09. galatas - comentário esperança

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  • 8/3/2019 09. Galatas - Comentrio Esperana

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    CARTA AOSGLATAS

    COMENTRIO ESPERANA

    autor

    Adolf Pohl

    Editora Evanglica Esperana

    Ttulo do original em alemo: Wuppertaler Studienbibel ErgnzungsfolgeDer Brief des Paulus an die Galater

    Copyright 1995 R. Brockhaus Verlag, Wuppertal

    Coordenao editorial

    Walter FeckinghausTraduoWerner Fuchs

    Reviso de textoRoland KrberBetina Krber Silva

    CapaLuciana Marinho

    Editorao eletrnicaMnoel A. Feckinghaus

    Impresso e acabamentoImprensa da F

    ISBN 85-86249-33-5 BrochuraISBN 85-86249-32-7 Capa dura

    O texto bblico utilizado, com a devida autorizao, a verso Almeida Revista e Atualizada (RA) 2 edio, da Sociedade Bblicado Brasil, So Paulo, 1997.1 edio em portugus: 1999Copyright 1999, Editora Evanglica Esperana proibida a reproduo total ou parcial sem permisso escrita dos editores.Publicado no Brasil com a devida autorizao e com todos os direitos reservados pela:

    Editora Evanglica EsperanaRua Aviador Vicente Wolski, 353

    82510-420 Curitiba-PR

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    SumrioORIENTAES PARA O USURIO DA SRIE DE COMENTRIOS

    NDICE DE ABREVIATURASPREFCIO DO AUTOR

    QUESTES INTRODUTRIAS1. Como se caracteriza o texto transmitido?2. Quem era o autor?3. Quem eram os destinatrios?4. Qual foi o motivo da carta?5. Quando e onde foi escrita a carta?6. Como a carta deve ser enquadrada teologicamente?

    COMENTRIO

    I. INTRODUO, 1.1-121. O cabealho da carta (Prefcio), 1.1-52. Acusao de apostasia e anncio de juzo para os sedutores, 1.6-93. Defesa contra a difamao e tese contrria, 1.10-12

    II. A PRIMEIRA SEO DA CARTAO evangelho livre da lei pregado por Paulo tem origem no prprio Deus e foi reconhecido pela igreja primitiva em

    Jerusalm, 1.132.211. Antes de sua vocao Paulo era totalmente avesso a influncias crists, 1.13,142. A vocao de Paulo aconteceu diretamente por Deus e sem instruo subseqente por pessoas, 1.15-173. Em anos posteriores estabeleceu-se um relacionamento fraterno com Pedro, Tiago e as igrejas da Judia, 1.18-

    244. Em vista de ataques judastas Paulo obteve reconhecimento oficial da igreja originria de Jerusalm para a sua

    misso livre da lei entre gentios, 2.1-105. Publicamente Paulo defendeu perante a igreja de Antioquia de forma inabalvel a verdade do evangelho

    quando at Pedro vacilou, 2.11-21

    III. A SEGUNDA SEO DA CARTAO evangelho livre da lei pregado por Paulo coincide com a Escritura, 3.15.12UNIDADE 1:No a lei, mas a morte de Cristo trouxe a bno prometida, 3.1-14

    1. Que diz a experincia prpria dos glatas?, 3.1-52. Conforme a Escritura so os que crem que so filhos de Abrao e possuem a sua bno, 3.6-9

    3. A lei coloca o ser humano sob a maldio porque ela no faz parte da ordem da f, 3.10-124. Porm por sua morte Cristo redimiu judeus e gentios da maldio da lei, para que na f recebessem a bno de

    Abrao, a saber, o Esprito, 3.13,14UNIDADE 2: Qual, ento, a razo de ser da lei?, 3.154.7

    5. J pelas condies histricas a lei no capaz de prejudicar a promessa a Abrao nem sequer de atingi-la, 3.15-18

    6. A verdadeira incumbncia da lei reside em impelir o ser humano pecador para a profundeza de sua existncia econserv-lo na condio de acusado, 3.19-22

    7. Primeira figura: A lei como priso, 3.238. Segunda figura: A lei como vigilante, 3.24-29

    9. Terceira figura: A lei como tutora, 4.1-7UNIDADE 3: O significado, decorrente para os glatas, da subordinao lei, 4.85.12

    10. Comprometer-se com a lei de Moiss significaria um retorno insensato servido sob os elementos csmicos,4.8-11

    11. Voltar-se aos judastas seria um afastamento incompreensvel da imitao apostlica, 4.12-20

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    12. Seria tolo querer submeter-se lei sem tambm lhe dar ouvidos nos pontos em que ela prpria aponta paraalm de si, 4.21-31

    13. Se os glatas realizassem a circunciso como planejaram, perderiam sua posio na liberdade de Deus e nacomunho com Cristo, 5.1-6

    14. Os sedutores com seu ensino destrutivo e suas difamaes absurdas esto destinados ao juzo divino, 5.7-12

    IV. A TERCEIRA SEO DA CARTAO evangelho livre da lei pregado por Paulo comprovado por sua fertilidade tica, 5.136.10

    1. Livres da escravido da lei, mas sem abusar de sua liberdade, cristos prestam a seu semelhante o servio deescravo do amor, cumprindo assim a lei, 5.13-152. A exortao para andar no amor exortao para andar no Esprito, o qual, no campo de tenso do cotidiano,

    mantm a vitria contra os desejos carnais, 5.16-263. Como a igreja age guiada pelo Esprito no caso de uma falha nas prprias fileiras, cumprindo a lei de Cristo,

    6.1-54. Como a igreja preserva a comunho com seus mestres tambm em dias crticos e semeia de todas as maneiras

    sobre [RA: para] o Esprito, para colher assim a vida eterna, 6.6 -10

    V. O ENCERRAMENTO DA CARTA(Ps-escrito),6.11-18

    NDICE DE LITERATURACOMENTRIOS EM PORTUGUS

    ORIENTAESPARA O USURIO DA SRIE DE COMENTRIOS

    Com referncia ao texto bblico:O texto de Glatas est impresso em negrito. Repeties do trecho que est sendo tratado tambm esto impressas

    em negrito. O itlico s foi usado para esclarecer dando nfase.

    Com referncia aos textos paralelos:

    A citao abundante de textos bblicos paralelos intencional. Para o seu registro foi reservada uma coluna margem.

    Com referncia aos manuscritos:Para as variantes mais importantes do texto, geralmente identificadas nas notas,foram usados os sinais abaixo, que

    carecem de explicao:

    TM O texto hebraico do Antigo Testamento (o assim-chamado Texto Massortico). A transmisso exata do textodo Antigo Testamento era muito importante para os estudiosos judaicos. A partir do sculo II ela tornou-seuma cincia especfica nas assim-chamadas escolas massorticas (massora = transmisso).Originalmente o texto hebraico consistia s de consoantes; a partir do sculo VI os massoretasacrescentaram sinais voclicos na forma de pontos e traos debaixo da palavra.

    Manuscritos importantes do texto massortico:

    Manuscrito: redigido em: pela escola de:Cdice do Cairo (C) 895 Moiss ben AsherCdice da sinagoga de Aleppo depois de 900 Moiss ben Asher(provavelmente destrudo por um incndio)Cdice de So Petersburgo 1008 Moiss ben AsherCdice n 3 de Erfurt sculo XI Ben NaftaliCdice de Reuchlin 1105 Ben Naftali

    Qumran Os textos de Qumran. Os manuscritos encontrados em Qumran, em sua maioria, datam de antes de Cristo,portanto, so mais ou menos 1.000 anos mais antigos que os mencionados acima. No existem entre elestextos completos do AT. Manuscritos importantes so:

    O texto de Isaas O comentrio de Habacuque

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    Sam O Pentateuco samaritano. Os samaritanos preservaram os cinco livros da lei, em hebraico antigo. Seusmanuscritos remontam a um texto muito antigo.

    Targum A traduo oral do texto hebraico da Bblia para o aramaico, no culto na sinagoga (dado que muitos judeusj no entendiam mais hebraico), levou no sculo III ao registro escrito no assim-chamado Targum (=traduo). Estas tradues so, muitas vezes, bastante livres e precisam ser usadas com cuidado.

    LXX A traduo mais antiga do ATpara o grego chamada de Septuaginta (LXX = setenta), por causa da histria

    tradicional da sua origem. Diz a histria que ela foi traduzida por 72 estudiosos judeus por ordem do reiPtolomeu Filadelfo, em 200 a.C., em Alexandria. A LXX uma coletnea de tradues. Os trechos maisantigos, que incluem o Pentateuco, datam do sculo III a.C., provavelmente do Egito. Como esta traduoremonta a um texto hebraico anterior ao dos massoretas, ela um auxlio importante para todos ostrabalhos no texto do AT.

