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Fevereiro de 2008 • Ano 5 • nº 40 desafios do desenvolvimento desafios Fevereiro de 2008 • Ano 5 • nº 40 www.desafios.ipea.gov.br Exemplar de Assinante MANGABEIRA “O longo prazo começa no curto prazo” ENSINO País ainda é vítima das iniqüidades ENERGIA Dificuldade para acompanhar o crescimento CRÉDITO A locomotiva do mercado interno PAC da Segurança integra combate ao crime com políticas sociais, gera grande expectativa, mas ainda deixa dúvidas Em busca da paz Em busca da paz 1 A - 02/28/2008 16:14:25

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Fevereiro de 20

08

• Ano 5

• nº 4

0desafios

do desenvolvimentodesafios

F e v e r e i r o d e 2 0 0 8 • A n o 5 • n º 4 0 w w w. d e s a f i o s . i p e a . g o v . b r

Exemplar de Assinante

MANGABEIRA“O longo prazocomeça nocurto prazo”

ENSINOPaís ainda é vítima das iniqüidades

ENERGIADif iculdade para acompanharo crescimento

CRÉDITOA locomotiva do mercadointerno

PAC da Segurança integra combate ao crime com políticas

sociais, gera grande expectativa, mas ainda deixa dúvidas

Em buscada paz

Em buscada paz

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4 Desafios • fevereiro de 2008

Uma entrevista com o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto MangabeiraUnger, que expõe seus planos de longo prazo para o Brasil, abre esta edição.É uma oportunidade para conhecer o modelo de desenvolvimento preconizadopelo ministro e é uma leitura que recomendo a todos.

A reportagem de capa traz a interpretação de diversos estudiosos do temasegurança e seu viés de violência urbana sobre o Pronasci, um programa lançadopelo governo federal no ano passado, que ficou conhecido como PAC daSegurança. Ademais, atualiza para o leitor as informações sobre a evolução dessaambiciosa ação que integra de forma inédita o combate ao crime com políticassociais e, por isso, gera grande expectativa.

Um tema macroeconômico tratado nesta edição é o nível sem precedentesalcançado pelo volume de crédito no país, impulsionando o crescimento daeconomia. A reportagem reflete o pensamento de vários segmentos da sociedade e também assinala que, apesar da expansão, esse volume ainda se encontra aquémdo seu potencial.

O tema Educação ganha uma matéria na qual o Comitê Técnico doObservatório da Eqüidade, ligado ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e formado por pesquisadores do Ipea, do IBGE, do Dieese,da Secretaria do CDES, além dos próprios conselheiros do CDES e de especialistasem educação, faz uma “radiografia” do ensino no Brasil e chega a resultados queexigem intervenções fortes e imediatas.

Um olhar sobre a problemática da infra-estrutura no país, cujas preocupaçõescrescem na contramão da boa notícia do crescimento econômico em ritmo firme,nos leva ao setor de energia elétrica. Nessa reportagem, são analisadas diversasprojeções no horizonte de 2010 e 2011 e levantadas dúvidas quanto à condiçãodesse setor de dar o necessário suporte à expansão do Produto Interno Bruto (PIB).

A posição do governo brasileiro no tema ambiental e nas discussões mundiaissobre o aquecimento do planeta é esmiuçada num trabalho jornalístico quedetalha as explicações do Itamaraty e de outros segmentos governamentais,e os complementa com a visão de especialistas da sociedade civil.

Temos ainda na reportagem dedicada ao tema Melhores Práticas mais umexemplo bem-sucedido de iniciativas destinadas a gerar renda e promover ainclusão econômico-social sem descuidar dos preceitos mais elevados deconservação ambiental e de premiar o espírito empreendedor do nosso povo.

Além disso, esta edição traz as costumeiras seções de informações e quatroexcelentes páginas opinativas com artigos de autoridades nos respectivos assuntos.

Boa leitura.

Jorge Abrahão de Castro, diretor-geral da revista Desafios do Desenvolvimento

Carta ao leitor

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: desaf [email protected] de redação: SBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 906 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet: www.desaf ios.ipea.gov.br

Governo FederalMinistro Extraordinário de Assuntos EstratégicosRoberto Mangabeira UngerNúcleo de Assuntos Estratégicos da Presidênciada República

PRESIDENTE Marcio Pochmann

URL: http://www.ipea.gov.brOuvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

www.desafios.ipea.gov.br

DIRETOR-GERAL Jorge Abrahão de CastroASSESSOR-CHEFE DE COMUNICAÇÃO Estanislau MariaCOORDENADORA EDITORIAL Marina NeryCOORDENADORA ADMINISTRATIVA Mary ChengCONSELHO EDITORIAL André Gambier Campos,Estanislau Maria, Jorge Abrahão de Castro, Jorge Luizde Souza, José Aparecido Carlos Ribeiro, Marina Nery,Mary Cheng e Roberto Müller Filho

RedaçãoEDITOR-CHEFE Roberto Müller FilhoEDITOR-EXECUTIVO Jorge Luiz de SouzaBRASÍLIA Edla Lula, Fernando Exman e Ricardo WegrzynovskiRIO DE JANEIRO Yolanda SteinSÃO PAULO Claudia Izique e Manoel SchlindweinEDITORA DE ARTE Débora de Bem ASSISTENTE DE ARTE Cleber EstevamJORNALISTA RESPONSÁVEL Roberto Müller Filho

ColaboradoresFOTOGRAFIA José Paulo LacerdaILUSTRAÇÃO Erika OnoderaREVISÃO Mauro de BarrosFOTO DA CAPA Marcelo Carnaval/Agência O Globo

Cartas para a redaçãoSBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 906 CEP 70076-900 - Brasília, [email protected]

[email protected](061) 3315-5251

ImpressãoCromos – Editora e Indústria Gráfica Ltda.

AS OPINIÕES EMITIDAS NESTA PUBLICAÇÃO SÃO DE EXCLUSIVA EDE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO EXPRIMINDO,NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO INSTITUTO DE PESQUISAECONÔMICA APLICADA (IPEA).

É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA AREPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO CONTEÚDO DA REVISTA.

DESAFIOS (ISSN 1806-9363) É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO IPEA,PRODUZIDA PELA SEGMENTO RM EDITORES LTDA.

SEGMENTO RM EDITORES LTDA.RUA CUNHA GAGO, 412 - 4º ANDAR - CJ. 43 - PINHEIROS - SÃO PAULO - SP

CEP 05421-0011 - TEL. (11) 3094-8400

desafiosdo desenvolvimento

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Luiz Fernando de Paula

Eficiência bancária e mais crédito

André Gambier Campos

Justiça e direitos sociais no Brasil

José Carlos de Assis

A esquizofrenia da Selic

Patrus Ananias

Pilar para o desenvolvimento

desafiosdo desenvolvimento

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38

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Entrevista Roberto Mangabeira Unger

Ministro de Assuntos Estratégicos explica os projetos de longo prazo para o Brasil

Crédito A locomotiva do mercado interno

Crédito atinge níveis sem precedentes no país, impulsionando o crescimento da economia

Segurança Em busca da paz

Programa do governo federal ataca a falta de segurança nas grandes áreas metropolitanas

Energia As dores do crescimento

Bom momento econômico esbarra na dúvida quanto ao fornecimento de energia elétrica

Ensino Ainda vítima das iniqüidades

Observatório da Eqüidade faz ‘radiografia’ da Educação com resultados preocupantes

Ambiente Debate acalorado

Brasil defende que países desenvolvidos paguem conta maior no combate ao aquecimento

Melhores práticas Produção agroecológica sustentável

Mais de mil pequenas áreas familiares em forma de círculo movimentam economias locais

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Sumário

Artigos

Giro

Circuito

Estante

Indicadores

Cartas

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Seções

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Ilustr

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Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz(Fiocruz) desenvolveram um modelo in vitro pa-ra avaliar potenciais produtos farmacêuticos ca-pazes de evitar a exacerbação da doença, a partirde células humanas infectadas com o vírus da den-gue. O objetivo é compreender, a longo prazo, osmecanismos de patogenicidade do vírus e utilizaresse modelo para a triagem de drogas. Os cientis-tas isolaram monócitos – um dos tipos de glóbu-los brancos –, os infectaram com vírus 2 da den-gue e utilizaram a dexametasona para inibir as citocinas, molécula que tem um papel impor-

tante no desencadeamento das manifestações he-morrágicas da doença. O imunosupressor funcio-nou como um antiviral ao inibir as citocinas e,com isso, reduzir a presença do vírus. A dexa-metasona, no entanto, possui alta taxa de toxida-de e não pode ser utilizada como medicamento,mas os resultados animaram os pesquisadores ainvestigar outros produtos, como fitoterápicos.O trabalho foi realizado em parceria com o De-partamento de Farmacologia Aplicada do Ins-tituto de Tecnologia em Fármacos de Manguinhos(Farmanguinhos).

Informática

Redes maisprotegidas

GIRO

Saúde

Fiocruz investiga drogas contra a dengue

O número de incidentes nasredes de computadores das co-munidades acadêmicas e cien-tíficas brasileiras caiu 49,6% entre 2007 e 2006, de acordocom estatísticas do Centro deAtendimento a Incidentes deSegurança da Rede Nacional deEnsino e Pesquisa (RNP), doMinistério da Ciência e Tecno-logia (MCT). No ano passado,foram registradas 35.700 ocor-rências – a maior parte delas relacionadas a spams –, ante70.815 no ano anterior. As ten-tativas de invasão de sistemasresponderam por 16,3% dasocorrências e a propagaçãode vírus e worms, por11,29%.

Ilustração: Sotckxpert

Ilustração: Divulgação

Pesquisadores da Universida-de de Rice, em Houston (Texas),nos Estados Unidos, anunciaramter obtido o material mais escuro do planeta, capaz de absorvermais de 99,99% de toda a luz que recebe. O novo material foiconstruído com pequenos tubos

de carbono 400 vezes mais finosque um fio de cabelo, vertical-mente alinhados e arranjados como se fossem cerdas de um tapete, e tem a propriedade de“prender” a luz. Poderá ser uti-lizado para a conversão de ener-gia solar em eletricidade e apli-

cado em instrumentos de detec-ção de luz infravermelha ou naobservação astronômica. Se aspesquisas indicarem que eletambém é capaz de bloquearoutras faixas de radiação, poderáser uma tecnologia eficiente nobloqueio de radares.

Radiação

O material mais escuro do planeta

Ambiente

Brasil está entre os líderes na redução de emissões

O Brasil ocupa o terceiro lugar entre os países que têm adotadotecnologias de redução de emissão de gases de efeito estufa. O paísconta com 261 projetos certificados no âmbito do Mecanismo deDesenvolvimento Limpo (MDL), criado pelo Protocolo de Kyoto e que permite aos países desenvolvidos adquirir créditos de carbonogerados em empreendimentos implementados em países emdesenvolvimento. Em 2008, os projetos brasileiros vão impedir a emissão de 271,4 milhões de toneladas de dióxido de carbo-

no (CO2). A China encabeça o ranking deiniciativas de redução de emissões, com

963 projetos de MDL, seguida pelaÍndia, com 819.

Ilustração: Sotckxpert

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Um grupo de cientistas norte-americanos ecanadenses desenvolveu um dispositivo para serinstalado nas pernas e que armazena a energia ciné-tica do movimento das pernas e gera eletricidadeenquanto o usuário caminha. Instalados nas duaspernas, os equipamentos geram 5 watts de eletrici-dade, o suficiente para fazer funcionar dez celularessimultaneamente ou os laptops de baixo custo queestão sendo testados em países em desenvolvimen-to.Ao correr, a energia produzida chegou a 54 watts.O dispositivo, testado em seis voluntários, era com-

posto por um pequeno motor montado em umchassi de alumínio, com gerador, correias, potenciô-metros e conectores. Somados às bandas de bor-racha para fixar na perna, pesavam 1,6 quilo cadaum. Além de servir como fonte de eletricidade, atecnologia poderá ser empregada no funciona-mento de próteses robotizadas, no acionamento debombas de insulina ou ainda para diminuir o fardode soldados, que não precisariam carregar pesadasbaterias para operar dispositivos eletrônicos cadavez mais comuns em campos de combate.

Dínamo humano

O corpo que gera luz

Desaf ios • fevereiro de 2008 7

A vida dos pesquisadores promete ficar maisfácil a partir deste ano. No dia 23 de janeiro, aAgência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)publicou resolução facilitando a importação eexportação de material de pesquisa científica etecnológica. No dia 27 de dezembro do anopassado, uma instrução normativa da ReceitaFederal remeteu a importação de animais, vegetais,vírus, bactérias, máquinas e equipamentosdestinados à pesquisa ao Canal Verde, um sistemade desembaraço automático que dispensa a

conferência das mercadorias adquiridas porcientistas credenciados no Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq). As duas medidas atendem à exigência dodecreto da Presidência da República nº 6.262,publicado em 20 de novembro de 2007, queconcedeu prazo de até 90 dias para que osministérios da Fazenda, da Saúde, da Ciência eTecnologia e do Desenvolvimento, Indústria eComércio Exterior simplifiquem a importação debens destinados à pesquisa.

Cientistas

Governo facilita importação e exportação de material para pesquisa

Utilizando técnicas de medi-ção da Associação Brasileira deNormas Técnicas (ABNT), pes-quisadores do Instituto Nacio-nal de Pesquisas da Amazônia(Inpa/MCT) comprovaram queo couro de peixes como o tam-baqui e o pirarara é altamenteresistente a rasgo. A descoberta é o resultado da dissertação de mestrado “Curtimento de pe-les de tambaqui (Colossoma ma-cropomum) e pirarara (Phrac-tocephalus hemioliopturus), comcurtentes sintéticos e com cur-tentes naturais da Amazônia”,desenvolvida no âmbito da Coor-denação de Pesquisas em Tecno-logia de Alimentos (CPTA) pelamestranda Maria do PerpétuoSocorro Silva da Rocha, com acoordenação do pesquisadorRogério Souza de Jesus. O pro-jeto também analisou a viabi-lidade em se utilizarem taninosnaturais e sintéticos extraídos de vegetais amazônicos emsubstituição ao cromo, que éprejudicial à saúde e ao meioambiente. Os resultados de-monstraram que a carga de rup-tura e a elongação até a rupturaforam significativamente supe-riores para os couros curtidoscom tanino, 55,64%, quandocomparado ao couro curtidocom cromo, 34,64%. Trata-se deuma boa notícia para os em-presários do setor de curtume:até agora não existia na litera-tura nada que comprovasse,tecnologicamente, a resistênciados couros dos peixes da Ama-zônia em relação a sua utiliza-ção em confecções de roupas,por exemplo.

Natureza

Bons negócioscom o couro de peixe

Ilustração: Sxc:hu

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8 Desafios • fevereiro de 2008

ENTREVISTA Min i s t r o E x t rao rd i ná r i o de Assun tos Es t ra t ég i cos mos t ra sua

Mangabeira Unger

Roberto Foto: José Paulo Lacerda

O longo

prazo

começa

no curto

prazo

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mpenhado em apresentar uma proposta transformadora, o

ministro diz que “não há nenhum projeto de longo prazo que

valha a pena ser pensado que não tenha implicações imediatas

para o que se faz aqui e agora” e que “a rebeldia é condição

necessária, mas não é suficiente, porque ela só é eficaz quando

iluminada pela imaginação”. A seguir, os principais trechos da entrevista

concedida pelo ministro à revista Desafios do Desenvolvimento.

E

aná l i s e sobre o f u t u ro do pa ís e seu s p ro j e tos de l o ngo p ra zo pa ra o Bras i l

Desaf ios • fevereiro de 2008 9

P o r R o b e r t o M ü l l e r F i l h o e J o r g e L u i z d e S o u z a , d e B r a s í l i a

Desafios – O que está faltando ao desenvolvimento

brasileiro?

Mangabeira – Fui convocado pelopresidente Luiz Inácio Lula da Silvapara ajudar a formular e a debaterum novo rumo de desenvolvimentopara o país. O Brasil hoje está à bus-ca de um modelo de desenvolvi-mento baseado em ampliação deoportunidades econômicas e educa-tivas, e em participação popular.Nosso país tradicionalmente cresciadentro dos setores favorecidos e in-ternacionalizados em sua economia.Esses setores geravam riqueza e umaparte dessa riqueza era usada parafinanciar políticas sociais. Agora, anação quer mais do que isso. Quertransformar a ampliação de oportu-nidades tanto econômicas quantoeducativas e engajamento cívico nospróprios motores do desenvolvi-mento, e desta maneira consolidarum vínculo íntimo, orgânico, entre osocial e o econômico.

Desafios – Na prática, como é o seu trabalho?

Mangabeira – Meu trabalho nasceria

morto se fosse apenas um projetoconceitual a respeito do futuro. O lon-go prazo tem de ser tratado a curtoprazo. Não há nenhum projeto delongo prazo que valha a pena ser pen-sado que não tenha implicações ime-diatas para o que se faz aqui e agora.Por essa razão, eu orientei o meu tra-balho para a definição e a construçãode um elenco de iniciativas que ante-cipem e encarnem essa alternativa na-cional que o país procura. E que sejamcomo que as primeiras prestações donosso futuro. Com isso, imagino con-tribuir a uma dinâmica transforma-dora, ancorada nessas iniciativas con-cretas. Esse método não nos exime daresponsabilidade de formular tam-bém uma estratégia abrangente e delongo prazo, econômica, social, cultu-ral e política. Mas essa estratégia só vi-verá se estiver ancorada em ações con-cretas. Portanto, eu estou trabalhandosimultaneamente nesses dois planos.

Desafios – Poderia resumir o seu projeto?

Mangabeira – As iniciativas estão emquatro grandes áreas: oportunidade

econômica, oportunidade educativa,Amazônia e Defesa. Em oportunida-de econômica, são três as iniciativasprincipais, que eu estou desenvolven-do em colaboração com os diversosministros. A primeira é uma políticaindustrial e agrícola de inclusão. Anossa política industrial brasileira,tradicionalmente, está voltada maispara as empresas e oferece a essasgrandes empresas, tipicamente, isen-ções tributárias e condições melhoresde acesso ao crédito, até mesmo cré-dito subsidiado. Mas uma das carac-terísticas estruturais de nossa econo-mia é a predominância absoluta nelade pequenas empresas, de empreendi-mentos emergentes e muito restritosno seu acesso ao crédito, à tecnologia,ao conhecimento, ao próprio merca-do. Aí reside a maior força potencialde nossa economia. Instrumentalizaressa energia empreendedora emer-gente pode criar um dínamo de cres-cimento econômico socialmente in-cludente. Esse projeto tem quecomportar três elementos. Primeiro, oaconselhamento gerencial ou a for-mação prática de quadros. Em geral,no mundo essa é a parte mais difícilde avançar, mas no Brasil é a que maisavança, por causa do notável trabalhodo Sebrae. Segundo, a ampliação docrédito ao produtor. Não podemosenriquecer só à base da popularizaçãodas oportunidades de consumo, coma expansão do crédito ao consumi-dor. A história mostra o oposto. Ofundamental é a democratização doacesso às oportunidades da pro-dução. Isto precede a massificação doconsumo. E o terceiro elemento é a

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Ministro-chefe da Secretaria de Planejamento

de Longo Prazo da Presidência da República desde

junho de 2007 e ministro Extraordinário de Assun-

tos Estratég icos desde outubro, Roberto Manga-

beira Unger, advogado de 60 anos, nascido no Rio

de Janeiro e criado nos Estados Unidos, provoca

polêmica sempre que fala.

Notabil izou-se por ter se tornado professor da

Universidade de Harvard, uma das mais importan-

tes do mundo, quando tinha menos de 30 anos de

idade, e reforçou essa reputação pouco tempo de-

pois ao se tornar um dos professores titulares

mais jovens na história daquela universidade. Foi

também escolhido como membro v ital ício da Acade-

mia de Artes e Ciências dos Estados Unidos.

É neto, por parte de mãe, do ex-governador

baiano Otavio Mangabeira. Mas, por causa do pai

americano, a fam í l ia mudou-se para Nova York

quando ele tinha apenas seis meses de idade. Vol-

tou a morar no Brasil aos 11 anos, e f icou até for-

mar-se na Faculdade Nacional de Direito, no Rio.

Em 1969, foi prosseguir os estudos em Har-

vard, nos arredores de Boston, leste dos Estados

Unidos, onde concluiu o doutorado e onde sua es-

posa, também americana, e seus quatro f i lhos con-

tinuam morando. Sua esposa, Tamara Lothian, le-

c iona Dire i to e F inanças na Univers idade de

Columbia. Seu f i lho mais velho também estuda em

Harvard.

Unger tem 16 l ivros publicados em ing lês e

português, com traduções para várias outras l ín-

guas. No f inal dos anos 1970, ainda durante o re-

g ime mil itar, publicou o l ivro Um projeto de demo-

crac ia para o Brasi l , em co-autor ia com o

economista Edmar Bacha, que anos depois seria

presidente do Instituto Brasileiro de Geograf ia e

Estat ística (IBGE) e membro das equipes que for-

mularam o Plano Cruzado e o Plano Real.

Em meados dos anos 1990, co-l iderou, com o

ex-ministro das Relações Exteriores do México

Jorge Castañeda, um esforço para def inir uma no-

va alternativa para o neoliberal ismo. Faziam parte

do grupo um ex-presidente do Chile, Ricardo Lagos,

e um ex-presidente do México, Vicente Fox.

Uma dose certade polêmica

transferência de tecnologias avança-das para pequenas empresas e empre-endimentos emergentes.

Desafios – Em que setores da economia isto se aplica?

Mangabeira – É um projeto que ficamais claro na agricultura do que na in-dústria. Estamos acostumados a ima-ginar a agricultura como exceção, masela é vanguarda. Não basta regular omercado e compensar as desigualda-des do mercado com políticas de trans-ferência. É necessário reorganizar omercado institucionalmente, para tor-ná-lo mais includente nas suas oportu-nidades. Eu dou dois exemplos na his-tória dos Estados Unidos, no séculoXIX, que são a agricultura e as fi-nanças. Organizaram uma agriculturade padrão familiar e de concorrênciacooperativa entre os fazendeiros econstruíram a agricultura mais eficien-te do mundo naquela época. E no setorfinanceiro destruíram os bancos na-cionais e os substituíram pelo sistemade crédito mais descentralizado quehavia existido no mundo até aquelemomento. Quando fizeram isso, não

estavam regulando a economia demercado, mas reinventando e reorga-nizando a economia de mercado. E éisso que nós no Brasil queremos fazer,não repetindo o conteúdo deles, masapreendendo o método.

Desafios – Como seria utilizar esse método no Brasil

de hoje?

Mangabeira – O coração do nosso siste-

Foto: José Paulo Lacerda

O longo prazo tem de ser

tratado a curto prazo. Não há

projeto de longo prazo sem

implicações imediatas.

Por essa razão, definimos

quatro iniciativas como as

primeiras prestações do nosso

futuro: oportunidades

econômicas, oportunidades

educativas, Amazônia e Defesa

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Desaf ios • fevereiro de 2008 11

estimular a invenção e a fabricação detecnologia apropriada ao manejo sus-tentável de uma floresta tropical, jáque a tecnologia disponível no mun-do evoluiu toda ela para tratar de flo-restas temperadas, o Estado só temdois modelos disponíveis. Um é pro-duzir diretamente dentro do setor pú-blico, mas há a camisa-de-força dasregras que incidem sobre o setor. Ou-tro modelo é o de tentar induzir o in-vestimento privado por meio de cré-dito subsidiado e do favor fiscal, como risco de o Estado dar muito em tro-ca de pouco e de o empresário capita-lizar o lucro e socializar o risco. Paraevitar isso é preciso ampliar os instru-mentos disponíveis ao Estado. Exem-plo: o Estado funda e capitaliza umempreendimento num regime de

ma industrial montado no Sudeste dopaís no curso do século XX é aqueleque os especialistas costumam chamarde fordismo. É a produção em grandeescala de bens e serviços padronizados,com maquinaria rígida, mão-de-obrasemiqualificada e relações de trabalhomuito hierárquicas e especializadas. Es-se é um fordismo já tardio, que vemsendo desmontado nas economias li-derantes do mundo, em favor de for-mas mais flexíveis de produção,e que semantém competitivo em economiascomo a nossa. Se não quisermos viraruma grande fazenda combinada comuma grande indústria maquiladora, te-mos que acelerar a passagem para alémdesse fordismo tardio e, com os setoresmais atrasados da economia e com aspequenas empresas, passar diretamentedo pré-fordismo para o pós-fordismo,sem a etapa intermediária do fordismo.

Desafios – Qual é a sua segunda iniciativa nas opor-

tunidades econômicas?

Mangabeira – A transformação das re-lações entre o capital e o trabalho noBrasil. Não temos uma grande recons-trução institucional das relações entreo capital e o trabalho no Brasil desdeGetúlio Vargas. Há dois pontos de par-tida: primeiro, a ameaça de nossa eco-nomia ficar imprensada entre as eco-nomias de produtividade alta e as detrabalho barato. Um dos maiores inte-resses nacionais é escapar dessa prensapelo alto, e não por baixo, e pela escala-da da produtividade, e não pelo avilta-mento salarial. O outro ponto de parti-da é que o modelo institucionalexistente resguarda os interesses dostrabalhadores dos setores intensivosem capital, mas não resolve o problemados outros. Não bastam os dois discur-sos que prevalecem: o da flexibilização,que os trabalhadores interpretam cor-retamente como eufemismo para des-crever a corrosão dos direitos do tra-balhador; e o discurso do direitoadquirido, de manter como está, que émelhor do que o outro, mas não resol-ve o problema dos excluídos dos seto-

res avançados da economia. Inicieiuma discussão intensa com os dirigen-tes das centrais sindicais sobre trêsgrandes temas: primeiro, a informali-dade – como resgatar os 60% dos tra-balhadores brasileiros que estão nelahoje; segundo, a participação dos salá-rios na renda nacional – como revertera longa queda da participação; terceiro,a revisão do próprio regime sindical.Me anima acreditar que nós possamosconstruir não um consenso, mas umaconvergência preponderante.

Desafios – E a terceira grande iniciativa econô-

mica?

Mangabeira – A ampliação dos instru-mentos jurídicos ou institucionaisdisponíveis ao Estado brasileiro paraatuar na economia. Por exemplo, para

É preciso dar braços e asas à energia frustrada e dispersa do país.

Essa seria hoje a grande revolução brasileira. Há caminho

e há base, e o que falta agora é a organização intelectual e

política do caminho e da base, e este é o meu trabalho

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acesso à rede, para que não seja prer-rogativa de uma elite; estímulo à pro-dução de conteúdos nacionais e po-pulares; e uma estrutura de gover-nança na internet que dê voz e vez àsociedade civil independente, fora doEstado, e não apenas aos governos ouàs empresas. Portanto, é uma iniciati-va também libertadora.

