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1 Algumas feições persistentes da personalidade cultural portuguesa Consciência Nacional Sentimento de ilhéu Messianismo Saudade Amor Religião Interesse pela história e desinteresse pela filosofia Lirismo e Expressões Artísticas Economia Tendência para a miscigenação Brandos costumes vs. Imagem Guerreira

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Algumas feições persistentes da personalidade cultural portuguesa

• Consciência Nacional• Sentimento de ilhéu• Messianismo• Saudade• Amor• Religião• Interesse pela história e desinteresse pela filosofia• Lirismo e Expressões Artísticas• Economia• Tendência para a miscigenação• Brandos costumes vs. Imagem Guerreira

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Consciência Nacional

•Forma-se por oposição aos inimigos fronteiriços: os mouros e os castelhanos.

•A oposição aos mouros terminou em território nacional em 1253, quando Afonso III tomou Silves, mas prosseguiu no Norte de África com a conquista de Ceuta (1415), da qual resultou uma guerra de quase 200 anos.

• A tomada de Ceuta parece marcar a grande opção nacional: “ou a integração em Castela [que iniciara o processo de unificação da Península Ibérica], ou a aventura fora da Península (...) uma vez escolhida a independência como situação irreversível, foi preciso buscar fora, para fazer face à nova situação nacional criada, os meios de a sustentar”.

• A não-integração em Castela e a perduração da independência (reconhecida pela Santa Sé em 1179) têm consequências na personalidade portuguesa, nomeadamente no “sentimento de ilhéu”.

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Sentimento de ilhéu

• Entre Portugal e a Europa existe Espanha, que funciona mais como um deserto do que como um espaço de comunicação.

• “E a gente aqui prisioneira adquiriu um complexo de ilhéu, oscilando entre a aventura fora e a passividade dentro, ou ainda vivendo a aventura pela imaginação, sem sair do mesmo lugar.”

• Ao ilhéu faltam ocasiões para se comparar com os outros, pelo que deforma a realidade. Por isso, o Português tende a mitificar o estrangeiro. A Europa é sempre sentida como exterior.

• Face às outras nações, o Português desenvolveu um sentimento ambivalente, ora sentindo-se inferiorizado (sem poder e sem cultura própria), ora supervalorizando-se.

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Messianismo

• Definição de Messianismo: crença na vinda ou no retorno de um enviado divino libertador, um messias, com poderes e atribuições que aplicará ao cumprimento da causa de um povo ou um grupo oprimido.

• Expressão de forte personalidade espiritual, que se manifesta “desde Os Lusíadas até ao 25 de Abril”.

• Crença de que Portugal é uma nação escolhida por Deus

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Portugal como nação escolhida por Deus

– Milagre de Ourique relato do aparecimento de Cristo na cruz a Afonso Henriques, antes da batalha de Ourique, em que o futuro rei derrotou cinco reis mouros. Na sequência desta batalha, Afonso Henriques passou a intitular-se como rei (1139).

Milagre de Ourique. Pintura de Domingos Sequeira (1793). Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/9c/BatalhaOurique.jpg

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Messianismo–Crença no regresso de D. Sebastião na sequência da batalha de Alcácer- Quibir (1580), D. Sebastião morre e Portugal fica sob domínio espanhol. Muita gente começa a acreditar que o rei não morreu e que regressará numa manhã de nevoeiro para restaurar a Independência. A figura de D. Sebastião começa a ser vista como sinónimo de salvador.

–Mito do Quinto Império crença de que cabia aos Portugueses a missão de implantar o reino de Cristo na Terra. Teve como grande teorizador o Pde. António Vieira na sua obra História do Futuro.

D. Sebastião. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/67/Rei_D._Sebasti%C3%A3o.jpg

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Messianismo

• Existe em Portugal uma historiografia abundante e de grande qualidade:

– Tradição épica de Afonso Henriques– Cronística medieval: Fernão Lopes épico da vitória sobre Castela– Historiografia dos Descobrimentos: João de Barros– Historiadores do século XVIII: fundamento da nacionalidade em Deus– Visão social e institucional dos factos: Alexandre Herculano– Capacidade de relacionar vários factos: Oliveira Martins

questionamento da razão para a independência e sobrevivência nacionais.

