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31 1 FONTES DO DIREITO AMBIENTAL Sumário • 1. Introdução – 2. Principais questões ambientais contemporâneas: 2.1. O esgarçamento da camada de ozônio; 2.2. Aquecimento global e mudanças climá- cas; 2.3. Resíduos; 2.4. Perda da biodiversidade; 2.5. A escassez de água no plane- ta; 2.6. Tragédias ambientais – 3. Principais fontes formais internacionais do Direito Ambiental: 3.1. Conferência de Estocolmo Sobre o Meio Ambiente Humano (1972); 3.2. Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimen- to – CNUMAD (ECO 92); 3.3. Cúpula Mundial Sobre Desenvolvimento Sustentável (Joanesburgo 2002) – 4. Quadro sinó co – 5. Questões de concursos públicos: 5.1. Principais questões ambientais atuais; 5.2. Fontes formais do Direito Ambiental. 1. INTRODUÇÃO O crescimento econômico, a preservação do meio ambiente e a equidade so- cial devem caminhar juntos. Há algum tempo tal afirmação soaria absurda, eis que a noção de progresso que sustentava a modernização e o crescimento econômico ao longo do século XIX e de considerável parcela do século XX colidiam com as noções básicas de preservação ambiental. Os recursos naturais, inesgotáveis, considerados fonte eterna de energia, suportariam todo e qualquer tipo de atividade econômica exercida pelo ser humano, empenhado em criar desde máquinas e indústrias a ci- dades e metrópoles, razão pela qual apresentava-se inimaginável a harmonia entre conceitos à primeira vista tão antagônicos. A natureza, calada, suportava o ônus do desenvolvimento industrial. O ser hu- mano, ambientalmente inconsciente, continuava a usufruir dos recursos naturais sem a imprescindível preocupação com as gerações subsequentes. Necessário foi o incisivo alerta do planeta para que seus “passageiros” se cons- cientizassem da fragilidade de sua estrutura e da harmonia necessária à sua sobrevi- vência. O aumento da temperatura média terrestre, as mudanças climáticas, o “bu- raco” na camada de ozônio e a enorme quantidade de resíduos caracterizam-se como alguns, dentre outros vários, indícios de instabilidade na relação homem-natureza observados após a Revolução Industrial. A água, antes abundante, hoje escassa e contaminada, tornou-se objeto de gra- ves conflitos internacionais. A biodiversidade, seriamente ameaçada, é preocupação mundial. Os desmatamentos para a expansão da fronteira agrícola, para a produção de carvão e para a exploração de madeira agravam o processo de desertificação dos solos. As queimadas, o comércio ilegal de animais, a contaminação de oceanos e

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1FONTES DO DIREITO AMBIENTALSumário • 1. Introdução – 2. Principais questões ambientais contemporâneas: 2.1. O esgarçamento da camada de ozônio; 2.2. Aquecimento global e mudanças climá- cas; 2.3. Resíduos; 2.4. Perda da biodiversidade; 2.5. A escassez de água no plane-

ta; 2.6. Tragédias ambientais – 3. Principais fontes formais internacionais do Direito Ambiental: 3.1. Conferência de Estocolmo Sobre o Meio Ambiente Humano (1972); 3.2. Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimen-to – CNUMAD (ECO 92); 3.3. Cúpula Mundial Sobre Desenvolvimento Sustentável (Joanesburgo 2002) – 4. Quadro sinó co – 5. Questões de concursos públicos: 5.1. Principais questões ambientais atuais; 5.2. Fontes formais do Direito Ambiental.

1. INTRODUÇÃO

O crescimento econômico, a preservação do meio ambiente e a equidade so-cial devem caminhar juntos. Há algum tempo tal afi rmação soaria absurda, eis que a noção de progresso que sustentava a modernização e o crescimento econômico ao longo do século XIX e de considerável parcela do século XX colidiam com as noções básicas de preservação ambiental. Os recursos naturais, inesgotáveis, considerados fonte eterna de energia, suportariam todo e qualquer tipo de atividade econômica exercida pelo ser humano, empenhado em criar desde máquinas e indústrias a ci-dades e metrópoles, razão pela qual apresentava-se inimaginável a harmonia entre conceitos à primeira vista tão antagônicos.

A natureza, calada, suportava o ônus do desenvolvimento industrial. O ser hu-mano, ambientalmente inconsciente, continuava a usufruir dos recursos naturais sem a imprescindível preocupação com as gerações subsequentes.

Necessário foi o incisivo alerta do planeta para que seus “passageiros” se cons-cientizassem da fragilidade de sua estrutura e da harmonia necessária à sua sobrevi-vência. O aumento da temperatura média terrestre, as mudanças climáticas, o “bu-raco” na camada de ozônio e a enorme quantidade de resíduos caracterizam-se como alguns, dentre outros vários, indícios de instabilidade na relação homem-natureza observados após a Revolução Industrial.

A água, antes abundante, hoje escassa e contaminada, tornou-se objeto de gra-ves confl itos internacionais. A biodiversidade, seriamente ameaçada, é preocupação mundial. Os desmatamentos para a expansão da fronteira agrícola, para a produção de carvão e para a exploração de madeira agravam o processo de desertifi cação dos solos. As queimadas, o comércio ilegal de animais, a contaminação de oceanos e

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rios, além do garimpo ilegal e da emissão de poluentes pelas indústrias são também responsáveis por impacto ao meio ambiente.

A pobreza, principalmente nos países do sul1, também pode ser considerada tanto causa como efeito dos problemas ambientais atuais. Necessitados de empregos que lhes deem sustento, os pobres buscam terra em todos os lugares onde possam encontrá-la para implantar uma produção de alimentos de subsistência e obter com-bustível. Praticam, não raras vezes, uma destrutiva agricultura de subsistência que, em pouco tempo, esgota a fertilidade do solo, obrigando-os a migrar. Se o impacto ambiental é evidente nos locais em que as pessoas se aglomeram em grandes núme-ros, as classes menos favorecidas economicamente, por outro lado, são exatamente as mais vulneráveis aos problemas ambientais.

Inconcebível, portanto, a dissociação entre a preservação do meio ambiente, o crescimento econômico e a equidade social, conceitos que, juntos, constituem verdadeira pedra de toque do Direito Ambiental. Entretanto, nem sempre a coexis-tência de tais fatores é alcançada sem a utilização de instrumentos jurídicos, econô-micos e sociais adequados.

Avulta-se a relevância do arcabouço jurídico elaborado para a defesa dos direitos e deveres individuais e coletivos. É através das normas jurídicas ambientais que o Po-der Público busca a implementação do Estado de Direito Socioambiental2. Serão os mecanismos de incentivo, sanção e coação do Direito que conduzirão aqueles que se utilizam dos recursos naturais a adequarem suas atividades aos padrões ambien-talmente aceitáveis pela sociedade. A participação popular nas questões ambientais desponta como outro importante fator de implementação do princípio constitu-cional do desenvolvimento sustentável, que busca a harmonia entre crescimento e preservação ambiental.

Abordaremos nesta obra, de maneira direta e objetiva, os principais temas jurí-dico-ambientais da atualidade, além das normas jurídicas mais relevantes do Direito Ambiental contemporâneo.

2. PRINCIPAIS QUESTÕES AMBIENTAIS CONTEMPORÂNEAS

A partir da década de sessenta uma série de eventos contribuiu para o surgimen-to da consciência ambiental em todo o planeta. Descobertas científi cas, como a do “buraco” na camada de ozônio, alavancaram as discussões internacionais acerca da proteção ambiental. Movimentos populares em defesa de melhor qualidade de vida,

1. Países ao sul da linha do Equador.2. CANOTILHO, 2007.

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resistentes às tragédias ambientais causadas pelo homem, eclodiram, sobretudo, no Japão, na Europa e nos Estados Unidos. Tais acontecimentos, considerados fontes materiais do Direito Ambiental, foram fundamentais para a elaboração dos pri-meiros princípios de proteção ambiental.

2.1. O esgarçamento da camada de ozônio

O “buraco” na camada de ozônio mede cerca de 28,3 milhões de quilômetros quadrados, o que corresponde a extensão superior ao triplo do território do Brasil. O rombo se localiza na estratosfera, acerca de trinta quilômetros da superfície terrestre.3 O fenômeno é causado principalmente pelo uso de um gás sintético, o cloro-fl uor--carbono (CFC), usado sobretudo nos sistemas de refrigeração de aparelhos como ar-condicionado e geladeiras, além de estar presente nos aerossóis. Caracterizam-se por serem não-infl amáveis, não-corrosivos e não-tóxicos, motivo pelo qual foram introduzidos com sucesso na indústria mundial.

