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ATOS ATENTATÓRIOS À DIGNIDADE DA JUSTIÇA DO TRABALHO LUIZ MARCELO FIGUEIRAS DE GÓIS Advogado associado ao escritório Barbosa, Müssnich & Aragão – Advogados, no Rio de Janeiro. Mestrando em Direito das Relações Sociais com ênfase em Direito do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Civil-Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 1. - INTRODUÇÃO O Direito Processual do Trabalho cumpre um importante papel dentro do cenário jurisdicional brasileiro. É ele quem vai ser responsável pela concretização de direitos sociais do trabalho, de reconhecida natureza alimentar. A conscientização desse caráter alimentar leva à necessária percepção de que os direitos perseguidos nos corredores da Justiça do Trabalho reclamam tutela célere. A rapidez processual trabalhista, portanto, é o principal meio para obtenção da tão perseguida efetividade processual - concretização do provimento jurisdicional condenatório. Afinal de contas, o trabalhador, mais do que ser titular do direito material, faz jus, também, a que esse seu direito, uma vez reconhecido pelo Judiciário, seja efetivado, implementado. A bem da verdade, a efetividade do processo parece ser o principal valor que o direito adjetivo mais moderno busca resguardar. Tome-se como exemplo a recente reforma da execução no Processo Civil realizada pelas Leis n os 11.232/05 e 11.382/06 1 . Nesse sentido, Luis Otávio Sequeira de Cerqueira 2 assevera que foram “a 1 “A propositura da demanda (...) tem como efeito imediato o de impor ao Estado o dever de levar o processo a bom termo, dando à causa solução justa, efetiva e em tempo razoável. (...) “Não se pode confundir inércia da jurisdição com inércia do juiz. Uma vez proposta a ação, ao juiz caberá presidir o seu desenvolvimento, adotando as providências impulsionadoras necessárias para, no processo de conhecimento, chegar a uma sentença justa, e, no processo de execução, realizar materialmente a prestação reclamada.”; in Teori Albino Zavascki. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 8: Do Processo de Execução (arts. 566 a 645), Ovídio A. Baptista da Silva (coord.) – 2ª edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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ATOS ATENTATÓRIOS À DIGNIDADE DA JUSTIÇA DO TRABALHO

LUIZ MARCELO FIGUEIRAS DE GÓIS

Advogado associado ao escritório Barbosa, Müssnich & Aragão – Advogados, no Rio de

Janeiro. Mestrando em Direito das Relações Sociais com ênfase em Direito do Trabalho na

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Civil-Constitucional

pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

1. - INTRODUÇÃO

O Direito Processual do Trabalho cumpre um importante papel dentro do

cenário jurisdicional brasileiro. É ele quem vai ser responsável pela concretização de

direitos sociais do trabalho, de reconhecida natureza alimentar.

A conscientização desse caráter alimentar leva à necessária percepção de

que os direitos perseguidos nos corredores da Justiça do Trabalho reclamam tutela

célere. A rapidez processual trabalhista, portanto, é o principal meio para obtenção da

tão perseguida efetividade processual - concretização do provimento jurisdicional

condenatório. Afinal de contas, o trabalhador, mais do que ser titular do direito material,

faz jus, também, a que esse seu direito, uma vez reconhecido pelo Judiciário, seja

efetivado, implementado.

A bem da verdade, a efetividade do processo parece ser o principal valor

que o direito adjetivo mais moderno busca resguardar. Tome-se como exemplo a

recente reforma da execução no Processo Civil realizada pelas Leis nos 11.232/05 e

11.382/061. Nesse sentido, Luis Otávio Sequeira de Cerqueira2 assevera que foram “a

                                                            1 “A propositura da demanda (...) tem como efeito imediato o de impor ao Estado o dever de levar o processo a bom termo, dando à causa solução justa, efetiva e em tempo razoável. (...) “Não se pode confundir inércia da jurisdição com inércia do juiz. Uma vez proposta a ação, ao juiz caberá presidir o seu desenvolvimento, adotando as providências impulsionadoras necessárias para, no processo de conhecimento, chegar a uma sentença justa, e, no processo de execução, realizar materialmente a prestação reclamada.”; in Teori Albino Zavascki. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 8: Do Processo de Execução (arts. 566 a 645), Ovídio A. Baptista da Silva (coord.) – 2ª edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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falta de efetividade na prestação jurisdicional e as críticas decorrentes do trato

inadequado das questões praticadas que motivaram o legislador a iniciar as sucessivas

reformas que vêm ocorrendo no Código de Processo Civil, com acentuada tônica na

busca da celeridade e efetividade (...)”.

E, com muito mais razão, a seara trabalhista acompanha a tendência à

valorização da efetividade através da celeridade processual. Aliás, nesse particular, o

“processo comum” – para utilizar a expressão do art. 769 Consolidado – vem a reboque

do processo do trabalho. O ordenamento processual trabalhista sempre priorizou uma

solução rápida para o litígio posto à apreciação da Justiça do Trabalho. Para este fim,

agasalhou diversos princípios próprios, como o da concentração, o da celeridade

processual e o da oralidade. Tudo em vistas de se atingir um rápido provimento

jurisdicional apto a resguardar o crédito alimentar do trabalhador.

Toda a instrução acontece em uma única oportunidade (audiência una)3,

o juiz deve proferir sua sentença na própria audiência4, os recursos, como regra, não têm

efeito suspensivo5. Vê-se, assim, que a celeridade processual trabalhista é (e sempre foi)

nítida premissa para a obtenção de um processo efetivo.

Muito bonito tudo isto na teoria, mas o que se percebe da análise

empírica é que a tão almejada celeridade encontra grandes obstáculos a se concretizar.

A fase de conhecimento, realmente, muitas vezes consegue se encerrar em tempo

razoável – ao menos para os padrões brasileiros - mas o desenrolar da fase de execução

mostra-se absolutamente tormentosa na prática6.

Alguns fatores contribuem para a lentidão do desenrolar do processo

nesta fase. Assoberbamento da máquina jurisdicional, ineficiência dos serviços

cartoriais e insuficiência de oficiais de justiça são apenas alguns aspectos que

                                                                                                                                                                              2 “Atos Atentatórios à Dignidade da Justiça” - in “Execução Civil: Estudos em Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Junior”. São Paulo: Revista dos Tribuniais, 2007, p. 49. 3 Art. 849, CLT. 4 Arts. 850, CLT. 5 Art. 899, CLT. 6 Já dizia Alfredo Buzaid, em julho de 1972, na nota 18 da exposição de motivos do Código de Processo Civil: “O projeto consagra o princípio dispositivo (art. 266), mas reforça a autoridade do Poder Judiciário, armando-o de poderes para prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da justiça (art. 130, III). Este fenômeno ocorre mais freqüentemente no processo de execução que no processo de conhecimento. É que o processo de conhecimento se desenvolve num sistema de igualdade entre as partes, segundo o qual ambas procuram alcançar uma sentença de mérito. (...)A execução se presta, contudo, a manobras protelatórias, que arrastam os processos por anos, sem que o Poder Judiciário possa adimplir a prestação jurisdicional.

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contribuem para tal cenário. Ócios de litigar em um país como o Brasil, em “eterno

desenvolvimento”. Esse status, se não justifica, explica, com um éter de razoabilidade, a

lentidão do desenrolar da fase de execução do processo do trabalho.

No entanto, os aspectos acima apontados não são a principal causa da

morosidade da execução trabalhista. A verdade é que dois pilares sustentam esse

cenário: a insolvência de parte dos devedores e a enorme quantidade de manobras

processuais admitidas por nossa sistemática processual na fase de execução.

A insuficiência de recurso por parte dos devedores é um fenômeno que já

é enfrentado com relativa desenvoltura pelo próprio ordenamento, através de figuras

como a desconsideração da personalidade jurídica7, a falência, a recuperação judicial e a

insolvência civil. Esses institutos de combate às conseqüências da inexistência de

patrimônio capaz de saldar o débito trabalhista já são amplamente manejados pelos

operadores do processo do trabalho.

Entretanto, esses mesmos operadores, incluindo-se advogados,

magistrados e procuradores, ainda hoje são tímidos na coibição à utilização de

subterfúgios processuais como meio de retardar o pagamento do crédito trabalhista.

Criou-se uma espécie de tabu sobre a bandeira da “ampla defesa”, e passou-se a utilizar

tal direito como justificativa para a apresentação de recursos procrastinatórios e para a

criação de incidentes processuais infundados.

Os instrumentos para o combate a esse abuso processual, tal qual ocorre

com os casos de insolvência do devedor, estão postos de há muito aos operadores do

direito. A lei processual civil traz em seu corpo uma série de sanções a estes atos de má-

fé processual, que ganharam o nome de “atos atentatórios à dignidade da justiça”.

Mas, diferentemente do que acontece com o combate à insolvência do

devedor, os operadores do direito ainda não adquiriram a cultura de rechaçar a má-fé

processual com a naturalidade necessária8. Muitos sequer conhecem os meios

apropriados para fazê-lo.

É justamente com vistas a difundir um pouco mais os instrumentos de

combate á má-fé enquanto inimiga da celeridade e efetividade processual que

                                                            7 Nesse sentido, releva notar que o próprio Código Civil de 2002 trouxe disciplinamento a respeito do tema no art. 50. 8 Esse fenômeno talvez se explique em função do longo período de privação de direitos fundamentais decorrente da ditadura no Brasil, aliado à relativa juventude de nossa Constituição.

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preparamos o presente estudo, no qual buscamos sistematizar o tratamento conferido

por nosso ordenamento aos chamados atos atentatórios à dignidade da justiça.

Este trabalho será dividido em três grandes blocos. O primeiro deles se

destinará a introduzir o tema dos atos atentatórios à dignidade da justiça, conceituando-

o e localizando-o historicamente no ordenamento. Em seguida, procuraremos descrever

quais seriam tais atos atentatórios, debruçando-nos sobre as hipóteses que os

configuram. Chamaremos essa parte de “questões materiais”, já que, ao trazer conceitos

e definições a respeito do assunto, nosso legislador processual acabou embutindo

normas de direito material na Lei Adjetiva Civil.

A terceira e última parte do estudo tratará das conseqüências advindas da

prática de atos atentatórios à dignidade da justiça. Tratam-se de questões

procedimentais, como, por exemplo, quais sanções aplicar ao devedor que age de má-fé

e quais os meios de impugnação contra a decisão que pune o litigante pela prática da

conduta desleal.

2. - CONTEXTUALIZAÇÃO E CONCEITUAÇÃO

2.1. - Duas Palavras sobre Boa-Fé

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e o acolhimento do

princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República9, percebeu-se

um nítido norte axiológico no sentido de consagrar os aspectos existenciais do ser

humano como o principal objeto de tutela de nosso ordenamento.

Paralelamente à tutela da pessoa, difundiu-se no direito civil a noção de

que a confiança dessa pessoa humana deveria ser tutelada. O §242 do Código Civil

Alemão (BGB) inspirou, então, o legislador brasileiro a positivar a proteção à treu und

glauben alemã no Código Civil Brasileiro de 2002.

Assim foi que, por exemplo, o art. 186 passou a reconhecer como ato

ilícito aquela conduta que excede os limites impostos pela boa-fé10. No mesmo diapasão

                                                            9 Art. 1º, III, CF/88. 10 Art. 186. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes

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o art. 422 do Código, que obriga os contratantes a guardar os princípios de probidade e

boa-fé11.

Todas essas disposições que protegem a boa-fé no Direito Civil são

absolutamente compatíveis com todos os demais ramos do direito, não ficando de fora,

logicamente, o Direito do Trabalho. A infusão da tutela da boa-fé no âmbito trabalhista

é inclusive facilitada pela dicção do art. 8º da CLT.

Essa evolução normativa de direito material repercute igualmente no

direito processual, que já trazia normas para combate à má-fé antes mesmo da edição do

Código de 2002. Assim é que, por exemplo, os arts. 14 e seguintes do Código de

Processo Civil – aplicáveis no âmbito processual trabalhista na forma do art. 769 da

CLT12 - já coibiam o litigante que exercia seu direito postulatório em desacordo com os

parâmetros de boa-fé13.

Nessa sede processual, a doutrina adotou como padrão a denominação de

“dever de lealdade” para se referir à tutela da boa-fé dos litigantes.14

A consagração da tutela da boa-fé operada pelo novo Código Civil

repercute, então, no Direito Processual como um convite à releitura das regras antigas a

esse respeito existentes no CPC de 1973, à luz dos novos valores adotados por nosso

ordenamento após 1988. De modo que a tutela da boa-fé no processo agora, mais que

antes, merece atenção dos atores processuais, diante da nova sistemática de prestígio à

confiança.                                                             11 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 12 “Há lacuna na CLT, e não vemos qualquer incompatibilidade na aplicação subsidiária das regras do CPC ao processo do trabalho.”; In Curso de Direito Processual do Trabalho; Carlos Henrique Bezerra Leite, 5ª edição. São Paulo: LTr, 2007, p. 71. No mesmo sentido, Wagner Giglio, para quem “a aplicação de tais preceitos ao processo trabalhista parece-nos inquestionável: a CLT é omissa e a compatibilidade com seus princípios é flagrante, senão vejamos. A incidência dos casos de fraude à execução já era reconhecida, sem discussão; aceita a invocação dos preceitos que regulam a deslealdade processual, seria até incoerente recusar a aplicação das regras atinentes aos atos atentatórios á dignidade da Justiça; e, por fim, o objetivo confessado da reforma implantada foi, como se lê na Exposição de Motivos do CPC, propiciar maior celeridade processual, coibindo “manobras protelatórias, que arrastam os processos por anos”, o que vem coincidir com a finalidade precípua do Direito Processual do Trabalho.; in Direito Processual do Trabalho, 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 492. 13 “O princípio da lealdade processual, portanto, tem por escopo impor aos litigantes uma conduta moral, ética e de respeito mútuo, que possa ensejar o curso natural do processo e levá-lo à consecução de seus objetivos: a prestação jurisdicional, a paz social e a justa composição da lide.”; in José Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil – vol. III. 9ª edição. Campinas: Millennium Editora, 2003, p. 100. 14 “Este esquema, de resto desdobramento lógico das regras dos arts. 14 a 18, ostenta a inegável vantagem de instituir um dever de lealdade.”; in Araken de Assis, “Manual do Processo de Execução”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 8ª edição, 2002, p. 468.

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A observância à boa-fé no processo importa não somente à parte, mas

também ao Poder Judiciário, diante da função de estabilização e de pacificação exercida

pela União através do processo. Eventual ofensa a esse dever no desenrolar do processo,

por ser perpetrada diante do Poder Público e por representar obstrução à função

jurisdicional, é tutelada por normas de ordem pública, porquanto é interesse público a

pacificação dos conflitos.

Nesse sentido, “o dever de submissão à verdade, à lealdade e à boa-fé,

imposto à parte e a seus procuradores, e o repúdio à chicana, pela proibição de formular

pretensões descabidas, de requerer provas desnecessárias e de resistir injustificadamente

ao andamento do processo (CPC, arts. 14 e 17), evidenciam a preocupação do legislador

de fazer com que os litigantes e seus representantes (situados em campos opostos

quanto aos interesses particulares disputados), mantenham, em face do Estado-juiz (que

não pode ser encarado como adversário, mas como indispensável agentes público para a

solução da controvérsia) um procedimento digno e participativo15.