    Outras Ocasionalmente recorre-se a outras tradues do AT. Estas tm menos valor para a pesquisa de texto, porserem ou tradues do grego (provavelmente da LXX), ou pelo menos fortemente influenciadas por ela (oque o caso da Vulgata):

    Latina antiga por volta do ano 150 Vulgata (traduo latina de Jernimo) a partir do ano 390 Copta sculos III-IV Etope sculo IV

    NDICE DE ABREVIATURAS

    I. Abreviaturas gerais

    AT Antigo TestamentoNT Novo Testamentogr Gregohbr Hebraicokm Quilmetroslat Latimopr Observaes preliminarespar Texto paraleloqi Questes introdutriasTM Texto massorticoLXX Septuaginta

    II. Abreviaturas de livros

    AThANT Abhandlungen zur Theologie des Alten und Neuen TestamentesBDR Grammatik des ntl. Griechisch, Blass/Debrunner/Rehkopf

    Bill Kommentar zum Neuen Testament aus Talmud und Midrasch, H. L. Strack, P. BillerbeckCE Comentrio EsperanaEKK Evangelisch-katolisch Kommentar zum Neuen TestamentEWNT Exegetisches Wrterbuch zum NTHThK Herders Theologischer KommentarKEK Kritisch-exegetischer Kommentar ber das Neue TestamentKNT Kommentar zum NTLzB Lexikon zur Bibel, organizado por Fritz RieneckerNTD Das Neue Testament DeutschRAC Reallexikon fr Antike und ChristentumThWAT Theologisches Wrterbuch zum Alten Testament

    ThWNT Theologisches Wrterbuch zum Neuen TestamentTRE Theologisches RealenzykklopdieWStB Wuppertaler StudienbibelWUNT Wissenschaftliche Untersuchungen zum Neuen TestamentZNW Zeitschrift fr neutestamentliche Wissenschaft

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    III. Abreviaturas das verses bblicas usadas

    O texto adotado neste comentrio a traduo de Joo Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada no Brasil, 2 ed.(RA), SBB, So Paulo, 1997. Quando se fez uso de outras verses, elas so assim identificadas: RC Almeida, Revista e Corrigida, 1998.NVI Nova Verso Internacional, 1994.BJ Bblia de Jerusalm, 1987.BLH Bblia na Linguagem de Hoje, 1998.

    BV Bblia Viva, 1981.VFL Verso Fcil de Ler, 1999.

    IV. Abreviaturas dos livros da Bblia

    ANTIGO TESTAMENTO

    Gn Gnesisx xodoLv LevticoNm NmerosDt DeuteronmioJs JosuJz JuzesRt Rute1Sm 1Samuel2Sm 2Samuel1Rs 1Reis2Rs 2Reis1Cr 1Crnicas2Cr 2CrnicasEd EsdrasNe Neemias

    Et EsterJ JSl SalmosPv ProvrbiosEc EclesiastesCt Cntico dos CnticosIs IsaasJr JeremiasLm Lamentaes de JeremiasEz EzequielDn Daniel

    Os OsiasJl JoelAm AmsOb ObadiasJn JonasMq MiquiasNa NaumHc HabacuqueSf SofoniasAg AgeuZc Zacarias

    Ml MalaquiasNOVO TESTAMENTO

    Mt MateusMc Marcos

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    Lc LucasJo JooAt AtosRm Romanos1Co 1Corntios2Co 2CorntiosGl GlatasEf EfsiosFp FilipensesCl Colossenses1Te 1Tessalonicenses2Te 2Tessalonicenses1Tm 1Timteo2Tm 2TimteoTt TitoFm FilemomHb HebreusTg Tiago

    1Pe 1Pedro2Pe 2Pedro1Jo 1Joo2Jo 2Joo3Jo 3JooJd JudasAp Apocalipse

    PREFCIO DO AUTOR

    Quem reside numa rea rural e sai de casa noite, no primeiro momento enxerga como num armrio

    escuro. Somente aos poucos o olho se acostuma escurido, at que o jardim, as rvores, a rua, o cu e aterra se destacam com contornos ntidos. assim que pode acontecer quando abordamos a carta aos Glatas.No comeo no conseguimos captar muito bem o que que causa tanta celeuma. Parece que Paulo estlutando veementemente com o ar, ou seja, com uma pergunta que no significa nada para a vida da igreja dehoje: Acaso homens cristos tm de se fazer circuncidar? No entanto, quem vai aprofundando suaconvivncia com esse escrito, percebe de modo crescente como nele se destaca uma verdade lmpida. averdade do evangelho. Ela exposta com uma coerncia interna que interfere inevitavelmente tambm namisria de nossas alienaes e sincretismos.

    Como naquele tempo, existem tambm hoje os glatas insensatos. So cristos nos quais Deus infundiupor meio de seu Esprito a exclamao, o grito de liberdade: Senhor Jesus! Contudo, quando depoisdisso avultaram diante deles novamente elementos da era antiga, esses libertos de Deus esticaram seus

    pescoos e permitiram que lhes fosse imposto novamente o jugo. O nome desses elementos legio, poisso numerosos. uma poro de coisas e sistemas, normas e formas que morreram com a crucificao deJesus, porm foram agora transformados em ponto de aferio do evangelho. As pessoas lhes servem deolhos radiantes, e querem que o Senhor Jesus ainda as ajude nisso. Contudo, quem transforma dessa maneirao Senhor dos senhores no segundo em importncia, derruba-o do trono.

    O desejo por trs deste comentrio que por meio desta parcela da Bblia possamos vir a amar a Bbliainteira e sua mensagem, e que possa raiar para ns a justia de Cristo, a liberdade de Deus e a verdade doEsprito Santo.

    Buckow (Alemanha), 1995Adolf Pohl

    QUESTES INTRODUTRIAS

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    Da parte de Paulo no temos nenhuma troca de correspondncia, mas somente cartas dele, ou seja, apenasuma espcie de dilogos pela metade. Podemos ilustrar o significado deste fato por meio de uma conversatelefnica em que se escuta somente um dos participantes. Ouvimos o que nosso amigo fala ao fone, suasperguntas e reaes, sua animao ou excitao. Apesar de j podermos tirar as nossas concluses,perguntamos depois do telefonema: Quem era? Que queria? Apenas o esclarecimento de algumascircunstncias na outra ponta da ligao tornam totalmente compreensveis para ns as palavras queouvimos nosso amigo dizer.

    Cabe s assim chamadas questes introdutrias, que fazem parte de todo comentrio, indagar pelascircunstncias de uma carta existente. So perguntas como: quem a escreveu, quando e onde, e sobretudo aquem essa pessoa escreveu, por que e para qu? P. ex., quem era aquele que Paulo est atacando com tantaveemncia? Que que ele defendia? Oferecem-se de modo excelente, como recursos auxiliares, os escritosmais prximos no NT. Mas tambm as comparaes exatas dos pontos de referncia oferecidos pela prpriacarta permitem dedues. Como afirmamos, possuem peso singular as perguntas pelos destinatrios ouadversrios. So quase mais importantes que a pergunta pelo autor. Pois, no presente caso, o autor conhecido h tempo por meio de muitas outras cartas e notcias.

    1. Como se caracteriza o texto transmitido?

    a. Extenso

    A carta aos Glatas pertence ao grupo das cartas mais breves de Paulo. Seus escritos aos Corntios ouRomanos so duas a trs vezes maiores. Apesar disso, comparada com cartas antigas, que na mdia nemsequer se equiparam pequena Filemom, Glatas tem uma extenso incomum. Portanto, o veculo cartafoi alongado, talvez comparvel a uma conversa telefnica excessivamente demorada. Por fora decircunstncias, Gl tinha de substituir uma visita que se fazia necessria: Pudera eu estar presente, agora,convosco (Gl 4.20).

    b. QualidadeTm preferncia os manuscritos gregos, porque o texto original, como em todos os escritos do NT, foi

    composto em grego. Constitui um manuscrito especialmente respeitvel e muito precioso, um verdadeirocaso de sorte na transmisso, o Papiro 46, da poca por volta do ano 200, que foi descoberto somente em

    1930. Ao lado de outras cartas do NT ele tambm contm Gl, com apenas poucas lacunas. Alguns anos maistarde apareceu o Papiro 51, do tempo em torno do ano 400, com alguns versculos de Gl 1. Aps o ano 400o pergaminho passou a impor-se de modo crescente como material para inscrio de textos. No concernentea Gl, possumos cerca de 20 manuscritos de pergaminho dos sculos IV a IX (maisculos), dos quais dezmerecem o predicado qualidade especial. Acrescenta-se um sem-nmero de manuscritos mais recentes(minsculos), sem esquecer a plenitude de tradues latinas e em outras lnguas, que tambm so valiosas. bvio que todos esses manuscritos denotam divergncias entre si (variantes), mas nenhuma delas possuialgum peso que afete o contedo. No essencial, Glatas foi transmitido inclume.

    2. Quem era o autor?

    Com a primeira palavra de sua carta ele se denomina de Paulo e repete em Gl 5.2: Eu, Paulo, vosdigo. Em todas as suas cartas ele faz uso desse cognome romano, que ele certamente possua de sde ainfncia. somente em At que somos informados de seu nome hebraico Saul. No nosso sculo

    praticamente silenciaram as dvidas contra essa indicao de autoria. Glatas o mais genuno do genunoque temos de Paulo.

    No entanto, a autoria de Paulo no significa que ele tenha escrito a carta de prprio punho. Oencerramento da carta, escrito expressamente pelo prprio autor, em Gl 6.11-18, pressupe, para a maiorparte, a colaborao de um secretrio, como era usual da Antigidade. Esse poderia ter sido um dos co-remetentes mencionados em Gl 1.2. No possvel esclarecer em que medida essas pessoas eram co-responsveis pelo formato final do escrito. A questo poderia ser mais complicada que ns atualmentepresumimos. Contudo, pelo fato de sempre de novo lermos: Fao-vos; Irmos, falo como homem;

    Digo; Sede qual eu sou; dou testemunho; Dizei-me; escrevi de meu prprio punho (Gl 1.11; 3.15;4.1,12,15,21; 5.16; 6.11), no se pode pr em dvida o papel decisivo do apstolo.