Descobriu-se, a partir da década de setenta, que, malgrado suas importantes características, as moléculas de CFC atingem facilmente a estratosfera do planeta, onde, atingidas pelos raios solares ultravioletas, são quebradas, liberando átomos de cloro. Passam os átomos a romper em cadeia as moléculas de ozônio, formando monóxido de cloro e oxigênio.4

A reação química acima descrita é a responsável pelo esgarçamento e pelo surgi-mento de grandes buracos na camada de ozônio da Terra. É fato comprovado cien-tifi camente que a camada do ozônio tem a função de impedir ou diminuir a inci-dência de raios ultravioletas na superfície terrestre, raios estes que podem provocar nos seres humanos queimaduras e câncer de pele.5 Além disso, a probabilidade de surgimento de doenças infecciosas aumenta com a incidência da radiação.

As normas internacionais de Direito Ambiental vêm contribuindo sobremaneira para a recuperação da camada de ozônio ao determinar, por exemplo, a substituição do CFC por gases inofensivos à estratosfera do planeta. A Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (1985) e o Protocolo de Montreal (1989)6 são exemplos de relevantes normas internacionais de proteção da camada de ozônio.

3. REVISTA Superinteressante, edição especial de junho de 2001. p. 57.4. CARNEIRO,2000. p. 24.5. TURNER; PEARCE ; BATEMAN, 1993. p. 285.6. O Protocolo de Montreal sobre substâncias que empobrecem a camada de ozônio é um tratado internacional

em que os países signatários se comprometem a substituir as substâncias que se demonstrou estarem reagindo com o ozônio na parte superior da estratosfera. O tratado esteve aberto para adesões a partir de 16 de setembro de 1987 e entrou em vigor em 1 de janeiro de 1989. Foi revisado em 1990, 1992, 1995, 1997 e 1999.

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Em âmbito nacional, o governo brasileiro instituiu, em 1995, o Comitê Execu-tivo Interministerial para a Proteção da Camada de Ozônio- PROZON. Integram o Comitê os Ministérios do Meio Ambiente, Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Relações Exteriores, Ciência e Tecnologia, Fazenda, Saúde e Agricultura. O Prozon coordena todas as atividades relativas à implementação, desenvolvimento e revisão do Programa Brasileiro de Proteção da Camada de Ozônio.7

Pode-se mencionar, ainda, a Lei Orgânica do Distrito Federal que, no parágrafo único, inciso II, do artigo 308, determina que “são vedadas no território do Distrito Federal (...) a fabricação, comercialização e utilização de substâncias que emanem o composto cloro-fl úor-carbono – CFC”.

Resta clara a relevância das normas jurídicas como instrumentos de proteção dos recursos naturais na medida em que determinam a vedação da utilização do CFC ou sua substituição por gases inofensivos à camada de ozônio.

2.2. Aquecimento global e mudanças climáticas

O efeito estufa representa um fenômeno natural e benéfi co à vida. Constitui-se na formação de uma espécie de “capa protetora” transparente, decorrente da atuação de determinados gases presentes na atmosfera terrestre (dióxido de carbono – CO2; metano – CH4; e óxido nitroso – N2O). Essa “capa” permite a passagem dos raios solares, mas retém considerável parcela da radiação refl etida pela superfície terrestre, impedindo sua dispersão no espaço e o consequente resfriamento do planeta. Em decorrência da retenção do calor, o fenômeno é denominado “efeito estufa”.

O efeito estufa natural exerce uma função vital para a existência de vida no pla-neta, pois tem mantido a atmosfera da Terra por volta de trinta graus Celsius mais quente do que ela seria na ausência dele. Sem este fenômeno, a temperatura média no planeta seria de dezoito graus Celsius negativos.8

Todavia, a partir do advento da Revolução Industrial, por volta do ano de 1850, as atividades humanas têm acentuado a concentração daqueles gases na atmosfera. Tal acúmulo tem se concentrado num período muito breve. Estima-se que antes da Revolução Industrial, por volta de 1700, a concentração de CO2 correspondia a 260ppmv (partes por milhão de volume) e que hoje aproxima-se de 360ppmv. As atividades antrópicas também acrescentaram outros gases com esta mesma pro-priedade na atmosfera, como, por exemplo, os hidrofl uorcarbonos (HFCs), os

7. www.mma.gov.br8. GUPTA, 2000; PACIORNIK & MACHADO FILHO, 2000; MCT, 1999.

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perfl uorcarbonos (PFCs) e o hexafl uoreto de enxofre (SF6). Esses, somados aos mencionados anteriormente, constituem os chamados “gases de efeito estufa”.9

Os maiores emissores de gases de efeito estufa são, sem dúvida, os países in-dustrializados (países do hemisfério norte). Foram eles responsáveis por 61% das emissões de dióxido de carbono (CO2) em 1995, ao passo que a sua contribuição ao estoque histórico de CO2 na atmosfera foi de 80%.

As emissões dos países do sul, por outro lado, estão gradativamente maiores, podendo ultrapassar as do norte se mantidas as tendências atuais.

Importante frisar, ainda, que do total do estoque de CO2 e similares emitido por ações antrópicas, 70% são provenientes da queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural), e 30% por “mudanças de uso da terra”, principalmen-te pelo desmatamento.10

Pesquisas revelam que, caso os modelos de produção e consumo sejam mantidos inalterados, a temperatura média da Terra poderá elevar-se consideravelmente nos próximos anos.11 Catástrofes poderão assolar a humanidade: em razão do derreti-mento das calotas polares12, o nível dos oceanos subirá, inundando diversas regiões litorâneas e ribeirinhas, deslocando populações urbanas e rurais em todo o planeta (refugiados ambientais).

A conferência de âmbito mundial realizada na cidade do Rio de Janeiro em 1992 (ECO-92) foi importante para mobilizar os governantes em torno da questão ambiental e do desenvolvimento sustentável. Iniciaram-se as discussões internacio-nais sobre o aquecimento global, que culminou com o Protocolo de Kyoto em 1997, documento que estabelece objetivos de redução de emissão de gases de efeito estufa para os países signatários. Tal instrumento apresenta, por exemplo, a aplicação

9. GUPTA, 2000; PACIORNIK & MACHADO FILHO, 2000; MCT, 1999.10. SCHWARTZMAN & MOREIRA, 2000.11. Em 2007, o Quarto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC)

confi rmou que "o balanço das evidências sugere que há uma infl uência humana discernível sobre o clima global". O IPCC concluiu que a ação humana é provavelmente a maior responsável pelo aquecimento global nos últimos 50 anos, e que os efeitos desta infl uência se estendem a outros aspectos do clima, como elevação da temperatura dos oceanos, variações extremas de temperatura e até padrões dos ventos. O relatório projetou que as temperaturas médias da superfície global aumentariam entre 1,8 e 4ºC até o fi m deste século, o que corresponde à taxa de mudança mais rápida desde o fi nal do último período glacial. O grupo também calcula que o derretimento das camadas polares pode fazer com que os oceanos se elevem entre 18 cm e 58 cm até 2100, fazendo desaparecer pequenas ilhas e obrigando centenas de milhares de pessoas a engrossar o fl uxo dos chamados "refugiados ambientais" – pessoas que são obrigadas a deixar o local onde vivem em conseqüência da piora do meio ambiente. (www.terra.com.br. Acesso em 17.06.2009).

12. “São visíveis os recuos das geleiras em ambos os pólos. O Ártico perdeu 6% de sua área entre 1978 e 1996, um ritmo quatro vezes maior que o registrado por observadores do século XIX.” (VEJA, 18 de abril de 2001. p. 95).

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do princípio da “responsabilidade comum, mas diferenciada”, na medida em que impõe maiores responsabilidades de redução de emissão aos países do Anexo I, ou seja, aos países desenvolvidos. O Protocolo de Kyoto será estudado pormenorizada-mente no Capítulo 13.