Desafios – O terceiro grande setor de ação do seu

plano é a Amazônia...

Mangabeira – Que eu encaro comoum grande laboratório nacional bra-sileiro, para ser vanguarda, não paraser retaguarda, um lugar onde o Bra-sil pode se reinventar. Rejeitamos duasidéias inaceitáveis e opostas: a de que aAmazônia é um santuário; ou a deque deve ser entregue às forças econô-micas mais devastadoras, como a pe-cuária extensiva. Um ambientalismosem projeto econômico é um ambien-talismo inconseqüente, insufla umaatividade econômica desordenadaque leva ao desmatamento. A Amazô-nia não é apenas um conjunto de ár-vores, é um grupo de pessoas. É preci-so ter uma estratégia para a Amazôniajá desmatada, onde se possa associar oEstado com os pequenos produtores,e outro projeto para a Amazônia comfloresta em pé. A base de tudo é o zo-neamento econômico e ecológico quecontemple a solução dos problemasfundiários em toda a Amazônia e queassegure que a floresta em pé valhamais do que a floresta derrubada. Nãobasta, por exemplo, ter na Zona Fran-ca de Manaus indústrias que oferecemempregos às pessoas. É preciso cons-truir elos entre o complexo verde e ocomplexo industrial e urbano, indús-trias que transformem os produtos dafloresta e indústrias que produzamtecnologia apropriada ao manejo deuma floresta tropical.

Desafios – E quanto ao projeto da Defesa?

Mangabeira – Não há estratégia nacio-nal de desenvolvimento sem estratégianacional de Defesa. Nisso eu estou tra-

mercado, com gestão profissional eindependente, decompõe em etapas, eem cada uma procura, tão logo quepossível, substituir-se por um agenteprivado. Enfim, atua como atuaria umventure capitalist. Não para suprimir aconcorrência ou substituir o merca-do, mas para radicalizar a concorrên-cia e aprofundar o mercado.

Desafios – E sobre as oportunidades educativas?

Mangabeira – Também são três as ini-ciativas principais.A primeira é,com oministro da Educação, a construção deuma rede de escolas médias federais,como importante componente técnicoe profissional, acima do nível de proje-to-piloto, mas muito aquém do uni-verso total das matrículas. O objetivodessa rede, nos seus desdobramentosfinais, seria ocupar em torno de 10%das matrículas do universo de estu-dantes de ensino médio. E o projetotem três alvos. O primeiro é consertaro elo mais fraco do nosso sistema esco-lar, que é o ensino médio. O segundo éusar a escola média federal como cu-nha, com uma mudança do paradig-ma pedagógico em todo o ensino bra-sileiro. Substituir o ensino informativoe enciclopédico por um ensino analíti-co e capacitador, que mobilize a infor-mação só seletiva e subsidiariamentecomo meio para aquisição de capaci-tações analíticas. Portanto, o foco nofundamental, que é a análise verbal e aanálise numérica, sem cair em modis-mos pedagógicos. O terceiro alvo éconstruir um novo modelo de relaçõesentre o ensino analítico geral e o ensi-no de especializações técnicas ocupa-cionais. Não queremos aquele modelotradicional, como existia na Alema-nha, de ensino de ofícios rígidos. Não éprático e não é democrático agravaruma divisão entre o ensino generalistapara as elites e o ensino especialista pa-ra as massas.

Desafios – Do que trata a segunda iniciativa de opor-

tunidade educacional?

Mangabeira – De como reconciliar a

gestão local das escolas dos estados emunicípios com padrões nacionais deinvestimento e de qualidade. São ne-cessários três instrumentos: um siste-ma nacional de avaliação e monitora-mento, e nisso já avançamos muito;um mecanismo para redistribuir re-cursos e quadros de lugares mais ricospara lugares mais pobres, e nisso co-meçamos a avançar com o Fundo deManutenção e Desenvolvimento daEducação Básica (Fundeb); e no ter-ceiro não avançamos nada ainda – éum procedimento para socorrer um

sistema escolar local que, apesar de to-dos os esforços, tenha ficado abaixodo patamar mínimo tolerável de qua-lidade e de investimento.

Desafios – E a terceira iniciativa?

Mangabeira – É a inclusão digital, queeu estou trabalhando junto com o Mi-nistério da Cultura e a Casa Civil. Oprojeto tem quatro componentes:construção de uma infovia nacionalque aglomere os fragmentos de info-vias que nós temos, com todos os seuselementos, do backbone, do backholee da chamada “última milha”, e tra-balhe nisso junto com as empresasprivadas; medidas destinadas a forta-lecer as capacitações populares de

Nossa economia está

imprensada entre as

economias de produtividade

alta e as economias de

trabalho barato. Um dos

maiores interesses nacionais é

escapar dessa prensa pelo alto,

e não por baixo, e pela

escalada da produtividade, e

não pelo aviltamento salarial

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balhando muito de perto com o minis-tro Nelson Jobim e com as Forças Ar-madas. Os dois grandes temas queorientam nosso trabalho são: primeiro,a reorganização das Forças Armadasem torno de uma vanguarda tecnoló-gica e operacional, baseada em capaci-tações nacionais; e, segundo, o com-promisso de restabelecer a causa daDefesa no imaginário nacional comocausa inseparável do desenvolvimento.Vou dar um exemplo: a reorganizaçãoda indústria de Defesa, em ambos osseus componentes, o privado e o esta-tal. No privado, uma das idéias é criarum regime jurídico regulatório e tribu-tário especial que assegure continuida-de nas compras públicas e resguarde asempresas privadas de Defesa de depen-

der de um curtoprazismo mercantil.Em troca, o Estado brasileiro adquiri-ria um poder estratégico muito amplosobre as empresas privadas de Defesa edentro delas, além dos limites do poderregulador e a ser exercido por meioscomo o golden share. E, no componen-te estatal, uma inversão completa. Emvez de produzir o rudimentar e atuarno chão tecnológico, produzir no teto,na vanguarda, aquilo que não seja ren-tável a curto e a médio prazos para asempresas privadas, justamente por serde vanguarda. Esta é a vocação docomponente estatal.

Desafios – Qual é o alcance desse projeto?

Mangabeira – É necessário que o Brasiltenha um escudo. Neste mundo em

que a intimidação ameaça tripudiarsobre a cultura, os meigos precisamandar armados. Nenhum país nomundo moderno, de dimensão com-parável à nossa, é menos beligerantedo que o Brasil. Mas esse pacifismoinstintivo não nos exime da responsa-bilidade de construir um escudo dedefesa. O foco do conflito ideológicono mundo todo está mudando.O velhoconflito entre o estatismo e o privatis-mo, entre o Estado e o mercado, estásendo substituído por um novo con-flito, cujas regras ainda não se compre-endem, com formas alternativas da de-mocracia, do mercado e da sociedadecivil livre. Seria o caso de perguntar senós temos base social prática para issono Brasil, e eu diria que sim.

Temos o compromisso de restabelecer a causa da Defesa no imaginário nacional como

inseparável do desenvolvimento, permitindo a reorganização das Forças Armadas em

torno de uma vanguarda tecnológica e operacional, baseada em capacitações nacionais

Foto: José Paulo Lacerda

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Desafios – Quais segmentos da população serão os

pilares do seu projeto?

Mangabeira – Tudo depende do en-caminhamento coletivo de soluçõescoletivas para problemas coletivos.Portanto, de política. Precisamos de-sesperadamente do casamento dapolítica com a imaginação, sobretu-do com a imaginação institucional.Agora, surge no Brasil, ao lado dessaclasse média tradicional, uma novaclasse média, morena, mestiça, quevem de baixo, que luta para abrir pe-quenos negócios, que estuda à noite,que inaugura no país uma nova cul-tura de auto-ajuda e iniciativa. Des-conhecida das elites brasileiras, essanova classe média já está no coman-do do imaginário popular. Para amaioria do nosso povo, ela é essavanguarda de batalhadores e emer-gentes que a maioria quer seguir. Ho-je, a grande revolução brasileira seriao Estado inovar nas instituições, pri-meiro nas econômicas e depois naspolíticas, para permitir à maioria se-guir o caminho dessa nova vanguar-da. O que falta é a organização inte-lectual e política do caminho e dabase, e este é o meu trabalho.

�������� Uma reforma política seria uma quinta

área do seu projeto?

Mangabeira – Exatamente. Tenhoconversado com o presidente Lula so-bre a entrada da pasta de Assuntos Es-tratégicos no campo da reforma polí-tica. Há quem imagine a reformapolítica como antecedente à reorien-tação econômica e social. Não é assimna história moderna. A experiênciacomparada mostra que os países mu-dam as suas instituições políticasquando precisam mudá-las para al-cançar um fim econômico e socialque desejam. A reforma não poderáser uma preliminar da reorientaçãoeconômica e social. Virá no curso daluta para mudar o rumo social eeconômico do país. Essa mudançapolítica necessária tem um horizontelongínquo e um ponto de partida. Ohorizonte é criar uma democracia dealta energia, mudancista, que não façaa mudança depender da crise. Mas is-so é o futuro, é o horizonte, isso não épara já. O ponto de partida é tirar apolítica da sombra corruptora dodinheiro, criar as condições para go-vernos que não seja no bolso dos en-dinheirados. Não é um mistério co-

mo fazer isso. Passa por quatro con-juntos de medidas: o financiamentopúblico das campanhas eleitorais; aconstrução de carreiras de Estado quesubstituam a grande maioria dos car-gos comissionados ou discricionados;a revisão do processo orçamentário,para que ele não seja uma negociaçãoperene e flutuante; e medidas que fa-voreçam a vida partidária e a fidelida-de partidária.

Desafios – O que falta para fazer isso?

Mangabeira – O bom do Brasil é a suavitalidade, e o ruim é o seu confor-mismo, a falta de fé em si mesmo. Detodas as minhas ambições, a maior éajudar a instaurar no país uma dinâ-mica de rebeldia. O grande poetaalemão Friedrich Hölderlin disse quequem pensa com mais profundidadesão os que têm mais vida. Mas nãobasta ter vida, é preciso ter inconfor-midade e iluminar a inconformidadecom a imaginação. Justamente por-que está cheio de vida, o Brasil é anar-quia criadora. Uma das ambições na-cionais tem que ser transformarespontaneísmo inculto em flexibili-dade preparada. E descobrir as insti-tuições econômicas e políticas apro-priadas a uma sociedade inquieta,inovadora. A fórmula que nós procu-ramos é a fórmula que ajude a que-brar as fórmulas. Este é outro temacentral de todas essas propostaseconômicas e políticas.

Desafios – O senhor pretende conversar com esta-

dos e municípios?

Mangabeira – Vou visitar todo o país.Um projeto de Estado precisa serconstruído junto com os estados fe-derados, e ainda mais com os gover-nados pela oposição, para demons-trar ao país a possibilidade de umaagenda positiva feita acima das di-visões partidárias. Já fui a Minas Ge-rais e Rio Grande do Sul e fui recebi-do calorosamente. Acho que há muitaabertura no Brasil para isso. Estamosà busca de um projeto magnânimo e

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ninguém quer saber de sectarismosmesquinhos.A nação tem consciênciada gravidade de todos os nossos pro-blemas e da necessidade de um gran-de projeto de país, e todo mundo in-tuitivamente compreende que umprojeto de país não pode ser construí-do em um ambiente de mesquinhariae de sectarismo.

Desafios – Diria o mesmo de suas conversas com os

sindicalistas?

Mangabeira – Tratamos de assuntosmuito penosos e controvertidos eavançamos muito. Vejo que há linhasde convergência preponderante sobreo grandes temas. Para reverter a que-da da participação dos salários narenda nacional não basta influenciaro salário nominal, como a política dosalário mínimo. Isso tem certa eficá-cia, mas insuficiente. Temos no Brasiluma grande desigualdade salarial.Por isso, é provável que as iniciativasdestinadas a aumentar a participaçãodos salários na renda nacional te-nham de ser, no início, diferentes pa-ra diferentes níveis da hierarquia sala-rial. Na base da hierarquia salarial,dos trabalhadores mais pobres e me-nos qualificados, o objetivo é pelomenos não castigar quem empregue equalifique, diminuindo os encargosque oneram a folha salarial. Impor-tante também é a proteção de traba-lhadores temporários ou terceiriza-dos, que no Brasil, como em todo omundo, formam uma parte crescenteda força de trabalho. Como protegê-los e representá-los sem minar a po-sição dos trabalhadores organizados,que formam o cerne do corpo de tra-balho da empresa?

Desafios – Vem algum exemplo de fora?

Mangabeira – O mundo está vergadosob uma ditadura de falta de alternati-vas. Qualquer alternativa que surgissee que combinasse uma demonstraçãoprática com uma mensagem universa-lizante poderia ter uma repercussãosensacional. Nós temos condições es-

peciais para sermos um terreno de ex-perimentação. Um dos nossos maio-res problemas é que não pensamos emnós mesmos, assim. Nosso costume ésó prosseguir em um caminho quetenha sido antes autorizado pelos paí-ses que nos acostumamos a tomar co-mo referência. E isso não presta.

Desafios – Agora, Índia e China são tomadas como

referência?

Mangabeira – Sempre o outro. Então,precisamos olhar para o mundo to-do. Mas não há nenhum país nem ri-co nem em desenvolvimento quepossamos tomar como modelo. Os

exemplos são fragmentários. Ne-nhum país do mundo atual represen-ta a onda do futuro em que possamossurfar. A nossa principal preocu-pação deve ser consolidar a nossa es-tratégia, informada pelas experiên-cias do mundo todo, mas nãoautorizada por ninguém. Na história,os obedientes são castigados. Os prê-mios vão para os rebeldes. A rebeldiaé condição necessária, mas não é su-ficiente. Porque ela só é eficaz quan-do iluminada pela imaginação.

Desafios – As viagens à Índia, Rússia e França

trataram de uma aliança que inclua transferência de

tecnologia?

Mangabeira – Eu não chamariaaliança, que tem um sentido técnico.Nós não temos alianças. É uma par-ceria estratégica com a transferênciade tecnologia. Fui primeiro à Índia edepois, com o ministro Nelson Jo-bim, da Defesa, à França e à Rússia.Com todos esses países, o importan-te é expressar a vontade política defortalecer no mundo um pluralismode poder e de justiça, e a partir dessecompromisso básico construir cola-borações em Defesa e colaboraçõesem matéria de desenvolvimento. Assegundas são pelo menos tão impor-tantes quanto as primeiras. É assimque estamos procedendo. Muita gen-te caracterizou essas viagens comoviagens de compras, mas não foram.Não compramos nem nos credencia-mos a comprar coisa alguma. Esta-mos tentando descobrir quais as co-laborações de Defesa e civis quefortaleçam a nossa capacidade deabrir novos caminhos, em Defesa etudo o mais. E agora eu direi, comfranqueza, o problema não é o mun-do, o problema é o Brasil. Para quemtem idéia clara e vontade forte, omundo está cheio de oportunidades.

Desafios – Isto fortalece uma visão Sul-Sul?

Mangabeira – Não é só. Sul-Sul éuma parte, mas não o todo. Nós nãodevemos fazer – estou dando a mi-nha opinião pessoal –, e não creioque estejamos fazendo, uma políticaapenas terceiromundista. Nós preci-samos nos entender não só com es-ses outros grandes países emergen-tes, mas também com a UniãoEuropéia e com os Estados Unidos.Mas a condição básica para tudo is-so é que nós nos levantemos, quenós tenhamos uma idéia a respeitodo nosso futuro nacional, que nóssaibamos o que queremos. Com is-so, tudo será possível. Sem isso, na-da será possível. d

O mundo está vergado sob

uma ditadura de falta de

alternativas. Qualquer

alternativa que surgisse e

que combinasse uma

demonstração prática com

uma mensagem

universalizante poderia ter

uma repercussão sensacional.

Nós temos condições para

sermos um terreno

de experimentação

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CRÉDITO

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O crédito no Brasil atinge níveis sem precedentes em termos

absolutos, impulsionando o crescimento da economia, e deverá

prosseguir nesse ritmo de crescimento porque ainda se encontra

aquém do seu potencial. Com isso, a evolução prevista para os

próximos anos deverá trazer volumes ainda maiores, acompanhados

da edição de normas que proporcionem mais transparência ao

mercado e taxas de juros mais acessíveis

P o r Y o l a n d a S t e i n , d o R i o d e J a n e i r o

A locomotivado mercadointerno

apelo é grande e está por toda parte:“empréstimos rápidos, livres de burocracia;transforme seus sonhos em realidade”.Adquirir um aparelho de DVD, uma TVde plasma, uma geladeira nova, um computador, ou mesmo um automóvel,com juros convidativos e prazos a perder de vista, é um atrativo difícil de

ignorar. E os brasileiros, hoje menos ameaçados pelo desemprego e estimulados por umpoder aquisitivo maior, foram às compras, aproveitando-se da forte e variada oferta decrédito, que se transformou na locomotiva da economia.

Agora, um fantasma começa a ameaçar esses bons resultados. A pergunta é se a crisenos Estados Unidos será capaz de frear a locomotiva, ou, na pior das hipóteses, fazê-ladescarrilar. As atenções e preocupações se voltam para a turbulência nos mercadosinternacionais, na expectativa do que pode acontecer daqui para frente. Se não há

O

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técnico, muito baixa no país, apesar de teratingido 34,7% no ano passado, o maiornível desde 1995, no auge do Plano Real,quando havia alcançado 35,1%. Por isso,ainda há espaço para um crescimentomuito maior. “Nesse quesito, ainda es-tamos atrás de alguns países emergentes eisso representa um entrave à competitivi-dade de nossas empresas frente a umaeconomia cada vez mais globalizada. Ocrédito no Brasil encontra-se aquém doseu potencial e a evolução prevista para ospróximos anos deve combinar, além demaior volume, normas que permitam ummercado mais transparente, com taxasmais acessíveis”, observa Diniz.

O economista Nelson Chalfun Homsy,professor do Instituto de Economia daUniversidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), diz que o mercado de crédito pri-vado (pessoas físicas e pessoas jurídicas) épequeno em ambas as pontas (oferta eprocura). Ele acrescenta que, “enquanto ataxa de juros do financiamento da dívidamobiliária federal se mantiver nos pata-mares historicamente observados, seráimpossível a existência de um mercado decrédito do tamanho desejado, ou compa-rável aos dos países ricos. O segmentomais viável de apresentar crescimento,principalmente em função do baixo riscoenvolvido, é o de financiamento de curtoprazo ao consumo, desconto de títulos e ocrédito consignado”.

motivo para pânico, o certo é que arealidade dificilmente continuará a mes-ma. Tanto que o governo e o sistemafinanceiro do país já começam a tomarsuas precauções.

O ex-presidente do Banco Central(BC) Gustavo Loyola, sócio da Tendên-cias Consultoria Integrada, avalia que acrise americana não afetará muito o Bra-sil, que tem crescido em função da dinâ-mica do mercado interno e apresentauma situação macroeconômica confortá-vel, de menor risco. “Dependendo dotamanho da crise, poderá haver uma re-dução na velocidade com que o créditocresce no país. Mas a trajetória não seráinterrompida”, diz.

EXPANSÃO No terceiro trimestre de 2007,o consumo das famílias apresentou o me-lhor resultado em dez anos, impulsio-nado, em grande parte, pela expansão dovolume de crédito, constata o presidenteda Federação do Comércio do Estado doRio de Janeiro (Fecomércio-RJ), OrlandoDiniz. Ele diz que os indicadores deemprego, renda, investimento e atividadedemonstram um crescimento econômicoancorado no mercado interno, aindalonge de seu ponto de saturação, o quetorna o Brasil menos vulnerável às incer-tezas do cenário internacional.

A relação entre crédito e ProdutoInterno Bruto (PIB) é considerada, a nível

Mesmo assim, os números não sãonada desprezíveis: o volume de crédito jábeira R$ 1 trilhão, a ser alcançado em2008, segundo estimativas de especialis-tas. No ano passado, a oferta total decrédito na economia alcançou R$ 932,8bilhões, segundo o BC, um avanço de27,3% em um ano.A estrela foi o crédito apessoas físicas, que chegou a R$ 316,8bilhões, com alta de 33%.

SALÁRIO E EMPREGO Confiança na eco-nomia, crescimento do emprego,melhoressalários, alongamento dos prazos de pa-gamento e taxas de juros decrescentes sãoexplicações recorrentes para a disparadado crédito. Os números confirmam. Oreajuste real do salário mínimo, remune-ração de cerca de um terço dos trabalha-dores, elevou a massa salarial em cerca de30% no triênio 2005/2007, diz Chalfun.

Ele cita a pesquisa mensal de empregodo Instituto Brasileiro de Geografia e Es-tatística (IBGE), divulgada em dezembrode 2007, na qual a massa salarial registracrescimento real próximo de 5%, man-tendo a média do período 2003/2006. Oaumento do número de postos de traba-lho com carteira assinada foi superior aodo número de empregos sem carteira, as-sim como subiu o percentual de profis-sionais que permanecem na mesma em-presa por mais de dois anos.

Esses fatores, aliados ao aumento con-tinuado do crédito oferecido diretamente

Elevação em todas as modalidadesVolume de operações de crédito do sistema f inanceiro (em R$ bilhões e %)

Fontes: Banco Central e Febraban

R$ bilhões %

Dez 2006 Dez 2007 Variação anual

Crédito total 732,6 932,3 27,3

Recursos livres 498,3 659,0 32,2

Pessoas físicas 238,0 316,8 33,1

Pessoas jurídicas 260,4 342,2 31,4

Recursos direcionados 234,3 273,3 16,7

No terceiro trimestre de 2007, o consumo das famíl ias apresentou o melhor resultado

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pelos varejistas com descontos e parcela-mentos, além da possibilidade de, em 2007, os correntistas endividados troca-rem o banco gestor de seus débi-tos em busca de taxas mais vantajosas em outras instituições, deram mais com-bustível à locomotiva. “Houve uma pul-verização dos canais de crédito, o queprovocou a redução do risco individualde cada emprestador”, explica o profes-sor da UFRJ.

COMÉRCIO O presidente da Fecomércio-RJ também considera que o desenvolvi-mento do mercado de crédito observadonos últimos anos tem sido fundamentalpara alimentar um círculo de aqueci-mento da demanda e ampliação dos in-vestimentos. “O crédito mais acessível,conjugado à evolução do emprego e aosganhos reais no rendimento do traba-lhador, incorporou parte da sociedadeque vivia à margem do mercado e incen-tivou as compras de produtos de maiorvalor agregado, especialmente computa-dores, imóveis e veículos”, afirma.

Com isso, segundo o IBGE, de janeiroa outubro de 2007, o comércio expandiu9,6%, puxado pelos setores de veículos eautopeças (23,8%), materiais de constru-ção (10,4%), móveis e eletrodomésticos(16%) e equipamentos de informática(27,1%). Estes itens são geralmente com-prados a prazo, o que ajuda a explicar ocrescimento do crédito ao consumo.

Dados do BC indicam que o créditopessoal e financiamentos para a aquisiçãode veículos respondem por 75,3% dacarteira total destinada às pessoas físicas.Os empréstimos para compra de veículoscresceram 26,8% em doze meses, totali-zando um saldo de R$ 79,5 bilhões emnovembro de 2007.

O crédito imobiliário atingiu R$ 18,3bilhões no ano passado, 96% acima de2006 (R$ 9,3 bilhões), com aumento de72% no número de unidades financiadas(195.981), segundo dados da AssociaçãoBrasileira das Entidades de Crédito Imo-biliário e Poupança (Abecip).

HABITAÇÃO Mas, enquanto o crédito aoconsumo situa-se no padrão de outrospaíses emergentes, o imobiliário ainda étido como o “patinho feio” do crédito nopaís. “Quando se compara o crédito noBrasil com a situação em outros países,não se verifica um aumento significativo,especialmente por conta do crédito imo-biliário, ainda muito incipiente, apesar deos juros situarem-se abaixo de 2% ao mês”, pondera Armando Castelar,pesquisador do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea). Chile e Mé-xico são exemplos, com 13% e 9% departicipação no PIB, respectivamente.Nos Estados Unidos, essa relação é de65%, enquanto no Brasil gira em torno de2% a 3%.

Agosto 2001 Dezembro 2003 Agosto 2006 Agosto 2007 Dezembro 2007

Mais acelerado do que a economia em geralEvolução da relação crédito/PIB (em %)

Fontes: Banco Central e Febraban

27,3

24,0

29,8

34,3 34,7

Segundo ele, a grande fronteira para aexpansão do crédito situa-se no setorimobiliário, embora este envolva umcomprometimento maior da renda fami-liar. Nos últimos anos, o foco tem se diri-gido para as famílias das classes A e B, querepresentam uma parcela pequena dodéficit habitacional. Um avanço nessamodalidade de crédito, explica Castelar,esbarra no fato de o déficit corresponderprincipalmente às famílias de mais baixarenda, as que ganham menos de cincosalários mínimos, nas quais praticamentenão há garantia imobiliária.

“Não há convicção, no Brasil, de que aJustiça vá executar uma garantia e reto-mar a moradia de uma família de baixarenda, apesar do maior uso, hoje em dia,do mecanismo de alienação fiduciária nofinanciamento de imóveis, nos moldes dopraticado com veículos. Experiênciascomo as realizadas no México e no Chilemostram que para esse segmento dapopulação é preciso haver algum tipo desubsídio por parte do governo. Os doispaíses servem de paradigma, pois conse-guiram fazer uma grande revolução naárea habitacional por meio de políticasvoltadas para a habitação de caráter so-cial”, aponta o pesquisador.

REPERCUSSÕES Com relação à crise nosEUA, o economista Paulo Rabello deCastro, presidente da RC Consultores e

em dez anos, impu ls ionado, em grande par te, pe la expansão do vo lume de créd i to

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Com estabi l idade da economia, reformas microeconômicas e mudanças na leg is lação,

chairman da SR Rating, considera tênuesos vínculos do crédito pessoal no Brasilem relação às fontes internacionais, o quecaracteriza um baixo nível de repercussãoda turbulência externa.

“Os vínculos ocorrem pelo custo do fi-nanciamento das empresas que dependemde fontes nacionais ou internacionais. Eestas estarão com as portas meio fechadasdurante alguns meses, com repercussõesno crédito direto ao consumidor. Mas aeconomia brasileira em termos de deman-da é relativamente pouco exposta a umaperturbação mais direta dos mercadosinternacionais e só haverá desaquecimentose o BC, por antecipação, elevar a taxa dejuros”, avalia Rabello de Castro.

