1 ciência tecnologia parlamento

4

Click here to load reader

Upload: everton-otazu

Post on 29-Dec-2015

7 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: 1 Ciência tecnologia parlamento

v. 12, n. 2, p. 469-72, maio-ago. 2005 469

CIÊNCIA, TECNOLOGIA, PARLAMENTO E OS DIÁLOGOS COM OS CIDADÃOS

D E B AT E

Ciência, tecnologia, parlamento e osdiálogos com os cidadãos

Science, technology, parliament, anddialoguing with citizens

Luisa Massarani

Coordenadora do Centro deEstudos do Museu da VidaCasa de Oswaldo Cruz/FiocruzAv. Brasil 4365, Manguinhos21045-900 Rio de Janeiro –RJ – [email protected]

MASSARANI, L.: Ciência, tecnologia, parlamento e osdiálogos com os cidadãosHistória, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 12, n. 2,p. 469-72, maio-ago. 2005.

Este mini-dossiê discute a importância de se ampliar aparticipação do público não-especializado no processodecisório relacionado a temas de ciência e tecnologia que têmimpacto significativo na sociedade. Trata-se de uma coletânea detextos que inclui a experiência da Dinamarca – que se tornoumodelo internacional de realização de mecanismosparticipativos na área –, do Canadá, da Argentina e do Chile,além de uma contribuição do Reino Unido com algumasreflexões sobre o tema. Esperamos que seja o ponto de partidapara uma discussão mais ampla sobre o tema e que gere frutospara o aumento da participação pública em temas de ciência etecnologia no Brasil e em outros países da América Latina.

PALAVRAS-CHAVE: participação pública em C&T; modelosdeliberativos em C&T; América Latina.

MASSARANI, L.: Science, technology, parliament, anddialoguing with citizensHistória, Ciências, Saúde – Manguinhos, v. 12, n. 2,p. 469-72, May-Aug. 2005.

This mini-dossier discusses the importance of expanding the non-specialized public’s participation in the decision-making processsurrounding those issues in science and technology that have asignificant impact on society. This collection of texts includesexperiences from Denmark (which now serves as an internationalmodel in participative mechanisms), Canada, Argentina, and Chile,along with a contribution from the United Kingdom with somethoughts on the topic.1 We hope it will be the starting point for abroader discussion and that it will foster increased public participationin science and technology topics in Brazil and other Latin Americannations.

KEYWORDS: public participation in S&T; deliberative models inS&T; Latin America.

Page 2: 1 Ciência tecnologia parlamento

470 História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro

LUISA MASSARANI

A ciência e a tecnologia têm, cada vez mais, aplicações que afetamde forma significativa a sociedade. Pesquisas com células-tronco

embrionárias, plantios e alimentos geneticamente modificados eprodutos gerados por meio de nanotecnologia são apenas algunsexemplos que vêm gerando controvérsias e acirrados debates tantona comunidade científica como fora do âmbito acadêmico.

No entanto, são comuns – em particular na América Latina – osepisódios em que, em vez de se criarem estratégias para trazer aodebate, de forma mais democrática, temas relacionados à ciência e àtecnologia, a sociedade tem sido excluída do processo decisório emquestões que têm impacto na vida cotidiana das pessoas.

Exemplo disto é o episódio recente da introdução de alimentos eplantações geneticamente modificados no Brasil, tema que vem cau-sando controvérsias desde 1998, acirradas em 2003. Embora o cul-tivo e a comercialização de produtos geneticamente modificadosfossem na ocasião proibidos por lei no Brasil, em fevereiro de 2003descobriu-se que grande proporção da soja plantada no Sul do paísera transgênica. Pouco após anunciar que a proibição seria mantida,o governo decidiu permitir a venda para consumo animal e huma-no, sob o argumento de que se tratava de um problema social eeconômico importante, tendo em vista que envolvia milhões detoneladas de soja e grande número de pequenos agricultores. Adecisão foi tomada aproximadamente dois meses após serem anun-ciados os resultados de uma pesquisa de opinião pública que reite-rava dados de estudo similar feito no ano anterior: cerca de 70%dos brasileiros preferem comer alimentos não transgênicos; cercade 90% dos entrevistados afirmam que, se tem de haver alimentostransgênicos vendidos nos supermercados, que sejam rotulados.

O tema dos transgênicos – longe de ser apenas uma opção ali-mentícia ou uma questão restrita ao âmbito acadêmico – tem im-pacto importante em aspectos variados do país. Para ilustrar isto,basta lembrar seu caráter econômico: por um lado, sementestransgênicas são recusadas por alguns países, em particular naEuropa; por outro, como alegam os defensores delas, há expecta-tivas de que gerariam plantações muito mais produtivas e resis-tentes a pragas. O Brasil é um dos maiores exportadores de pro-dutos agrícolas do mundo e a agricultura é responsável por 13%do produto interno bruto brasileiro, com papel significativo nabalança comercial do país. Ressalte-se, ainda, que os transgênicospassaram a ser regulamentados pela controversa lei debiossegurança, que inclui também a pesquisa com células-troncode embriões e que foi aprovada em março de 2005 sem que tenhahavido um processo de discussão e participação amplo do pontode vista da sociedade, embora vários setores determinados, mui-tos dos quais com perspectivas corporativas estreitas, se fizessempresentes no processo.