2.3. Resíduos

Um dos maiores problemas do desenvolvimento econômico mundial é o destino dos dejetos e resíduos sólidos, líquidos e gasosos provenientes da produção industrial e do consumo em grande escala dos bens produzidos. O homem da sociedade indus-trial é um ser produtor de lixo em massa.13

O consumismo do fi nal do século XX e deste início do século XXI possui carac-terísticas próprias: o ciclo de vida útil dos produtos é curtíssimo; a mídia induz os consumidores a descartar produtos semi-novos para adquirir novos modelos; a era do conhecimento e da informação possibilita o surgimento de novas tecnologias a cada dia; e o desenvolvimento econômico de algumas nações tem como conseqüên-cia o aumento da renda média da população, incentivando o consumo. Para alguns autores, vivemos na “civilização do desperdício”.14

O que mais preocupa é que os produtos industriais necessitam de um longo tempo para se decompor: o papel, cerca de três meses; o fi ltro de cigarro, de um a dois anos; as gomas de mascar, cinco anos; a madeira pintada, quatorze anos; o náilon, trinta anos; as latas de alumínio, de duzentos a quinhentos anos; o plástico, cerca de quatrocentos anos; as fraldas descartáveis, aproximadamente seiscentos anos; o vidro, por volta de quatro mil anos; e a borracha, por tempo ainda indeterminado.15

Há ainda o problema do lixo atômico, que é composto por resíduos prove-nientes da fi ssão nuclear nos reatores que produzem energia nuclear. O plutônio é o mais letal dos subprodutos radioativos das usinas nucleares. Menos de um mi-lionésimo de grama desse elemento radioativo já é grave fator cancerígeno. Qui-nhentos gramas de plutônio seriam sufi cientes para causar câncer de pulmão em praticamente todas as pessoas do planeta. Adverte Ricardo Carneiro que, apesar dos riscos estarrecedores, cada reator comercial produz signifi cativas quantidades de plutônio anualmente, afora os resíduos atômicos oriundos de fontes utilizadas na indústria militar.16

13. CARNEIRO, 2001. p 26.14. AZEVEDO, 2005. p. 107.15. CARNEIRO, 2001. p 32.16. CARNEIRO, 2001. p 31.

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2.4. Perda da biodiversidade

Diversidade biológica signifi ca a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; com-preendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas (artigo 2º da Convenção sobre Diversidade Biológica17).

Biodiversidade, portanto, refere-se à variedade de vida no planeta Terra, in-cluindo a variedade genética dentro das populações e espécies, a variedade de es-pécies da fl ora, da fauna e de microrganismos, a variedade de funções ecológicas desempenhadas pelos organismos nos ecossistemas; e a variedade de comunidades, hábitats e ecossistemas formados pelos organismos18.

O Brasil é o país mais rico em biodiversidade. A variedade de biomas refl ete a riqueza da fl ora e fauna brasileiras, com mais de 20% do número total de espé-cies do planeta. Por este motivo, o Brasil é o principal dentre os chamados países megadiversos. Muitas das espécies brasileiras são exclusivas e diversas espécies de plantas de importância econômica mundial são originárias do País. Importa registrar que o Brasil também possui uma rica sociobiodiversidade representada por mais de duzentos povos indígenas, que constituem uma diversidade de comunidades locais (quilombolas, caiçaras, seringueiros etc.), povos que reúnem um inestimável acervo de conhecimentos tradicionais sobre a conservação da biodiversidade.

Edis Milaré ressalta ainda que “a biodiversidade contém todo o imensurável patrimônio genético. A esse fato estão associados os conceitos de genoma, a consti-tuição genética total de um indivíduo ou ser vivo, e de germosplasma, o conjunto de elementos genéticos destinados a perpetuar uma espécie viva com todas as suas características”.19

A biodiversidade encontra-se ameaçada, sobretudo nos países tropicais. De acor-do com o Ministério do Meio Ambiente20, os principais processos responsáveis pela perda da biodiversidade são:

• Perda e fragmentação dos hábitats;

• Introdução de espécies e doenças exóticas;

17. A Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB é um dos principais resultados da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – CNUMAD (Rio 92), realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992.

18. www.mma.gov.br19. MILARÉ, 2007, p. 550.20. www.mma.gov.br

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• Exploração excessiva de espécies de plantas e animais;

• Uso de híbridos e monoculturas na agroindústria e nos programas de refl o-restamento;

• Contaminação do solo, água, e atmosfera por poluentes; e

• Mudanças climáticas.

2.5. A escassez de água no planeta

Seria mais adequado que nosso planeta se chamasse “Água”, pois essa é a subs-tância mais abundante encontrada na superfície do globo. O volume total chega a aproximadamente 1,5 bilhão de Km3. Entretanto, noventa e sete por cento desta água é salgada, imprópria para a maior parte dos usos humanos. A água doce re-presenta três por cento do total e, mesmo assim, não está diretamente disponível para o consumo humano, pois oitenta por cento deste percentual está congelada nas regiões polares. Menos de um por cento da água consumível resta, por conseguinte, à população mundial.21 Se pegarmos uma garrafa de 1,5 litro de água para dividi-la na proporção encontrada no planeta, a quantidade de água doce disponível seria equivalente a uma única e insignifi cante gota.22

O desenvolvimento econômico mundial iniciado com a Revolução Industrial inglesa aumentou consideravelmente a demanda de água. A sua utilização tornou--se indispensável para a atividade industrial e para a agricultura irrigada. O desen-volvimento industrial acarretou o crescimento desenfreado das cidades e a grande massa populacional necessita de água para sobreviver e para utilizar no dia-a-dia. O acesso à água torna-se mais difícil com o crescimento das cidades. Os corpos d’água são contaminados por esgotos domésticos, lixo, fertilizantes, pesticidas e efl uentes industriais que contêm benzeno, óleos, ácidos e metais pesados.

O ciclo hidrológico é radicalmente modifi cado pelos desmatamentos e pela ur-banização. A construção de estradas, ruas, praças e edifícios acarreta a impermeabi-lização do solo, impedindo a infi ltração natural das águas pluviais, favorecendo o escoamento superfi cial responsável pelas inundações e pela erosão.

A escassez de água vem tornando-se um grave problema não só no Brasil, mas também em outros países. Já existem confl itos no Oriente Médio onde o objeto da disputa não é o petróleo, mas a água.

21. CARNEIRO, 2001. p 29.22. SUPERINTERESSANTE, edição especial de junho de 2001. p. 28.

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De acordo com a ONU, enfrentar a escassez de água é “o problema do século XXI.” A principal difi culdade consiste em encontrar maneiras mais efetivas de con-servar, utilizar e proteger os recursos hídricos globalmente. Espera-se que a popula-ção mundial alcance oito bilhões de pessoas no ano de 2030. Para manter o ritmo da crescente demanda de alimentos, durante os próximos trinta anos será necessário destinar ao uso agrícola quatorze por cento mais de água doce.23

Tendo em vista a enorme importância da preservação dos recursos hídricos, a Lei de Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997), que será analisada no Capítulo 8, estabelece, como um de seus fundamentos, que “a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico” (art. 1º, inciso II), e como objetivos “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água (...)” (art. 2º, inciso I) e a “utilização racional e integrada dos recursos hídri-cos (...) (art. 2º, inciso II).

2.6. Tragédias ambientais

A partir dos anos sessenta a opinião pública vem se tornando gradativamente mais sensibilizada em relação às questões ambientais. Uma série de eventos políticos, econômicos e sociais contribuiu para a eclosão do movimento ambientalista. As crises sucessivas do petróleo trouxeram a consciência de que os recursos naturais não são inesgotáveis. Bens naturais antes considerados abundantes poderiam tornar-se raros, quiçá desaparecer.

Como se não bastassem os novos dilemas ambientais, acidentes e catástrofes se seguiram, e seus nomes ressoavam como ecos para denunciar a gravidade dos riscos e a necessidade de reforçar a ação internacional no domínio da proteção do meio ambiente.

Dentre os mais conhecidos acidentes com graves consequências ambientais destacam-se:

a) Desastre de Minamata: é a denominação dada ao envenenamento de cen-tenas de pessoas pela ingestão de substâncias tóxicas ocorrido na cidade de Minamata, no Japão24. Concluiu-se que as mortes foram causadas por en-venenamento com mercúrio, usado no complexo Chisso como catalizador, e despejado no mar sem qualquer tratamento. O consumo dos peixes da Baía de Minamata contaminou animais e pescadores, que apresentavam a deno-minada “doença de Minamata”, síndrome neurológica causada por severos

23. http://www.fao.org/newsroom/es/news/2007/1000520/index.html24. www.pt.wikipedia.org/wiki/Desastre_de_Minamata (acesso em 23/02/2008).