    3. Quem eram os destinatrios?

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    a. Uma federao de igrejasDe acordo com Gl 1.2 a carta dirigida s igrejas da Galcia. O plural igrejas permite pensar em no

    mnimo dois, e preferencialmente em trs ou mais grupos de cristos. Deste modo o escrito representa umaespcie de carta circular que fazia o rodzio nas reunies crists de uma regio, sendo lida em pblico. Ocostume de ler abertamente cartas do apstolo mencionado em 1Ts 5.27: Conjuro-vos, pelo Senhor, queesta epstola seja lida a todos os irmos (o que naquele tempo inclua as mulheres). Em Ap 1.3 referidoum preletor. Cl 4.16 comprova o intercmbio de cartas entre igrejas vizinhas.

    evidente que as igrejas s quais se dirige a carta estavam estreitamente ligadas entre si. Neste sentido que falamos de uma federao de igrejas. Elas tinham tanto em comum que para todas elas servia a mesmacarta. Neste aspecto elas se distinguiam, p. ex., das igrejas de outra provncia conhecida, a saber, das seteigrejas na sia, que receberam uma interpelao em separado no mbito de Ap. Daquelas missivastambm se depreendem nitidamente as respectivas situaes e constituies diversas. Na Galcia isso eradiferente. Para essa regio Paulo podia escrever a todas conjuntamente frases como, p. ex., Gl 4.13-15, ouseja, podia evocar lembranas concretas, comuns, referentes sua primeira visita. Alm disso, tinham emcomum que entrementes atuavam entre elas missionrios de outro evangelho e, por fim, tambm a mesmaabaladora vulnerabilidade diante do mesmo (Gl 1.6; 3.1). Este sincronismo da experincia impele-nos apensar num espao comum de vida supervisionvel. Talvez se tratasse de igrejas domiciliares de uma nicacidade que se originaram de uma primeira igreja domiciliar. Tambm em Jerusalm havia todo um crculo

    de igrejas domiciliares (At 2.46), e talvez de modo similar em Corinto (1Co 1.16; 16.15).Por fim, depe em favor de uma misso urbana dessas o fato de que Paulo escrevia em grego edemandava claros esforos intelectuais. Nas regies rurais da Galcia ainda se manteve por muito tempo alngua celta. Portanto, Paulo pressupunha leitores cultos, urbanos, talvez como os da capital da provncia,Ancyra, hoje Ancara, a capital da Turquia.

    b. A Galcia

    Exposio do problema

    glatas insensatos! exclama Paulo em Gl 3.1. O termo grego galatai a forma mais recente de keltai(celtas) e significa em latim galli, a saber, gauleses. Estranhamos. Estaria Paulo escrevendo para a Glia, ou

    seja, para a Frana? Em vista de que em 2Tm 4.10 ele informa: Crescente foi para a Galcia, de fato noforam poucos os copistas que mudaram para Glia. Considerando, porm, que Paulo no presente casoescreveu a igrejas fundadas por ele prprio, entra em cogitao somente a Galcia na sia Menor, pois naFrana ele nunca foi missionrio.

    Em que regio da sia Menor situamos a Galcia? A pergunta no to fcil de responder quantoinicialmente possa parecer. Pois ali existiam duas constelaes com esse nome, que se sobrepem apenasparcialmente em termos fsicos, a saber, uma rea menor como regio e uma maior como provncia. Emdecorrncia, h tambm duas respostas. Para elucidar a questo necessrio certo aprofundamento.

    Por causa de seu esprito de conquista, os glatas da sia Menor nunca se restringiram a seu verdadeiroterritrio de colonizao no interior da atual Turquia. J quando em 25 a.C. essa regio se tornou provnciaromana, faziam parte dela reas adjacentes a oeste e leste. Tambm depois disso as fronteiras eram

    flutuantes. Nos seus melhores tempos, a provncia se dilatava em boa extenso para o Sul. Contudo, essaexpanso no significava que houvesse glatas em toda parte ou que os glatas se fundissem numa unidadecom as etnias incorporadas. Essa realidade reflete-se, p. ex., no fato de que no uso da administrao oficial aprovncia no se chamava de Galcia, mas tinha um nome composto de vrias designaes geogrficas.Somente acontecia s vezes que alguns escritores, em virtude da brevidade, a chamavam de Galcia(como provavelmente tambm em 1Pe 1.1). No linguajar dirio, porm, o nome Galcia limitava-se regio ancestral dos glatas em redor de Ancyra. Essa situao importante para a pergunta pelosdestinatrios da carta.

    Propostas de soluo

    At a metade do sculo passado, o nome Galcia era natura lmente relacionado com a regio ao norte da

    capital provincial Ancyra, e tambm hoje a maioria dos pesquisadores, sobretudo no mbito da lngua alem,defende esta soluo (hiptese galtica setentrional ou hiptese regional). Porm, graas florescentecincia histrica, descobriu-se h mais de cem anos a possibilidade de se relacionar o nome com a provncia(hiptese galtica meridional ou hipteseprovincial[cf. Atlas Vida Nova pg 70, 75]). De acordo comela, Paulo teria dirigido sua carta tambm (ou somente) quelas quatro igrejas que ele fundou em sua

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    primeira viagem missionria, a saber, em Antioquia da Pisdia e em Icnio da Licania, em Listra e Derbe(At 13.1314.25 [cf. Atlas Vida Nova pg 68]).

    Ao longo dos anos, ambos os pontos de vista foram fundamentados com esmero. Por maisimpressionantes que sejam os argumentos de ambos os ladosno podemos reproduzi-los todos aqui, nemsua discussoeles no levam a resultados imperiosos. Ainda que no calor do debate algum diga que aopinio contrria impossvel, qualquer deciso numa ou noutra direo traz em si algo de penoso. Possoarrolar aqui to somente os trs pontos principais que me levaram a permanecer com a interpretao antiga,da hiptese galtica setentrional.

    Em primeiro lugar pesa a circunstncia de que Gl pressupe aquela ampla sintonia das comunidadesdestinatrias (cf. item 3a: Uma federao de igrejas). Ela se referia de forma muito concreta ao seusurgimento, depois sua grave perturbao por agitao de fora e seu estado periclitante no tempo daconfeco da carta. Exatamente esta situao, porm, difcil de afirmar com respeito s quatro igrejas aoSul da provncia. Acaso Paulo se apresentou em todas as quatro localidades como missionrio enfermo eelas o acolheram quatro vezes como um anjo, fato que Paulo ainda evoca em Gl 4.13,14? E como aspassagens de Gl 4.15; cf. 3.4,5 (BJ), segundo as quais os tempos iniciais foram marcados por bem-aventuranas e extraordinrias experincias espirituais, combinam com os comeos nas quatro cidades doSul? Conforme At 13.45,50; 14.2,19; 2Tm 3.11 eclodiram ali desde o incio lutas ferrenhas e perseguies.Finalmente, essas quatro comunidades tambm eram separadas por considerveis distncias geogrficas. De

    Antioquia at Derbe percorrem-se, de acordo com o traado das estradas atuais, no mnimo 286 km (Jewett,pg 104). Na Antigidade costumava-se andar por dia apenas em torno de 24-32 km (pg 102), de maneiraque as quatro cidades estavam afastadas entre si por jornadas de vrios dias. Dessa maneira no resulta oquadro de uma aliana coesa de igrejas, a qual Gl pressupe.

    Em segundo lugar, h uma pedra de tropeo para a teoria galtica meridional, uma pedra que seusdefensores nunca conseguiram afastar a contento. Trata-se da exclamao de Paulo em Gl 3.1: glatasinsensatos! possvel que para as cidades sulistas de Antioquia, Icnio, Listra e Derbe tambm se tenhammudado alguns glatas, mas em primeiro lugar moravam ali os nativos pisdios e licanios. Alm do mais, ascidades, com exceo de Derbe, eram cidades romanas, em que Roma h muito havia assentado funcionriose soldados romanos. Finalmente, tambm mercadores judaicos haviam alcanado essas importantes praascomerciais, construindo ali, como os textos permitem depreender, influentes comunidades sinagogais. Seria

    possvel que Paulo apostrofasse todos eles de maneira to drstica com glatas!?Uma terceira ponderao torna difcil de se conceber como destinatrias de Gl as quatro igrejas do Sul(Antioquia, Icnio, Listra e Derbe), que Paulo fundou na primeira viagem missionria. A respeito das igrejasde Antioquia e Icnio sabemos que surgiram no seio das comunidades sinagogais de l (At 13.14; 14.1). Emdecorrncia, eram constitudas em forte medida por judeus e proslitos convertidos f crist. Isto significaque esses fiis tiveram de dar os seus primeirssimos passos na f em confronto com o judasmo. Porm,podiam vencer essa prova ainda na presena e com o apoio do apstolo. Dificilmente uma propaganda

    judasta e a exigncia da circunciso poderia t-los confundido a tal ponto como, inversamente, as igrejasgalticas ao Norte (Gl 1.7). Ao que parece essas surgiram de modo atpico, a saber, fora da sinagoga, e eramcompostas por pessoas de origem puramente gentlica (cf. abaixo, 4a: A confuso nas igrejas). Ainda nodispunham da refutao dos argumentos judaicos. No haviam sido desenvolvidas nelas as necessrias

    foras de defesa. Despreparadas e na ausncia de seu fundador, caram nas mos dos hbeis professoresjudaicos.