Portanto, o abuso do direito no processo ultrapassa a relação privada

bilateral, tomando relevância para o Estado e para toda a sociedade. Lembre-se a esse

respeito a lição de Moniz de Aragão16 de relação processual angular, segundo a qual a

relação jurídica se perfaz não entre as partes, mas entre cada uma delas e o Judiciário.

2.2. - Conceituação

Constatada a relevância que a má-fé na utilização do processo possui

para o Estado, cabe analisar como o direito positivo cuida do tema.

Em linhas gerais, o Código de Processo Civil tutela a boa-fé processual

nos arts. 14 a 1817, em capítulo destinado a conceituar as partes e procuradores no

processo de conhecimento. Lá ele chama de “litigante de má-fé” aquele que (i) deduzir

pretensão ou defesa contra texto de lei ou fato incontroverso; (ii) alterar a verdade dos

fatos; (iii) usar do processo para conseguir objetivo ilegal; (iv) opuser resistência

                                                            15 Teori Albino Zavascki, op. cit., p. 292/293. 16 “Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II”, Rio de Janeiro: Forense, 7ª edição, 1991, p. 475/476. 17 “O dever geral de probidade processual, a ser observado por todos que atuam no processo, decorre basicamente do disposto no inc. II do art. 14 do CPC, que estabelece o dever de proceder com lealdade e boa-fé.”; in Luís Otávio Sequeira de Cerqueira, op. cit., p. 49, grifos no original.

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injustificada ao andamento do processo; (v) proceder de modo temerário em qualquer

incidente ou ato processual; (vi) provocar incidentes manifestamente infundados ou (vii)

interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Estas infrações encerram conceitos abertos18 como “resistência

injustificada”, “modo temerário” e “incidentes manifestamente infundados”, abarcando,

portanto, praticamente todos os atos abusivos que uma parte possa praticar.

Por estarem inseridas no livro referente ao processo de conhecimento, as

sanções referentes ao descumprimento do dever de boa-fé processual praticado nesta

fase são aplicadas de acordo com os ditames da litigância de má-fé.

Mas, se nessa primeira fase do processo o legislador já procurou reprimir

condutas abusivas das partes, com muito mais razão elas teriam que ser rechaçadas em

sede de cumprimento da sentença, onde, como visto, se alcança o sentimento de

pacificação social através da efetividade processual19. E assim foi feito pelo nosso CPC,

que destinou os arts. 599 a 601 a coibir a má-fé processual quando praticada nesse

estágio. Os atos praticados em desacordo com os ditames de lealdade processual

passam, então, a ser denominados “atentatórios à dignidade da justiça” nesta fase de

execução.

Os atos atentatórios à dignidade da justiça são, portanto, atos omissivos

ou comissivos, praticados na fase de cumprimento da sentença que, violando o dever de

boa-fé e lealdade processual, tenham a intenção de desviar o bom curso do processo,

obstando ou dificultando a efetividade do provimento jurisdicional exarado na fase de

conhecimento.

2.3. - Evolução histórica

Como visto acima, já antes do Código Civil de 2002 e da Constituição

Federal de 1988 o Código de Processo Civil trazia normas de combate à má-fé

processual.

                                                            18 “O legislador ‘utilizou-se quase sempre de conceitos abertos, indeterminados, de conteúdo e extensão em larga medida incertos, aos quais o juiz dará preenchimento caso a caso, topicamente, mediante ‘atos de valoração’”; in Teori Albino Zavascki, op. cit., p. 294. 19 “A lealdade processual (...) trata-se de dever para com o Estado e a administração da justiça, de dever processual cuja violação importa em ato ilícito, por ser ‘ato atentatório à dignidade da justiça’.”; in José Frederico Marques, op. cit., p. 99.

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Na verdade, a preocupação do legislador processual com a lealdade já

pode ser percebida desde o CPC de 1939. Nele, “ainda que não houvesse uma

sistematização efetiva quanto aos deveres das partes, estava também consagrado o

princípio da veracidade e da lealdade processual, tanto para as partes como para seus

advogados, o que vedava agir de modo temerário, de má-fé ou, mesmo, com intuitos

procrastinatórios”20.

Com a edição do Código de 1973, o legislador brasileiro, inspirado no

Projeto de Código de Procedimento Civil Uruguaio21, sistematizou o estudo dos

atentados à dignidade da justiça, passando a tutelá-los nos arts. 599 a 601.

O art. 599 foi o que menos sofreu alterações ao longo dos anos. Sua

redação primitiva, consolidada pela Lei no 5.925/73, mantém-se ainda nos dias atuais.

Segundo ele, o juiz pode, em qualquer momento do processo, (i) ordenar o

comparecimento das partes e (ii) advertir ao devedor que o seu procedimento constitui

ato atentatório à dignidade da justiça.

Essas faculdades refletem, a nosso ver, a dicção genérica do art. 125 do

Código, estando inseridas no amplo poder de direção que o magistrado detém sobre o

processo. Diante disso, fica fácil perceber não ser necessário que a parte interessada

provoque-o para que ele faça uso das atribuições previstas no art. 599, podendo o

mesmo ordenar o comparecimento das partes ou advertir o litigante de ofício, quando

melhor entender conveniente.

O art. 600 do CPC cuida de elencar as hipóteses que podem ser

consideradas atos atentatórios à dignidade da justiça. Ele sofreu duas recentes

modificações com a edição da Lei no 11.382/06.

Antes, o caput daquele artigo previa que o ato atentatório à dignidade da

justiça era um “ato do devedor”. Agora se passou a utilizar a palavra “executado” no

lugar de “devedor”. Reflexo da nova sistemática da execução no CPC advinda da

recente reforma.                                                             20 José Manoel de Arruda Alvim. “Código de Processo Civil Comentado – vol. 2: arts. 7º a 49”, São Paulo: RT, _____, 1996, p. 119. 21 “Como bem anotou Alcides de Mendonça Lima, toda a matéria referente aos arts. 599 a 601 do CPC está condensada em um dos dispositivos constantes do Projeto de Código de Procedimento Civil do Uruguai elaborado em 1945 por Eduardo J. Couture: ‘7 – Principio de Probidad – El juez deberá tomar, de oficio, o a petición, todas las medidas necesarias estabelecidas em La ley, tendientes a prevenir o sancionar cualquier acto contrario a la dignidad de la justicia, al respeto que se deben los litigantes y las faltas a lealitad y probidad em el debate” (Alcides de Mendonça Lima. Comentários ao Código de Processo Civil, p. 543).”; in Luís Otávio Sequeira de Cerqueira, op. cit., p. 49, nota de rodapé.

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Essa alteração, nas palavras de Luís Otávio Sequeira de Cerqueira, “se

traduz em uma melhor adequação terminológica, na medida em que pode abranger tanto

o devedor como o responsável que for parte no processo, sem necessidade de extensão

de conceito pertencente ao direito material”22.

A segunda e mais importante modificação sofrida nesse artigo disse

respeito ao seu inciso IV, que originalmente previa que o devedor que não indicava “ao

juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução” cometia um ato atentatório à

dignidade da justiça.

A nova redação mostra-se mais clara e terminologicamente apropriada,

condicionando a caracterização do ato atentatório à inércia do executado diante da sua

prévia intimação para indicar quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora.

Eis a nova redação do art. 600, após as modificações legislativas:

Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da Justiça o ato do

executado que:

I - frauda a execução;

II - se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios

artificiosos;

III - resiste injustificadamente às ordens judiciais;

IV - intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se

encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores.

O último dos três artigos que tratam dos atos atentatórios à dignidade da

justiça é, de longe, o que desperta maiores controvérsias. Em sua redação original, o art.

601 cominava como sanção para a prática desses atos a proibição para a parte de se

manifestar nos autos23.

Com a edição da Constituição de 1988, a “pena do silêncio” passou a

colidir com o direito à ampla defesa e ao devido processo legal, de modo que, após

receber severas críticas por parte da doutrina24, sua redação foi alterada pela Lei no

                                                            22 Op. cit., p. 50. 23 Originalmente, assim dispunha o dispositivo: “Se, advertido, o devedor perseverar na prática de atos definidos ao artigo antecedente, o juiz, por decisão, lhe proibirá que daí por diante fale nos autos. Preclusa esta decisão, é defeso ao devedor requerer, reclamar, recorrer, ou praticar no processo quaisquer atos, enquanto não lhe for relevada a pena.” 24 “A terapêutica alvitrada chegava ao excesso de proibir manifestações do devedor nos autos, medida de crassa inconstitucionalidade, e que agora se materializa na aplicação de uma pena pecuniária, fixada pelo

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8.953/94. O praticante de ato desleal na execução estaria sujeito, a partir de então, ao

pagamento de uma multa em montante não superior a 20% do valor do débito em

execução, sem prejuízo de outras sanções que possam ser aplicadas.

Outra modificação sofrida pelo texto original do art. 601 foi a menção à

necessidade de advertir o devedor de que seu ato representava um atentado à dignidade

da justiça. Não há, na nova redação, qualquer alusão a tal advertência.

Embora o caput do art. 601 tenha sido alterado pela Lei no 8.953/94, seu

parágrafo único manteve-se íntegro, mesmo após a edição da Lei no 11.382/06. Nele

consta a possibilidade de o juiz relevar a pena mediante compromisso da parte desleal

não mais praticar atos atentatórios à dignidade da justiça, cumulado com o oferecimento

de fiador idôneo com relação ao crédito exeqüendo.

A redação do art. 601 do CPC, portanto, atualmente está consolidada da

seguinte forma:

Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em

multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento)

do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras

sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em

proveito do credor, exigível na própria execução.

Parágrafo único. O juiz relevará a pena, se o devedor se comprometer a

não mais praticar qualquer dos atos definidos no artigo antecedente e der

fiador idôneo, que responda ao credor pela dívida principal, juros,

despesas e honorários advocatícios.

Compreendidas, assim, as normas que disciplinam atualmente os atos

atentatórios à dignidade da justiça, passaremos propriamente ao estudo das condutas

que, quando praticadas, podem, nos dias atuais, ser consideradas desleais para, em

seguida, analisarmos as conseqüências processuais decorrentes das mesmas.                                                                                                                                                                               juiz, ‘em montante não superior a 20% do valor atualizado do débito em execução’ (art. 601)”; in Araken de Assis, Manual, p. 468. Humberto Theodoro Junior também reconhece o atrito da redação original do art. 601 com os ditames constitucionais: “Eliminou-se a pena de interdição ao direito de falar e de recorrer que constava do texto primitivo do art. 601, sanção que, de certa forma, atritava com a garantia do contraditório valorizada por norma constitucional (CF, art. 5º inc. LV)”; cit., p. 224. Dentre os autores trabalhistas, destaque para Eduardo Gabriel Saad, para quem “andou bem o legislador em alterar, de modo profundo, pela Lei n. 8.953, de 13.12.94, o artigo supra [art. 601, CPC], uma vez que ele – em sua redação primitiva, é bem de ver -, com seu forte ranço autoritário, ofendia frontalmente o princípio da ampla defesa, constitucionalmente assegurado (art. 5º, inciso LV)”; in Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2ª edição, ____, p. 703.

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3. - ATOS ATENTATÓRIOS À DIGNIDADE DA JUSTIÇA – QUESTÕES “MATERIAIS”

3.1. - Fraude à Execução

O inciso I do art. 600 da Lei Processual Civil prevê que comete ato

atentatório á dignidade da justiça aquele que frauda a execução.

Nada mais justo, considerando a evidente má-fé da prática em questão,

cujo objetivo é unicamente tentar frustrar a efetividade do provimento jurisdicional25.

Os casos de fraude à execução estão previstos no art. 593 do CPC. São

eles: a alienação de bens sobre os quais pende ação fundada em direito real e a alienação

de bens quando corre contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência. Além

dessas duas hipóteses, o Código deixa espaço para outras leis criarem situações que

possam ser consideradas fraude à execução.

Essa modalidade de ato atentatório não desperta maiores

questionamentos ou divergências. Isto porque ela é talvez aquela que possui os

contornos mais claramente definidos – a lei já elenca as hipóteses de fraude à execução

– e também porque, neste caso, a prova documental da fraude traz traços de objetividade

para a avaliação do magistrado sobre o ato de deslealdade praticado. Em outras

palavras, o juiz tem terreno firme para embasar a aplicação da sanção, não necessitando

se imiscuir na mente do executado para determinar se, por exemplo, ele quis retardar a

execução ou simplesmente exercer legalmente seu direito de defesa.

Reconhecendo essa relativa clareza na caracterização desse ato

atentatório, Manoel Antônio Teixeira Filho26 observa:

“No conjunto dos atos ditos atentatórios à dignidade da justiça, o de

fraude de execução é o único que permite ser objetivamente constatado,

porquanto a venda, doação ou oneração de bens pode ser comprovada

mediante documento; os demais atos, que veremos em seguida, já                                                             25 “Por conseguinte, a fraude à execução atinge não somente o exeqüente, mas compromete toda a prestação jurisdicional, daí a tipificação da conduta como atentatória à dignidade da justiça. Porém muitas vezes é reconhecida a fraude de execução, mas não é aplicada a pena por ato atentatório, o que em nosso entender não se justifica, já que se trata de ato consumado que reclama a imposição da multa prevista no art. 601 do CPC”; in Luis Otávio Sequeira de Cerqueira, op. cit., p. 50. 26 “Execução no Processo do Trabalho”. São Paulo: LTr, 8ª edição, 2004, p. 262/263.

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oferecem certa dificuldade à sua configuração, uma vez que, em muitos

casos, se prestam a exames de natureza eminentemente subjetiva.”

Embora a redação do art. 600, I utilize a expressão “executado que frauda

a execução”, parte da doutrina, encampada por Cândido Rangel Dinamarco, entende que

o dispositivo em questão não quis referir-se apenas às hipóteses típicas de fraude à

execução do art. 593. Para esta corrente – com a qual data venia não concordamos –

“outro qualquer expediente capaz de frustrar a execução, como, por exemplo, a

ocultação de bens móveis, sem aliená-los”27, seria capaz de ser caracterizada um ato

com vistas a fraudar a execução, de acordo com o espírito do art. 600, I do CPC.

A nosso ver, não há dúvidas de que a ocultação deliberada de bens

sujeitos à penhora pode (e deve) ser considerada um ato atentatório à dignidade da

justiça. Entretanto, isto é assim não por força do inciso I do art. 600, mas em função do

seu inciso II ou mesmo, talvez, do IV.

Entendemos ser desnecessário aqui criar margens de subjetividade onde a

própria lei não criou, motivo pelo qual estamos com aqueles, como Manoel Antônio

Teixeira Filho28, que entendem que o legislador processual vinculou o inciso I do art.

600 às hipóteses do art. 593, ambos do CPC.

A conseqüência para o executado que frauda à execução, além da

ineficácia do negócio jurídico que aliena o bem penhorável, é, portanto,

necessariamente a imposição da multa prevista no art. 601 do CPC, por força da afronta

que o ato praticado causa ao Poder Público29.