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sintomas de envenenamento por mercúrio. Os sintomas incluem distúrbios sensoriais nas mãos e pés, danos à visão e audição, fraqueza e, em casos extre-mos, paralisia e morte. Em novembro de 1959, depois de anos de contami-nação da Baía, os pescadores locais se mobilizaram e exigiram providências, contribuindo para o início da conscientização japonesa, e por que não dizer, mundial, para a preservação do meio ambiente.

b) Torrey Canyon: nome do petroleiro que se dividiu em duas partes, derra-mando grande quantidade de petróleo na costa da Inglaterra e de países vizi-nhos, causando o primeiro grave acidente ambiental da história em 1967.

c) Seveso: acidente químico na cidade de mesmo nome, no norte de Milão, Itália, em 1976. O acidente na empresa “Icmesa” acarretou uma nuvem de gás que atingiu uma vasta área. A nuvem continha uma substância extrema-mente perigosa: a dioxina. “Seveso” tornou-se símbolo de acidente ambien-tal industrial e incentivou a elaboração da Diretiva25 européia publicada em 1982 (Diretiva 82/501/CEE), conhecida como “Diretiva Seveso I”, que foi posteriormente modifi cada pela Diretiva 96/82/CEE, “Diretiva Seveso II”. Essas Diretivas tiveram o mérito de impor exigências aos estabelecimentos industriais de potencial periculosidade ambiental, com o intuito de evitar acidentes e danos ambientais decorrentes de atividades industriais. Todas as empresas da então Comunidade Econômica Européia passaram a adotar po-líticas de prevenção de acidentes.

d) Amoco Cadiz: o vazamento de 240.000 toneladas de petróleo na costa da França (Bretanha francesa) em 1978 foi considerado uma das maiores marés negras da história. O petroleiro de propriedade da “Amoco Transport Co” foi vítima de forte tempestade, permitindo o vazamento do produto. O petróleo fi cou durante quinze dias nos mares. A curiosidade na seara jurídica é que pela primeira vez na história uma poderosa companhia foi condenada à repa-ração e indenização pelos danos ambientais causados.

e) Bhopal: o acidente químico ocorrido na Índia em 1984 é considerado a pior catástrofe química da história. Quarenta toneladas de isocianeto de metila e outros gases letais escaparam da usina de pesticidas da Union Carbide, em

25. Diretiva: no sistema normativo comunitário as disposições nacionais devem ser substituídas por um ato co-munitário sempre que uma regulamentação precisa, comum a todos os Estados-membros, seja necessária. A Diretiva é um dos instrumentos vinculativos do sistema jurídico. É como uma “recomendação” aos Estados membros. Indicam aos destinatários as medidas necessárias a serem tomadas, de forma a se alcançar o resultado desejado pela União. Signifi ca que os Estados devem criar uma nova legislação nacional, alterar ou suprimir leis ou regulamentos existentes.

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Bhopal26. Muitas das vítimas ainda pleiteiam indenização pelos enormes da-nos sofridos em decorrência do acidente.

f ) Cubatão: Duas explosões e o incêndio causados por vazamento de gás cau-saram a morte de cento e cinquenta pessoas, em Vila Socó, Brasil, no ano de 1984. A poluição decorrente do acidente petroquímico e das atividades indus-triais era tamanha que houve registro de crianças que nasceram anencéfalas.

g) Tchernobyl: o acidente nuclear ocorrido em Tchernobyl, Ucrânia, no dia vinte e seis de abril de 1986, tornou-se um marco negativo nas ocorrências de danos ambientais e à saúde decorrentes de acidentes industriais. Esse evento demonstrou que os impactos ambientais merecem ser analisados em âmbito global. Na usina nuclear de Tchernobyl, durante a realização de testes, o sis-tema de refrigeração foi desligado com o reator ainda em funcionamento. O equipamento esquentou e explodiu. O incêndio do reator durou uma sema-na, lançando na atmosfera um volume de radiação cerca de trinta vezes maior do que a bomba atômica de Hiroshima. A radiação espalhou-se, atingindo vários países europeus e até mesmo o Japão. Há previsão de que cerca de cem mil pessoas sofrerão danos genéticos ou câncer devido a esse acidente nos cem anos subsequentes à tragédia. Por toda a Europa houve contaminação na lavoura e efeitos adversos à pecuária, tornando verduras, legumes e leite impróprios para o consumo. Todo o continente europeu fi cou em estado de alerta radiológico durante meses. Os efeitos do acidente sobre a saúde de mi-lhares de pessoas ainda não foram totalmente concluídos.

h) Exxon Valdez: em 1989 o navio Exxon Valdez, após uma colisão contra ro-chas submersas, causando rasgo no fundo do petroleiro, derramou, na baía do Príncipe Willian, Alasca, quarenta mil metros cúbicos de petróleo. No acidente morreram, aproximadamente, duzentas e sessenta mil aves, vinte ba-leias, duzentas focas e três mil e quinhentas lontras do mar. Continuam sen-do estudadas as conseqüências do acidente sobre a fauna e fl ora marinha da região atingida. As indenizações e custos com limpeza assumidos pela Exxon acumulam mais de quinhentos milhões de dólares27.

i) Golfo do México: a explosão da plataforma de petróleo semi-submersível no Golfo do México ocorreu no dia 20 de abril de 2010, causando um dos maiores desastres ambientais da história dos Estados Unidos. A plataforma

26. www.greenpeace.ca/f/campagnes/dossiers/bhopal.27. “O grupo petroleiro Exxon Mobil foi condenado por um tribunal federal de apelações dos EUA a pagar US$

507,5 milhões em perdas e danos a pescadores, empresários e nativos do Alasca afetados pelo vazamento da embarcação "Exxon Valdez".(...) Além disso, o tribunal impôs à Exxon Mobil o pagamento de juros aos litigantes no valor de 5,9% da quantia inicialmente concedida em um julgamento realizado em 1996.” (fonte: www.ambientebrasil.com.br. Acesso em 17.06.2009).

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Romeu Thomé

Deepwater Horizon era operada pela British Petroleum-BP, grande respon-sável pelo derramamento de milhares de barris de petróleo no mar. Após a explosão, a plataforma afundou e o vazamento não foi estancado, em decor-rência de defi ciência técnica da empresa responsável. Estima-se que houve vazamento de aproximadamente cinco mil barris de petróleo por dia, quanti-dade sufi ciente para proporcionar signifi cativos impactos ambientais, sociais e econômicos à região afetada.

j) Fukushima: o acidente nuclear ocorrido em 12 de março de 2011 decorreu de problemas nos reatores da central de Fukushima, situados a 250 Km ao norte de Tóquio, no Japão. Os reatores apresentaram falhas no sistema de resfriamento e aumento de pressão, o que impeliu as autoridades japonesas a determinar a abertura de suas válvulas para a liberação do excesso de vapor. O acidente foi consequência de um violento tremor de terra que atingiu o Japão naquela ocasião. As consequências advindas deste acidente nuclear ainda se encontram em estágio de avaliação, conquanto as previsões mais otimistas estimem signifi cativos impactos radiológicos sobre a saúde humana.

3. PRINCIPAIS FONTES FORMAIS INTERNACIONAIS DO DIREITO AMBIENTAL

Todas as tragédias ambientais decorrentes das atividades humanas, juntamente com as novas descobertas científi cas sobre as ameaças aos recursos ambientais, são consideradas estopins da mobilização popular em defesa do meio ambiente ocorrida a partir da década de sessenta e marcam o início da conscientização do ser humano sobre a importância da preservação do meio ambiente nos tempos modernos.

No Japão, na Europa e nos Estados Unidos o movimento ecológico torna-se intenso. Organizações Não-Governamentais como o Greenpeace alertam o planeta para os problemas ambientais, angariando adeptos. Passeatas e manifestações popu-lares em defesa dos recursos naturais se intensifi caram em todo o mundo.

Pressionados, os governantes de cento e treze países decidem se reunir para discutir as principais questões ambientais da época. O encontro, promovido pela ONU, ocorre em Estocolmo, na Suécia, em 1972, e passa a ser considerado o marco nas discussões internacionais sobre o meio ambiente. Estava-se diante de uma das primeiras e mais importantes tentativas de estabelecimento de normas internacio-nais de proteção ambiental.

