreja Universal do Reino de Deus]. O seu depoimento/testemunho, após libertos, não pressupõe conversão ao protestantismo ou à IURD; não se trata de uma adesão à comunidade ou de uma profissão de fé pública em Jesus Cristo.106

Além dos contextos já mencionados, nota-se forte sincretismo característico da época

do surgimento da Batalha Espiritual, que é também desdobramento do fenômeno da

globalização, gerada pela tecnologia e pela pós-modernidade. Tem-se o já mencionado

“misticismo tecnológico” nas produções cinematográficas (Star Wars, Matrix, Harry Porter,

entre outros), a expansão das religiões orientais (patrocinada também por expoentes da

cultura, como os Beatles), além das práticas medicinais orientais alternativas. Temos ainda o

surgimento da New Age, a Era de Aquário, tão propalada nas décadas de 70 e 80, gerando um

recrudescimento das religiões célticas e druídicas, com forte conotação mágica e simbólica

(novamente temos “astros” da mídia assumindo tais práticas e influenciando toda uma

105

SANTOS, Valdeci da Silva. Refletindo sobre a Adoração e o Culto Cristão. Fides Reformata. São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper. Vol. III, Nº 2, 1998, p. 142.106 JARDILINO, José Rubens L Sindicato dos Mágicos – Um estudo de caso da Eclesiologia Neopentecostal. São Paulo: C.E.P.E., 1993, p. 21.

45

geração, como o Led Zeppelin, grupo inglês de rock, da década de 70). Quem não se recorda

dos inúmeros “estudos” e palestras sobre este tema que aconteciam aos borbotões nas igrejas

evangélicas, além da farta literatura produzida, o que provocou reações que foram

sintomáticas, como o livro Este Mundo Tenebroso, de Frank Peretti, onde os cristãos de uma

pequena cidade do interior dos Estados Unidos lutam contra os adeptos do satanismo e da

Nova Era. Isso incendiou a imaginação de muitos cristãos. Surgiu uma nova realidade,

culturalmente mais complexa, amplamente disseminada pelos modernos recursos tecnológicos

(televisão, redes a cabo, Internet, entre outros),107 na qual a igreja está inserida. Na era em que

as crianças têm à disposição jogos digitais de vídeo-games, muitos possuindo violência

explícita (a série Quake I a III) e personagens sensuais (Lara Croft – Tomb Raider – I e II -

que também virou filme), além de farta ambientação mágica e mítica (O Senhor dos Anéis),

muitas igrejas ainda trabalham com o velho flanelógrafo.

Gene A. Getz descreve os acontecimentos culturais e sociais que abalaram o

cristianismo norte-americano a partir do final da década de 1960 e início da década 1970,

fatos que também atingiram a igreja brasileira, pela força cultural americana e sua influência

teológica:

O que ocorreu nas igrejas evangélicas nas últimas duas décadas não está desvinculado do que aconteceu com a nossa cultura em geral. Jamais está. A “infiltração cultural” é inevitável (...) os Estados Unidos começaram a experimentar um clima anti-institucional que chegou a ameaçar os próprios alicerces de nossa sociedade (...) O que estava ocorrendo na cultura em geral e de modo particular na subcultura evangélica na época também tinha raízes históricas significativas. Nenhuma crise se dá no vazio. No mundo secular, a “vaca sagrada” da ciência e os resultados por ela prometidos não estavam funcionando (...) Foi naqueles dias que os escritores da renovação da igreja começaram a se manifestar acerca desses temas. 108

Para entender-se a transição entre o moderno e o pós-moderno, reproduz-se uma tabela

elaborada por Antonio Cruz:

VALORES MODERNOS VALORES PÓS-MODERNOS

1. Fé................................................................................Descrença

107 Como disse Michael O. Palmer (Panorama do Pensamento Cristão), a cultura dissemina valores – valores que se arraigam no comportamento, na ética, no dia-a-dia das pessoas. Vivemos em um tempo em que as Universidades, como a Federal da Bahia, estão exigindo, em seus vestibulares, que os candidatos assistam a uma série de produções cinematográficas, como O Auto da Compadecida, Central do Brasil, entre outros – Época, no. 273, 2003, p. 55.108 GETZ, Gene A. Igreja: Forma e Essência – O Corpo de Cristo pelo Ângulos das Escrituras, da História e da Cultura. São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 15-17..

46

2. Sacralização ...............................................................Secularização

3. Absoluto.....................................................................Relativo

4. Objetividade...............................................................Subjetividade

5. Razão..........................................................................Sentimento

6. Ética...........................................................................Estética

7. Culpabilidade.............................................................Aculpabilidade

8. Passado/Futuro...........................................................Presente

9. História.......................................................................Histórias

10. Unidade......................................................................Diversidade

11. Coletivismo................................................................Individualismo

12. Progressismo..............................................................Neoconservadorismo

13. Inconformismo...........................................................Conformismo

14. Idealismo....................................................................Realismo

15. Humanismo................................................................Anti-humanismo

16. Segurança...................................................................Desencanto

17. Forte...........................................................................”Light”

18. Esforço......................................................................Prazer

19. Prometeísmo.............................................................Narcisismo

20. Seriedade...................................................................Humor

21. Fundamental..............................................................Superficial

22. Intolerância................................................................Tolerância

23. Formalidade...............................................................Informalidade

24. Necessário..................................................................Acessório 109

É importante reproduzir alguns dos comentários das comparações da tabela para

perceber-se a grande ligação pós-moderna com alguns conceitos presentes dentro da prática

doutrinária atual de várias igrejas que adotaram a Batalha Espiritual:

3. Absoluto – Relativo: os grandes temas, próprios da modernidade, como o

desenvolvimento da razão, a emancipação progressiva dos trabalhadores, o progresso

científico e o cristianismo, são descartados na pós-modernidade como verdade absoluta. Hoje

se crê nas pequenas verdades relativas, mas em nenhuma que seja absoluta.

109 CRUZ, Antonio. Postmodernidad (Terrasa: CLIE, 1996), obra citada por MARTINS, Jaziel Guerreiro. Via Teológica – O Espírito e a Cosmovisão da Pós-Modernidade, p. 40.

47

4. Objetividade – Subjetividade: ao pós-moderno não interessa conhecer a realidade

total do mundo e das coisas. Conforma-se somente com a realidade parcial e momentânea

que é percebida pelos sentidos. Daí resulta uma visão pessoal subjetiva sem norte nem

orientação fixa. A objetividade dos grandes fins desaparece e como alternativa surge um

pensamento fragmentado.

5. Razão – Sentimento: a razão tem demonstrado sua insuficiência para explicar as

calamidades que atormentaram a humanidade durante o século XX. A história da razão seria a

história dos desenganos da razão, da irracionalidade da razão. Ao perder-se o fundamento da

razão, o centro da moral e da pessoa é o eu, os sentimentos ou os gostos individuais.

6. Ética – Estética: a ética própria do pensamento moderno também havia chegado ao

seu final e, na atualidade, assistimos a uma multiplicação de “microéticas” ascéticas e

desorientadas. A pós-modernidade propõe como alternativa a estetização da vida, a

eliminação de toda norma, o relativismo das condutas e o pluralismo dos valores. Como

escreve Dostoievsky: “Se Deus não existe, tudo é permitido.”

13. Inconformismo – Conformismo: a modernidade foi fecunda em revoluções sociais

que intentaram melhorar a condição humana. O inconformismo frente às injustiças foi o

motor que mobilizou quase todas as gerações. Mas na pós-modernidade as coisas têm se

modificado. O pós-moderno não daria um passo para trocar as injustiças deste mundo. O

conformismo é a atitude que predomina quando se aceita a impossibilidade de mudar a

realidade.

20. Seriedade – Humor: na pós-modernidade se recorre ao humor como terapia contra

o desengano, quando triunfa a ridicularização da realidade cotidiana. O mundo que tem

abandonado as sólidas crenças do passado, banaliza o real por meio da máscara do humor.110

Neste ambiente de “desconstrutividade”111 não é difícil identificar elementos da pós-

modernidade presentes na teologia da prosperidade e da confissão positiva absorvidos pela

Batalha Espiritual. Os grandes sistemas teológicos e eclesiásticos passam, neste período, a

serem questionados, surgindo um ambiente onde a experimentação ganha força. O fenômeno

que observamos atualmente é o de que a maior força do final do século XX e início do século

XXI é a atitude das pessoas. Autoritarismo, imposições de idéias, são coisas do passado. Estas

110 Ibid., p. 41, 43, 44. No último tópico, talvez, ao invés de humor, a palavra mais adequada seria “ironia” ou “sarcasmo” .111

GRENZ, Stanley J. Pós-Modernismo – Um guia para entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 216. Ver também SCHÜRGER, Wolfgang. Teologia e Pós-Modernidade: Encontros e Desencontros, p. 31-32. Aqui essa “desconstrução” é “sedutora”.(p.35).

48

forças também são niveladoras, ou seja, há uma igualdade de direitos, de participação, onde a

massa humana não aceita facilmente qualquer idéia que tenha contornos de imposição. A

pessoa é quem decide o seu próprio sistema de crenças, hoje mais do que nunca sincrético,

onde a pessoa escolhe uma porção de uma crença, uma porção de outra, e forma a sua própria.

Philip Lesly, um dos mais renomados especialistas em relações públicas do mundo,

afirma que este ambiente humano originou-se de eventos inter-relacionados que surgiram

principalmente depois da Segunda Guerra Mundial. Eis alguns deles:

- A informação por meios eletrônicos e o cinema trouxeram o mundo ao alcance de

quase todos, atravessando fronteiras e linhas sociais. Demonstraram e deram visibilidade

àquilo que pode ser obtido. Visibilidade leva a sentido de realidade;

- A educação deu-se em grande parte através da educação formal ou como resultado da

exposição à comunicação de massa. A educação abre a mente – não como uma rolha que é

retirada de uma garrafa, mas como uma tampa retirada de uma lata – expondo seu conteúdo

de uma só vez, e a tampa nunca mais poderá ser recolocada;

- A urbanização aumentou em muito a sofisticação e, por conseqüência, as aspirações

das massas;

- Muitos milhões de pessoas agora possuem recursos que lhes permitem aspirar mais

do que apenas conseguir um padrão de subsistência;

- Na medida em que o trabalho foi suavizado e as expectativas aumentaram, as pessoas

tendem a enxergar as instituições tradicionais como barreiras às suas aspirações. Elas estão

exigindo se envolver nas operações dessas instituições. Avanços – e a visibilidade dos

avanços - provocam desejos;

- Subitamente, tudo está aí para ser visto, para ser experimentado, julgado; a

ampliação da consciência e julgamento pessoais foi multiplicada milhares de vezes;

- Nessa cultura, permanentemente em mudança, uma postura rígida e imobilizada não

é um muro de proteção e sim um alvo fixo.112

O homem hoje é “cidadão do mundo”; não tem muitas raízes, não se prende

profundamente a quase nada. O mundo esta aí para ser conhecido, experimentado. Cada vez

mais as pessoas se deslocam para estudar, trabalhar, viajar a passeio. As instituições, inclusive

a igreja, que não entenderem este momento, podem ter a mensagem certa, mas a forma errada

de comunicá-la. Um exemplo: uma igreja que transmite o evangelho com uma ênfase

apologética, ou seja, comparando-o ou protegendo-o de outras crenças, terá muito trabalho e

112 LESLY, Philip. Os Fundamentos de Relações Públicas e das Comunicações. São Paulo: Pioneira, 1995, p. 9. Minha ênfase.

49

pouco resultado. Com quantas crenças o evangelho será comparado? Existem milhares delas,

e, através dos meios de comunicação, temos contato com muitas delas. Do ponto de vista das

pessoas “sem-igreja”, a igreja será mais uma voz em meio a tudo isso. O interesse não é em

uma verdade, mas na verdade que “funciona”. Constatar isso não é aceitar passivamente a

situação, mas sim compreender este homem que se deseja alcançar. Quando Jesus, em João

8.32, disse: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, provavelmente ele não se

referia somente à verdade como libertadora, mas também ao conhecer como fator igualmente

importante. Se não houver conhecimento transmitido (comunicação), a verdade não será

conhecida, e não libertará. Como fazer conhecida a mensagem do evangelho nestes dias

atuais? Há uma linguagem para os dias de hoje, onde linguagem é o meio de condução do

conteúdo e, enquanto meio de transmissão, não está sendo sacralizada? Exemplo disso é a

dificuldade de alguns cristãos em aceitar as novas traduções da Bíblia, em linguagem

moderna. É como se as antigas traduções, mais clássicas, fossem mais sacras. São perguntas

que devem ser feitas. A música, ou melhor, alguns estilos musicais, não foram “sacralizados”

enquanto outros foram “satanizados”?

A Batalha Espiritual, com suas características sincréticas, pragmáticas e

contextualizadas (com seu ambiente “mágico” e dinâmico), encontrou o seu espaço.

Justamente nessa época é que surgem os primeiros trabalhos e eventos que dariam origem a

movimentos como o de Batalha Espiritual. Naquele momento de renovação e busca de

respostas para as demandas da igreja e da cultura, o movimento de guerra espiritual, com

características marcantes de seu contexto, surgiu como uma das respostas. Como já foi

mencionado, a influência teológica norte-americana sobre a igreja brasileira favoreceu a

disseminação, a partir de então, de suas idéias. Tadeu Ayres afirma:

Numa sociedade pluralista e exigente, parece não haver mais plausibilidade no culto singelo, profundo e simples, onde a verdade bíblica deve projetar-se na pregação, a fim de atingir o âmago dos corações. Ao contrário disso, o modelo que vem sendo adotado, até pelas igrejas pentecostais, paulatinamente vai privilegiando o social, a espetaculosidade dos órgãos musicais e a metodização exagerada dos sermões. Na realidade, a igreja pós-moderna gasta muito mais tempo com ensaios e atividades variadas do que com a oração e a pregação da Palavra.113

Percebe-se, então, uma grande tensão: como pode uma instituição como a igreja, com

vinte séculos de tradição e valores arraigados, falar a uma sociedade com as características

descritas até aqui? Há um grande desafio. Bem ou mal, a Batalha Espiritual foi recebida como

uma alternativa, nesta sociedade em transição. Os proponentes da Batalha Espiritual se

113 AYRES, Antonio Tadeu. Como Entender a Pós-Modernidade. São Paulo: Vida, 1998, p. 31,32.

50

valeram, muitas vezes, de uma contextualização acrítica para divulgar as suas idéias. E, nesse

afã, perderam conteúdos, para ajustar a mensagem a um formato pragmático e estético que

agradou ao homem pós-moderno. Por outro lado, cabe uma reflexão profunda daqueles que

“fazem igreja”, que têm a missão de comunicar um evangelho descrito como renovador,

transformador, ao homem de hoje, sem perder sua essência. Francis Schaeffer afirma:

Cada geração cristã defronta [sic] com este problema de aprender como falar ao seu tempo de maneira comunicativa. É problema que não se pode resolver sem uma compreensão da situação existencial, em constante mudança, com que se defronta. Para que consigamos comunicar a fé cristã de modo eficiente, portanto, temos que conhecer e entender as formas de pensamento da nossa geração.114

4.3. A POSSIBILIDADE DE DISCORDAR

Neste caldeirão de transformações, os valores da pós-modernidade encontraram-se

com o cenário reinante na sociedade brasileira no final da década de 1960 e início de 1970,

quando imperava o regime militar no Brasil. Na madrugada de 31 de março para 1º de abril de

1964, tropas do Exército, vindas de Minas Gerais, comandadas pelo general Mourão Filho, se

dirigiram para o Rio de Janeiro, esperando encontrar-se com tropas do III Exército, do Rio

Grande do Sul, e do II Exército, sediado em São Paulo. No dia primeiro de abril, após vencer

a vacilação do comandante do II Exército, general Amaury Kruel, e as resistências no III

Exército, por conta da influência do então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola,

cunhado do presidente João Goulart, este foi deposto. Começava a revolução, assumindo a

presidência o General Humberto de Alencar Castelo Branco.

Castelo Branco, logo após o golpe, acenou com um governo provisório, prometendo

eleições em pouco tempo. Porém, as reações de alguns grupos, entre eles estudantes e

políticos, que viviam na época sob o impacto de importantes revoluções comunistas ao redor

do mundo, como a revolução na China de Mao-Tsé-Tung (1949), a revolução cubana de Fidel

Castro e Che Guevara (este último tendo sido condecorado em 1961 com a ordem do Cruzeiro

do Sul, a mais alta condecoração do governo brasileiro, pelo ex-presidente Jânio Quadros,

fato que gerou enorme polêmica), bem como da divisão de Berlim entre o Ocidente e o

114

Apud. SALINAS e ESCOBAR, Pós-Modernidade: novos desafios à fé cristã, p. 11-12.

51

Oriente (Estados Unidos e União Soviética) por meio do muro de Berlim, fizeram com que o

regime endurecesse a sua face. Não houve eleições e, em 1968, foi baixado o decreto

conhecido como AI-5, pelo então presidente Arthur da Costa e Silva, quando direitos

constitucionais e políticos foram cassados; várias personalidades do mundo cultural e político

foram exiladas, como Caetano Veloso, Gilberto Gil e o ex-presidente Fernando Henrique

Cardoso, entre tantos outros. Com o general Emílio Garrastazu Médici (1970-1974), o Brasil

conheceu a face mais dura e sangrenta do regime militar, com centenas de pessoas presas e

torturadas, havendo inclusive várias mortes, como a do jornalista Wladimir Herzog, nas

dependências do DOI-CODI (na antiga sede da Cia. de Comando do II Exército, na rua Abílio

Soares, bairro do Paraíso), na capital paulistana. Surgiu a guerrilha no vale do Ribeira, e

também na região do Araguaia (Estado do Pará), onde várias facções armadas entraram em

choque com as forças armadas. Guerrilheiros como Carlos Lamarca, ex-capitão do exército,

morto na Bahia em 1971 por tropas de pára-quedistas, e Carlos Mariguela, morto pelo famoso

delegado Sérgio Fleury, estavam entre as figuras mais conhecidas.

Estes “anos de chumbo” foram “amenizados” pela censura que o regime impunha à

mídia e à cultura, não havendo, portanto, mostras de descontentamento explícitas. Um

manual, assinado pelo general Cesar Montagna de Souza, da 1ª Região Militar (com sede no

Rio de Janeiro), informava que o objetivo da censura era “obter da imprensa falada, escrita e

televisada o total respeito à Revolução de março de 1964, que é irreversível e visa a

consolidação da democracia”. Para isso, determinava que “não deverão ser divulgadas

notícias que possam propiciar o incitamento à luta de classes, comprometer no exterior a

imagem ordeira e econômica do Brasil, tumultuar os setores comerciais, financeiro e de

produção e veicular atividades subversivas, greves ou movimentos operários”.115 Era também

a época em que o esporte, como o futebol, foi muito usado como meio de propaganda da

ditadura. A conquista da Copa do Mundo do México (1970) foi grandemente usada para esse

fim. Foi o período do chamado “milagre econômico”, quando o país crescia a taxas de 7 a

12% ao ano; as frases grandiloqüentes do governo ficaram famosas, como: “Brasil, ame-o ou

deixe-o”.116 Porém, a história cobraria, com juros, os erros do período.

Com o término das ações do Exército e da guerrilha no Araguaia (1974), o Brasil, já

com um novo general na presidência, Ernesto Geisel, gaúcho, de origem alemã e luterano, o

país começou a experimentar o início da chamada “distensão política” até 1979,117 quando o

115 GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 212.

116 Ibid., encarte de fotos, entre p. 192 e 193.117

52

último presidente do regime militar, o também gaúcho general João Batista de Oliveira

Figueiredo (1979-1985), terminou a transição da ditadura para o regime democrático.

Enfrentando correntes da sociedade que queriam acelerar o processo de redemocratização

através de movimentos como “Diretas Já”, patrocinou as últimas eleições indiretas do

período. Foi eleito Tancredo Neves, político mineiro que tinha sido primeiro-ministro por

alguns meses no malfadado sistema parlamentarista que durou pouco tempo durante a

presidência do já citado João Goulart (1962). Ele, porém, não assumiu, pois morreu poucos

dias antes da posse, no ano de 1985. Assumiu o vice-presidente, José Sarney.

Estes fatos de enorme importância e influência não deixam, naturalmente, de gerar

reflexos na sociedade brasileira, e a igreja, inserida nela, não deixa de ser ambiente para

ebulições. A possibilidade de manifestar opiniões e rever caminhos abre espaço para o debate.

Este é o período em que surgem denominações que se tornariam as matrizes do fenômeno

conhecido como neopentecostalismo (que será abordado no próximo capítulo). Isto por si só

já mostra que foi um início de profundas mudanças no Brasil. De um país rural, passou a ser

um país de crescente urbanização e industrialização, esta ainda por um tempo protegida

(erroneamente) da competição dos mercados e produtos estrangeiros. O acesso à educação e à

informação, antes controlado pelo regime militar, desembocou na possibilidade de

questionamento, pois, à medida que uma pessoa adquire conhecimento, passa a pensar, refletir

e elaborar conceitos, que são as matrizes para a opinião. Esta “ebulição” também se faz sentir

dentro das igrejas evangélicas. O regime militar foi um período vivido pela igreja de uma

forma que Duncan Reily assim sintetiza:

Houve um alto grau de aceitação da intervenção militar pelos protestantes, a princípio pelo medo de que João Goulart estivesse conduzindo o país a um caos socialista e possivelmente à guerra civil (...) entretanto, em diversas denominações, particularmente nos seus movimentos de juventude e nos seus seminários teológicos, houve questionamento e confrontação; esses movimentos, porém, não alcançaram a aprovação geral das igrejas e foram levados ao malogro, não raro com o fechamento de seminários. Por diversos motivos, uma geral apatia política se instalou nos meios evangélicos...”118

Em virtude da postura de algumas igrejas evangélicas durante a ditadura, quando

algumas delas apoiaram o regime, com receio do comunismo e de uma guerra civil,119 e outras

limitaram-se a apregoar a aceitação das “autoridades constituídas por Deus” e a não-

FROTA, Guilherme de Andrea. 500 anos de História do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2000, p. 720.118 REILY, Duncan Alexander. História Documental do Protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1993, p. 315.119

FROTA, 500 anos de História do Brasil, p. 697.

53

participação dos membros dessas igrejas em movimentos civis, greves ou quaisquer atos

contrários ao governo vigente, as vozes descontentes ecoaram contra o que teria sido uma

atitude subserviente, apática e indiferente a tudo o que estava acontecendo.120 Leonildo

Silveira Campos afirma:

...Pressupomos que o processo de institucionalização da religião provoca uma reversão nos olhares dos fiéis, que antes direcionados para os céus agora voltam-se para a terra. Esse processo de mudança nos olhares dos evangélicos brasileiros fez com que os pastores e leigos passassem a perceber que o lado místico da religião não dispensa a participação deles nas coisas temporais e históricas (...) [o] protestantismo brasileiro dos anos 60 e 70 ofereceu o que os militares tanto almejavam: a legitimação no poder e o controle do Estado.”121

A tradição protestante traz em seu bojo a reação ao autoritarismo, à imposição, ao

totalitarismo. Seria questão de tempo para essa reação irromper, não em movimentos largos,

de massa, mas de indivíduos e grupos pequenos, que influenciariam a outros, fazendo surgir

as cisões que dariam origem a novas igrejas. De modo geral, o brasileiro não é dado a reações

populares mais incisivas. 122

Quando há espaço para o debate, é comum ocorrer que outros assuntos, que não

aqueles que motivaram a discussão, acabem sendo incluídos na pauta. Tudo passa a ser

revisado. Em alguns casos, associou-se uma imagem retrógrada às lideranças evangélicas em

função do momento político, e por fim a liturgia, a eclesiologia, a teologia e práticas das

igrejas acabaram sendo incluídas nesta revisão. Um cenário de mudanças estava se formando,

primeiro no inconsciente coletivo, depois nas estruturas, e a igreja aí incluída. E aqui se

reforça a tendência pós-moderna da atualidade: cada vez mais, nas igrejas, o que haverá é a

busca do apoio dos membros e não exatamente a sua subordinação. As pessoas, mais do que

nunca, sentem-se no pleno direito da escolha, especialmente de suas crenças pessoais e no

direito de questionar aquilo com o que não concordam. A tendência é de que uma igreja local

seja cada vez mais afetada por novas doutrinas e movimentos, pois a aceitação individual

passa a ser legitimada, enquanto que a anuência coletiva fica em segundo plano.