                                                            27 “Quanto à conduta consistente em fraudar a execução (art. 600, inc. I), não é pacífico em doutrina se se trata do próprio instituto da fraude de execução, disciplinado no art. 593 do Código de Processo Civil, ou se, mais amplamente, está ali previsto “outro qualquer expediente capaz de frustrar a execução, como, por exemplo, a ocultação de bens móveis, sem aliená-los”. A segunda solução parece mais perto da verdade, porque a fraude de execução (art. 593) não impede o curso das medidas executivas, nem exclui da responsabilidade patrimonial o bem alienado ou gravado (art. 592, inc. V); e o que se visa a reprimir, mediante a sanção ao contempt, são as medidas que conduzam àqueles resultados”; in Cândido Rangel Dinamarco. “Execução Civil”. São Paulo: Malheiros, 7ª edição, ____, p. 179. 28 Cit., p. 262/263. 29 “1. Fraude à execução. Bem de sócio. 2. Penhorabilidade de bem com dívida. Atribuição exclusiva do Juiz do Trabalho para conhecimento e decisão sobre a influência daquela dívida na penhora trabalhista. 3. Atentado à dignidade da Justiça. Omissão, pelo devedor, na nomeação de bem à penhora. 1. Uma vez desregulamentada a personalidade jurídica da empresa, os bens dos sócios passam a fazer parte do patrimônio necessário à solvabilidade da execução. A venda de único bem do sócio, um automóvel, cujo valor de mercado se mostra útil à satisfação do "quantum debeatur", e constatado nos autos inexistência de outra forma eficaz de execução, por tentados todos os meios possíveis, é fundamento suficiente para declaração de fraude à execução, não sendo necessário impor que o exeqüente comprove situação de insolvência do executado. 2. O Oficial de Justiça Avaliador tem obrigação de, no momento do ato de

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3.2. - Oposição Maliciosa à Execução

A segunda modalidade de ato atentatório à dignidade da justiça a que se

refere o art. 600 é a chamada “oposição maliciosa à execução”, que acontece, conforme

a própria dicção legal, quando o executado emprega “ardis e meios artificiosos” na

tentativa de evitar o cumprimento da sentença exeqüenda.

O legislador aqui não definiu o que deveria ser entendido por “ardil” ou

“meio artificioso”. Trata-se de um conceito aberto, que apenas será concretizado pelo

magistrado na análise casuística, de acordo com as opções axiológicas que adotar30.

A opção legislativa, nesse particular, é proposital e confere meios ao

Poder Judiciário de coibir a má-fé processual sempre que a parte tentar se valer de

subterfúgios para frustrar a execução.

É comum encontrar operadores do direito buscando elementos concretos

para definir a oposição maliciosa, através da utilização de outros dispositivos legais para

chegar ao conceito do que seriam “ardis e meios artificiosos”. Luis Otávio Sequeira de

Cerqueira, por exemplo, entende que “o inc. II (...) se relaciona com o disposto nos incs.

IV, V e VI do art. 17 do CPC (...)”31, que definem a litigância de má-fé.

A adoção desse conceito aberto e indeterminado sobre “oposição

maliciosa à execução” se, por um lado, permite ao juiz enquadrar um maior número de

situações como atos atentatórios à dignidade da justiça, por outro também pode, à toda

                                                                                                                                                                              constrição, arrecadar tantos e quantos bens forem necessários à solução da execução, não lhe sendo lícito, por mera argumentação oral do executado, deixar de penhorar bem por encontrar dívida de financiamento. Eventual financiamento de automóvel de propriedade do executado deve ser objeto de defesa e prova nos embargos à penhora, pois, o Oficial de Justiça Avaliador, ainda que considerado "longa manus" do Juiz, não tem atribuição legal ou poder de decisão, mas meramente o de cumprimento do ato de constrição. Agravo de Petição que se dá provimento, declarando-se em fraude à execução a venda de bem único do executado, após iniciada a execução. 3. Ao devedor, aplico multa de 20% prevista no artigo 601 do Código de Processo Civil, sobre o valor total e atualizado da execução, revertida a favor do credor, considerando que ao tempo da desconsideração da personalidade jurídica era proprietário de bem que, "a priori", satisfaria a execução, tendo-se omitido perante o juízo, praticando, portanto, ato atentatório à dignidade da justiça.” (TRT 2ª Região; Ac. 20060340783; j. 16.05.2006; proc. 00227-2002-041-02-00; 10ª Turma; DOESP 05.09.2006; Celso Ricardo Peel Furtado de Oliveira) 30 “A oposição maliciosa à execução (art. 600, II), entretanto, tem conceito mais vago. Ardis e artifícios são instrumentos de malícia; esta, como aqueles, sempre de difícil apuração porque envolta em subjetividade: somente os expedientes primários, como o de se ocultar para evitar o recebimento de comunicações judiciais ou de se utilizar, repetidas vezes, de expedientes protelatórios, podem revelar, claramente, a intenção maliciosa. Por isso deve o juiz, no exame de cada caso particular, agir com prudência, sopesando com cautela as circunstâncias”; in Wagner Giglio, op. cit., p. 491. 31 Op. cit., p. 51.

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evidência, criar injustiças e distorções, já que o que para alguns juízes pode representar

o exercício do direito de defesa, para outros pode repercutir como má-fé processual.

Como então distinguir malícia processual do exercício regular do direito

de petição e de defesa?

A parte pode, sem sombra de dúvidas, defender-se em sede de execução

e a própria lei lhe faculta inúmeros expedientes processuais para questionar a prestação

exeqüenda. Nesse sentido, vedar ao devedor “os atos de resistência, ou limitá-los aquém

do indispensável para que sua participação seja eficiente e apta a legitimamente afastar

os desvios e possíveis excessos, constituiria negação do contraditório no processo

executivo”32.

Destarte, o manejo regular desses expedientes e a simples apresentação

de petições não representam, isoladamente, oposição “maliciosa” à execução. São, na

verdade, expressão da oposição “regular” ou “legítima” à execução33.

Como bem assevera Liebman34, “o processo civil, com a sua estrutura

contraditória em que cada uma das partes se atribui a tarefa de sustentar as próprias

razões, é essencialmente refratário a uma rigorosa disciplina moralista do

comportamento daquelas. Se cada litigante pode contar, para vencer, apenas com a

própria capacidade de explorar os elementos e argumentos favoráveis, não se pode

pretender que forneça também os que lhe são desfavoráveis e poderiam favorecer o

adversário. Um dever nesse sentido não teria qualquer probabilidade de ser observado e

seu único resultado seria o de pôr em dificuldades e em situação embaraçosa a parte

mais honesta”.

Portanto, vê-se que distinguir a resistência maliciosa da resistência

legítima é tarefa árdua35. Tanto que Wagner Giglio sugere que “a cautela e a ponderação

devem orientar a atividade do juiz na análise do caso concreto”36.

                                                            32 Cândido Rangel Dinamarco, Op. cit., p. 178. 33 “O manejo adequado dos meios de defesa não pode ser caracterizado como oposição maliciosa à execução”; in Luis Otávio Sequeira de Cerqueira, op. cit., p. 51. 34 In, Cândido Rangel Dinamarco, op. cit., p. 178, nota de rodapé, Apud Liebman, Manual, I, n. 60, esp. p. 124. 35 “Em que pese o fato do o legislador haver dito que atitude maliciosa é a decorrente do emprego de ardis e de meios artificiosos, nem sempre será tarefa simples detectar, na prática, semelhante velhacada, com a segurança que se exige em situações como essas. A causa dessa dificuldade está, como alertamos há instantes, no forte componente subjetivo dessa avaliação (...)”; in Manoel Antônio Teixeira Filho, op. cit., p. 263. 36 Op. cit., p. 491.

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Mas isso não significa que seja permitido ao juiz esquivar-se dela. Ele

deve sobretudo atuar com bom senso, sendo recomendável que, na dúvida, ele solicite

explicações ou mesmo advirta a parte potencialmente desleal, através das faculdades

que lhe conferem os incisos I e II do art. 599 do CPC.

Manoel Antônio Teixeira Filho37, buscando outros dispositivos legais

para exemplificar quais atos poderiam ser reputados oposição maliciosa à execução,

elenca os seguintes subterfúgios utilizados pelo executado:

“(...) alguns dos atos astuciosos do devedor podem ser identificados de

maneira algo objetiva, como se dá, p. ex., quando:

a) Nomeia bens à penhora, sem observar a ordem legal (Lei n.

6.830/80, art. 11);

b) Indica, para o mesmo fim, bens situados fora do foro da execução,

quando neste houver bens livres e desembargados (CPC, art. 656, III);

c) Não atende aos incs. I a IV do §1º do art. 655 do CPC;

d) Impugna a sentença de liquidação, ou oferece embargos à

execução, destituídos de qualquer fundamento legal ou ponderabilidade

jurídica (CLT, art. 884, §3º; CPC, art. 17)”

A jurisprudência ensina que outras hipóteses podem ser reputadas

oposição maliciosa à execução. É o caso do executado que procura inovar a lide em

sede de agravo de petição38, que na fase de cumprimento da sentença oferece resistência

                                                            37 Op. cit., p. 263/264. 38 “Embargos à execução. Agravo de petição. I. Agravo de petição não conhecido ante a falta de pertinência entre o decidido e as razões recursais. 1. A sentença-embargada em nenhum momento julgou a execução em relação à correção monetária, contudo a agravante sem se ater ao decidido, agrava sustentando que a sentença deve ser reformada para aplicação da época própria no quinto dia útil do mês subseqüente ao vencido, ou seja, matéria que não guarda correlação com o decidido. 2. Neste sentir, aponta-se que o agravante pretende renovar por meio de outro recurso temas que já foram pacificados em ação de embargos à execução. Pois se apresentou embargos á execução, a tempo e a modo, é porque amoldou-se na execução como devedor e executado (CLT, 884, caput). Naquela ação incidental veiculou toda a sua irresignação face à execução. 3. Demonstra-se assim, que o agravante ao apresentar embargos à execução foi citado para responder à execução como executado e agora pretende reagitar matérias já decididas, por meio de reiteração de sua não resignação em se ver executado. 4. O judiciário trabalhista já lhe deu resposta a respeito de tais irresignações na ação de embargos à execução, não podendo vir agora alentar litígio a respeito de matérias decididas. 5. Além do mais o agravante não delimita valores conforme preceitua o art. 897, § 1º da CLT. 6. Por estes dois motivos candantes se constata que a intenção do agravante é a de retardar a marcha processual executória. 7. Trata-se, na verdade, de devedor que pratica ato atentatório à dignidade da justiça, opondo-se maliciosamente à execução, empregando ardil e meio artificioso, que é a ação de embargos à execução e a atividade recursal em agravo de petição. Obvia-se que o ora agravante vem protelando a execução apresentando recursos de forma injustificada. 8. Plasmado o tipo descrito no inciso II do art. 600, do CPC, impõe-se ao agravante multa de 20% sobre o

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absolutamente desprovida de fundamento39, que interpõe recursos insistindo em

argumentos notoriamente contraditórios40, descabidos41 ou com o nítido intuito de

procrastinar o feito42, ou que deliberadamente cria tumulto processual43. Os exemplos

                                                                                                                                                                              valor da execução, nos termos do art. 601, do CPC. II. Conclusão. 1. Agravo admitido, mas que se nega provimento.” (TRT 1ª Região; j. 10.05.2006; proc. 00521-1993-028-01-00; 5ª Turma; DORJ 30.05.2006; Desembargador José Ricardo Damião de Araújo Areosa). 39 “LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. CARACTERIZAÇÃO. MULTA. O ato da jurisdição que resolve os embargos oferecidos pelo devedor é a sentença resolutiva e tem eficácia para pôr termo ao processo de embargos (CPC, art. 162, § 1º). Proferida a sentença, dela as partes serão intimadas (CLT, art. 886, § 1º). Portanto, é de se considerar que a sentença é um ato processual dirigido, evidentemente, às partes litigantes. Quando a parte faz tábula rasa da decisão dos embargos e repisa em sua impugnação com os mesmos argumentos infundados, seu proceder se constitui em ato atentatório à dignidade da justiça, o que enseja multa, nos termos do art. 601 c/c art. 35, primeira parte e art. 17, VII, todos do CPC. Agravo de petição do Executado que se nega provimento.” (TRT-PR – AP 846/2000-PR - AC 22238/2000 - 2ª T - Relator Arnor Lima Neto - DJPR. TRT 13-10-2000) 40 “Execução. Ilegitimidade ativa para embargos de terceiro. Sócio-executado. Inadmissibilidade. Decisão de extinção dos embargos do terceiro sem resolução do mérito que deve ser mantida. Penhora de imóvel. Negativa do réu de residir no local, contrariada, em sede de embargos, para beneficiar-se da impenhorabilidade do bem de família. Inadmissibilidade. A hipótese configura desvio de procedimento e, portanto, ato atentatório à dignidade da Justiça, apenável, na forma do artigo 601 do Código de Processo Civil.” (TRT 2ª Região; Ac. 20060157016; j. 14.03.2006; proc. 00033-2004-019-02-00; 3ª Turma; DOESP 28.03.2006; Eliane Aparecida da Silva Pedroso). No mesmo sentido: “ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. CONFIGURAÇÃO. Configura-se ato atentatório à dignidade da Justiça a argüição de impenhorabilidade de bens indicados pelo próprio devedor, em sede de embargos à execução. O uso da faculdade dada ao devedor, de nomear bens passíveis penhora, nos termos do art. 655, do CPC, pressupõe que apontou os bens que ele próprio considera aptos a garantir a execução, renunciando a qualquer eventual situação de impenhorabilidade. Ao apontar esse vício na penhora feita sobre bens por ele indicados configura a conduta tipificada no inc. II, do art. 600, do CPC, sujeitando-o à multa do art. 601 do mesmo Código.” (TRT 15ª Região; Ac. 046161/2001; j. 22.10.2001; AP 014916/2001; 3ª Turma; DOE 22.10.2001; Carlos Eduardo Oliveira Dias). Idem: “EMBARGOS DE TERCEIRO - Custas - Art. 789-A, incisos V, IV e III da CLT - Seu recolhimento não constitui pressuposto de admissibilidade de recurso, eis que a lei é textual no sentido de que será feito pelo executado, nem sempre embargante, e ao final. Da mesma forma, o valor das custas para a espécie estão fixados expressamente no inciso V, sendo incabível sua fixação pela regra geral do art. 789. Constitui ato atentatório à dignidade da justiça a emissão espontânea de cheque para garantia da execução e subseqüente impugnação da constrição, inclusive agravo de petição mesmo após advertência do juízo de execução (art. 600, II do CPC).” (TRT 2ª Região; Ac. 20050126436; j. 10.03.2005; proc. 02138-2003-027-02-00; 7ª Turma; DOESP 01.04.2005; Catia Lungov). 41 “EXECUÇÃO. LIDE TEMERÁRIA. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. Caracteriza ato atentatório à dignidade da Justiça pedido destituído de fundamento para devolução de prazo para embargos que já havia se esgotado.” (TRT 15ª Região; Ac. 020916/2001; j. 21.05.2001; AP 019645/2000; Seção Especializada; DOE 21.05.2001; Eduardo Benedito de Oliveira Zanella). 42 “RECURSO DE REVISTA EM EXECUÇÃO. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA (ART. 600, II, DO CPC). MULTA (ART. 601 DO CPC). Se a parte, em processo de execução, interpõe recurso de revista sem indicação de violação a dispositivo constitucional, ou recorre de matéria cuja decisão, desde o Primeiro Grau, lhe foi favorável, incorre em utilização de ardil ou meio artificioso para se opor, de forma maliciosa, à execução, hipótese de litigância de má-fé prevista no inciso II do artigo 600 do CPC. Aplicável, pois, a multa prevista no artigo 601 do mesmo diploma legal. Recurso não conhecido, com aplicação de multa.” (TST; j. 10.04.2002; RR 423329/1998; 5ª Turma; DJ 03.05.2002; Juiz Convocado Walmir Oliveira da Costa).