Ele diz que indiretamente isso já ocor-re, uma vez que a decisão de não mexernos juros significa uma pequena elevaçãoem termos reais, mas não o suficiente pa-

Não somente a confiança nos bons funda-mentos da economia explica a disparada docrédito a pessoas físicas no país. Outros fato-res são apontados, como as garantias criadasnos últimos anos na forma de crédito consig-nado e mudanças no crédito imobiliário, com aaplicação da Lei Fiduciária de Imóveis, quedeu ao setor maior segurança jurídica.

A regulamentação em 2004 dos empréstimosconsignados, com prestação descontada direta-mente do salário do empregado ou dos benefí-cios dos aposentados e pensionistas da Previ-dência Social, é um marco. Em três anos,somaram cerca de R$ 30 bilhões, num total de23,6 milhões de operações e 8,9 milhões depessoas beneficiadas. Como um beneficiário po-de obter diversos empréstimos, respeitando-seos limites determinados, o número de operaçõesé significativamente maior do que a quantidadede pessoas que recorreram ao consignado.

Segundo relatório da Federação Brasileirade Bancos (Febraban) de dezembro de 2007, osempréstimos consignados cresceram 27% emdoze meses e já representam 57% do volume decrédito a pessoas físicas.“O ritmo de expansãodas operações de empréstimos para pessoa físi-ca é compatível com a conjuntura atual da eco-nomia brasileira, que mostra aumento da rendareal, queda das taxas de desemprego e maiorconfiança do consumidor”, constata a entidade.

“O crédito consignado,com 80% destinadosa funcionários públicos e aposentados, me-lhorou a qualidade da garantia, reduzindo os ris-cos e, conseqüentemente, os custos. Este é o es-pírito das mudanças”, afirma Armando Castelar.

Como os empréstimos consignados têmrisco quase nulo, são altamente interessantespara bancos e financeiras. E também para oconsumidor, que paga juros mais baixos do queem outras modalidades. Daí a ser compelido a

comprar é apenas um passo. Mas no fim domês a realidade é dura, pois os rendimentosencolhem. Como administrar o orçamentofamiliar numa época de inflação em alta?

Boa parcela da população que recorre afinanciamentos em bancos, financeiras ou naprópria loja resolve o problema fazendo um novoempréstimo, criando uma bola-de-neve. Paga-mento de dívidas é o motivo pelo qual nada me-nos que 56% das pessoas tomam empréstimos,segundo a pesquisa Pulso Brasil, elaborada pelaempresa Ipsos por encomenda do Centro das In-dústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e da Fe-deração das Indústrias do Estado de São Paulo(Fiesp), no final do ano passado.

Há ainda os que simplesmente não pagam,embora no ano passado o número de maus pa-gadores tenha sido um pouco menor, segundoo BC. Relatório da Febraban mostra que o nívelde inadimplência recuou em doze meses, ao

Ginástica para administrar o orçamento

ra caracterizar um quadro de desacele-ração na economia brasileira. “O Brasilnão vai engasgar com o crédito. Mas per-deu o passeio. Entrou muito tarde nessafesta que agora se transformou em pan-cadaria. Não teve tempo de bater nem deapanhar”, ironiza o economista.

Ao contrário dos que comemoram ocrescimento, ele não vê aumento suficien-te do crédito, que ainda está muito atrásde outros países. E é incisivo em suaavaliação: “Devido aos maus fundamen-tos da economia brasileira, nunca conse-guimos tomar um porre de crédito. Nempoderíamos, porque as taxas de juros sãoexorbitantes, inclusive dos empréstimosconsignados. O cidadão brasileiro é umavítima. O pouco que ele pega empresta-do significa muito, e muitas vezes nãoconsegue administrar o orçamento do-méstico. Aqui não vai acontecer nada,

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o créd i to tornou-se ma is seguro, poss ib i l i tando a redução dos spreads bancár ios

passar de 7,7% em novembro de 2006 para7,1% no mesmo mês de 2007.

“É prática comum trocar uma dívida con-traída a uma taxa de juros mais alta e prazo maislongo por outra com juros menores e prazomenor.Dessa forma,o novo empréstimo pode serpago sem alterar o valor da prestação. Nesteesquema, o devedor que tem acesso ao créditoconsignado assume em seu nome dívidas deparentes que possuem financiamento de umautomóvel pelo Crédito Direto ao Consumidor(CDC). Às vezes o filho ou o neto não cumpremcom o compromisso e a vantagem do créditoconsignado se transforma em problema”, expli-ca o professor Nelson Chalfun Homsy, do Insti-tuto de Economia da Universidade Federal doRio de Janeiro (UFRJ).

Tal situação gera a necessidade de se endi-vidar mais. Mas, segundo o professor,“como osbancos têm acesso ao cadastro do cliente – Se-

rasa e Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) –,a taxa de juros e o prazo são fixados de acordocom o risco. Ao final, muitos dos aposentadostêm o seu crédito cancelado e passam a depen-der de agiotas. A taxa de juros desses emprés-timos é relativamente alta se considerarmos orisco envolvido na operação”.

Em dezembro passado, 28% dos brasileirosnão teriam recursos para pagar suas despesasno fim do mês, sendo a maior parte (38%) dasclasses D e E, enquanto para 16% sobraria di-nheiro. Para 55%, o orçamento seria a contapara cumprir seus compromissos, revela levan-tamento da Federação do Comércio do Estadodo Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ), em parce-ria com a empresa de pesquisas Ipsos.

O presidente da Fecomércio-RJ, Orlando Di-niz, diz acreditar que hoje o consumidor estámais maduro e consciente. Orlando Diniz baseiaseu argumento em outra pesquisa, realizada em

julho de 2007, também com a Ipsos: 80% dosbrasileiros procuram saber os preços à vista an-tes de contratar um financiamento e 67% pes-quisam as diferentes taxas de juros.

Chalfun tem uma visão diferente:“Do univer-so restrito de pessoas familiarizadas com cálcu-los financeiros, apenas uma reduzida parcela sepreocupa em saber qual a taxa de juros embu-tida em uma venda a prazo.A grande maioria daspessoas se preocupa com o seu fluxo de caixa.Quer saber se a nova prestação se encaixa norol de despesas fixas somadas aos compromis-sos anteriormente assumidos com o financia-mento de outros bens e serviços”.

Na realidade, afirma ele, trata-se de “umaverdadeira ginástica financeira que permite aosexcluídos se tornarem cidadãos, já que passama desfrutar os mesmos itens de consumo dosmais ricos, muito embora não possuam seguro-saúde, nem uma reserva para emergências”.

porque aqui ainda não aconteceu”,radicaliza.

Já Gustavo Loyola afirma que graças àestabilidade da economia e às reformasmicroeconômicas, com algumas mudan-ças na legislação, o crédito tornou-se maisseguro, possibilitando a redução dosspreads bancários. Este é o caso doempréstimo consignado, mais barato emais seguro para os bancos, o que ex-plica, segundo ele, a grande expansão docrédito no país, que já está no nível dosemergentes. E só não é maior por causado crédito imobiliário.

“O crédito imobiliário no Brasil estácrescendo, só que vem de uma base muitobaixa. E é importante que cresça comsegurança”, opina. “O Brasil não passaráincólume pela crise, provavelmente irácrescer menos. Isso vai depender se as ta-xas de juros se mantiverem baixas ou se

houver algum motivo para alta”, comple-ta o ex-presidente do BC.

VÔO DE GALINHA Nelson Chalfun afirmaque não se deve continuar apostando namanutenção das atuais taxas de cresci-mento apenas baseando-se em aspectosrelacionados ao ambiente externo. Se-gundo ele, a crise internacional tende aafetar o setor de crédito voltado para ofinanciamento de mais longo prazo, ope-rações estruturadas envolvendo consór-cios formados por grandes bancos que seexpuseram em operações muito arrisca-das no período de excessiva liquidezobservado a partir de 2000.

“Já no crédito ao consumidor, a estru-tura montada se mostra pulverizada ecom expertise para lidar com volumegrande de operações de pequeno valor,caracteristicamente de custo operacional

mais elevado. Portanto, é de esperar que opadrão de consumo das classes D e E semantenha firme”, prevê.

Chalfun considera temerário dizer queo momento de bonança ora vivenciado sesustentará nos próximos anos. “Hátermos comumente usados por eco-nomistas para definir os soluços do cres-cimento brasileiro (vôo de galinha, vôode pipa, etc.), que só serão substituídospor outros menos pejorativos se foremtomadas medidas voltadas para o fortale-cimento institucional do Estado (refor-mas política, federativa, tributária, etc.) econtinuadas aquelas para a redução davulnerabilidade externa”, analisa o pro-fessor da UFRJ.

MENOR CONFIANÇA Castelar acredita que,no caso de a crise externa ser muito forte,haverá repercussões no país, embora hoje

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recursos dos bancos, uma vez que para osdepósitos à vista e a prazo já há recolhi-mento obrigatório. Em janeiro de 2009,quando chegar ao limite de 25%, deverãoser retirados do mercado cerca de R$ 40bilhões, reduzindo a quantidade de di-nheiro disponível para empréstimos nosistema financeiro.

Os depósitos de empresas de leasingtiveram grande avanço, registrando R$160 bilhões em novembro do ano passa-do, pois os bancos se valem dessas opera-ções para escapar dos recolhimentoscompulsórios sobre os demais depósitos.Esse tipo de crédito é muito usado naaquisição de veículos e, em parte, paracompra de bens de capital.

juros. Isso porque, segundo afirma, hámenos espaço para diminuição do spread,principalmente nas linhas para as pessoasfísicas (em 2007, a redução foi de 4,8pontos), em função da subida do Impos-to sobre Operações Financeiras (IOF).E também porque os bancos enfrentamaumento nos custos de captação, emdecorrência da turbulência dos mercadosinternacionais.

Numa medida destinada a desaceleraro crédito, no último dia de janeiro o BCanunciou um recolhimento compulsórioprogressivo de até 25% sobre depósitosbancários de empresas de leasing, a partirde maio. Segundo a nota oficial, o objetivoé dar tratamento igualitário à captação de

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d

O perigo de descontrole dos gastos já preocupa o governo e levouaté o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a advertiraposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social(INSS), durante a comemoração dos 85 anos da Previdência Social, emjaneiro último, para não gastarem muito com o cartão de créditovinculado ao benefício, fazendo uma referência à crise americana.

Isso porque, a partir de 8 de janeiro, o uso do cartão ficou maisconvidativo. O governo alterou as regras para empréstimoscompulsórios e reduziu de 30% para 20% do benefício mensal ocomprometimento das parcelas a serem pagas. Segundo o Ministérioda Previdência Social, além de atender a uma reivindicação dasentidades de classe, a medida foi tomada para evitar o endividamentoexcessivo. Também alongou de três para cinco anos o prazo depagamento, a juros máximos de 2,64% ao mês (36,66% ao ano).

Em contrapartida, tornou mais fácil as compras com cartão decrédito, condicionando as parcelas a serem pagas a 10% do valor dobenefício mensal. O limite do cartão é de até três vezes o rendimentodo aposentado ou pensionista. Nesse caso, os juros foram fixados em,no máximo, 3,70% ao mês (54,65% ao ano), acima do empréstimoconsignado tradicional, mas bem abaixo dos juros de mercado docartão, que giram em torno de 10%. Não pode ser cobrada anuidade,apenas uma taxa de R$ 15,00 para emissão do cartão de crédito.

O objetivo foi também atrair o interesse das instituições financeirasa essa modalidade de empréstimo. Até agora, das 53 que firmaramconvênio com o INSS para oferecer crédito consignado a aposentados epensionistas,40 pediram credenciamento para operar com o cartão,mas

apenas seis se habilitaram. O Banco do Brasilcomeçou a operar no setor em 30 de janeiropassado e oferece juros de 2,9% ao mêsno cartão consignado, sem cobrar pelaemissão. A expectativa é emitir 350 milcartões este ano.

Mas as entidades de classe e cen-trais sindicais observam que os juros docrédito consignado ainda estão muito elevados. Opresidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores Aposentados e Pen-sionistas, Epitácio Luiz Epaminondas, considera um avanço as novas fa-cilidades para o cartão, mas questiona os juros elevados e o volume decrédito permitido, de três vezes o rendimento da pessoa. “Isso podecausar problemas e induzir o aposentado a se endividar mais do quepode pagar”, adverte.

“Além de os juros serem elevados para quem ganha um saláriomínimo (70% dos aposentados), as pessoas correm o risco de ter quepagar os juros de mercado cobrados pelas administradoras de car-tões, no caso de atraso no pagamento das prestações das comprasparceladas”, explica Epaminondas.

Ele vê a necessidade de alguns ajustes e diz que as regras estão sen-do discutidas com o governo. Em reunião, no final de janeiro, com o presi-dente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Previdência Social,Luiz Ma-rinho (pouco depois da advertência sobre uso do cartão de crédito feitapor Lula aos aposentados e pensionistas), o presidente do sindicato dis-cutiu a questão do empréstimo compulsório e reivindicou queda nas taxas.

Preocupação com o descontrole

em dia tudo seja muito mais sólido do queem crises anteriores.“Os bancos têm maispoder de avaliação de risco, acesso à infor-mação.Mas já estão segurando,reduzindoo número de prestações nas vendas de veí-culos, à espera de uma definição do qua-dro de crise. Se houver uma reversão, ainadimplência sobe, o crédito fica maiscaro e sua expansão dificilmente se situarános níveis atuais”, completa.

O BC admite que a expansão do cré-dito será menor neste ano, situando-seentre 20% e 25%, abaixo dos 27,3% re-gistrados em 2007. O chefe do Departa-mento Econômico do BC,Altamir Lopes,atribuiu a provável desaceleração à in-terrupção na trajetória de queda dos

Bancos já estão reduzindo o número de prestações, à espera de o quadro se def inir

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L u i z F e r n a n d o d e P a u l aARTIGO

desempenho recente do setor bancáriobrasileiro tem sido marcado por umamudança importante no mercado: osbancos até recentemente compunham seu

balanço com uma participação importante de tí-tulos públicos indexados, que proporcionava aomesmo tempo liquidez e rentabilidade, resultan-do,em contrapartida,em baixo volume de créditoofertado – 22% do Produto Interno Bruto (PIB)em maio de 2003.A partir de 2004 observa-se umgradual crescimento do crédito bancário, favo-recido pelo contexto de estabilidade e maior cres-cimento econômico, pela implementação de algumas inovações regulatórias (crédito con-signado em folha) e pela diminuição na impor-tância relativa dos títulos indexados à Selic, atin-gindo o total de crédito 33% em agosto de 2007.

Essas mudanças foram realizadas em um con-texto de acelerada consolidação bancária no país,que resultou no enxugamento de bancos privadosvarejistas de médio porte e na constituição de gi-gantes do varejo, acompanhada de uma forte di-versificação dos negócios bancários e de um cres-cimento do mercado de capitais, o que temestimulado o desenvolvimento do segmento debancos de investimento. Adiciona-se que o pró-prio boom recente do crédito tem permitido odesenvolvimento no segmento de bancos de ni-chos especializados em crédito (como consigna-do) de pequeno a médio porte.

Poder-se-ia esperar uma queda nos lucros dosbancos por conta da queda das taxas de juros e dadiminuição relativa dos títulos públicos indexa-dos à taxa Selic. Contudo, o fato não tem sido ob-servado, em função do aumento no volume decrédito bancário acompanhado de spreads decli-nantes, mas ainda bastante elevados. A expansãorecente do crédito tem sido puxada principal-mente pelas operações de crédito com recursos livres e pelas modalidades para pessoa física, des-tacando-se as operações de crédito pessoal (in-clusive consignado) e de aquisição de veículos –operações normalmente ancoradas em garantiade folha de pagamento ou o próprio veículo.

As modalidades de crédito via cheque especiale conta garantida, embora tenham uma partici-pação relativa menor na carteira de empréstimosdos bancos, são extremamente lucrativas em

função das elevadíssimas taxas de empréstimos –140% ao ano no caso do cheque especial e maisde 60% ao ano no caso da conta garantida – ecom um turnover rápido em função da maturi-dade curta dessas operações.

Neste contexto de mudanças no setor, procu-ramos em nossa pesquisa avaliar sua eficiência noperíodo 2000/2006, utilizando a técnica AnáliseEnvoltória de Dados (DEA). Utilizamos aindadois modelos para analisar a eficiência técnica e de escala dos bancos – um de intermediação fi-nanceira e um de resultados –,e dividimos o setorbancário em cinco segmentos: grandes bancosvarejistas, varejistas para alta renda, regionais, ata-cadistas e bancos especializados em crédito.

Os resultados obtidos na pesquisa empíricamostram, em primeiro lugar, que a evolução daeficiência técnica no modelo de intermediação ede resultados foi relativamente estável, não tendohavido melhorias acentuadas na eficiência do se-tor bancário no período, mas tampouco houveperdas. Observa-se em particular uma melhoreficiência técnica nos anos recentes, coincidindocom o boom do crédito. Em segundo lugar, dentreos segmentos analisados, o que teve a melhor efi-ciência foi o dos grandes bancos varejistas, comdestaque para o Itaú e o Bradesco,e o pior desem-penho foi o dos varejistas regionais (e também doHSBC, um banco universal varejista de porte mé-dio), o que parece evidenciar que o tamanho évariável importante para a eficiência de varejistas.

Os resultados na escala também não mostramgrandes diferenças entre os segmentos avaliados,em particular no modelo de resultados. E suge-rem que a opção de ser grande no mercado vare-jista parece ser vantajosa para um banco, emfunção principalmente do maior potencial de ge-ração de receitas e lucros decorrentes da amplia-ção no volume de serviços ofertados e do au-mento do potencial de vendas cruzadas para umbanco que oferece um mix amplo de produtos eserviços bancários.

Eficiência bancária e mais crédito

A opção de ser

grande no mercado

varejista parece ser

vantajosa para um

banco, em função

principalmente do

maior potencial de

geração de receitas

e lucros decorrentes

da ampliação no

volume de serviços

ofertados e do

aumento do potencial

de vendas cruzadas

para um banco que

oferece um mix amplo

de produtos e serviços

O

Luiz Fernando de Paula é professor da Faculdade de Economia da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE/UERJ)

Este artigo resume a monograf ia “Ef iciência Bancária e Expansão do Crédito no

Brasil”, escrita em co-autoria com João Adelino de Faria

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SEGURANÇASEGURANCA

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Programa do governo federal

para atacar a falta de

segurança nas grandes

áreas metropolitanas

integra de forma inédita

ações de combate ao

crime com políticas sociais

e gera grande expectativa

Em buscada paz

arço marca o oitavo mês do lançamento de “uma gigantesca ofensiva doEstado”, nas palavras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para reduzir acriminalidade no Brasil. Nunca antes na história do país, como o presidentecostuma dizer, um pacote de medidas para combater o crime – em suas

versões organizadas ou não – incorporou tantos ingredientes inéditos. Desta vez, ogoverno federal articulou políticas de segurança pública com ações sociais para eli-minar as causas do problema – em vez de tratar apenas das conseqüências.A iniciativafoi aplaudida por diversos setores da sociedade, embora tenha sido recebida com res-salvas pela oposição política – o PSDB entrou na Justiça para barrar algumas das me-didas mais inovadoras, o que ameaça o prosseguimento de várias ações e põe a per-gunta no ar: será que desta vez vai?

O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) foi de-senvolvido pelo Ministério da Justiça (MJ) e prevê a realização de cerca de 100 ações,muitas delas não associadas diretamente ao combate ao crime. De início, o programaserá implantado nas 12 regiões metropolitanas brasileiras mais violentas, segundodados dos ministérios da Justiça e da Saúde. São elas: Belém, Belo Horizonte, Brasília(incluindo municípios do entorno), Curitiba, Fortaleza, Maceió, Porto Alegre, Recife,Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Vitória. O programa, segundo o MJ, prioriza aprevenção e procura atingir as causas que levam à violência, sem deixar de ladoestratégias de ordenamento social e repressão.

Ao lado do ministro da Justiça, Tarso Genro, Lula disse que o governo vai investirno programa R$ 6,7 bilhões até o fim de 2012. Os recursos vão para quatro pilarescentrais: formação e valorização dos profissionais de segurança pública, rees-truturação do sistema penitenciário, combate à corrupção policial e o envolvimentoda comunidade na prevenção da violência.As ações, como anunciou o presidente, nãose limitam à segurança: há projetos ligados à cultura, habitação e educação. Não é à toa

M

P o r M a n o e l S c h l i n d w e i n , d e S ã o P a u l o

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mobilizando tantas instâncias, o progra-ma possa “aprender com ele mesmo, ven-do os erros cometidos e os pontos quepodem ser aperfeiçoados”.

JUVENTUDE Um dos primeiros passos pa-ra dar vazão ao caráter inovador do Pro-nasci quanto à participação da comunida-de é a instalação dos Gabinetes de GestãoIntegrada Municipais (GGIM) nos terri-tórios definidos pelos criadores do pro-grama. Os gabinetes, segundo o governo,articularão junto aos órgãos competentesações integradas de combate à violência edarão condições para o trabalho de equi-pes multidisciplinares do Pronasci, queserão compostas de assistentes sociais,psicólogos, educadores e pedagogos. Édos gabinetes a responsabilidade por fazervaler, por exemplo, o projeto Mulheres daPaz, antigo Mães da Paz, que oferecerábolsa-auxílio para as mulheres que quei-ram participar do programa. Elas vão re-ceber aulas de temas como ética, direitoshumanos e cidadania e terão a responsa-bilidade de aproximar os jovens com osquais o Pronasci vai trabalhar.

É aqui onde o ciclo começa a se fechar.Rapazes e moças do Projeto de Jovens emTerritório Vulnerável (Protejo) vão agircomo multiplicadores do conhecimentotransmitido a eles pelo Projeto Mulheresda Paz (que antes se chamava Mães daPaz) e por outras equipes multidiscipli-nares do programa. O objetivo, sustentao governo, é atingir jovens, além das fa-mílias, e contribuir para o resgate da ci-dadania nas comunidades. “O Pronascinão é um sobe-morro-desce-morro. Eletem o objetivo de entrar e permanecer. Oque muda? Junto com o PAC, vamosmudar aquela ambiência urbana, ela terásaneamento, habitação popular, vias, ilu-minação, praças, uma nova conformaçãofísica. É uma nova cultura cidadã”, afir-ma o secretário-executivo do Pronascino Ministério da Justiça, Ronaldo Teixei-ra. Cabe uma nota: o projeto Mães da Pazé de autoria da Central Única das Favelas(Cufa), um dos 84 movimentos sociais

que, desde que foi lançado, no dia 20 deagosto do ano passado, o programaganhou o apelido de PAC da Segurança,numa alusão a outra iniciativa dogoverno federal, o Programa de Acele-ração do Crescimento (PAC).

Tamanha disposição do governo re-quer enorme esforço para aglutinar asações: o Ministério da Justiça conta como apoio de 13 ministérios “parceiros” pa-ra dar vazão aos trabalhos e até o mo-mento registra a adesão de 76 prefeiturasespalhadas por todo o país. A dúvida decomo combinar as iniciativas ganha fôle-go na voz do pesquisador do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Hel-der Ferreira, especialista em segurançapública.“A questão da gestão é muito im-portante porque, como o programa sepropõe a envolver União, estados e muni-cípios e tem o foco em comunidade, vaiter de coordenar ações de diferentes mi-nistérios e ações nos estados, envolvendonão só as polícias, mas também secre-tarias estaduais, organismos municipais epessoas da própria comunidade”, argu-menta. Ferreira diz esperar que, mesmo

C o n h e c i d o c omo PAC d a S e g u r a n ç a , o P r o n a s c i c omp r e e n d e 9 4 a ç õ e s n a s 1 1 r e g i õ e s

26 Desafios • fevereiro de 2008

ouvidos pelo governo quando da elabo-ração do Pronasci.

A solução é mais uma iniciativa paracombater o avanço da taxa de homicídiosentre jovens no país. A pesquisa Mapa daViolência dos Municípios Brasileiros 2008,de iniciativa da Rede de InformaçãoTecnológica Latino-Americana (Ritla),revelou que o índice de homicídios entrejovens aumentou 31,3% entre 1996 e 2006.O Ministério da Justiça se vale de númerossemelhantes para justificar a atençãoespecial aos jovens. “No Rio de Janeiro, ataxa de homicídios é de 51 para cada 100mil habitantes.Se fizermos um recorte pelajuventude, teremos o dobro: 116 por 100mil.Em Recife,a taxa é de 78 e vai para 156por 100 mil entre os jovens. Temos hoje nosistema prisional cerca de 420 mil pessoas,sendo que dessas, 65% são jovens entre 18e 24 anos. Desses 65%, 70% reincidem,passando pelo sistema e saem, lamentavel-mente,mais bem preparados para o crime.Por isso a juventude é o foco do Pronasci”,ressalta Teixeira.

SUPERLOTAÇÃO Problemas já muito co-nhecidos dos brasileiros, como a super-lotação dos presídios, foram encaradosde outra forma pelos técnicos da Justiçaque conceberam o programa. O governoanunciou a construção de 190 novas uni-dades prisionais em todo o território na-cional, sendo que 160 seriam exclusiva-mente destinadas aos jovens e mais trêspara as mulheres (segundo dados do Sis-tema Integrado de Informações Peniten-ciárias, do Ministério da Justiça, o paísadministra uma população carcerária dequase 420 mil pessoas, sendo que a capa-cidade máxima seria de 236.148 vagas).A idéia do governo é criar cerca de 38 milvagas no sistema penitenciário para aten-der a rapazes entre 18 e 24 anos. O obje-tivo é separar os presos por faixa etária enatureza do delito, impedindo que jovensque cometeram pequenas infrações secontaminem pela influência dos líderesdo crime organizado. O governo anun-ciou ainda que a reestruturação do sis-

As maiores no ranking da violênciaCidades com maior número absoluto de homicídios (2006)

Fonte: Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008

Cidade Número de Taxa de

homicídios homicídios*

São Paulo 2.546 23,7

Rio de Janeiro 2.273 37,7

Recife 1.375 90,9

Salvador 1.176 41,8

Belo Horizonte 1.168 49,2

Maceió 899 104,0

Curitiba 874 49,3

Fortaleza 847 35,4

Brasília 769 32,1

Duque de Caxias 686 82,6

*Homicídios por 100 mil habitantes

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As proporcionalmente mais violentasCidades com maior número relativo de homicídios (média 2004 a 2006)

Fonte: Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008

107,2 106,4 105,7

102,4

98,7

96,294,7

91,3 90,5 90,1

Hom

icíd

ios

(por

100

mil

habi

tant

es)

MSCoronelSapucaia

MTColniza

MTItanhangá

ESSerra

PRFoz doIguaçu

PATailândia

PRGuaíra

MTJuruena

PERecife

PRTunas doParaná

Desaf ios • fevereiro de 2008 27

m e t r o p o l i t a n a s m a i s v i o l e n t a s e b u s c a a t i n g i r a s c a u s a s q u e l e v a m à v i o l ê n c i a

tema carcerário envolverá a qualificaçãode agentes penitenciários e a formaçãoprofissional de presos.