3.1. Conferência de Estocolmo Sobre o Meio Ambiente Humano (1972)

A Conferência de Estocolmo Sobre o Meio Ambiente Humano pretendeu marcar a inserção dos Estados no âmbito de um debate global sobre o ambiente no

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Fontes do Direito Ambiental

mundo. Concluiu-se que era preciso redefi nir o próprio conceito de desenvolvimen-to. De acordo com Baracho Júnior28,

“o fato de maior notoriedade desde a fase preparatória do encontro foi, contudo, uma cisão entre os países desenvolvidos (do Norte) e os países em desenvolvimento (do Sul e do leste europeu). Os primeiros pretendiam que os compromissos com a conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente fossem assumidos de forma equânime por todos os Estados, independentemente do grau de desenvolvimento econômico. Os países em desenvolvimento, em posição contrária, sustentavam que suas condições econômicas e necessidades deveriam ser consideradas quando da assunção de responsabilidades para com a conservação, recuperação e melhoria da qualidade ambiental.”

Ao fi nal da Conferência foi fi rmada a Declaração sobre o Meio Ambiente, cujos princípios constituem prolongamento da Declaração Universal dos Direitos do Homem29, infl uenciando na elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente na Constituição Federal de 198830.

A Declaração destaca o ser humano como resultado e artífi ce do meio que o circunda, proclama que a defesa e a melhoria do meio ambiente para as gerações presentes e futuras converteu-se num objetivo imperioso para a humanidade e deverá ser perseguido e, ainda, sugere que cidadãos e comunidade, empresas e instituições em todos os planos aceitem as responsabilidades que lhes incumbem e que todos eles atuem efetivamente para a preservação ambiental. Surgia a noção de desenvolvimen-to socioeconômico em harmonia com a preservação do meio ambiente, mais tarde batizada de “desenvolvimento sustentável.” Em Estocolmo chegou-se ao consenso sobre a necessidade urgente de reação global ao problema da deterioração ambiental31.

De acordo com José Afonso da Silva32, a Declaração de Estocolmo abriu caminho para que as Constituições supervenien-tes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental entre os direitos sociais do Homem, com sua característica de direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados.

(...)

O que é importante -escrevemos de outra feita – é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente.

28. BARACHO JÚNIOR, 1999, pág. 178.29. SILVA, 2003. p. 58.30. SILVA, 2003. p. 59.31. Relatório da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, Estocolmo, 5-16 de junho de

1972 (United Nations Publication, No. E.73.II.A.14 e corrigendum), cap. I.32. SILVA, 2003, p. 69.

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Romeu Thomé

Após a Conferência de Estocolmo houve outros importantes encontros inter-nacionais sobre o meio ambiente, como a Convenção de Basiléia sobre o Con-trole de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito33. Ressalta ainda Baracho Júnior34 que em 1979 e 1980 o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) realizou, com a colaboração das Comissões Econômicas Regionais das Nações Unidas, uma importante série de seminários so-bre estilos alternativos de desenvolvimento.35 Os debates refl etiram-se no Relatório Brundtland36 (1987), conduzindo fi nalmente à convocação da Conferência do Rio de Janeiro em 1992, que em seu próprio título reconhece meio ambiente e desenvolvimento como dois lados da mesma moeda.

3.2. Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – CNUMAD (ECO 92)

Também conhecida como Estocolmo + 20, Cúpula ou Cimeira da Terra, Rio 92 ou ECO 92, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desen-volvimento – CNUMAD realizada na cidade do Rio de Janeiro no período de três a quatorze de junho de 1992, além de reafi rmar a Declaração de Estocolmo de 1972, pretendeu aperfeiçoar os mecanismos de proteção ambiental internacional, contri-buindo para que as preocupações ambientais passassem a compor um dos principais tópicos nos debates internacionais atuais. Para o Supremo Tribunal Federal,

a questão do meio ambiente, hoje, em função da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e das conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92), passou a compor um dos tópicos mais expressivos da nova agenda internacional (Geraldo Eulálio do Nascimento e

33. Trata-se de um acordo que defi ne mecanismos de organização dos movimentos transfronteiriços de resíduos sólidos e líquidos perigosos e sua disposição fi nal. Os resíduos perigosos são materiais descartados que podem colocar em risco a segurança da vida. A Convenção, para atingir seu propósito de existência, permite a concessão prévia e explícita de importação e exportação dos resíduos autorizados entre os países que dela participam, de modo a evitar o tráfi co ilícito. O Brasil através do Decreto número 875 de 1993 confi rmou sua permanência como integrante da convenção, internalizando assim o documento no País. A partir de então, todo o comércio internacional de resíduos perigosos entre o Brasil e o exterior passou a ser regulamentado. Os resíduos industriais, considerados perigosos, constituem, no Brasil, motivo de preocupação das autoridades e órgãos ambientais, seja devido às quantidades que vem sendo geradas, principalmente como resultado da elevada concentração industrial em algumas regiões do país, seja pela carência de instalações e locais adequados para o tratamento e destino fi nal. (Ziglio, 2005).

34. Baracho Júnior, 1999, p. 179.35. A abordagem de Founex-Estocolmo-Cocoyoc às alternativas para o desenvolvimento ambientalmente viável

avançou fora do sistema das Nações Unidas, no importante relatório What now, publicado em 1975 por Dag Hammarskjold Foudation for Development Strategies, IFDA Dossier 17, maio-junho 1980, parcialmente reproduzido em Alternatives for Survivors, relatório do “Th ird System Project”, Development Dialogue 1981:1, p. 68-101.

36. O relatório denominado “Nosso futuro comum”, elaborado em 1987, também é chamado “Relatório Brundtland” em homenagem à líder da comissão organizadora do evento, a primeira-ministra da Noruega, Gro Brundtland.

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Fontes do Direito Ambiental

Silva, “Direito Ambiental Internacional”, 2ª ed., 2002, Th ex Editora), particular-mente no ponto em que se reconheceu, ao gênero humano, o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que lhe permita desenvolver todas as potencialidades em clima de dignidade e de bem-estar. (STF, ADI 3540 MC-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 03/02/2006, pp 00014)

Com a participação de representantes de cento e setenta e cinco países e Orga-nizações Não-Governamentais37, a Conferência do Rio estabeleceu como objetivo precípuo estabelecer uma aliança mundial mediante a criação de novos níveis de cooperação entre os Estados e os setores-chaves da sociedade. O ponto central dos debates, todavia, girou em torno da idéia de incentivar o desenvolvimento econô-mico-social em harmonia com a preservação do meio ambiente. Consagrou-se a partir de então a expressão “desenvolvimento sustentável”38-39.

Defi niu-se que todos os países são responsáveis pela conservação, proteção e recuperação da saúde e da integridade do ecossistema do planeta, na medida em que tenham contribuído em graus variados para a degradação. Logo, a responsabilidade ambiental entre os Estados é comum, mas diferenciada, cabendo aos países de-senvolvidos maior responsabilidade na busca internacional do desenvolvimento sus-tentável, tendo em vista as pressões que suas sociedades exercem no meio ambiente.

Importantes documentos foram elaborados ao fi nal do evento, como a Conven-ção sobre Diversidade Biológica40, a Convenção sobre Mudanças do Clima (que originou o Protocolo de Kyoto, cinco anos mais tarde)41 e a Declaração de Princí-pios sobre o uso das Florestas, todos com temas e ações bem específi cas. Outros dois documentos, de caráter mais amplo, também foram aprovados: a Declaração do Rio e a Agenda 21.

A Declaração do Rio (ou Carta do Rio), através de seus vinte e sete princípios, endossa o conceito fundamental de desenvolvimento sustentável, que associa as

37. www.unb.br/temas/desenvolvimento_sust/eco_92/php38. Para VARELLA, BARROS-PLATIAU e SCHLEICHER, a expressão “desenvolvimento sustentável” já vinha

sendo utilizada em conferências e documentos de proteção ambiental anteriores aos da ECO 92, como no “Relatório da Comissão Brundtland, Nosso Futuro Comum”, que teria reforçado e politizado o termo. (2004, pág. 104).

39. Relatório da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, 3-14 de junho de 1992 (United Nations Publication, No. E.93.I.8 e corrigenda), vols. I-III.