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serão tantos quantos forem capazes de se imaginar atos de má-fé capazes de ser

praticados pelas partes com a intenção de fugir ao cumprimento do provimento

jurisdicional condenatório, cabendo ao juiz, no uso de seu prudente arbítrio, coibir a

prática atentatória sempre que lograr distinguir a malícia processual do exercício regular

do direito de defesa do executado.

3.3. - Resistência Injustificada às Ordens Judiciais

A terceira modalidade de atos atentatórios prevista no art. 600 do CPC é

a resistência injustificada às ordens judiciais. Aqui, diferentemente dos casos de

oposição maliciosa, não se trata de condutas comissivas praticadas por parte do

executado, mas, ao contrário, de omissões ao cumprimento das decisões.

Mas não basta apenas a inércia do devedor para que o ato seja tido por

atentatório à dignidade da justiça. Essa resistência deve ser injustificada, isto é, não

pode estar amparada em por direito de titularidade do executado.

Constituem exemplos de resistência injustificada, segundo Manoel

Antônio Teixeira Filho44, o não comparecimento pessoal à presença do juiz, que fora

determinado com apoio no art. 599, I do CPC, a não juntada de certo documento, que se

encontrava em seu poder e o não-fornecimento de informações ou esclarecimentos

essenciais à causa etc.

Finalmente, é importante atentar para o fato de que a insistência do

executado em não acatar a decisão, ou em desobedecer aos atos executórios, mais do

que violar o dever de lealdade processual, claramente representa deboche à seriedade do

Judiciário45. Por este motivo, também pode acontecer de a conduta do devedor ser

tipificada como crime contra a administração da justiça previsto nos arts. 329 e 330 do

Código Penal.

                                                                                                                                                                              43 “LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - ATO ATENTATÓRIO A DIGNIDADE DA JUSTIÇA - CONFIGURAÇÃO. É inadmissível que a parte compareça a sede do Juízo para desrespeitar o magistrado, criando, assim, um incidente processual infundado para, em seguida, argüir a suspeição do Juiz. Tal comportamento evidencia a litigância de má-fé e o ato atentatório a dignidade da Justiça, revelando-se clara a intenção de tumultuar e retardar os feitos em fase de execução, criando diversos imbróglios.” (TRT 3ª Região; j. 28.09.2004; proc. 0918-2002-080-03-40-5; 5ª Turma; DJMG 09.10.2004, p. 12; Juiz Eduardo Augusto Lobato) 44 Op. cit., p. 265. 45 “A severidade da reação se impõe não apenas contra o litigante adversário, mas sobretudo contra a autoridade e a dignidade da função jurisdicional”; in Teori Albino Zavascki, op. cit., p. 297.

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3.4. - Não Indicação de Bens à Execução

A quarta e última modalidade de ato atentatório à dignidade da justiça é a

que desperta maior atenção em sede doutrinária, em virtude da alteração legislativa a

que foi submetido o inciso IV do art. 600 do CPC.

De acordo com sua redação original, cometeria ato atentatório o

executado que “não indicasse ao juiz onde se encontram os bens sujeitos à execução”.

Parte da doutrina se insurgia contra essa modalidade de ato atentatório

sob o razoável fundamento de que , consoante a antiga dicção do art. 652 do CPC – cujo

correspondente na CLT seria o art. 880 - a indicação de bens à penhora representaria um

ônus ao executado e não um dever. O não-oferecimento de tais bens não poderia trazer

ao devedor, portanto, outra conseqüência senão a preclusão da faculdade de escolher o

bem sobre o qual seriam praticados atos de constrição. Ele passaria a se submeter à

penhora feita compulsoriamente pelo oficial de justiça.

Cândido Rangel Dinamarco46 traz esclarecedores apontamentos quanto

ao tema, in verbis:

“A que mais preocupou foi a previsão do inc. IV, na hipótese de não

indicar o devedor ‘onde se encontram os bens sujeitos à execução’. Só a

omissão não constitui, obviamente, ultraje à dignidade da Justiça, nem se

pode inserir entre os atos mediante os quais o executado procura fazer

girar em falso o mecanismo judiciário, retirando-lhe o objeto imediato da

sua atuação. Reconhece-se o estado de sujeição em que se encontra o

devedor no processo executivo, mas sujeição não significa senão

impossibilidade de impedir que se faça determinada coisa e não chega a

impor, a quem a suporta, o dever de pautar-se por linhas altruístas de

conduta, sacrificando voluntariamente um interesse próprio em benefício

da pretensão alheia; o executado que não se rebela comissivamente aos

atos jurisdicionais praticados não trai a sua condição, nem viola as regras

de sujeição.”

                                                            46 Cit., p. 179, grifos no original.

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Teori Albino Zavascki47, concordando com o entendimento acima,

inclusive sugere que, para a caracterização do ato atentatório, além da não-indicação do

bem passível de execução seria necessária a comprovação de um elemento subjetivo,

qual seja, a vontade do devedor de omitir o bem, sabendo onde ele se encontra:

“O texto do inciso IV do art. 600 não permite que se confunda essa

omissão do devedor com a falta de indicação de bens à penhora. Se o

executado, apesar de ter bens penhoráveis, deixa transcorrer em branco o

prazo de vinte e quatro horas de que dispõe para nomeá-los (CPC, art.

652), a conseqüência será a preclusão da faculdade de proceder a

indicação (que passa ao credor – CPC, art. 659), e não, necessariamente,

um ato atentado à dignidade da justiça.

“Para que se configure a situação prevista no dispositivo é indispensável

a concorrência dos seguintes pressupostos: (a) a não-localização dos bens

sujeitos à execução; (b) a demonstração de que o devedor sabe onde eles

se encontram; e (c) a negativa do devedor em fazer a indicação de onde

ou com quem se encontram. (...) Já quando se trata de execução por

quantia certa, a configuração do atentado á dignidade da justiça não é tão

simples. Somente será possível exigir que o devedor indique ao juiz onde

se encontram os bens penhoráveis se, antes, ficar demonstrado que ele

possui tais bens, ou que os possuiu e os alienou no curso do processo.

Não seria justo apenar o devedor com a multa de que trata o art. 601 pelo

só fato de não ter condições patrimoniais para suportar a dívida. O que a

lei busca penalizar é o devedor recalcitrante, aquele que, sabidamente

detentor de patrimônio penhorável, se nega a submetê-lo à constrição.”

Diante dessas exigências, o autor afirma que “a dificuldade de comprovar

a existência de bens penhoráveis faz com que seja ineficiente, para não dizer letra

morta, a norma do art. 600, IV”48.

Portanto, pela sistemática vigente até 2006, a simples não-indicação de

bens à penhora, na forma do antigo art. 652 do CPC e do art. 880 da CLT não poderia

automaticamente ser entendida como ato de má-fé processual49.

                                                            47 Op. cit., p. 297/298. 48 Idem, p. 298.

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Mas isto não significa que o inciso IV do art. 600 não enseje o

reconhecimento de condutas aviltantes à dignidade da justiça.

É que, juntamente com ele, o art. 652 do CPC foi também alterado pela

Lei no 11.382/06, tendo sido inserido em seu corpo o §3º, que assim dispõe:

§ 3o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento do exeqüente, determinar,

a qualquer tempo, a intimação do executado para indicar bens passíveis

de penhora.

Antes da reforma, o art. 652 facultava ao executado, em qualquer caso, a

indicação de bens à penhora. Agora este somente efetuará a nomeação se intimado pelo

juiz a fazê-lo, intimação esta que poderá ser determinada de ofício pelo juízo ou

requerida a qualquer tempo pela parte interessada.

Antes, portanto, o executado detinha uma “faculdade”. Agora, uma vez

intimado, ele tem o “dever” de indicar onde se encontram os bens sujeitos à execução.

E é justamente o descumprimento desse dever por parte do executado –

decorrente da intimação judicial – que atualmente caracteriza o ato atentatório à

dignidade da justiça de que trata o art. 600, IV50.

É bem verdade que é discutível a transportação da nova sistemática do

art. 652 para a seara trabalhista, na medida em que o art. 769 Consolidado só admite o

recurso ao direito processual comum na hipótese de omissão da CLT. Como o seu art.

880 trata do assunto, vislumbramos que as modificações operadas no processo civil, no

que tange à indicação de bens à penhora, tendem a não ser aplicáveis ao processo do

trabalho.

Sem embargo, mesmo que o §3º do art. 652 do CPC não se aplique às

demandas trabalhistas, cremos estar inserida nos poderes do juiz do trabalho a

                                                                                                                                                                              49 Em sentido contrário, vide Christóvão Piragibe Tostes Malta, “Prática do Processo Trabalhista”. São Paulo: LTr, 32ª edição, ____, para quem o devedor seria “obrigado a indicar onde se encontra sua conta bancária para que a importância ali existente seja penhorada (CPC 600, IV), pois o dinheiro ocupa o primeiro lugar na ordem dos bens penhoráveis” (p. 872). 50 “A nova redação [do art. 601, IV] se harmoniza com a supressão do direito de o executado nomear bens à penhora, que agora podem ser indicados pelo exeqüente. Pela redação anterior, somente quando o devedor intencionalmente ocultava os bens é que era aplicada a pena, pois a simples ausência de nomeação de bens à penhora, então um ônus do executado, não poderia ser classificada como ato atentatório. (...) “A localização, a identificação pormenorizada e a valoração dos bens passíveis de penhora nos termos do §3º do art. 652 do CPC passaram à condição de dever do executado, cujo descumprimento enseja a aplicação da multa prevista no art. 601 do CPC.”; in Luis Otávio Sequeira de Cerqueira, op. cit., p. 51/52.

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possibilidade de intimar o reclamado-executado para indicar bens passíveis de penhora,

após frustrados os meios de constrição praticados pela parte interessada. Neste caso, se

o executado, uma vez intimado, deixar de indicar os bens passíveis de execução, estará

ele cometendo ato atentatório à dignidade da justiça de que trata o art. 600, IV do CPC.

No particular, mesmo antes do advento da Lei no 11.382/06, Wagner

Giglio já concluía que a modalidade de ato atentatório descrita no art. 600, IV do CPC

se referia ao descumprimento dessa intimação especificamente dirigida ao devedor para

que ele apresentasse bens penhoráveis, verbis:

“Indicar a localização ao juiz pressupõe intimação do devedor para fazê-

lo, seja porque o oficial de justiça não encontrou bens para penhorar, seja

porque os penhorados foram removidos do local onde se encontravam,

sem autorização do juízo.” 51

É importante atentar, contudo, que, a nosso ver, somente estará

configurada a afronta à dignidade da justiça nesta hipótese se o devedor não responder à

intimação, se respondê-la fora do prazo imposto pelo juízo, ou se deixar informar os

valores atribuídos a cada bem indicado. Se ele apresentar-se ao juízo informando, por

exemplo, não possuir bens, não vemos como se reconhecer o atentado.

Note-se bem, o inciso IV do art. 600 – tal qual o inciso III - visa a punir a

omissão, a inércia do devedor52. Se ele responde à intimação não há inércia e, por

conseguinte, não há punição a se aplicar. No entanto, se o executado prestar

informações falsas na petição de resposta, cometerá ele o ato atentatório previsto no art.

600, II do CPC.

3.5. - Outras Hipóteses

                                                            51 Op. cit., p. 491., grifos no original. No mesmo sentido, Manoel Antônio Teixeira Filho, op. cit., p. 265/266: “Saiba-se (...) que o simples fato de o devedor, citado, deixar de oferecer bens passíveis de penhora (CLT, art. 880, caput) não conduz à caracterização de ato atentatório à dignidade da justiça, cabendo ao oficial de justiça, nesse caso, efetuar a penhora de bens, tantos quantos forem necessários para garantir a execução. É certo que, se o oficial de justiça não conseguir localizar bens do devedor, incumbirá ao juiz, diante da certificação nesse sentido feita por aquele nos autos, determinar que o devedor aponte bens penhoráveis; desatendida a ordem judicial, o ato do devedor amoldar-se-á à previsão do inc. IV do art. 600 do CPC.” 52 Manoel Antônio Teixeira Filho, cit., p. 267, entende que a redação do inciso IV seria desnecessária, porquanto estaria abrangida no espírito do inciso III, com o que concordamos.

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Discute-se em doutrina se as situações elencadas no art. 600 do CPC

seriam numerus clausus ou se o legislador teria apenas trazido exemplos de atos

considerados atentatórios à dignidade da justiça.

Sob o argumento de que a boa-fé e lealdade processuais merecem sempre

ser preservadas, alguns autores, como Christóvão Piragibe Tostes Malta53, posicionam-

se no sentido de a listagem do art. 600 ser apenas exemplificativa. Para eles, as

modalidades de atos atentatórios serão tantas quantas forem as formas inventadas pela

malícia humana para burlar a efetividade jurisdicional.

No mesmo sentido posiciona-se Manoel Antônio Teixeira Filho54,

segundo o qual “duas atitudes poderia ter adotado o legislador, ao tratar do assunto em

questão: de um lado, limitar-se a declarar que ao juiz incumbiria prevenir ou reprimir

atos atentatórios à dignidade do Poder Judiciário, sem discriminá-los; de outro, efetuar

essa declaração de princípio, especificando os atos afrontosos do Judiciário. Optou pela

última. Não se deve entender, entretanto, que o rol desses atos é exaustivo; o legislador,

ao relacioná-los, pretendeu apenas destacar, em caráter exemplificativo, alguns desses

atos, sem contudo, impedir que outros – não compreendidos no elenco do art. 600 do

CPC – possam vir a ser reputados atentatórios à dignidade da justiça, segundo o

prudente arbítrio do juiz”.

Concordamos apenas com a metade da assertiva desse autor.

De fato, o legislador poderia ter adotado uma de duas atitudes: ou tratava

a questão de forma principiológica, afirmando caber ao juiz reprimir os atentados, ou

listava expressamente os atos que reputa aviltantes à dignidade da justiça. Ao decidir

elencar as situações no art. 600 ele demonstrou claramente sua opção taxativa, sendo

certo que no caput do dispositivo em questão sequer consta a expressão “dentre outros”,

tão utilizada em nosso ordenamento quando a listagem que a sucede é exemplificativa.

Além disso, vigora em nosso ordenamento o princípio da legalidade,

consagrado pelo art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual não existe infração sem

lei que assim a defina. Daí concluir-se que apenas podem ser considerados atentatórios à

dignidade da justiça aqueles atos que estejam previamente definidos em lei.

                                                            53 “Os casos previstos no CPC 600 são exemplificativos. Outras hipóteses podem ser verificadas no curso do procedimento executório”; op. cit., p. 872. 54 Op. cit., p. 262.

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Com efeito, além do art. 600, não há em nosso Código de Processo Civil

outro dispositivo que descreva os atos atentatórios à dignidade da justiça. Portanto,

apenas as quatro hipóteses constantes de seus incisos podem ser consideradas condutas

afrontosas à justiça. São elas: (i) fraude à execução, (ii) oposição maliciosa à execução;

(iii) resistência injustificada a ordens judiciais e (iv) não indicação de bens à execução.

Daí concordarmos com Cândido Rangel Dinamarco55 quando o autor

afirma tratar-se “de hipóteses típicas, descritas em numerus clausus pela lei e sem

possibilidade de ampliação em via interpretativa justamente por causa da sua natureza

sancionatória”.

Sem embargo, é forçoso reconhecer que, embora taxativo, o rol do art.