Não custa lembrar que a construção depresídios para a correta acomodação dosinfratores é uma medida de dignidadehumana – para citar apenas uma atroci-dade, a título de refresco da memória:desde o final de janeiro deste ano, 350presos de Salvador, na Bahia, foram trans-feridos de celas nas delegacias para seremenjaulados em contêineres. Algo intolerá-vel. Mas, resolvido o problema da superlo-tação, parte-se para outro ponto crucialno sistema penal brasileiro: a reintegraçãodos presos na sociedade. Em São Paulo,estado que contabilizou a soltura de 6,7mil presos no ano passado, o equivalente auma liberação a cada sete minutos, areintegração tem trazido dados alarman-tes. No último censo paulista, de 2002, ataxa de reincidência foi de 58%. No país,porém, o quadro é ainda pior: 70% dosex-presidiários voltam a cometer crimes.

O quadro de terror no sistema de justi-ça criminal no país é fruto de uma granderesistência à mudança e à introdução depolíticas inovadoras, observa o coor-denador do Núcleo de Estudos da Vio-lência (NEV) da Universidade de SãoPaulo (USP), Sérgio Adorno. “O sistemacontinua a operar como o fazia há quasemeio século”, afirma, fazendo referênciaàs medidas coercitivas adotadas na déca-da de 1950. Como conseqüência, apontaAdorno, o que se vê é uma superpopula-ção carcerária cada vez mais crescente, aexpansão do crime organizado dentro dospresídios, o crescimento de presos en-volvidos com facções como o PrimeiroComando da Capital (PCC), a sucessãode rebeliões e motins. Com o Pronasci,espera Adorno, o governo dá sinais de queestá trabalhando para pôr fim a este ciclo.

POLÍTICA Apesar da urgência, não tem sido fácil para o presidente Lula tirar oprojeto do papel. O Pronasci tomou asasatravés da assinatura da Medida Provisó-ria (MP) nº 384, que, para ser aprovada,

acabou perdendo algumas das mais alar-deadas ações sociais quando do lança-mento do pacote, como as bolsas-auxí-lio, com valores que variam de R$ 100 a R$ 400. Ficavam de fora a Bolsa For-mação, Reservista Cidadão, Mulheres da Paz, Proteção de Jovens em Territó-rio Vulnerável e a Comunicação Cida-dã Preventiva. O motivo? A Câmara dosDeputados era resistente à concessão dasbolsas com base no argumento de que o

critério de escolha dos beneficiados se-ria meramente político. Por um acordocom líderes entre a base aliada e a opo-sição, e sem as bolsas, o texto foi apro-vado no dia 23 de outubro do anopassado – dois meses depois de seu lan-çamento, em Brasília.

O governo não desistiu, e as bolsas-auxílio acabaram saindo por outra MP, ade nº 416, assinada no final de janeirodeste ano. A oposição reagiu imediata-

Curva volta a ser descedenteTotal de homicídios no Brasil (em unidades)

Fonte: Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008

46.660

Hom

icíd

ios

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

47.578

48.374

46.082

47.899

49.640

50.980

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28 Desafios • fevereiro de 2008

Q u a d r o d e t e r r o r n o s i s t e m a d e j u s t i ç a c r i m i n a l n o p a í s é f r u t o d e u m a g r a n d e

trapartida de freqüentar cursos de forma-ção”.Apesar da aparente sensatez dos argu-mentos do ministro, o imbróglio continuaa movimentar a Justiça e o noticiário.

As bolsas são a peça-chave de progra-mas como o Reservista Cidadão, voltado àcapacitação de jovens recém-licenciadosdo serviço militar obrigatório. Ela prevê oauxílio mensal de R$ 100 por um ano paraos jovens atuarem como agentes comuni-tários nos territórios abrangidos peloPronasci. O Programa Bolsa Formação édestinado à valorização profissional depoliciais militares, civis, bombeiros, agen-tes penitenciários e peritos com rendainferior a R$ 1,4 mil. A previsão do Mi-nistério da Justiça é de conceder quantiasde R$ 100 a R$ 400, dependendo daremuneração e da categoria profissionaldos postulantes. Por fim, o projetoComunicação Cidadã Preventiva é desti-nado à promoção de ações educativas e decidadania através dos serviços deradiodifusão comunitária.

CRÍTICAS Mas não só no campo da polí-tica as críticas ecoaram. A pesquisadoraNancy Cárdia, do NEV/USP, diz temerque as bolsas-auxílio sejam usadas pelogoverno apenas como forma de transfe-rência de renda. Para ela, o ideal seria queos recursos fossem aplicados de outra for-ma. Outra crítica feita ao programa parteda pesquisadora Julita Lemgruber, daUniversidade Cândido Mendes, do Rio deJaneiro. Segundo ela, o programa nãocriou medidas para limitar as ações da po-lícia. “No ano passado, 1.063 pessoasforam mortas na cidade do Rio de Janeiro,uma média de três por dia. Em 1999,foram apenas 289. É preciso combater ocrime respeitando a legalidade. Quais sãoas ações do Pronasci para controlar oabuso policial? Praticamente nenhuma”,enfatiza Julita. A questão ganha coro noBoletim de Políticas Sociais número 15,publicado pelo Ipea. Ao citar uma açãopolicial realizada no Complexo doAlemão, no Rio de Janeiro, em junho doano passado, o texto afirma que “as

mente: o PSDB entrou com uma AçãoDireta de Inconstitucionalidade (Adin)no Supremo Tribunal Federal (STF), ale-gando que as bolsas-auxílio poderiam serusadas como moeda eleitoral nas próxi-mas eleições municipais, marcadas paraoutubro deste ano – mas não criticou asiniciativas do programa.A legislação vetaaos governos a distribuição gratuita debens ou valores em ano eleitoral.

Questionado se as bolsas violariam o

princípio, o ministro da Justiça, Tarso Gen-ro, disse que “o que a norma proíbe é orepasse gratuito de recursos, como, porexemplo, material para construção, doaçãode terrenos,recursos filantrópicos passadosde maneira gratuita sem qualquer con-trapartida”. Genro disse que os recursos doPronasci “são destinados a uma contra-partida, a pessoas que desenvolvem açõescomunitárias sob o controle da autoridadelocal ou da autoridade estadual ou à con-

Pronasci em números

Fonte: Ministério da Justiça

Investimentos

R$ 483 milhões do orçamento do Ministério da Justiça/2007

R$ 806 milhões/ano, de 2008 a 2011, do governo federal

R$ 600 milhões/ano para Bolsa Formação, de 2008 a 2012

Total: R$ 6,71 bilhões

Metas

Benef iciar, direta ou indiretamente, 3,5 milhões de pessoas entre prof issionais de segurança pública,

jovens e suas famílias.

Buscar a redução do número de homicídios, dos atuais 29 por 100 mil habitantes,

para 12 por 100 mil habitantes nos próximos quatro anos.

Ações Policiais

Bolsa Formação: 225 mil policiais civis, militares, bombeiros, peritos e agentes penitenciários

de baixa renda.

Habitação

17 mil policiais civis, militares, bombeiros, peritos e agentes penitenciários de baixa renda via Caixa

Econômica Federal

13 mil via imóveis a serem retomados pela Caixa Econômica Federal

20 mil através de cartas de crédito de R$ 30 mil a R$ 50 mil para policiais de renda média

Jovens

425 mil jovens entre 15 e 29 anos atingidos pelas ações do Pronasci, incluindo 63 mil reservistas

Sistema prisional

33.040 vagas para homens e 4.400 para mulheres (com atendimento educacional,

prof issionalizante e de cidadania)

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Desaf ios • fevereiro de 2008 29

r e s i s t ê n c i a à m u d a n ç a e à i n t r o d u ç ã o d e p o l í t i c a s i n o v a d o r a s , d i z s o c i ó l o g o

operações tendem a gerar mais descrençapor parte dos moradores e menos con-fiança na polícia”. Em ações como aquela,“não são delineadas soluções definitivaspara a comunidade e em especial parasuas crianças e jovens”, diz a publicação.

As críticas mais duras, no entanto, par-tiram de um grupo de entidades parti-cipantes do Encontro Nacional de Direi-tos Humanos, reunidas ano passado, emBrasília. Ao fim dos trabalhos, eles enca-minharam um ofício ao ministro TarsoGenro apresentando suas considerações,como um “certo grau de incongruência efalta de articulação” do programa. Segun-do eles, o Pronasci não traz “mudançasestruturais na concepção tradicional dopapel das polícias: de ação repressiva diri-gida aos pobres e minorias em detrimentoda segurança e defesa dos seus direitos”.Eles esperam que a iniciativa “não seja sójogo de marketing, mas algo efetivo”.

As entidades apresentaram nove pro-posições, especialmente ligadas ao com-bate ao racismo, nas quais citam um tra-balho do Ipea, o Radar Social, parajustificar a prioridade da ação: “No Dis-trito Federal, a taxa de homicídios dessegrupo (homens negros jovens, de 18 a 24anos e com até 7 anos de estudo) é de257,3 por 100 mil habitantes, quase dezvezes a taxa geral brasileira e três vezes ados brancos com mesma idade, sexo eescolaridade, que é de 79,3 homicídios”.

Mesmo com os acenos do governo deque os recursos para financiar essas açõesvão de fato sair, é preciso atenção. O mi-nistro Tarso Genro chegou a dizer que osresultados efetivos do programa poderãoser conferidos em um período de três acinco anos. Uma vez postos em prática, épreciso que os projetos tenham acompa-nhamento. Seguindo esse argumento, opesquisador do Ipea Helder Ferreira dizque “o grande desafio da segurança noBrasil é a continuidade, porque os pro-gramas vão sendo aperfeiçoados com otempo. O importante é prosseguir emanter a confiança da população noprograma”, diz. d

Foto: Rafael Andrade/Folha Imagem

Ação policial no Complexo do Alemão, no Rio, tende a gerar descrença nos moradores e menos confiança na polícia

Ministérios e secretarias envolvidos

Fonte: Ministério da Justiça

Ministérios da Justiça, da

Educação, da Saúde, do Trabalho e

Emprego, da Cultura, dos

Esportes, das Cidades e do

Desenvolvimento Social e Combate

à Fome e Casa Civil

Secretarias Nacional Anti-Drogas,

Nacional da Juventude, Especial de

Direitos Humanos, Especial de

Políticas para as Mulheres e

Especial de Políticas de Promoção

da Igualdade Racial

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P o r E d l a L u l a , d e B r a s í l i a

O Programa de Aceleração doCrescimento (PAC) prevê elevação do Produto Interno Bruto (PIB) em5% ao ano até 2010, mas o bommomento econômico esbarra nadúvida quanto à condição de um dos principais propulsores daatividade econômica, o fornecimentode energia elétrica, acompanhar o ritmo de crescimento

As dores do

ENERGIA

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crescimentoFoto: Maurício

Simonetti/Pulsar

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32 Desafios • fevereiro de 2008

S e g u n d o e s t u d o d o I p e a , o PAC é i n s u f i c i e n t e p a r a g a ra n t i r um c r e s c ime n to

Por outro lado, o diretor-geral daAgência Nacional de Energia Elétrica(Aneel), Jerson Kelman, afasta a pos-sibilidade de problemas de oferta até2011, desde que entrem em funcio-namento fontes alternativas, como asusinas que queimam bagaço de cana,já previstas para serem inauguradas no período. O diretor-geral do Opera-dor Nacional do Sistema Elétrico (ONS),Hermes Chipp, assegura que também há mecanismos para elevar a oferta. “Onovo modelo do setor elétrico nospermite antecipar leilões e, caso haja a percepção de que vai aumentar ademanda, nós poderemos contratar mais energia”, diz. E o presidente daEmpresa de Pesquisa Energética (EPE),vinculada ao Ministério de Minas eEnergia (MME), Maurício Tolmasquim,acrescenta que “a energia não é e não será um limitador para o crescimento do país”.

ma nova controvérsia se estabe-lece entre os estudiosos do futu-ro da economia brasileira: serápossível evitar a falta de energia

elétrica dentro de três ou quatro anos,com o novo ritmo de crescimento? “Ape-sar de extremamente importantes, os in-vestimentos do Programa de Aceleraçãodo Crescimento 2007-2010 (PAC) sãoinsuficientes para garantir um cresci-mento do Produto Interno Bruto (PIB)em 5% ao ano, mesmo considerando nãohaver qualquer atraso no cronograma desuas obras”, diz Carlos Campos Neto,pesquisador do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea), co-autor,com Bolívar Pêgo, também pesquisadordo Ipea, de um texto para discussão a serpublicado brevemente com o título OPAC e o setor elétrico – desafios para oabastecimento do mercado brasileiro. “Fi-zemos uma análise utilizando dados ex-clusivamente oficiais”, explica Campos.

Segundo os dois pesquisadores doIpea, o estudo gera dois cenários no ho-rizonte do PAC, que vai de 2007 a 2010.Um cenário utiliza o crescimento do PIBde 4,8% para 2007 e 5% para os outrostrês anos. Com elasticidade-renda da de-manda estimada em 1,3, projetam que ademanda cresceria a 6,5% ao ano.“Comoa capacidade instalada é de 100 mil me-gawatts (MW) no Brasil, 6,5% ao anosignifica 6,5 mil MW de crescimento dedemanda ao ano, somando 26 mil MWnos quatro anos. E todos os investimen-tos previstos no PAC para entrar em ope-ração entre 2007 e 2010, em númerosredondos, dão crescimento da oferta de12,4 mil MW. Assim, a demanda cres-cendo 26 mil MW até 2010 e a ofertacrescendo 12,4 mil MW, dá uma dife-rença de 13,6 mil MW”, diz.

Ele ressalva que “esse não é o tamanhodo déficit, que é bem menor. Essa é só adiferença entre o que a demanda cres-ceria acima da oferta, porque há outroselementos. O governo pode entrar comalguma medida de controle de demandae tem ainda alguma capacidade ociosaque se estima em torno de 6 mil MW.Mas, de qualquer forma, sinaliza umasituação extremamente difícil em termosde abastecimento”.

O cenário número dois utilizou da-dos da EPE/MME. “A instituição lançouum plano decenal e um outro estudo2006-2015 e nós utilizamos então ex-clusivamente esses dados”, esclareceCampos. “O estudo faz uma previsão decrescimento do PIB de 4,2% e uma elas-ticidade de 1,23, mas com o horizonte deum ano a mais, indo a 2011. Mesmo uti-lizando exclusivamente esses dados,nós chegaremos a 2011 com a demandacrescendo mais ou menos 13,5 mil MWmais do que a oferta. Assim, utilizandodados oficiais contidos no PAC ou nosestudos da EPE, os resultados acabaramficando muito parecidos”, diz o pesqui-sador. Já o presidente da EPE, MaurícioTolmasquim, pondera que “essa proje-ção vai ser refeita porque vamos ter uma

U

Foto: Ricardo Azoury/Pulsar

País já tem duas usinas nucleares em Angra dos Reis, mas a terceira só vai operar em 2013

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Desaf ios • fevereiro de 2008 33

d a o f e r t a d e e n e r g i a q u e a c o m p a n h e o a u m e n t o d o P I B e m 5 % a n u a i s

sobreoferta grande com a contratação da bioeletricidade”.

GRANDES OBRAS Outro dado assinaladopelos pesquisadores do Ipea é que “nãohá nenhuma grande obra do setor elé-trico que vá entrar em operação antes de2013. As primeiras turbinas da nova hi-drelétrica do rio Madeira vão começar arodar no final de 2012 ou início de 2013e a de Belo Monte, que seria outra grandeobra, sequer tem licitação prevista.Angra3, outra grande obra, também não entraem operação antes de 2013”.

Campos Neto explica que o problemavem de longe. “Concluímos que nos úl-timos 20 anos os investimentos no setorelétrico foram insuficientes. Na segundametade da década de 1980, houve cortesde crédito para o Brasil por parte de ins-tituições internacionais e acabou haven-do cortes para o setor elétrico. Não houvemaiores reflexos sobre o abastecimentodo mercado porque o crescimento eco-nômico ficou muito aquém do que eraesperado. Na segunda metade da déca-

da de 1990, com as privatizações no setorelétrico, principalmente no segmento dedistribuição, e a própria idéia de que omercado seria capaz de conduzir melhoros investimentos, basicamente se deixoude lado o planejamento. Então, foi faltade investimento e planejamento inade-quado. Com as condições hidrológicasdesfavoráveis, isso acabou levando àque-le apagão de 2001”, afirma.

O pesquisador diz que “as medidasque o governo tomou, principalmente as de controle de demanda, acabaramsurtindo efeito rápido, mas as medidastomadas para atrair investimentos nãotiveram muito sucesso. Os investimen-tos, na verdade, não vieram na magnitu-de necessária. O governo Lula, em 2004,lançou uma nova regulação para o setor.Evidentemente, quando se lança um mo-delo regulatório novo, o mercado precisaabsorver isso primeiro”.

Há ainda outro estudo no mesmosentido. Um trabalho divulgado peloInstituto Acende Brasil, composto porgrandes empresas consumidoras deenergia, mostra que em 2009 o risco deracionamento no Sudeste, principal re-gião consumidora do país, subirá para5%, limite máximo aceitável pela Aneel epelo ONS. Para o Brasil inteiro, em 2010esse indicador aumentará para 8% e chegará a 14% em 2011.

“Estamos no limite da curva de risco.Se não chover muito neste ano, vamos terproblemas. Então, há uma grande possibi-lidade de o setor elétrico se transformarnum impeditivo ao crescimento econômi-co”, diz o professor Adriano Pires, da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), que também é diretor do CentroBrasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), em-presa de consultoria do setor de energia.

Para ele,o país “está longe”de conseguirse sustentar com um crescimento acima de5%. Isso foi notado, segundo o professor,entre o final do ano passado e o iníciodeste.“Bastou não chover muito e o Brasilvoltar a crescer como cresceu em 2007para se perceber que existe um problemade oferta de energia elétrica”, diz.

O diretor-geral do ONS, HermesChipp, explica que o modelo do setorenergético permite a realização do leilãoA-5, que prevê qual será, em cinco anos, ademanda por taxas diferenciadas de cres-cimento do PIB. Com isso, contrata, nomercado de energia,o suficiente para aten-der a esta demanda. Dois anos mais tarde,de acordo com o desempenho da econo-mia, o ONS realiza o leilão A-3, prevendomais ou menos oferta para daí a três anos.

RETROSPECTIVA O Balanço Energético Na-cional (BEN), elaborado pela EPE, fazuma retrospectiva entre o crescimento do

Os consumidores de energia no BrasilTotal de 203 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (TEP) em 2006

Fonte: Balanço Energético Nacional (BEN)/EPE/MME

Industrial38%

Transportes26%

Residencial11%

Setor energético9%

Setor não-energético7%

Agropecuária4%

Comercial3%

Setor público2%

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34 Desafios • fevereiro de 2008

Segundo dados da Agência Nacional deEnergia Elétrica (Aneel), o Brasil possui hojeem funcionamento 1.688 geradoras de ener-gia. São 158 hidrelétricas, mil termelétricas,292 pequenas centrais hidrelétricas, 219 cen-trais geradoras hidrelétricas, 16 centrais ge-radoras eolielétrica, duas usinas nucleares euma solar. Juntas, elas têm potência de 100,4mil MW. Está prevista para os próximos anosuma adição de 28,3 mil MW na capacidade degeração do país, proveniente de 108 obras emconstrução e mais 508 outorgadas, cuja cons-trução ainda não teve início.

O êxito do Programa de Aceleração doCrescimento (PAC) é a principal esperança dosinvestidores e do governo para impedir o ra-cionamento no futuro. Dos R$ 503,8 bilhõesprevistos até 2010, mais da metade, R$ 274,8bilhões, são destinados à área de infra-estru-tura energética. Serão aplicados R$ 179 bi-lhões em projetos para petróleo e gás natural;R$ 78,4 bilhões em energia elétrica; e R$17,4 bilhões em combustíveis renováveis.

No caso da energia elétrica, a geraçãoconsumirá R$ 65,9 bilhões, com o objetivo deampliar em 12.386 MW a capacidade de ge-

ração. Outros R$ 12,5 bilhões serão aplica-dos em transmissão, com a meta de construir13.826 km de linhas.

O balanço apresentado no primeiro anodo PAC, em janeiro, mostra resultados positi-vos, com as previsões para algumas obrassendo antecipadas.A usina de Estreito, locali-zada em Tocantins, um dos principais pro-jetos, tinha previsão para entrar em operaçãoem 2011 e, segundo o balanço, a data seráantecipada para o final de 2010. A usina deSão Salvador, prevista para iniciar as opera-ções no final de 2009, vai iniciar no finaldeste ano ou início do próximo.

Enquanto algumas obras estão se adian-tando, outras empacaram, como a usina nu-clear de Angra 3, no litoral do Estado do Riode Janeiro. A Justiça cancelou as audiênciaspúblicas realizadas em junho do ano passadopara discutir o licenciamento ambiental. No-vas audiências foram marcadas para esteano.Ambientalistas protestam, alegando riscode catástrofe nuclear.

Outro problema é que os projetos maisimportantes só valerão a partir de 2011 ou2013. É o caso das hidrelétricas Santo Antô-

nio e Jirau, do rio Madeira, em Rondônia. Jun-tas, elas devem gerar 6,5 mil MW de potên-cia. Santo Antônio, licitada em dezembro de2007, só entrará em operação no final de2011. Jirau, que tem leilão marcado para 9de maio, entra em operação em 2013.A usinade Belo Monte, no Pará, outro projeto consi-derado importante, só será licitada emoutubro de 2009.

Para correr atrás do prejuízo, o governoacelerou uma série de projetos.Antecipou, porexemplo, a inauguração do gasoduto Cabiú-nas-Vitória, com capacidade para transportaraté 5,5 milhões de metros cúbicos de gás pordia.Trabalhando inicialmente com 600 MW, ogasoduto permite aumentar a capacidade degeração de eletricidade em 1.000 MW.

Outros investimentos foram feitos nas ba-cias do Espírito Santo, de Campos e de Santos,levando a oferta futura de gás no Sudeste para40 milhões de metros cúbicos por dia, compa-rado aos atuais 16 milhões. E há ainda duas es-tações de processamento de Gás Natural Lique-feito (GNL), em Pecém, no Ceará, e na baía deGuanabara, no Rio. A primeira delas será inau-gurada em julho e a segunda, no fim deste ano.

O tamanho do problema

PIB e o da oferta de energia entre 1970 e2006.No período de 1970 a 1980,época daconstrução das grandes hidrelétricas, oPIB cresceu a uma taxa média de 8,6% aoano, enquanto a oferta interna de energiacrescia a uma média de 5,5%. Já nos anosde 1993 a 1997, segundo o BEN, o PIB e aoferta de energia cresceram na mesmaproporção, a 4,8% ao ano, mas a demandaaumentou muito mais por causa da me-lhor distribuição de renda.A taxa média decrescimento do consumo de eletricidaderesidencial foi de 8,4% ao ano; a dos con-sumidores comerciais, 8,6%; a de gasolina,13,8% e a de querosene de aviação, 9,4%.

Foto: Ricardo Azoury/Pulsar

Go v e r n o e o rg a n i smo s r e g u l a d o r e s d i z em q u e h á a l t e r n a t i v a s p a r a e v i t a r o

Já são 1.000 usinas termelétricas prontas para funcionar no país, segundo os registros da Aneel

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Desaf ios • fevereiro de 2008 35

A indústria não cresceu tanto, porquenaquele período as exportações de pro-dutos intensivos em energia estagnaramou regrediram. O período de 1998 a 2006apresentou um crescimento médio doPIB de 2,7% ao ano e a oferta de energia,de 2,5%. Mas, desta vez, há uma retoma-da das exportações de setores intensivosem energia e uma redução significativada demanda de energia voltada para obem-estar da população. Em 2006, en-quanto a economia brasileira cresceu3,7%, a oferta de energia apresentou umcrescimento de 3,4%.

Em 2001, diante da iminência de cri-se, o governo determinou a redução de

consumo de 35% para os órgãos públi-cos, de 20% para os consumidores resi-denciais e comerciais e de 15% a 25%para as indústrias nas regiões Sudeste,Centro-Oeste e Nordeste. A adesão dapopulação amainou o problema.

“Um dos grandes erros do governoFernando Henrique Cardoso foi demo-rar a tomar as providências devidas.Quando foi tomar, já estava no raciona-mento. O governo atual deveria aprendercom o que aconteceu no passado e as-sumir a realidade dos fatos”, diz o pro-fessor Adriano Pires. Ele acrescenta que,“se não há um racionamento físico, háum racionamento econômico”, com a

elevação do preço daenergia vendida no mer-

cado spot (de curto pra-zo), forçando as indústrias a

poupar energia.Esse mercado chegou a nego-

ciar, no final de 2007, o megawatthora (MWh) de termelétricas a R$ 550,

enquanto a média do mercado de longoprazo está em torno de R$ 120 por MWhe há casos de energia de hidrelétricas jáamortizadas sendo vendida entre R$ 50 eR$ 70 o MWh. “Vamos convir que ener-gia elétrica a R$ 550/MWh é um racio-namento econômico”, diz.

REAPROVEITAMENTO Tolmasquim rebate,recordando que, mesmo com a escassezde água nos últimos meses de 2007, foipossível suprir as regiões afetadas. Se-gundo ele, a energia natural afluente nasregiões Sudeste/Centro-Oeste e Nordes-te/Norte foi 40% inferior ao observadono mesmo período de 2000, ano que an-tecedeu o apagão. Mas, graças à melhoriano sistema de armazenamento e à am-pliação do parque hidráulico, houvemelhor aproveitamento da água. “Hoje,uma mesma gota d’água gera mais ener-gia, porque ela vai passar por mais tur-binas naquela bacia, porque você temmais plantas construídas”, explica o pre-sidente da EPE.