120 Um documento da 1ª Igreja Batista do Rio de Janeiro, da década de 60, formulado pelo seu pastor titular, João Filson Soren, considerado um dos grandes nomes da denominação Batista, que foi capelão evangélico da Força Expedicionária Brasileira (FEB) durante a Segunda Guerra Mundial, diz: “A Igreja, a ser fiel à sua missão, não poderá aliar-se a organização ou movimentos políticos, ideológicos ou partidários, mesmo quando tais correntes desfraldem bandeiras e ostentem legendas que afinem com os ideais da Igreja e do Evangelho”. REILY, História Documental do Protestantismo no Brasil, p. 325. 121 CAMPOS, Leonildo Silveira. Protestantes na 1ª Fase do Regime Militar Brasileiro – Atos e Retórica da IPI (1964-1969). Estudos da Religião. São Bernardo do Campo: UMESP, ano XVI, no. 23, 2002, p. 85. Silveira Campos também fala de uma “resignação” das igrejas durante os anos de “chumbo” da ditadura militar – Ibid., 92.122

É o que afirma Antonio Gouvêa MENDONÇA.: “É uma religião que não predispõe para movimentos de rebeldia de massa”. Introdução do protestantismo no Brasil, p. 75.

54

Ao mesmo tempo, algumas denominações mantinham uma atividade política,

elegendo parlamentares, enquanto aos membros era vetada a politização.123 Naturalmente,

havia a movimentação dos descontentes dentro dessas igrejas, os quais não concordavam com

essa resignação e apatia diante de tal estado de coisas. Com a distensão política, os grupos

emergiram com maior força de manobra. Falar em democracia, abertura e mudanças não mais

se restringia à política; tornou-se parâmetro de questionamento dentro da igreja. A teologia da

libertação, divulgada fortemente na época, especialmente pela igreja católica,124 ilustra o

espaço aberto neste período para a difusão de novos movimentos, bem como a reação à

postura resignada da ala conservadora do catolicismo, diante dos problemas sociais. Dentro

do protestantismo não foi diferente. Eber Cocareli afirma:

A elaboração de reflexões cada vez menos sistemáticas e mais especulativas fez surgir no cenário teológico do nosso tempo as Teologias “do Processo”, da “Esperança”, da “Morte de Deus”, da “Libertação”, dentre outras. Por meio de um processo progressivo de fuga da teologia sistemática tradicional, essas teologias, com suas diversas ênfases, alcançaram autonomia em relação às diferentes confissões de fé cristãs, tornando-se, em maior ou menor grau – dependendo da cultura onde estão inseridas – objetos de opção pessoal.125

Com o fim de um período em que a liberdade foi cerceada, o questionamento também

atingiu a igreja e suas práticas, igreja esta vista como parte integrante de um momento de

silêncio (o período da ditadura) quanto à liberdade de opinar.

Foi justamente na década da distensão política (1975-1984) que surgiram os principais

movimentos e igrejas que vieram, com o tempo, a abraçar mais incisivamente o movimento

de Batalha Espiritual, dentre outros. Como foi demonstrado, a influência norte-americana é

marcante ao longo da história brasileira. O próprio golpe militar a experimentou. E esta

influência continuou gerando histórias como a de que os Estados Unidos, através da igreja

e da Central de Inteligência Americana (CIA), teria atuado no Brasil e em outros países

financiando igrejas, para que, através da influência da pregação do evangelho, a América

Latina se mantivesse próxima dos Estados Unidos, e não sucumbisse ao declarado anti-

americanismo da teologia da libertação, bem como às reações nos diversos setores da

123

Para uma leitura a respeito, ver FRESTON, Paul. Evangélicos na Política Brasileira – História Ambígua e Desafio Ético. Curitiba: Encontrão, 1994.124 A teologia da libertação gerou uma tensão entre católicos liberais e conservadores. Uma luta acirrada passou a ser travada, com exemplos clássicos, como a imposição do “silêncio” literário e verbal (pelo menos em público) ao frei Leonardo Boff e a divisão da arquidiocese de São Paulo, em função das posições do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arms, no final da década de 1980. 125

Em PIERATT, O Evangelho da Prosperidade, p. 7.

55

sociedade à influência norte-americana que se fez sentir desde a 2a. Guerra Mundial, tendo o

seu apogeu, especialmente em termos políticos, no golpe de 1964 e na proximidade com os

acontecimentos que se seguiram a ele.126

Uma outra razão para o período da ditadura ter sido propício para o surgimento de

novas denominações evangélicas foi a postura da igreja católica frente ao regime. Em seu

início, grande parte da hierarquia católica pendeu para o apoio ao levante, como a marcha por

Deus e pela família, ocorrida antes de 31 de março. Elio Gaspari afirma ainda:

D. João Resende Costa, arcebispo de Belo Horizonte, abençoara sob sigilo a rebelião do governador Magalhães Pinto. D. Jaime Câmara, cardeal do Rio de Janeiro, fora ao ar no dia 31 de março atribuindo à Virgem Maria, ao venerável Anchieta e aos “quarenta mártires do Brasil” a religiosidade e o patriotismo com que se organizava a Marcha da Vitória (...) o cardeal Jaime Câmara peregrinara ao Santuário de Aparecida, onde agradeceu à santa a salvação do país. D. Jaime foi um dos primeiros defensores do expurgo dos derrotados, No dia 3 de abril, antes mesmo da edição do Ato Institucional, ele dizia que, “sem a punição dos culpados, arriscamos perder a batalha final, que é a salvação da pátria”.127

Porém, ainda em 1964, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)

pronuncia-se sobre o regime militar através de um documento “indicativo de que não caberia

inteira, nem por muito tempo, na nova ordem”.128 Esta nova ordem revelava a igreja católica

não se adequou ao acerto pretendido pelo governo. Ela assume o papel de instituição que

poderia levantar a voz contra os desmandos do regime. Novamente Elio Gaspari diz que:

A ditadura assumira o controle das chaves dos cárceres e dos cofres, os partidos políticos estavam inertes, a atividade parlamentar resumira-se ao exercício de investigação dos limites do Congresso, e os empresários faziam seus negócios no varejo enquanto seus órgãos de classe banqueteavam o regime no atacado. Concluíra-se o processo de desmobilização da sociedade brasileira. De todas as instituições de âmbito nacional e tradição política, só uma não coubera inteira no acerto: A Igreja.129

126

O autor desta pesquisa teve a oportunidade de ouvir um relato dessa natureza da parte do reitor de um seminário evangélico em São Paulo. Ele afirmou que o governo americano, através da CIA, teria oferecido dinheiro para uma das maiores denominações evangélicas do Brasil, a fim de financiá-la em sua expansão. Os líderes dessa denominação recusaram a oferta, que foi feita a uma outra denominação que surgiu no final da década de 1970. Esta teria aceitado o dinheiro americano, e, a partir daí, teria crescido vertiginosamente, tornando-se hoje uma das igrejas neopentecostais mais representativas do Brasil, com presença em várias partes do mundo (essa conversa deu-se no ano de 1989). Esse episódio é mencionado para ter-se a idéia de como a tese da influência da CIA no meio evangélico era forte. Um livro que fala do assunto, considerado controvertido e fantástico é o de Délcio Monteiro de LIMA, Os Demônios descem do Norte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987. Ver também ESCOBAR e SALINAS, Pós-Modernidade: novos desafios à fé cristã, p.75-76.127

GASPARI, A ditadura escancarada, p. 238-239.128

Ibid., p. 239.129

Ibid., p. 236.

56

Ao assumir esse papel, a igreja católica entra num período de profunda preocupação

política, quando as missas, em muitas igrejas, não passavam de discursos ideológicos e

sociais. Ao erguer a bandeira dos direitos civis e políticos, o catolicismo franqueia passagem

para outras religiões, como o espiritismo e a igreja evangélica, que possuíam um discurso

mais voltado para as questões pessoais e espirituais da massa. Somente com a renovação

carismática, mais recentemente, o catolicismo volta a preocupar-se, de forma ampla, com as

mesmas questões. Porém, foi um período longo o suficiente para que a igreja evangélica

ocupasse um espaço que só faz crescer.

Nessa época as divisões começaram a surgir na igreja. Surgiram igrejas como a do

“Tio Cássio” (pastor Cássio Colombo), que, depois de alguns anos, aderiu à visão do pastor

Jorge Tadeu, da Igreja Maná, de Portugal. No começo da década de 1990, a Comunidade

Evangélica de Goiânia, liderada pelos pastores Robson Rodovalho e César Augusto, sofreu

uma divisão, surgindo, com a saída de Robson Rodovalho, a Comunidade Sara Nossa Terra,

que tem propalado ser “uma igreja especialista em quebra de maldições”. Já a Comunidade de

Goiânia tornou-se o Ministério Comunidade Cristã, que também continua atuando na área de

guerra espiritual. Também surgiram a Igreja Universal do Reino de Deus, que saiu da Igreja

de Nova Vida, fundada na década de 60 pelo missionário canadense Robert Maclister; a Igreja

Internacional da Graça de Deus, cujo fundador, R.R. Soares é oriundo da Igreja de Nova Vida

e da Universal, e a Comunidade da Graça (oriunda da Igreja do Evangelho Quadrangular),

entre outras. E essas igrejas já têm experimentado suas próprias cisões.

O que se pôde ver neste capítulo é como o ambiente cultural tem legitimado

comportamentos. Já foi visto que a cultura impõe valores que delineiam o pensamento e o

comportamento das pessoas. A Igreja, sendo parte deste contexto, também é influenciada.

Responder à exigência de falar às pessoas neste cenário, de comunicar uma mensagem

evangélica e legítima, torna-se um grande desafio. Uma resposta seria a igreja ter maior

mobilidade nas formas de comunicar o evangelho, sem comprometer seus conteúdos.

Contudo, algumas igrejas chegaram neste ponto da história fundamentadas em estruturas

litúrgicas e eclesiológicas que, por si só, podem constituir-se em empecilhos a uma maior

mobilidade quanto à propagação da mensagem cristã.

Algumas igrejas em grandes cidades como São Paulo, por exemplo, estão revendo

estruturas consagradas, como a de todas as atividades serem centradas no prédio da igreja.

Em função da falta de tempo e dos muitos compromissos das pessoas, estas igrejas

estão formando pequenos grupos nas casas, para supri-las com estudo bíblico, apoio e

comunhão. Na era da velocidade, onde as pessoas têm que fazer cada vez mais em menos

57

tempo, muita coisa tende a ficar superficial. A tendência, para alguns, é que a igreja vá até

onde as pessoas estão. É um exemplo de adaptação que alguns adotaram.130

Ser grande pode significar ser lento; uma igreja, ao procurar ser um bastião de defesa

da sã doutrina, pode torna-se na verdade um alvo fácil, e não uma fortaleza, entendendo estar

preservando algo. Se a mensagem do evangelho é intocável quanto à sua essência, ela não o é

no que se refere ao modo de transmiti-la. É desse modo que muitas igrejas têm se tornado

vulneráveis, pela lentidão em perceber a diferença entre uma coisa e outra. A liturgia, por

exemplo, pode aceitar novos ritmos musicais? Ou uma mudança “descaracterizaria” uma

igreja? Um novo formato eclesiológico, como os pequenos grupos, ou o uso da tecnologia (a

Internet), tornam-se uma ameaça de dispersão do rebanho ou pode ser uma grande estratégia

de pastoreio? Parece a esta pesquisa que a última afirmação é a mais coerente, em função do

meio em que estamos.

É visível como a pós-modernidade afetou a igreja evangélica por meio de seus

conceitos de liberdade de opinião, individualismo, utilitarismo e experimentação, num

período que coincidia com a distensão do regime militar no Brasil, no qual, então, a liberdade

de discordar e formar o seu próprio conjunto de crenças possibilitou que muitos pudessem

questionar as instituições, entre elas a igreja.

Uma destas mudanças que podem ser detectadas é a de que as igrejas, por parte

principalmente de suas lideranças, deverão obter menos submissão e mais cooperação. A

comunicação, como meio de obter apoio e compreensão, deverá ser, em muito, desenvolvida

pela igreja como o meio mais importante de mobilização de seus rebanhos. A imposição e o

autoritarismo definitivamente foram expurgados; a articulação será uma ferramenta-mestra

nesta nova igreja e sociedade que surgem. Curiosamente, Peter Wagner, o líder do movimento

de crescimento de igreja, tem uma visão diferente para este ponto. Ele diz que “o líder

patriarcal, autoritário, é o modelo mais bíblico e apropriado que vê nas igrejas da América

Latina. O povo reconhece que o seu pastor tem um chamado divino. E aceitam isso”.131

Certamente isso é um anacronismo de Wagner, pois a guerra espiritual, apesar de postular a

130 Segundo a Associação Internacional de Administração do Stress (ISMA-Brasil), nos anos de 1980 o brasileiro trabalhava, em média, de 40 a 44 horas semanais; nos anos de 1990, de 44 a 48 horas semanais; no final da década de 1990, de 48 a 52 horas semanais, e até o fim de 2010, o brasileiro estará trabalhando, em média, 54 horas por semana. Na mesma pesquisa, tendo como fonte a Organização Internacional do Trabalho (OIT-2002), o Brasil aparece em 6º lugar em horas trabalhadas anualmente, com 1698 horas. Até onde você agüenta? Artigo. Você S/A, edição 70, 2004, p. 21-22.131

WAGNER, Por que crescem os Pentecostais?, p. 83-84.

58

submissão à liderança em cada igreja, na prática trabalha sobre fundamentos claros de

individualidade.

É possível, porém, que algumas denominações, justamente pelo momento em que

vivem, optem por radicalizar ainda mais as suas práticas, do ponto de vista da pós-

modernidade, como exacerbar o conceito de que as pessoas que participam ou têm ligações

com suas igrejas sejam encaradas estritamente como platéia e não rebanho; seriam “clientes”

ou “associados” que, se quiserem aceitar o “produto” que é oferecido (a bênção, a

ministração), têm esta liberdade; não, porém, a liberdade de opinar ou contestar a respeito

dele. Seria o self-service espiritual, bem característico do homem pós-moderno, que forma o

seu próprio sistema de crenças.

Goste a igreja ou não, o individualismo, a valorização da opinião pessoal e do bem

individual em detrimento do bem coletivo são uma realidade onde a igreja, com seus valores

coletivos, teocêntricos e éticos, não é realmente uma unanimidade. A cultura moderna, que

através da mídia dissemina seus valores, impõe aos estudiosos e teólogos uma profunda

reflexão da praxis que tem sido adotada no relacionamento com essa cultura e as pessoas que

tem nela o seu ambiente. A isso se acrescente o momento histórico quando surge a Batalha

Espiritual. Foi um momento em que instituições gigantescas, autoritárias, como o comunismo

e o intervencionismo americano passaram a ser contestadas mundialmente, e os fatos locais

brasileiros, como a distensão política de Ernesto Geisel na metade da década de 1970 e a

posterior anistia “ampla, total e irrestrita” (1979) do último presidente do regime militar, o

General João Batista de Oliveira Figueiredo, vieram fomentar mais ainda um ambiente de

liberdade, de contestação, de divergências de opinião, de cujas conseqüências a igreja

evangélica não escaparia. Quais as alternativas a este estado de coisas? Algumas afirmações

podem ser feitas:

1. A pós-modernidade, ao destronar a razão e suas pretensões exclusivistas

(característica da modernidade) retira a camisa de força que ela impunha à revelação bíblica.

“Em lugar de forçar a Escritura entre o molde ditado pelos interesses do Iluminismo, o

movimento evangélico pode-se dedicar a permitir à Escritura ser a Escritura”.132

Curiosamente, este momento é de oportunidade, em que a igreja não precisa se ver valendo de

argumentos racionais para ter a sua mensagem aceita. Isto não significa que o evangelho abre

mão da reflexão e da razão como coisas importantes na vida do cristão e a respeito de sua fé

(Rm 12.1-2). Contudo, a razão e o cientificismo decepcionaram o homem, e deixam de ser os

132 SALINAS e ESCOBAR, Pós-Modernidade: novos desafios à fé cristã, p. 40.

59

únicos parâmetros para analisar se algo é verdadeiro ou não. Samuel Rutherford, citado por

John H. Gerstner, afirma em um tratado contra os católicos romanos:

Como sabemos que a Escritura é a Palavra de Deus? Esse é o tipo de pergunta que, mais do que qualquer outra, impeliria o teólogo protestante de fins do período escolástico a recorrer ao estilo racional de argumentação dos católicos romanos. Rutherford, porém, apela ao Espírito de Cristo citando as Escrituras. “Ovelhas são criaturas dóceis, Jo 10.27. Minhas ovelhas ouvem a minha voz, eu as conheço e elas me seguem [...]. Portanto, o instinto da graça conhece a voz do Amado entre muitas outras vozes, Cantares 2.8, e esse poder de discernimento reside no sujeito”.133

A igreja deve acreditar na palavra “viva e eficaz” (Hb 4.12) que lhe foi confiada, e

proclamá-la, crendo que a sua mensagem será poderosa para atingir as pessoas.

2. Esta mensagem precisa ser avalizada por uma vida onde o discurso seja totalmente

confirmado pela conduta do cristão. Esse momento cultural é de desconfiança em relação a

tudo. Uma postura cristã autêntica será a melhor apologia do evangelho que se poderá

oferecer. Kevin Graham Ford propõe “quatro pedras fundamentais da evangelização para esta

geração: a autenticidade, o cuidado mútuo, a confiança e a transparência”.134 Naturalmente,

isso não é novidade. Porém, este é um tempo de crise comportamental por parte dos cristãos.

Cada vez mais escândalos e maus-testemunhos vêem à tona, pela exposição à mídia e pelo

próprio crescimento da igreja que, ocupando um espaço cada vez maior, é convidada a dizer a

que veio. A responsabilidade aumenta, sendo, portanto, de grande importância um amor

autêntico pelas pessoas, um compromisso com a verdade do evangelho autenticado pela

maneira de viver. Nesse aspecto. Jesus é o nosso supremo exemplo, ao manifestar-se em

carne, a “verdade encarnada”. Se Jesus foi a verdade encarnada, as Escrituras nos desafiam a

imitá-lo (1 Co 11.1). Ao tornarem-se “verdades encarnadas”, cada cristão, num mundo onde

normalmente o discurso não é acompanhado da prática, irá certamente impactar o meio em

que Deus o colocou.

3. A fé cristã sempre caracterizou-se por estar constantemente em contato ou até

mesmo em conflito com as culturas. Assim foi que uma igreja de origem judaica, falando em

grego a um mundo romano, espalhou a sua mensagem e seu modo de vida por toda a parte. A

tensão sempre existiu. A igreja judaica queria que a mensagem do evangelho fosse

acompanhada dos costumes e ritos judaicos. O problema foi resolvido (Atos 15) não sem

muito labor no sentido de desvincular uma coisa da outra. Como isso foi possível? Uma das

133 GERSTNER, John H, A atitude da igreja perante a Bíblia: Calvino e os teólogos de Westminster. Em A Inerrância da Bíblia. GEISLER, Norman L. (org.). São Paulo: Vida, 2003, p.484.

134 SALINAS e ESCOBAR, Pós-Modernidade: novos desafios à fé cristã, p. 46.

60

razões é que há valores intrínsecos a qualquer cultura, e que o evangelho responde a eles de

uma forma magistral. O amor, o altruísmo e a paixão não morreram com a pós-modernidade.

Daniel Salinas registra que:

Estamos buscando uma comunidade, e, como todo o mundo antes de nós, queremos fazer parte de algo maior do que nós mesmos. Queremos que haja linhas traçadas para uma direção moral. Queremos exemplos vivos de pureza, de honestidade e de amor. Queremos uma família que nos ame incondicionalmente, e queremos crer em alguma coisa. Os cristãos podem dar esperança, oferecendo uma comunidade baseada no amor de Deus por seu povo e no amor de uns para com os outros.135

O amor e o altruísmo foram identificados como marcas inquestionáveis de um

discípulo de Jesus (Jo 13.35), e se há alguém que possui esses predicados é a igreja e a sua

mensagem do evangelho. Mais do que vantagens materiais e sucesso, que permeiam muitas

pregações modernas, como é o caso de muitos setores do movimento de Batalha Espiritual, a

igreja pode investir nos valores do evangelho de Cristo, e certamente eles encontrarão eco

nesta sociedade confusa e atormentada.

4. A igreja não deve temer revisar sua eclesiologia, por exemplo, ao verificar a

dificuldade de muitos cristãos, principalmente nas grandes cidades, de poderem participar

ativamente dos programas de suas igrejas, serem alimentados pelas Escrituras e terem a

chance de exercerem suas vocações ministeriais. Revisar não significa rechaçar ou mudar

profundamente o que já existe. Muitas vezes uma pequena mudança na forma da igreja

“funcionar” pode significar um grande retorno em termos de resultados na vida dos membros.

A palavra de Deus fala muitas vezes sobre os cristãos edificarem uns aos outros, de várias

formas, como perseverar juntos na comunhão, nas orações e a respeito das necessidades dos

irmãos (At 2.42; Rm 12.10-15; 15.7), na edificação do corpo de Cristo, a igreja (Ef

4.11,12,15,16,25, 32. 6.19; Fp 2.1-5; Cl 3.12-17). Contudo, muitas vezes nas programações

das igrejas evangélicas o que ocorre é que “um edifica aos outros” e não “uns edificam aos

outros”. Involuntariamente incentiva-se uma individualidade nociva à vida cristã, por não se

ter algumas alternativas para o contexto atual. Portanto, além do exercício corporativo (no

templo), a igreja pode, por exemplo, dinamizar o exercício do comunitário (nas casas ou em

grupos menores), buscando a prática do apoio, comunhão e ensino não só proporcionados

institucionalmente através de um “staff” que se desdobra para cuidar de todos, mas dando

oportunidade para que uns edifiquem aos outros. É o paradoxo que a igreja deve perseguir

nestes dias de despersonalização e isolamento.

135 SALINAS e ESCOBAR, Pós-Modernidade: Novos desafios á fé cristã, p. 45.

61

No próximo capítulo se verá como as igrejas do movimento neopentencostal, que é

também resultado da efervescência mundial nos últimos 40 anos do século XX, têm atingido

as massas com a “linguagem” da guerra espiritual.

CAPÍTULO 5

O “NOVO PENTECOSTALISMO” – MOVIMENTOS DE RENOVAÇÃO QUE

AMBIENTAM A BATALHA ESPIRITUAL

Novo pentecostalismo ou neopentecostalismo136 é a evolução das práticas doutrinárias

e litúrgicas das igrejas pentecostais e a renovação carismática surgida dentro das

denominações históricas a partir do final do século XX. José Rubens Jardilino diz:

O “Novo Pentecostalismo”, na essência, continua o mesmo (com sua ênfase no Espírito Santo, sessões de cura divina, manifestações glossolálicas, etc.). A possível mudança que apontamos encontra-se na forma metodológica de se apresentar à sociedade. Pela própria dinâmica social, até mesmo o pentecostalismo tradicional não se mostra tão rígido (a proibição aos estudos seculares, o problema dos usos e costumes foram amenizados) (...) As relações Igreja-fiel são de prestação de serviço... o que lhe confere uma característica de “Pronto-Socorro espiritual”.137

Paul Freston chama esse período de a “terceira onda” do pentecostalismo brasileiro.138

A primeira é o surgimento do pentecostalismo no Brasil, no começo do século XX. A segunda

onda se dá por volta de 1950, com a introdução da Igreja do Evangelho Quadrangular no

Brasil e o surgimento de igrejas como O Brasil para Cristo (do missionário Manoel de Mello),

entre outras, período também chamado de Pentecostalismo de Cura Divina.139 Alderi Matos

observa:

136 Ver, p.e., o uso desse termo em Antonio Gouvêa de MENDONÇA, que também o denomina de “Pentecostalismo Autônomo”. Protestantes, Pentecostais e Ecumênicos - O Campo Religioso e seus Personagens. São Bernardo do Campo: UMESP, 1997, 149 e ss.137

JARDILINO, Sindicato dos Mágicos, p. 17.