600, por adotar conceitos abertos, torna-se tão abrangente que “se não todos, a maior

parte dos ilícitos processuais que se pudessem cometer no processo de execução, ou nos

embargos do devedor, inclusive nos recursos interpostos em ambos esses feitos”56 está

por ela previsto.

Por este motivo não nos opomos a Araken de Assis, quando o autor

afirma que “tão amplo é o comportamento sancionado que, na prática, a enumeração se

revela exemplificativa. Nenhum ato de má índole escapa, aparentemente, desse espectro

legal”57.

4. - ATOS ATENTATÓRIOS À DIGNIDADE DA JUSTIÇA – “QUESTÕES

PROCEDIMENTAIS”

Compreendidas as hipóteses em que a atuação da parte pode ser encarada

como um ato atentatório à dignidade da justiça, cabe agora analisar como, na prática, se

desenvolverá o processo de punição pela afronta praticada à seriedade do Judiciário.

Neste ponto, inúmeras obscuridades são detectadas após uma detida

análise doutrinária a respeito do art. 601 do CPC e seu parágrafo único.

É necessário advertir expressamente a parte de que seu procedimento

constitui ato atentatório antes de puni-la? Que sanções se impõem à parte que age de

                                                            55 Op. cit., p. 178. 56 Pontes de Miranda. “Comentários ao Código de Processo Civil – Tomo IX”. Rio de Janeiro: Forense, 2ª edição atualizada por Sérgio Bermudes, 2002, p. 363. 57 Manual, p. 470.

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má-fé neste momento processual? A pena, uma vez aplicada, pode ser relevada? Qual o

recurso cabível, em sede trabalhista, contra a decisão que considera o procedimento da

parte um ato atentatório?

Todas essas questões passarão a ser analisadas nessa terceira parte do

nosso estudo, abordando-se sempre as divergências doutrinárias e jurisprudenciais que

possam existir a respeito das mesmas.

4.1. - A Sanção

Como visto anteriormente, a redação original do art. 601 do CPC previa

como conseqüência decorrente da prática do ato atentatório a proibição de o devedor

falar nos autos até segunda ordem.

Esta medida, que à toda evidência conflita com a sistemática

constitucional instaurada a partir de 1988, foi suplantada com a edição da Lei no

8.953/94. A partir de então a pena para o praticante do ato atentatório passou a ser o

pagamento de uma “multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% do valor

atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza

processual ou material”.

Substituiu-se a sanção pessoal por uma patrimonial, como já se praticava,

por exemplo, na Espanha58.

A nova sistemática, de acordo com Cândido Dinamarco, passou a ter “a

dúplice vantagem de não se projetar no futuro como restrição ao exercício de

contraditório e de ser mais temida pelo devedor mal-intencionado, uma vez que já não

dificultada pelos entraves que, no sistema precedente o legislador era forçado a antepor

à sua efetividade”59.

Como se vê do texto legal, o montante da “multa” deve ser fixado pelo

juiz em “até” 20% do valor atualizado do débito. Ou seja, o magistrado deverá se valer

de algum critério para estabelecer a pena em um valor mais próximo ou mais distante do

limite legal de 20%.

Qual critério será este?                                                             58 “No direito processual trabalhista espanhol é possível impor à parte que agir de má-fé uma multa, que, em 1994, não poderia exceder 100.000 pesetas”; in Christóvão Piragibe Tostes Malta, op. cit., p. 872, nota de rodapé. 59 Op. cit., p. 181.

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Pontes de Miranda responde tal pergunta apontado para o princípio da

proporcionalidade entre a sanção e a pena, ressaltando que a finalidade dessa punição

“não é enriquecer o exeqüente nem empobrecer o executado, porém impedir a prática

dos atos, definidos pelo art. 600 como atentatórios à dignidade da justiça”60.

Na verdade, entendemos que o critério de proporcionalidade deve ser

utilizado como fator de ponderação e apenas em um segundo momento. Para fixar a

pena entre 1% e 20% o juiz deve levar em conta, preponderantemente, a gravidade da

conduta praticada pelo executado61.

Ora, se a finalidade do instituto é justamente reprimir e punir aquele que

falta com a boa-fé e com o respeito ao Poder Judiciário, é a sua atitude desleal – de

maior ou menor ofensa - que será apreciada pelo juiz para arbitrar a multa. Se, depois

dessa avaliação, o magistrado concluir que o percentual se mostra por demais oneroso

ou brando, aí estará autorizado, pelo princípio da proporcionalidade, a majorá-lo ou

reduzi-lo.

Essa operação de ponderação é nada mais que um exercício mental do

magistrado, não sendo necessário descrevê-lo na hora de aplicar a multa. Todavia, é

dever do juiz, consoante o art. 93, IX da Constituição Federal, justificar os motivos que

o levaram a fixar o percentual da multa em número maior ou menor.

Fixado o percentual, ele incidirá sobre o valor atualizado do débito, e não

sobre o valor da causa62, não havendo margem para controvérsia a esse respeito ante a

clareza da lei.

Sem embargo, existem hipóteses em sede trabalhista em que a

condenação não se consubstancia em uma obrigação de pagar, mas em dar ou fazer.

Tome-se como exemplo uma demanda por meio da qual o empregado busque a

devolução de sua carteira de trabalho indevidamente retida pelo empregador, ou em que

pleiteie apenas a anotação da mesma. Nestas hipóteses a execução se referirá à entrega

da CTPS no primeiro caso, e à anotação do contrato de trabalho no segundo. Não haverá

valor sobre o qual incidir o percentual de até 20%.

                                                            60 Op. cit., p. 363. 61 “Seu caráter [da multa] é eminentemente punitivo, e não indenizatório, razão pela qual, na fixação do valor, o juiz levará em conta, não necessariamente a existência ou montante do dano que possa ter sofrido o credor, mas sim a gravidade da culpa ou do dolo com que agiu o devedor”; in Teori Albino Zavascki, op. cit., p. 300. 62 “Ressalte-se que a multa prevista no art. 601 do CPC é de 20% sobre o valor do débito atualizado na execução e não sobre o valor da causa.”, in Sérgio Pinto Martins, op. cit., p. 652.

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Talvez por serem raras, a doutrina trabalhista não trata de tais situações.

Os processualistas civis, contudo, trazem solução para o dilema: o valor econômico da

coisa a ser entregue, o valor econômico correspondente à obrigação de fazer ou o valor

da causa devem ser tomados como parâmetro na aplicação da multa63. Contudo, “se

houver descompasso evidente entre um e outro, caberá ao juiz estimar a base de cálculo

da multa utilizando-se de outras fontes disponíveis, caso em que justificará

adequadamente as razões para assim proceder”64.

Importante observar que o art. 601 prevê a aplicação da multa de até 20%

“sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material”. Quais outras

sanções poderiam então ser aplicadas além da multa em questão?

Como já visto, os atos atentatórios à dignidade da justiça representam

expressão de má-fé e deslealdade processuais. Por este motivo, alguns autores defendem

que o ato atentatório à dignidade da justiça representaria também uma hipótese de

litigância de má-fé e, por isso, a sanção do art. 601 seria cumulável com a do art. 18 do

CPC.

Nesse sentido, Araken de Assis65 defende que, “nada obstante o

abrandamento da pena originária, o art. 601 consagra sanção especial de extraordinário

vigor. Cumulam-se três sanções: em primeiro lugar, a multa de vinte por cento do valor

atualizado da dívida, “que reverterá em proveito do credor” (...); depois comina o art.

outra sanção de natureza diversa e indeterminada, mas processual, que só pode consistir

no dever de indenizar o dolo processual (art. 18, caput, e §2º) ou na multa do art. 14,

parágrafo único, na hipótese de o comportamento do executado incidir,

simultaneamente, em outro fato típico previsto no art. 17 (...) ou no art. 14, V”.

                                                            63 Para Teori Zavascki, op. cit, p. 300, “nos casos em que a execução tenha por objeto entrega de coisa, ou prestação de fazer, a multa haverá de incidir sobre o seu equivalente em dinheiro. O valor atribuído à causa será parâmetro recomendável para esse efeito, eis que representa (ou deve representar) o significado econômico da obrigação”. No mesmo sentido, Vicente Greco Filho, in “Direito Processual Civil Brasileiro – vol. 3”, São Paulo, Saraiva, 14ª edição, 2000, p. 15: “O dispositivo vigente, porém, apresenta o seguinte problema: e se o crédito em execução for a entrega de coisa ou a obrigação de fazer ou não fazer, como será calculada a multa? Deverá ser o valor da execução, ou seja, o valor da coisa ou valor econômico correspondente à obrigação de fazer ou não fazer descumprida. Neste último caso, poderá haver alguma dificuldade na definição do valor, devendo o juiz, se necessário, determinar sua avaliação ou arbitramento”; e Araken de Assis, in “Manual”, p. 469: “A nova redação do art. 601 se relaciona com a execução por quantia certa. Nas demais espécies executivas, em lugar de a multa ter como base o ‘valor atualizado do débito em execução’, deverá o juiz mensurá-lo de olho no valor da causa”. 64 Teori Albino Zavascki, p. 300. 65 Comentários, p. 285.

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Dinamarco66 assevera que, embora o art. 601 não informe quais seriam as

“outras sanções de natureza processual”, entender-se-ia que, “p. ex., uma conduta

desleal atípica perante o art. 600 deverá ser sancionada segundo as regras genéricas da

litigância de má-fé (arts. 16-18)”. No mesmo sentido, Humberto Theodoro Junior67,

para quem “além da pena do art. 601, sujeita-se também o devedor que se opõe

maliciosamente à execução forçada à pena do art. 18, que impõe ao litigante de má-fé o

dever de indenizar à parte contrária os prejuízos que esta tenha sofrido em decorrência

da injustificada resistência ao andamento do processo (art. 17, no IV), de procedimento

temerário (no V) ou de provocação de incidente manifestamente infundado (no VI)”.

Com a vênia dos dois abalizados mestres e também de parte da

jurisprudência68, não nos parece ser possível cumular a sanção do art. 18 com a do art.

601 do CPC. Isto porque, segundo nosso entendimento, ambos expressam a mesma

coisa: o combate a um específico ato de má-fé processual praticado pela parte.

Ora, o ato de má-fé pode ser punido de duas formas distintas,

dependendo do momento em que ele for praticado: se na etapa de conhecimento, ele

importará em multa de até 1% sobre o valor da causa (art. 18); se na fase de execução

essa multa será de até 20% e calculada sobre o valor atualizado em execução.

Ambas as punições tratam do mesmo ato e, se aplicadas

cumulativamente, representariam bis in idem, vedado em nosso ordenamento.

Nesse sentido, concordamos integralmente com Sérgio Pinto Martins69

quando o autor ensina:

“Como há a hipótese de o devedor ser punido com outras sanções (art.

601 do CPC), o juiz poderá aplicar a pena de litigante de má-fé em vez

da prevista no art. 601 do CPC. Entendemos, porém, que não poderá

aplicar duas penas pelo mesmo fato gerador, ou bis in idem, como no

                                                            66 Op. cit., p. 181. 67 Op. cit., 224. 68 “AGRAVO DE PETIÇÃO. DEVEDOR QUE IMPUGNA A PRÓPRIA CONTA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. Sem prejuízo da multa aplicada pelo juízo de origem ao executado em virtude de atos atentatórios à dignidade da justiça (art. 601, CPC), cabe o reconhecimento ex officio da litigância de má-fé, com a condenação na indenização prevista nos artigos 16 e 18 do CPC, se o devedor, com indisfarçável escopo protelatório, interpõe agravo de petição no qual insiste em impugnar os cálculos por ele mesmo apresentados, alegando que sua própria conta não está em harmonia com o artigo 606 do CPC e que os valores ali indicados estão eivados de erros.” (TRT 2ª Região; Ac. 20050575613; j. 23.08.2005; proc. 00964-2000-070-02-01; 4ª Turma; DOESP 02.09.2005; Ricardo Artur Costa e Trigueiros) 69 Op. cit., p 652.

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caso da pena de litigante de má-fé combinada com a do art. 601 do

CPC.”

Não obstante, parece-nos possível aplicar, juntamente com a pena do art.

601, a punição prevista no art. 14, parágrafo único, do CPC70. Isto porque a primeira

penalidade seria encarada como conseqüência intra-processual pela má-fé praticada.

Teria como foco a moralização da relação angular (exeqüente-juiz-executado)

desenvolvida naquele caso específico. Já a sanção do art. 14, parágrafo único, serviria

como satisfação patrimonial do Poder Público pelo atentado contra ele praticado.

Note-se: a primeira punição processual tem como beneficiária a parte

prejudicada com o ato atentatório, enquanto a segunda visa a satisfazer o Poder Público,

revertendo o valor da multa ao erário.

Tomando-se essas particularidades em conta, parece-nos somente ser

possível entender que as “outras sanções de natureza processual” dizem respeito à multa

por descumprimento do art. 14, V da Lei Processual Civil71.

Já as “outras sanções de natureza material” seriam, a nosso ver, os danos

que pudessem ser sofridos pela parte prejudicada com o cometimento do ato atentatório,

os quais seriam indenizados de acordo com os ditames de responsabilidade civil. Para

tanto, considerando a necessidade de dilação probatória – de todo não admitida na fase

de execução processual -, seria preciso o ajuizamento de uma ação especificamente

voltada para comprovar a existência desses danos patrimoniais e do nexo de causalidade

entre o ato atentatório e o prejuízo sofrido, não se aplicando, a nosso ver, quanto a essas

sanções de natureza material, a parte final do caput do art. 601.

Além disso, a parte que pratica o ato atentatório está sujeita a enfrentar

sanções de direito material penal, como ensina a lição de Araken de Assis72.

                                                            70 Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: [omissis] V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. Parágrafo Único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo ao juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo pago no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado 71 “Nada impede que seja aplicada a multa prevista no art. 601 do CPC concomitantemente com a prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC, pois em razão da diversidade de beneficiários fica autorizada a sua cumulação.”, cf. Luis Otávio Sequeira de Cerqueira, op. cit., p. 54. 72 Comentários, p. 285.

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Quanto ao tema, cabe ainda ressaltar que Humberto Theodoro Junior

entende que o legislador processual quis referir-se à atualização monetária e aos juros

quando aludiu a essas “outras sanções de direito material”73.

Finalmente, não é demais consignar que serão aplicadas tantas multas

quantos forem os atos atentatórios praticados74. Não poderia ser diferente sob pena de,

praticada a primeira afronta processual, o executado receber um salvo-conduto para

comportar-se impunemente da maneira aviltante, estando isento de responder por novos

atos de má índole que cometesse.

4.2. - A Obrigatoriedade da Advertência Prévia

Discute-se em doutrina se, uma vez praticado o ato atentatório à

dignidade da justiça, o juiz poderia aplicar diretamente a sanção prevista no art. 601 do

CPC ou se, antes de aplicá-la, ele estaria obrigado a advertir o devedor de que sua

conduta estaria afrontando a seriedade do Poder Judiciário.

A controvérsia se deve à redação anterior do dispositivo em questão que,

como visto no item 2.3 retro, previa a necessidade de que o devedor fosse advertido

antes de sofrer a punição. Esta somente seria aplicável se, após a advertência, a parte

insistisse na prática atentatória.

Com o advento da Lei no 8.953/94, o texto do art. 601 passou a não mais

aludir à necessidade de advertência ao devedor, surgindo, a partir de então,

controvérsias a respeito de ter passado a não mais ser obrigatória a advertência antes da

aplicação da sanção pelo ato atentatório.