    Questes de fundo da pergunta

    Por conseguinte, a deciso em favor da hiptese galtica setentrional funda-se sobre o texto da prpriaGl. Se tivssemos somente essa carta, dificilmente teria havido um motivo para a hiptese galticameridional. Esse motivo, porm, parece ser dado pela existncia de At. De acordo com At, Paulo pode termissionado os verdadeiros glatas ao norte apenas depois da grande reunio dos apstolos de At 15, ou seja,em sua segunda viagem. Antes ele ainda no teria penetrado nessa regio. Apenas em At 16.6 lemos:viajaram pela regio da Frgia e da Galcia (NVI), embora sem a meno de uma atividade missionria.Contudo caberia nesse ponto aquilo a que Paulo parece aludir em sua carta em Gl 4.13: Por causa de umaenfermidade ele no pde seguir viagem, e dessa interrupo involuntria originou-se a pregao doevangelho. No versculo citado ele menciona ao mesmo tempo que se tratava de sua primeira visita. Logo,ele deve ter comparecido ali depois disso uma segunda vez, e ainda antes da redao da carta. Este poderiaser o dado referido em At 18.23, em que comea o relato sobre a terceira viagem: Depois de passar algum

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    tempo em Antioquia, Paulo partiu dali e viajou por toda a regio da Galcia e da Frgia, fortalecendo todosos discpulos (NVI). Portanto tambm At nos informa, ainda que posteriormente, que antes dessa terceiraviagem missionria havia acontecido a fundao de igrejas na Galcia.

    At aqui tudo combina muito bem. Agora, porm, surge uma inesperada dificuldade. De acordo comLucas, Paulo j estivera, at aquele momento (At 18.23, segunda visita na Galcia), trs vezes em Jerusalm:At 9.26-30; 11.2912.25 e 15.2-30. Contrariamente a isso ele prprio assevera em Gl (Deus sabe que noestou mentindo Gl 1.20 [BLH]), que entre sua converso e a poca da carta esteve apenas duas vezes emJerusalm (Gl 1.18 e 2.1).

    esta dificuldade que parece ser solucionada quando se puder situar as igrejas da Galcia a que Paulose dirige em Gl 1.2, no sul da provncia. sabido que as quatro igrejas de l se formaram j durante aprimeira viagem missionria (At 13,14), quando Paulo havia estado somente duas vezes em Jerusalm. Logoaps o retorno, Paulo as visitou pela segunda vez (At 14.21), fato que coincidiria com a segunda estadia quese deve deduzir a partir de Gl 4.13. Ali o apstolo ainda encontrou tudo em ordem. Somente depois dissonotcias graves tornaram necessria a carta aos Gl, ou seja, ainda antes da terceira visita a Jerusalm porocasio da reunio dos apstolos conforme At 15. Nesse caso, portanto, no surge um conflito entre Gl e At.A primeira vez Paulo visitou Jerusalm breve tempo depois de sua converso (At 9.26-30 = Gl 1.18), asegunda vez catorze anos mais tarde (At 11.3012.25 = Gl 2.1), enquanto a terceira visita de At 15 aindaestava por ser realizada no momento da redao de Gl.

    Contudo, paga-se um alto preo pela harmonia assim construda. Primeiro: Quando se considera a visitade Gl 2.1-10 como mencionada na nota de At 11.30, temos de inserir nela muitos contedos. Em Jerusalmteria havido duas reunies de apstolos, que legitimaram duas vezes a misso aos gentios, a saber, a reunioreferida por Paulo em Gl 2 e a relatada por Lucas em At 15. Segundo: As caractersticas da prpria Gl, queapontam de forma to inequvoca para a verdadeira Galcia no Norte, seriam suprimidas. Suprimir certosaspectos, porm, no mais interpretao. No teramos prestado a devida ateno nem a At nem a Gl. Ainterpretao teria sido sacrificada a uma necessidade de harmonizao de curto flego.

    Sobre a peculiaridade de Atos dos Apstolos

    Neste ponto somos obrigados a lanar um olhar sobre o livro de At da forma como seu prprio autor oconsiderou.

    Sua dependncia de fontes. Em Lc 1.1-4 o autor se pronuncia sobre a obra dupla do Evangelho e de Atosdos Apstolos. Desse prefcio ressalta a sua vontade expressa de reunir e organizar antigas tradies,tornando-as desse modo acessveis para o seu tempo. Fiel verdade, ele no se reporta a informaessobrenaturais, mas ao estudo de fontes. Ele se distingue expressamente das testemunhas oculares, comexceo dos trechos formulados em ns na fase final de At. Como homem da terceira gerao, ele sesituava por dcadas mais distante dos acontecimentos que, p. ex., Paulo. Ele no se posicionava acimadas tradies, mas era dependente delas. As lacunas delas constituam tambm as lacunas dele. No tinhacomo utilizar as cartas de Paulo, porque foram escritas antes do tempo em que ele se tornouacompanhante permanente de Paulo, e porque agora estavam nas mos dos destinatrios.

    Seu esmero. Nesse contexto Lucas procedeu acuradamente (Lc 1.3). A primeira parte, ou seja, oEvangelho Segundo Lucas, permite uma comparao de linha por linha com os paralelos em Mateus eMarcos, confirmando o cuidado e a meticulosidade de Lucas. No temos nenhum motivo para supor quena segunda parte, i. , em Atos dos Apstolos, ele se tenha rendido em grande medida a invenes livres.William R. Ramsay (1851-1939), que dedicou praticamente a vida toda pesquisa arqueolgica da siaMenor, atesta que Lucas tambm possua admirveis conhecimentos tcnicos especficos e que eleconduz com segurana, p. ex., atravs do emaranhado das designaes de cargos das personalidades desua obra. No se portava subitamente como artista que serve a suas prprias idias por meio da invenode fatos e pessoas. No escreveu nenhum romance sobre o cristianismo primitivo.

    Sua determinao para um projeto geral. Ao lado da fidelidade s tradies, verdade que, num certoaspecto, Lucas demandava ser original. O motivo disso era uma certa preocupao diante da situao dastradies, a qual ele expressa da seguinte maneira em Lc 1.3: a mim me pareceu bem, depois de acurada

    investigao de tudo(!) desde sua origem Ele se encontrava diante de uma multiplicidade de textos,por um lado preciosos e normativos, mas por outro fragmentados, que viviam uma existncia mais oumenos solitria. Com o crescente distanciamento cronolgico dos eventos, isto era cada vez menossatisfatrio, levando a uma insegurana dos fiis (cf. v. 4: para que tenhas ple na certeza das verdades emque foste instrudo). Imaginemos um quebra-cabeas incompleto. Em determinados lugares era quase

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    impossvel defender-se com ele contra mal-entendidos, mas tambm contra abusos dos hereges. O quefaltava, portanto, era revisar o material todo com a finalidade de elaborar uma viso geral.Parece que Lucas relutou at que se decidiu a enfrentar essa tarefa, que no seria fcil. Diversas vezes,pois, os documentos disponveis tambm o deixaram empenhado, de modo que teve de fazercombinaes e pontes conforme seu prprio melhor conhecimento. Nota-se isso, p. ex., quando Lucas,que com exatido fornece em 56 passagens indicaes cronolgicas precisas de dias, meses e anos, temde generalizar em 36 referncias: aps poucos, aps muitos dias. bvio que podem aparecerdistores em Lucas quando uma descrio dessas colocada ao lado de um relato de uma testemunhaocular como Paulo. Espaos de tempo foram abreviados ou alongados, acontecimentos foram transferidose nfases deslocadas. Partindo-se da autocompreenso de Lucas, porm, no pode haver surpresa sobreesse fato, mas somente quando se parte de teorias que apenas lhe so atribudas e que ele no teriacompartilhado. No deveramos prestar uma ateno parcial ao seu prefcio de Lc 1.1-4.

    O valor histrico da obra de Lucas. Esperamos que se tenha tornado evidente que nas presentesconsideraes estamos muito afastados da mentalidade de malhar o Lucas. verdade que muitospesquisadores no conseguiram sintonizar-se com o projeto geral deste homem, com sua viso da histriada salvao, seu conceito de apstolo, sua doutrina do Esprito Santo e seu testemunho da igreja concreta.Tudo isso no harmonizava com o cristianismo filosfico deles prprios. A partir dessa posio, Lucassupostamente no representava tradio genuinamente crist original, mas apenas a decadncia posterior.

    Por isso nega-se ao seu trabalho um valor histrico essencial. Admira-se nele apenas um dom natural-edificante de narrao. Na verdade, porm, nenhum crtico consegue formar seu quadro do cristianismoprimitivo e de Paulo sem tomar emprstimos de Lucas. Muitos o descartam, mas todos precisam dele e ousam quando ele lhes serve. Sua obra continua sendo de inestimvel e irrenuncivel utilidade para nossoconhecimento sobre as primeiras trs dcadas aps a Pscoa.