138 FRESTON, Paul. Nem anjos nem demônios. São Paulo: Loyola, 1994.139

SAYÃO, Luis Alberto. Uma Avaliação Sociológica do Pentecostalismo e do Neopentecostalismo Contemporâneo. Vox Scripturae – Revista Teológica Latino-Americana. São Paulo: VS/AETAL, 1999, p. 88.

62

A Terceira Onda histórica do pentecostalismo brasileiro começou no final dos anos 70 e ganhou força na década de 80. Sua representante máxima é a Igreja Universal do Reino de Deus (1977), mas existem outros grupos expressivos como a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980), as Comunidades Evangélicas, Igreja Renascer em Cristo e Comunidade Sara Nossa Terra. A Terceira Onda começou após a modernização do país, principalmente na área das comunicações, quando a urbanização já atingia 2/3 da população e o milagre econômico dos anos 70 estava esgotado. O novo pentecostalismo, também chamado de “pentecostalismo autônomo” por alguns estudiosos, adaptou-se facilmente à cultura urbana

influenciada pela televisão e pela ética de prosperidade e do sucesso”. 140

Ricardo Mariano reproduz definições de neopentecostalismo de vários autores. A

dificuldade para identificar o universo neopentencostal começa pela nomenclatura. Ari Pedro

Oro, antropólogo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, acompanha a maioria

(Gouvêa Mendonça, Tácito da Gama L. Filho, José R. L. Jardilino, Azevedo Júnior, Pierucci

& Prandi, entre outros), ao usar o termo “neopentecostalismo”; Paulo Siepierski, recém-

doutorado em antropologia pela Universidade de São Paulo, usa o termo “pós-

pentecostalismo”; Antonio Bittencourt, pastor da Igreja Presbiteriana Unida, formulador de

uma pesquisa realizada pelo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), em

1991, chama-o de “pentecostalismo autônomo”.141

5.1 A MUDANÇA DE PARADIGMAS DENTRO DO PENTECOSTALISMO

As igrejas, principalmente as pentecostais, tinham um discurso resignatório quanto à

vida neste mundo presente. A pregação e a hinologia orientavam o fiel a não esperar nada

deste mundo. Este “mundo”, esta sociedade, são malignos; não são lugares para lazer,

distração, usufruto. Este mundo é um campo de batalha, perigoso, que traga as pessoas.

Esperava-se “passar” por este mundo sem contaminar-se com ele. O que o crente deveria

aguardar era o céu. A etiqueta deveria ser modesta. A vaidade e o usufruto material eram

condenados. Enquanto aguardavam o céu, as igrejas, normalmente as pentecostais, cuidavam

de criar um mundo à parte para os seus membros. Havia programação para tudo, todo o

tempo. Não se podia deixar os membros, principalmente os jovens, sem atividades. Tudo

concorria para um afastamento do mundo e do que ele oferecia. A igreja cuidava do espiritual,

do social e do entretenimento do cristão.142 Mariano afirma:140 Em NOLL, Mark A. Momentos decisivos da história do Cristianismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2000, p. 352.141

MARIANO, Neopentecostais, p.33-36.142

63

O “novo nascimento”, tal como no puritanismo, exigia que o fiel se comportasse como um monge. Só que muito mais virtuoso, já que o mundo, com todas as suas tentações, e não o mosteiro, seria seu habitat (Weber, 1983: 109). Contudo, diante da dificuldade de se conduzir na sociedade em conformidade com os novos valores, deveres e disposições acentuadamente contraculturais, peculiares e sectários, o crente, num primeiro momento, acabou criando para si verdadeiros mosteiros e neles se fechando: a igreja e a casa (Brandão, 1980: 142, 143). As exceções ficaram por conta do trabalho (para ganhar o pão com o suor do rosto) e da obra de evangelização (para apressar o retorno de Cristo). Durante várias décadas, tais prescrições legalistas resultaram na fuga ascética do mundo.143

A partir do momento em que as condições sociais melhoraram, como o acesso à

educação, à saúde, à urbanização e ao progresso industrial, que criaram maiores e melhores

condições de emprego, alguns dos paradigmas citados começaram a mudar. A música não

mais era um meio de louvor e comunhão com Deus. Passou a ser objeto de consumo, para que

o cristão tivesse uma opção em relação àquilo que o mundo lhe oferecia. Filmes,

revistas, parques e outros entretenimentos surgem também como uma opção “cristã” aos

apelos atrativos e diversões mundanas. E, para tudo isso, é necessário um arcabouço teológico

que legitime as práticas assumidas. Barbosa de Souza diz que “a prédica pentecostal

primeiramente estava direcionada ao Reino dos Céus, às moradas celestiais, ao iminente

retorno de Jesus Cristo; hoje está mais voltada para a vida na terra, à prosperidade e felicidade

enquanto aqui neste mundo.”144 César Moraes Barreto, pastor da Igreja Bíblica da Paz, diz em

um sermão:

Somos filhos de Deus e fomos criados para o êxito e para a vitória (...) Temos que tomar a firme decisão de viver cada dia em vitória, não permitindo que circunstâncias, problemas e demônios controlem nosso destino (...) Porque estamos em Cristo Jesus, fomos destinados para a vitória aqui nesta vida, não nos céus, ou no milênio ou no arrebatamento. Muitos estão pedindo o arrebatamento não porque amam a Jesus, mas porque vivem em derrotas, decepcionados, por isso desejam ir para o céu (...) Por que muitos cristãos não vivem em vitória? Porque desconhecem aquilo que nos pertence em Jesus Cristo (...) Deus te vê próspero, com saúde, vitorioso. Essa é a imagem que Deus quer que você tenha.” 145

As primeiras gerações de pentecostais eram, predominantemente, de pobres. O discurso de separação do mundo era contextualizado não só por causa da teologia pentecostal de santidade e separação, mas por não haver, para a maioria deles, o acesso a recursos para desfrutar de uma vida social mais elevada, como ir ao cinema, teatro, etc. A Igreja era, para muitos, a única opção de “entretenimento”. No que se refere às igrejas históricas, é fato que elas sempre estiveram mais envolvidas na vida cultural do país. Por exemplo: Eduardo Carlos Pereira (um dos fundadores da IPI) era educador de renome; Lívio Teixeira, pastor presbiteriano (Igreja Presbiteriana Independente - IPI), foi professor da USP e considerado um dos maiores especialistas na filosofia cartesiana; o cineasta Glauber Rocha era presbiteriano; o pastor Rubens Lopes e o radialista Gióia Jr., ambos batistas, foram escritores conhecidos como cronista e poeta, respectivamente. 143 MARIANO, Neopentecostais, p. 226.144

SOUZA, Ricardo Barbosa de. O Caminho do Coração. Curitiba: Encontro, 1999, p. 17.

145 Apud, MARIANO, Neopentecostais, p. 147.

64

E aqui o neopentecostalismo é criticado por substituir o “livre exame” da Reforma

pela “livre interpretação”. Gouvêa Mendonça afirma:

Qualquer observador atento e conhecedor do protestantismo sabe que nesses movimentos (neopentecostais) a Bíblia foi relegada a um espaço secundário; o “livre exame” cedeu lugar ao uso mágico da mesma...surgem práticas mágicas, objetos com poderes especializados, correntes espirituais...146

John MacArthur tem uma posição semelhante, perguntando, então: “A Bíblia ainda

está sendo escrita? A questão da revelação, então, é essa: a Bíblia não é a fonte final da

revelação de Deus”.147

É preciso concordar com Gouvêa Mendonça e John MacArthur quanto à observação

do fenômeno, não quanto à sua extensão. É conhecido o fato de que há diversas igrejas

identificadas como neopentecostais que não dispensam o livre exame das Escrituras

acompanhado de uma busca da correta interpretação. Porém, para o alvos deste trabalho,

prevalece a definição de Mendonça. É digno de nota a notória dificuldade em traçar o perfil

do novo pentecostalismo, em suas práticas e, principalmente, em suas motivações. John

MacArthur Jr., por exemplo afirma que “o que torna o movimento carismático especialmente

digno de preocupação é que os carismáticos realmente amam a Jesus e as Escrituras”.148 Se a

tradução do inglês está correta, amar a Jesus e as Escrituras é algo desejável, não preocupante.

Porém, a palavra inglesa concern, que está no original, pode também ser traduzida como

“interesse”, o que eliminaria o aspecto negativo que a frase em português demonstra. E, ainda

mais, estas controvérsias não deixam de revelar que os neopentecostais devem ser alvo de

maiores estudos e pesquisas para que se possa melhor conhecê-los.

5.2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO NEOPENTECOSTALISMO

O Neopentecostalismo tem algumas características básicas, segundo Luiz Sayão: (1) A

teologia da prosperidade (saúde, bens, etc.); (2) A simplificação teológica: todos os males têm 146 MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O Protestantismo Latino-Americano entre a racionalidade e o misticismo. Estudos da Religião. São Bernardo do Campo: UMESP, ano XIV, no. 18, 2000, p. 53.147

MACARTHUR JR, John F. Os Carismáticos. São José dos Campos: Fiel, 1995, p. 8.148

Ibid., p. 7. (Minha ênfase). MacArthur ainda afirma: “O movimento carismático tem causado um impacto sem paralelo na história da Igreja (...) Há uma distinção entre carismáticos e pentecostais: 1900-1960 – período do pentecostalismo denominacional; 1960 – O pentecostalismo atravessou as linhas denominacionais quando Dennis Bennet, reitor da Universidade Episcopal de São Marcos, em Van Nuys, Califórnia, experimentou o que ele crê ser o batismo do Espírito Santo e o dom de línguas (...) John Sherril declarou: “as muralhas tombaram. O movimento Carismático entrou nas principais denominações”. Ibid., p. 7.

65

origem nos demônios; (3) O enfraquecimento do valor das línguas e a busca de experiências

extraordinárias; (4) As pregações quase sempre vétero-testamentárias são lidas por uma

hermenêutica pragmática; (5) A confissão positiva e os elementos mágicos; (6) A visão

triunfalista: a obsessão pela “vitória”. (7) O clientelismo marcante na relação igreja-fiel; (8) A

relação de rejeição/apropriação com o catolicismo e a umbanda; (9) A televisão como canal

de expansão.149

Analisando as características citadas por Sayão, tem-se as seguintes conclusões:

1) A teologia da prosperidade e a confissão positiva realmente têm ligação com as

igrejas neopentecostais, principalmente através do movimento de guerra espiritual. A idéia de

prosperidade ligada à libertação gerada é intrínseca. No enfrentamento com as trevas, o

resultado, ao vencê-lo, é ver, segundo o movimento, os bens restituídos, “sendo devolvido

em

dobro o que o diabo levou”, numa alusão à experiência de Jó, como também se intitula o

livro de Cindy Jacobs, “possuindo as portas do inimigo”. Em alguns lugares, prega-se que,

além de possuir “as portas do inimigo”, deve-se possuir também as riquezas do “ímpio”. Esse

pensamento tem gerado conseqüências tragicômicas, como o fato que foi relatado ao autor

desta pesquisa, de que, em certa igreja, o pastor estava pregando e o pastor auxiliar estava

sentado na plataforma. Em certo momento do culto, o pastor disse ao seu rebanho: “Vocês

querem prosperar? Vocês precisam querer muito isso! Por exemplo, vocês precisam querer o

lugar do seu chefe! Levante a mão quem crê que Deus vai lhe dar o lugar do seu chefe!” Neste

momento, muitos dentre o povo levantaram a mão, inclusive o pastor auxiliar que estava na

plataforma. Ao perceber isso, o pastor titular virou-se e disse a ele: “Você não. Abaixe a

mão!”. Um pastor batista, crítico desse pensamento, relata:

Há poucos meses, ocorreu em Brasília um congresso que mostrava os princípios para enriquecer. Um dos temas foi “Como se apossar das riquezas dos incrédulos” (...) A teologia da prosperidade quer tirar a cruz do crente (...) Não se trata de masoquismo espiritual. Isto é uma lei da vida. No mundo há sofrimentos (...) A teologia da prosperidade é alienante, parcial, injusta, setorial e elitista. A idéia de que riquezas pessoais são resultado de nossa espiritualidade agrada muito a quem tem bens.150

Esse tipo de pensamento, o de “possuir a riqueza do ímpio”, procura ser legitimado

pelos seus defensores através de passagens como Êxodo 12.36, que relata a saída dos hebreus

do Egito, quando os egípcios, aterrorizados pelas pragas que os acometeram, ofereceram

149 SAYÃO, Uma Avaliação sociológica, p. 90.150

MARIANO, Neopentecostais, p. 158.

66

bens aos judeus, na expectativa de que estes saíssem logo de suas terras. O Êxodo sempre foi

interpretado como um tipo da igreja e do mundo. O Egito é o mundo que escraviza as pessoas.

Faraó é o diabo. Israel é a Igreja. Moisés é Jesus, o libertador, e assim por diante. Portanto, o

fato de um judeu despojar um egípcio autoriza um crente a despojar um incrédulo. Porém, não

fazendo juz à conhecida preocupação dos pentecostais e dos proponentes da Batalha

Espiritual em evangelizar as pessoas e levá-las a Cristo, esse tipo de doutrina demonstra uma

imagem totalmente antipática, egoísta, arrogante e sem misericórdia do evangelho para os

incrédulos. Infelizmente, esse tipo de “exegese” está a serviço de pessoas gananciosas e

inescrupulosas, que fazem do evangelho “meio de lucro”, “cuja mente é pervertida e privados

da verdade”, como afirma o apóstolo Paulo (1 Tm 6.5). Cabe às igrejas evangélicas rejeitar

firmemente este tipo de ensino, denunciando-o.

Além da proximidade dessas correntes doutrinárias, há o livre trânsito dos proponentes

destas teologias entre si, bem como a sua literatura. Benny Hinn, por exemplo, circula com

desenvoltura pela confissão positiva, teologia da prosperidade e guerra espiritual. No Brasil,

Valnice Milhomens, defensora das idéias de confissão positiva, transita e é referência na área

de Batalha Espiritual.151 Em comum a tudo isso há o fato de que o ambiente mais acolhedor

para essa “miscigenação” é o público neopentecostal e carismático. O que se percebe nele é a

aceitação de qualquer literatura ou mensagem que pareça “ousada”, “cheia de fé”, sem

discernir a serviço de quem ou de que essa “ousadia” está sendo utilizada. Novamente se

percebe a tendência neopentecostal de minimizar a freqüente agressão à soberana vontade de

Deus nos aspectos da vida e a uma visão mais equilibrada, que aceita a “dor” como parte

legítima da caminhada cristã por uma vida devocional de busca de Deus e pietista, o que

confunde o senso crítico de muitos.

2) Ainda que alguns setores do neopentecostalismo não admitam isso,152 a linguagem

usada, em muitos lugares, é de enfrentamento contra o adversário. Para todos os males são

atribuídos demônios que estão por trás de suas causas. Os questionários de libertação, como

os do ministério Ágape-Reconciliação, de Neuza Itioka, e os do ministério Shekiná, do

“apóstolo” Jehser Cardoso, demonstram que, na visão do movimento, quando os demônios

não são causadores dos males, eles tiram proveito daquilo que não causaram. Os termos

151 ROMEIRO, Super Crentes, p. 21-22.152

Especialmente aqueles não-alinhados com a IURD (Igreja Universal do Reino de Deus). A Igreja Universal tem um entendimento todo particular de Batalha Espiritual, sincrético ao extremo e pragmático, voltado totalmente para o enfrentamento do diabo e seus demônios. Declaradamente, a IURD considera que todos os males provêm do diabo.

67

usados para descrever este fenômeno são “dar legalidade”, “dar brecha” ao inimigo. Assim,

em qualquer situação os demônios estão presentes.153 Cecília Loreto Mariz afirma:

O crescimento das igrejas pentecostais e neopentecostais, com sua proposta de “guerra espiritual e “libertação dos demônios”, tem despertado muito a atenção, não apenas dos cientistas sociais, mas também da mídia e da população em geral. Na última década, os grupos evangélicos no Brasil inspiraram grande quantidade de artigos, livros, pesquisas, além de muitas dissertações e teses de pós-graduação em nosso país e no exterior. A maior parte desses trabalhos chama a atenção para a importância do demônio no discurso desses grupos religiosos.154

O risco de neurotizar-se as pessoas com um discurso no qual o Diabo parece estar em

pé de igualdade com Deus não é de se desprezar. Tem-se aqui uma bela “chance” de tornar

um crente paranóico ao dizer-lhe que os demônios estão sempre prontos a invadir a sua vida,

chegando ao ponto de algumas pessoas, ao serem abençoadas por Deus, se perguntarem se

aquela bênção não é, na verdade, uma ação maligna “enrustida”. Naturalmente, há uma guerra

espiritual. Como diz o apóstolo Pedro, “o Diabo, vosso adversário, anda em vosso derredor,

bramando como um leão, buscando a quem possa tragar” (1 Pe 5.8). É verdade também que o

pecado dá margem para o adversário agir. Contudo, há um evidente exagero nos ensinos de

algumas igrejas neopentecostais a respeito das atividades demoníacas, que beiram a uma

“fascinação” pelo lado das trevas. Ao se falar mais das trevas, e se falar menos do pastoreio

de Cristo na vida do fiel, de seu cuidado como “refúgio e fortaleza, socorro bem presente na

tribulação” (Sl 46.1), flerta-se com a paranóia.

3) O falar em línguas estranhas como prova do Batismo no Espírito Santo é o cerne do

movimento pentecostal, mas não do neopentecostalismo. O pentecostalismo, como é

conhecido hoje, teve sua origem reconhecida quando Agnes Ozman, aluna do Instituto

Bíblico cujo diretor era Charles Fox Parham, em Topeka, Estado do Kansas (Estados Unidos),

falou em línguas estranhas em um culto de vigília no dia 31 de dezembro de 1900. O próprio

Parham comentou o fato:

Impus minhas mãos sobre ela e orei. Mal tinha pronunciado três dúzias de frases quando uma glória desceu sobre ela, uma auréola parecia envolver sua cabeça e rosto, e ela começou a falar em língua chinesa e ficou impossibilitada de falar em inglês por três dias (...) as aulas foram suspensas e toda a escola esperou diante de Deus. Durante a segunda noite, Ozman recebeu a língua boêmia confirmada por um tcheco que estava presente...155

153 GALVÃO, Nelson Leite. O Movimento de Batalha Espiritual - uma análise à luz das Escrituras. Centro Apologético Cristão de Pesquisas – CACP, 2003. Em disquete.154 MARIZ, A Teologia da Batalha Espiritual: Uma Revisão da Bibliografia, p. 34.155

WALKER, John. A História que não foi contada – A igreja do século XX. Americana: Worship Produções, 1997, p. 17

68

Em 1905 Parham mudou seu instituto Betel para Houston, Texas. Lá recebe como

aluno William J. Seymour, negro, cego de um olho e muito pobre. A segregação racial, por

incrível que pareça, era adotada na escola (o Texas é um estado sulista, onde o preconceito

racial nos Estados Unidos predominava). Seymour assistia às aulas separado dos alunos

brancos. Ali aprendeu sobre a “evidência inicial” do Batismo no Espírito, o falar em línguas

estranhas.

Ao ser convidado por uma senhora que o ouvira pregar no Texas para pregar em Los

Angeles, Califórnia, em uma igreja holiness de negros, Seymour começaria a ser o

protagonista de um dos mais importantes fatos da história recente da igreja. Porém nem tudo

foi fácil. Ao pregar sobre o falar em línguas como evidência da plenitude do Espírito Santo,

Seymour deixou a pastora furiosa, pois ela não teria essa plenitude, porque não falava em

outras línguas. Na segunda noite ele encontrou a porta da igreja fechada, por ordem da

pastora. Porém, com mais sete pessoas que se interessaram por sua mensagem, Seymour

reuniu-se em uma casa (até hoje preservada em Los Angeles, com toda a mobília intacta) e, na

noite de 9 de abril de 1906 todos foram batizados no Espírito e falaram em línguas –

curiosamente, menos Seymour. Porém, no dia 12 de abril ele viria a ter sua experiência

pentecostal.

O lugar ficou pequeno, e então tomaram a decisão de alugar um barracão que outrora

havia sido um templo metodista, havia ficado vazio e tornara-se um depósito de madeira velha

e cimento. Era a rua Azusa, 312. Este lugar primeiramente ficou conhecido como Missão

Azusa e depois Missão da Fé Apostólica. Frank Bartleman, um evangelista holiness que havia

sido tocado pelas notícias de avivamento que vinham do País de Gales em 1904 e decidira

divulgar através da literatura este novo mover de Deus, relata sobre os acontecimentos

daqueles dias:

Nos primeiros dias da Missão Azusa, tanto o céu como o inferno pareciam ter chegado à cidade. Os homens estavam a ponto de estourar e havia uma poderosa convicção sobre o povo em geral. As pessoas pareciam cair aos pedaços até na rua, sem nenhuma provocação. Havia como que uma cerca em volta da Missão Azusa feita pelo Espírito. Quando o povo a atravessava, a dois ou três quarteirões de distância, era tomado pela convicção dos seus pecados (...) Houve muita perseguição, principalmente por parte da imprensa. Escreviam coisas incríveis, mas isso só fazia com que mais gente viesse (...) Todas as noites a casa estava lotada...156

A partir daí pregadores e pessoas que tiveram contato com Parham e Seymour levaram

a experiência para o mundo. A rua Azusa passaria a ser conhecida como a difusora da

156 Ibid., p.17, 20, 21.

69

mensagem pentecostal. O batismo com o Espírito Santo passou a ser a confirmação, para os

pentecostais, de uma vida mais santa, de plenitude e poder, e, depois de ter sido chamado a

“terceira benção”, após a conversão e a santificação, passou a ser visto como o legitimador da

santificação. Essa busca de poder também visava uma vida separada e de serviço, conforme se

entendia a promessa de receber poder para “serem testemunhas, tanto em Jerusalém, como na

Judéia e Samaria, e até os confins da terra” (Atos 1.8). Falar em línguas era o sinal pentecostal

por excelência.157

Porém, o fenômeno que se observa é que nas igrejas chamadas neopentecostais a

glossolalia perdeu força, enquanto os demais dons espirituais permaneceram como sinais

autênticos da presença de Deus. Um dos prováveis motivos é que o dom de línguas não tem

uma função relevante dentro da teologia neopentecostal, por não produzir fatos mais

importantes no culto e na vida do fiel no que se refere às questões relacionadas com

conquistas de bênçãos e promessas da parte de Deus. Há uma questão de “visibilidade” em

jogo; são as “bênçãos” que geram testemunhos, especialmente as de cunho material, como um

novo emprego, um carro do ano, uma bela casa. Falar em línguas, então, não proporcionaria

estes fatos tão relevantes nos cultos das igrejas do carisma. Buscar “poder”, hoje, tem mais o

sentido de obter-se experiências, como cair no Espírito, dentes de ouro, riso santo, profecias.

A “visibilidade” e posse da bênção individual tomaram o lugar das línguas e da salvação na

liturgia.

Aqui identifica-se um problema. Nesta transição do “poder para santidade” do

pentecostalismo para o “poder das bênçãos” do neopentecostalismo, corre-se o risco óbvio do

padrão ético decair. Santidade fala de pureza, correção, ética. Ao deixar de ser um fim em si

mesma, e tornar-se, na pregação de muitos, meio para alcançar-se “bênçãos”, a santidade é

distorcida, mal-usada, e, de forma deplorável, deixa de santificar, separar, consagrar o cristão.

É preciso denunciar, escancarar o mau uso de coisas tão caras às Escrituras. O povo

evangélico precisa apurar o senso-crítico e o discernimento para não se tornar um “inocente

útil” nas mãos de certos pregadores, e, tragédia maior, acabar se decepcionando com Deus e

sua igreja, ao perceber, às vezes tardiamente, que a “teologia” que lhe foi ensinada não o

preparou da forma correta para viver como um autêntico cristão.