Com efeito, uma parte da doutrina passou a defender que, tendo sido

revogada a anterior redação do caput do art. 601 pela Lei no 8.953/94, não haveria

qualquer respaldo legal para sustentar a manutenção da obrigação de o devedor ser

advertido pelo juiz antes de este poder aplicar a multa pelo ato aviltante praticado. A

exigência em questão estaria, portanto, revogada para esta corrente.                                                             73 “Nas execuções por quantia certa estes prejuízos são facilmente apuráveis no regime inflacionário em que vive o País, pela verificação da desvalorização da moeda enquanto tenha durado o obstáculo maliciosamente oposto pelo devedor. “Com o advento da Lei no 6.899/81, a aplicação da correção monetária tornou-se medida de caráter geral. Mas a pena do litigante de má-fé serve, ainda, para fazer retroagir a correção monetária até data anterior à vigência da questionada lei, bem como para exacerbar a verba advocatícia”; op. cit., p. 224. 74 “Nada impede, à vista de fato novo, nova aplicação da medida punitiva.”; in Araken de Assis, Manual, p. 471.

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A bem da verdade, o requisito da advertência prévia já era duramente

criticado antes mesmo da edição da Lei no 8.953/94 por dificultar a aplicação da multa

por ato atentatório, na medida em que tornava o procedimento lento e condicionado à

passividade do ofensor. Daí a repreensão de Teori Zavascki para quem “o requisito da

prévia advertência era uma das tantas causas de descrédito e do quase absoluto

ceticismo que envolvia a antiga apenação, sujeita a três decisões interlocutórias (uma,

sobre a advertência, outra, a que aplicava a multa e a terceira, decidindo o pedido para

relevá-la) e, portanto, a tríplice oportunidade de agravo”75, posicionando-se o autor no

sentido de que “o dispositivo, na sua atual formulação, já não subordina a aplicação da

multa à prévia advertência do devedor. A sanção poderá ocorrer desde logo, tão pronto

configurado o ato atentatório à dignidade da justiça”76.

Também na seara civilista, Luís Otávio Sequeira de Cerqueira abraça

essa corrente, sendo enfático ao afirmar que “não há necessidade de prévia advertência

para aplicação da penalidade”77.

Vê-se, portanto, que para os adeptos dessa linha de pensamento, o juiz

está livre para, de ofício ou a requerimento da parte interessada, aplicar a pena prevista

no art. 601 do CPC caso seja praticada uma conduta atentatória à dignidade da justiça.

Todavia, essa conclusão não é aceita por autores como Araken de Assis e

Humberto Theodoro Junior, para quem a advertência constitui instrumento importante

para a defesa da parte contra quem se queira imputar a prática de um ato atentatório78.

                                                            75 Op. cit., p. 301. 76 Idem, ibidem. 77 “(...) impõe-se a aplicação de ofício da multa prevista no art. 601 do CPC. Para tanto, não há necessidade de prévia advertência do executado, já que o art. 599 do CPC confere ao juiz poderes para atuar preventivamente, nos moldes do inc. III do art. 125 do CPC. (...) “A redação do art. 601 é objetiva, ou seja, identificada a conduta como uma das previstas no art. 600 do CPC, o juiz de ofício deverá aplicar a pena que será fixada a partir dos critérios estabelecidos no próprio artigo e de acordo com a gravidade da conduta. Logo, não há necessidade de prévia advertência para aplicação da penalidade”; op. cit., p. 50/53. 78 “Antes de qualquer providência punitiva, se impõe, por força do art. 599, II, admoestar o executado de que o ato por ele realizado ou concebido atenta contra a dignidade da Justiça, a requerimento do credor ou de ofício. (...) Ela visa a prevenir a realização do ato, ou a cortar seu desenvolvimento, economizando os esforços necessários à reparação dos efeitos ilegais da deslealdade do devedor”; in Araken de Assis, “Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VI: arts. 566 a 645”. Rio de Janeiro: Forense, 2ª edição, 2003, p. 281. No mesmo sentido, Humberto Theodoro Junior, op. cit., p. 224, in verbis: “Se, mesmo após a advertência, o executado persistir na prática dos atos questionados, ficará sujeito a multa que o juiz fixará em montante não superior a 20% do valor atualizado do débito da execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em proveito do credor e será exigível na própria execução”.

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Sendo corolário do direito de defesa, não seria necessário estar expressa no texto

infraconstitucional a obrigação de advertir a parte antes de aplicar a sanção. Este dever

do magistrado decorreria automaticamente dos princípios da ampla defesa e do

contraditório, previstos no art. 5º, LV da Constituição Federal.

Para essa segunda corrente, a faculdade prevista no art. 599, II seria uma

espécie de “poder-dever” imposto ao juiz decorrente desses princípios. Por esse motivo,

a alteração da redação do art. 601, caput, seria irrelevante, persistindo o direito de a

parte ser advertida antes de ser-lhe imputada a prática de um ato desrespeitoso ao Poder

Judiciário 79.

O prestígio à advertência prévia se justificaria, finalmente, pelo fato de a

mesma ser útil para evitar que o atentado à dignidade se consume, “economizando

tempo e esforços do órgão judiciário”80. A advertência, assim entendida, funcionaria

como um inibidor ao mau devedor que paralisaria sua conduta recalcitrante ao saber que

poderia sofrer a multa do art. 601.

Dentre os autores trabalhistas que defendem o direito do devedor à

advertência prévia destaca-se Manoel Antônio Teixeira Filho, in verbis:

“Vindo o devedor a incorrer em quaisquer das situações descritas nos

incs. I a IV do art. 600 do CPC, deverá o juiz adverti-lo para que não

reincida na prática desses atos (CPC, art. 599, II). Se o devedor

desrespeitar essa advertência, o juiz lhe imporá multa.”81

Como se vê da decisão abaixo transcrita, o entendimento em questão já

foi acolhido pela 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que se curvou ao

argumento de que a advertência prévia constituiria uma manifestação do direito de

ampla defesa do executado, verbis:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA.

EXECUÇÃO. MULTA POR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE

                                                            79 “Em realidade, há previsão de um procedimento gradativo para punir o ato atentatório à dignidade da justiça praticado pelo executado. Primeiramente, conforme deflui do art. 599, II, o juiz advertirá o devedor de que seu ato é reprovável. Qualquer punição, portanto, decorrerá da reiteração ou da insistência do ato. (...) Depois é que, observada a garantia de ampla defesa, e a teor da cláusula inicial do art. 601, caput, a sanção adequada – condenação a indenizar – ostentar-se-á aplicável, mediante decisão interlocutória motivada, sendo este ato passível de agravo”; in Araken de Assis, “Manual”, p. 470. 80 Araken de Assis, “Manual”, p. 469. 81 Op. cit., p. 266.

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DA JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE PRÉVIA ADVERTÊNCIA AO

EXECUTADO. OFENSA AO INCISO LV DO ART. 5º DA CF/88. A

imposição de multa por atos atentatórios à dignidade da Justiça,

desacompanhada de prévia advertência, convola-se em ofensa ao

princípio constitucional do devido processo legal (CF/88, art. 5º, LV), na

medida em que tolhe a parte do exercício da faculdade processual do

direito de recorrer. A caracterização do ato atentatório à dignidade da

Justiça depende de advertência prévia à parte, pelo juiz, no sentido de

alertá-la que, a continuar com conduta temerária, incidirá a multa.

Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. MULTA

POR ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA.

AUSÊNCIA DE PRÉVIA ADVERTÊNCIA AO EXECUTADO. A

imposição desta multa por atos atentatórios à dignidade da Justiça,

desacompanhada de prévia advertência, convola-se em ofensa ao

princípio constitucional do devido processo legal (CF/88, art. 5º, LV), na

medida em que tolhe à parte o exercício de uma faculdade processual,

qual seja, o direito de recorrer. Recurso de revista conhecido e provido.”

(TST; RR 787444/2001; 4ª Turma; Juiz Convocado José Antonio

Pancotti; j. 19 11 2003; DJ 05-12-2003)

Sem embargo dos argumentos defendidos por essa corrente, entendemos

não haver como negar estar revogada a exigência da prévia advertência ao devedor para

aplicação da pena prevista no art. 601, caput, do CPC. Na verdade, concordamos com

os dizeres de Eduardo Gabriel Saad82, no sentido de que “o novo texto aboliu a

obrigatoriedade da advertência como pré-requisito da sanção pecuniária”, concluindo,

contudo ter permanecido “a faculdade de o Juiz, em qualquer momento do processo,

advertir ao devedor que o seu procedimento se qualifica como atentatório à dignidade

da justiça”, conforme previsão do art. 599, II.

Nesse sentido, entendemos que o seu inciso II ganhou relevância com a

revogação da advertência obrigatória anteriormente existente. É valendo-se a faculdade

de advertir o executado ali prevista que o magistrado avaliará a conveniência e a

utilidade de advertir o devedor de que a sua conduta constitui ato atentatório e que a sua

                                                            82 Op. cit., p. 703.

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persistência importará na imposição da sanção prevista no art. 601. Convencendo-se,

por outro lado, de que essa advertência será inócua para evitar o resultado danoso ao

processo, poderá imediatamente aplicar a pena por ato atentatório á dignidade da justiça.

No entanto, é importante conjugar a faculdade em questão com o direito

constitucional de ampla defesa. Sempre que for possível notificar o devedor antes do

resultado danoso - ou para que este, uma vez produzido, seja desfeito – ele estará

obrigado a fazê-lo, para assim, proporcionar à parte o contraditório e o direito de defesa.

Mutatis mutandis, aplicar-se-ia o raciocínio semelhante à interpretação

do art. 482 da CLT. O empregador, antes de dispensar o empregado por justa causa,

deve adverti-lo e, quiçá, suspendê-lo. Há a necessidade de obediência a um

procedimento punitivo gradativo. No entanto, situações há em que a gravidade da falta

cometida autoriza o empregador a rescindir imediatamente o contrato de trabalho por

justa causa.

O juiz, tal qual o empregador, estaria adstrito – por força do art. 5º, LV

da Constituição – a primeiro advertir ao devedor de que sua conduta representa afronta à

dignidade da justiça. Não obstante, ao deparar com condutas de maior gravidade

cometidas pelo executado, ou cujo resultado produzido não mais pudesse ser desfeito, o

magistrado estaria autorizado a aplicar a sanção sem prévia advertência.

Diversos autores trabalhistas posicionam-se nesse sentido.

Wagner Giglio83, por exemplo, afirma que “essa advertência prévia nos

parece recomendável para melhor caracterização do comportamento atentatório, embora

não seja imprescindível”. Sérgio Pinto Martins84 ensina ser “aconselhável (...) que o juiz

advirta o devedor de que seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da

justiça” sendo aplicável a penalidade no caso de reincidência. Isto apesar de não ter o

juiz “obrigação de advertir o devedor para depois aplicar a multa. A multa pode ser

aplicada de imediato, sem antes ter havido a advertência”.

O entendimento em questão é avalizado, ainda, no direito processual

comum, com destaque para as lições de Pontes de Miranda85 e Teori Zavascki86, para

quem, “a exemplo da providência de que trata o inciso I do art. 599, também a do inciso

                                                            83 Op. cit., p. 492. 84 “Direito Processual do Trabalho”. São Paulo: Atlas, 26ª edição, 2006, p. 652. 85 “O devedor, em qualquer das espécies de que se falou sob os arts. 599 e 600, há de ser advertido, se a advertência ainda pode ter efeito de evitar-se o ato atentatório, positivo ou negativo”; op. cit., p. 361. 86 Op. cit., p. 301/302.

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II deve ser interpretada como providência que fica a critério do juiz, a ser adotada

quando realmente puder mostrar-se útil. Ela terá eficácia prática significativa em

situações em que o ato atentatório ainda não se consumou irreversivelmente, ou quando

ele se mostrar reversível por ato do devedor. Porém, consumado o atentado sem

possibilidade de reversão, a advertência seria absolutamente inútil, revelando-se

exagerada subserviência a formas exigir do juiz que, mesmo assim, a leve a cabo antes

de aplicar a multa. Seja como for, o princípio do contraditório impõe ao juiz que, antes

de aplicar a multa, abra prazo para o devedor se manifestar a respeito”.

Sendo assim, nos dias atuais, parece-nos que a advertência prévia do

executado não mais representa pressuposto para a aplicação da sanção prevista no art.

601 do CPC, embora o juiz deva optar por utilizá-la sempre isto se mostrar possível,

justificando, em todo caso, sua decisão caso a multa seja aplicada sem prévia

notificação ao devedor.

4.3. - Sujeito Ativo dos Atos Atentatórios

Até o presente momento de nosso estudo sempre nos referimos ao

“devedor” ou, mais tecnicamente, ao “executado” como sendo o sujeito ativo dos atos

atentatórios à dignidade da justiça. No entanto, outros agentes processuais, ainda que

excepcionalmente, podem também praticar os atos aviltantes sob estudo.

Com efeito, a melhor doutrina informa que, em algumas hipóteses, o

próprio exeqüente pode ser considerado afrontador da dignidade da justiça87. Isto

acontece quando quem faz pouco caso do dever de lealdade processual na execução é o

credor, tentando suplantar os ditames legais para, a todo custo, ver satisfeito seu crédito,

ou de alguma forma vê-lo indevidamente majorado.

                                                            87 “O Código refere-se, na execução, apenas a atos atentatórios à dignidade da justiça do devedor, nada cominando ao credor, este, porém, não está livre de ser considerado também litigante de má fé se vier a pratica uma das condutas relacionadas no art. 17, como, por exemplo, se deduzir pretensão contra texto expresso de lei”; in Vicente Greco Filho, op. cit., p. 14. No mesmo sentido, Luis Otávio Sequeira de Cerqueira, op. cit., p. 50: “Mas, ainda que as disposições, desde o advento do Código de Processo Civil, estejam dirigidas ao devedor, agora executado, o fato é que o exeqüente também pode cometer ato atentatório à dignidade da justiça, como preleciona Alcides de Mendonça Lima, para quem a lei deveria ser mais ‘elástica’, a fim de apená-lo pelos mesmos fundamentos.”

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Alguns autores estendem essas hipóteses a qualquer prática cometida

pelo exeqüente que possa ser tipificada como litigância de má-fé pelo art. 17 do CPC88.

Um exemplo de ato atentatório praticado pelo credor foi reconhecido

pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais. Na hipótese, ele buscava a

procrastinação do feito executório, através de petições e requerimentos

desfundamentados, com vistas a fazer com que seu crédito fosse majorado em virtude

do acúmulo de juros e correção monetária sobre o montante cobrado em juízo:

“EXECUCÃO. CÁLCULOS DE LIQUIDAÇÃO APRESENTADOS

PELO EXEQUENTE. AFRONTA À COISA JULGADA.

RENITÊNCIA. LITIGAÇÃO DE MÁ-FÉ. É sabido que a pesada

penalidade prevista no artigo 601 do CPC dirige-se, conforme disposição

legal imediatamente anterior, exclusivamente ao devedor que, no curso

do processo de execução a que está submetido, pratique atos atentatórios

à dignidade da Justiça. Mas nos dias de hoje, em que os juros moratórios

capitalizados de 1% ao mês, somados aos índices de atualização

monetária, significam remuneração ao capital muito mais elevada do que

qualquer aplicação disponível no mercado financeiro, cabe ao juiz da

execução ficar atento, para coibir com o mesmo rigor os atos

protelatórios do credor que visem, indisfarçadamente, o desnecessário

prolongamento da execução. Notadamente quando a execução se volta

contra instituições bancárias e que já estejam asseguradas por depósito

em dinheiro à disposição do juízo. Para tanto, pode e deve valer-se da

penalidade equivalente prevista no parágrafo 2o. do artigo 18 do CPC.”