– “O grande poema nacional, Os Lusíadas, apresenta-se como uma narrativa histórica.”

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Saudade

• O portuguesismo deste conceito é um lugar comum.

• É D. Duarte (1391-1438) quem primeiro afirma que a palavra não tem tradução noutras línguas

• A saudade é um sentimento contraditório: “é uma dor da ausência e um comprazimento da presença pela memória. É um estar em dois tempos e em dois sítios ao mesmo tempo, que também pode ser interpretado como uma recusa a escolher: é um não querer assumir plenamente o presente e o não querer reconhecer o passado como pretérito. (…) é um sentimento complexo, mesclado, doce-amargo, pouco propício à acção”

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Amor• Está ligado à saudade

• É um tema tratado obsessivamente na literatura.

• Geralmente é o amor-paixão, que encontra prazer na sua impossibilidade de realização e na autodestruição.

Fado

• Outros traços afectivos são:– Coexistência de formas de tratamento complexas: “tu”, “você”,

“o senhor”;– Dificuldade de interpelação fora da esfera íntima;– Dificuldade em dar respostas negativas;– Culto da dor ou o “gosto de ser triste” (Camões)– Formas de humor (chacota e auto-ironia)

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Religião• História religiosa semelhante em Portugal e Espanha

– Lutas contra os muçulmanos– Extermínio do judaísmo– Presença da Inquisição, que impediu a implementação das

correntes religiosas nascidas da Reforma

• Alguns autores, consideram que a forma de viver a religião em Portugal tem algo de pagão

– Culto da Virgem – a Virgem funciona como uma medianeira, facilitando o contacto com Deus;

– Culto dos mortos;– Ausência de escritores místicos;– Desinteresse por questões religiosas– As artes não reflectem a relação com a religião (gótico pouco

expressivo)

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Catedral de Milão. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/de/MailaenderDom.jpg

Mosteiro da Batalha. Fonte: http://contanatura-hemeroteca.weblog.com.pt/arquivo/Mosteiro%20da%20Batalha.jpg

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Interesse pela História/ Desinteresse pela Filosofia

• A Filosofia relaciona-se com a abstracção.

• Em certa medida, a Historiografia substitui a Filosofia, na medida em que fornece exemplos, casos e figuras para que aprendamos com elas.

• A filosofia portuguesa pode ser encontrada na poesia: Camões, Antero de Quental, Fernando Pessoa

• Saudosismo = Filosofia Portuguesa

– Movimento estético do primeiro quarto do século XX, que teve como principal mentor Teixeira de Pascoaes. Pascoaes considerava a saudade como o aspecto que melhor definia a alma portuguesa. O saudosismo pode ser relacionado com os movimentos messiânicos se sebastianistas e pretendia levar a cabo uma renovação e regeneração do país, propondo a saudade como princípio capaz de operar as mudanças.

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Interesse pela História/ Desinteresse pela Filosofia

“Queremos sugerir com estas considerações que a nossa alegada falta de vocação filosófica significa, no fundo, que estamos fora do percurso intelectual que nasce com os Gregos e se vai transmitindo de tese em antítese, dentro de carris estreitos, a S. Tomás, a Descartes, a Kant, a Hegel, a Husserl, etc. O problema pôr-se-ia talvez noutros termos se adoptássemos uma outra definição de filosofia.”

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Manifestações populares nas artes plásticas

• Talha dourada, azulejo obras de artesãos anónimos;

• Cerâmica gosto pelos presépios; principais expoentes: Rafael Bordalo Pinheiro e Rosa Ramalho

• Arquitectura obras que resultam de pedreiros locais e anónimos;

• Música não existe um único grande mestre que exprima a criatividade musical portuguesa; música de cariz popular

Exemplo de Talha Dourada, Igreja de Camarate. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/45/Igreja_de_Camarate_%28Imagem%29.jpg

Zé Povinho, figura criada por Rafael Bordalo Pinheiro. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e3/Zepovinho.jpg

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Economia• Os Portugueses são os iniciadores do mercado mundial em

grande escala, comerciando especiarias, escravos, açúcar, ouro,… Apesar disso, nunca se formou em Portugal um pólo capitalista:

– Não houve acumulação de riqueza, nem investimento: fraca potência económica

– O dinheiro existente foi canalizado para a Inglaterra e para Holanda, onde foi aplicado na indústria

– Balança comercial deficitária

– Século XX: Portugal ocupa os últimos lugares do capitalismo europeu

– Parece nunca ter existido um espírito burguês que vê o dinheiro como algo de abstracto e móvel, cujo investimento gera mais dinheiro.