4) D. A. Carson fala sobre algumas das falácias encontradas nas pregações vétero-

testamentárias que ouvimos hoje em dia, quando a regra de interpretar-se o Antigo

Testamento pelo Novo é facilmente esquecida.158 Porém este assunto não é simples, e não é 157 RODRIGUES, O Evangelho da Nova Era, p. 18; CESAR, Elben M. Lenz. História da Evangelização do Brasil – dos Jesuítas aos Neopentecostais. Viçosa: Ultimato, 2000, p. 87-89.158

70

pretensão desta pesquisa aprofundar-se nas questões alegóricas e gramaticais. O alvo é

registrar que é um fato o uso do Antigo Testamento, especialmente os textos que falam de

enfrentamento (são muito populares os textos da conquista da terra prometida, da luta entre

Davi e Golias e da queda de Jericó). A palavra “chave” é “vitória”. E, é claro, o contexto da

vitória envolve “guerra”, luta. O eixo das pregações muda da busca de santidade e poder para

testemunhar para um aspecto individualista, em que a ministração visa colocar o ouvinte no

lugar do personagem bíblico que enfrentou uma “batalha” contra o inimigo, para, afinal,

vencer e conquistar as bênçãos prometidas. É o caso de Kenneth Hagin, que, ao falar de uma

das interpretações bíblicas que embasam suas doutrinas, diz que “nós somos de Cristo;

portanto, somos a semente de Abraão. Se somos a semente de Abraão, então somos herdeiros

de todas as promessas feitas a Abraão. E estamos livres de todas as maldições da lei.”159 Se

parasse aqui, Hagin não teria problemas; porém, ele usa essa interpretação para afirmar que as

promessas citadas são de prosperidade, saúde perfeita e isenção de sofrimentos, o que é

facilmente refutável.

5) A confissão positiva e seus elementos já foram estudados, bem como suas raízes

que adentram o espaço do neopentecostalismo e, portanto, da guerra espiritual.

6) No dizer de Luis Sayão, “não há lugar para perdedores. Há uma obsessão pela

vitória”.160 O discurso evita os textos que falam de sofrimento e perda. Os sermões que usam

textos sobre lutas e guerras são adaptados para o cotidiano do fiel, exacerbando a teologia de

domínio, de conquista, de guerra. Os hinos também atendem a esta expectativa, como os

conhecidos Pelo Senhor marchamos sim, Homem de Guerra é Jeová, etc. Além disso, é

notória a tradição teológica ligada ao dispensacionalismo. Segundo a interpretação da maioria

dos neopentecostais, estamos vivendo os últimos dias da dispensação da igreja, da graça ou

do Espírito Santo,161 que seria o último período antes do milênio. Seria o período da

“igreja sem mácula, nem ruga”, que, antes de ser arrebatada, promove um tempo sem igual de

avivamento e ataque contra as hostes malignas que também intensificam suas atividades no

tempo do fim. Além disso, há quem diga que essa “cultura da guerra” veio mudar o conceito

do que se considera como característica típica da identidade brasileira, que é a cordialidade.

Diz Cecília L. Mariz:

CARSON, D. A. A Exegese e suas falácias. São Paulo: Vida Nova, 1992. 159 WALKER, A história que não foi contada, p. 193, 194160

SAYÃO, Uma Avaliação sociológica, p. 91.

161 Sobre este assunto, ver OLSON, Neils Lawrence. O Plano Divino Através dos Séculos. 13ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1987.

71

Para Sérgio Buarque de Hollanda “o que faz Brasil Brasil” é o nosso homem cordial (Hollanda, 1987). Como a idéia de batalha de qualquer natureza se opõe ao mito da cordialidade tipicamente brasileira, muitos autores vêem na “guerra santa” desencadeada por igrejas neopentecostais e pentecostais contra as religiões afro-brasileiras a grande novidade (Oro, 1997; Mariano, 1995; Soares, M., 1990; Soares, L. E., 1993, entre outros), mesmo reconhecendo o pioneirismo da Igreja Católica nesse tipo de perseguição.162

Aqui se percebe uma variação dentro do espectro neopentecostal. Se no início a igreja

evangélica fazia “guerra” à igreja católica e ao espiritismo, a Batalha Espiritual veio enfatizar

também a guerra contra o “império do mal”, as forças invisíveis das trevas. Como grande

parte da teologia de Batalha Espiritual tem sua origem na igreja americana (como bem

demonstram os livros da série Este Mundo Tenebroso, já citados, que descrevem a parte

“visível” da atuação maligna não no catolicismo ou espiritismo, mas na Nova Era e na

feitiçaria), que não vive a mesma realidade que a igreja no Brasil, a Batalha Espiritual torna-

se difusa, não sendo centrada necessariamente em alguma crença não-evangélica.

Há uma opinião de que a cultura do brasileiro, propensa à famosa “esperteza”,

enfraquece uma já combalida estrutura ética, de valores morais, que não seriam permanentes,

mas situacionais. Haveria uma moral flexível, que desembocaria até mesmo numa

“negociação com o mal”, fazendo com que a religiosidade brasileira, como afirma o dito

popular, “acenda uma vela para Deus e outra para o Diabo”. É fato conhecido o trânsito de

católicos nos centros e terreiros espíritas e vice-versa, e a isso aliando-se o fato de vivermos

numa época sincrética e pós-moderna que favorece, em nossa sociedade, essa

“flexibilidade”.163 No que se refere às igrejas neopentecostais, a pregação da moral ainda é

rígida, e os valores, importados de uma cultura tida como “puritana”, a norte-americana,

matriz principal da teologia e doutrina da igreja brasileira. Percebe-se, mais uma vez, esta

influência na formação de uma prática como a Batalha Espiritual, advinda da igreja

americana.

7) O clientelismo já foi avaliado no capítulo 3 sobre a pós-modernidade e sua

influência cultural sobre a igreja.

8) Este fenômeno foi exacerbado pela IURD, com episódios como o famoso “chute na

santa”, em rede nacional, na manhã do dia 12 de outubro de 1995. O autor, o bispo Sérgio

Von Helde, foi desautorizado pelo líder da IURD, o bispo Edir Macedo. Porém, todos sabem

que a prática do enfrentamento explícito das crenças católicas e umbandistas é histórico na

162 MARIZ, A Teologia da Batalha Espiritual: Uma Revisão da Bibliografia, p. 37.163

Ibid., p. 37-38.

72

Igreja Universal. Porém, as demais igrejas neopentecostais incorporaram esta prática de uma

forma mais elaborada a partir do advento da guerra espiritual, que passou a explicar a

realidade religiosa católica e umbandista como sendo uma fachada para a atividade

demoníaca no Brasil e na vida das pessoas.164 Porém, a crença de que existem religiões

demoníacas não é exclusiva dos neopentecostais. Cecília Loreto Mariz informa que:

Cerca de 89% dos evangélicos da região metropolitana do Rio de Janeiro, incluindo os protestantes históricos, declararam existirem religiões demoníacas; 95% desses entrevistados consideram, entre as diversas religiões apontadas, a umbanda e o candomblé como demoníacas; para 88% o espiritismo é demoníaco; e 30% vêem o catolicismo como demoníaco (...) a teologia da guerra espiritual não é, portanto, específica do neopentecostalismo nem do pentecostalismo.165

9) O uso da televisão pelos neopentecostais já foi abordado neste trabalho.

O que não se pode negar é a flexibilidade e contextualização dessas igrejas para

comunicar-se com as massas. Esta flexibilização começa internamente, no linguajar usado nos

cultos e pregações, nas roupas, costumes e liturgia mais “soltas”, havendo uma significativa

mudança nos conceitos do que é santo e do que é mundano.166 Aliás, este ponto,

importantíssimo, escapou à analise de Luis Sayão: a mudança comportamental que distingue

o neopentecostal do pentecostal, no que tange às roupas, consumo e estética.

O pentecostalismo herdou a postura de rejeição e afastamento do mundo diretamente

do metodismo e do movimento holiness, dos quais se originou. Provém daí as raízes puritana

e pietista do movimento pentecostal.167 E, desde então, os sinais exteriores de separação e

diferenciação foram importantes na formação e preservação do perfil do crente pentecostal.

Esse perfil ascético, produto de sua luta contra os prazeres e convites mundanos, tornou-se

não apenas um meio, mas um fim. Sem ele, um pentecostal ficaria descaracterizado, dando

prova de que havia se desviado, mundanizado, correndo o risco de perder a sua salvação.

Como já foi citado neste trabalho, esse estilo de vida exigia uma virtude elevadíssima do fiel,

pois, ao viver como um asceta, o pentecostal não teria o mosteiro ou convento para escapar

das pressões hedonistas deste mundo; este, sim, seria o seu habitat, exigindo dele um padrão

de conduta virtuosíssimo, pois, como alguém definiu, virtude é “poder fazer e não fazer”. Em 164 CESAR, História da Evangelização do Brasil, p. 148-153.165

MARIZ, A Teologia da Batalha Espiritual: Uma Revisão da Bibliografia. p. 38.166

Ver MARIANO, Neopentecostais – Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil. Capítulo 7: “Liberalização dos tradicionais usos e costumes de santidade pentecostal”.

167 Ibid., p. 190.

73

razão dessa pressão, a igreja criou todo um ambiente para o seu membro, patrocinando não só

as atividades espirituais, como também as sociais. É a fuga e rejeição do mundo e a espera da

eternidade. Carlos Apolinário, político de longa data, radialista, televangelista e evangelista

das Assembléias de Deus do Ministério de Madureira, durante encontro de empresários e

profissionais liberais no Hotel Hilton, dia 27 de janeiro de 1993, no lançamento da revista

Contact do CCHN (Comitê Cristão de Homens de Negócios), afirmou:

Na minha infância os pastores nos preparavam para morrer. Diziam: “E se Jesus voltar amanhã”? Agora, a igreja está nos preparando para viver. Está preparando pessoas compromissadas com Deus, independentemente se Ele virá amanhã ou não. Muitos irmãos antigos diziam que o crente não devia ser advogado, empresário, atleta, estudar muito. Não devia entrar na vida pública – porque os políticos são todos ladrões. Hoje não é mais assim. Ser crente não é ser escravo. Pelo contrário, ser crente é ser liberto dos maus costumes, da imoralidade e da falta de ética. Jesus veio para salvar os ricos também e não apenas os pobres. Deus contempla a todos. Nós podemos ser filhos de Deus e exercer qualquer profissão, em qualquer lugar (...) Os evangélicos estão preparados para assumir qualquer cargo neste país, de vereador de uma pequena cidade a presidente da República.168

Geralmente se identificam três inimigos do crente: o mundo, a carne e o diabo.169 Os

primeiros pentecostais tinham os três em um mesmo nível. Os neopentecostais enfatizam mais

o diabo como inimigo principal. O mundo passou a ser um lugar de conquista, não apenas de

almas, mas daquilo que há de melhor nele. A carne, pelo menos em alguns aspectos que os

pentecostais entendiam como maligna, como a vaidade e a estética, passa a não mais ter esse

tipo de conotação. A beleza é valorizada, como em um artigo da Folha Universal, de 25 de

dezembro de 1994, que forneceu dicas de maiôs e biquínis para mulheres de “tipo mignon”,

“quadris largos”, “seios pequenos”, “seios grandes” e “cintura grossa” tirarem partido de suas

“curvas”, realçando decotes e iludindo os incautos acerca do volume de carne oculta.170 Os

crentes passam a freqüentar as clínicas de estética, sendo alguns deles até mesmo

proprietários desse tipo de negócio. Os neopentecostais de padrão social mais elevado

convivem mais pacificamente com o consumo de jóias, TV, cinema, teatro, moda, praia,

acessórios de embelezamento, academias de ginástica, bem como profissões outrora

consideradas profanas como artista, jogador de futebol e modelo, entre outras. Não

desconfiam mais da educação formal, acadêmica e também teológica.

168 MARIANO, Neopentecostais, p. 149,150.

169 SHEDD, Russell Phillip. O mundo, a carne e o diabo. São Paulo. Vida Nova, 1993.170

Apud. MARIANO, Neopentecostais, p. 229.

74

Mesmo nas atividades mais espirituais e de engajamento, como o evangelismo e a

salvação de almas, o neopentecostal também ultrapassa barreiras e tabus, como evangelizar

pela televisão, desfilar com blocos e escolas de samba no carnaval, em pleno sambódromo,

promover evangelismo através de bailes funk, noitadas de rock, vigílias de samba e

pagode, eventos esportivos, na praia, usando técnicas de marketing, Internet, e todos os

recursos midiáticos, adentrando assim nesse mundo outrora rechaçado.

Como não pode ser diferente, o apocaliptismo do discurso pentecostal arrefece. Não

que o neopentecostalismo tenha abandonado a doutrina do arrebatamento e a segunda vinda

de Cristo; porém, isto não é, realmente, mais enfatizado.

Certamente não há apenas elementos ruins. Sem dúvida alguma, há elementos

positivos, que devem ser estudados e apreendidos, como a contextualização, o uso da

tecnologia de comunicação, o interesse por uma fé dinâmica, o evangelismo. Paul Freston,

falando da IURD, afirma que “ela é a combinação da igreja pentecostal com a agência de cura

divina, pois une a preocupação com as demandas particulares e com a demanda espiritual da

salvação (...) o deslumbramento da Universal é a cura, associada ao exorcismo e a

prosperidade.”171

Contudo, esta pesquisa procura demonstrar a necessidade de se confrontar o uso do

evangelho como meio de obter-se vantagens pessoais, do evangelho ser (perdoem o chavão)

“mais uma opção” para solucionar o cotidiano, uma opção aos terreiros, aos livros de auto-

ajuda e a outros que se apresentam como tal. Que não se vejam como testemunhos “atraentes”

para o incrédulo somente aqueles em que pessoas dizem que estavam “no fundo do poço”,

falidas, sem emprego e hoje têm carro importado, casas luxuosas e um estilo de vida de

ostentação. É um evangelho sem compromisso com a cruz e a mudança de vida no que tange

ao caráter. É um “evangelho” que se deve repudiar veementemente. A igreja precisa ser

alertada.

Pode-se entender porque o meio neopentecostal foi tão acolhedor para a Batalha

Espiritual. Se o mundo não é mais um lugar para ser rejeitado, e sim conquistado, a guerra

espiritual, como já foi dito, legitima esta conquista e usufruto.

Por ora, procurou-se identificar algo do arcabouço doutrinário-cultural-filosófico

existente, que praticamente chama à existência teologias que expliquem e/ou legitimem as

práticas doutrinárias e litúrgicas nestes tempos, crê-se, pós-modernos. Nessa via é que a

171 Ibid., p.150-151.

75

Batalha Espiritual cresceu.172 O que se nota na dinâmica do novo pentecostalismo é uma

flexibilidade teológica e litúrgica, em função, como já abordado, de uma pneumatologia que

subentende “liberdade”. O Espírito Santo pode falar em visões, entregar “recados”

individuais, movimentar um culto para uma direção diferente daquela inicialmente estipulada,

coisa até incentivada e desejada nos meios pentecostais. Há um incentivo em buscar sempre

novas experiências com Deus, orientação que traz em seu bojo a expectativa de que sempre

pode acontecer algo novo, diferente, inusitado. Existe uma empolgação nos cultos e um

incentivo a isso na vida diária. O discurso que muitas vezes nega o sofrimento,

realçando a iminente vitória sobre os problemas cotidianos, alimenta uma crescente

expectação por parte do fiel.

Por fim, há uma nova atitude quanto a outro grande fundamento doutrinário dos

pentecostais, a volta de Cristo, que era pregada como resposta não apenas às profecias

bíblicas, mas também como consolo e alento àqueles que, desprovidos, marginalizados e

desprivilegiados neste mundo (majoritários no início e desenvolvimento do pentecostalismo),

não esperavam muita coisa em uma época (início do século XX) em que a expectativa de vida

era baixa e o acesso a recursos melhores lhes era negado. Voltava-se o olhar para as coisas do

porvir. Com as mudanças sociais e econômicas ocorridas nas últimas décadas, o acesso aos

benefícios mundanos gera também mudanças nestes paradigmas. A volta de Cristo continua

sendo doutrina também neopentecostal, mas sem a mesma importância dada dentro do

pentecostalismo clássico. Enquanto neste o alvo é sair deste mundo e ir para o céu e suas

delícias, naquele o alvo é trazer o céu e suas delícias para o aqui e o agora. No que se refere

à igrejas tradicionais, o novo pentecostalismo surge em função de questões que passarão a ser

analisadas em seguida.

172 Luis A. Sayão acredita num declínio do neopentecostalismo nas próximas décadas, em função do início do novo milênio (enfraquecimento do apelo escatológico) e a provável decepção de muitos por não alcançarem as bênçãos” prometidas. Uma avaliação sociológica, p.94.

76

CAPÍTULO 6

PROTESTANTISMO: AMBIENTE DE ACEITAÇÃO DA BATALHA ESPIRITUAL

As igrejas tradicionais também foram cenário de disputas acirradas a respeito da

Batalha Espiritual. Não seria diferente. O assunto é palpitante demais para que elas ficassem

de fora do debate, e, mais do que isso, deixassem de ser protagonistas, acolhendo as práticas

do movimento em várias delas. Os motivos serão analisados a seguir.

6.1. A PERDA DO ELEMENTO MÁGICO

As igrejas tradicionais, além dos desafios que qualquer instituição eclesiástica

enfrenta, vêem-se às voltas com reações que culminam em cisões, que deram origem a novas

igrejas, muitas delas autodenominadas renovadas. E por quê? Paulo Rivera propõe:

...A pretensão protestante de explicar tudo se manifestou também no culto, o que por si representa uma importante corrente anti-mistério. A questão também pode ser analisada na rejeição dos símbolos, na aparência nada especial dos lugares de culto e na aparência externa das lideranças na hora do culto 173

Reginaldo Prandi cita outra possível causa, mais ampla, dessas reações:

O Concílio Vaticano II... procurava imprimir à Igreja uma fase moderna... significa o refluxo da magia... o catolicismo também desistira do milagre e da cura, acreditando que as ciências e técnicas modernas deviam dar conta de problemas que podiam perfeitamente ser resolvidos sem a intervenção do divino. Era outra a missão da Igreja na atualidade, ela mesma defendia.174

Gouvêa Mendonça também afirma:

173 RIVERA, Paulo Barrera. Tradição, transmissão e emoção religiosa – Sociologia do protestantismo contemporâneo na América Latina. São Paulo: Olho d’água, 2001, p. 180.174

PRANDI, Reginaldo. Um Sopro do Espírito – A Renovação conservadora do catolicismo carismático. São Paulo: EDUSP, 1998, p. 123.

77

Sendo igrejas [históricas] de classe média e propensas à manutenção do discurso lógico-teológico e intelectualizado, não atraem a massa de assalariados pobres, cada vez maior. Adicione-se a isso outro fator: o isolacionismo das comunidades protestantes tradicionais, que se assemelham a clubes fechados em que se entra mediante convite especial. Há um bom número de templos que mais se assemelham a capelas particulares, quase escondidos em fundos de terrenos, em ruas secundárias (...) o elemento simbólico, importante em todas as religiões, foi praticamente perdido pelas igrejas tradicionais de origem missionária. 175

Nicodemus Lopes declara:

A tendência e a tentação das igrejas reformadas calvinistas têm sido a de esquecer-se de que a luta não é contra carne e sangue, mas contra principados e potestades. Às vezes, a ênfase na igreja reformada calvinista é muito forte na questão do conhecimento, do treinamento doutrinário, e da precisão teológica na mente. Por vezes pensamos que qualquer coisa no reino de Deus sempre se processa no campo das idéias. Sem, naturalmente, querer desmerecer esta verdade, precisamos destacar que o verdadeiro calvinismo ensina a importância de uma mente preparada, sem se esquecer do valor de um coração aquecido, um coração em chamas pelo Evangelho...Se ficarmos só na questão intelectual seremos reformados frios; e o que tem acontecido é que esta frieza tem entrado nas igrejas. Em outros países, onde estudamos, professores de seminários não acreditam em possessão demoníaca. Eles não têm nenhuma preocupação com o que a Escritura diz com respeito às astutas ciladas do Diabo. O fato de que Satanás anda ao nosso redor como leão que ruge, procurando a quem possa devorar, não desperta neles a menor preocupação. Tudo isso é considerado como sendo coisa do período apostólico e que cessou. Há, portanto, esse perigo e certamente esse movimento vem nos conscientizar dele.176

Há uma constatação por parte dos teóricos das igrejas históricas, bem como por

estudiosos não cristãos do comportamento da igreja, de que tem existido uma espécie de

esvaziamento do mistério, da magia, no culto e na liturgia das igrejas históricas.177 J. Cabral

afirma:

Como já dizia B. F. Skinner, psicólogo e cientista que trabalhou com a investigação experimental do condicionamento operante, a ciência se propõe à destruição do mistério. Acontece que é exatamente este aspecto da ciência que deve chamar a atenção da igreja: a destruição do mistério, a desmoralização do sagrado. Aliás, é bom lembrar que, na sua etimologia, a palavra “mistério” se deriva do verbo grego muein, que significa, dentre outras coisas, “fechar os olhos”, “fechar a boca”, indicando uma experiência que está além dos sentidos, ou seja, fora dos limites do corpo.178

175 MENDONÇA, Introdução do Protestantismo no Brasil. p. 59.176

LOPES, Augustus Nicodemus. O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual. Disponível em: http://www.solascriptura.tt.org/Seitas/Pentecostalismo. Acesso em: 17/04/2004.177

Antonio Gouvêa MENDONÇA fala de uma “perda da riqueza simbólica”. Estudos da religião. A Crise do Culto Protestante no Brasil. São Bernardo do Campo: UMESP, Ano I, Nº 2, 1985, p. 31-59.178

CABRAL, J. A ameba, o camundongo e eu. Eclésia. São Paulo: Eclésia, Ano VI, Nº 65, 2001, p. 54.

78

Considera-se que ciência e religião têm os seus papéis; uma não pode excluir a outra.

Para o teólogo, a fé é produto de revelação; vem de Deus, não é uma descoberta humana. A

ciência afirma que a verdade só o é se provada empiricamente. Fé e razão, escrituristicamente,

andam juntas. Quando a razão não alcança, a fé o faz. Usar uma em detrimento da outra

equivale a dizer que é possível abrir mão de uma delas.179

Como foi citado, esse é reconhecidamente um elemento importante dentro da

celebração e do ambiente sagrado. A aceitação, especialmente por parte dos membros das

igrejas históricas, de movimentos como o de Batalha Espiritual dentro de seu seio parece ser

uma reação a esse esvaziamento.