(TRT 3ª Região; j. 09.07.2007; proc. 00798-2002-104-03-00-7; 6ª

Turma; DJMG 19.07.2007, p. 13; Juiz Convocado João Bosco Pinto

Lara)

Discute-se também se o advogado poderia ser incluído no rol daqueles

que praticam atos atentatórios à dignidade da justiça.

                                                            88 Nesse mesmo sentido, Araken de Assis, Manual, p. 468: “Mas isto não significa que ao credor seja lícito abandonar a trilha da boa-fé. Se assumir comportamento reprovável no processo, incidente num dos tipos do art. 17, aplicar-se-á o art. 16, respondendo o credor pelos danos porventura causados ao executado”.

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Com coerência, argumentam alguns que as manobras processuais

descritas no art. 600, II do CPC são comumente praticadas por iniciativa exclusiva do

advogado que atua na defesa do executado, o qual, o mais das vezes, sequer toma

conhecimento dos recursos e petições apresentados nos autos.

Daí o motivo de o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região ter

estendido ao advogado do devedor, na condição de devedor solidário (art. 942,

parágrafo único do Código Civil), a multa imposta pela prática de ato atentatório à

dignidade da justiça:

“AGRAVO DE PETIÇÃO. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA

JUSTIÇA (CPC, ARTS. 600, II E 601). MULTA. Comete ato atentatório

à dignidade da Justiça a parte que, utilizando-se de meios artificiosos,

tenta levar o Juízo a erro, afirmando que os embargos à execução eram

tempestivos pelo fato de que o depósito fora efetivado por terceiro e que

deste ato não lhe foi dada ciência, sendo que as duas empresas estão

representadas pelo mesmo causídico. Ato atentatório à dignidade da

Justiça plenamente caracterizado. Aplicação de multa à executada e,

solidariamente, ao advogado (Lei nº 8.906, art. 32, parágrafo único).”

(TRT 2ª Região; Ac. 20040025599; j. 27.01.2004; proc. 01861-1994-

057-02-00; 6ª Turma; DOESP 13.02.2004; Francisco Antonio de

Oliveira)

Embora seja justo que o advogado responda pelos atos desleais que

pratica na defesa de seus clientes, não nos parece tecnicamente correto que seja possível

incluir o advogado como sujeito ativo de um ato atentatório à dignidade da justiça,

porquanto o próprio CPC, no art. 14 parágrafo único, reconhece que os advogados

sujeitam-se a exclusivamente às punições impostas pelo estatuto da Ordem dos

Advogados do Brasil89.

Contudo, mesmo que os procuradores não sejam formalmente sujeitos

ativos dos atos atentatórios, a parte prejudicada com a atuação profissional destes contra

                                                            89 “Mais recentemente, o art. 14, V, estabeleceu o dever de as partes, bem como de “todos aqueles que de qualquer forma participam do processo” (art. 14, caput) – (...) exceção feita dos advogados públicos ou privados (...)”; in Araken, Comentários, p. 283.

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eles terá direito de regresso, caso sua dívida original seja majorada em virtude de

condutas imputáveis ao dolo, imperícia, imprudência ou negligência dos mesmos90.

Manoel Antônio Teixeira Filho91 inclui, ainda, como sujeito ativo dos

atos atentatórios a Fazenda Pública, uma vez que “seria desarrazoado supor que pudesse

constituir prerrogativa desta a prática de atos desrespeitosos da dignidade do Poder

Judiciário. É evidente que a multa só seria aplicável à Fazenda Pública nos casos dos

incs. II e III do art. 600, porquanto não vemos como possa ela praticar fraude à

execução (inc. I) ou deva indicar bens passíveis de penhora (inc. IV). A decisão pela

qual se impõe à Fazenda Pública a multa em foco não está sujeita ao duplo grau de

jurisdição, pois a remessa ex officio está restrita ao processo de conhecimento”.

Finalmente, os Comentários de Pontes de Miranda92 apontam, sem

maiores explicações, para a possibilidade de o juiz também poder cometer atos

atentatórios à dignidade da justiça, o que todavia nos parece impossível, já que o agente

estaria cometendo um atentado contra si mesmo.

4.4. - Relevação da Pena

O parágrafo único do art. 601 determina que o juiz deve relevar a pena

imposta em função do cometimento do ato atentatório se o devedor se comprometer a

não mais praticar afrontas dessa natureza e apresentar fiador idôneo capaz de garantir o

valor em execução.

Em outras palavras, a lei impõe uma obrigação ao juiz de voltar atrás na

aplicação da sanção caso o executado se retrate e preste fiança.

Essa possibilidade de retratação da parte que comete o ato atentatório é

bastante criticada por parte da doutrina desde a edição da Lei no 8.953/94.

Como já visto, antes de tal diploma entrar em vigor o art. 601 previa o

silêncio como pena pela a prática de atos atentatórios; uma punição severa e que privava

o devedor do direito de defesa a partir do momento em que imposta.

A possibilidade de relevar a pena, contemplada pelo parágrafo único, era,

então, como que um bálsamo sobre o rigor daquela punição extrema. A proibição de

                                                            90 “Se a autoria de ato atentatório da dignidade da justiça for atribuído ao advogado da parte, tem esta o direito de regresso contra aquele”; in Eduardo Gabriel,op. cit., p. 704. 91 Op. cit., p 270. 92 “Juiz também pode ofender a dignidade da Justiça”; op. cit., p. 361.

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manifestação do devedor, em última análise, somente persistiria se ele, irredutível, não

se comprometesse a parar de praticar atos atentatórios e não fosse capaz de indicar ao

juízo um fiador capaz de pagar a integralidade de sua dívida.

A intenção do legislador foi boa, já que a utilização da prerrogativa do

parágrafo único do art. 601 faria com que a execução fosse praticamente encerrada, na

medida em que o fiador indicado teria indubitavelmente patrimônio suficiente para

satisfazer o crédito exeqüendo.

Com a edição da Lei no 8.953/94, a punição pelos atos atentatórios à

dignidade da justiça foi alterada, preferindo o legislador a multa à cassação da palavra.

Ocorre que, embora o caput do art. 601 tenha sido modificado, seu parágrafo único

continuou intacto. Ou seja, mesmo sem uma punição tão severa quanto a cassação da

palavra, persistia a possibilidade de retratação por parte do executado desleal.

Para alguns autores, a manutenção do parágrafo único do art. 601

representaria um mero descuido do legislador. Isto porque, uma vez modificada a forma

de punição contra os atentados à dignidade da justiça, não haveria mais substrato

jurídico para persistir a possibilidade de retratação. Ela seria anacrônica. Manter tal

faculdade ao devedor recalcitrante abriria espaço para a impunidade contra manobras

desleais praticadas na fase de execução.

Além disso, estabelecendo como punição uma multa que reverte em prol

do exeqüente, este passaria a deter o direito de recebê-la após sua imposição pelo juiz.

A relevação da pena, assim, se antes não causava qualquer repercussão para o credor,

agora, se admitida, representaria uma interferência indevida do juiz sobre a esfera

patrimonial de seus direitos, interferência esta que seria injustificável.

Finalmente, os que defendem a revogação tácita do art. 601, parágrafo

único, argumentam que o exercício da retratação e a indicação de um fiador idôneo para

arcar com o crédito exeqüendo criaria um incidente cognitivo incompatível com a fase

de execução, mormente nos dias atuais – após a edição das Leis nos 11.232/05 e

11.382/06 - onde se busca uma maior celeridade para o encerramento do processo

judicial.

Posicionando sua linha de pensamento nessa corrente doutrinária, Luis

Otávio Sequeira de Cerqueira93 defende:

                                                            93 Op. cit., p. 53.

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“Com a substituição da penalidade de proibição de falar nos autos pela

multa, o parágrafo único do art. 601 do CPC, por incompatibilidade, está

revogado, segundo Clito Fornaciari Junior, pois não tem sentido o juiz

relevar multa que tem como beneficiário o credor, pois uma vez imposta

ele teria direito adquirido ao seu recebimento.

“(...) em nosso sentir, a incompatibilidade sistemática do parágrafo único

do art. 601 do CPC é evidente e a sua permanência no artigo de lei só

pode ser atribuída a um descuido do legislador, pois não tem mais

qualquer razão de existir. O parágrafo único do art. 601 do CPC contém

uma hipótese de juízo de retratação condicionada a uma atividade do

executado, que não só deve se comprometer a não mais praticar

quaisquer dos atos tipificados no art. 600 do CPC, mas também a

oferecer fiador idôneo (...) o que cria na verdade um iter processual

incompatível com a execução, principalmente por demandar atividade

cognitiva e comprometer a celeridade do procedimento; isso sem falar na

sua quase que absoluta falta de aplicação do dispositivo.”

Dentre os autores trabalhistas que tratam do tema, merece transcrição,

por sua clareza e linearidade de raciocínio, o posicionamento de Manoel Antônio

Teixeira Filho94:

“Apesar disso, entendemos que o parágrafo único do art. 601 do digesto

de processo civil se tornou inconciliável com a nova redação do caput do

mesmo dispositivo, que alterou a natureza da sanção imposta ao devedor

praticante de ato atentatório à dignidade do Poder Judiciário.

“Realmente, a mencionada norma legal, em sua redação primitiva,

previa, como penalidade ao devedor, o silêncio. Destarte, preclusa a

decisão que lhe infligira essa penalidade, ele não mais poderia requerer,

reclamar, recorrer ou praticar qualquer ato processual enquanto não lhe

fosse relevada a pena. Esse relevamento da penalidade era justificável

porque, sem que isso ocorresse, o devedor continuaria impedido de se

manifestar nos autos. (...) Em suma, a possibilidade de ser relevada a

pena era necessária para evitar que o devedor ficasse definitivamente

                                                            94 Op. cit.,p 268/269.

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subordinado à cláusula do silêncio, imposta pelo magistrado. Perceba-se

que essa pena, em sim mesma, não tinha caráter patrimonial, mas, sim,

ético.

“Todavia, com a nova redação dada ao caput do art. 601 do CPC, a

penalidade deixou de ser ética para tornar-se patrimonial, porquanto

consistente em multa pecuniária calculada sobre o valor atualizado da

execução. Ora, a partir daí fica difícil admitir, dentro dessa nova

realidade legislativa, que o juiz possa relevar a pena aplicada ao devedor!

Essa multa se dá em prol do credor, como patenteia o art. 601, caput.

“Antes, a penalidade, em decorrência de seu caráter ético, estabelecia

uma relação entre o devedor e o juiz; agora, diante da natureza

patrimonial e pecuniária da multa, essa relação atrai também o credor,

motivo por que nos parece não ser mais possível ao juiz relevar a pena.

Esse relevamento talvez seja lícito, quando muito, antes de formar-se

contra o devedor, a preclusão do direito de impugnar a decisão judicial

que lhe aplicou a multa. Se, porém, essa decisão se tornou irrecorrível,

não vemos como possa o juiz dispensá-lo do pagamento sem que isso

implique violação ao direito do credor de ver incorporado ao seu

patrimônio econômico o valor da multa.”

Apesar da eloqüente argumentação dos defensores da revogação tácita do

art. 601, parágrafo único, o fato é que, ainda hoje, são muitos os autores que sustentam a

persistência da faculdade de retratação por parte do executado.

Dentre os que, como Manoel Antônio Teixeira Filho, ativam-se na

processualística trabalhista, Wagner Giglio, Sérgio Pinto Martins e Eduardo Gabriel

Saad posicionam-se no sentido de o dispositivo legal em questão ainda hoje encerrar um

direito ao devedor, qual seja, de relevação da sanção imposta, uma vez preenchidos os

requisitos nele elencados.

Para o primeiro desses três autores, “o legislador teve a oportunidade” de

revogar o parágrafo único do art. 601, “ao reformar o caput do art. 601, e não o fez”,

motivo pelo qual “sobrevive a possibilidade, prevista no parágrafo único, de que a pena

seja relevada pelo juiz”95.

                                                            95 Op. cit., p. 493.

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Eduardo Gabriel Saad é inclusive mais enfático, afirmando ser

“inquestionável que a simples promessa do Reclamado de não repetir qualquer ato

ofensivo à dignidade da justiça obriga o Juiz a relevar a pena”96, enquanto Sérgio Pinto

Martins preleciona que “o parágrafo único do art. 601 do CPC não é incompatível com

o caput do mesmo artigo, pois o próprio caput permite a imposição de outras

sanções”97.

A possibilidade de retratação parece ser o entendimento prevalecente

também na doutrina civilista.

Pontes de Miranda98, por exemplo, defende que “para que possa relevar a

pena, é preciso que o devedor se comprometa a não mais praticar qualquer dos atos

definidos no art. 600, e dê fiança. Mas, diante de tal promessa do devedor, não pode o

juiz deixar de relevar a pena”. Mais modernamente, Araken de Assis99, embora

registrando seu inconformismo com a inocuidade do dispositivo, curva-se ao argumento

de que, estando o parágrafo único do art. 601 positivado no ordenamento, não há como

deixar de se observá-lo:

“Nos termos do art. 601, parágrafo único, o juiz relevará a punição

mediante o inócuo compromisso de o devedor abster-se da prática

exprobrada e através da prestação de caução idônea e suficiente para

garantir todo o crédito em excussão.”

O compromisso de não mais praticar atos atentatórios á dignidade da

justiça, de acordo com essa corrente aparentemente majoritária “deverá ser firmado

pessoalmente pelo devedor, por termo nos autos, ou por procurador com poderes

especiais, não servindo a tal finalidade o instrumento de mandato com poderes para o

foro em geral (CPC, art. 38)”100. Além disso, como a lei não estabelece um prazo

específico para a retratação, esta poderia ser formulada “a qualquer tempo, desde que

ainda não cumprida a sanção”101. Finalmente, “cumpridas as condições, a relevação da

                                                            96 Op. cit., p. 703. 97 Op. cit., p 652. 98 Op. cit., p. 364. 99 Manual, p. 471. 100 Cf. Teori Albino Zavascki, p. 303. 101 Idem.

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pena passa a ser direito do devedor, cabendo ao juiz, não a faculdade, mas o dever de

deferi-la”102.

A nosso ver, a corrente que melhor analisa a controvérsia é a que confere

uma interpretação sistemática e histórica ao art. 601 do CPC.

Com a vênia dos argumentos em sentido contrário, não há como negar

que o parágrafo único do art. 601 está, de há muito, defasado, não só em comparação

com o caput, mas, principalmente, com a nova sistemática da fase de execução.

Antes de aplicar a punição pela afronta à dignidade da justiça, como já

visto, o juiz pode e deve advertir o executado de que sua conduta é inaceitável. Está aí o

controle sobre a aplicação da multa e está aí, agora, a oportunidade de retratação.

Não haveria razão para entender como compatível a regra do art. 601,

parágrafo único no dias de hoje, em que, mais que antes, se busca a efetividade

processual. O devedor já tem o dever moral e legal de agir com boa-fé. Quando

desvirtua seu proceder, na maioria das vezes é advertido de que está agindo de maneira

desleal. Entender-se existente um direito a que o juiz releve a sanção aplicada mediante

o compromisso formal de não mais agir em dissonância com a boa-fé é fazer pouco caso

do poder do juiz de coibir o tumulto e a baderna processual.