    4. Qual foi o motivo da carta?

    a. A confuso nas igrejasPelo que parece, os tempos iniciais das igrejas foram uma verdadeira primavera espiritual. Trechos como

    Gl 3.3,4 e 4.12-16 o ilustram. Os fiis se igualavam a atletas que saram bem na largada e que encontraram

    na forma desejvel o seu estilo de corrida (Gl 5.7). Esse comeo relativamente sem problemas pode teracontecido pelo fato de que, ao contrrio dos comeos em Antioquia, Icnio ou Listra (At 13.45,50;14.2,5,19) no ocorreram de imediato interferncias judaicas. Apesar de haver comprovao da existncia de

    judeus tambm no territrio da Galcia, parece que neste caso, por ter adoecido (Gl 4.13), Paulo no se ateveao seu princpio de procurar primeiro a sinagoga. provvel que o bero das igrejas galticas se encontrenuma casa gentlica qualquer, na qual foi acolhido aquele que carecia de cuidados. As interpelaes na cartano causam a impresso de que entre esses cristos haja judaico-cristos (Gl 4.8; 5.2; 6.12). Pois docontrrio, a questo da circunciso dificilmente poderia ter obtido o nvel de uma novidade excitante ecausar tamanha confuso. Parece que essas igrejas formadas puramente por gentlico-cristos no estavampreparadas para essa incurso, motivo pelo qual tambm estavam to indefesas.

    Tampouco a segunda visita de Paulo, pressuposta em Gl 4.13, destruiu o quadro favorvel. Depois, no

    entanto, Paulo experimentou um choque trmico. Estou admirado de vocs estarem abandonando todepressa (Gl 1.6 [VFL]). Apenas pouco tempo depois de sua partida comearam os distrbios. improvvelque tenham vindo das prprias fileiras, pois toda vez que Paulo fala dos causadores, no se dirige a eles. Emoutras cartas ele decididamente exortava citando os nomes, como mostra Fp 4.2, mas aqui se interpe umvu de desconhecimento entre Paulo e seus adversrios. Logo devem ter sido pregadores itinerantesestranhos. Paulo caracteriza a sua atividade com os seguintes verbos: Eles proclamam o evangelho, mas o pervertem, ou seja, privam-no de seu sentido (Gl 1.7). Eles perturbam os glatas, ou seja, tornam-nos inseguros em termos doutrinrios (Gl 1.7; 5.10). Eles impedem a bela corrida dos glatas (Gl 5.7), tirando-lhes totalmente o equilbrio. Eles persuadem (Gl 5.8), sim constrangem, os cristos pelo uso de presso psicolgica (Gl 6.12).

    Eles tentam afast-los, i. , isol-los de Paulo e deslig-los de sua obra missionria (Gl 4.17). Eles incitam rebeldia contra o apstolo (Gl 5.12). De acordo com Gl 4.16 parece que tambm j se

    formaram inimizades contra o apstolo entre os glatas.

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    Enquanto a carta est sendo redigida, esses homens ainda esto atuando com toda a fora e quasealcanam seu objetivo. As igrejas esto a ponto de se bandearem definitivamente para eles (Gl 1.6; 3.3,4;4.9,11,21). Os mestres instalados por Paulo j ficavam sem sustento, o que se pode depreender da exortaode Gl 6.6-10. Essa situao de fundo explica a veemncia incomum do apstolo. Toda a federao galticade igrejas, com menos de cinco anos de idade, corria o perigo de despedir-se do cristianismo, nointencionalmente, mas de fato.

    Por outro lado havia tambm uma minoria em que prevalecia o vnculo com Paulo. A palavra do mordere devorar-se mutuamente, em Gl 5.15; cf. v. 26, aponta para partidos em conflito. Devem ter sido os fiis aPaulo que tambm o informaram, de modo que ele est bem ao par da situao, no considerando maisnecessrio levantar nenhuma pergunta adicional. Os fatos entre ele e os destinatrios eram to poucocontrovertidos que o leitor atual precisa avanar na leitura at o quarto e quinto captulos para descobrirsequer algo do contedo desse outro evangelho dos invasores (Gl 4.9,10; 5.2). Em todos os casos Paulopode posicionar-se logo nas primeiras sentenas. claro que uma visita pessoal teria sido apropriada (Gl4.20). Mas naquele instante no lhe era possvel (1Co 16.8,9) realizar a viagem a p de pelo menos 400 kmpor terras escarpadas. deste modo que se originou essa carta extraordinria.

    b. Os adversrios de Paulo (os judastas) Como dissemos, eles vinham de fora, porm no se apresentavam como visita normal ou como migrantes,

    mas como agitadores. Eles queriam algo (Gl 1.7; 4.17; 6.12,13). Qual era a sua inteno? Como Paulo,tencionavam missionar os gentios, do contrrio no teriam vindo at essas igrejas gentlico-crists. Maisprecisamente: Eles se sentiam enviados para realizar uma misso consecutiva, corretiva, nos lugares em quePaulo atuou antes deles. H anos Paulo experimentava que s igrejas fundadas por ele em breve chegavampessoas com essa inteno, assim na Galcia, passando por Filipos, at Corinto. As respectivas cartas oconfirmam. Mais tarde, na carta aos Romanos, ele tambm presumia que tinham influncia em Roma. Deacordo com Gl 2.4,5 ele j se defrontou com os antepassados espirituais deles h cinco anos em Antioquia(cf. com At 15.1,2): falsos irmos, que se entremetiam e espreitavam atrs dele. Seus mandantesestavam em Jerusalm. Talvez tambm apresentassem cartas de recomendao de l (cf. 2Co 3.1; 10.12).

    Com certeza tratava-se de judeus, pelo menos arvoravam-se, segundo 2Co 11.22, no fato de que podiamchamar-se de hebreus, israelitas, descendentes de Abrao. Com a maioria dos exegetas, definimo-los mais

    precisamente como judastas. Em relao a Gl 1.13,14 e 2.14 cabe elucidar este termo. Antecipamos duasexplicaes mais genricas. Em primeiro lugar, Paulo conhece um conceito duplo de judasmo. Em Gl1.13,14 ele fala de um judasmojudaico, ao qual ele prprio pertenceu no passado. Em nosso caso, noentanto (cf. Gl 2.14), trata-se de um fenmeno interno do cristianismo, da ala radical dos judaico-cristos,que voltavam a conferir lei um peso maior que ao evangelho. Como, porm, se tratava de cristos, no sedeve pressupor entre eles o legalismo judaico fariseu, mas um legalismo de cunho prprio. Em segundolugar no se deve relacionar aquilo que Paulo escreve contra esses judastas cristos com os judeuspropriamente ditos. Sua luta no respira de modo algum o anti-semitismo. Lamentavelmente a falta depreciso nos tempos antigos e modernos lanou tudo numa vala comum. No prprio Paulo falta totalmente adesqualificao do povo eleito.

    Que intenes dos judastas a carta permite perceber? So trs direes em que vai a sua investida, e que

    correspondem aos trs grandes blocos da carta aos Glatas.A primeira linha de ataque: os judastas solapavam a autoridade de Paulo enquanto apstolo de JesusCristo. Para tanto tambm tornavam nebulosa a sua relao com os primeiros apstolos e os cristos deJerusalm, de diversas maneiras. Nisso tampouco se detinham diante de afirmaes impensadas ou at dedifamaes. Eles espalhavam que Paulo era vido de receber agrados (Gl 1.10) e que no era sincero em suapregao (Gl 5.11), a fim de conquistar a maior adeso possvel. Este aspecto de sua agitao tinha umacaracterstica mais preparatria, pois o pregador somente era atacado com o intuito de destruir a suapregao. Mas Paulo a levou to a srio que lhe dedicou com grande comoo toda a primeira parte da carta.

    A segunda linha de ataque: os judastas combatiam ferrenhamente a liberdade frente lei trazida peloevangelho. Neste aspecto, porm, a carta aos Glatas muitas vezes lida de forma muito rpida,pressupondo-se que esses cristos judastas tenham assumido a posio de um judasmo rigorosamente

    farisaico e que pretendiam lanar sobre os glatas toda a rede dos preceitos farisaicos.Para maior concreticidade, lembremo-nos do farisasmo nos evangelhos, com o qual Jesus se deparou. Os

    fariseus formavam uma confraria que visava santificar pela obedincia lei todo o dia-a-dia de seusmembros, do bero ao atade. Nesse sistema no podia haver nenhuma lacuna para escapar. Toda situaoimaginvel era refletida e regulamentada com esse objetivo. Para isso no apenas contavam cuidadosamente

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    os 613 mandamentos citados no AT (365 ordens e 248 proibies), mas rodeavam-nos ainda com um crculode determinaes adicionais, submandamentos e subsubmandamentos. Esses eram as tradies dosancios, que so mencionadas cinco vezes em Mc 7.1-13 e s quais Jesus contraps os verdadeirosmandamentos de Deus. Por exemplo: No esforo de dizer claramente para cada pessoa sobre o que incidia aproibio de trabalhar no sbado, eles formularam nada menos de trinta e nove trabalhos principais, alm deincontveis trabalhos subordinados. Aumentava cada vez mais a soma daquilo que o homem de Deus tem desaber para poder viver de acordo com a vontade de Deus. Era esse enorme peso que Jesus tinha em vistaquando afirmou: Atam fardos pesados [e difceis de carregar] e os pem sobre os ombros dos homens (Mt23.4; cf. At 15.10), e quando exclamou: Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregadosTomai sobre vs o meu jugo e aprendei de mim Porque o meu jugo suave, e o meu fardo leve (Mt11.28-30).