É consenso que o momento histórico é de um resgate do interesse pelo sobrenatural,

pela espiritualidade. Jean Vernette afirma que “os cronistas da atualidade começam a

inscrever corretamente o fenômeno do retorno do religioso entre os indicadores significativos

de tendências futuras... E, ao lado da renovação espiritual, observa-se uma revitalização das

práticas mágicas, um despertar da credulidade.” 180

Jean Schlegel também fala dessa religiosidade “facetada”, que ganha espaços outrora

ocupado pelas instituições (e aí incluídas as igrejas):

[É] uma religiosidade múltipla – “difusa”, como foi recentemente denominada – se manifesta integralmente, com suas mensagens, seus cultos... quando as grandes instituições portadoras da tradição ocidental se retraem, a busca religiosa ou para-religiosa individual – a “crença” no sentido mais amplo – aumenta na proporção do individualismo conquistador de hoje...que aspira a um máximo de realização pessoal em sua vida privada; a uma certa resignação acerca da possibilidade de mudar a sociedade...” 181

Pode-se afirmar que, se o protestantismo não falar de dentro da cultura onde está

inserido, e falar “de fora”, como algo alienígena, não será força cultural; não haverá impacto

significativo.182 Usando uma frase bem conhecida, é necessário levar a mensagem de uma

179 DOBBERAHN, Friedrich Erich, Th. D. e Ph. D. pela Universidade de Bonn, professor na Escola Superior de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), propõe, ao falar da salvação na vida do fiel, que “...não justifica, porém, a ótica tradicional de que a cura no “aqui e agora” precise ser desvalorizada em relação à salvação eterna. Embora seja uma realização ainda fragmentária e episódica da salvação, a cura é, ainda assim, uma manifestação autêntica da mesma”. Ele ainda diz que “a ciência da cura perdeu o contato com a teologia e a práxis da igreja. O diálogo entre a teologia e a medicina tornou-se difícil”, no artigo Cura e Salvação na Bíblia. Vox Scripturae – Revista Teológica Brasileira. São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 152.180

Em COMBY, Jean. Para ler a História da Igreja II – do século XV ao século XX. São Paulo: Loyola, 1994, p. 222.181

Ibid., p. 222.182

Antonio Gouvêa MENDONÇA considera “uma boa hipótese de análise do campo religioso cristão no Brasil a idéia de que o pentecostalismo seria um meio caminho entre o protestantismo tradicional e o catolicismo popular” em seu trabalho “Hipóteses sobre a mentalidade popular protestante no Brasil”. Protestantes,

79

“palavra imutável para tempos mutáveis”. Parece que tem havido muita dificuldade em fazer-

se isso. Como diz Gouvêa Mendonça, o legado do protestantismo missionário que introduziu

o evangelho no Brasil é “ conversionista-individualista, altamente excludente.”183 A tradição

é sagrada; a contextualização é nociva, vista com desconfiança. Como sempre foi desde de

que existe o mundo, há resistência à mudança, ao novo. Quando isso ocorre, há rupturas; se

não há espaço no que já existe como instituição, forçosamente criar-se-ão novos espaços e

novas instituições. É preciso concordar com Leonildo Silveira Campos, que diz:

Nas sociedades contemporâneas, as religiões parecem estar exoneradas do constante trabalho de retorno à tradição como recurso para legitimar e perpetuar a instituição religiosa. As grandes memórias parecem não ser mais indispensáveis e as religiões não precisam – para exercer e controlar o poder – se preocupar em transmitir ou rememorar os fatos fundadores que as originaram. Nesse sentido, estaríamos hoje frente ao desenvolvimento de religiões cujo passado pouco importa...”184

Como já foi citado anteriormente, fenômenos sobrenaturais aconteciam nas igrejas,

tanto históricas como pentecostais, diante dos quais não havia orientação sobre como agir; e

nas igrejas históricas havia a tendência de racionalizar esses fatos, sendo mais comum encarar

todos os casos de pessoas endemoninhadas, por exemplo, como casos em que as pessoas

possuíam algum distúrbio emocional ou psicológico. Em muitos lugares não havia espaço

para o sobrenatural,185 para a possibilidade de que alguns daqueles casos fossem realmente de

pessoas perturbadas espiritualmente. Não havia respostas, não havia ferramentas para lidar

com elas. A orientação teológico-litúrgica para considerar a manifestação de Deus

especialmente restrita à exposição das Escrituras esvaziava a possibilidade de esperar-se

algum outro tipo de manifestação divina. O discurso, em alguns momentos, de resignação em

face de certos problemas da vida para os quais a ciência e a razão não ofereciam respostas, de

que Deus teria um propósito naquele impasse, já não era aceito facilmente, em virtude de

viver-se num tempo em que o presente é valorizado; o que vale é o agora. Outrossim, ao

falar-se de Deus, está-se falando do sobrenatural. Ao considerar o primeiro, o segundo é

inevitável. E se o sobrenatural é aceito, aceitam-se os seus desdobramentos, de que ele não é

Pentecostais e Ecumênicos – O Campo Religioso e seus personagens, p. 146.183 MENDONÇA, Introdução do Protestantismo no Brasil, p. 33.184

CAMPOS, Leonildo Silveira. Estratégias religiosas na sociedade brasileira – o marketing e as estratégias de comunicação da Igreja Universal do Reino de Deus. Estudos da Religião. São Bernardo do Campo: UMESP. ano XII, no. 15, 1998, p. 61.185

Houve o caso, relatado ao autor dessa pesquisa, de um pastor da Igreja Presbiteriana Conservadora na cidade de São Paulo que foi disciplinado porque orou por uma pessoa doente – e esta foi curada.

80

estático. O ensino nas igrejas, em geral, é de que Deus se importa com as pessoas. Diante

disso, o sentimento é de que Deus, sendo quem é, pode fazer algo.

Como deter o pensamento de que esse algo não poderia ser uma intervenção

milagrosa, um ato de amor desse Deus? Num cenário como esse, onde esses pensamentos

pululam na mente das pessoas, pessoas estas que têm acesso a ensinos que procuram

justamente afirmar que Deus age no aqui e agora, é que fenômenos como o da Batalha

Espiritual são aceitos e acolhidos.

6.2. CRER EM MILAGRES DEIXA DE SER COISA DOS MENOS FAVORECIDOS

A partir da década de 1960 as condições de vida melhoraram sensivelmente nos

centros urbanos. A expectativa de vida cresceu, com a melhoria do saneamento e da saúde

pública. A tecnologia ofereceu uma variedade de produtos que melhoraram a qualidade de

vida da população. Há um conforto nunca antes experimentado. O acesso à educação é cada

vez mais facilitado, resultando em uma expectativa promissora a respeito do futuro. Cria-se

uma espécie de otimismo, gerando um ambiente onde se considera simplista a esperança

cristã apenas nas coisas vindouras.

Neste período surgem igrejas e movimentos formados por pessoas que ascenderam a

escala social, e que trazem uma formação pentecostal.186 Tem-se, então, igrejas formadas por

pessoas de boa colocação social, com trânsito nas diversas esferas da sociedade, e que

propagam uma fé que acredita no sobrenatural como fato constante em suas vidas. Políticos,

artistas e empresários estão nesta lista. A antiga afirmação de que crer em milagres é coisa de

pessoas “mal-resolvidas” já não vale para vários desses grupos emergentes.187

Havia, então, cristãos ascendendo socialmente, e abandonando o discurso de serem

apenas peregrinos numa terra que não lhes pertence, esperando tão somente os céus para se 186 Ver MACHADO, Maria das Dores Campos. Carismáticos e Pentecostais – Adesão Religiosa na Esfera Familiar. Campinas: Autores Associados, 1996, p. 54-55, 59.187

José Rubens L. JARDILINO, criticando a metodologia usada nas pesquisas de alguns estudiosos sobre o pentecostalismo e o neopentecostalismo, adverte que “[...] na maioria dos livros e artigos que encontrei sobre pentecostalismo, o que descobri foi uma espécie de paixão contrária: uma abordagem preconcebidamente negativa. Talvez os autores sejam ligados à Igreja Católica ou a Igrejas Históricas. O fato é que, embora se esforcem por mostrar-se descritivos e ’objetivos’, já abordem o assunto com críticas e sempre a partir dos pressupostos da ’cultura católica’, mesmo a mais avançada. Salientam muito mais as aparentes contradições dos pentecostais do que seus possíveis valores”. Sociologia da Religião no Brasil. São Paulo: PUC/UMESP, 1998, p. 96. Robson Rodovalho, p.e., líder da Comunidade Sara Nossa Terra, do Planalto Central, e um dos mais destacados propagadores da Batalha Espiritual, era professor de Física na Universidade de Brasília antes de iniciar seu ministério na então Comunidade de Goiânia. Sua atual igreja é conhecida por abrigar artistas e personalidades entre seus membros, como a Sara Nossa Terra da Barra da Tijuca, RJ.

81

livrarem deste mundo de sofrimentos, que “jaz nas mãos do maligno.” O mundo deixava de

ser um lugar de onde se deveria desejar sair; passara a ser um lugar de conquistas, no pleno

sentido da palavra.188 Era necessária uma teologia que legitimasse esses novos anseios. Neste

mesmo período surge no Brasil a teologia da prosperidade, de origem norte-americana,

justificando biblicamente o desejo de possuir e usufruir aquilo que esta vida oferece. O

movimento de Batalha Espiritual aparece como um dos instrumentos para concretizar-se esta

posse.

Por quê? Um dos ministérios que fazem parte da Batalha Espiritual é o ministério de

libertação. Segundo os seus defensores, este ministério visa a libertação de pessoas que já são

cristãs, para que estas pessoas possam usufruir de toda a bênção que a palavra de Deus

promete. O raciocínio é o seguinte: só é possível fazer-se libertação com pessoas já cristãs,

porque quando os espíritos malignos que estão ainda presentes na vida desta pessoa são

expulsos, eles não podem voltar, porque “a casa não permanece vazia” depois que foi limpa

(Lucas 11.24-26). Se esta libertação (denominada “quebra de vínculos”) fosse feita com uma

pessoa não-cristã, os demônios seriam expulsos, mas, segundo o texto de Lucas, voltariam

com outros sete piores do que ele, e encontrariam a casa vazia, e, como diz o texto, o estado

daquela pessoa passaria a ser sete vezes pior do que o anterior. O motivo, então, da libertação,

não é salvar a pessoa. Ela já está salva. O que a libertação promovida pela Batalha Espiritual

faz é dar à pessoa toda a condição de desfrutar da bênção de Deus até que parta para a

eternidade. O alvo declarado é um melhor padrão na vida presente, espiritualmente,

emocionalmente e materialmente. No discurso da Batalha Espiritual são comuns as

expressões “ser cabeça, não cauda”, “Deus irá restituir em dobro tudo o que o diabo roubou”,

etc., que pontuam esta cosmovisão. Deus não só patrocina a prosperidade, como também é

guardião dos bens conquistados.

Uma característica marcante que contribuiu para o surgimento das chamadas igrejas

neopentecostais e carismáticas,189 cujo ambiente foi propício para a implantação e difusão do

movimento de batalha espiritual, é a valorização do milagre, da intervenção sobrenatural,

como meio corriqueiro de Deus agir. É preciso lembrar de que se vive aqui um momento pós-

moderno, onde o vínculo com uma coletividade tem como critério o benefício individual que

daí advenha. Se alguém é um cristão tradicional, pode transitar por uma igreja carismática, se

isso for conveniente, pois o que é valorizado é a permanência, não a exclusividade. Pertenço a 188 Para uma leitura sobre os principais elementos formadores do Neopentecostalismo, ver MARIANO, Ricardo. Neopentecostais – Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 2002.

189 Igrejas carismáticas aqui representam os movimentos de renovação surgidos nas igrejas históricas.

82

uma denominação, mas não sou exclusivo dela, de sua maneira de pensar as Escrituras. O

bem individual é grandemente valorizado, em detrimento do coletivo. Tem-se garantida uma

bricolage no seio da igreja evangélica. Portanto, se há um esvaziamento da magia e do

mistério dentro das igrejas tradicionais, as pessoas que os desejarem os buscarão nos novos

movimentos carismáticos e pentecostais que surgiram.

Augustus Nicodemus Lopes afirma:

Esse movimento (o neopentecostalismo) é caracterizado por uma leitura das Escrituras e da realidade sempre em termos da ação sobrenatural de Deus. Deus é percebido somente em termos de sua ação extraordinária. Assim, para o neopentecostal típico, Deus o guia na vida diária através de impulsos, sonhos, visões, palavras proféticas, e dá soluções aos seus problemas sempre de forma miraculosa, como libertações, livramentos, exorcismos e curas.190

Nesse mesmo livro, Nicodemus Lopes fala do desafio que isso representa para uma

das doutrinas típicas da ortodoxia, que é a providência de Deus, referindo-se este termo à

atuação de Deus no ordinário (sem excluir o extraordinário) das pessoas, sendo estas

abençoadas através das circunstâncias naturais do dia-a-dia, sendo que o milagre é um regime

de exceção. O resultado da interpretação neopentecostal é considerar os meios naturais e

secundários usados por Deus como espiritualmente inferiores. Um exemplo disso é o que

aconteceu em uma igreja de Indiana, Estados Unidos, onde os membros, ultrapentecostais,

eram estimulados a não tomar remédios, como prova de grande fé. O resultado é que mais de

50 pessoas morreram dentro de um determinado período.191 O tema da tensão entre a

ortodoxia e a hermenêutica neopentecostal será tratado posteriormente. Por ora, deve-se

enfatizar a importância do ambiente que se formou nas igrejas a partir da década de 1970.

Tem-se o ambiente preparado, a expectativa da intervenção sobrenatural de Deus, algo

desejado e alegadamente “resgatador” de cultos frios e tecnicistas, e surge então o modus

operandi, o movimento de Batalha Espiritual, Este veio agregando novos conceitos, como

quebra de maldições hereditárias, espíritos territoriais, regressão intra-uterina e cura

interior, entre outros, a práticas já disseminadas historicamente, como milagres de curas,

expulsão de demônios, glossolalia, etc. A orientação teológica é mais “livre”, em função da

própria natureza do arminianismo/pentecostalismo, uma das bases da Guerra espiritual.

Antônio Carlos Magalhães demonstra que:

O pentecostalismo possui algumas características fundamentais, entre elas a diferença de textos fundantes. No protestantismo temos como texto principal o livro de Romanos; no

190 LOPES, Augustus Nicodemus. Misticismo e Fé Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2000. Disponível em: http://www.solascriptura.com.br/estudos/estudos-batalha-espiritual.htm. Acesso em: 20/04/2004.191

YANCEY, Philip. Decepcionado com Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 2002, p. 17.

83

pentecostalismo, é o livro de Atos dos Apóstolos. Cristo anuncia a igreja; o Espírito Santo a funda; a experiência, no protestantismo, o confirma; no pentecostalismo ela é um complemento (...) Os dons passam a ter caráter revelatório, regulatório; há também uma mudança de eixos, do cristológico/eclesiológico (do protestantismo) para um eixo pneumatológico/comunitário no pentecostalismo. 192

A ênfase pneumatológica do pentecostalismo pode explicar a “facilidade” em abrigar

novos conceitos teológicos em função da aceitação, dentro do pentecostalismo, de que “o

vento (o Espírito Santo) sopra onde quer”. Há uma idéia de liberdade associada ao Espírito

Santo, o que favorece uma flexibilidade na teologia e na liturgia, bem como na prática diária.

É “puro mistério e magia”, o que abasteceria aquele cristão que o busca, mesmo fora de sua

denominação, se ele não encontrá-los nela.

O neopentecostalismo, como desdobramento do pentecostalismo, herda essas

características, e acrescenta outras, como uma maior contextualização cultural (em

comparação ao pentecostalismo clássico), um apelo de conquista social e política, propiciando

assim um livre trânsito ao ambiente mágico do Movimento de Batalha Espiritual. As ligações

estão feitas.

Percebemos a tendência da Batalha Espiritual em sincretizar práticas e liturgias, ao

mesmo tempo sendo um movimento de combate a esse “liberalismo”, ora utilizando alguns

elementos como meios de inserção cultural para estabelecer contato com o fiel193 (“os pontos

de fé”), ora os rechaçando e denunciando. É, portanto, um elemento legitimador importante

para a existência de algo como a guerra espiritual, como fator interpretativo da circunstância

cultural e religiosa presente e também surge como resposta e arma confrontadora dessa

realidade. Cecília L. Mariz diz que:

Em uma sociedade que cada vez mais se globaliza, a pluralidade religiosa se amplia. Essa ampliação contribui, por um lado, para o surgimento de novas formas de sincretismos religiosos e propostas de macroecumenismo e, por outro, para o crescimento do fundamentalismo e da intolerância religiosa. 194

Percebe-se, neste imenso caldeirão de complexidades que se apresenta nestes dias para

aqueles que “pensam e fazem igreja”, que estas reações favoráveis às manifestações

sobrenaturais, mágicas, não devem ser simplesmente rejeitadas. Elas estão em toda parte. É

192 MAGALHÃES, Pentecostalismo: Movimento Espúrio ou a 4ª Face do Cristianismo? Palestra realizada na Faculdade Teológica Batista, 06, 2003. Anais... São Paulo, FTB, 2003. (

193 Antonio Carlos MAGALHÃES declara que o “Protestantismo não será uma força cultural, enquanto tiver um discurso para a cultura, contra ela, e não inserido nela, falando de dentro dela.” Ibid. 194

MARIZ, A teologia da Batalha Espiritual: Uma revisão da bibliografia, p. 33.

84

sabido, por exemplo, que a igreja católica no Brasil está incentivando a renovação

carismática, que tem como sua figura mais expressiva o padre Marcelo Rossi, que foi

ordenado em 1994 e, três anos depois, começou a ficar conhecido nacionalmente por suas

missas repletas de músicas ritmadas, a “aeróbica do Senhor”, como ele mesmo gosta de

chamar, e uma liturgia bem parecida com a das igrejas pentecostais. Mais recentemente,

lançou um filme sobre a vida de Maria, a mãe de Jesus, como parte de uma estratégia para

combater o avanço das igrejas evangélicas, especialmente as pentecostais, a fim de evitar a

contínua sangria de católicos que se dirigem para essas igrejas.195

Este movimento carismático surgiu no ano de 1967, a partir de reuniões de orações de

clérigos e leigos na Universidade do Espírito Santo de Duquesne, em Pittsburgh, Pensilvânia,

administrada pela ordem missionária Padres do Espírito Santo, em cujo brasão se lê em latim:

Spiritus Est Qui Vivificat (“ o Espírito é quem vivifica”).196 Três anos depois, dois jesuítas,

Harold J. Rahm, de 51 anos, e Edward J. Dougherty, de 29 anos, trouxeram a experiência

carismática para o Brasil, a partir de retiros espirituais em Campinas, interior de São Paulo.

Hoje, a Renovação Carismática está espalhada e instalada em todo o Brasil.

Há uma movimentação em torno do assunto. Não se pode negar a existência de um

questionamento também dentro do protestantismo brasileiro no que se refere ao sobrenatural.

O luterano Waldo César e o presbiteriano americano M. Richard Shaull afirmam em sua obra

“Pentecostalismo e Futuro das Igrejas Cristãs” que:

As igrejas históricas devem rever suas formas de culto e experiência religiosa, numa releitura de sua herança de fé e missão (...) nossas igrejas históricas, com raras exceções, estão sempre se distanciando do povo, que no seu empobrecimento e exclusão, na sua desorientação e desalento, hoje está mais aberto a movimentos religiosos na sua busca pela salvação (...) nossas igrejas raramente se mostram aptas para apresentar uma mensagem atraente de salvação para um mundo sofrido, ou demonstra paixão para comunicar o que antes foi a marca da sua primitiva vitalidade e crescimento.197

Conclui-se que, nestes tempos tão incentivadores de uma liberdade e busca do bem

individual, não é surpresa a pessoa, mesmo o cristão, “abastecer-se”, seja onde for, daquilo

que ela considera importante. Não o encontrando em um lugar, ela irá buscá-lo em outro.

Como foi visto anteriormente, a tendência hoje é a existência de pessoas sem raízes, que

formam seus próprios sistemas de crenças, julgando-se no direito e na condição de isso fazer.

195 Os Católicos contra-atacam. Páginas Amarelas. Veja, ano 36, no. 40, 2003, p. 96-103.196

CESAR, História da Evangelização do Brasil, p. 144.197

Ibid., p. 153.

85

Movimentos como o da Batalha Espiritual vêm contribuir, neste cenário, para despertar a

igreja no que se refere a uma linguagem mais apropriada para o contexto atual, além de suas

conhecidas ênfases na oração e no evangelismo. Nesta contextualização, para a qual alguns

“torcem o nariz”, é que pode estar uma de suas boas contribuições.

Por outro lado, as igrejas históricas demonstram que há muitos cristãos que

absolutamente não se fascinam por assuntos como o de guerra espiritual, e nem por isso,

naturalmente, deixam de ser cristãos engajados e seriamente comprometidos com o Reino de

Deus. O Reino de Deus é plural nas formas de expressar o evangelho, sem perder sua

biblicidade. Já se disse que toda estrutura tende a se deteriorar devido ao excesso de seu

princípio básico. A aristocracia se arruína por limitar com demasiado rigor o círculo dentro do

qual se concentra o poder; a oligarquia se arruína pela irrefletida corrida em busca da riqueza

imediata. Em qualquer dos dois casos, o fim é a revolução.198 E quando acontece a cisão,

pode parecer ter sido provocada apenas por caprichos pessoais e causas fúteis; mas embora

possa nascer por motivos insignificantes, a cisão é resultado de problemas que vão se

avolumando ao longo de anos, muitas vezes. Portanto, se uma igreja, por alguns ou vários

motivos, tende a enfatizar um aspecto importante das Escrituras em detrimento de outro,

sofrerá com isso. Pode haver uma dissidência, que acaba por se desligar do restante porque

enfatiza outro aspecto que julga importante, mas é negligenciado ou rejeitado pelos demais.

Essa dissidência, na maioria das vezes, forma uma nova igreja, geralmente nascida em função

desse aspecto supervalorizado. O quê? Supervalorizado? Atenção: breve haverá outra cisão.

No próximo capítulo a pesquisa procurará entender os princípios da Batalha Espiritual,

sem, como foi proposto desde o início, haver um aprofundamento na análise teológica do

movimento. Contudo, será possível se entender o raciocínio de seus proponentes de forma

clara. Também se discutirá quais são os problemas do movimento com alguns desses

princípios.

CAPÍTULO 7

198 DURANT, A História da Filosofia, p. 45.

86

AS PROPOSIÇÕES BÁSICAS DO MOVIMENTO DE BATALHA ESPIRITUAL

7.1. PROCURANDO ENTENDER O MOVIMENTO

Identificar os fundamentos da Batalha Espiritual não é um trabalho fácil, porque

encontram-se variações em sua constituição, de acordo com o ministério que faz uso dela. Um

exemplo é a guerra espiritual identificada com a Igreja Universal do Reino de Deus, que

possui diferenças significativas em relação à guerra espiritual “travada” pela Comunidade

Sara Nossa Terra. A Igreja Universal não realiza sessões de libertação particulares, não usa

questionários de “mapeamento” espiritual, não faz uso de dons espirituais como línguas

estranhas e palavra de conhecimento, entre outros, diferentemente da Sara Nossa Terra. O

campo a ser explorado se identifica mais com esta última igreja. É uma Batalha Espiritual

mais alinhada com as proposições de Peter Wagner, Neuza Itioka e do Ministério Shekiná,

alguns de seus principais representantes no Brasil.

1. Há expressões atribuídas ao movimento como um todo que ele próprio não usa.

Apesar de haver casos em que isso ocorre (como afirmar que é a igreja “tal” que quebra

maldições), não é correto entender que isso é generalizado. Na verdade, o movimento admite

que Cristo é quem liberta as pessoas.199 A orientação inicial em um processo de libertação

dentro do movimento é a que mostra uma obra realizada em Cristo que deve ser apropriada

pelo fiel.200 Porém, a prática revela uma ênfase nos “meios” de libertação, como as orações de

guerra, os óleos de unção, as orações de “apropriação”, de “amarração” e, algumas vezes, uma

projeção do ministro que oficia a reunião, fazendo com que as pessoas coloquem seus olhos e

sua fé nestes meios, e não naquele que liberta, Cristo.

2. O conceito básico no ministério de libertação, dentro da Batalha Espiritual, é que a

pessoa, ao nascer de novo, não tem automaticamente todos os benefícios da obra de Cristo

presentes em sua vida. O texto de João 8.32 é evocado: “conhecereis a verdade e a verdade

vos libertará”. O verbo conhecer está no tempo futuro, o que denotaria um conhecimento e

libertação a serem obtidos, não sendo isto possível num ato imediato. Se todos os benefícios

fossem imediatos, definitivos e automáticos, não haveria cristãos doentes, pois o movimento

199 ITIOKA, Os Deuses da Umbanda, p. 197. Ver também CABEZAS, Rita. Desmascarado. São Paulo: Renascer, 1996, p. 25, p. 194.

200 ITIOKA, Neuza. Curso sobre Batalha Espiritual. São Paulo, 199?, p. 33.

87

toma como promessa infalível àquele que crê o que está escrito na Bíblia: “Ele levou sobre si

as nossas enfermidades” (Is 53.4).201 Rita Cabezas afirma:

A Bíblia diz que “aquele que começou a boa obra em vós há de completá-la até o dia de Cristo Jesus”. (Filipenses 1.6). Isso indica que ao longo de nossa vida o Espírito Santo vai nos transformando e aperfeiçoando, e isto é um processo, um meio através do qual Deus nos usa para ajudar outros.202

Até aqui não haveria maiores contradições com o ensino evangélico tradicional, pois,

de fato, o cristão prossegue num contínuo avanço para viver a totalidade do Evangelho. A

grande questão a ser observada é que este olhar para o passado não se restringe a uma obra

realizada de Jesus Cristo através da qual, pela santificação e conhecimento, a pessoa se

apropria de uma nova maneira de viver. Neste passado, a Batalha Espiritual enxerga a vida

dessa pessoa repleta de maldições advindas das práticas pecaminosas contrárias às Escrituras,

de vínculos com demônios produzidos por práticas religiosas falsas, em que a pessoa “abriu”

a sua vida para entidades, santos, exus, espíritos de todo o tipo, através de promessas,

trabalhos, votos, coisas estas que precisam ser “quebradas” através de oração e confissão

destas práticas pecaminosas.203

Uma ilustração comumente usada em ministrações de libertação para explicar o que

são estes vínculos espirituais é a seguinte: Imagine que você chegou em casa cansado e com

muita fome. Você apanha o telefone, liga para um “disque-pizza” e faz o seu pedido.