Parece-nos mais técnico, portanto, entender que o parágrafo único não é

mais compatível com a sistemática da execução vigente, não só principiologicamente,

mas também racionalmente, porquanto não mais existindo a cassação da palavra na fase

de execução, não há espaço para pedido de retratação ao juiz por parte do executado.

Mas isto não significa que o juiz não possa relevar a pena sponte propria,

caso entenda ter se equivocado na análise dos fatos ou caso verifique que não mais

existe o motivo que ensejou a aplicação da sanção.

Por este motivo, não concordamos necessariamente com o argumento de

que o fato de o valor da multa reverter em proveito do credor impediria que o juiz

relevasse a pena aplicada, porque com a mesma mão que se dá se pode tirar. Não mais

existindo o motivo para apenar o devedor, não haveria porque se manter a punição.

4.5. - Forma de Impugnação à Decisão que Impõe a Multa

                                                            102 Idem, ibidem.

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Uma vez imposta a multa por ato atentatório à dignidade da justiça, e não

sendo ela relevada, surge o questionamento sobre qual o recurso cabível contra tal ato

judicial.

Em primeiro lugar, tem-se razoavelmente pacífico que estamos tratando

aqui de uma decisão interlocutória, uma vez que se trata da resolução de um incidente

processual (art. 162, §2º).

Na esfera do direito processual comum, a decisão seria, então, atacável

via agravo103 (art. 522 do CPC), na forma retida ou de instrumento, dependendo do

caso.

Já no Processo do Trabalho, existem divergências quanto a qual seria o

recurso apropriado.

Parte da doutrina, reconhecendo que a imposição da multa por ato

atentatório implica a majoração do valor do crédito em execução, posiciona-se no

sentido de ser necessária a garantia do valor da multa para se questionar a medida. Neste

particular, a apresentação de qualquer expediente processual sem o correspondente

depósito daquela quantia obstaria o seu conhecimento, porquanto o caput do art. 884 da

CLT faz expressa menção à necessidade de garantia da execução para a dedução de

defesa processual na fase de cumprimento da sentença.

Neste caso, depositado o valor da multa, o juízo teria sido novamente

garantido, sendo cabível a apresentação de embargos à execução.

Posicionam-se favoravelmente a essa corrente nomes como de

Christóvão Piragibe Tostes Malta104 e Sérgio Pinto Martins105, bem como parte da

jurisprudência nacional:

“AGRAVO DE PETIÇÃO. ADMISSIBILIDADE. Diante da elevação do

valor da execução em decorrência da condenação do Executado, ao

pagamento de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, os valores

                                                            103 “Dessa decisão cabe agravo de instrumento; e, se interposto for o recurso, semente depois de confirmado é que terá eficácia.”; in Frederico Marques, op. cit., p. 99. No mesmo sentido, Luis Otávio Sequeira de Cerqueira, op. cit., p. 53, verbis, “Se o executado não concorda com a imposição da multa (...) caberá a ele impugnar a decisão por meio de agravo de instrumento.” 104 “O devedor (...) deve depositar o valor de seu débito e defender-se mediante embargos à execução”; op. cit., p. 873. 105 “O devedor poderá discutir a penalidade que lhe foi aplicada no agravo de petição, desde que garanta o juízo com o principal e a multa que lhe foi aplicada. Daí apresentará embargos e da decisão dos embargos recorrerá em agravo de petição. Não impugnada a questão nos embargos, haverá preclusão, que não mais poderá ser discutida no agravo de petição”; op. cit., p 652.

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anteriormente depositados deixaram de suportar a presente execução,

motivo pelo qual cabia à parte Recorrente promover a complementação

da garantia do juízo, conforme preceitua a Instrução Normativa n. 3, IV,

c, do colendo TST e o § 2º do art. 40 da Lei n. 8.177/1991. A ausência de

complementação da garantia da execução acarreta, inexoravelmente, o

não-conhecimento do apelo, por deserto.” (TRT 23ª Região; j.

03.07.2007; Proc. 00828-2006-006-23-00-4; DJMT 30.07.2007;

Desembargador Tarcísio Valente)

Não podemos concordar com essa corrente por um simples motivo. Ao

verificar se o comportamento da parte representa um ato atentatório à dignidade da

justiça, o juízo, quer queira ou não, realiza uma atividade cognitiva incidental dentro da

fase de cumprimento da sentença. Concluindo pela existência da prática desleal, impõe

a multa, por meio de decisão.

Essa decisão monocrática, embora tenha sido proferida na fase de

execução, tem nítido cunho cognitivo e, por isso, deve ser submetida ao contraditório e

ao duplo grau de jurisdição antes de ser considerada verdade absoluta. Trata-se de

corolário do due process of law.

Apenas se faz a garantia do juízo executório, no processo do trabalho,

quando estão presentes o an debeatur e o quantum debeatur. A decisão que impõe a

multa por ato atentatório, embora seja líquida e, assim, possa dar margem ao

entendimento de estar presente o quantum debeatur, não transmite a certeza do débito

(an debeatur), justamente por ser monocrática e ainda não ter sido submetida ao crivo

da reapreciação.

Sendo assim, em nosso entendimento é desnecessário garantir o juízo

nestes casos para que se possa questionar a legalidade da decisão que reconhece a

prática da conduta desleal, sendo certo que os embargos à execução, por este motivo,

não seriam a via apropriada para tanto106.

Uma segunda corrente, encampada por Wagner Giglio, é mais reticente

em admitir ser recorrível a decisão que aplica a multa. O autor reputa ser “discutível, no                                                             106 Nesse sentido a recente decisão proferida pelo TRT da 2ª Região: “RECURSO. PREPARO. O depósito da sanção imposta à parte em conseqüência de ato atentatório à dignidade da Justiça não constitui requisito de admissibilidade do recurso. As custas a serem recolhidas e que condicionam o processamento do apelo são apenas as previstas no art. 789-A da CLT.” (TRT 2ª Região; Ac. 20070083198; proc. 00591-1999-054-02-01; 6ª Turma; j. 13.02.2007; DOESP 02.03.2007; Des. Lauro Previatti).

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processo do trabalho, o cabimento de recurso contra a decisão do juiz que imponha

multa ao executado”. Isto porque, “muito embora a CLT conceda agravo de petição

“das decisões do juiz ou presidente, nas execuções” (art. 897, a), o art. 893, §1º, dispõe

que os incidentes do processo serão resolvidos pelo próprio Juízo... Trata-se, portanto,

de saber se a imposição de multa, ou de outra sanção, constitui ou não simples incidente

do processo: diante de resposta negativa, admitir-se-á o recurso de agravo de petição; a

afirmativa, ao contrário, leva à admissão apenas da correição. Inclinamo-nos por esta

última conclusão (...)”107.

Como se vê, para o autor o ato judicial que impõe a multa por ato

atentatório não seria propriamente uma decisão, mas, antes, um mero incidente da fase

de cumprimento da sentença. Por este motivo, não incidira à hipótese o art. 897, a

Consolidado. Daí a única forma de atacar tal ato judicial ser a correição parcial, no seu

entendimento.

O entendimento em questão é todavia passível de críticas, como a de

Manoel Antônio Teixeira Filho. Para o autor, somente no caso de o juiz aplicar a sanção

do art. 601 sem antes observar formalidades legais – como a de preferir a advertência

(art. 599, II) à imposição imediata da punição – “é que se poderia pensar em correição

parcial, na medida em que aqui o magistrado teria incidido em error in procedendo,

subvertendo, pois, o procedimento legal (due process of law) (...)”108.

Todavia, a aplicação da multa do art. 601 encerra não um ato meramente

ordinatório, mas o resultado de uma verdadeira atividade cognitiva decisória incidental

ao processo de execução. Esta é a razão pela qual Eduardo Garbiel Saad defende que “a

recusa da relevação da pena é agravável por petição”109, na forma do art. 897, a da CLT.

A bem da verdade, entendemos que a corrente de Wagner Giglio não

adota a melhor interpretação do art. 162 do CPC, já que o ato judicial que resolve

“incidentes” é, sem dúvida, uma “decisão”, de acordo com o §2º daquele dispositivo. É

por esta razão que Manoel Antônio Teixeira Filho assevera que “a CLT (...) não faz

distinção se a decisão do juiz nas execuções, traduz, ou não, um incidente: dela será

sempre interponível o recurso específico de agravo de petição ( art. 897, a)”110, posição

com a qual concordamos integralmente.

                                                            107 Op. cit., p 492. 108 Op. cit., p. 267. 109 Op. cit., p. 703. 110 Cit., p. 267.

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4.6. - Natureza Jurídica da Punição

Discute-se, ainda, se a sanção prevista no art. 601 do CPC teria natureza

de pena pecuniária ou se seria uma expressão do chamado contempt of court, muito

aclamado no direito anglo-saxão e norte-americano.

O contempt of court, consoante o direito norte-americano, é uma espécie

de punição ao litigante que desacata a seriedade da justiça. Representam uma repressão,

geralmente de caráter pessoal, contra a parte que age com deslealdade processual.

Como os atos atentatórios à dignidade da justiça foram criados com a

intenção de punir o litigante que praticasse condutas aviltantes ao Poder Judiciário, tem-

se que o primeiro tratamento legislativo da matéria no Brasil, de fato, poderia ser

considerado uma modalidade de contempt. Isto porque o litigante desleal, como já visto,

perdia a oportunidade de se manifestar no processo, uma sanção de evidente cunho

pessoal.

Daí Cândido Dinamarco ter escrito que “empenhado em manter elevado

clima ético na relação processual e sancionar condutas ultrajantes ao princípio da

lealdade, o legislador de 1973 fora buscar na tradição anglo-norte-americana o instituto

do contempt of court e, ao dar-lhe disciplina legislativa, endereçara ao devedor que

atentasse contra a dignidade da Justiça a penalidade consistente em ficar impedido de

‘requerer, reclamar, recorrer, ou praticar no processo quaisquer atos’ (art. 601)”111.

No entanto, com as reformas sofridas no art. 600 ao longo dos anos,

notadamente a transformação da natureza da sanção – de cassação da palavra para

aplicação de pena – e no estabelecimento da outra parte como beneficiária do produto

econômico da punição, o instituto dos atos atentatórios à dignidade da justiça se

distanciou do contempt of court norte-americano, não nos parecendo apropriado afirmar,

como o faz Christóvão Piragibe Tostes Malta, que os atos em questão possuem

atualmente natureza “desacato ao tribunal (contempt of court)”112.

Atualmente, a sanção do art. 601 do CPC é muito mais uma pena

pecuniária reversível ao credor do que uma expressão de contempt of court como fora

                                                            111 Op. cit., p. 175/176. 112 Op. cit., p. 872.

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outrora. Até mesmo porque, como bem lembra Araken de Assis, “o contempt of court

tem como traço marcante a punição pessoal (e não patrimonial) à pessoa do ofensor”113.

Na verdade, entendemos que o instituto vigente em nosso Código de

Processo Civil atualmente mais próximo à figura do contempt of court é a multa

prevista no seu art. 14, parágrafo único, porque representa mais claramente uma punição

à parte em favor do Estado combatendo uma afronta ou um deboche por ela praticado

no curso do processo de execução114.

5. - CONCLUSÃO

É sabido que o direito ao contraditório a à ampla defesa são importantes

conquistas do jurisdicionado ao longo dos anos. Mas ele não é ilimitado ou absoluto,

devendo ser compatibilizado com o direito - igualmente de inspiração constitucional -

da contra-parte receber do Estado, via Poder Judiciário, uma resposta ao seu pedido de

tutela jurisdicional, de forma efetiva e no menor prazo possível115.

Não se pode admitir que, sob o argumento do exercício do direito de

defesa, advogados – a requerimento ou não de seus clientes – retardem deliberadamente

a concretização de outros direitos já reconhecidos em sentença. Já dizia Dinamarco “o

Código vigente (...) demonstrou consciência de que o processo serve e a jurisdição se

exerce, acima de tudo, com vista a objetivos de interesse público e não para o mero

duelo incontrolado das partes”116.

Tampouco se admite que os juízes se omitam no combate a manobras

aviltantes à seriedade do processo de execução

Por este motivo, entendemos ser importante a difusão da cultura dos atos

atentatórios à dignidade da justiça no combate à procrastinação e à má-fé processual.

                                                            113 “Essa multa não merece o rótulo, porém, de contempt of court, nem a sanção do art. 601 é característica do verdadeiro desacato ao Tribunal. Este instituto da Common Law, na sua forma mais característica, importa a prisão do infrator, o que não ocorre na disciplina vigente entre nós”; in Manual, p. 471. 114 “Portanto, [a multa prevista no art. 14, parágrafo único do CPC] não se acresce ao crédito objeto da execução expropriatória, porque, à diferença das demais sanções do CPC, não beneficia a parte, aproximando-se mais acentuadamente do Contempt of Court. O novo expediente representará valioso instrumento para o órgão impor sua autoridade”; in Araken de Assis, Comentários, p. 283. 115 Cf. Teori Zavascki, p. 295. 116 Op. cit., p. 176.

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Nesse particular, uma mais larga aplicação do instituto certamente faria o mau devedor

pensar duas vezes antes de cometer qualquer das condutas descritas no art. 600 do CPC.

É bem verdade que o instituto ainda carece de algum aprimoramento,

notadamente no que diz respeito à reversão em favor do credor da multa aplicada. Tal

prática, a nosso ver, propicia um enriquecimento indevido da parte.

O mais apropriado seria que a multa revertesse em prol do Poder Público,

já que é contra ele que se pratica o ilícito processual, consubstanciado na chicana e

desrespeito à seriedade do litígio117.

Mas mesmo com imperfeições o combate aos atos atentatórios através da

imposição de multas é um importante instrumento de que dispõem os magistrados para

intimidar os devedores mal-intencionados e, assim, obterem mais eficazmente a

concretização dos julgados que proferem.

Especificamente no que concerne ao Processo do Trabalho, que reclama

mais fortemente do Judiciário respostas às demandas postas à sua apreciação, tendo em

vista a natureza alimentar dos direitos postos em jogo perante si, percebemos que a

grande maioria dos juízes ainda é vacilante na imposição dessas multas na fase de

cumprimento da sentença.

É importante, portanto, mais do que nunca, a consciência de que ainda

que se mostrasse uma eventual “disponibilidade de direitos quanto à res in judicium

deducta, nem por isso há de ficar incontrolada a atuação das partes em conflito, pois

finita é a sua liberdade de participar sem prejudicar e há sempre um limite além do qual

a busca de resultado favorável não pode ser tolerada sem ruptura do equilíbrio desejável

e sem ultraje à autoridade pública que o Estado exerce no processo”118.

Rompido o “equilíbrio desejável” ao qual alude Dinamarco, deve pender

a espada da justiça.

6. - BIBLIOGRAFIA

                                                            117 Nesse sentido, também o entendimento de Luis Otávio Sequeira de Cerqueira, op. cit., p. 54: “Partindo-se do tratamento dado pelo legislador, ou seja, sendo as condutas ímprobas do executado qualificadas de atos atentatórios à dignidade da justiça, a multa prevista no caput do art. 601 do CPC, da mesma forma que ocorre com a do parágrafo único do art. 14 do CPC, deveria ter como beneficiário a União ou o Estado e não o credor”. Igualmente, Teori Albino Zavascki, op. cit., p. 300. 118 Op. cit., p. 176.

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