Ele diz ainda que novas linhas detransmissão permitem enviar a água quesobra numa região para outra que ex-perimenta a escassez. “Em 2000, falta-va água no Sudeste e sobrava água no Suldo Brasil, mas não se podia mandarenergia do Sul para o Sudeste por falta de linhas de transmissão”, recorda. De lá para cá, foi aumentada em cerca deduas vezes a capacidade de intercâmbioentre o Sul e o Sudeste e em duas vezes e meia a capacidade de recebimento deenergia pelo Nordeste, tanto do Nortequanto do Sudeste. Desde 2003, forammais 14,7 mil quilômetros de novaslinhas na rede de alta-tensão, relata. E a capacidade instalada do parque de

Fonte: Programa de Aceleração do Crescimento 2007-2010 (PAC)

Investimentos

2007 2008-2010 Total Após 2010

Geração de energia elétrica 11,5 54,4 65,9 20,7

Transmissão de energia elétrica 4,3 8,2 12,5 3,4

Petróleo e gás natural 35,9 143,1 179,0 138,1

Combustíveis renováveis 3,3 14,1 17,4 27,0

Total 55,0 219,8 274,8 189,2

Programas

d e s e q u i l í b r i o e n t r e a o f e r t a e a d e m a n d a d e n t r o d e t r ê s o u q u a t r o a n o s

Tipo Quantidade Potência fiscalizada (kW) %

Central geradora hidrelétrica 219 114.702 0,11

Central geradora eolielétrica 16 247.050 0,25

Pequena central hidrelétrica 292 1.819.247 1,81

Central geradora solar fotovoltaica 1 20 0,00

Usina hidrelétrica de energia 158 74.936.894 74,58

Usina termelétrica de energia 1.000 21.351.192 21,25

Usina termonuclear 2 2.007.000 2,00

Total 1.688 100.476.105 100,00

O tamanho do parque elétrico nacionalCapacidade instalada de geração elétrica no Brasil

Fonte: Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)

Empreendimentos em operação

Os números do PACPrevisão de investimento consolidado em infra-estrutura energética 2007-2010

R$ bilhões

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Para a ministra-chefe da Casa Civil,Dilma Rousseff, que já foi ministra deMinas e Energia, a ampliação das ter-melétricas, passando de 11% do total da matriz energética para 20%, repre-senta uma chance a mais na garantia de que não vai faltar energia, uma vezque o país fica menos dependente daágua. “Hoje no Brasil passa-se a im-pressão de que, quando as térmicas operam, nós estamos no pior dos mun-dos. Não. O fato de a térmica operar é uma prova de que esse sistema ama-dureceu. Antes não tinha térmica paraoperar”, diz.

nos últimos dois ou três anos e a previsãopara 2011 e 2012 é muito mais alta.”

Ele acrescenta que o mercado livre jánegocia 25% de toda a energia gerada.“No Brasil, hoje, está havendo umadiscussão sobre se é o mercado livre queinfluencia o preço para os contratos fir-mes ou se são os contratos firmes queservem de parâmetro para o mercadolivre. De qualquer jeito, o mercado livreresponde muito mais rapidamente a essasdificuldades de abastecimento do que omercado regulado, em que se têm con-tratos de longo prazo, e aí para mexer empreços é mais difícil.”

36 Desafios • fevereiro de 2008

d

Além de ser uma opção barata, a biomassa, especialmente a feitacom o bagaço da cana, é vista hoje como uma fonte ecologicamentecorreta. Para vir, efetivamente, a prover o país, é preciso que o mercadode etanol ganhe dimensões em escala global, como esperam as autori-dades brasileiras, e que isto gere uma grande sobra de bagaço de cana.

“Essa perspectiva até hoje não se materializou, mas podemos ficarotimistas de que haja um aumento de demanda em escala mundial sig-nificativa pelo etanol”, diz o presidente da Agência Nacional de Ener-gia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman. Na opinião dele, haverá uma per-cepção, entre os países desenvolvidos, de que a maneira mais simplesde combater o efeito estufa é misturando etanol à gasolina numa es-cala global, como o Brasil já faz.“Se isso acontecer, vai haver uma ex-plosão de demanda por etanol, não só produzido pelo Brasil mas tam-bém por outros produtores. O subproduto disso é o bagaço, que, quandoqueimado, vira energia elétrica”, sintetiza Kelman.

De acordo com o Balanço Energético Nacional (BEN), elaborado pe-la Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério deMinas e Energia (MME), a produção brasileira de etanol em 2006 foi

de 306,1 mil barris por dia, com um aumento de 10,8% em relação àprodução de 2005, ano em que havia caído 4% em relação a 2004.

O consumo térmico do bagaço de cana cresceu 13,8% em 2006,chegando a 121,1 milhões de toneladas, acima do aumento de 12,0% noprocessamento de cana-de-açúcar. Os produtos energéticos resultantesda cana representaram 14,6% da matriz energética brasileira de 2006.

O documento aponta ainda que, graças ao parque hidráulico e à uti-lização da biomassa na sua matriz, o Brasil apresenta baixa taxa deemissão de gás carbônico (CO2). Enquanto aqui a emissão correspondea 1,57 tCO2/tep (tonelada de CO2 por tonelada equivalente de petróleo)pela utilização de combustíveis, a média mundial é de 2,37 tCO2/tep.

Em abril deste ano, o governo fará o leilão de energia de reserva,utilizando a bioeletricidade, proveniente do bagaço de cana. Energia dereserva é para ser usada somente se houver risco de faltar energia. Elaacrescentará ao sistema, além de tudo o que já está previsto, mais 2,4mil MW até 2009, chegando a cerca de 8 mil MW em 2012.“É claro quenão contrataremos tudo, mas já é um potencial grande”, comenta o pre-sidente da EPE, Maurício Tolmasquim.

Aposta no lixo

geração ganhou, entre 2000 e 2007,aproximadamente 24 mil MW.

Campos Neto constata que nos leilõesda Aneel tem havido bastante saída deinvestimentos em térmicas a óleo diesel oua óleo combustível.“O megawatt gerado aóleo diesel é três vezes mais caro do que anossa opção hidrelétrica, além de que émuito mais poluente, mas é uma alternati-va para tentar amenizar a situação. Por is-so, tem havido mais investimentos signi-ficativos nesse dois tipos. O mercadosinalizou que está observando esse pro-blema e já precificou. O preço da energiaelétrica no mercado livre cresceu muito

Uma u s i n a t e rme l é t r i c a o p e ra r é uma p r ova d e amadu r e c imen to , d i z m i n i s t r a

Foto: Delfim Martins/Pulsar

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projeto de nação desenhado na Consti-tuição de 1988 inclui um extenso rol dedireitos sociais. Há direitos nas áreas deeducação, saúde, assistência, trabalho e

previdência, entre muitas outras. Da perspecti-va do Estado, tais direitos podem ganhar efeti-vidade por dois caminhos: i) por meio de pro-gramas e ações (iniciativas do Poder Executivono campo social); ii) por meio de decisões dosistema de Justiça (iniciativas do Poder Judiciá-rio, do Ministério Público, da Advocacia e daDefensoria Pública – que obrigam o Poder Exe-cutivo a tomar atitudes no campo social). Nosanos recentes, essas decisões do sistema de Jus-tiça ganharam em importância – o que é deno-minado por alguns como uma “judicializaçãoda política”. Ou seja, em vez de depender apenasdo Poder Executivo, a tradução dos direitos so-ciais (da letra da lei para a realidade cotidiana)depende, cada vez mais, das instituições do sis-tema de Justiça.

Entretanto, para um extenso grupo da popu-lação brasileira, o acesso a estas instituições ain-da é dificultoso. Na última década e meia, au-mentou o número de litígios apresentados aoPoder Judiciário. Entre 1990 e 2005, esse nú-mero cresceu 9,5% ao ano – uma multiplicaçãode quase 3,5 vezes ao longo do período. Entre-tanto, isso reflete as demandas de um grupo deórgãos e empresas, que litiga de maneira irres-trita, mas também abusiva (incluem-se aí ór-gãos da administração pública, empresas con-cessionárias de serviços públicos e empresasfinanceiras, como bancos e administradoras decartões de crédito).

Ainda hoje, a ampla maioria da populaçãonão recorre ao sistema de Justiça para fazer valerseus direitos. Isso ocorre por um conjunto derazões, como a ausência de meios financeiros, adesinformação sobre a titularidade de direitos ea falta de confiança na capacidade de o sistemade Justiça afiançá-los. Por fim, mesmo quandochega a recorrer ao Poder Judiciário, ao Minis-tério Público, à Advocacia e à Defensoria Públi-ca, a maioria da população brasileira encontradificuldades para ver seus direitos sociais as-segurados. Isso porque, certas vezes, os serviçosdessas instituições caracterizam-se pela moro-

sidade, parcialidade e incerteza jurídica – o queresulta em um estreitamento das possibilidadesde efetivação de tais direitos.

Algumas iniciativas têm sido implementadaspara ampliar e aprimorar o acesso da populaçãoao sistema de Justiça. Primeiramente, iniciativaslegislativas de modernização das instituiçõesque o compõem. Em 2004, foi promulgada aEmenda Constitucional nº 45, que alterou di-versos pontos da estruturação do Poder Judi-ciário, do Ministério Público e da Defensoria.E, na esteira dessa emenda, foram promulga-das várias leis, tornando mais simples e célere oprocesso judicial nas áreas cível, trabalhista ecriminal. Em paralelo, foram implementadosprojetos de atualização administrativa das insti-tuições do sistema de Justiça.

Um exemplo foi a “Justiça virtual”, que pre-viu a transformação dos atos que integram oprocesso judicial em atos eletrônicos – cujo im-plemento/acompanhamento é mais fácil, rápi-do, barato e seguro. Houve também planos deaproximação do Poder Judiciário, do MinistérioPúblico e da Defensoria da população. Umleque de experiências esteve aí incluído – desdea interiorização dos tribunais até experiênciascomo a “Justiça comunitária” e a “Justiça itine-rante”. E, para encerrar, houve uma valorizaçãode mecanismos alternativos de efetivação dedireitos no país, como os denominados “núcleosde mediação de conflitos”. Esses mecanismosdemandaram uma crescente participação da so-ciedade civil organizada na produção/distribui-ção dos serviços de Justiça.

O importante a notar é que, caso esse con-junto de iniciativas de ampliação e aprimora-mento do acesso ao sistema de Justiça realmen-te vingue, a “judicialização da política” podeganhar ainda mais relevância no Brasil. E, nes-te sentido, para uma parcela da população, aefetividade dos direitos sociais previstos naConstituição de 1988 pode depender, cada vezmais, de decisões judiciais que os reconheçam e que obriguem seu reconhecimento pelo Po-der Executivo.

Desaf ios • fevereiro de 2008 37

A n d r é G a m b i e r C a m p o sARTIGO

Justiça e direitos sociais no Brasil

Para uma parcela

da população, a

efetividade dos direitos

sociais previstos na

Constituição de 1988

pode depender, cada

vez mais, de decisões

judiciais que os

reconheçam e que

obriguem seu

reconhecimento pelo

Poder Executivo

O

André Gambier Campos é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea)

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ENSINO

38 Desafios • fevereiro de 2008

O Observatório da Eqüidade, ligado ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, faz uma

“radiograf ia” da educação no Brasil e chega a resultados que exigem intervenções fortes e imediatas

Ainda vítimadas iniqüidades

obres vão menos à escola. Faltaeducação profissional. Apenasmetade dos alunos brasileirosconclui o ensino fundamental e

67% finalizam o ensino médio. Consta-tações como estas expõem problemascrescentes de uma triste realidade daeducação brasileira: nossos estudantesnão permanecem na escola nem operíodo mínimo sugerido pela Organi-zação das Nações Unidas para a Educa-ção, a Ciência e a Cultura (Unesco) paraos países em desenvolvimento.

Na trama para combater as desigual-dades, o Conselho de DesenvolvimentoEconômico e Social (CDES), vinculadoà Presidência da República criou umainstituição intitulada Observatório daEqüidade, que focou o tema Educaçãoem seu primeiro trabalho, utilizandoum conjunto de indicadores sobrerenda, raça, gênero e localização.

P

P o r R i c a r d o W e g r z y n o v s k i , d e B r a s í l i a

O Comitê Técnico do Observatório daEqüidade, formado por pesquisadores doInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea), do Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE), do DepartamentoIntersindical de Estatística e Estudos So-cio-Econômicos (Dieese),da Secretaria doConselho de Desenvolvimento Econômi-co e Social, além dos conselheiros e es-pecialistas em educação, apontam que épreciso mudanças urgentes para o setor.O relatório desse grupo indica os princi-pais problemas que afetam o desenvolvi-mento da educação. Será publicado breve-mente com o título As desigualdades naescolarização no Brasil. Professores da USPe outros pesquisadores fazem diagnósticosemelhante e corroboram as análises doObservatório da Eqüidade.

Os dados sobre desigualdades sociaisem educação mostram, por exemplo,que, enquanto os 20% mais ricos da po-

pulação estudam em média 10,3 anos, aclasse dos 20% mais pobres tem médiade 4,7 anos, com diferença superior acinco anos e meio de estudo entre ricos epobres. Os dados indicam que os avan-ços têm sido ínfimos. Por exemplo, amédia de anos de estudo da populaçãode 15 anos ou mais de idade se elevouapenas de 7,0 anos em 2005 para 7,1anos em 2006. E o número de analfa-betos, que era de 15,1 milhões em 2001,reduziu-se para 14,99 milhões em 2005 epara 14,39 milhões em 2006.

“O Ipea faz parte da equipe técnica doObservatório e ajudamos a elaborar o relatório buscando aliar o rigor técnicocom uma linguagem mais acessível aosmembros do Conselho”, explica a pes-quisadora do Ipea Martha Cassiolato. Omacro problema analisado foi que “Onível de escolaridade da população brasi-leira é baixo e desigual”, diz. Aparece o

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Desaf ios • fevereiro de 2008 39

número elevado de analfabetos, pessoasque, segundo a pesquisadora, mal conse-guem pegar um ônibus, entender prescri-ções médicas ou saber sobre seus direi-tos. O dados mostram que o problema doanalfabetismo está reforçando ainda maisas desigualdades, bem como um conjuntode problemas educacionais que afetam osdiferentes níveis de ensino. Também ficouconstatado o “acesso restrito” à educaçãodas crianças de 0 a 3 anos.

O estudo constata que os níveis esco-lares são “insuficientes e desiguais”, tantoem desempenho como em conclusão doensino fundamental e médio.A conclusãoé de que, em educação, o Brasil começamal com as crianças e segue mal até ospontos mais altos dos níveis escolares.

O professor Romualdo Luiz Portela deOliveira, da USP, com pós-doutorado emEducação pela Cornell University, explicaque o país erra também pedagogicamen-te. “Temos questões internas no sistema,certamente por influência de certas con-cepções educacionais, que acabam relati-vizando a importância do aprendizado, etem uma dimensão do debate que é peda-gógica. Determinadas concepções aca-bam não colocando no centro do debate aquestão do aprendizado. Elas valorizamoutros aspectos no sistema escolar.”

INFRA-ESTRUTURA A professora titularda Faculdade de Educação da USP LiseteRegina Gomes Arelaro aborda a questãoda infra-estrutura e diz que os governosde um modo geral pararam de construirescolas.“O discurso oficial é o de que nãohá problema de vagas, mas, se você forrealmente observar, mesmo nos estadosmais ricos, ao consultar planos de go-verno, orçamentos plurianuais, etc., vaiobservar que a construção de escolas saiuda prioridade governamental, pelo me-nos nos principais municípios e estados”.

Conhecida por suas posições polê-micas, a professora Lisete, ainda falandosobre problemas estruturais, diz que o nú-mero de alunos nas salas de aula é ex-cessivo. “Por exemplo, em São Paulo

Foto: Daniel Cymbalista/Pulsar

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E n q u a n t o e n t r e o s m o r a d o r e s d a s z o n a s r u r a i s c o m 1 5 a n o s d e i d a d e o u

tivemos por uns 20 anos como norma onúmero máximo de 30 alunos por sala de aula da primeira série. Agora, é no mí-nimo 30”, reclama. Lisete também criticaos níveis salariais. Para ela, a classe dosprofessores está mal assessorada pelos sin-dicatos, os quais têm “pouca força”, afir-ma. “Hoje, o professor tem que trabalharmuito mais para continuar com o que eleganhava há 15 anos, e isso tem repercus-são na qualidade”, acrescenta.

A professora Lisete diz que vai apre-sentar ao governo de São Paulo a propostade duplicar o salário do professor que ficarem regime de dedicação exclusiva. “Euquero provar que seria mais barato para oestado em termos de médio prazo, pelosresultados que ele teria, do que ficarinventando aprovação”, diz, numa alusãoao método de progressão continuada.

Outra preocupação da professora équanto aos municípios que adotam o sis-tema que ela chama de “apostilado de en-sino” – projetos homogêneos que utili-zam apostilas-padrão em várias escolaspúblicas. A professora também critica asprovas que são aplicadas para avaliação doensino.“Eu acho uma bobagem fazer exa-mes nacionais anuais. Não mostra coisanenhuma, é inútil. Estão criando umamentalidade de que esses instrumentossão científicos e neutros, absolutamente rigorosos e tradutores da concepção maisavançada da avaliação de rendimento

escolar. Não é verdade isso”, diz.Segundo a professora, o sistema de

apostilas padroniza os conteúdos, pas-sando por cima das diversidades cultu-rais e regionais. Esse sistema e as provasvisam à “uniformização do ensino”, diz.Com o padrão de apostilas, que, segundoela, será implantado em São Paulo, vai serforçosamente adotado um currículo úni-co em todo o estado, não respeitando,desta forma, as diversidades.

O novo formato, segundo ela, fere oprincípio constitucional que prevê a plu-ralidade do pensamento pedagógico. “Euacho que com as apostilas se cerceia a pos-sibilidade de a escola realmente construirum projeto pedagógico”, diz Lisete Arela-ro, atacando diretamente os governantes:“Eu acho que as autoridades estão fora darealidade escolar. Em muitos estados, hásó aquele pensamento mágico: eu tenhoque arrumar um jeito de aprovar”.

INCAPACIDADE O problema podeatravancar as próprias expectativas doConselho, que prevê taxa de crescimentodo Produto Interno Bruto (PIB) em tor-no de 6% anuais com significativo au-mento da renda per capita e melhoria dadistribuição da renda. Cruzando os re-sultados da pesquisa sobre educação,com o Mapa do Emprego, apresentadopelo Ipea no final do ano passado, ficaclaro que o país terá dificuldades educa-

cionais para o esperado crescimento. Apesquisa mostra que, pelo caminho queseguimos, teremos falta de pessoal quali-ficado em breve.

Segundo o pesquisador do Ipea An-dré Campos, há um “risco de apagão la-boral” caso o país não evolua na questãoda educação. O professor RomualdoPortela acrescenta que “o sistema educa-cional não acompanha a economia”.

O documento técnico elaborado peloObservatório da Eqüidade relata “insufi-ciência e inadequação da oferta de edu-cação profissional”, mostrando que, en-quanto a produção industrial cresce, opaís está estagnado na qualificação damão-de-obra, não só na formação ini-cial, mas também na “educação profis-sional técnica de nível médio”.

O diretor-técnico do Dieese e mem-bro do CDES, Clemente Ganz Lúcio, ligaa questão do crescimento com as carên-cias em educação. Para ele,“a desigualda-de é um problema estrutural na sociedadebrasileira, de tal magnitude que impedeque qualquer projeto de crescimentoatinja uma dimensão de desenvolvi-mento”. Na opinião dele, o problemarealmente está na escola. “Se nós quere-mos uma sociedade que tenha ganhos deprodutividade, que possa produzir mais,com menor custo, com preços mais bai-xos, com qualidade, nós precisamos deuma população com nível de escolaridade

40 Desafios • fevereiro de 2008

As desigualdades por localização, classe social e raça

Média de anos de estudo da população de 15 anos ou mais de idade

Fonte: CDES

2006

Brasil: 7,1 anos

Desigualdade

Nordeste: 5,8 anos (Sudeste 7,8 anos) 2 anos

Rural: 4,3 anos (Urbano: 7,6 anos) 3,3 anos

Preta/Parda: 6,4 anos (Branca: 8,1 anos) 1,7 ano

200% + pobres: 4,7 anos (20% + ricos: 10,3 anos) 5,6 anos

2005

Brasil: 7,0 anos

Desigualdade

Nordeste : 5,6 anos (Sudeste 7,7 anos) 2,1 anos

Rural: 4,2 anos (Urbano: 7,5 anos) 3,3 anos

Preta/Parda: 6,0 anos (Branca: 7,8 anos) 1,8 ano

220% + pobres: 4,8 anos (20% + ricos: 10,4 anos) 5,6 anos

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Desaf ios • fevereiro de 2008 41

m a i s h á 24 ,1% d e a n a l f a b e t o s , n a s c i d a d e s e s s a p r o p o r ç ã o é d e 7, 8 %

aconteceram. Por exemplo, diz ela, o Fun-do de Desenvolvimento da Educação Bá-sica (Fundeb) acolheu diversos pontos sugeridos pelo Conselho, além da incor-poração pelo Plano de Desenvolvimentoda Educação (PDE). “Entre esses pontosde vista está a priorização da educação co-mo estruturante para o desenvolvimento,demandando articulação com outras políticas públicas e a responsabilizaçãocompartilhada entre governos e iniciativaprivada”, comemora Bemerguy. Aindasegundo ela, “veio em grande parte doCDES a orientação estratégica incorpora-da pelo governo federal no Plano Pluria-nual 2008-2011, que em sua essência pre-vê o desenvolvimento com inclusão sociale educação de qualidade”.O Fundeb suce-deu, desde o início do ano passado, ao antigo Fundo de Manutenção e Desen-volvimento do Ensino Fundamental e deValorização do Magistério (Fundef),criado em 1996.

DESIGUALDADES Os dados do ensino mé-dio também reforçam o que o CDES játem como uma de suas metas, a eqüidade.Há uma lacuna enorme entre ricos e po-bres também no ensino médio. Em 2006,a proporção de jovens de 15 a 17 anos cur-sando o ensino médio era de 24,9% entre

maior, com nível de qualificação maior.Porque, com o nível de qualificação e es-colaridade que nós temos, pode-se colo-car um entrave”, diz.

Com a falta de capacidade técnica, opaís não conseguirá alcançar o crescimen-to que vem sendo esperado, acrescenta.“Podemos não avançar no crescimento daprodutividade porque temos problemasde qualidade de ensino”, diz Ganz.

O professor Romualdo Portela faz umparalelo entre as desigualdades sociais eeducacionais: “Certamente a desigualda-de de renda reflete na desigualdade edu-cacional e vice e versa. Essa é uma corre-lação estabelecida. Na medida em que opaís tem um nível de desigualdade social,isso se reflete no acesso à educação”. Oprofessor diz que o Brasil não vai bemmesmo em comparação apenas com ospaíses em desenvolvimento. “Se compa-rar o Brasil com os países da AméricaLatina, veremos que os níveis da popula-ção brasileira são piores do que a média,mesmo levando em conta que muitostêm renda menor que a nossa. O nossosistema educacional não reflete o poten-cial que um país como o Brasil teria”,adverte Portela.

Segundo a secretária do CDES, EstherBemerguy, alguns avanços concretos já

Enquanto o poeta alemão Bertolt Brechtcobrava a politização com seu poema “Oanalfabeto político”, o Brasil tem literal-mente 14,39 milhões de analfabetos, se-gundo estatística de 2006 (eram 14,99 mi-lhões em 2005). E não só analfabetospolíticos, porque são pessoas que não sa-bem nem escrever o próprio nome. Brechtdizia que o analfabeto político não sabeque “o custo de vida, o preço do feijão, dopeixe,da farinha,do aluguel,do sapato e doremédio, dependem das decisões políti-cas”. No Brasil, milhões de analfabetoscontinuam sem conhecer muitos dos seusdireitos pelo simples fato de não saber ler.

Entre os brasileiros com idade de 15anos ou mais, em 2006, 10,4% eramanalfabetos, sendo que no Nordeste essaproporção sobe para 20,7%, enquanto caipara 5,7% no Sul. Essa desigualdade re-gional motivou o Conselho de Desenvolvi-mento Econômico e Social (CDES) a pro-por à Presidência da República quedesigne mais recursos e projetos espe-ciais para o Nordeste. As diferenças tam-bém são altas ao se compararem as áreasrural e urbana.Enquanto entre os morado-res das zonas rurais com 15 anos de ida-de ou mais há 24,1% de analfabetos, nascidades essa proporção é de 7,8%.

O dado de maior disparidade fica nacomparação por renda. Entre as pessoascom 15 anos de idade ou mais, há 20,8%de analfabetos entre os 20% mais pobrese apenas 1,8% entre os 20% mais ricos.Adisparidade de 19 pontos percentuais é,proporcionalmente, a maior desigualdadeencontrada no estudo.

Para a professora Lisete Arelaro, daUniversidade de São Paulo (USP), o fatode ter diminuído o número de analfabetosnão pode ser motivo para acomodação.“Os dados dizem que diminuímos o anal-fabetismo, e por isso não vamos maisfalar sobre isso?”, questiona.

Ainda analfabetos

Educação no Brasil começa mal com as crianças e segue mal até os pontos mais altos da carreira escolar

Foto: Adriana ZehbrauskasFolha Imagem

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H á u m r i s c o d e a p a g ã o l a b o r a l , c a s o o p a í s n ã o e v o l u a n a q u e s t ã o d a

os 20% mais pobres, e de 76,3% entre os20% mais ricos, registrando uma desi-gualdade de 51,4 pontos percentuais.

De 2005 para 2006, a média de anosde estudo da população com 15 anos oumais de idade no Nordeste subiu de 5,6anos para 5,8 anos, enquanto na regiãoSudeste essa média se elevou de 7,7 anospara 7,8 anos. A diferença diminuiu, mas

continua uma elevada desigualdade de 2anos entre essa população de diferentesregiões do país.

A diferença entre ricos e pobres não éo único problema unânime. O professorRomualdo Portela cita, por exemplo, quetambém há a questão do baixo ren-di-mento dos estudantes mais abasta-dos: “É claro que existem desigualdades

entre escolas públicas e privadas, mas seeu pegar só essa última fatia, que seriamos privilegiados da nossa sociedade,também o desempenho escolar é abaixodo que poderia ser”.

A pesquisadora do Ipea Ângela RabeloBarreto alerta para a baixa média de 7,1anos de estudo dos estudantes brasileiroscom 15 anos de idade ou mais. “Sendo

Os problemas com educação são tantosque o assunto ganhou as ruas.A questão dassalas de aula das escolas tradicionais vi-rou indignação de outra escola, desta vezuma escola de samba. A Escola de SambaVai-Vai, de São Paulo, foi a campeã deste ano abordando em seu samba-enredo al-guns dos problemas do sistema educacio-nal brasileiro.“Alô Brasil, o nosso povo quermais educação para ser feliz!”, diz um trechodo samba da Vai-Vai.

O quadro retratado é de grandes dispari-dades. Enquanto em algumas escolas parti-culares, cujas mensalidades chegam a R$ 2 mil e as aulas de matemática, física e quí-mica são em francês, para a maioria da po-pulação a situação é qualidade insuficiente,

Notas boas só no samba

resultando em fraco desempenho e dispersãoantes da conclusão do ensino fundamental.