Enquanto aguarda a chegada de sua pizza, chega um amigo em sua casa e o convida para

comerem em uma excelente churrascaria, e tudo por conta de seu amigo. Você aceita o

convite, apronta-se rapidamente e, ao sair no portão de sua casa, depara-se com o entregador

de pizzas estacionando a sua moto. Ele pergunta: “O sr. é fulano de tal?” Você responde que

sim e o entregador lhe estende a pizza encomendada pelo telefone. A sua resposta é a

seguinte: “Bem, me desculpe, mas meu amigo aqui convidou-me para comer em uma

excelente churrascaria, e ele vai pagar a conta. Por isso não quero mais a pizza. Mesmo

assim, obrigado”. O “moto-boy” insiste que o pedido foi feito e você precisa receber a sua

201 Itioka afirma: “O grande problema do povo de Deus é que crê que as bênçãos e a proteção prometidas do Senhor vêm automaticamente, quando convertido. Mas isso não é verdade”. Os Deuses da Umbanda, p. 229. Ver também ITIOKA, Neuza. Oração de Guerra. Apostila Seminário de Libertação Em ÀGAPE-RECONCILIAÇÃO. São Paulo: Sepal, 1996, p. 1.

202 CABEZAS, Desmascarado, p. 199.203

Como afirma o Instituto de Especialização Shekinah, “sem libertação não há salvação” . Estabelecendo um Ministério local de Libertação. São Paulo: Shekinah, 1998, p. 6.

88

pizza. Você declina novamente e faz menção de entrar em seu carro para sair. Então o

entregador lhe diz: “Bem, o senhor deveria ter cancelado o pedido”.204

Da mesma maneira, se não quisermos pagar por algo que não queremos mais, todo

voto, promessa, entrega, consagração efetuados em práticas religiosas anteriores devem ser

cancelados, renunciados, para que a cobrança não seja feita pelos demônios. Interpretando a

ilustração, você é o pecador que procura “preencher-se” com o que está ao seu alcance (a

pizza). O amigo que oferece um jantar no melhor restaurante da cidade é Jesus Cristo, que,

gratuitamente, brinda você com algo muito melhor e ainda por cima de graça. A pizza é o

pedido, o voto, a aliança feita com os espíritos malignos (o entregador), que vão tentar, a todo

custo, “entregar” aquilo que foi combinado no pedido ou promessa (a pizza). A não ser que

você cancele o pedido, este espírito maligno continuará a requerer direitos e “pagamentos”

sobre a sua vida.

É neste passado do cristão que se encontra o “cavalo de batalha” entre as afirmações

dos proponentes do movimento de Batalha Espiritual e o ensino tradicional. Como se verá

mais detalhadamente nos próximos tópicos, a tradição evangélica considera que, em Cristo, a

pessoa é uma nova criatura; as coisas do passado já foram anuladas a partir do momento em

que a pessoa foi perdoada, regenerada e nasceu de novo. Ela precisará acertar as coisas que

ficaram pendentes em sua vida pregressa e talvez tenha que pedir perdão a pessoas que

ofendeu, fazer restituição de valores obtidos de forma ilícita. Necessitará de santificação e

discipulado para adquirir o caráter de Cristo para si. Porém, no que se refere ao Diabo, ela

está totalmente livre. A dívida foi paga por Jesus Cristo, e ela não precisa mais se preocupar

com isso.

É exatamente aqui que a Batalha Espiritual diverge. A pessoa, como já foi

mencionado, precisa confessar seus pecados no “varejo”, e não só no “atacado”. Entende-se

por isso a pessoa não simplesmente dizer: “Pai, perdoe todos os meus pecados. Amém!”. O

movimento entende que é preciso confessar, renunciar a todo o pecado e expulsar todo o

demônio que teve “legalidade”, “direitos” sobre a pessoa em função daquela prática

pecaminosa. Neuza Itioka ensina:

[É preciso] fazer a lista de compromissos com o Ocultismo, espiritismo, idolatria, entidades recebidas, homenagiadas (sic), trabalhos de feitiçarias realizados, pecados, traumas, maldições de família. É fundamental que a lista seja feita com cuidado e cada compromisso com as trevas seja quebrado, e os espíritos renunciados, amarrados e expulsos; maldições sejam quebradas para haver libertação.205

204 Ibid., p. 18.205 ITIOKA, Neuza. Curso sobre Batalha Espiritual. São Paulo, 199?, p. 44.

89

A base bíblica para este ensino parece ser tirada do livro de Deuteronômio, capítulos

27 a 30, onde as bênçãos e maldições, de forma detalhada, foram expostas ao povo, e este, em

pelo menos uma ocasião (na narrativa das maldições que viriam sobre Israel se este não

cumprisse a Lei), participou com um “amém” no final (Dt 27.26). Outros livros usados são o

de Daniel, o de Esdras e o de Neemias, onde longas orações de confissão de pecados

cometidos pelo povo e por seus antepassados estão registradas (Ed 9; Ne 9; Dn 9).

A crítica que se faz a este tipo de prática é a de que não há um ensino bíblico claro que

indique que estas passagens devam ser interpretadas dessa maneira. As Escrituras estariam

descrevendo como o povo de Israel tratou de sua condição pecaminosa naquelas ocasiões,

arrependendo-se e tomando posição de acordo com a Lei, e não prescrevendo uma regra de

como se deve orar para se obter libertação. O que transparece aqui é o grande valor que os

proponentes da Batalha Espiritual atribuem à verbalização e à autoridade da oração de um

crente. Esses conceitos serão detalhados ainda neste tópico.

Em função disso a Batalha Espiritual usa questionários para “mapear” a vida

pregressa da pessoa e da família dela, com todos os detalhes possíveis, como nacionalidade e

religião de seus antepassados, práticas desses antepassados, como pecados, crimes, votos,

etc.206

E por que há essa preocupação em detalhar ao máximo a vida da pessoa? Por acreditar

que pecados não confessados, votos e promessas ainda não desfeitos (mesmo votos e

promessas feitos pelos antepassados a respeito dela), vínculos portanto ainda não quebrados,

dão direitos aos demônios para atormentarem a vida daquela pessoa, mesmo que ela tenha se

tornado cristã.207 Por sua vez, essa crença nasceu, principalmente, da convicção de que havia

pessoas dentro das igrejas que eram atormentadas por espíritos malignos, por doenças que a

medicina não diagnosticava, e também atormentadas por acontecimentos para os quais a

teologia até então corrente não fornecia respostas mais satisfatórias. Às alegações de que, se

um pessoa cristã fica endemoninhada, é porque ela não é uma verdadeira cristã, os defensores

do movimento respondiam que muitas desses cristãos endemoninhados tinham mostrado

realmente frutos de uma vida nova, submissa à Cristo, e um testemunho verdadeiramente

cristão. Não se poderia, dizem eles, ser simplistas e afirmar apenas que os tais

endemoninhados não tiveram uma verdadeira experiência com Cristo. Deveria haver algo de

errado, e não havia resposta para tais fenômenos. 206 Ibid., p. 44.

207 SHEKINAH, Estabelecendo um Ministério Local de Libertação, p. 15.

90

O movimento de Batalha Espiritual oferece outra explicação para a possibilidade de

um cristão genuíno ser possuído por demônios. Expressões como “possuir demônios”,

“possesso por demônios”, que aparecem nos evangelhos, são a tradução dos termos gregos

diamonizemos e echon daimonia, que também podem ser traduzidos como “ter demônio”.

Neuza Itioka diz que a correta tradução é “endemoninhado”, porque, segundo ela, a palavra

grega possui mais o sentido de controle do que possessão. Neuza Itioka afirma que a palavra

grega daimonozomenai significa “endemoninhado”, ou seja, “que tem demônios”. Ela ainda

diz que existe uma outra tradução: “homem com demônios”, e que esta seria a tradução literal

do grego. Por fim, Itioka ressalta que:

Quando se usa a palavra “endemoninhamento”, muitos ficam com receio, porque pensam [que] é o caso em que os demônios têm o total controle da pessoa. E a palavra nem sempre significa isso. Geralmente é algum aspecto ou alguns aspectos da vida da pessoa que estão sob o domínio de demônios. 208

Desta forma, seria possível, no entender da Batalha Espiritual, um cristão ficar

endemoninhado, pois ele não seria morada de demônios, por já ser santuário de Deus (1 Co

6.19; 10.23), mas poderia estar sob controle, “à distância”, em determinadas áreas de sua vida

que, por fim, regulariam a sua vida. Essa afirmação evitaria a clara dificuldade de admitir que

um crente em Jesus Cristo poderia ser possuído por demônios. Contudo, as palavras

“endemoninhado”, “possuído por demônios” e suas congêneres não têm a única conotação,

nas Escrituras, de “controlar de fora”. Em vários textos do Novo Testamento fica claro que

pessoas ficaram possuídas por demônios, demonstrando não apenas um controle externo, e

sim uma total rendição da mente e do corpo às entidades malignas (Mt 8.28-34; 12.22-30;

12.43-45). Em textos como Lc 11.24-26, Jesus diz claramente que o demônio “sai” do

homem, não dando a idéia de haver apenas um “controle”. Em Mt 17.14-21 Jesus repreendeu

o demônio, e este “saiu” do menino.

A Bíblia mostra que um cristão pode ser influenciado por Satanás (Ef 5.26; At 8.9-23),

pode ser tentado (Lc 4.1-15; 1 Pe 5.8) e que ele enfrentará uma luta contra as trevas (Ef 6.10-

17; Tg 4.7). Porém, a promessa é de vitória, de resistência e fuga do adversário, de que “maior

é aquele que está em nós do que aquele que está no mundo” (1 Jo 4.4; Rm 8.1,16,28,31,37-

39). A idéia que o texto bíblico passa é de uma total impossibilidade de que um cristão,

“sujeito a Deus” (Tg 4.7) seja presa do inimigo; antes, este foge daquele. Há, sim, um grande

208 ITIOKA, Endemoninhamento, p. 2 e 3. Ver também ITIOKA, Os Deuses das Umbanda, p. 171. (Minha ênfase).

91

enfrentamento entre a luz e as trevas, não algo em comum, como uma mesma habitação (2 Co

6.14).

3. Assim como o benefício da salvação é obtido mediante confissão (Rm 10.9,10),

assim também os demais benefícios da obra de Cristo devem ser obtidos. Por isso o

movimento defende a necessidade de, através de confissão, oração, verbalização, obter-se, a

partir de então, os demais benefícios (cura, quebra de maldições, quebra de vínculos).209 Os

seus proponentes buscam bases para essas afirmações também na história da igreja, como

afirma Neuza Itioka:

...Justino descreve como os pagãos renunciavam ídolos e se voltavam a Jesus Cristo. Esta tradição de renunciar Satanás antes do batismo remonta ao terceiro século [d.c.] na África e à tradição apostólica, de acordo com os relatos de Hipólito. Os que se candidatavam-se a tornar-se seguidores de Cristo eram persuadidos a abandonar a idolatria, considerada culto aos demônios.210

Neuza Itioka também cita o ritual da Igreja Anglicana concernente à renúncia de

Satanás:

Pergunta: - Você renuncia Satanás e todas as forças da iniqüidade que se rebelam contra Deus?

Resposta: - Sim, eu os renuncio.Pergunta: - Você renuncia os poderes do mal deste mundo, que se corrompem e destroem as criaturas de Deus?Resposta: - Sim, eu os renuncio.211

Glenn Hinson e Paulo Siepierski descrevem o rito do batismo que era praticado pela

igreja por volta do ano 200, que incluía a renúncia entre seus itens:

1- Oração sobre a água invocando o Espírito Santo para santificar e dar poderes à água;

2- Remoção de toda a roupa para o batismo em nudez;

3- Bênção do “óleo de ações de graças” pelo bispo;

4- Exorcismo do “óleo de exorcismo”;

5- Renúncia a “Satanás, sua pompa e seu serviço” pelo batizando – com a face para o

ocidente;

209 Rita Cabezas relata um sessão de libertação: “Comecei da maneira usual. Primeiro uma oração pedindo a proteção de Deus sobre nós dois, nossas famílias e bens materiais. A seguir amarrei os espíritos malignos, quebrei o poder de Satanás sobre a vida do meu amigo e comecei a repreender o espírito da mentira que ele mesmo discernira. Li em voz alta passagens bíblicas contra a mentira, mas não ordenei ao demônio que se manifestasse...” – Ibid., p. 212.210

ITIOKA, Os Deuses da Umbanda, p. 198.

211 Ibid., p. 199.

92

6- Unção com o óleo do exorcismo (sobre o corpo inteiro) por um presbítero;

7- Reconhecimento de Cristo ou da Trindade pelo batizando – com a face para o oriente;

8- Tripla imersão, cada vez acompanhada respectivamente da confissão do Pai, do Filho

e do Espírito Santo;

9- Unção com o óleo de ações de graças (sobre o corpo inteiro) por um presbítero;

10- Se vestir de novo e se juntar à Assembléia. [Lavapés em algumas igrejas];

11- Imposição de mãos pelo bispo, invocando a graça do Espírito Santo;

12- O bispo ungia com o óleo consagrado, selava na testa e dava o beijo da paz;

13- Orações com toda a assembléia e troca de beijos da paz;

14- Celebração da eucaristia, incluindo algumas vezes a distribuição de leite e mel.212

Aqui o movimento procura legitimar a prática da verbalização através dos relatos

históricos das práticas que eram comuns no início da Igreja Primitiva, que sempre é

considerada padrão de conduta para qualquer cristão. Hinson e Siepierski consideram que as

práticas descritas acima eram produto de uma época em que a sociedade era altamente

influenciada por práticas místicas. Eles afirmam:

A Igreja primitiva concebeu o batismo em meio a uma sociedade que temia espíritos. Hoje, graças à luta do cristianismo contra tais crenças e o desenvolvimento de uma compreensão científica do universo, não mais concebemos nossa existência em termos de maus-olhados, fantasmas e feitiçarias. Pelo contrário, o que a pessoa moderna teme é a desumanização, despersonalização, materialismo, vazio de vida e tudo aquilo que ameaça a nossa existência como pessoas.213

É preciso discordar em parte dos autores acima pela simples constatação de que o

homem moderno não teme apenas a desumanização, a despersonalização e as demais coisas

descritas por eles, mas teme também este mundo espiritual que parece constantemente intervir

em sua vida. Por isso vemos tanta busca desse “homem moderno” por uma espiritualidade

que o proteja desse mundo espiritual em diversas práticas religiosas. A Batalha Espiritual,

porém, radicaliza o seu discurso para o outro extremo, pois a sua cosmovisão é a de uma

completa interação entre o mundo físico e o espiritual. Não existiria o “dualismo

ocidentalizado” que enxerga um separado do outro; a cosmovisão bíblica, segundo o

movimento de Batalha Espiritual, vê uma coisa só. É o que Neuza Itioka afirma:

212 HINSON, E. Glenn e SIEPIERSKI, Paulo. Vozes do Cristianismo Primitivo. São Paulo: Sepal, 199?, p. 68-69.213

Ibid., p. 61.

93

A cosmovisão ocidental reducionista é a razão da antropologia admitir que as tribos “primitivas” necessitam da crença na existência dos espíritos como uma explicação de certos problemas, das doenças e calamidades hoje controláveis pela ciência, pela medicina [...] E, assim, muitos teólogos e cristãos, apesar do reaparecimento do satanismo e do espiritismo em grande proporções, [sic] não conseguem reconhecer o mundo dos espíritos [...] Para a cosmovisão hebraica, a realidade não é dicotomizada em um mundo dos homens e mundo dos espíritos. Tudo é uma coisa só.214

Esta cosmovisão que indica a ação dos demônios como causa e conseqüência de todos

os males é reducionista ao deixar de considerar que os pecados do homem, suas escolhas e

atos não são apenas “coadjuvantes” para a atuação de demônios. Antes, por si só geram

conseqüências que não são resolvidas com a expulsão de demônios como solução final, mas

sim com arrependimento, ética, responsabilidade e compromisso com a verdade.

4. O ato de verbalizar a palavra, confessar, ordenar, que tem também grande

influência da teologia da confissão positiva, busca sustentação no entendimento de que, à

igreja, foi delegada autoridade espiritual para que, através da verbalização do nome de Jesus,

os demônios fossem expelidos, doenças fossem repreendidas, opressões fossem extintas (Mc

16.15; Mt 10.1; Lc 10.17). Esta prática é apresentada como doutrina dos primórdios do

movimento pentecostal, anterior à confissão positiva, movimento no qual a Batalha Espiritual

teve origens e influências.215 É verdade que o pentecostalismo defende a verbalização do

nome de Jesus contra as doenças e contra aquilo que se considera como forças malignas.

Contudo, a Batalha Espiritual realmente não bebeu apenas desta fonte, mas da confissão

positiva e de outras influências modernas, que se vêem na neurolingüística, nos manuais de

auto-ajuda e em religiões como a Seicho-no-iê e a Igreja Messiânica.

Tem-se um tripé de sustentação na defesa do ato de confessar e verbalizar bênçãos

e exorcismos contra demônios. Ele é composto: (a) pelos atos da igreja dos primeiros séculos;

(b) pela doutrina pentecostal que afirma a autoridade do cristão sobre os demônios, autoridade

esta exercida especialmente na prática de expulsá-los, mais do que resistir a eles no dia-a-dia

(é a teologia do enfrentamento, ekbalística); e, por último, (c) pela influência da confissão

positiva que, através de seus principais proponentes, transita pelo território da Batalha

Espiritual.

É preciso sempre ter em mente que a “liga” que une a expulsão de demônios à

confissão de pecados e renúncia às antigas práticas é o ensino de que o pecado concede

214 ITIOKA, Os Deuses da Umbanda, p. 79.215

Augustus Nicodemus Lopes atribui essa prática à confissão positiva – O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual, p. 61. Ver também ITIOKA, Neuza. Endemoninhamento – Apostila. Ministério Ágape-Reconciliação. São Paulo: Sepal, 1996.

94

“legalidade” aos demônios, direitos que estes têm sobre a vida do cristão que possui pecados

não confessados, mesmo que tenham sido abandonados. A base que a Batalha Espiritual

oferece para este ensino são textos como 1 Sm 16.14, no qual o rei Saul era atormentado por

um espírito maligno porque havia desobedecido a Deus, entrando em sua vida o ódio,

amargura e vingança. Outro texto é At 8.9-23, que fala de Simão, o mago, que havia crido na

pregação de Filipe e se batizado na cidade de Samaria. Simão estava em “fel de amargura e

laço de iniqüidade” por ter desejado, de forma ilícita, os dons espirituais. Pedro sucumbiu à

sugestão maligna de dizer a Jesus que ele não deveria ir à Jerusalém morrer e ressuscitar (Mt

16.21-23), provavelmente por “cogitar das coisas dos homens”, de pensar de forma “carnal”.

Porém, a idéia de que seria “automática” a “legalidade” concedida aos demônios

esbarra na vontade de Deus, que por si só confronta a idéia de “causa e efeito”, de uma força

independente da soberania de Deus, neste mundo espiritual. É verdade que, se alguém não

andar de acordo com a palavra de Deus, estará se expondo aos enganos, influências e ataques

do diabo. Paulo falou advertiu os crentes da igreja de Éfeso a não darem “lugar ao diabo”

permitindo ira em seus corações (Ef 5.26). Porém, isso não elimina a intervenção divina,

como aconteceu com o próprio Pedro em Lc 22.31-32, quando Jesus lhe diz que o adversário

queria agir em sua vida, talvez pelo mesmo motivo alegado pela Batalha Espiritual para

explicar, na passagem citada anteriormente, porque Pedro foi “usado” para atingir Jesus;

Jesus, porém, não o permitiu.

A ausência da prática desses pecados não elimina, segundo a guerra espiritual, o

espaço dado aos espíritos malignos quando de suas práticas anteriores. Assim, a confissão é

importante para o movimento de Batalha Espiritual porque ela conserva o eixo doutrinário-

prático do movimento, ekbalístico, de enfrentamento do Diabo e seus demônios.

5. O que seria “autoridade delegada” para o movimento? Seria o poder e a posição

dados pelo Espírito Santo ao crente, pelo qual ele irá desempenhar a continuidade do

ministério de Jesus na terra (Lucas 4; João 14.12). Por poder delegado se entenderia o

seguinte: considere que um empregador contrata um funcionário para desempenhar uma

atividade dentro de sua empresa. Este funcionário será treinado para a função, e todos os

meios necessários (computador, calculadora, mesa, cadeira, impressora, etc.) lhe são

fornecidos. Isto feito, ele deverá desempenhar sua função de forma satisfatória. Ele irá cuidar

de assuntos daquela empresa em nome de seu patrão. Este o treinou, proveu das ferramentas

necessárias e o comissionou para uma função. Depois de tudo isso, será o patrão quem deverá

desempenhar aquela função? Não. A função foi delegada ao funcionário. Ele é quem deve

cumpri-la. Da mesma forma, o cristão foi capacitado pelo Espírito Santo, provido de

95

ferramentas (dons, talentos), para que desempenhe suas funções delegadas (curar enfermos,

expulsar demônios, libertar os aflitos). Toda a capacitação e provisão vêm de Deus, mas é o

cristão quem deve desempenhar a função.

6. Este é o background doutrinário para fundamentar a idéia de que o cristão,

mesmo tendo nascido de novo, ainda precisa lidar com demônios que procuram afligi-lo,

porque lidar com demônios foi-lhe delegado como função. O cristão deve expulsar o

demônio, pois a ele foi delegada esta função. As idéias de hereditariedade, possessão

demoníaca, cura, autoridade, libertação, ficam em pé ou caem em função da delegação de

lidar com os demônios que o movimento defende como tendo sido atribuída aos cristãos. Eles

não são expulsos automaticamente, quando da conversão.216

7. Por último, o movimento de batalha espiritual é uma tentativa de elaboração,

teológica e prática, de respostas a algumas situações nas quais a igreja teve que lidar com

casos para os quais as interpretações e práticas comuns não forneciam bons resultados. Não

seria uma atitude que se percebeu consciente ou organizada, no sentido de ter surgido para

isso, ou que alguém tenha se debruçado sobre o momento histórico da igreja para interpretá-lo

e aplicar as Escrituras para uma compreensão e uma praxis teológica na vida da igreja. O

movimento foi surgindo da aglutinação de tendências. Em geral, foi assim ao longo de toda a

história da igreja. Interpretações teológicas, que se tornaram ortodoxia, surgiram muito mais

em função do contexto no qual a igreja vivia. Nos tempos da perseguição da igreja primitiva,

os apologistas produziram a sua defesa da fé e da igreja; nas controvérsias doutrinárias, outros

pais da igreja interpretaram as Escrituras e empreenderam a produção de credos e confissões,

em função daquele momento; durante a Reforma Protestante, os reformadores, em face do

catolicismo e do humanismo que ressurgia, teologizaram, em grande parte como resposta ao

momento histórico. E assim aconteceu nos grandes despertamentos do século XVIII, quando,

p.e., Jonathan Edwards escreveu e procurou um arcabouço escriturístico para o avivamento

que lhe era contemporâneo. Na controvérsia modernista-fundamentalista e hoje acontece da

mesma forma. É necessário atentar para este aspecto. Não seria adequado acusar que a

Batalha Espiritual é apenas puro pragmatismo. Porém, na tentativa de embasar

escrituristicamente o movimento, seus proponentes falham em vários aspectos da soberania de

Deus; portanto, se equivocaram a respeito do campo de atuação dos demônios e da autoridade

delegada à igreja, entre outros pontos importantes. Esta é a “mãe de todas as batalhas”. É o

que se verá a seguir.

216 Ibid., 6,11. ITIOKA, Neuza. Padrão de Aconselhamento. Apostila. Ágape-Reconciliação – Ministério de Libertação. São Paulo: SEPAL, 1996. Ver também Os Deuses da Umbanda, p. 194, 208.

96

7.2. OS PROBLEMAS DO MOVIMENTO

A Batalha Espiritual tem conceitos controvertidos que esta pesquisa procurará

descrever. Não serão analisados de modo profundo e detalhado. Somente os princípios gerais

serão abordados.