40. A Convenção da Biodiversidade foi acordo aprovado durante a ECO-92, por 156 Estados e uma organização de integração econômica regional. Foi ratifi cada pelo Congresso Nacional e entrou em vigor no fi nal de dezembro de 1993. Os objetivos da convenção são a conservação da biodiversidade, o uso sustentável de seus componentes e a divisão eqüitativa e justa dos benefícios gerados com a utilização de recursos genéticos (www.unb.br/temas/desenvolvimento_sust/eco_92/php).

41. Vide capítulo 12.

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aspirações compartilhadas por todos os países ao progresso econômico e social com a necessidade de uma consciência ecológica. O documento proclama ainda que:

• Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável;

• Os Estados têm o direito soberano de aproveitar seus próprios recursos e a responsabilidade de zelar pela proteção do meio ambiente;

• Todos os Estados e todas as pessoas deverão cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza como requisito indispensável do desenvolvimento sustentável;

• Os Estados deveriam reduzir e eliminar as modalidades de produção e consu-mo insustentável e fomentar apropriadas políticas demográfi cas;

• Os Estados deveriam intensifi car a difusão e a transferência de tecnologias;

• Os Estados deverão facilitar e incentivar a sensibilização e a participação da população nas questões ambientais;

• Os Estados deverão promulgar leis efi cazes sobre o meio ambiente;

• As autoridades nacionais deveriam procurar incentivar a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos para a proteção do meio ambiente;

• Deverá empreender-se uma avaliação do impacto ambiental para qualquer atividade que possa produzir um impacto negativo considerável no meio ambiente;

• As populações indígenas e suas comunidades, assim como outras comunida-des locais, desempenham um papel fundamental no planejamento do meio ambiente e no desenvolvimento, graças aos seus conhecimentos e práticas tradicionais;

• A guerra é inimiga do desenvolvimento sustentável;

• A paz, o desenvolvimento e a proteção do meio ambiente são interdependen-tes e inseparáveis;

• Os Estados e as pessoas deverão cooperar de boa fé e com espírito de solida-riedade na aplicação dos princípios consagrados na Declaração do Rio.

A Agenda 21 constitui um programa de ação que viabiliza o novo padrão de desenvolvimento ambientalmente racional, programa que concilia métodos de pro-teção ambiental, justiça social e efi ciência econômica. Este documento estrutura-se em quatro seções subdivididas num total de quarenta capítulos temáticos.

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Fontes do Direito Ambiental

Para Edis Milaré42 a Agenda 21, documento de caráter nitidamente programáti-co, surge de uma auspiciosa posição consensual dos países participantes. Todavia, a carência de imperatividade e de mecanismos de sanção aos países que desrespeitem o documento não o desmerecem, mas, ao contrário, o qualifi cam. Essa nova moda-lidade mais fl exível de direito, conhecido como soft law, apresentou-se como a mais efetiva via de conexão entre o desenvolvimento e o meio ambiente. Como os Esta-dos não se submeteriam a obrigações muito rígidas que lhes acarretassem encargos onerosos, o programa de ações instituído pela Agenda 21 possibilitou a cooperação entre os Estados em tema tão delicado. O aspecto da incerteza jurídica, que à pri-meira vista poderia desqualifi car o mecanismo da soft law, tem o mérito de permitir fácil modifi cação dos acordos fi rmados. A adoção pelos Estados de instrumentos mais fl exíveis de produção de direito soluciona, portanto, a difi culdade de assunção de compromissos politicamente incertos a longo prazo.

Mesmo restrita ao papel de diretriz, a Agenda 21 é mais do que mero “código de boas intenções”. Trata-se de referencial importante para o desenvolvimento de ações ambientalmente sustentáveis em todo o planeta43, servindo como base para que cada país elabore seu plano de proteção ao meio ambiente. A Agenda 21 é um plano de ação para ser adotado global, nacional e localmente, por organizações do sistema das Na-ções Unidas, governos e pela sociedade civil, em todas as áreas em que a ação humana impacta o meio ambiente44. No Brasil, além da União, inúmeros Estados e Municípios já procuram compatibilizar suas normas e ações às diretrizes da Agenda 21.

O programa de implementação da Agenda 21 e os compromissos para com a carta de princípios do Rio foram fortemente reafi rmados durante a Cúpula de Joa-nesburgo, ou Rio + 10, em 2002.45

3.3. Cúpula Mundial Sobre Desenvolvimento Sustentável (Joanesburgo 2002)

A Convenção de Joanesburgo foi realizada dez anos depois da Rio 92, com o fi m de avaliar a implementação da Agenda 21 e dos demais acordos da primeira Cú-pula da Terra. Também conhecida como “Rio+10” ou “Cúpula da Terra II”, gerou dois documentos importantes: a Declaração de Joanesburgo em Desenvolvimento Sustentável e o Plano de Implementação (PI). O primeiro assume diversos desa-fi os inter-relacionados e associados ao desenvolvimento sustentável, reafi rmando os princípios e acordos adotados na Conferência de Estocolmo e na Rio 92. O segundo instrumento identifi ca várias metas como a erradicação da pobreza, a alteração de

42. MILARÉ, 2007, p. 89.43. MILARÉ, 2007. p. 8944. www.mma.gov.br45. www.mma.gov.br

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padrões de consumo e de produção e a proteção dos recursos naturais. O PI inclui ainda dois capítulos dedicados exclusivamente um ao continente africano e outro aos pequenos estados-ilha em desenvolvimento, evidenciando a grande sensibilidade social, econômica e ambiental nestes sentida.

Considerando as principais conferências e tratados internacionais sobre proteção ambiental, pode-se afi rmar, em apertada síntese, que em Estocolmo (1972) chegou-se ao consenso sobre a necessidade urgente de reagir ao problema da deterioração am-biental e que na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvi-mento, realizada no Rio de Janeiro vinte anos mais tarde, concluiu-se que a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento social e econômico são fundamentais para a implementação do desenvolvimento sustentável, adotando-se programas globais como a Agenda 21 e a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Em Joanes-burgo (2002) reforçou-se o compromisso de aceleração do cumprimento das metas socioeconômicas e ambientais elaboradas nos encontros anteriores.

É evidente a preocupação internacional com a implementação de mecanismos efetivos que compatibilizem o desenvolvimento socioeconômico com a preservação do meio ambiente46. Desde o ano 1972, importantes instrumentos jurídicos vêm sendo criados, e dentre eles estão os princípios de Direito Ambiental, que serão analisados no próximo capítulo.

46. Outras tentativas de estabelecimento de princípios de proteção ambiental foram implementadas após a ECO 92, como a elaboração da Carta da Terra, que pode ser defi nida como uma declaração de princípios fundamentais para a construção de uma sociedade sustentável no século XXI. O documento procura reforçar o conceito de interdependência global e de responsabilidade compartilhada pelo bem-estar de todos os habitantes do planeta, reconhecendo a proteção ambiental, os direitos humanos, o desenvolvimento humano eqüitativo e a paz como interdependentes e inseparáveis.

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Fontes do Direito Ambiental

4. QUADRO SINÓTICO

CAPÍTULO 1 FONTES DO DIREITO AMBIENTAL

PRINCIPAIS QUESTÕES AMBIENTAIS ATUAIS

Esgarçamento da camada de ozônio

A reação química na estratosfera causada pelo uso do gás cloro-fl uor--carbono (CFC) é a responsável pelo esgarçamento e pelo surgimento de grandes buracos na camada de ozônio da Terra. É fato comprova-do cien fi camente que a camada do ozônio tem a função de impedir ou diminuir a incidência de raios ultravioletas na super cie terrestre, raios estes que podem provocar nos seres humanos queimaduras e câncer de pele. Normas de direito ambiental, como a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (1985) e o Protocolo de Montreal (1989) vêm determinando a subs tuição do CFC por gases inofensivos à estratosfera do planeta.

Mudanças climá cas e aquecimento Global

Desde o advento da Revolução Industrial as a vidades humanas têm acentuado a concentração dos gases de efeito estufa (como o dió-xido de carbono – CO2 e o metano- CH4) na atmosfera. Do total do estoque de CO2 e similares emi do por ações antrópicas, 70% são provenientes da queima de combus veis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural), e 30% por “mudanças de uso da terra”, princi-palmente pelas queimadas. A Conferência do Rio de Janeiro em 1992 (ECO-92) foi importante para mobilizar os governantes em torno da questão ambiental e do desenvolvimento sustentável. Foi o início das discussões internacionais sobre o aquecimento global, que culminou com o Protocolo de Kyoto em 1997, documento que estabelece obje- vos de redução de emissão de gases de efeito estufa para os países

signatários.