    Retornemos aos cristos judastas e sua propaganda na Galcia. Se de fato tivessem tido a inteno deintroduzir esse gigantesco aparato legalista, isso deveria ter-se espelhado na carta. No entanto Paulo afirmasobre eles algo diferente: Para abrandar, queriam introduzir no a lei toda, mas somente um pouquinhodela (Gl 5.9; cf. 3.15), uma pequena insignificncia. Em Gl 6.13 encontramos a afirmao clara de quetambm eles prprios no guardam a lei toda: Pois nem mesmo aqueles que se deixam circuncidar guardama lei. A que partes eles se restringiam? Se revisamos a carta aos Glatas, encontramos pelo menos duas,provavelmente trs:

    Sua exigncia central era a circunciso (Gl 5.2,3; 6.12,13, cf. 2.3,4). por isso que Paulo em Gl 6.13tambm os designa de gente que cultiva a circunciso, ou seja gente da circunciso. De acordo com Gl 4.10 somava-se a esse ato a observao das festas judaicas, seguramente sobretudo do

    sbado. Como terceiro elemento surgem os mandamentos judaicos em relao comida. o que se poderia

    depreender de Gl 2.11,12. A afirmao direta desse texto, porm, refere-se a Antioquia.Com certeza no era arbitrrio que os judastas impusessem exatamente essas trs partes dentre a

    plenitude de mandamentos e preceitos. Pelo contrrio, eles se apoiavam para isso numa grande histriaprecedente que remonta ao sculo VI a.C., a saber, ao exlio babilnico.

    Naquele tempo formou-se entre os desarraigados e deportados um movimento, comparvel a umavivamento, nos seguintes termos: Agora que vamos de fato ser fiis e continuar sendo o povo de Deus!Logo, isolaram-se, para no serem absorvidos pelo paganismo que os cercava. Passaram para o primeiroplano aqueles preceitos legais que reforavam essa tendncia, que, portanto, se prestavam como marcas dediferenciao por carem na vista, e que sublinhavam a separao confessional diante dos gentios. O sbado,celebrado semana aps semana, tornava impossvel ignorar uma famlia judaica num bairro gentlico. Almdisso, as prescries alimentares precisas serviam para sufocar qualquer convvio mais estreito com gentios.Sobretudo destacava-se a circunciso. Na Palestina ela no desempenhara uma funo to marcante, pois alitambm os povos vizinhos praticavam esse rito. Na distante Babilnia, porm, ele era desconhecido e semparalelo. O rito, portanto, fazia do judeu uma pessoa impossvel de ignorar, separava-o e incorporava-o aopovo eleito. Sem a circunciso as pessoas eram apenas massa. Este ato, porm, as destacava da massainforme.

    por isso que na Babilnia justamente esses rituais visveis se tornaram a caracterstica judaica para todoo que queria ser judeu com seriedade. Quando os judeus babilnios puderam retornar novamente paraJerusalm, trouxeram consigo esse legado e continuaram a cultiv-lo. Alm disso era dada a mxima nfasequelas partes da lei que os separavam dos povos gentios. Sim, enquanto a lei no AT continha uma riquezade auxlios para um convvio humano de judeus e estrangeiros, seu real sentido passou a ser visto na funode separar. De acordo com essa posio, Deus tinha dado a lei para rodear os judeus com uma cercaimpenetrvel e com um muro de bronze, para que no tivessem comunho alguma com nenhum dosdemais povos. Sob essas circunstncias passavam para segundo plano os singelos atos de obedincia nocotidiano, privilegiando-se os ritos evidenciveis e controlveis. Ao mesmo tempo armava-se o perigo daexterioridade, a saber, a tentao de substituir a obedincia por aes simblicas.

    Retornemos aos cristos judaizantes na Galcia. inegvel que, com suas exigncias da circunciso, do

    sbado e dos mandamentos sobre a alimentao, eles se encostavam na grande tradio judaica. Ao mesmotempo fica ntida tambm sua inteno interior. Nesses trs aspectos estava em jogo para eles nada menosque a salvao, i. , de pertencerem ao nico povo da salvao na terra, os judeus. Contudo no podiamimaginar o ingresso nesse povo da salvao de maneira diferente que exatamente pela aceitao

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    precisamente desses trs rituais de carter confessional. Isso, apenas esse pouquinho, os judastasacreditavam ser sua obrigao introduzir na misso de Paulo entre os gentios.

    Paulo, porm, esclareceu os glatas, j dispostos a se deixarem circuncidar, que no existe essepouquinho sem o todo. Se afinal o sinal de aliana da circunciso devia ter sentido, fazia parte dele passara observar toda a aliana de Moiss. A soluo com a lei reduzida esfarrapada. Como rabino formado,Paulo lhes prope o argumento de Gl 5.3: todo homem que se deixa circuncidar que est obrigado aguardar toda a lei. Para isso no existe substituio. Tampouco a circunciso um substitutivo, de maneiratal que se estaria livre das demais obrigaes (Rm 2.25), porm e la subordina a pessoa a um compromissogeral. Desejar a circunciso significa na prtica desejar a lei e a justia da lei e rejeitar a graa de Cristo,independentemente de a pessoa ter ou no uma clara noo disto (Gl 5.2-4). Nesse sentido que Paulo podeinculpar de forma um tanto aguada seus leitores em Gl 4.21: Vocs que querem estar debaixo da Lei(BLH). Encontramo-nos diante de um mtodo significativo de Paulo. Ele retira um ponto controvertido deseu isolamento e o perpassa em direo do fundamental. Em Antioquia isso aconteceu, segundo Gl 2.11-21,a partir do mandamento sobre os alimentos, na Galcia a partir da exigncia da circunciso. Paulo demonstrao que est em jogo com essa exigncia isolada, que supostamente no afetaria em nada o ser cristo: introduzido todo o sistema da lei e, assim, anulado alternativamente todo o sistema do evangelho.

    Paulo considerava, com a mesma seriedade dos seus adversrios, a questo de pertencer ou no ao povoda salvao. Com base na Escritura, porm, ele a responde de maneira totalmente diferente em Gl 3.1-14.

    A terceira linha de ataque: os judastas dispunham de mais uma alavanca para tornar os glatasinseguros, a saber, das perguntas pelas deficincias morais entre as suas prprias fileiras. Nesse casoprecisamos traar um quadro mais abrangente.

    O grande comentrio a Glatas de Hans Dieter Betz (em lngua alem em 1988) mostra nas pg 35-36que essa carta no est calibrada para os espritos ingnuos dos distantes vales nas montanhas da Galcia,nos quais ainda se falava o idioma celta. Pelo contrrio, em termos de linguagem, forma de pensamento econhecimentos, ela pressupe leitores da camada letrada. Ela corresponde a altos padres intelectuais.Poderia ter sido dirigida a pessoas urbanas da ento capital provincial Ancyra (cf. acima, item 3a). Como tala carta tambm abordava a crise cultural daquele tempo. O que nos interessa nesse aspecto o vazio ticoque se escancarava diante de muitas pessoas intelectualmente despertas no primeiro sculo do cristianismo.Apesar de todo o brilho, a cultura se esgotara. Decaam as ordens, os usos e costumes que at ento

    preservavam a sociedade. Formas sociais como matrimnio, famlia, vizinhana e cidadania nosustentavam mais nada. Os templos ficavam vazios e corriam o perigo de restarem apenas como museus.Verdadeira devoo tornava-se coisa rara. Sempre menos pessoas tinham vontade de se casar e gerar filhosou tambm de trabalhar e assumir responsabilidade. Passavam a predominar a saturao, o esgotamento e oaborrecimento com suas conseqncias desmoralizantes. Conhecemos o lamento: Uma situao como naantiga Roma!, que alude ao pntano de imoralidade da capital mundial daquele tempo, ao luxo e aodesperdcio, ao suborno e insdia, vulgaridade e ao egosmo, mania e ao vcio (cf. Rm 1.24-26; 6.1;13.12,13). Por outro lado tambm no faltavam propostas de reforma, o que tpico para essas pocas. Oestoicismo, p. ex., propagava rigoroso cumprimento do dever e comedimento racional. Ele impressionavatambm por verdadeiros exemplos. De fato formou-se mais tarde uma certa aliana entre o estoicismo e ocristianismo.

    Mais importante em nosso contexto, porm, a existncia de um judasmo no estrangeiro (dispora). Emquase cada cidade do Imprio Romano havia uma ou vrias sinagogas. No seu interior no se encontrava aimagem impertinente de um dolo, tampouco um altar, nem atividade de sacrifcios sangrentos com cheiroadocicado de incenso, nem um sacerdcio em ornamentos caros e brilhantes, mas sim, com uma sobriedadebenfica, nada alm da ento Bblia judaica, o Tanak(= AT). Incansavelmente ela era proferida, decorada,estudada e discutida. Dessa maneira formava-se, em torno da lei de Moiss, uma comunidade humana que sedestacava pela conduta honrada, por uma forma de vida sensata, por senso de famlia, coeso social, bem-estar e aconchego. No eram poucos os gentios que se sentiam atrados por esse pedao de mundo sadio, eque se ligavam legalmente a uma comunidade dessas por meio da circunciso (proslitos; Lutero:companheiros dos judeus), ou que lhe pertenciam de maneira informal, sem circuncidar-se (tementes aDeus).

    Nessa situao Paulo entrava em cena e fundava igrejas gentlico-crists livres da lei. Seus sucessos porum lado causavam surpresa e, por outro lado, tambm no a causavam. Pois que havia de surpreendente nofato de que ele conseguia sempre de novo firmar-se no crculo dos amigos das sinagogas? o que At mostrarepetidas vezes. Ele lhes poupava a elevada barreira da circunciso. De acordo com a sua doutrina, era

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    possvel tornar-se filho de Abrao e membro do povo de Deus unicamente por intermdio da f que atuapelo amor.