1. Augustus Nicodemus Lopes define o arcabouço teológico do movimento como

ekbalístico,217 termo derivado do verbo grego que significa expulsar, atacar, expelir. É a

idéia de que todo o mal, toda a adversidade, tem origem no diabo. Todos os contratempos que

um ser humano experimenta são causados por demônios. Naturalmente, o movimento tem

aqui um sério problema conceitual, pois é fácil provar que nem todo o mal tem origem

maligna. Alguém pode ficar doente por um simples descuido, como sair de um banho quente

e pisar num chão frio, e ficar resfriado. Jesus curou muitas pessoas sem expulsar

demônios delas, mas ordenando que a doença saísse, que o cego enxergasse, inclusive

ordenando que um paralítico andasse, e recomendando que não mais pecasse, “para que não te

suceda coisa pior” (Jo 5.14). Fica claro aqui que aquela paralisia tinha alguma ligação com

um pecado não deixado. Entende-se por correta a afirmação da contemporaneidade da

expulsão de demônios, como sinal e manifestação que seguiria àqueles que cressem (Marcos

16.17), como continuidade do ministério de Cristo (João 14.12). Porém, fica claro, como foi

demonstrado, que nem todos os casos de doenças físicas e emocionais, além de outros

episódios, são causados por demônios. O movimento até admite que nem tudo é causado por

demônios, mas, na prática, a cosmovisão desemboca na luta contra eles. Rita Cabezas

argumenta que: “Não me levem a mal, não quero que interpretem que afirmo que atrás de

todo o sintoma há um ou vários demônios. Isto seria um erro enorme. Mas sim creio que estes

se escondem atrás de muitos sintomas resistentes a desaparecer.218

Cindy Jacobs, por exemplo, no capítulo “O Desequilíbrio na Intercessão” de seu livro

Possuindo as Portas do Inimigo, fala sobre os erros de discernimento na Batalha Espiritual.

Ao se procurar nesse capítulo algo que fale sobre o erro de interpretar qualquer doença como

tendo origem maligna, não se encontra nenhum ensino a respeito. Quando ali é mencionado

algum erro de interpretação sobre pessoas doentes, encontra-se apenas uma explicação sobre o

intercessor suportar as enfermidades de outras pessoas, ou seja, ao orar por alguém enfermo, o 217 LOPES, Compreendendo a Batalha Espiritual, p. 31,32.218

CABEZAS, Desmascarado, p. 25.

97

intercessor pode manifestar os sintomas da doença que acomete a pessoa por quem está

intercedendo. Às vezes, diz Cindy, a doença não é da pessoa por quem se ora; é do próprio

intercessor. Ela cita o exemplo de uma líder de oração que ficou enferma, dizendo que ela

afirmou publicamente que aquela doença não era dela, que os sintomas eram irreais e que ela

carregava o sofrimento de uma pessoa mais fraca pela qual estava intercedendo. No decorrer

dos dias piorou e, ao buscar socorro médico, era tarde demais. A diabetes a matou. Ao

explicar o fato, Cindy diz que essa idéia vem de um livro chamado O Intercessor, de Rees

Howells. Ela diz o seguinte:

Não quero com isto atacar um homem que, pessoalmente, considero um dos pioneiros na intercessão e um grande intercessor. Quero, isto sim, mostrar que mesmo sendo um grande intercessor, Rees Howells, ao escrever sobre o assunto, não explicou corretamente o que o Senhor queria lhe dizer quando falou em “identificação”.219

Para Cindy, “identificação” não difere muito do que Rees Howells entende a respeito

do conceito. O intercessor, também para ela, pode sofrer os mesmos sintomas da pessoa que é

o alvo da intercessão.220 O problema aqui é que ela não cita nenhuma passagem das Escrituras

para embasar o que diz, a não ser 1 Pe 2.24, que fala que pelas pisaduras de Cristo fomos

sarados.221 Quando ela diz que Deus “falou” com Rees Howells, parece que este ensino foi

dado através de “revelação”; além disso, não explica que muitas das doenças das pessoas têm

apenas origem natural.

2. O movimento tem uma cosmovisão dualista ou maniqueísta, ainda que os seus

proponentes não o definam desta maneira. Segundo Neuza Itioka, em sua tese de doutorado

que virou livro,222 a cosmovisão ocidental é rígida, não considerando de forma correta a

interação que haveria entre o mundo físico e o espiritual, o que a cosmovisão oriental

considera de forma natural. Para o oriental, a interação entre homens, anjos, demônios e

entidades deve ser encarada como comum. Porém, em sua práxis a Batalha Espiritual no

mínimo se denuncia como maniqueísta, como pode ser visto em livros como os de Rebecca

Brown e Eduardo Mastral, nos quais existe uma onipresença diabólica e uma onipotência por

parte do Maligno, fazendo com que os cristãos sejam quase que reféns das forças diabólicas,

geralmente na defensiva, e estejam obrigados a rituais diários e constantes de unção e

219 JACOBS, Possuindo as Portas do Inimigo, p. 138.220

Ibid., p. 140.221

Ibid., p. 139.222

ITIOKA, Neuza. Os deuses da Umbanda, p. 79.

98

expulsões para não serem agredidos por demônios.223 Naturalmente, este conceito é contrário

àquilo que as Escrituras ensinam a respeito da onipotência de Deus e da sua soberania. O

diabo, segundo o ensino tradicional da igreja, está subordinado a Deus, e sua atuação e a dos

demônios é limitada pela vontade soberana de Deus, como em Jó cap. 1.

O diabo e seus demônios têm o seu campo de atuação e um poder limitados, porém de

certa eficiência, que não deve ser ignorado nem mensurado de forma incorreta. É interessante

observar, citando ainda o livro de Jó, que Satanás usou as forças da natureza (o vento) para

atingir os filhos de Jó; foi ele também quem colocou a doença em Jó. Percebe-se que existe ao

menos uma possibilidade de Satanás atuar também desta forma, contrariando afirmações por

vezes jocosas da parte de alguns, de que há pessoas que “vêem o diabo em tudo”. Pode-se

afirmar que, se não é Satanás o autor de todos os males que afligem o ser humano, ao menos

ele pode tirar proveito até mesmo das situações que ele não criou. Porém, o diabo não age sem

a permissão de Deus. Nicodemus Lopes afirma:

A Bíblia nos ensina que Satanás não pode atacar os filhos de Deus sem a permissão dele. Foi somente assim que pode atacar o fiel Jó (Jó 1.6-12; 2.1-7), incitar Davi a contar o número dos israelitas (I Cr 21.1 com 2 Sm 24.1) e peneirar Pedro e demais discípulos (Lc 22.31-32). Os crentes têm a promessa divina de que ele só permitirá a tentação prosseguir até o limite individual de cada um (1 Co 10.13), o que só faz sentido se o Senhor tiver pleno controle sobre a atividade satânica.224

3. Em decorrência, há uma supervalorização do diabo, de modo que igrejas e

ministérios devem a sua existência à luta contra as forças malignas, deixando de lado ou não

dando a importância devida aos demais aspectos do evangelho e suas grandes doutrinas, como

a obra redentora, substitutiva e expiatória de Jesus Cristo, a queda do homem, a esperança

futura, bem como outras implicações do evangelho, no sentido de promover comunhão,

assistência social, estudo e reflexão aprofundados das Escrituras. O importante é o aqui e o

agora. Realmente, vê-se quase que uma obsessão pelo diabo em livros e literatura do

movimento. Isso é decorrência da característica ekbalística do movimento, que dualiza a

realidade e reduz a atuação da igreja apenas ao combate às forças das trevas. É claro que a

igreja perde muito com isso. Desse modo, entendem-se as críticas ao movimento, ligando-o

ao pragmatismo (tentativa e erro, não importando o como fazer, mas sim o resultado) e à onda

223 Livros como o de MASTRAL, Eduardo Daniel. Filho do Fogo. 7ª ed. São Paulo: Naós, 2002. Trata-se de um autodeclarado ex-satanista. 224

LOPES, Augustus N. Misticismo e Fé Cristã.. Disponível em http://www.solascriptura-tt.org/Seitas/Pentecostalismo. Acesso em: 17/04/2004.

99

de superstição e misticismo que estamos vivendo desde as três últimas décadas do século XX,

definindo a Batalha Espiritual muito mais como um fenômeno decorrente da época atual, e

não como um “novo mover” ou a “última revelação” para a igreja, conceitos que o

movimento reivindica para si.

É preciso lembrar que a base teológica do movimento é (arminiana e)

dispensacionalista, o que favorece o entendimento de que a guerra espiritual faz parte do

derramar do Espírito Santo nesta dispensação, que é chamada pelos seus proponentes de

dispensação do Espírito (ou da graça ou também da igreja), dispensação esta que antecederia

o arrebatamento da igreja e a Grande Tribulação. A questão demoníaca entra em cena para

também justificar esta idéia: haveria uma grande manifestação de demônios nestes dias que

antecederiam a vinda de Jesus como houve um fenômeno semelhante nos dias do ministério

terreno de Cristo, quando ele se deparou com uma atividade demoníaca que não encontra

paralelo em outras narrativas bíblicas, a não ser quando a Bíblia fala do futuro. É esse futuro

que o movimento acredita que está, no mínimo, inaugurando.

4. Não é clara a posição do movimento quanto à suficiência da obra redentora de

Jesus Cristo, a começar pelas posições de alguns pregadores que são citados e tidos como

referenciais do movimento, como é o caso de Kenneth Hagin. O movimento ao qual ele está

ligado, a confissão positiva, afirma que “a obra na cruz não foi suficiente para redimir o

homem”. Jesus, além de padecer na cruz, teve que “ir ao inferno, para também ali padecer”.225

O raciocínio é o seguinte: Jesus nos substituiu em tudo. Morreu, para termos vida; sofreu,

para que não soframos mais; foi ao inferno, para ganharmos o céu. Se ele nos substituiu em

tudo, ele teria que não só ir ao inferno, mas lá sofrer, para substituir totalmente e finalmente o

ser humano. O homem iria sofrer no inferno; Cristo foi até lá e sofreu em nosso lugar,

realizando uma obra completa de substituição. Aqui se tem um típico exemplo de raciocínio

lógico, porém sem base bíblica. Por essa linha de pensamento, seria necessário entender a

obra de Cristo da forma como foi apresentada: Cristo substituindo o homem em tudo,

inclusive em seu sofrimento infernal. Porém, não é o que as Escrituras dizem a respeito da ida

de Cristo ao inferno. Ele não foi para ali sofrer; foi declarar a sua vitória.226 Nicodemus Lopes

explica que a obra na cruz do calvário foi suficiente:

O apóstolo Paulo nos esclarece que o escrito de dívida que nos era contrário, a maldição da lei, foi tornado sem qualquer efeito sobre nós. Jesus o anulou na cruz (Cl 2.13-15; Gl 3.13). Ou

225 RODRIGUES, O Evangelho da Nova Era, p. 68.226 ROMEIRO, Super-Crentes, p. 60-61.

100

seja, toda e qualquer condenação que pesava sobre nós foi removida completamente quando Cristo pagou, de forma suficiente e eficaz, nossa culpa diante de Deus.227

A obra do Calvário foi suficiente, porque ela mudou a “origem” do homem. E a

origem determina nosso destino. Como é isso? Tome-se como exemplo duas malas cheias de

dinheiro. Ambas estão recheadas de notas de cinqüenta reais. Uma delas é produto do trabalho

honesto de um cidadão. A outra é dinheiro proveniente do tráfico de drogas. Em ambas o

dinheiro é autêntico, porém a primeira mala é de dinheiro limpo, enquanto que a outra é de

dinheiro sujo. Como as mesmas notas de cinqüenta reais assumiram adjetivos tão diferentes?

Por causa da origem do dinheiro. Esta origem determinou o caráter de ambas as quantias. A

origem de todo homem é em Adão. E, por causa do pecado de Adão, todos pecaram. E esta

origem determinou que o seu destino seria a ira de Deus e a condenação eterna. Deus, então,

muda a origem, e, portanto, o destino do pecador. O apóstolo Paulo diz que Cristo é o “último

Adão” e o “segundo homem” (1 Co 15.45,47). Último Adão porque nele tudo aquilo que

pertencia ao primeiro Adão deveria ser morto, desfeito. Por isso Cristo é o último, não o

segundo Adão. Ele é “segundo homem”, e não o último homem, porque Deus inicia em Cristo

uma nova raça de seres humanos, eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade

exclusiva de Deus (1 Pe 2.9). E tudo isso se concretiza na cruz, pois o último Adão é cravado

nela, e o segundo homem surge após ela, na ressurreição. A cruz divide a história, e

concretiza os propósitos de Deus. Aquele, pois, que está “em Cristo” é uma “nova criatura”.

Esta obra é suficiente.228

O que é encontrado na teologia do movimento, em alguns momentos, é um raciocínio

lógico, concatenado, porém sem um respaldo bíblico comprovado. A origem é mais dedutiva,

filosófica, e menos escriturística. E as tentativas de embasá-lo na Bíblia acabaram não sendo

satisfatórias.229 Como já foi demonstrado ao longo da pesquisa, o movimento não atrai

credibilidade principalmente pelas fontes legitimadoras de sua teologia, que vêem

especialmente de testemunhos de pessoas e relatos de demônios, além de movimentos

também controvertidos e não aceitos pelo ensino tradicional evangélico, como a confissão

positiva.

227

LOPES, Augustus Nicodemus. Misticismo e Fé Cristã. Disponível em http://www.solascriptura-tt.org/Seitas/Pentecostalismo. Acesso em: 18/04/2004.

228 Este raciocínio é de Watchman NEE, em seu livro Vida Cristã Normal. São Paulo: Fiel, 1982.229 LOPES, Augustus Nicodemus. Resenha do livro de Neuza Itioka, A Igreja e a Batalha Espiritual: Você está em Guerra! Fides Reformata. São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 1996, p. 105.

101

Em decorrência disso, a obra libertadora de Cristo, ao ser ensinada pelo movimento de

Batalha Espiritual com uma ênfase quase que total no aspecto ekbalístico, de ataque ao Diabo,

deixa de ser apresentada em seu outro importantíssimo aspecto: o de descansar na obra

realizada. É o que se passará a analisar.

Parece contraditório, ao falar-se em libertação e guerra espiritual, falar-se em

descanso. Porém, ao estudar-se livros como Efésios, que é considerado o “manual de guerra

espiritual” do Novo Testamento, observa-se uma linguagem mais defensiva do que ofensiva.

Basta olhar para o capítulo seis e analisar as armas espirituais ali apresentadas ao cristão para

o combate contra as forças das trevas. Ali encontramos a couraça, o capacete, o cinto, as

sandálias, o escudo e a espada. Somente esta última é uma arma ofensiva, e mesmo ela pode

ser usada como arma de defesa. O que isso sugere? Sugere que a guerra espiritual é tratada

mais em termos de defesa de algo já conquistado do que uma ofensiva para conquistar algo

ainda não possuído. Nicodemus Lopes afirma:

Paulo apresenta nessa passagem [Efésios 6] algumas razões pelas quais a igreja deve tomar toda a armadura de Deus. Em primeiro lugar, para ficar firme contra as astutas ciladas do diabo (6.11). O propósito da armadura é que a Igreja permaneça firme, fundamentada e firmada em sua posição de vitória, em Cristo Jesus, e assim, firme contra as ciladas do diabo.230

Esse é o ponto no qual a divergência nasce e determina duas interpretações diferentes.

A interpretação tradicional, ortodoxa, vê passagens como 2 Coríntios 5.17: “Portanto, se

alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez

novo”, como sendo uma inequívoca afirmação dessa obra realizada em Cristo. O passado foi

anulado. Não há necessidade de algo ainda ser feito hoje a respeito dele.

Já o movimento de Batalha Espiritual crê na obra realizada em Cristo, mas também crê

que esta obra precisa ser apropriada por todo aquele que crê em Cristo. Ela não é realizada

automaticamente. A Missão Evangélica Shekinah chama a interpretação ortodoxa de

“teoria contrária”, e afirma o seguinte:

[Ser] nova criatura – para quem? Satanás jamais aceitará que você é nova criatura. A família também nos casos em que só há um só convertido. Há pessoas que são renegadas pela família porque se tornaram crentes. O único interessado em você ser uma nova criatura é o próprio criador, Jesus Cristo. [As] coisas velhas já passaram – para quem? Satanás está sempre te acusando do passado. A Bíblia diz: Ele é o acusador. A família que não é cristã, acusa os próprios familiares que são crentes, principalmente se eles erram. As coisas velhas já

230

LOPES, O que você precisa saber sobre Batalha Espiritual, p. 19.

102

passaram, só para Jesus, porque a Bíblia diz que Ele lança o pecado atrás de suas costas e não se lembra mais deles.231

O problema com a afirmação acima é que o fato de Satanás não aceitar que o crente

nasceu de novo não muda a realidade de que ele nasceu de novo! Satanás aceitando ou não, a

obra de Cristo independe dessa aceitação; e afirmar que o inimigo estará sempre acusando e

atacando o cristão não é novidade, pois a Bíblia adverte a esse respeito como sendo algo com

que cada cristão irá lidar até o fim de sua vida.

Como já foi demonstrado, o conceito da Batalha Espiritual de que a igreja recebeu

autoridade para lidar com os poderes das trevas favorece a idéia de que mesmo as coisas do

passado devem ser tratadas por ela. É necessário, então, distinguir onde a controvérsia se

revela, que é nos limites da obra libertadora de Cristo. O que se observou nesta dissertação é

que este tema necessita ser mais pesquisado e estudado. Por um lado, temos o ensino bíblico

que afirma, com razão, que, em Cristo, “as coisas velhas se passaram, tudo se fez novo”, sem,

porém, explorar e discorrer sobre quais são os limites e modos pelos quais a libertação de

Cristo ocorre na vida das pessoas. Do outro lado, temos a Batalha Espiritual não discordando

disso, porém entendendo que esta verdade precisa ser apropriada, a partir da conversão do

indivíduo, criando uma situação na qual uma posição clara sobre suficiência da obra de Cristo

não é esclarecida. Percebe-se aqui um hiato, uma lacuna que deve ser explorada. Enfim, de

que modo Cristo liberta alguém? Qual é o alcance, tempo, modo dessa libertação? De que

alguém precisa ou pode ser liberto? São perguntas que precisam ser cuidadosamente

respondidas.

5. Como mais um desdobramento da deficiente elaboração teológica do movimento,

não fica esclarecido qual é o seu entendimento sobre a soberania de Deus. Como já foi

demonstrado anteriormente, em vários lugares da literatura da Batalha Espiritual encontram-

se relatados fatos nos quais fica difícil enxergar um Deus soberano presente, quando, nesses

relatos, parece ser Satanás, e não Deus, quem é onipresente, onisciente e onipotente.

O ensino bíblico demonstra que o diabo, mesmo sendo um ser moral responsável e

possuindo poderes, é um ser submisso à vontade de Deus. Mesmo que se encontre nas

Escrituras advertências contra os ataques malignos e o poder do reino das trevas (Lc 4.6; Jo

14.30; Ef 6.12; Tg 4.7; 1 Pe 5.8), não há um ensino que admita que esse poder é independente

do poder e soberania de Deus. O povo de Deus não pode ser atacado sem a permissão de

Deus. E isso, particularmente, não é tratado de forma meticulosa pelo movimento de Batalha

Espiritual. Porém, por outro lado, a Bíblia dá a entender que a permissão para o ataque 231 SHEKINAH, Estabelecendo um Ministério Local de Libertação, p. 16.

103

maligno seria constante, isto é, o diabo é apresentado como alguém que pode “tragar” o

cristão em qualquer momento, daí a advertência de Pedro (1 Pe 5.8). A vigilância do crente é

necessária, e em textos como esses é que se necessita de maior elaboração sobre as condições

em que a vigilância é determinante, mesmo que a soberania de Deus esteja preservada.

Essa “zona de equilíbrio” entre as ações humanas, morais e responsáveis, e a soberania

de Deus, tem sido alvo de discussões. Clark Pinnock têm defendido uma posição mais

“moderada” a respeito da soberania de Deus do que o posicionamento de Agostinho e

Calvino. Pinnock afirma que um controle soberano (absoluto) da parte de Deus nega e anula a

habilidade e a liberdade das pessoas. Ele defende a afirmação de que Deus criou o mundo

com uma certa medida de autodeterminação, e que governa um mundo livre e dinâmico, sem

determinismos. Porém, este ensino tem sido rechaçado pelos teólogos reformados, por não

verem nele uma posição que estaria de acordo com o ensino bíblico acerca do reino de Deus

neste mundo.232 Nicodemus Lopes fala sobre a coexistência do reino de Deus e o reino das

trevas:

Cristo já reina, mas ainda não liquidou literalmente todos os seus inimigos, como Satanás e a morte (1 Co 15.20-28; Hb 2.8). O reino de Deus já está entre nós, mas ainda temos de orar “venha o teu reino”. Já estamos salvos da condenação do pecado, mas ainda não da sua presença e da morte que ele acarreta (...) É à luz desta tensão que podemos entender que o diabo já foi vencido, despojado, limitado e amarrado, mas ainda não aniquilado.233

Percebe-se a tensão entre estes dois reinos, porém isto não é sinônimo de igualdade de

forças, de um dualismo maniqueísta que o movimento de Batalha Espiritual, na prática,

ensina. Mesmo que em sua literatura a soberania de Deus seja reconhecida, sempre o é em

termos de uma soberania potencial, que a igreja precisa transformar em realidade.234

6. Por último, a Bíblia diz que o exercício dos dons espirituais e ministeriais serve para

a “edificação da igreja” (1 Co 14.12). Porém, como já foi mencionado, no cenário da guerra

espiritual os dons acabam servindo para a “edificação” de muitos de seus pregadores, atraindo

as atenções dos fiéis para si, como “super-homens” ou “super-ungidos” de quem a “unção” é

liberada para abençoar as pessoas. Em muitos lugares esta prática não é desencorajada, antes

incentivada, bem como não é desestimulada a “fama” que é criada entre o povo. Mesmo

232 Ver MATOS, Alderi Souza de, LOPES, Augustus Nicodemus, PORTELA NETO, Francisco Solano, CAMPOS, Heber Carlos de, Fé Cristã e Misticismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2000. Ver também o artigo de MYATT, Alan, O Livre Arbítrio nas Seitas e na Apologética Reformada, p. 23-24.

233 Ibid., p. 47.

234 SHEKINAH, Estabelecendo um ministério local de libertação, p. 6; ITIOKA, Curso sobre Batalha Espiritual, p. 12.

104

reconhecendo que é Cristo quem liberta, na prática as atenções são para os “libertadores”. São

comuns palavras como “transferir unção”, “estar debaixo da unção desse ministério”, “Deus

me falou”, frases que por si só causam o resultado descrito, e são usadas muitas vezes sem o

menor critério e cuidado. Não se pode deixar de citar também a aparente “preocupação” com

nomenclaturas que, alegadamente, são bíblicas, porém são usadas fora de contexto e sem o

respaldo que o bom senso pede, deixando a noção de que a preocupação não é com a exatidão

bíblica quanto à nomenclatura ministerial, mas sim com o status que ela pode conferir.

“Apóstolos”, “profetas”, “bispos” e outros nomes têm-se multiplicado, sem critério algum, o

que provoca o efeito contrário, o de banalizar e vulgarizar o uso, ao ponto do assunto ter se

tornado alvo de zombarias e brincadeiras, nas quais fica-se imaginando que próximo “título”

irá surgir. E a idéia de autoridade delegada ao crente para ser o embaixador de Cristo, que é

bíblica (Mt 10.1; Mc 16.15; Lc 10.1,17; Jo 14.12,13; At 1.8; Ef 1.18,19), passa a ser usada

para “autorizar” mandos e desmandos de muitos cristãos, que passam a dar ordens e

“comandos” para tudo, inclusive para Deus e para anjos, com os já conhecidos “eu exijo”,

“eu determino”, e, mais recentemente, uma overdose de “atos proféticos”. É o caso de um

grupo que, dizendo-se desafiado por Deus, viajou pelo Brasil para orar e jejuar pelo país

durante quarenta dias. Quando estavam no Rio Grande do Sul, visitaram uma cidade chamada

Sapiranga, onde há um morro conhecido como “Ferrabrás”, palavra que, segundo este grupo,

significa “inflamação nos olhos e pálpebras que faz com que os cílios caiam”. Eis um relato

típico de um “ato profético” que ocorreu no lugar:

Lá ocorreu um terrível massacre no final do séc. XIX contra uma comunidade inteira de crentes (...) Seu sangue clamava da terra, e estava nas mãos das trevas, o que fortalecia os demônios. Pessoas pulavam de pára-quedas do topo do monte, símbolo no reino do espírito de abutres se alimentando daquele sangue (!). No topo do monte as pessoas praticavam pára-quedismo [e] asa-delta, se prostituíam e usavam drogas. Subimos ao monte, parando em sete pontos diferentes aonde irmãos fincaram espadas, demarcando e tomando o território (?). No cume o sangue inocente foi recolhido (?), vinho foi derramado e Deus zombou (?) do demônio que dominava aquele lugar. Os céus da cidade então ficaram limpos (!).235

Em outra passagem, o grupo passou pela cidade de Gramado e, alegando que ali

“estavam os principais demônios da região sul”, registraram que somente o apóstolo e o

profeta do ministério tiveram autorização para entrar na cidade, “e mesmo assim sem nada

poder comprar, comer ou beber na cidade”.236 Nota-se o zelo e empenho do grupo em

cumprir aquilo que entenderam ser a direção de Deus para seu ministério. Porém, pode-se 235 Missão Apostólica Brasil 2002. Apostila. Suzano: Igreja Apostólica o Libertador de Israel, 2002, p.7-8. Minha ênfase.