Usuário
Highlight
Usuário
Highlight
Page 3: 1 Ciência tecnologia parlamento

v. 12, n. 2, p. 469-72, maio-ago. 2005 471

CIÊNCIA, TECNOLOGIA, PARLAMENTO E OS DIÁLOGOS COM OS CIDADÃOS

Vale lembrar que a introdução de inovações científicas etecnológicas, bem como de equipamentos e comportamentos, semum engajamento e processos adaptativos apropriados da socieda-de pode levar, em situações extremas, a revoltas populares, comoocorreu no Brasil com a introdução do sistema métrico decimal(Revolta dos Quebra-Quilo), na segunda metade do século XIX, ecom as campanhas de vacinação (Revolta da Vacina), no início doséculo XX.

No cenário internacional, países distintos como Dinamarca,Canadá, Reino Unido, Nova Zelândia, Japão e França, entre ou-tros, têm usado, em maior ou menor grau, mecanismos de partici-pação pública, que incluem conferências de consenso, júris de cida-dãos, consultas públicas e referendos. Essa tarefa é mais desafiado-ra em nosso continente, tendo em vista a tradição de autoritarismoe a visão excludente predominante, que também afeta alguns mem-bros da comunidade científica – estes consideram ser necessária umaformação científica formal de alto nível para que se possa opinar einfluenciar nas grandes decisões políticas que envolvem ciência etecnologia.

Ainda assim, nos últimos anos, algumas iniciativas paraincrementar a participação pública em temas de ciência e tecnologiatêm despontado em nosso continente, ainda que de forma maispontual e por vezes sem efeito prático. Exemplo disso é um artigona legislação do Rio de Janeiro, requerendo que qualquer decisãoem ciência e tecnologia que represente um impacto mais substancialna sociedade – a exemplo da construção de uma hidrelétrica ouusina nuclear, por exemplo – só pode ser tomada após consulta àpopulação. Tal artigo, no entanto, nunca foi regulamentado. Po-rém, existem bons exemplos de iniciativas da sociedade civil, en-volvendo metodologias participativas: conferências de consensoforam realizadas na Argentina e no Chile, e serão detalhadas maisadiante neste mini-dossiê.

Partindo do pressuposto de que a sociedade pode e deve partici-par de processos decisórios na área de ciência e tecnologia que po-dem afetar profundamente seu futuro e a vida dos cidadãos, e comobjetivo de trazer o tema à discussão, o Centro de Estudos do Museuda Vida da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e a revista História, Ciên-cias, Saúde – Manguinhos prepararam este conjunto de depoimentosde pessoas que vêm se preocupando com a participação pública emciência e tecnologia e estão – ou estiveram – envolvidos com inicia-tivas práticas que buscam aproximar a sociedade dos processosdecisórios.

O mini-dossiê se abre com uma entrevista concedida em parce-ria pelo biólogo Lars Klüver e pela especialista em comunicaçãoEdna F. Einsiedel, dois nomes de destaque nessa área. Klüver édiretor do Conselho Dinamarquês de Tecnologia (Teknologirådet),

Usuário
Highlight
Usuário
Highlight
Usuário
Highlight
Usuário
Highlight
Page 4: 1 Ciência tecnologia parlamento

472 História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro

LUISA MASSARANI

que se tornou paradigma internacional de realização de modelosparticipativos em temas de ciência e tecnologia. Einsiedel temenvolvimento direto na organização de conferências de consensono Canadá e focaliza suas pesquisas nos modelos deliberativos.

Em seguida, publicamos uma transcrição adaptada de uma pa-lestra proferida no Rio de Janeiro pelo sociólogo Tom Shakespeare,do Reino Unido.

Cruzamos os mares e chegamos a duas experiências precurso-ras em nosso continente, realizadas na Argentina, em 2000, e noChile, em 2003, discutidas pelo engenheiro Ricardo A. Ferraro; pelasocióloga Adriana Bacciadonne e pelo especialista em biotecnologiaAlberto Díaz (experiência Argentina); e pelo médico AlbertoPellegrini Filho (experiência chilena). A contribuição da Argentinapermite-nos o acesso a trechos do relatório final de uma das confe-rências de consenso realizadas naquele país. Já o artigo sobre aexperiência chilena discute como foi o processo de adaptação domecanismo participativo desenvolvido na Dinamarca para o con-texto latino-americano.

O mini-dossiê é, por certo, não-exaustivo. Mas esperamos queseja o ponto de partida para uma discussão mais ampla e que gerefrutos no incremento da participação pública em temas de ciência etecnologia, no Brasil e em outros países da América Latina.

Usuário
Highlight