    Como o judasmo se defendia contra essa concorrncia? Inicialmente lanando suspeitas. Imputava-se aPaulo diretamente a inteno de atrair as pessoas para as suas igrejas baixando os preos. Mais sensvel eraoutra crtica. Observavam-se as conseqncias ticas desse evangelho livre da lei que Paulo anunciava.Como era a realidade de sua fora supostamente transformadora? Logo que essas igrejas existiam por algumtempo, aparecia neles que a herana pag tinha uma sobrevida persistente. Todas as cartas do NT enviadas aigrejas e no por ltimo as missivas do Apocalipse documentam de forma muito realista deficincias ticasentre os cristos. Existem a mornido, o erro e a malfica recada. Isso, afinal, tambm faz parte da realidadede uma comunidade missionria, naquele tempo como hoje.

    Era compreensvel que essas deficincias crists causassem insegurana. Ser que realmente faltava algona pregao de Paulo? Ser que entre os ouvintes normais possvel um caminho totalmente sem lei, semum elemento adicional, de estabilizao? Ser que, afinal, a liberdade total faz bem ao ser humano, ou eleno precisa de uma presso ao menos suave? Ser que sobre o ensino de Paulo acerca da liberdade crist nopaira o cheiro da anarquia, e semelhante empreendimento no tem de acabar num fiasco?

    Adicionalmente a essa suspeita pode ter exercido um efeito a referncia ao poder abenoado que a leicomprovadamente desempenhou no judasmo. Podemos imaginar muito bem que, em frutos morais, umatradicional famlia da sinagoga, devotada lei, superava em muito os gentlico-cristos recm-convertidos.

    A partir desse aspecto, a fundamentao exegtico-teolgica dos judastas invasores, dos quais falvamosacima, recebeu um apoio existencial. As deficincias ticas com que as novis comunidades crists aindano sabiam lidar reforavam a tentao de aderir ao estado de salvao judaico pela aceitao da circuncisoe de mais algumas concesses. Por que a f em Cristo no deveria harmonizar-se com um pouco de pressoda lei, por que no reivindicaria praticamente por essa complementao?

    Neste ponto temos de reconhecer um mrito dos judastas na Galcia. Eles foram o motivo para que Pauloacrescentasse sua carta, Gl 5,6, um longo bloco tico, que constitui a formulao mais fundamental de quedispomos de sua autoria sobre esse tema. Num determinado aspecto, essa terceira parte da carta forma at oauge da carta, uma vez que fornece a prova dos noves da mensagem de Paulo.

    5. Quando e onde foi escrita a carta?

    A carta aos Glatas, as duas cartas aos Corntios e a carta aos Romanos surgiram num perodo de nomximo quatro anos, a saber, durante a terceira viagem missionria. Paulo se encontrava no auge de suaatividade e planejava dirigir-se para o oeste. Nessa situao, porm, apareceram nas comunidadesanteriormente fundadas dificuldades de natureza fundamental. Opinies seriamente conflitantes entre siobrigaram-no a repensar e elucidar sua proclamao. Tratava-se de lutar para libertar o evangelho dastentativas de alien-lo.

    Com esta exposio aproximamo-nos das condies cronolgicas mais precisas de Gl, e fazemo-lo sob apremissa da hiptese galtica setentrional (cf. no item 3b Propostas de soluo). De acordo com umacronologia que possui larga aceitao, no foi antes da primavera do ano 52 que Paulo partiu de Antioquiana Sria para a terceira viagem missionria. Primeiramente ele visitou as igrejas na Galcia (Gl 4.13; At

    18.23) e na Frgia. O ponto mais importante tornou-se sua atuao de dois anos e meio em feso (At 19.8-10, desde a virada do ano 52-53 at o ano 55). A partir da sua rota passou pela Macednia at Corinto, ondePaulo permaneceu trs meses no inverno do ano 56. Depois comeou o caminho de retorno, a fim de levar aoferta recolhida para Jerusalm. A viagem levou-o de novo Macednia, onde subiu num barco em Filipos.Aps diversas paradas em terra, alcanou Jerusalm com seus companheiros na primavera do ano 57 [cf.Atlas Vida Nova pg 69]. Em que momento dessa viagem surgiu a carta aos Glatas?

    Sob a premissa de que Gl 2.1-10 coincide com a reunio dos apstolos conforme At 15 (por volta de 48-49), Paulo escreveu a carta com certeza depois dessa data, ou seja, justamente durante essa terceira viagemmissionria. Uma segunda ponderao leva a uma data mais precisa. No incio dessa viagem ele fez umaparada nas igrejas da Galcia, encontrando l tudo em ordem (Gl 4.13). Somente depois que seguiu viagem

    para feso (At 19.1), mas ento com rapidez (cf. o to depressa em Gl 1.6), apareceram os mestres

    estranhos. Seguramente necessitavam de meses (inverno de 52-53) para conquistar o favor das igrejas dePaulo. provvel que a notcia disso tenha alcanado Paulo ainda em feso. lgico que ele reagiuimediatamente, de forma que chegamos poca de redao de 53-54, cerca de cinco anos aps a fundaodas igrejas. Esta data a suposio mais freqente.

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    Conforme 1Co 16.1 Paulo j havia dado aos glatas a mesma instruo quanto oferta que ele agora davaaos corntios. Se isso tivesse acontecido na nossa carta, a referncia de 1Co se reportaria a Gl, e essa cartateria sido escrita claramente antes de 1Co. Visto que 1Co, segundo 1Co 16.8, ainda surgiu em feso, deonde Paulo saiu no ano 55, chegaramos novamente ao ano 54 para o surgimento de Gl, como acima pelosdados de At. Acontece que em Gl no consta nada de tal instruo. Por isso no necessrio que 1Co 16.1esteja fazendo uma referncia a essa carta, mas que tenha em mente qualquer outra comunicao oral ouescrita. A carta tambm poderia ter sido redigida depois de 1Co, ou seja, em data posterior ao ano 55.Mesmo quem no adere a essa data mais tardia concordar que 1Co 16.1 no fornece um referencial seguro.

    6. Como a carta deve ser enquadrada teologicamente?

    Sem dvida foi transferida a Paulo uma funo histrico-salvfica que se destacava da dos demaisapstolos. Desta circunstncia explicam-se os dois fatos: que ele recebia indagaes extraordinariamenteintensas e tambm era controvertido, e que ele tinha de defender com uma intensidade incomum o seuapostolado. Essas duas circunstncias espelham-se vivamente na maioria de suas cartas. Contudo asinterpretaramos equivocadamente se no final resultasse um Paulo isolado do cristianismo primitivo, quasecomo fundador de um cristianismo prprio. Indiferente se, em decorrncia, esse Paulo isolado for condenadocomo deturpador do cristianismo ou venerado como pice do desenvolvimento ambas as interpretaes soinaceitveis. Paulo estava determinado pelo cristianismo geral de forma mais intensa que possa parecer

    primeira vista. Ele respeitava as confisses crists e se inseria com naturalidade na tradio da f antes e emredor dele.

    No que se refere a carta aos Glatas, Franz Mussner arrolou, nas pg 36-38, mais de 80 expresses dacarta que podem ser anteriores a Paulo, e com as quais Paulo portanto se movimentava na linguagem comumaos cristos daquela poca. Quem no se apercebe dessa base existente em Paulo, tampouco saberinterpretar as expresses especficas dele.

    Em consonncia com 2Co 3.16 podemos afirmar: to logo algum se volta para o Senhor, afastada delea questo exortativa da carta aos glatas. A peculiaridade desta pequena carta reside precisamente em suaconsistncia cristolgica. Ela constitui um dedo indicador extra-grande que aponta para o Crucificado comsua verdade abrangente. A rigor, todos os seis captulos cumprem esta funo, independentemente dapergunta que est em pauta. O Crucificado a realidade que sustenta tudo e sem a qual todo o nosso mundopereceria. Ela constitui praticamente o mar da verdade que nos rodeia de todos os lados.

    COMENTRIO

    I. INTRODUO1.1-12

    Observao preliminarO ttulo nos manuscritos gregos: Ele diz:Aos Glatas, sendo repetido desta forma no alto de cada pgina

    nas antigas edies gregas da Bblia, de maneira que ao se folhear o cdice era fcil orientar-se. Chamaateno o carter fragmentrio desse ttulo da carta. Este ttulo constitudo meramente de uma breve notaacerca dos destinatrios, sem indicao do autor e da categoria de carta. Edies atuais da Bblia preenchemessa lacuna, p. ex.: Carta aos Glatas (VFL); Carta de Paulo aos Glatas (BLH); Epstola de Paulo aosGlatas (RA). Ocorre que os manuscritos procediam desta maneira homognea em todas as 14 epstolas dacoletnea de cartas de Paulo (a carta aos Hebreus era contada entre as cartas de Paulo). Com a coletneaseguinte de sete cartas (as chamadas cartas eclesisticas ou catlicas) aconteceu, porm, o contrrio: Elasforam caracterizadas pela indicao do autor. Todo esse procedimento revela o cuidado de uma geraoposterior, para a qual as coletneas j se encontravam prontas e que tinha de inseri-las e marc-las de uma ououtra maneira. Nisso o critrio de que tudo tambm tinha de ser prtico abreviava as observaes. Portanto, ottulo no fazia parte do texto original do prprio Paulo, mas surgiu no sculo II.

    1. O cabealho da carta (Prefcio), 1.1-5

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    1 Paulo, apstoloa, no da parte de homens, nem por intermdio de homem algum, mas porJesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos,

    2 e todos os irmos meusb companheiros (no servio missionrio), s igrejas da (regio da)Galcia.