Resíduos

O consumismo do fi nal do século XX e deste início do século XXI possui caracterís cas próprias: o ciclo de vida ú l dos produtos é cur ssimo; a mídia induz os consumidores a descartar produtos semi-novos para ad-quirir novos modelos; a era do conhecimento e da informação possibi-lita o surgimento de novas tecnologias a cada dia; e o desenvolvimento econômico de algumas nações tem como conseqüência o aumento da renda média da população, incen vando o consumo. Há uma série de normas ambientais que determinam o tratamento adequado de resí-duos, a reu lização e o reaproveitamento de materiais e produtos reci-cláveis e sanções àqueles que poluem o meio ambiente.

Perda da biodiversidade

A biodiversidade (variabilidade de organismos vivos de todas as ori-gens) está ameaçada, sobretudo nos países tropicais. Os principais processos responsáveis pela perda da biodiversidade são: perda e fragmentação dos hábitats, introdução de espécies e doenças exó- cas, exploração excessiva de espécies de plantas e animais, uso de

híbridos e monoculturas na agroindústria e nos programas de refl o-restamento, contaminação do solo, água, e atmosfera por poluentes e, ainda, mudanças climá cas.

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CAPÍTULO 1 FONTES DO DIREITO AMBIENTAL

Escassez de água no planeta

O desenvolvimento industrial acarretou o crescimento desenfreado das cidades. A grande massa populacional necessita de água para so-breviver e para u lizar no dia-a-dia. O acesso à água torna-se mais di cil com o crescimento das cidades. Os corpos d’água são contami-nados por esgotos domés cos, lixo, fer lizantes, pes cidas e efl uen-tes industriais que contêm benzeno, óleos, ácidos, metais pesados. O ciclo hidrológico é radicalmente modifi cado pelos desmatamentos e pela urbanização. A construção de estradas, ruas, praças e edi cios acarreta a impermeabilização do solo, impedindo a infi ltração natu-ral das águas pluviais, favorecendo o escoamento superfi cial respon-sável pelas inundações e pela erosão. A Lei de Polí ca Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) estabelece, como um de seus funda-mentos, que “a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico” (art. 1º, II), e como obje vos “assegurar à atual e às fu-turas gerações a necessária disponibilidade de água (...)” (art. 2º, I) e a “u lização racional e integrada dos recursos hídricos (...) (art. 2º, II).

Tragédias ambientais

Como se não bastassem os novos dilemas ambientais, acidentes e catástrofes se seguiram a par r do fi nal da década de 50, e seus no-mes ressoavam como ecos para denunciar a gravidade dos riscos e a necessidade de reforçar a ação internacional no domínio da proteção do meio ambiente.

PRINCIPAIS FONTES FORMAIS INTERNACIONAIS

Conferência de Estocolmo (1972)

Chegou-se ao consenso sobre a necessidade urgente de reação glo-bal ao problema da deterioração ambiental. Ademais, as Cons tui-ções supervenientes passaram a adotar o princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental. Um dos seus resultados foi a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA. Trata-se de uma agência do Sistema das Nações Unidas (ONU) responsável por promover a conservação do meio ambiente e o uso efi ciente de recursos no contexto do desen-volvimento sustentável.

Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) – ou ECO-92, Rio-92, Cúpula ou Cimeira da Terra

Marca a busca pela proteção ao meio ambiente em prol do bem-estar de todos e da efe va proteção do planeta. Não é dotada de natureza jurídica de tratado. Reafi rmou princípios da Declaração de Estocol-mo 1972 e explicitou princípios como da responsabilidade obje va por danos ao meio ambiente, do principio do poluidor-pagador e do desenvolvimento sustentável. Importantes documentos foram elabo-rados ao fi nal do evento, como a Convenção sobre Diversidade Bio-lógica, a Convenção sobre Mudanças do Clima, a Declaração de Prin-cípios sobre o uso das Florestas, a Declaração do Rio e a Agenda 21.

Protocolo de Kyoto (1997)

De acordo com o Protocolo, os países do Anexo 1 (países industriali-zados) se comprometem a reduzir signifi ca vamente (média de 5% de redução em relação aos níveis de 1990) as emissões globais de seis gases responsáveis pelo efeito estufa. Tal redução, de acordo com o ar go 3º, deve ocorrer no período compreendido entre 2008

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Fontes do Direito Ambiental

CAPÍTULO 1 FONTES DO DIREITO AMBIENTAL

e 2012. Para tanto, prevê importantes mecanismos, como a redu-ção gradual ou a eliminação de imperfeições de mercado, de incen- vos fi scais, de isenções tributárias e tarifárias e de subsídios para

os setores emissores de gases de efeito estufa.

Cúpula mundial sobre desenvolvi-mento sustentável (Joanesburgo – 2002)

Reforçou-se o compromisso de aceleração do cumprimento das metas socioeconômicas e ambientais elaboradas nos encontros anteriores. Gerou dois documentos importantes: a Declaração de Joanesburgo em Desenvolvimento Sustentável e o Plano de Imple-mentação (PI).

PRINCIPAIS FONTES FORMAIS NACIONAIS

Regimento do Pau-Brasil: 1605

Sob a alegação de proteção das fl orestas, o intuito era proteger uma das mais importantes fontes de recursos naturais de valor econômi-co da época.

Carta régia: 1797

Afi rma a necessidade de proteção a rios, nascentes e encostas, que passam a ser declarados propriedades da Coroa.47 Mais uma vez destaca-se a intenção de proteção de recursos naturais com poten-cial energé co e econômico.

Regimento de Cortes de Madeiras: 1799

Estabelece normas para a derrubada de árvores e exploração da ma-deira.

Lei n° 601/1850Nossa primeira Lei de Terras tem como obje vo regulamentar a ocu-pação e o uso do solo.

Decreto nº 8.843/1911

O decreto cria a primeira reserva fl orestal do Brasil, localizada no an- go Território do Acre.

Código Civil Brasileiro: 1916

Aborda temas rela vos a recursos naturais, mas adota claramente uma visão individualista e com enfoque na proteção patrimonial dos bens naturais.

Cons tuição de 1934

É a primeira Cons tuição nacional que garante direitos sociais, in-fl uenciada pelas Cons tuições sociais do México de 1917 e da Ale-manha de 1919. A par r de então a função social da propriedade, altamente relevante para a defesa do meio ambiente, passa a ganhar importância jurídica. Pode-se inclusive afi rmar que apenas a par r de 1934 é possível efe vamente iden fi car normas de proteção am-biental, fontes formais nacionais do Direito Ambiental. As normas an-teriores, apesar de abordarem temas rela vos aos recursos naturais, nham o enfoque de regulamentação da exploração econômica dos

mesmos, e não da sua efe va proteção.

Código Florestal: 1934

O primeiro Código Florestal brasileiro passa a impor limites ao exer-cício do direito de propriedade calcados no princípio da função social da propriedade.

47. <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao> Acesso em 09/06/2010.

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CAPÍTULO 1 FONTES DO DIREITO AMBIENTAL

Código de águas: 1934

Importante instrumento legal de proteção da u lização dos recursos hídricos, regulamentava muito mais a propriedade e a exploração da água do que a sua efe va proteção como recurso natural essencial.

Estatuto da Terra: 1964

A Lei 4.504/64 surge como resposta a reivindicações de movimentos sociais, que exigiam mudanças estruturais na propriedade e no uso da terra no Brasil.48

Código Florestal: 1965

Amplia a proteção da fl ora, sobretudo com a previsão de espaços am-bientalmente protegidos como as áreas de preservação permanente (APP) e as áreas de reserva legal.

Códigos de Caça, de Pesca e a Lei de Proteção à Fauna: 1967

Originariamente in tulada Código de Caça, a Lei 5.197/67 refl e a um posi-cionamento individualista e estritamente econômico em relação à explo-ração da fauna. A par r de 1988, a lei foi modifi cada e reba zada, passan-do a ser denominada “Lei de Proteção à Fauna”, demonstrando o intuito do legislador em proteger a fauna em bene cio de toda a cole vidade.

Código de Mineração: 1967

Regulamenta uma das a vidades econômicas de maior impacto am-biental da atualidade. É direcionado, sobretudo, à exploração dos re-cursos minerais, apresentando alguma preocupação com a proteção do meio ambiente. Deve ser interpretado e aplicado em consonância com a Cons tuição de 1988 e com as normas ambientais posteriores.