Segundo o Índice de Desenvolvimento da Edu-cação Básica (Ideb), elaborado pelo Instituto Na-cional de Estudos e Pesquisas Educacionais AnísioTeixeira (Inep), do Ministério da Educação (MEC),fica claro pela média de 3,9, numa escala de 0 a10, que o país está longe do desenvolvimento naárea. A meta é que os alunos fiquem com pelomenos 6,0 pontos em 2021. No entanto, há grandedesigualdade conforme o nível social do aluno.En-quanto nas escolas públicas os estudantes alcan-çam 3,6 pontos, os da rede privada estão commédia 5,9 – quase na meta. Quem tem condiçõesde pagar uma escola privada já está em 2021.

O professor Romualdo Portela, da Univer-sidade de São Paulo (USP), alerta para um pro-

blema ainda maior.“Dentro dessas desigualdades,se analisarmos a questão étnica, veremos que elaé brutal.O negro e o pardo na educação brasileirasão muito mais discriminados que o branco, damesma maneira que o pobre é mais discriminadodo que o rico.Aí, quando se somam as duas carac-terísticas, fica enorme”. O professor afirma queestão surgindo no país programas para sanarmais de um problema numa tacada só: “Grossomodo, um só programa pode pegar o estudantepobre e negro, casando as duas características.Depende do desenho do programa”, diz.

O professor também analisa a questão poli-ticamente.“Certamente é mais fácil eu fazer po-líticas de ações afirmativas baseadas em renda,porque já há ações afirmativas nessa base emoutras áreas, como o Bolsa Família. Fazer políti-

Comparando o Brasil com os vizinhos da América Latina, vê-se níveis brasileiros piores do que a média, não refletindo o potencial que o país tem

Foto: Leandro Moraes/Folha Imagem

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Desaf ios • fevereiro de 2008 43

e d u c a ç ã o , p o r q u e o s i s t e m a e d u c a c i o n a l n ã o a c o m p a n h a a e c o n o m i a

cas baseadas em gênero, etnia ou raça é mais di-fícil porque aí entram a discussão do racismo ea questão da identificação devido à miscige-nação. De toda maneira, como existe uma certaconfluência entre o estudante pobre e negro, po-líticas tomando como base a escola pública po-dem dar conta disso”, diz.

Nota técnica do Instituto Nacional de Estudos ePesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), quecalcula o Índice de Desenvolvimento da EducaçãoBásica (Ideb) para o Ministério da Educação(MEC), define um modelo “ideal” de ensino:“Umsistema de ensino ideal seria aquele em que to-das as crianças e adolescentes tivessem acesso àescola, não desperdiçassem tempo com repetên-cias, não abandonassem a escola precocemente e, ao final de tudo, aprendessem”.

Acesso restrito à educação infantil de qualidade

Taxa de freqüência à creche: crianças de 0 a 3 anos

Fonte: CDES

2006

Brasil: 15,5%

DDesigualdade*

Preta/parda: 13,8% (Branca: 17,1%) 3,3

Rural: 6,6% (Urbano: 17,6%) 11,0

Norte: 8,0% (Sudeste: 19,2%) 11,2

20% + pobres: 9,7% (20% + ricos: 29,6%) 19,9

2005

Brasil: 13,0%

Desigualdade*

Preta/parda: 11,6% (Branca: 14,5%) 2,9

Rural: 4,6% (Urbano: 15,2%) 10,6

Norte: 5,8% (Sul: 16,1%) 10,3

20% + pobres: 8,6% (20% + ricos: 27,6%) 19,0

2006

Brasil: 67,6%

Desigualdade*

Preta/parda: 65,4% (Branca: 70,2%) 4,8

Rural: 50,0% (Urbano: 72,0%) 22,0

Sul: 53,7% (Nordeste: 73,8%) 20,1

20% + pobres: 58,0% (20% + ricos: 87,2%) 29,2

2005

Brasil: 63,0%

Desigualdade*

Preta/parda: 60,6% (Branca: 65,3%) 4,7

Rural: 44,5% (Urbano: 67,5%) 23,0

Sul: 49,1% (Nordeste: 70,9%) 21,8

20% + pobres: 52,2% (20% + ricos: 85,7%) 33,5

Taxa de freqüência à pré-escola: crianças de 4 e 5 anos

(*) em pontos percentuais

Foto: Weber

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média, isso retrata o nível de insuficiência eao mesmo tempo desigualdade que era onosso foco”, diz. Segundo a pesquisadora,os números mostram que os problemas noensino fundamental se refletem no ensinomédio. “A idade dos estudantes do ensinomédio deveria ser entre 15 e 17 anos, se nãohouvessem problemas diversos. Porém,menos da metade dessa população encon-

tra-se realmente no ensino médio”, explica.É no ensino médio que as desigualdadeseducacionais se acentuam, considerandoas diferentes categorias analisadas: renda,região, localização do domicílio, raça/cor.Não bastasse isso, é quando começam asurgir as desigualdades de gênero, comuma freqüência no ensino médio maiorde moças do que de rapazes (um diferen-cial que chega a 10 pontos percentuais).

“O que acontece com o ensino médio éque ele já é caudatário dos problemas doensino fundamental, então no momentoem que nós tivermos uma qualidade maisadequada no ensino fundamental, teremosmenos problemas, as crianças e os jovensnão repetirão as séries e chegarão ao ensi-no médio”. O trabalho juvenil tambématinge os mais pobres. “Quando o jovemcompleta essa idade, se ele é de uma classemenos favorecida, já precisa estar inseridono mercado de trabalho. Um terço dos jo-vens até 24 anos encontra-se no mercadode trabalho e dois terços estão procuran-do trabalho”, revela Ângela Barreto.

Não bastassem as desigualdades entrericos e pobres, o ensino médio noturno,por exemplo, vem tendo outras deficiên-cias, alerta a pesquisadora Martha Cassio-lato. Entre eles, a falta de foco curricular, oque acaba desmotivando os jovens. “Oensino médio noturno tem um problemaadicional, tanto que o currículo e as dire-

trizes deveriam ser pensados consideran-do a situação especial do estudante queopta por esse horário. O conteúdo do cur-so teria que estar mais associado com aquestão do mundo do trabalho e ser maisatrativo para esse estudante”, diz.

Para Martha Cassiolato, o currículoadotado no ensino regular diurno é omesmo que o do noturno, e, no entanto,a carga horária é diferente. Martha consi-dera que há descumprimento de dispo-sitivo constitucional. “Está lá na Consti-tuição que se deve ofertar ensino médionoturno adequado às condições dos alu-nos, e na prática o que vem acontecendoé somente a diminuição da carga horária,quando na realidade teria que repensar ocurso que fosse mais estimulante para oaluno”, acrescenta.

CONTINUIDADE Pesquisadores e professo-res informam que um dos fatos detecta-dos pelo Observatório da Eqüidade so-bre o analfabetismo é a desarticulaçãoentre os programas de alfabetização e osprogramas de continuidade de escolari-dade.“O Programa Brasil Alfabetizado sepropõe a atuar nessa articulação. Outraatuação desse programa é de envolver asredes públicas de ensino, e não apenas asorganizações não-governamentais”, diz apesquisadora Ângela Rabelo Barreto.“São várias ações que o Ministério da

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E n s i n o méd i o no t u rno de ve r i a s e r pensado cons i d e rando a s i t u ação de o a l u no

Analfabetismo persistente reforça desigualdades

Taxa de analfabetismo na população de 15 anos ou mais

Fonte: CDES

2006

Brasil: 10,4%

Desigualdade*

Nordeste: 20,7% (Sul: 5,7%) 15,0

Rural: 24,1% (Urbano: 7,8%) 16,3

Preta/Parda: 14,6% (Branca: 6,5%) 8,1

20% + pobres: 20,8%% (20% + ricos:1,8%) 19,0

2005

Brasil: 11,1%

Desigualdade*

Nordeste: 21,9% (Sul: 5,9%) 16,0

Rural: 25,0% (Urbano: 8,4%) 16,6

Preta/Parda: 15,4% (Branca: 7,0%) 8,4

20% + pobres: 19,4% (20% + ricos: 1,5%) 17,9

(*) em pontos percentuais

Foto: Alex Almeida/Folha Imagem

A idade dos estudantes do ensino médio deveria ser en-

tre 15 e 17 anos, se não tivessem problemas diversos

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Desaf ios • fevereiro de 2008 45

Educação (MEC) vem tomando e quevão na direção da melhoria desses indi-cadores”, completa.

O também pesquisador DivonzirGusso, do Ipea, diz que a questão não é sóestrutural, mas também pedagógica. “Noâmago do processo há uma enorme difi-culdade em se aplicar o que a pedagogiavem desenvolvendo, que a ciência do com-portamento vem mostrando, a psicologia.A escola não está conseguindo aplicaresses conhecimentos.” Segundo ele, faltainovação para aplicar esses conhecimentose “obter resultados melhores”. “As escolasde formação de professores são um desas-tre, de alguns anos pra cá isso virou um es-cândalo”, diz o pesquisador.

Para a professora Eunice Soriano, doMestrado em Educação da UniversidadeCatólica de Brasília, o que falta é inves-timento. “Eu diria que é preciso investirna formação do professor. Eu perceboque falta a ele informação e formação emvários aspectos. Um deles é na área decriatividade. Nosso ensino, entre outrasfalhas, é muito voltado para o passado,para a reprodução do conhecimento”,diz. Segundo a professora, o país temmuito ainda a melhorar em educação.

“Nós não estamos preparando osnossos alunos para o futuro, para resolverproblemas novos. O aluno precisa apren-der a fazer uso de uma forma mais siste-mática do seu potencial para criar; então

esse é um dos elementos que estão faltan-do”, diz. Ela acrescenta que os estudantesvêm sendo formados para ser “seguido-res”, e não “líderes”, e que “há uma pres-são ao conformismo, uma escola voltadapara o convergente, e não para o diver-gente, para o novo”, diz Eunice Soriano.

A professora cita como exemplo osestudantes da Finlândia, que têm se des-tacado em testes internacionais. Em suapesquisa de campo, ela constatou que adiferença está na sala de aula e nas “estra-tégias voltadas para o desenvolvimentoda criatividade, com ênfase na experi-mentação, no ensino vivo, voltado para ofuturo, porque a criatividade e o pensa-mento crítico se complementam”. d

Fundado em 2003, o Conselho de Desen-volvimento Econômico e Social (CDES) esco-lheu como meta de suas ações a “eqüidadesocial”. O tema deve então permear os prin-cipais projetos de governo. Para aprofundaros estudos, formou-se o Observatório daEqüidade. O primeiro assunto a ser observadoseguiu a ordem de urgências para o desen-volvimento. Há consenso entre o grupo deque, depois da desigualdade social, aeducação é o maior problema do país.

Em sua criação, o Conselho foi solicitadopela Presidência da República a elaboraruma agenda de desenvolvimento de médio elongo prazo. Foram observadas, num primeiromomento, 27 prioridades, sendo que a desi-gualdade é a primeira delas. Os temas am-plos elencados para o desenvolvimento forammacroeconomia, ciência e tecnologia, redessociais, saúde, educação, eficácia do Estado,segurança pública, sistema judiciário, re-forma política e reforma do processo orça-mentário. Para aprofundar cada item for-maram grupos de trabalho dedicados a temascomo infra-estrutura, bioenergia, reformatributária e reforma política.

O CDES tem 102 membros, sendo 12 mi-nistros e autoridades governamentais e 90cidadãos designados pelo presidente da Re-pública, entre trabalhadores e líderes sin-dicais, empresários, representantes de movi-mentos sociais e ONGs e personalidades ex-pressivas em diversos setores que, reúnem-seperiodicamente e apontam os principaisproblemas do país.“Apresentamos os proble-mas e o presidente nos devolve, pedindo soluções, caminhos, e aí nós estudamos pro-fundamente com apoio dos institutos”, dizClemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do De-partamento Intersindical de Estatística e Es-tudos Socioeconômicos (Dieese) e um dosconselheiros do CDES.

O Instituto de Pesquisa Econômica Apli-cada (Ipea) tem trabalhado no cruzamento de dados sobre os problemas levantadospelos conselheiros. Na área econômica, oConselho opina sobre metas de crescimen-to, política de juros e o ritmo da atividadeeconômica.

O estudo detalhado sobre educação foi um dos consensos entre os membros doCDES. Antes disso, com a Fundação Getulio

Vargas (FGV), foram produzidos estudos debase. Os resultados auxiliam os conselheirosnas sugestões emergenciais apresentadas aopresidente da República. O documento, ela-borado por uma equipe de técnicos do Ipea,do Dieese, do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE), do Instituto Na-cional de Estudos e Pesquisas EducacionaisAnísio Teixeira (Inep) e representantes dasociedade civil, já está com o presidente daRepública.

Oficialmente, compete ao CDES “asses-sorar o presidente da República na formu-lação de políticas e diretrizes específicas,voltadas ao desenvolvimento econômico e so-cial, produzindo indicações normativas, pro-postas políticas e acordos de procedimento,e apreciar propostas de políticas públicas e de reformas estruturais e de desenvolvi-mento econômico e social que lhe sejamsubmetidas pelo presidente da República,com vistas à articulação das relações degoverno com representantes da sociedade civil organizada e ao concerto entre os di-versos setores da sociedade nele repre-sentados”.

Aconselhamento para o futuro do país

q u e o p t a p o r e s s e h o r á r i o e s t a r m a i s a s s o c i a d o a o m u n d o d o t r a b a l h o

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AMBIENTE

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Debate acalorado

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Posição brasileira nos fóruns

internacionais é de que os países

desenvolvidos devem pagar uma

conta maior que os países em

desenvolvimento no combate ao

aquecimento global. Seria o custo

por já terem desmatado suas

florestas e continuarem a

emitir quantidades superiores

de gases por meio da queima

de combustíveis fósseis, que

provocam o efeito estufa, restando

aos mais pobres a tarefa de evitar

as mudanças climáticas, sem abrir

mão do direito de crescer

m grupo de amigos combina al-moçar em um restaurante. Quan-do a refeição já estava perto do fim,chegam dois retardatários. Como

só comeram a sobremesa, os atrasadostentam pagar menos que os outros. Mas osamigos, que tudo aproveitaram, não acei-tam. Exigem que todos paguem o mesmovalor para saldar a conta, o que é recusadopelos dois que chegaram por último.Inicia-se então uma longa negociação.

É com essa imagem que integrantesdo governo ilustram um dos principaispilares da posição do país nas negocia-ções internacionais sobre aquecimento

U

Desaf ios • fevereiro de 2008 47Foto: Márcio Fernandes/Folha Imagem

P o r F e r n a n d o E x m a n ,

d e B r a s í l i a

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C i e n t e d e q u e c o n v e r s a s b i l a t e r a i s o u d e c i s õ e s u n i l a t e r a i s n ã o r e s o l v e r ã o

sível para discutir o assunto é a ONU, por-que o tema é global. Mas cada país temuma forma de responder a esse desafio”,diz o embaixador, a quem está subordi-nado o Departamento de Meio Ambiente eTemas Especiais do Itamaraty.

global. Por já terem desmatado grandeparte de suas florestas e emitirem gasesque provocam o efeito estufa por meio daqueima de combustíveis fósseis, argu-mentam essas autoridades, os países de-senvolvidos devem pagar uma contamaior do que os países em desenvolvi-mento. Os mais pobres devem evitar asmudanças climáticas, mas não podemperder o direito de crescer, sustentam.

A senha foi dada pelo presidente LuizInácio Lula da Silva no ano passado, emseu discurso na Assembléia Geral daOrganização das Nações Unidas (ONU).“Não é admissível que o ônus maior daimprevidência dos privilegiados recaiasobre os despossuídos da Terra”, decla-rou, na ocasião, o presidente. Desdeentão, ganhou força no governo o discur-so que já vinha sendo entoado pelo chan-celer (ministro das Relações Exteriores)Celso Amorim:“As responsabilidades sãocomuns, mas diferenciadas”.

As outras diretrizes são a defesa do fi-nanciamento e da transferência de tecno-logia de países ricos para os mais pobres,a fim de incentivar o combate ao desma-tamento e promover o desenvolvimentosustentável, e a promoção dos biocom-bustíveis. Como o segundo maior pro-dutor mundial de etanol, atrás apenasdos Estados Unidos, o Brasil quer apro-veitar o debate sobre a necessidade dereduzir a queima de combustíveis fósseispara tentar ampliar a participação do ál-cool na matriz energética mundial.

MULTILATERALISMO Ciente de que con-versas bilaterais ou decisões unilateraisnão resolverão o problema, o Brasil apos-ta no multilateralismo. Segundo o em-baixador Everton Vieira Vargas, subsecre-tário-geral do Ministério das RelaçõesExteriores (MRE), também conhecidocomo Itamaraty, as mudanças climáticasdevem ser enfrentadas por todos os países.“O tema não será resolvido com a decisãodos grandes. O processo multilateral é len-to, mas só assim se consegue consenso”,pondera o diplomata. “O único foro pos-

O coordenador de Meio Ambiente eDesenvolvimento Sustentável da Direto-ria de Estudos Regionais e Urbanos doInstituto de Pesquisa Econômica Apli-cada (Ipea), José Aroudo Mota, diz quesó uma ação proativa no âmbito multila-

Crescimento acelerado do equipamento de uso agropecuárioMáquinas e implementos agrícolas vendidos na Amazônia Legal

Fonte: Anfavea

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Amazonas 55 53 17 46 116 43 28 43

Pará 202 418 584 680 482 495 448 638

Rondônia 73 245 100 117 192 206 138 339

Acre 61 32 67 54 53 61 12 24

Amapá 15 18 16 17 15 24 15 19

Roraima 35 68 40 43 52 58 27 18

Tocantins 113 334 320 344 312 300 394 362

Maranhão 191 261 329 321 291 435 349 365

Mato Grosso 1.341 1.536 1.876 2.445 2.810 4.328 4.451 4.514

Amazônia Legal 2.086 2.965 3.349 4.067 4.323 5.950 5.862 6.322

O aquecimento global muda todos os mecanismos de equilíbrio do planeta, o qual tem uma capacidade...

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Desaf ios • fevereiro de 2008 49

o p r o b l e m a d a s m u d a n ç a s c l i m á t i c a s , o B r a s i l a p o s t a n o m u l t i l a t e r a l i s m o

teral e medidas domésticas eficazes po-derão reduzir os efeitos negativos doaquecimento global sobre o país. Em umcenário otimista, segundo ele prevê, asmudanças climáticas provocarão pro-fundos impactos socioeconômicos noBrasil (ver o texto “Medindo os custos doaquecimento”, na página 50). Para Mota, aatuação brasileira nas negociações inter-nacionais tem sido positiva.“O Brasil estáfazendo a parte dele. O país tem partici-pado dos fóruns internacionais com pro-postas concretas”, acrescenta.

Prova disso foi o anúncio feito pela de-legação brasileira durante a 13ª Confe-rência das Partes na Convenção-Quadrodas Nações Unidas sobre Mudança doClima, realizada em Bali, na Indonésia,em dezembro passado, lançando o Fundode Proteção e Conservação da AmazôniaBrasileira. A iniciativa, que deverá sair dopapel até o final do primeiro trimestredeste ano, foi a carta na manga guardadapela comitiva para chegar a um acordocom os demais países presentes ao encon-tro. Demonstrou a disposição do Brasil de

adotar ações que possam ser verificadaspela comunidade internacional. Eviden-ciou, no entanto, uma divisão entre osdiversos órgãos do governo federal.

O fundo tem como objetivo transfor-mar a redução das emissões por desmata-mento em um sistema de financiamentoda conservação e uso sustentável da Ama-zônia. Os recursos serão arrecadados pormeio de contribuições de governos, em-presas, organizações não-governamentaise pessoas físicas.As regras e ações do fun-do serão ainda definidas por um comitêgestor integrado pelos governos federal ede todos os estados da Amazônia e tam-bém pela sociedade civil. A idéia do Exe-cutivo é incorporar à iniciativa outrosbiomas a partir de 2011.

Segundo a ministra do Meio Ambien-te, Marina Silva, a criação do fundo pro-va que o país aceita assumir metas paracombater o desmatamento. O Ministériodas Relações Exteriores, no entanto, écontrário à fixação de compromissos. Achancelaria brasileira acha que as açõesde países desenvolvidos e em desenvolvi-mento devem ser medidas e verificadas.É contra, no entanto, a adoção de metasde redução de emissões de gases porpaíses em desenvolvimento. Só os paísesricos devem ter essa responsabilidade,ressaltam os diplomatas brasileiros.

“Os países desenvolvidos não cum-priram os compromissos definidos em2000 de reduzir as emissões aos níveis de1990. Além disso, o Protocolo de Kyotonão foi eficaz porque os Estados Unidos ea Austrália não assinaram. Em 2008, es-tamos frente a uma necessidade de dar-mos respostas mais eficazes. A partir deBali, ficou definido que as responsabi-lidades serão dos países desenvolvidos edos países em desenvolvimento, deacordo com suas capacidades”, esclareceo embaixador Vieira Vargas.

DIVERGÊNCIAS A divergência entre osministérios não é novidade para quematua na área. Sob a condição do anoni-mato, integrantes da iniciativa privada

dizem que é recorrente a divisão entre asdiferentes áreas do Executivo nas discus-sões sobre as políticas a serem adotadaspara combater o aquecimento global.Segundo eles, normalmente o Ministériodo Meio Ambiente (MMA) tenta forçar oPalácio do Planalto a ser mais radical naadoção de metas e compromissos. Dooutro lado da balança, os ministérios daCiência e Tecnologia e das Relações Ex-teriores tentam frear tais impulsos.

Outra discordância dentro da máqui-na pública é em relação à venda de crédi-tos de carbono. No MMA, defende-se oinstrumento com mais veemência. Já asoutras áreas do governo temem que aconcessão de créditos possa acabar exi-mindo os países desenvolvidos da obri-gação de reduzir emissões.

Para os agentes da sociedade civil,as diferenças são salutares por refor-çarem o jogo democrático dentro dogoverno. São negativas, no entanto, porimpedirem que o Executivo seja maisambicioso.

O embaixador Everton Vieira Vargasnega que existam essas discrepâncias.“O Ministério do Meio Ambiente e osoutros ministérios vêem de forma seto-rial. O Itamaraty dá sentido político àscoisas”, diz.

Embora saiba que as negociaçõespouco avançarão neste ano, o Itamaratyquer ao menos esboçar um “mapa docaminho”, na expressão do embaixador,que balize as conversações em 2009. Asdecisões sobre a segunda etapa do Proto-colo de Kyoto serão tomadas no ano quevem, e aplicadas a partir de 2012. A elei-ção presidencial em curso nos EstadosUnidos é uma das razões para que asconversações não deslanchem nos pró-ximos meses.

“Esperamos fazer progressos nesteano”, comenta o embaixador. Para ele,os principais desafios dos negociadoressão a fixação dos conceitos do que são“ações mensuráveis e verificáveis” e adefinição dos compromissos dos Esta-dos Unidos e como estes serão compara-...de regeneração ainda desconhecida

Foto: Jorge Araújo/Folha Imagem

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50 Desafios • fevereiro de 2008

A rgumento dos negoc iadores bras i l e i ros é que , comparada com o p i co de 2004 ,

Foto: Pulsar

Redução da biodiversidade e dos recursos hídricos, êxodo rural, epi-demias de doenças tropicais e efeitos negativos na produção agrícola eem outras atividades econômicas, problemas na geração de energia.Esses são alguns dos impactos do aquecimento global sobre o Brasil,apontados pelo coordenador de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sus-tentável da Diretoria de Estudos Regionais e Urbanos do Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada (Ipea), José Aroudo Mota. Com a finalidade deobter uma radiografia desses efeitos, o economista começou a produzirneste ano um estudo que mapeará as vulnerabilidades regionais do país.

O estudo estimará os custos econômicos, os impactos da migração,quantas pessoas poderão morrer e as perdas de biodiversidade e re-cursos naturais. “Nós não sabemos ainda quais serão os efeitos”,comenta Mota. “Todo mundo quer viver melhor, consumir, passear eusufruir mais.Tudo isso tem um custo”, acrescenta.

No cenário projetado pelo pesquisador, considerado otimista, a ma-nutenção dos níveis atuais de emissão dos gases que produzem oefeito estufa provocaria a elevação da temperatura em 1,8ºC até 2100.A cada ano, 9 bilhões de toneladas de gás carbônico são emitidas nomundo. Desse volume, 3,2 bilhões são absorvidos pelas florestas e pe-los oceanos. O restante permanece na atmosfera. Em cenários maispessimistas, a temperatura subiria entre 5ºC e 6ºC até 2100. De 1850a 2000, a temperatura do planeta subiu 1ºC.

José Aroudo Mota ressalta que o governo terá de taxar o uso exacer-bado dos recursos naturais, incentivar o uso da energia de forma efi-ciente e estimular o desenvolvimento de tecnologias de geração elétricapor meio dos ventos e da luz solar.“A Academia também terá de dar suacontribuição com pesquisas e desenvolvimento de novas técnicas, e asociedade terá que assumir o compromisso de degradar menos.”

Segundo o pesquisador do Ipea, o desmatamento da Amazônia é

provocado pelos produtores rurais. Em 1970, só 2% da floresta haviasido derrubada. Atualmente, diz o pesquisador, 20% da mata está des-truída. A população da região triplicou entre 1970 e 2000, para 21,1milhões de pessoas. A produção de soja cresceu de 1,59 milhão detoneladas em 1970 para 6,94 milhões de toneladas em 2004.“Isso éfloresta desmatada para produzir soja. Não é ganho de produtividade.Quando se destrói a floresta, não há como seqüestrar carbono daatmosfera”, destaca Mota.

O aquecimento global muda todos os mecanismos de equilíbrio doplaneta, o qual tem uma capacidade de regeneração ainda desconhe-cida. Os impactos estimados para os próximos anos são trágicos. NaAmazônia, a umidade cairá. Como conseqüência, a biodiversidadediminuirá e o regime dos ventos também será alterado.Animais e pes-soas migrarão.As vendas de produtos naturais ligados à floresta, comocastanhas e açaí, estarão comprometidas.

Como as chuvas do Centro-Oeste dependem do encontro dos ventosque vêm da floresta com os originários do oceano Atlântico, o Planal-to Central também terá menos água. A produção de soja ficará emxeque. Em São Paulo e no Paraná, a cultura do café será prejudicada.Antevendo uma possível crise, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agro-pecuária (Embrapa) já trabalha no desenvolvimento de cultivares maisresistentes ao calor.