– O dinheiro é sempre visto como tendo uma finalidade concreta (ex.: comprar um terreno, um campo, etc).

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Brandos costumes vs. Imagem Guerreira

• A abolição da pena de morte em 1867 (sendo que a última execução ocorrera em 1842) é o único facto que sustenta a ideia dos “brandos costumes”

• Paralelamente, há factos que parecem contrariar os “brandos costumes”:

– Perseguições inquisitórias a judeus e cristãos-novos (séc. XVI);– Processo dos Távora (séc. XVIII)– Assassinato de D. Carlos e do Príncipe D. Luís (1908)– Perseguições políticas durante o Estado Novo– Forças Populares 25 de Abril - FP-25 (1980-1987)

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Brandos costumes vs. Imagem Guerreira• Os “brandos costumes” reflectem-se

na baixa agressividade”

• A celebração do primeiro 1º de Maio,

depois da Revolução do 25 de Abril, é

exemplo da brandura portuguesa:

“Foi uma romaria pacífica a que só

faltou o santo; as flores davam-lhe um

ar campestre e festivo; quase não se

ouviram palavras de ódio e agressão

contra os vencidos (…). Foi um dos

mais flagrantes exemplos de

comportamento português”.

Avenida Almirante Reis, Lisboa, no 1º de Maio de 1974. Fonte: http://fotos.sapo.pt/mariaalfacinha/pic/0005wsxs/s340x255

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Brandos costumes vs. Imagem Guerreira

• A imagem dos portugueses como um povo guerreiro é inevitável:

– Séc. XII – guerras com os Mouros– Séc. XIII – paz com o exterior; guerra civil interna– Séc. XIV – guerras com Castela– Sécs. XV e XVI – guerras no norte de África, que culminaram no desastre de

Alcácer Quibir– Séc. XVI – guerras marítimas no Oriente, ora contra os reis locais, ora contra

Ingleses e Holandeses– Séc. XVII – guerras defensivas contra Castela– Séc. XVIII – guerras com os Holandeses, no Brasil– Séc. XIX – invasões francesas; guerra civil entre liberais e absolutistas– Séc. XX – participação na I Guerra Mundial; Guerra Colonial

▼“Feitas as contas, não nos podemos considerar um povo de guerreiros, mas sim um povo obstinado quando se trata de defender o terrunho. A Padeira de Aljubarrota é, possivelmente, o melhor símbolo do espírito guerreiro português”.

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Resumo das principais feições portuguesas• Estar onde não se está: estar num sítio com o corpo e noutro com a

imaginação;

• Apego à terra

• Desinteresse pela especulação filosófica e teológica

• Gosto pela história

• Ausência de uma mentalidade capitalista

• Lirismo amoroso

• Fraca capacidade de idealizar e conceptualizar

• Conservação de formas populares na literatura (aldeanismo)

• Pouca consciência das fronteiras culturais

• Tendência para a miscigenação

• A rejeição da união hispânica é determinante para a criação um sentimento de orfandade

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Conclusões“(…) Portugal é para os Portugueses mais uma mátria do que uma pátria (…)”

• Mátria – terra de origem; funciona ao nível da afectividade• Pátria – relação com o exterior; funciona ao nível da intelectualidade.

▼• Portugal comporta-se como um país que teve mãe, mas não teve pai (o

fluxo emigratório dos homens foi uma constante na História de Portugal)• Ao rejeitar a união hispânica – sendo a Hispânia a pátria comum de todos

os povos ibéricos – Portugal torna-se num país órfão de pai, sem um modelo exterior

▼• Sentimento de orfandade que leva os Portugueses a procurar um pai ou

um modelo, seja ele representado pela figura-mito de D. Sebastião, seja representado pela apropriação de modelos culturais externos (França).

“Há algo de inacabado e até de amputado na nossa cultura, uma espécie de infância para além do termo (…)”Os Portugueses são um povo que “está visceralmente fora da mentalidade ocidental”