Norma de reparação da poluição provo-cada por a vidades industriais: 1975

Decreto-Lei 1.413/75, segundo o qual empresas poluidoras fi cam obri-gadas a prevenir e corrigir os prejuízos da contaminação do meio am-biente.

Lei de Polí ca Nacio-nal de Meio Ambien-te: 1981

A Lei 6.938/81 regulamenta o SISNAMA-Sistema Nacional do Meio Am-biente, que especifi ca a estrutura administra va ambiental no Brasil, além de ins tuir importantes instrumentos para a implementação da polí ca ambiental no País, como o licenciamento ambiental, o zonea-mento ambiental, a criação de espaços protegidos, dentre outros.

Lei de Ação Civil Pública: 1985

A Lei 7.347/85 é um dos pilares da chamada “jurisdição civil cole va” por se tratar de importante instrumento processual para a defesa de interesses transindividuais, como o meio ambiente saudável.

Cons tuição da República Federa va do Brasil de 1988

É a primeira Cons tuição brasileira a dispor, em capítulo próprio, sobre a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais. As disposições cons tucionais sobre meio ambiente estão inseridas no Título VIII (Da ordem social), Capítulo VI, da Cons tuição da República de 1988.

Lei de crimes ambientais: 1998

A Lei 9.605/98 prevê sanções penais e administra vas para condutas e a vidades lesivas ao meio ambiente.

48. <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao> Acesso em 10/06/2010.

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Fontes do Direito Ambiental

CAPÍTULO 1 FONTES DO DIREITO AMBIENTAL

Lei do Sistema Nacio-nal de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC: 2000

A Lei 9.985/00 surge como relevante instrumento de proteção de espaços territoriais ambientalmente protegidos. As normas de pro-teção de espaços com caracterís cas naturais relevantes, antes frag-mentadas e esparsas, foram sistema zadas e reunidas em um princi-pal diploma legal: a Lei 9.985/2000.

Estatuto das Cidades: 2001

A Lei 10.257/01 ins tui importantes instrumentos visando à preserva-ção do meio ambiente no espaço urbano e à racionalização e ordena-ção do crescimento das cidades.

Lei de Polí ca Nacional sobre Mu-dança do Clima: 2009

A Lei 12.187/09 dispõe sobre diretrizes e instrumentos a serem im-plementados no País tendo em vista a redução do aquecimento glo-bal e estabelece, inclusive, que para alcançar os seus obje vos, o País adotará, como compromisso nacional voluntário, ações de mi gação das emissões de gases de efeito estufa, com vistas em reduzir entre 36,1% (trinta e seis inteiros e um décimo por cento) e 38,9% (trinta e oito inteiros e nove décimos por cento) suas emissões projetadas até 2020.

5. QUESTÕES DE CONCURSOS PÚBLICOS

5.1. Principais questões ambientais atuais

01) (IBAMA 2005 – CESPE) Há nítida convergência entre o atual conceito de desenvolvimento sus-tentável e a noção de progresso que, a partir da Revolução Industrial, sustentou a modernização e o crescimento econômico ao longo do século XIX e de boa parte do século XX.

02) (IBAMA 2005 – CESPE) Ao longo da história, não faltam exemplos de exploração inadequada dos recursos naturais. Nos dias de hoje, há o caso conhecido de avançado processo de desertifi ca-ção, não raro determinado pela expansão da fronteira agrícola sobre áreas fl orestais e pelo corte indiscriminado de árvores.

03) (IBAMA 2005 – CESPE) De maneira geral, nos países pobres ou em desenvolvimento, onde vive a minoria – mas fundamentalmente pobre – da população do planeta, a questão do desenvolvi-mento é central e prioritária e, no mais das vezes, este se dá de maneira predatória, voltada para o lucro imediato, o que acaba por comprometer sua sustentabilidade.

5.2. Fontes formais do Direito Ambiental

(IBAMA 2005 – CESPE) Marque V (verdadeiro) ou F (falso):

04) A despeito dos inúmeros óbices políticos e dos confl itantes interesses econômicos, é correto afi r-mar que os temas relativos ao meio ambiente, ao se tornarem atualmente cruciais para a humani-dade, transformaram-se em questões globais e, como tal, passaram a ocupar lugar de destaque na política externa dos Estados e na agenda de organismos multilaterais.

05) A Conferência de Estocolmo, realizada em junho de 1972, é considerada um marco histórico por ter defl agrado um novo tipo de consciência em relação à vida no planeta, a começar pela

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Romeu Thomé

formulação e crescente adensamento de conceitos como o de meio ambiente e de desenvolvimento sustentável.

06) A Agenda 21, resultante da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvi-mento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, pode ser defi nida como uma espécie de cartilha ela-borada pela comunidade internacional ante a imperiosa necessidade de fazer frente à tensa relação entre a espécie humana e a natureza.

07) (Consultor Legislativo – Assembléia Legislativa MG – 2008 – FUNDEP) Analise a seguinte informação: “A Agenda 21, aprovada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992, subsidiou a construção da Agenda 21 Brasileira que pode ser conside-rada como”

I. um processo de planejamento participativo para orientar o futuro do país de forma sustentável;II. um plano de governo com metas e recursos defi nidos para aplicação em desenvolvimento

urbano;III. uma nova parceria que induz a sociedade a compartilhar responsabilidades e decisões junto com os

governos;IV. um plano de governo com metas e recursos defi nidos para aplicação em desenvolvimento rural.A análise permite concluir que completam corretamente o enunciado apenas os itensa) I e III.b) II e IV.c) I e IV.d) II e III.

08) (TRF 4ª Região – 2008) “Na evolução do direito ambiental brasileiro, invoca-se, observada a ordem cronológica, os seguintes marcos históricos: a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente; a Declaração da Conferência das Nações Unidas de Estocolmo; a Lei da Ação Civil Pública; a Constituição Federal em vigor; a Declaração da Conferência das Nações Unidas do Rio de Janeiro e a Lei dos Crimes e Infrações Administrativas Ambientais.”

09) (TJ/MS 2010 – FCC) Os tratados internacionais sobre matéria ambientala) são fontes de direito ambiental interno, desde que aprovados pelo Congresso Nacional em dois

turnos, por 3/5 dos membros de cada uma de suas casas.b) desde o momento em que assinados, são fontes de direito ambiental interno e internacional.c) apenas serão fonte de direito internacional ambiental se aprovados e ratifi cados por todos os Esta-

dos que os assinaram.d) são fontes escritas de direito internacional ambiental, ao lado de outras normas oriundas de orga-

nizações internacionais.e) são fontes de direito ambiental interno e, se aprovados pelo Congresso Nacional, sobrepõem-se às

leis.

GABARITO

Concurso Questão Resposta Comentários

IBAMA 01 F

A noção de progresso adotada na Revolução Industrial não incluía a proteção do meio ambiente. Os recursos naturais eram conside-rados exclusivamente como recursos econômicos a serem u liza-dos e explorados pelo homem. Pode-se afi rmar tratar-se da visão antropocêntrica u litarista. Hoje busca-se conciliar o crescimento econômico com a proteção ambiental e a equidade social, ou seja, busca-se implementar o desenvolvimento sustentável.

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Fontes do Direito Ambiental

GABARITO

Concurso Questão Resposta Comentários

IBAMA

02 VA expansão da fronteira agrícola e o corte de árvores, quando re-alizados inadequadamente, acarretam a deser fi cação do solo e signifi ca vos impactos ambientais.

03 F Os países em desenvolvimento são geralmente os mais populosos.

04 V Verdadeira, conforme analisamos no corpo do Capítulo.

05 V Vide item 3.1 deste Capítulo.

06 V Vide item 3.2 deste Capítulo.

Assembléia Legisla va

07 A

A Agenda 21 cons tui um documento com obje vos amplos e que tem, como obje vos precípuos, proporcionar o planejamento par- cipa vo para orientar o futuro do país de forma sustentável e in-

cen var a par cipação popular em matéria de proteção ambiental.

Magistratu-ra Federal

08 FObservada a ordem cronológica, a Declaração de Estocolmo (1972) é anterior à Lei de Polí ca Nacional do Meio Ambiente (1981).

Magistratu-ra Estadual

09 D Vide item 3 deste Capítulo.