No Nordeste, a seca provocará um novo movimento populacionalrumo aos centros urbanos. Mas as cidades não terão a infra-estruturade saneamento básico necessária para atender a todos.Aumentarão oscasos de doenças tropicais, como febre amarela e malária.

A falta de umidade também prejudicará a vazão dos rios. Como amatriz energética do país é predominantemente hidrelétrica, o Brasilpode ter problemas de geração de energia.

Medindo os custos do aquecimento

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a em i s s ã o d e g á s c a r b ô n i c o n o p a í s d i m i n u i u m a i s d e 1 b i l h ã o d e t o n e l a d a s

dos com as metas assumidas pelos paí-ses desenvolvidos que assinaram o Proto-colo de Kyoto.

ARGUMENTO A coordenadora da CâmaraTécnica de Mudanças Climáticas e Ener-gia do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável(Cebds), Marina Grossi, critica a posturabrasileira. A especialista ressalta que opaís poderia ser mais agressivo no com-bate ao desmatamento e na adoção decompromissos de redução de emissões

de gases que provocam o efeito estufa,como o gás carbônico.

O argumento preferido dos negociado-res brasileiros é que o governo está conse-guindo combater o desmatamento, prin-cipal responsável pelas emissões do país.Em Bali, por exemplo, destacaram que ataxa de perda florestal nos últimos trêsanos diminuiu em cerca de 60%. Segundoo governo, a queda levou a uma reduçãodas emissões em mais de 400 milhões detoneladas de gás carbônico, em compara-ção com a média dos últimos anos. E,

O avanço da agropecuária na AmazôniaRebanho bovino na Amazônia Legal (em milhões)

*Fonte: IBGE – Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980, 1985 **Fonte: IBGE – Pesquisa Pecuária Municipal (www.ibge.gov.br)

140

120

100

80

60

40

20

01970* 1975* 1980* 1985* 1990** 1991** 1992** 1993** 1994** 1995** 1996** 1997** 1998** 1999** 2000** 2001* 2002** 2003**

Amazônia Legal

Mato Grosso

Maranhão

Tocantins

Amapá

Pará

Roraima

Amazonas

Acre

Rondônia

Manter os níveis atuais de emissão dos gases provocaria elevação da temperatura em 1,8ºC até 2100

comparando com o pico de 2004, essa re-dução chega a mais de 1 bilhão de tone-ladas.A recente notícia de que a destruiçãoda floresta voltou a crescer, no entanto,tende a criar embaraços para o Brasil nospróximos encontros sobre o tema.

Marina Grossi lembra que o Brasil en-contra-se em posição privilegiada, poistem uma matriz energética limpa, umarica biodiversidade e um arcabouço re-gulatório melhor que o dos outros paísesem desenvolvimento. Por isso, comple-menta, o governo deveria tomar a frentedas negociações. “Estamos perdendooportunidades e sendo confundidos comos outros países em desenvolvimento nadiscussão”, dispara.

A acusação de ajudar os demais paísesem desenvolvimento a adiar a adoção demedidas para combater o aquecimentoglobal é rebatida pelo Itamaraty. Segundodiplomatas brasileiros, o país tem con-seguido reunir diferentes interesses a fimde chegar a entendimentos nas nego-ciações internacionais. “O Brasil nuncadeixou a liderança do processo. É um ab-surdo e uma falácia dizer que nosso paísfaz o interesse ou acoberta China, Índiaou outros países”, responde o subsecre-tário-geral do Itamaraty. d

Foto: Stockxpert

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MELHORES PRATICAS´

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P o r J o r g e L u i z d e S o u z a , d e S ã o P a u l o

Uma nova tecnologia social aplicada a pequenas áreasrurais, utilizando estruturas de produção em forma decírculo, com agricultura sustentável, sem uso de produtostóxicos e preocupada em preservar o meio ambiente, estámovimentando economias de pequenos municípios dointerior, gerando renda e melhorando a alimentação, e já revolucionou a vida de quase 1.400 famílias brasileiras,podendo chegar a 5 mil em dois ou três anos

Produçãoagroecológicasustentável

Foto: Valter Campos

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O s r e s u l t a d o s s ã o m u i t o r á p i d o s – e m u m m ê s j á s e c o m e ç a a p r o d u z i r e

implantação em escala e o abandonamos,mas encontramos um substituto no Pais,que tem algumas semelhanças e váriosaperfeiçoamentos”, explica o presidenteda Fundação.

“O Pais não é apenas produção para oseu próprio sustento. É para produzir paravender”, diz Pena. Cada unidade é mon-tada em torno de um sistema de anéis, ca-da um deles destinado a uma determinadacultura, que complementa a que vem a se-guir. O centro do sistema é utilizado para acriação de pequenos animais como gali-nhas caipiras e patos. O esterco produzidopelas aves é utilizado para adubar a horta,que ocupa o anel em torno do galinheiro,que por sua vez é circundado por umquintal ecológico. O módulo básico é de 5mil metros quadrados para uma famíliade cinco pessoas. Um galinheiro padrão,com apenas dez galinhas e um galo, é ca-paz de gerar o sustento de uma família emcondições bem melhores da média nasregiões que o projeto alcança.

O convênio FBB/MI/Sebrae tem co-mo padrão localizar os Pais em três mu-nicípios em cada estado, com 30 unidadespor município. Isto foi aplicado em 12 es-tados – Espírito Santo, Bahia, Goiás, Mi-nas Gerais, Paraíba, Piauí, Rio Grande doNorte, Sergipe, Alagoas, Ceará, MatoGrosso do Sul e Pernambuco –, somando36 municípios e 1.081 Pais (houve umaunidade a mais em um município do RioGrande do Norte). Além disso, a FBB jábancou outros 305 Pais em municípios

om a aplicação de uma idéia sim-ples – de integrar a produção empequenas propriedades rurais –, avida de quase 1.400 famílias de

baixa renda do interior brasileiro, princi-palmente da caatinga nordestina e doscerrados do Centro-Oeste, está mudandorapidamente para melhor. Trata-se deuma das tecnologias sociais que estão sen-do implementadas em diversas regiõesdo país. Tem o nome de Produção Agro-ecológica Integrada Sustentável (Pais) ecomeçou a ser pensada em 1999, na re-gião serrana de Petrópolis (RJ), com umafamília de pequenos produtores, orienta-da por um agrônomo senegalês de 41anos, Aly Ndiaye, que em meados dosanos 1990 veio estudar no Brasil.“É umaproposta que gera renda e acelera o pro-cesso de disseminação da agroecologia”,diz o agrônomo.

A idéia ganhou a simpatia da FundaçãoBanco do Brasil (FBB), do Sebrae e do Mi-nistério da Integração Nacional (MI), queem 2005 se juntaram para financiar suaexecução. Em apenas dois anos, já são1.386 Pais em funcionamento, e as metassão ambiciosas: duplicar esse número nes-te ano e alcançar 5 mil dentro de dois outrês anos.“É impressionante como uma fa-mília consegue ganhar até mais de R$ 1 milmensais. A vida da família muda em seismeses”, diz o presidente da Fundação, Jac-ques de Oliveira Pena. “Os resultados sãomuito rápidos – em um mês já se produz”,acrescenta Newman Maria da Costa, coor-denadora nacional da Carteira de ProjetosMultissetoriais e Territoriais do Sebrae.

“A Fundação tem um programa que sechama Banco de Tecnologias Sociais, quedistribui um prêmio bienal. Isto faz comque cheguem a nós projetos de todo opaís. Premiamos há alguns anos uma tec-nologia que se chama Mandala. A FBBtrabalha na perspectiva de disseminar ex-periências, mas atingir disseminação emescala exige desprendimento dos partici-pantes, porque ninguém é dono de tecno-logia social. O projeto Mandala teve difi-culdades de definir uma metodologia de

não atendidos pelo convênio em MinasGerais, Goiás, Rondônia, Rio Grande doNorte e Bahia.

O projeto já passou por avaliações daCompanhia Nacional de Abastecimento(Conab) e de uma consultoria contratadapelo Sebrae. Em outubro do ano passado

C

Euriberto Bezerra de Souza teve receita líquida de

R$ 1,1 mil em um mês, lucratividade de 68%, risco

baixo e retorno do investimento de 3,15 meses

O modelo do sistema Pais busca...

Reduzir a dependência de insumos vindos de fora da propriedade.

Diversificar a produção.

Utilizar com eficiência e racionalização os recursos hídricos.

Alcançar a sustentabilidade em pequenas propriedades.

Produzir em harmonia com os recursos naturais.

Fonte: Cartilha sobre a Produção Agroecológica Integrada Sustentável

Foto: Valter Campos

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a v i d a d a f am í l i a d o a g r i c u l t o r m u d a c omp l e t am e n t e em a p e n a s s e i s m e s e s

a FBB contratou uma nova avaliação coma Fundação Getulio Vargas (FGV). A Co-nab é parceira do Pais em vários estadosna etapa da comercialização. O projetointeiro absorveu investimentos de R$ 7,4milhões, sendo R$ 3,9 milhões aportadospela FBB, R$ 1 milhão do MI e R$ 2,5 mi-lhões do Sebrae. Com isto, o custo médiode cada unidade está em R$ 5,35 mil, sen-do que o kit fornecido a cada família be-neficiada custa em média R$ 3,5 mil, e orestante são despesas de gestão, acompa-nhamento e assistência técnica.

CARACTERÍSTICAS Além do formato cir-cular, as principais características do Paissão a irrigação por gotejamento, ausênciacompleta de agrotóxicos e presença deculturas diversificadas, baixo custo e ma-nejo orgânico da produção. “O Pais nas-ceu de problemas práticos de uma pro-priedade que buscamos solucionar”, diz oagrônomo Aly Ndiaye.“A maior parte dosproblemas eram as distâncias dentro dapropriedade – gado lá, a horta aqui, tudoespalhado. Procuramos resolver isso e fa-zer um desenho que facilite a reciclagem,porque a base da agroecologia é a recicla-gem. Juntar a horta e a área animal, que dáo esterco, permite maximizar a reciclagementre a horta e as galinhas, que produzemesterco a ser usado na horta, e o que sobrada horta é alimento para as galinhas. Equando o produtor não traz os nutrientesde fora da propriedade, ele diminui oscustos de produção”, diz ele.

No quintal agroecológico, o produtorplanta milho para as galinhas, frutas, le-guminosas ou o que quiser. “Fiz questãode chamar de quintal para o produtordizer ‘é o meu quintal’”, diz Ndiaye.“Pro-duzir alimento saudável é o primeiropasso, e produzir alimento diversificadopara comercializar os excedentes.A aglu-tinação em pólos de produção facilita acomercialização, a assistência técnica e atroca entre os produtores. Tudo isso éuma estratégia de mercado. A maioriacomercializa em feiras que as prefeiturasmontam na região. São feiras que tam-bém têm produtos convencionais, mas opessoal do Pais oferece pelo mesmo pre-

ço um produto orgânico. Então, todomundo compra primeiro os produtos doPais e só depois compra os convencio-nais. A Conab também está comprandopara a merenda escolar em muitos mu-nicípios”, acrescenta.

“É preciso disseminar o consumo dehortaliças, combater a fome, gerar tra-balho e renda. E a opção pelo gotejamen-to dá menos pragas, economiza água,além de outras vantagens”, diz o pre-sidente da FBB. Segundo ele, há “quatrofatores críticos de sucesso: a seleção dasfamílias (o fato de não ser só para o pró-prio sustento, mas para produzir exce-dentes, é levado em consideração aoselecionar as famílias); capacitação (to-dos os selecionados recebem antes detudo um curso de capacitação); insta-lação (a horta não é feita pelo dono daterra, mas com ele – ele recebe um kitcom canos, caixa d’água, mangueiras pa-ra gotejamento, etc., e o técnico fica vá-rios dias instalando); e acompanhamen-to (não pode dar a semente e nunca maisvoltar lá)”.

Ele explica que “o sistema de visitas pe-riódicas é para não deixar o agricultorusar venenos se aparecem bichos. Ou, porexemplo, se um agricultor planta alface e

Em Porangatu (GO), a família do agricultor participa no plantio de mudas em uma das 60 unidades do Pais

que estão sendo implantadas na região durante este semestre

Uma boa opção para o pequeno produtor

Mercado de produtos agroecológicos em expansão.

Necessita de pequenas áreas para sua instalação.

Baixo custo para instalação de uma unidade.

Garante uma alimentação saudável.

Gera renda através da comercialização do excedente.

Fonte: Cartilha sobre a Produção Agroecológica Integrada Sustentável

Foto: Rodrigo Farhat

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Sessenta Pais deverão ser implanta-dos no primeiro semestre deste ano emPorangatu (GO), a 400 quilômetros deBrasília. A Fundação Banco do Brasil(FBB) financiou material e capacitação ea articulação foi feita pela ONG Unidospela Fé (Unifé). Os critérios para seleçãode agricultores são: local, água, área evocação para a agricultura familiar.TâniaRegina Nascimento de Oliveira, 38 anos,presidente da Unifé, conta que a ONG co-meçou em 2003 como um grupo de seispessoas que se reuniam para rezar.

“Vimos, mais tarde, que tínhamos quepartir para a prática. Fizemos, então,campanha para arrecadação de alimen-tos e de remédios. Fomos incentivados aregularizar o grupo como uma organiza-ção não-governamental. Conseguimos,primeiramente, um telecentro, financiadopelo Banco do Brasil (BB). Depois, umafábrica de farinha, com recursos da Fun-dação Banco do Brasil (FBB).Agora, que-remos construir uma cozinha industrialpara fabricar salgados e depois, logica-mente, um caminhão para transportar ossalgados e as hortaliças para o mercado.Hoje, somos 250 pessoas.”

“Começamos muito pequenos e não so-nhávamos com a dimensão que nosso tra-balho iria tomar. Não esperávamos tantosresultados. Isso tudo mostra como a uniãoentre as pessoas pode fortalecer uma co-munidade como a nossa”, completa.

Das orações para

a prática

tem sucesso, resolve plantar tudo de alfacee isso atrai pragas e ele traz veneno. A vi-são da agroecologia tem que ter acompa-nhamento”. O procedimento de escolhaé, segundo ele, o seguinte: “Definimos,com as instituições que apóiam, os esta-dos onde serão feitos, escolhemos trêsmunicípios, e aí se faz a relação de famí-lias. A FBB e o Sebrae disponibilizam osrecursos para uma instituição sem finslucrativos, uma Oscip ou uma ONG, pa-ra que ela faça uma licitação, e nós paga-mos os fornecedores. Não há doação pa-ra o cidadão”. E a localização é variada,diz.“Tem em aldeia indígena, em assenta-mento de reforma agrária, em chácarasem periferias de grandes cidades...”

EMPREENDEDORISMO “O Sebrae trabalhacom o empreendedorismo – ele viu nesseprojeto do Pais uma oportunidade de es-tar em pequenas propriedades rurais on-de ele possa motivar produtores atravésdo associativismo e do cooperativismo,para que possam estar no mercado”, diz a coordenadora de projetos do SebraeNacional, Newman Maria Costa. “É umtrabalho com grupos e não com famíliasisoladas. Optamos pela forma bem inte-grada, com unidades a poucos quilôme-tros umas das outras. O apoio das prefei-

S i s t e m a d e v i s i t a s p e r i ó d i c a s n ã o d e i x a o a g r i c u l t o r u s a r v e n e n o s s e

Agricultor de Porangatu (GO), cuja propriedade segue o padrão das unidades do Pais e tem criação de

galinhas, que interagem com a horta e o quintal ecológico

Maria Verônica (Verinha) de Oliveira, esposa de

Euriberto, conseguiu levar à feira de Monteiro (PB)

665 pés de alface sem agrotóxicos em um só mês

Foto: Rodrigo Farhat

Foto: Valter Campos

Foto: Valter Campos

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turas fica facilitado com a localizaçãopróxima”, diz.

“Como o Sebrae não pode aportarrecursos para investimento imobilizado,ele presta consultoria e gestão do proces-so – com pessoas, mas também comaporte de recursos para isso, porque essaspessoas são contratadas, enquanto a FBBe o MI entraram com os recursos paraimobilizado”, diz Newman Maria. “Porter capilaridade maior, o Sebrae assumiu agestão do projeto”, diz ela. Outra açãodestacada por Newman Maria é a “ca-pacitação em associativismo e acesso amercado. Os produtores rurais que ade-rem ao Pais precisam desenvolver a cul-tura associativa para ter acesso a merca-dos locais e regionais”.

Uma pesquisa feita com uma famíliade cinco pessoas em Monteiro (PB) re-gistrou durante um mês, no segundo se-mestre do ano passado, tudo o que foiproduzido e vendido na feira agroeco-lógica. Euriberto Carlos Bezerra de Sou-za e Maria Verônica (Verinha) de Oliveirae seus três filhos obtiveram uma receitabruta de R$ 1.631,30, com um custo deprodução de R$ 523,20, o que lhes ren-deu uma receita líquida de R$ 1.108,10 elucratividade de 68%, risco baixo e retor-no do investimento de 3,15 meses (consi-derando a parte referente à aquisição dokit básico de implantação do Pais no va-lor de R$ 3,5 mil).

“Fizemos essa amostra para mostrar aviabilidade do projeto. A família viviaapenas com a renda do marido, que eraum salário mínimo”, acrescenta New-man Maria. “Temos que ensiná-los aprestar atenção no custo de produção, nareposição de equipamentos, etc.” Comoresultados, ela aponta a “melhoria da ali-mentação familiar e da integração fami-liar, porque os filhos ajudam. Geral-mente, se colhe no final do dia paravender na manhã seguinte.Além disso, aspessoas passam a comer o que não co-miam. E tem um fator material: começa-ram a adquirir produtos a que não ti-nham acesso”, diz ela.

a p a r e c e m p r a g a s – a v i s ã o d a a g r o e c o l o g i a e x i g e a c o m p a n h a m e n t o

Passo a passo de um Pais

Escolha do local da horta.

Toda propriedade tem um desenho diferenciado.

Deve-se tomar cuidado com a luz solar (insolação).

A área da horta deve ser plana.

Técnico acompanha escolha do local e prevê sua ampliação futura.

HortaServe para produzir hortaliças e leguminosas.Cuidados devem ser tomados para: diversificação de culturas; rotação de culturas; consorcia-ção de culturas; forrar canteiros com palha para proteger o solo; juntar culturas com a mesmanecessidade hídrica; evitar encharcar os canteiros.

GalinheiroDeve ser localizado no centro da horta, pois facilita a interação com o galinheiro.Serve, ainda, para produzir esterco para adubar a horta e como alimento (ovos e carne).Produção excedente pode ser comercializada no futuro.Localização central evita perda de tempo do produtor. Reduz, ainda, o tempo de trabalho ecusto de produção.

Manejo do galinheiroForrar sempre com palha seca para conforto das galinhas.Material serve também como matéria-prima para a produção de composto.Tem que ter ninhos, água e comida (milho e restos da horta e do quintal).Módulo inicial é composto por dez galinhas e um galo.O material do piso (palha e esterco) deve ser removido a cada 30 ou 40 dias e levado para aárea de compostagem.Colocar palha seca no chão do galinheiro após a remoção do piso anterior.

IrrigaçãoPor gotejamento, para economizar água, pois é feita de forma localizada.Economiza capina, já que o mato não cresce onde não há irrigação.Manuseio simples.Ganho de tempo.Material utilizado para montagem deve ser encontrado no mercado local (versatilidade).Cuidados com as fitas gotejadoras devem ser tomados para que não furem na montagem.Pressão deve ser mantida para que as fitas não fiquem muito tensionadas.Limpeza do filtro deve ser feita regularmente, para evitar entupimento dos furos das gotejadoras.As mangueiras pretas – que levam água da caixa até as fitas – devem ser enterradas para evi-tar ressecamento.Sistema de irrigação deve prever uma saída para o quintal, em caso de seca prolongada.

QuintalLocal onde se plantam frutas, raízes, madeira, gramíneas e grãos.Manejo é feito com facão e poda.Permite diversificar a dieta do produtor e a oferta de produtos ao mercado.

Módulo inicialO módulo inicial do Pais deve ser composto por dez galinhas e um galo.O material do fundo (palha e esterco) deve ser removido a cada 30 dias e levado para a áreade compostagem.Palha seca deve ser colocada no galinheiro novamente.

Fonte: Cartilha sobre a Produção Agroecológica Integrada Sustentáveld

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instituição do mercado aberto (openmarket) nasceu em fins dos anos 1960no Brasil, pouco depois da criação doBanco Central (BC), como instrumento

padronizado de regulação de reservas bancá-rias, e coetâneo com a instituição da correçãomonetária. Esta visava, principalmente, à cria-ção de um mercado de títulos públicos de longoprazo: para compatibilizar, na economia infla-cionária, títulos públicos a prazo com correçãomonetária mais juros reais e as operações domercado aberto, o BC criou o mecanismo devenda desses títulos, aos bancos comerciais,com prazo decorrido.

Um título colocado no mercado com prazodecorrido é, no limite, um título à vista. Moedaou quase moeda, e não poupança. Para um ban-co individual, a vantagem é manter reservas vo-luntárias em moeda remunerada. Ao longo dasúltimas décadas, o artifício tosco de vendertítulos públicos com prazo decorrido deu lugar aexpedientes mais “normais”, como a venda peloTesouro e Banco Central de títulos com correçãomonetária e juros pré-fixados, com cláusula derecompra. Para grande parte da dívida pública, ataxa de remuneração dos títulos é a Selic, que aomesmo tempo é a taxa de regulação das reservasbancárias. Isso significa que, em última instância,o BC, embora dirigido por autoridade não eleita,controla indiretamente também a política fiscal,ou todo o núcleo da política macroeconômica.

Num sistema monetário normal – digamos,no sistema norte-americano –, a taxa básica deassistência de liquidez é a taxa dos fundos federais(Fed funds), em geral inferior à média de remune-ração dos títulos públicos, que variam segundo otempo de maturação e as condições específicasde colocação. Há também uma janela de redes-conto para títulos privados, mas estes incorremem deságio quando mobilizados.

No nosso sistema, o mercado monetário, noqual se negociam essa compra e venda de reser-vas bancárias, se confunde com o mercado fi-nanceiro, caracterizado pela negociação de títu-los públicos federais, pois ambos são referidos àmesma taxa de juros, a Selic. Isso tem implica-ções fiscais diretas e implicações monetárias:tendo a Selic como referência para situações de

iliquidez, os bancos tendem a organizar suascarteiras de aplicação de forma a ter uma mar-gem de taxa de juros que cubra não só a rentabi-lidade desejada, mas também o risco de inadim-plência e de iliquidez. Neste caso, a Selic é piso:se está fixada em 11%, e o banco quer ter umlucro garantido de 11%, a tendência, no limite, éque ele cobre 22%, para o caso de ter que re-correr à assistência de liquidez.

Isso explica, junto com a elevada taxa do com-pulsório, as altas taxas de aplicação do sistemabancário brasileiro. Caso a taxa básica fosse es-pecífica do sistema monetário e inferior à dos tí-tulos públicos, os bancos teriam uma assistênciade liquidez mais barata, podendo reduzir pro-porcionalmente suas taxas de aplicação. Entre-tanto, este não é o maior problema que decorredo caráter dúplice, heterodoxo da estrutura donosso sistema monetário. Há problemas maisgraves, de ordem macroeconômica.

Quando o BC aumenta a Selic para contrair aliquidez, aumenta automaticamente o custo darolagem de parte da dívida pública, no planofiscal. No plano monetário, há um duplo efeito:enquanto custo para os bancos ilíquidos, a Selicelevada agrava a situação de iliquidez, pois em-purra para cima seus custos de captação justa-mente num momento de restrições; entretanto,para os bancos líquidos, a elevação da Selic re-presenta uma perspectiva de aumento de receitapor conta da remuneração das reservas voluntá-rias em títulos públicos, que lhes dá suporte in-clusive de expansão do crédito, embora maiscaro, na contramão da intenção inicial da au-toridade monetária.

Em resumo: nosso sistema fiscal-monetárioheterodoxo é disfuncional de um sistema bancá-rio comprometido com o financiamento a custorazoável do sistema produtivo e ineficaz para adireção macroeconômica do país. Ele só funcio-na por excesso. Controla a inflação, sim, mascom um ônus exagerado para a sociedade. É co-mo quem quer afogar um gato num tanque dedez metros de profundidade: basta um!

J o s é C a r l o s d e A s s i sARTIGO

A esquizofrenia da Selic

Nosso sistema

fiscal-monetário

heterodoxo é

disfuncional de um

sistema bancário

comprometido com

o financiamento a

custo razoável do

sistema produtivo e

ineficaz para a direção

macroeconômica

do país. Ele só

funciona por excesso.

Controla a inflação,

sim, mas com um

ônus exagerado

para a sociedade

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José Carlos de Assis é economista, professor e presidente do Instituto

Desemprego Zero

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o definir a agenda social como priorida-de, o presidente Luiz Inácio Lula da Sil-va firma um novo paradigma para o pla-nejamento governamental e possibilita

avançarmos para um plano de desenvolvimentointegral e integrado, abrangendo diversas di-mensões: econômica, social, cultural, ambien-tal. Tal proposta rompe com a falácia economi-cista de que o crescimento, por si só, promove ainclusão social e ressalta a importância da justi-ça social para o desenvolvimento. Pesquisasprovam que essa orientação já apresenta resul-tados, fazendo a economia crescer e incorporaros mais pobres ao mercado. Como efeito da ge-ração de empregos, da recuperação do saláriomínimo e das transferências de renda, o núme-ro de pessoas em situação de pobreza e o graude desigualdade na distribuição de renda nopaís têm diminuído desde 2003.

Essa orientação das políticas encontra eco naagenda internacional contemporânea. Diversosautores têm apontado as conseqüências social-mente nefastas da ordem neoliberal e vêem naretomada do Estado de Bem-Estar Social asbases para o desenvolvimento nacional. Aocontrário do que dizem os defensores do EstadoMínimo, a ação estatal para garantir o bem-es-tar da população é fator de competitividade in-ternacional. O desenvolvimento europeu nosúltimos 15 anos, sobretudo na Escandinávia,demonstra que restringir as políticas sociais aum papel residual e compensatório não é o me-lhor e único caminho.

A concepção de desenvolvimento integralapresenta-se como um projeto de nação. Parteda dimensão ética de formação da pátria, danoção de pertencimento, que supõe a garantiados direitos constitutivos da cidadania. Alémdessa dimensão – que por si só justifica a suaexistência –, as políticas sociais têm efeitos posi-tivos sobre a economia: incorporam pessoas aomercado e formam cidadãos que, ao teremoportunidades de inclusão produtiva, dinami-zam a economia. Existem fortes evidências deque o atendimento das necessidades humanasbásicas melhora a produtividade e o crescimen-to econômico, ampliando o retorno dos investi-mentos. Para potencializar esses investimentos,

temos de continuar avançando na integraçãodas políticas públicas.