236 Ibid., p. 9.

105

enquadrar esse relato naquilo que o apóstolo Paulo descreve como “zelo, porém sem

entendimento” (Rm 10.2). A idéia de autoridade delegada é exacerbada ao limite com práticas

assim, que superam, em muito, “o que está escrito” (1 Co 4.6) e o bom senso de reconhecer,

de forma clara e inquestionável, que “a excelência do poder pertence a Deus” (2 Co 4.7). A

aura de “super poderes” e um conhecimento reservado a uns poucos “iniciados” são

exatamente afirmações que os gnósticos fazem ao longos dos séculos. É preciso levar em

conta o zelo e o amor pelo país e pelas almas perdidas, porém é preciso denunciar a falta de

zelo para com a boa interpretação das Escrituras, a falta de bom senso nas posturas adotadas e

nas espiritualizações sem fundamento que são feitas, sem base bíblica alguma, e a falta de

modéstia nos relatos desses grupos, algo que soa pedante e eivado de orgulho espiritual.

CONCLUSÃO

Diante das constatações apresentadas por esta pesquisa, conclui-se que o movimento

de Batalha Espiritual veio, de forma incompleta e controversa, responder a expectativas desta

sociedade do final do segundo milênio e início do terceiro. A Batalha Espiritual surgiu (sem

que houvesse essa intenção), no mínimo, para sacudir a igreja a fim de que esta refletisse

sobre sua eclesiologia, sua doutrina e liturgia para produzir respostas a questões que se

levantaram dentro e fora dela. Claramente, movimentos como este mostram a constante

necessidade de os evangélicos contextualizarem-se sem perderem conteúdos, a fim comunicar

um evangelho que fale a esta geração, além de acender uma “luz amarela” de advertência para

os ventos doutrinários que sopram sobre ela e sobre o rebanho.

106

Entre outras demandas para as quais o movimento surgiu como proposta de solução

está a mudança do eixo comportamental e doutrinário verificado entre os evangélicos

especialmente das igrejas chamadas neopentecostais. Aqui cabe, porém, uma observação

antes de se prosseguir.

Nas pesquisas realizadas, verificou-se uma significativa dificuldade para melhor

definir o universo de igrejas que está sendo denominado de neopentecostal. Na maioria dos

trabalhos, o modelo de neopentecostalismo é a Igreja Universal do Reino de Deus ou a Igreja

Internacional da Graça de Deus. E, no mesmo espectro, são incluídas todas as demais igrejas

que não pertençam ao universo histórico ou pentecostal clássico. Caberia neste momento

produzir-se trabalhos que verificassem e constatassem que a realidade e a diversidade

encontrada neste nicho chamado de neopentecostalismo é muito grande para se propor como

perfil do novo pentecostalismo apenas a Igreja Universal ou a Igreja da Graça.

Dentre as hipóteses formuladas por esta pesquisa, constatou-se que a mudança

comportamental e doutrinária foi grande. Três décadas atrás, ter um instrumento como uma

bateria ou uma guitarra elétrica em muitas igrejas resultava em reuniões extraordinárias entre

membros, oficiais e obreiros, nas quais aconteciam acaloradas discussões sobre a sacralidade

ou mundanismo dos referidos instrumentos musicais. Hoje, em muitas dessas igrejas e,

certamente, para a maioria de seus membros, rock, axé, samba, funk, entre outros ritmos, não

são mais novidade nenhuma. Existem casas de show gospel, cafés evangélicos onde seus

clientes têm à sua disposição ambientes variados, incluindo pistas de dança onde se pode

dançar ao som de diversos ritmos dos mais diversos conjuntos, cantores e bandas evangélicas,

ou melhor, gospel. Existem grifes de roupas e cosméticos, acessórios para o embelezamento

de crentes que, anos antes, eram instados a rejeitar todas as vaidades deste mundo e,

asceticamente, andar neste “vale de lágrimas” aguardando a volta de Cristo e – para apressar

esse acontecimento – evangelizando laboriosamente. Esta “incursão” no mundo, como vimos,

é resultado de fatores como a melhoria da qualidade de vida; a facilitação de acesso aos

recursos educacionais, materiais e de entretenimento (como nunca houve na história da

humanidade); o aumento da expectativa de vida; a globalização que abriu o mundo às pessoas.

Sim, esta última geração tem vivido e convivido com novidades, novas perspectivas, pressões

e expectativas com as quais outras gerações na história não viveram.

A questão é que estes novos comportamentos não são fruto de uma reflexão bíblica

que gerou as tendências verificadas neste trabalho. A ordem é inversa. A reflexão

escriturística e as tendências que se estabeleceram surgiram após o fenômeno irromper no

meio evangélico. De certo modo, a coisa se fez acontecer, para depois se pensar nela, e isso

107

demonstra que a pressão e influência vieram de fora para dentro da igreja, o que revela a

excessiva influência da sociedade no comportamento da igreja. Houve uma contextualização

natural da igreja em alguns aspectos, como os instrumentos musicais e alguns meios de

propagação do evangelho, como marchas e eventos musicais de grande porte, entre outros.

Houve, contudo, uma acomodação perigosa das igrejas evangélicas, principalmente das

neopentecostais, a este novo estado de coisas. O pragmatismo encontrou espaço onde não

deveria encontrar, como nas igrejas em que o termo solução, como já foi citado, ofuscou e

quase que substituiu o termo salvação. Esse pragmatismo transformou fins em meios, como é

o caso dos cultos nos quais se deveria buscar a Deus como a finalidade de conhecê-lo e adorá-

lo, mas na verdade se busca a Deus como meio de obter respostas para os problemas do

cotidiano (o que é de se repudiar quando somente a última opção é que ocorre em vários

lugares).

Doutrinariamente, o eixo cristológico, histórico, que mudou para um eixo

pneumatológico dentro do pentecostalismo, cristalizou-se no neopentecostalismo, no qual,

mais ainda, observou-se a extrema liberdade litúrgica e de interpretação das Escrituras, tudo

sob o manto da “unção” do Espírito Santo. Divinizou-se o discurso como nunca antes. O eixo

clerical migrou para o leigo, e milhares de igrejas, pontos de pregação e pequenos grupos

surgiram sob essa liderança. De forma veloz, muitas vezes sem preparo formal, estes grupos

multiplicaram-se, não só pela facilidade e simplicidade eclesiológica, mas também pelas

divisões que essas facilidades e simplicidades comumente geram.

Por último, os textos fundantes, que nas igrejas históricas eram livros como Romanos

e Atos dos Apóstolos, para os pentecostais tornaram-se os livros do Antigo Testamento, como

o Pentateuco, para a Batalha Espiritual. Dentro da pneumatologia neopentecostal, mudam

também sinais característicos importantes. O dom de línguas dá lugar aos dons de cura, ao

poder para expulsar demônios e realizar maravilhas. O poder antes buscado para testemunhar

e ganhar o mundo antes da volta de Jesus agora é desejado para obter-se uma vida pessoal

vitoriosa e feliz neste mundo. Observa-se então o porque de tamanha liberdade cúltica e de

interpretação dos textos bíblicos: se os fundamentos são mudados com tal desenvoltura,

explica-se a mesma desenvoltura nos efeitos dessas mudanças, que se fazem sentir na

diversidade de igrejas, movimentos, cultos e doutrinas que fazem parte de um universo

principalmente neopentecostal, que acaba, conseqüentemente, por abrigar um movimento

como o de Batalha Espiritual, similar em suas características.

Nesta última geração, concomitantemente, vê-se florescer teologias surgidas

anteriormente, que ganham força pelo contexto que se forma: A teologia da prosperidade, a

108

confissão positiva e o movimento de crescimento de igreja, dentro de um contexto,

como já foi dito, pós-moderno, consumista, desencantado, de ruptura, de questionamento,

descartável, utilitarista, individualista. Por que a Batalha Espiritual tornou-se a resposta para

muitas igrejas?

Em primeiro lugar, a Batalha Espiritual legitima toda essa tendência de inserção

cultural. O mundo, para os seus proponentes, continua malignizado, porém, não é mais objeto

de sua rejeição, e sim de sua conquista. O ascetismo contracultural dá lugar a uma espécie de

“aburguesamento” que insta por autenticação teológica. A Batalha Espiritual faz isso. As

benesses deste mundo transitório não são mais alvo de desconfiança e desprezo. Esta

conscientização leva o crente adepto da Batalha Espiritual a “desmalignizar” o mundo à sua

frente, sacralizar o espaço ocupado e usufruir dele. O que se constatou nesta pesquisa, pela

observação e convivência com este meio, além das observações de outros pesquisadores, é

que esta inserção cultural é, então, resultado não só de uma estratégia evangelística, de

“purificação” de estruturas sociais, mas também é resultado de uma oportunidade utilitarista-

individualista.

O que isso quer dizer? Apesar destas características, muitas igrejas que abrigam a

Batalha Espiritual revelam um rebanho participativo e coeso, porém unido à coletividade para

atingir benefícios individuais, objetivo esse incentivado pela orientação doutrinária dessas

igrejas. Ricardo Mariano, citando uma pesquisa em que algumas igrejas neopentencostais são

citadas como “agências de cura divina” (outra nomenclatura), refuta o conceito de que as

pessoas que as freqüentam sejam uma “platéia flutuante”. Ele diz: “Quanto a isso, a pesquisa

Novo Nascimento, do ISER, mostrou que a freqüência (semanal e mensal) de fiéis às

atividades na Igreja Universal é muito alta, maior até que nas igrejas protestantes

históricas...”. 237 Porém, como já foi demonstrado, é uma adesão marcada, em muitos lugares,

pela busca de bênçãos individuais.

Em segundo lugar, ela se tornou resposta para muitos em virtude de manter, para

alguns, e resgatar, para outros, o mistério e o misticismo. Manteve-os para aqueles que já

tinham por prática doutrinária o exorcismo, a cura divina e as manifestações sobrenaturais,

acrescentando a isso a sua contextualização promovida pela conquista, sacralização e usufruto

dos espaços conquistados, como a política, a ascensão social, a educação e o entretenimento.

Para outros, guerra espiritual é resgate na medida em que ela sacode a secularização e a perda

do mistério em muitas igrejas, que acabaram por abraçá-la como alternativa de avivamento.

237 MARIANO, Ricardo. Neopentecostais, p. 26

109

Apurou-se também uma dificuldade em entender alguns pressupostos do movimento.

Como em qualquer momento histórico, nesse período em que a Batalha Espiritual surgiu

foram buscadas respostas para os questionamentos que foram levantados, de ordem

doutrinária, teológica e filosófica, momento este que, por ser de certo modo recente, possui

lacunas na reflexão teológica que vão sendo preenchidas. Neste processo surgem

movimentos, modismos, trabalhos acadêmicos, igrejas, tendências que procuram ocupar estes

espaços. Alguns são rechaçados, outros duram pouco tempo, e outros conseguem permanecer,

normalmente com acomodações em seu perfil inicial.

Verificou-se que não se pode simplesmente rechaçar o movimento; ele teve o mérito

de tocar em assuntos como demonologia, dons, sinais e evangelização de um modo que

muitos não estavam prontos ou dispostos a lidar. Entendeu-se, pela pesquisa feita, que são

poucos os trabalhos acadêmicos que oferecem alternativas às propostas do movimento; a

quase totalidade do material lido consiste na defesa ou na refutação do movimento.

Outra constatação é que, apesar do labor teológico já registrado, não houve uma total

elaboração de alguns temas que a Batalha Espiritual dissemina, como o papel da igreja na

obra libertadora de Cristo, seus limites e atribuições. Existe uma lacuna na reflexão sobre este

aspecto da obra redentora de Jesus Cristo, e ela se faz necessária para os dias atuais.

Realmente, ao pesquisar as respostas dadas às questões levantadas pela Batalha Espiritual,

percebeu-se uma carência de alternativas, já que, na literatura evangélica tradicional, revela-se

um reconhecimento de que há uma luta espiritual contra os poderes das trevas. Definir os

contornos dessa luta parece ser um bom tema para um trabalho acadêmico. Isto posto,

Jonathan Edwards é lembrado como exemplo de busca de uma compreensão de fatos que

ocorrem dentro da igreja, que necessitam de uma interpretação. Quando o Primeiro

Despertamento aconteceu na Nova Inglaterra do século dezoito, Edwards procurou refletir

sobre o assunto, que era por demais diferente do que se havia presenciado. É preciso refletir,

sem o temor de parecer ultrapassar a ortodoxia em função disso.

O terceiro fato observado é o de que a Batalha Espiritual aglutinou práticas que são

multisseculares, como cura de enfermidades, exorcismo e misticismo, de ampla aceitação em

muitas igrejas, o que criou uma empatia com o movimento, apesar de novidades como

hereditariedade e espíritos territoriais, estas realmente criações da guerra espiritual. Ao se

perceber no movimento práticas disseminadas e simpáticas ao meio pentecostal, e buscadas

pelos carismáticos e renovados, o movimento foi recebido sem maiores questionamentos, os

quais, como acontece em muitos casos, foram surgindo com o tempo, e produzindo

acomodações. Em igrejas conhecidas do autor, algumas afirmações da Batalha Espiritual

110

sobre espíritos territoriais e hereditariedade foram abandonadas, permanecendo as práticas de

libertação mais consagradas, como o exorcismo e a cura divina.

Em quarto lugar, todo esse aparato doutrinário, contextualizado culturalmente, foi,

no aspecto de conquista de estruturas e de almas com o fim de salvar o maior número possível

de pessoas, também simpático e desejável para muitas igrejas, que se viam apáticas e sem

relevância. A exposição e inserção do evangelho nos mais variados setores da sociedade

respondeu, certamente, ao anseio de muitos por aceitação e credibilidade, além de

demonstração de força, para a sociedade em geral. A função social do movimento se traduz

em promessa de uma vida melhor, de prosperidade, de não mais se precisar viver à margem

dessa sociedade, e sim fazer parte dela, e ser reconhecido. A teologia da Batalha Espiritual,

como exposto, legitima estes sentimentos. A tudo isso se acrescente a reconhecida capacidade

terapêutica das comunidades e igrejas em geral, que auxiliam, apoiam e oferecem até mesmo

ajuda material para alguém desfavorecido. Nisto, o movimento tem uma contribuição

claramente positiva.

Contudo, se houve um benefício individual para a igreja nesse sentido, não o houve

para a sociedade no geral. A igreja evangélica cresceu e ocupou espaço, mas não influenciou

de forma decisiva esta sociedade onde está inserida. Por quê? O dualismo da Batalha

Espiritual é confuso. Ao mesmo tempo o mundo é um lugar maligno e de benesses, lugar de

guerra e de descanso, espaço de luta para alegadas mudanças estruturais que resulta na

maioria das vezes apenas em resultados pessoais. É o caso da política, na qual nunca houve

tantos evangélicos, que, contudo, foram eleitos por seus “currais” eleitorais denominacionais,

e acabam por trabalhar na maior parte do tempo para defender interesses particulares de suas

igrejas, fato lamentável que revela a fragilidade ética e conceitual do papel da igreja na

sociedade. Essa fragilidade está escancarada em fatos como o envolvimento de um político,

bispo da Igreja Universal, em um recente escândalo de loterias (!) no Rio de Janeiro. Ele foi

afastado da coordenação política e de suas funções em sua denominação. Era o mínimo que

esta igreja deveria fazer, porém não conseguiu amenizar a imagem que o político evangélico

projeta, de clientelismo, oportunismo e demagogia. Em outras palavras, não se está fazendo

diferença nenhuma.

Sobre a hipótese de ser um movimento que abarca práticas já existentes e de ampla

aceitação em muitos lugares, e assume outras mais controvertidas e de difícil aceitação,

entende-se que o movimento, no formato atual, não subsistirá. Em essência, ele é uma

tentativa de resposta à pergunta sobre qual é o lugar da obra libertadora de Cristo, sua

extensão e prática, assunto que merece urgente reflexão da igreja. Há uma enorme expectativa

111

a esse respeito. Por isso, o movimento não permanecerá, por ser ele uma resposta para um

momento da igreja, cercada pela cultura pós-moderna, pelo espiritualismo característico do

final de milênio, e por ainda estar sob análise e filtragem de suas propostas, algo que leva

tempo. O tema, porém, permanecerá, pois é um tema atemporal, porque aborda a libertação e

a transformação do cristão e a sua luta contra o reino das trevas, sendo estes, naturalmente,

temas permanentes da reflexão teológica e pastoral da igreja. Enquanto movimento, ele

sofrerá transformações até diluir-se ou aglutinar-se em outras formas de expressão.

O movimento exacerba uma realidade no qual está inserido: os movimentos do

Espírito, as igrejas neopentencostais e pentecostais. Desta forma, o tema que a Batalha

Espiritual assume é um tema presente, em sua essência, em todas as épocas e, dentro desse

ambiente dos movimentos do Espírito, a Batalha Espiritual acha seu espaço de manifestação e

permanência. Porém, como já foi dito, deverá diluir-se, assumindo, se tanto, novos meios de

expressão, em função justamente de suas próprias características de liberdade interpretativa

das Escrituras, de liberdade litúrgica e eclesiológica.

O movimento de Batalha Espiritual escancara e, de uma outra forma, questiona a

igreja neopentecostal em aspectos nos quais esta deve rever seriamente conceitos e realidades

presentes em seu meio, como o de que os dons espirituais, que fornecem visibilidade e status

para aqueles que os têm, são justamente mais visíveis que os frutos do Espírito, algo tão

reconhecidamente importante, mas que, muitas vezes, é relegado a um segundo plano. A ética

e os valores morais são confusos, pois se confunde a ação da “carne” com a ação dos

demônios, e, num contexto de guerra espiritual, tende-se a considerar que muita coisa que o

indivíduo faz não é sua responsabilidade, e sim ação demoníaca. O discurso da Batalha

Espiritual é pobre neste aspecto da santificação e da responsabilidade pessoal para com os

atos pessoais. Quando se diz que o discurso dos proponentes da Batalha Espiritual é pobre,

está-se referindo ao fato de que, ao falar sobre santidade, a Batalha Espiritual inclui o tema

como um meio, não um fim. A santidade é lembrada como uma “preparação” na batalha

contra o inimigo, pois, sem ela, dizem os proponentes da guerra espiritual, “o diabo irá

devorar você no café da manhã”. A santidade fica circunscrita à guerra, e não se volta para a

transformação do caráter e da conduta do fiel. Nisto o movimento falha grandemente.

Um outro aspecto negativo que transparece nesta pesquisa é o de que os cristãos

neopentecostais ainda, em sua maioria, aceitam doutrinas e teologias sem a devida pesquisa e

questionamento bíblicos. É o caso da Igreja Universal, que fechou o seu seminário em São

Paulo, onde os pastores e obreiros eram preparados, sob a alegação de que “estavam perdendo

112

tempo e era preciso sair logo ao campo a evangelizar”.238 Sem dúvida, uma afirmação infeliz,

que demonstra, não o todo, mas como este assunto, o estudo sistemático das Escrituras, ainda

tem reflexos de uma origem anti-intelectualista dentro do pentecostalismo.

No que se refere às igrejas tradicionais, a Batalha Espiritual também vem questionar a

perda, por parte de algumas dessas igrejas, do elemento mágico, do mistério, em sua liturgia e

práxis diária. A guerra espiritual contribuiu para levantar discussões sobre essa perda, que é

identificada e reconhecida pelos estudiosos, mesmo os reformados, discussões essas que

podem levar a uma reavaliação do tema e a uma menor resistência ao sobrenaturalismo e à

sua reflexão e prática no dia-a-dia de pessoas que podem usufruir desta manifestação da obra

redentora de Jesus Cristo.

Por último, outra constatação é a de que a teologia da Batalha Espiritual favorece a

disseminação, ainda que não intencional e de resultados variados, dos valores pós-modernos

destes dias: o individualismo, em detrimento do bem-comum; a descartabilidade, onde

relacionamentos e ligações duradouras não fazem sucesso; e o utilitarismo, que faz as pessoas

terem relacionamentos com a igreja até onde isso lhes for útil. Isso incentiva o trânsito cada

vez maior das pessoas pelas diversas igrejas e movimentos existentes, com o que fica

comprovado o fenômeno destes dias, o de que a pessoa é quem forma o seu próprio sistema

de crenças, sempre visando um beneficio pessoal. Tem-se a sensação de vivermos em um

grande mercado, onde as prateleiras religiosas estão abarrotadas e variadas, para todos os

gostos. É a sensação de um evangelho antropocêntrico, no qual o homem e suas necessidades

determinam o rumo da igreja. Uma coisa é a igreja buscar respostas para as expectativas do

homem de hoje; isto é inquestionável. Mas, buscar respostas não significa responder com

aquilo que o homem moderno imagina ser o que ele precisa, mas aquilo que as Escrituras

dizem ser a sua real necessidade. Trata-se de responder, comunicar, atingir este homem, sem

perder conteúdos. Eis o desafio da igreja.

Por outro lado, e paradoxalmente, o movimento prega a unidade das igrejas nas

localidades, nas cidades e pelo mundo, para a conquistas das cidades, pois sem unidade, diz a

Batalha Espiritual, esta conquista não será possível. Defende também um trabalho intenso de

apoio e discipulado para os adeptos. O resultado dessa observação é que as duas coisas

acabam por ocorrer simultaneamente dentro do espectro especialmente neopentecostal. O que

parece ocorrer é uma união em torno não mais de aspectos comportamentais e visuais, para

distinguir o crente, como vestimentas e locais freqüentados, e sim uma unidade em torno dos

238 CESAR, História da Evangelização do Brasil, p. 153.

113

alvos que são comuns a eles, como obter o melhor das promessas de Deus nesta vida, escapar

do sofrimento e proclamar a mensagem desse evangelho de prosperidade e libertação. É

verdade que isso não responde tudo. Há uma variedade tão grande de igrejas, cada uma com

suas particularidades e procedimentos, que torna difícil perfilar esta questão. Porém, parecem

ser estes os aspectos aglutinadores mais relevantes.

Conclui-se que, sim, o movimento de Batalha Espiritual seria quase que inevitável. A

igreja evangélica não respondeu satisfatoriamente a algumas demandas que se apresentaram

neste contexto pós-moderno, de religiosidade e espiritualidade, de descartabilidade,

relativismo e utilitarismo, onde o mundo, envolvido numa complexidade nunca antes vista,

esperava uma resposta daquela que afirma deter a verdade: a igreja. Entende-se nesta

dissertação que esta resposta ainda não foi dada de forma totalmente satisfatória. No período

em que surgiu o movimento, tanto no Brasil como no exterior, o contexto de liberdade de

opinião e contestação que se verificou, as transformações culturais e sociais profundas que o

mundo sofreu, os novos ventos doutrinários e litúrgicos abriram um espaço que a Batalha

Espiritual veio preencher, ainda que de forma insatisfatória e controversa, do ponto de vista

teológico e da práxis pastoral. Por tudo isso ela obteve o seu lugar na história da igreja, ainda

que transitório. Porém, mesmo com seus erros e equívocos, além de seus acertos, veio

contribuir para uma reflexão maior sobre a intervenção de Deus ao longo da história humana.

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