A situação de pobreza não se resume à in-suficiência de renda. É o resultado de diversos fatores inter-relacionados: baixa escolaridade,poucas oportunidades de qualificação, difícilinserção no mercado de trabalho e acesso a postos mal remunerados e sem perspectivas deprogresso. Outra vertente cruel da pobreza é sua reprodução entre gerações: filhos de paispobres não têm as mesmas oportunidadeseducacionais e de ascensão social que os dasfamílias abastadas.

O desenvolvimento só será alcançado a par-tir da integração de todas as suas dimensões.Envolve estratégias que articulem – respeitan-do as demandas regionais e de cada segmentoda população – políticas de educação, saúde,reforma agrária, moradia, transporte coletivo,geração de trabalho e renda, economia solidá-ria, assistência social, segurança alimentar enutricional, transferência de renda, apoio à agri-cultura familiar, saneamento, cultura.

As políticas sociais devem ser permanentes,implementadas integradamente, acompanhan-do as demandas da população à medida que asociedade evolui, e não como medidas limita-das e paliativas direcionadas a soluções pon-tuais de problemas específicos. O Estado deveresponder às demandas por direitos decorrentesde um novo patamar civilizatório: alimentaçãoadequada, convivência familiar e comunitária,meio-ambiente sadio e sustentável.

De início, as políticas sociais devem assumircomo emergência corrigir as mazelas decorren-tes da enorme dívida social e promover o resga-te das situações que ferem a dignidade humana.Contudo, devem se articular estruturando umEstado de Bem-Estar Social que garanta e pro-mova a qualidade de vida de nossos cidadãos.O desenvolvimento nacional somente se con-cretiza quando todos os membros de uma so-ciedade podem realizar plenamente suas capa-cidades e aspirações, a partir de um patamarigual de direitos e oportunidades.

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P a t r u s A n a n i a sARTIGO

Pilar para o desenvolvimento

As políticas sociais

devem assumir como

emergência corrigir as

mazelas decorrentes

da enorme dívida

social e promover o

resgate das situações

que ferem a dignidade

humana. Contudo,

devem se articular

estruturando um

Estado de Bem-Estar

Social que garanta

e promova a

qualidade de vida

de nossos cidadãos

A

Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

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São Paulo

Para entender o desinteresse pela ciência

CIRCUITOciência&inovação

A Comissão Européia propôsaos países da União Européia acriação de um manual ou códi-go de conduta que permita tra-tar questões éticas suscitadasem pesquisas nas áreas de nano-ciência e nanotecnologia. Essecódigo deverá se organizar emtorno de sete princípios gerais –significado, precaução, inclusão,

Pesquisa realizada recente-mente em sete grandes cidadesdo Brasil, além de Colômbia, Ar-gentina, Venezuela, Espanha, Pa-namá e Chile, com apoio da RedeIberoamericana de Ciência e Tec-nologia (Ricyt), da Organizaçãodos Estados Iberoamericanos(OEI) e da Fundação de Amparo àPesquisa do Estado de São Paulo(Fapesp), mostrou que na cidadede São Paulo 35% de uma amos-tra de entrevistados revelou nãose interessar por ciência por não

Europa

Um manual de conduta para a nanociência

Pesquisadores

Um prêmio para estimulara publicaçãocientífica

Os docentes e pesquisadoresda Universidade Estadual Paulista(Unesp) que publicarem artigoscientíficos nas revistas Nature ouScience em 2008 receberão umprêmio no valor de R$ 15 mil, quedeverão ser aplicados em custeioou em pesquisa.A medida integra oPrograma de Estímulo à Divulga-ção do Conhecimento Gerado naUnesp.Além do prêmio individual, oprograma também concederá in-centivos de R$ 400 mil às unida-des acadêmicas e de R$ 50 mil àsunidades complementares queobtiverem o maior índice de publi-cação em revistas indexadas noScience Citation Index (SCI) e pe-riódicos classificados pela Capes.

excelência, inovação, responsa-bilidade e sustentabilidade – deforma a garantir que as pes-quisas não causem prejuízos apessoas, animais e plantas. A proposta prevê que os própriospesquisadores e as instituiçõesresponsáveis pela investigaçãosejam responsáveis por qualquerefeito negativo à saúde e ao

meio ambiente, eventualmenteprovocado por seu trabalho. AComissão sugere, ainda, que aspesquisas sejam compreensíveise transparentes, que contribuampara melhorar a qualidade de vi-da da sociedade e que sejam re-gidas pelas normas científicasmais estritas em termos de inte-gridade e de boas práticas.

compreender os textos de con-teúdo científico. Esses resulta-dos, que serão publicados noBrasil em breve, foram apresen-tados no congresso Cidadania ePolíticas Públicas em Ciência eTecnologia, realizado em Madri,na Espanha, entre os dias 5 e 8de fevereiro. Na avaliação deCarlos Vogt, secretário de EnsinoSuperior do Estado de São Paulo,a falta de interesse do públicopela ciência ou a falta de con-fiança na ciência e na tecno-

logia, ou nos cientistas, está in-serida em um contexto mais am-plo,“que envolve outras variáveisalém do ensino formal e do am-biente, como a cultura geral doindivíduo e os estímulos que re-cebe, por exemplo, pelos meios decomunicação”. Segundo ele, ini-ciativas como a divulgação cien-tífica e a capacitação de cien-tistas e de jornalistas para talatividade são importantes para seconsolidar a cultura científica deum país.

60 Desafios • fevereiro de 2008

Foto: Stockxpert

Foto: sxc.hu

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Dotações

Finep apóia tecnologias dainformação e comunicação

A Financiadora de Estudos eProjetos (Finep) divulgou o resul-tado das chamadas públicas “ÁreasTemáticas Prioritárias” e “Plata-formas para Conteúdos Digitais”,que devem destinar mais de R$ 80milhões para projetos inovadoresno setor de telecomunicações. Naprimeira – “Áreas Temáticas Priori-tárias” –, foram contemplados 17projetos (41% do Sudeste, 23% daregião Sul, e 18% de cada uma dasregiões Norte e Nordeste. Na se-gunda – “Plataformas para Con-teúdos Digitais”– foram seleciona-dos dois projetos, ambos de univer-sidades da região Sul. Os editais,lançados em outubro de 2007, de-finem que os recursos serão dotipo não-reembolsável, o que signi-fica que as empresas não precisa-rão devolver o dinheiro recebido, e

que virão do Fundo para o Desen-volvimento Tecnológico das Teleco-municações (Funttel). As “ÁreasTemáticas Prioritárias”têm o obje-tivo de apoiar o desenvolvimentotecnológico e industrial de áreascomo sistemas de comunicaçõesópticas e comunicação sem fio embanda larga, consideradas priori-tárias pelo conselho gestor doFunttel. Cada projeto receberá ummínimo de R$ 1 milhão.

Já as “Plataformas para Con-teúdos Digitais” pretendem darsuporte ao desenvolvimento detecnologias de produção, edição edistribuição de conteúdos digitaisinterativos para aplicações deeducação a distância. Essas pla-taformas permitirão operaçõesinterligadas do conteúdo em am-bientes web e televisão digital.

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Vizinhança

Pobreza compromete a habilidade verbal

Crescer em uma vizinhançaextremamente pobre reduz a habi-lidade verbal de crianças a umaproporção equivalente à perda deum ano de escolaridade, de acor-do com estudo publicado narevista norte-americana PNAS, deautoria de Robert Simpson, Patrick

O governo do Estado do Parárecriou o Instituto de Desenvolvi-mento Econômico, Social e Am-biental do Pará (Idesp), extinto em1999. O órgão contará com umorçamento de R$ 4 milhões em2008 e terá como primeira tarefa

Amazônia

Pará recria Instituto de Desenvolvimento

Sharkey e Stephen Raudenbush, daUniversidade de Harvard. Eleschegaram a essa conclusãodepois de acompanhar o desen-volvimento verbal de 2,2 milcrianças negras com idade entre6 e 12 anos, por um período desete anos.

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Região Sul

Santa Catarina já conta com lei estadual de inovação

O segundo estado brasileiroa contar com uma lei de inovaçãotecnológica é Santa Catarina. Oprimeiro foi o Amazonas.A legisla-ção catarinense, que foi sanciona-da pelo governador Luiz Henriqueda Silveira em 15 de janeiro, pre-vê a aplicação de 2% da receitalíquida do estado em atividades de pesquisa. Os recursos serãorepassados à Fundação de Apoio à

Pesquisa Científica e Tecnológicado Estado de Santa Catarina(Fapesc) e à Empresa de PesquisaAgropecuária e Extensão Rural deSanta Catarina (Epagri). A novalegislação busca reduzir a distân-cia entre os setores público eprivado e estimular a transferên-cia do conhecimento produzidonas universidades e institutos depesquisa para o setor produtivo.

A Embrapa Cerrados começaa avaliar o potencial do pinhãomanso (Jatropha curcas L.) paraprodução de biodiesel em dois ex-perimentos montados na área decampo em Planaltina, no DistritoFederal, onde foram plantadas1.600 mudas, divididas em duasáreas com condições de fertili-dade do solo distintas. As inves-tigações vão analisar a varia-bilidade genética, avaliar a res-posta a diferentes níveis defertilidade do solo e selecionaras plantas mais produtivas para

produção de biodiesel. As semen-tes foram fornecidas pela Embra-pa Algodão (Campina Grande –PB), Embrapa Meio Norte (Teresi-na – PI), Embrapa AgropecuáriaOeste (Dourados – MS), EmbrapaSemi-Árido (Petrolina – PE) e Uni-versidade de Lavras (MG). Paragarantir acessos de diferentes regiões, também foi feita coletade sementes em propriedades de Porangatu (GO), Arinos (MG) eParacatu (MG). A expectativa é deconcluir o trabalho entre três equatro anos.

a realização do macrozoneamentoeconômico-ecológico da região.O Idesp será dirigido por PeterMann de Toledo, pesquisador-titular do Instituto Nacional dePesquisas Espaciais (Inpe) e ex-diretor do Instituto Goeldi.

Cerrados

Pinhão manso paraproduzir biocombustível

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Negócios Solidários em Cadeias Produtivas: Prota-gonismo Coletivo e Desenvolvimento SustentávelLuiz Eduardo ParreirasEdição: Ipea, Anpec e Fundação Banco do Brasil,2007 – 224 páginas

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Construindo a viabilidadeem negócios solidários

ESTANTElivros e publicações

as últimas décadas, houve um sig-nificativo aumento no número dasiniciativas socioeconômicas cole-tivas que visam promover a coope-

ração ativa entre trabalhadores ou produ-tores autônomos e familiares, nas áreasurbanas e rurais, para viabilizar atividadesde produção, de prestação de serviços, decrédito, de comercialização e de consumo.Em sua maioria,essas iniciativas são fomen-tadas como alternativas ao desemprego, co-mo oportunidades de inclusão social e co-mo estratégias de dinamização de cadeiasprodutivas que têm por base a produção fa-miliar no âmbito de processos de desen-volvimento local ou territorial sustentável.

Apesar de alguns avanços, a viabilidadedesses empreendimentos econômicos soli-dários permanece um grande desafio.Alémdos limites de acesso a recursos e investi-mentos necessários para organizar a produ-ção e para acessar os mercados, existemtambém dificuldades internas na gestão dosnegócios coletivos. São essas as questõesmotivadoras do livro Negócios Solidários emCadeias Produtivas, elaborado por LuizEduardo Parreiras a partir de pesquisas sobre experiências recentes da FundaçãoBanco do Brasil na implantação de em-preendimentos solidários e sustentáveis deagricultores familiares em cadeias produti-vas da apicultura, da cajucultura e da man-diocultura na região Nordeste do Brasil.

A obra apresenta um conjunto de re-flexões sobre as condições necessárias àconstrução da viabilidade econômica e organizativa dessas iniciativas, cujo

“horizonte da ação há de ser o domínio da cadeia produtiva”. Trata-se, realmente,de um grande desafio, pois, além da fra-gilidade da capacidade de produção e da desarticulação entre os elos que constituemcada uma das cadeias produtivas analisa-das, o estudo constata a posição de absolu-ta subalternidade e subordinação dos agri-cultores familiares e de suas organizações.Enquanto a subalternidade reflete a baixaparticipação desses produtores no volu-me das vendas realizadas e nos resultadoseconômicos alcançados, a subordinaçãoexpressa a dependência política, tecno-lógica e econômica desses produtores emrelação às decisões, sobretudo de mercado,que são tomadas em outros espaços e poroutros atores.

A análise inicia pela própria concepçãoe princípios que orientam as experiênciasanalisadas, comparando-as com as de ou-tros programas de combate à pobreza ru-ral, implantados na região Nordeste desde a década de 1970. A pesquisa avança naabordagem das diferentes metodologias de estruturação da agricultura familiar em cadeias produtivas, identificando doisgrandes desafios: o domínio do processode comercialização e o protagonismo co-letivo na gestão de negócios solidários.

Em relação ao primeiro, a obra analisa o caráter estratégico do domínio da etapacomercial para que os agricultores fami-liares organizados coletivamente possamavançar no “exercício da governança dacadeia produtiva”, também entendida co-mo “desenvolvimento de uma capacidade

de comercialização própria” (página 191).Essa constatação indica a necessidade deinvestimento na capacidade de comercia-lização como elemento relevante nas estra-tégias de dinamização de cadeias produ-tivas de base familiar.

O outro desafio analisado diz respeito à construção da autogestão, ou seja, doexercício do protagonismo coletivo dosassociados como elemento de viabilidadedesses empreendimentos. Refere-se tanto àcapacidade de tomada de decisões internas,de forma democrática, quanto à afirmaçãode sujeitos coletivos, ativos e conscientes,com a necessária autonomia nas relaçõessociais, políticas e econômicas que es-tabelece com o seu entorno. Nesse aspec-to, a formação integral e sistemática éapontada pelo autor como uma alternati-va de viabilidade: “considerando-se as di-versas áreas de gestão a serem dominadas,o tipo específico de público a ser capaci-tado, vale dizer, metodologias de forma-ção e capacitação especificamente dese-nhadas para atendê-los” (página 212).

A descrição dos desafios e a análise dealternativas metodológicas têm como fina-lidade reafirmar a possibilidade e a impor-tância da estruturação da agricultura fami-liar em cadeias produtivas como estratégiapara dinamização econômica de territóriosrurais. Trata-se de uma aposta na sustenta-bilidade do desenvolvimento em áreasrurais da região Nordeste do Brasil.

Roberto Marinho Alves da Silva

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Desaf ios • fevereiro de 2008 63

A Abertura dos PortosLuis Valente de Oliveira e Rubens Ricupero(organizadores)Editora Senac São Paulo, 2007 – 352 páginas – R$ 50,00

Abrir os portos foi só o começo...

uzentos anos de administração doBrasil a partir do Brasil, depois de300 anos de colonização pela me-trópole portuguesa, são sempre

motivo de comemoração. Editoras não deixam de aproveitar. A Planeta saiu nafrente, ainda em 2007, com o ensaio de le-ve leitura (mas muito bem pesquisado) deLaurentino Gomes, 1808. A Senac-SP veiologo em seguida com este livro binacio-nal organizado por um engenheiro civilportuguês e um diplomata brasileiro. São 12 estudos (seis autores portugueses e seisbrasileiros) de alta densidade histórica por parte de um coletivo de especialistas na história portuguesa e brasileira. Mas AAbertura dos Portos vai muito além de seutítulo reducionista.

Dizer que a abertura dos portos visou aocomércio com as nações amigas é uma for-mulação muito ampla, lembra o organiza-dor português [Oliveira] – “o que ela, de fa-to, autorizou foram as relações comerciaiscom a Inglaterra”. O organizador brasileiro[Ricupero] confirma com denso texto queaborda o contexto diplomático da decisão –as complicadas relações com a Inglaterra,França, Estados Unidos e outras potências,os antecedentes imediatos da medida e a ne-gociação dos tratados de 1810. Evidencia oque identifica como pontos de contato como atual projeto da Alca: o “liberalismo enga-noso”, discriminando parceiros; a falta dereciprocidade, com exclusão de produtoscompetitivos brasileiros; e o tratamento es-pecial reservado aos investidores estrangei-ros em caso de disputas comerciais.

Carlos Guilherme Mota comparece logoem seguida, com uma revisão do ciclo quevai da era pombalina até o final do PrimeiroImpério (1750-1831): é um percurso que vêo Brasil figurar pela primeira vez no concer-to das nações. O português Valentim Ale-xandre retoma a análise do alvará de aber-tura dos portos e dos tratados de 1810,confirmando sua total assimetria e os pro-blemas fiscais deles derivados, em ambosaspectos totalmente desfavoráveis a Portu-

gal e ao Brasil. As migrações para o Brasilsão o tema da portuguesa Ângela Domin-gues, que retraça as iniciativas joaninaspara o estabelecimento de um fluxo migra-tório sueco (em Sorocaba – SP) e suíço (emNova Friburgo – RJ).

O brasileiro Francisco Alambert exami-na o período do ponto de vista das artes eda cultura, com foco na chegada da MissãoArtística Francesa, em 1816. Se o podereconômico estava indiscutivelmente com aInglaterra, o Brasil sempre respirou culturapelo lado francês, numa importação direta,cuja figura principal é Debret. O portuguêsJosé Luiz Cardoso refaz a evolução dasidéias econômicas na época, com a absor-ção entusiasta das de Adam Smith, em par-ticular através de José Maria Lisboa, cujaobra em defesa da liberalização do comér-cio, Observações sobre o comércio franco noBrasil (a primeira a ser impressa no Brasil,pela Imprensa Régia, ainda em 1808), éexaminada com lucidez.

Lincoln Secco, da Universidade de SãoPaulo (USP), segue o percurso das idéias li-berais, no Brasil e na península ibérica.Considera que houve uma revolução bur-guesa “incompleta” em Portugal, ao velhoestilo de “fazer reformas para evitar revo-luções”. O português Eugénio dos Santossegue a carreira acadêmica, científica e mi-litar do nosso Patriarca da Independência,José Bonifácio, aspectos que ficaram em se-gundo plano na historiografia tradicional.Ele tinha de se dividir entre seus cursos naUniversidade de Coimbra, uma assessoriana Casa da Moeda em Lisboa e prospec-ções minerais em todo o país, e consideravaos seus colegas de Coimbra “enfatuados,vaidosos e possuidores de um saber apenaslivresco e oco de significado”. Na invasãofrancesa, tomou armas. Quando parte parao Brasil, em 1819, com 56 anos, era um es-tadista experiente.

Este que aqui escreve assina um artigoauto-explicativo, chamado “A formaçãoeconômica brasileira a caminho da auto-nomia política: uma análise estrutural e

conjuntural do período pré-independên-cia”, uma análise do contexto econômicocolonial e da gradual emergência de umaeconomia voltada para a acumulação in-terna, no contexto das relações econô-micas internacionais e dos processos detransformação do sistema econômico noinício do século XIX. A pernambucanaMaria Leda Oliveira da Silva lembra quefrei Vicente do Salvador já tinha defen-dido, em 1630, a transferência da cortepara o Brasil. Assim, 1808 não represen-tou algo totalmente inédito.

O português Jorge Couto, conhecidopor sua tese da descoberta do Brasil em1498, por Duarte Pacheco Pereira, trata da delimitação das fronteiras do Brasil, deD. Manuel I a D. João VI (da descoberta atéa união dos reinos, com destaque para oTratado de Madri, que alargou nossas fron-teiras). Finalmente, os santistas José Ro-drigues e José Pascoal Vaz acompanham200 anos de transformação socioeconô-mica dos portos brasileiros, seu cresci-mento e problemas atuais, sobretudo noque se refere à mão-de-obra. Rica icono-grafia ilustra o livro, um marco comemo-rativo destes dois séculos desde o alvará“libertador do comércio”. Tempo de reto-mar o processo, seguramente…

Paulo Roberto de Almeida

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Fruto de uma parceria entre o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e órgãos es-taduais de estatística, o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios brasileiros em 2005, que ficou pronto no final de 2007, mostra que a renda gerada no país continua muito concentrada e desigual também do ponto de vista da localização. Apenas cinco capitais somam 25% do PIB do Brasil; os primeiros 14, que incluem vários municípios do interior paulista, chegam a um terço do PIB; e com 51 alcança-se a metade do PIB do país. Já entre os 35 municípios brasileiros de menor PIB, nada menos que 30 estão na região Nordeste. Os dados do PIB per capita, entretanto, se caracterizam por circunstâncias particulares. Os dois municípios com maior PIB estão por coincidência no Triângulo Mineiro e chegam a essa posição por terem baixa densidade populacional e abrigarem duas das três maiores usinas hidrelétricas de Minas Gerais; e o terceiro maior é sede da principal refinaria de petróleo do país, na Bahia.

A paridade do poder de compra (PPC) – em inglês, purchasing power parity (PPP) – é um método alternativo à taxa de câmbio. Muito útil para compa-rações internacionais, mede quanto uma determinada moeda poderia comprar se não fosse influenciada pelas razões de mercado ou de política econômica que determinam a taxa de câmbio. Leva em conta, por exemplo, diferenças de rendi-mentos e de custo de vida. É necessária para comparações de produtos internos brutos (PIBs). Com relação a 146 países abrangidos no cálculo em dólares PPC feito pelo Banco Mundial com dados de 2005, apenas 19 (todos eles entre os mais desenvolvidos) apresentam taxa inferior à verificada nas transações co-merciais. Os Estados Unidos, país padrão do dólar, tem PPC = 1. Todos os demais apresentam ganho no PIB em dólar PPC.

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Importante contribuição pa-ra o entendimento do momen-to atual no país, nos camposeconômico e social, é como pos-so resumir os comentários dosdiretores do Instituto de Pesqui-sa Econômica Aplicada (Ipea)sobre as “Perspectivas para2008”, publicados na últimaedição da revista Desafios doDesenvolvimento. Faço votosque Desafios siga esse caminho,abrindo seu espaço para leiturascomo essa. Gostaria também de destacar a entrevista com oex-ministro Delfim Netto, cujospontos de vista, embora muitopessoais, nos fazem pensar.

Judith CuscoSão Paulo/SP

Em primeiro lugar, gostaria de parabenizar a revista Desa-fios do Desenvolvimento peloseu nº 38, que traz não apenasmatérias de amplo interesse,como as questões da TV públi-ca e dos gastos governamentais,mas trata ainda de assuntos quesensibilizam o leitor, como aproblemática dos idosos, abor-dada no artigo de Gustavo Tri-go, e a excelente reportagem so-bre o intercâmbio cultural entrecrianças brasileiras e africanas,

projeto que vem sendo desen-volvido por Dirce Carrion. Ini-ciativas como essa certamentemerecem todo o nosso respei-to. Também não passaram des-percebidas mudanças, como omelhor aproveitamento do es-paço gráfico da revista e a maiorsobriedade das ilustrações, evi-tando os exageros. No entan-to, percebi também a ausênciada seção de resenhas, “Estante”,que espero ser devido a algu-ma eventualidade momentâ-nea. Torço para que ela retor-ne no próximo número e apro-veito para fazer uma sugestão:que esta seção seja aberta acolaborações externas, acolhen-do resenhas sobre livros de in-teresse dos temas abordados na revista.

Isabel PiresRio de Janeiro/RJ

Percebi uma nítida mudan-ça na linha editorial da revista.A abordagem mais científica dosproblemas e soluções brasilei-ros deu lugar a uma defesaideológica, quase religiosa, doatual governo. O que aconteceu?Como estudante e profissional,temo que esta abordagem façacom que a revista perca assinan-tes, como será o meu caso, in-felizmente. Tenho esperança deque a mudança seja apenas pas-sageira, pois sempre tive o Ipeacomo instituição de alta compe-tência técnica e respeitável pe-lo seu esforço em buscar solu-ções de longo prazo, de umponto de vista pragmático erealista.

Marcio Luiz da Silva GamaBrasília/DF

Gostaria de agradecer a pu-blicação, na revista Desafios

de dezembro (Ano 4 nº 38),da minha crítica à escola públi-ca no Brasil. Espero para esteano mudanças positivas na edu-cação, com maior engajamen-to político dos professores eparticipação, como um todo,da sociedade na vida do país,pois precisamos amadurecernossa democracia. Gostaria desugerir para 2008 uma grandepublicação no âmbito da edu-cação no Brasil, com partici-pação efetiva dos gestores, edu-cadores e professores. Proponhoainda a elaboração de uma re-vista que atenda aos estudantes,tanto na organização para osestudos e pesquisa como naquestão informativa, com publi-cações do tipo “livros para-didáticos”. Para finalizar, que-ro deixar aqui minha satisfaçãopor, de certo modo, participarda revista Desafios.

Gustavo Varella AmorimBelo Horizonte/MG

Sou aposentado do Ipea eatualmente professor titular de sociologia da Universidade de Brasília (UnB), quase apo-

sentado. Primeiro, quero agra-decer o envio regular da revista,que muito aprecio. Estou mui-to honrado por esta deferên-cia. As coisas mudaram muito,entrementes, e este tipo de re-vista veio a calhar, porque une,inteligentemente, rigor científicocom boa comunicação. Para-béns. Segundo, gostaria de co-mentar que as análises, em ge-ral, são excessivamente “róseas”,principalmente em educação eBolsa Família. Mando em anexotextos meus recentes, num dosquais faço comentários críti-cos sobre a questão da educa-ção (“Alfabetizar em três anos –Aos pobres, a pobreza”). Porexemplo, no último número,o texto “Um novo país emer-ge das estatísticas” é maravi-lhoso como trato elegante dedados, mas a visão é “rósea”. OIpea não é “governo”, mas “es-tado” – um pouco de distânciafaria bem. Mesmo assim, comotoda interpretação é fruto deoutra, e assim sem fim, a minhatambém. Não me impede deapreciar o trabalho de vocês.

Pedro DemoBrasília/DF

CARTAS A cor r e s pond ê n c i a p a ra a r e d a ç ão d e ve s e r e n v i ad a p a ra d e s a f i o s@ip e a . g ov. b r

ou para SBS Quadra 01 - Ed i f íc io BNDES - Sala 906 - CEP: 70076-900 - Brasí l ia - DF

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66 Desafios • fevereiro de 2008

Acesse o conteúdo da revista Desaf ios do Desenvolvimento no endereço:

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Aos leitores,Desafios do Desenvolvimento agradece as pautas sugeridaspor diversos leitores que escreveram. Todas aquelas que aten-derem à linha editorial da revista serão analisadas e apuradaspela equipe de reportagem no devido tempo.

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