    3 Graa a vs outros e paz da parte de Deus nosso Pai, e do [nosso] Senhor Jesus Cristo,4 o qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigarc deste (presented)

    mundoe perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai,5 a quem seja a glria pelos sculos dos sculosf. Amm.

    Em relao traduoa apstolo poderia ser traduzido por: emissrio, mensageiro. Nesse caso seria uma designao de

    funo, limitada durao da atividade. Aqui, porm, como na grande maioria das passagens do NT, ocorrecom o termo apstolo uma utilizao especificamente crist deste vocbulo, a saber, ele aplicado para umcrculo nico de pessoas na igreja de Cristo de todos os tempos e lugares. A funo delas jamais seextingue. Tambm depois de elas terem morrido, os membros desse crculo ainda falam por intermdio dosescritos do NT. Eles so os garantidores do evangelho no falsificado e formam a rocha sobre a qual acomunidade se funda (Mt 16.18; Ef 2.20; Ap 21.14). Quando esse sentido especfico est sendo referido, recomendvel manter apstolo como estrangeirismo.b Os irmos meus constitui uma locuo permanente que no se refere a pessoas que esto presentes

    por acaso, mas define relaes mais estreitas: companheiros de viagem so colaboradores ( At 22.9; Gl 2.3),seguidores, guarda-costas (Mc 2.26), equipe de trabalho (Lc 5.9), companheiros de partido (At 5.17,21).Por isso se exclui a interpretao segundo a qual Paulo se estaria reportando a toda a comunidade local (p.ex. em feso), com a qual ele teria discutido tudo e orado sobre tudo. c A traduo literal de exhairomai com retirar seria muito fraca no presente caso: Em Mt 5.29; 18.9 a

    palavra aparece para arrancar violentamente um olho, em At 23.27 para livramento das mos da turbaenfurecida. Segundo At 7.10,34; 12.11 trata-se de um antigo vocbulo usado para designar a redeno, aolado de szo e rhomai.d Aon,o tempo presente, significa um tempo longo, mas no ilimitado. A limitao sublinhada pelo

    presente, mas cf. o mesmo termo no versculo seguinte. e Paulo expressa de mltiplas maneiras a experincia do tempo. Apenas nesta breve carta ele fala, sem

    contar hora, dia, ms, ano, agora, da era, ou do tempo deste mundo (aon, ainios:Gl 1.4,5; 6.8), dodecurso do tempo (chrnos: Gl 4.1,4) e do momento histrico (kairs:4.10; 6.9,10).f Esta expresso dupla sculo dos sculos obviamente descreve e enfatiza o infinito, a eternidade.Seria absurdo atribuir a Deus somente um senhorio por tempo limitado.

    Observaes preliminares1. O prefcio das cartas na tradio greco-romana. At mesmo o autor mais teimoso se adapta, pelo

    menos nos aspectos mais gerais, aos costumes de seu tempo, de modo que o seu escrito possa ser identificadoprecisamente como carta. Este vnculo a um esquema usual vigorava com maior peso na Antigidade. Cercade 15.000 achados de cartas originais o comprovam. Por mais de mil anos certas caractersticas permaneceramconstantes. Adolf Deissmann publicou 26 amostras dessas cartas antigas.

    No presente contexto interessa o cabealho da carta (quanto concluso, veja o exposto sobre Gl 6.11-18),contudo antecipamos uma observao quanto ao endereo. Ele devia ser afixado no lado exterior do rolinho dacarta ou na embalagem da folha dobrada, como p. ex.: Levar oficina de cermica, a ser entregue a Nutiasou Trsicles ou ao filho (Deissmann, pg 120). Mais tarde, quando se formaram as coletneas de cartas, essasinstrues sobre o transporte tornaram-se sem sentido. Infelizmente no foram conservadas de nenhuma cartado NT.

    Ao contrrio do costume atual, falta a data no cabealho da carta (prefcio). Com objetividade rigorosaobedecia-se a trs pontos, cada um dos quais quase sempre era formulado numa nica palavra. Primeiramentecomo ttulo (superscriptio) o remetente, que nas nossas cartas costumamos afixar somente como assinaturadepois do todo. Segue-se a destinao (adscriptio) na forma do nome do destinatrio, e finalmente asaudao (salutatio), que era formada por uma nica palavra corrente de saudao. Assim, um filho escrevea seu pai: Polcrates ao pai: Salve! ou uma mulher ao marido: sias a Hefstio, o irmo: Salve!, ou um pai

    ao filho: Hrax ao mais doce filho: muitas saudaes! Na carta confidencial, portanto, podiam ocorrer levesampliaes dos trs elementos bsicos, contudo refreadas pela dificuldade da escrita na Antigidade.

    Ocasionalmente seguia-se ao prefcio, formulado numa s linha, um discurso preliminar de cunho maispotico (Vielhauer, pg 65), o promio, na verdade canto prvio. Ele dava espao a cortesias e bajulaes,muitas vezes tambm ao voto de sade: Acima de tudo, fao votos por tua prosperidade e sade (cf. 3Jo 2).

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    Nesse ponto Paulo geralmente fala de sua intercesso, e sobretudo agradece a Deus. Gl comprova que ele nodiz nada de maneira fingida: Falta nela o promio!

    Em Paulo podem-se constatar todas as peculiaridades das cartas de seu mundo envolvente, at em aspectosgramaticais. Contudo, sempre de novo chamam ateno suas ampliaes muito bem refletidas. Em Gl, p. ex.,as trs palavras usuais transformaram-se em cinco versculos ricos em contedo. Sobretudo animou o esquemaseco com um sopro cristo. Pois suas cartas, destinadas leitura pblica, tambm faziam o papel de substituirseu comparecimento pessoal reunio da igreja e sua pregao (Gl 4.20; 1Ts 5.27). assim que se explica aextenso dos escritos e tambm a incorporao de elementos litrgicos na abertura e no encerramento. Esses

    escritos transcendiam o formato de cartas particulares, criando um tipo singular de forma literria crist primeiro em Paulo, e depois seguido pelas demais cartas do NT.2. O tempo presente de acordo com Paulo (v. 4). Observadas superficialmente, as afirmaes de Paulo

    sobre o tempo atual so contraditrias. Contudo, ele no faz um jogo dialtico. Para ele os fatos encontram-senuma concatenao orgnica.

    A era presente , por um lado, tempo de desgraa, ou seja, m (v. 4). Contudo ela est chegando ao fim(1Co 7.29; 10.11). Seu poder, que ainda pesa como chumbo sobre a humanidade, praticamente j se tornouporoso, foi rompido, perfurado pelos raios da glria de Cristo. Por isso o ponto de partida para Paulo tambmno se encontra nas afirmaes negativas. Percebemos o pulsar dessa nova era no jbilo de 2Co 6.2: Eis,agora, o tempo sobremodo oportuno, eis, agora, o dia da salvao. verdade que em seguida ele arrolamacios problemas, que no entanto para ele no anulam o veredicto de que agora o tempo ideal, a saber, deinvocar o Senhor, de ser atendido e de experimentar salvao. Os tempos sombrios, em que a salvao aindaestava oculta, finalmente passaram. Agora, se tornou manifesto (o evangelho) e foi dado a conhecer por meiodas Escrituras profticas, segundo o mandamento do Deus eterno (Rm 16.26); tendo em vista amanifestao da sua justia no tempo presente (Rm 3.26). Porque o presente tem algo incomparvel aoferecer, os cristos tambm devem remi-lo (Ef 5.16; Cl 4.5). Dediquem-se ao seu presente e deixem paraoutros a nostalgia, utopia ou fuga do tempo! A atualidade tempo pleno e precioso, porque Deus entrou nelacomo em nenhum outro perodo da histria. Ele enviou o seu Filho ao mundo e o Esprito de seu Filho acoraes humanos (Gl 4.4-6). Cristo tornou-se nosso contemporneo e est conosco todos os dias at o fim daera atual. Desse modo o tempo presente tempo de Cristo, tempo de misso, tempo de comunidade e tempodo Esprito Santo.

    Neste quadro devem ser inseridas as afirmaes sobre a atualidade m. Justamente porque o tempopresente tempo de Cristo de uma maneira to real, ele tambm tempo do anticristo. Ao contrrio do ponto

    de vista judaico, portanto, o tempo de desgraa e o tempo de salvao no transcorrem cronologicamente umaps o outro, mas o futuro luminoso irrompeu com sua ponta no presente, de forma que ambos os tempos seencontram agora em confrontao. Nela o poder anticristo trabalha com uma ttica dupla de perseguio eseduo. Como deus deste sculo, ele visa fechar o entendimento dos descrentes para o evangelho, demaneira que a luz para eles no seja mais clara (2Co 4.4). At mesmo sabedoria deste sculo, ou seja, elite intelectual, a seus porta-vozes, o evangelho parece ser uma tolice inaceitvel (1Co 2.6,8; 3.18; 1.20).Forma-se um sentimento de superioridade. Foras demonacas geram um clima em que o ser humano, numverdadeiro prazer pelo pecado, e apesar de toda a desgraa do pecado, se sente cabalmente seguro. Contudo,essa descrio ainda no atinge o que realmente maligno no esprito do tempo presente, ao que nosreportaremos na interpretao do v. 4.

    1 De forma at grosseira Paulo faz ecoar no espao as primeiras informaes. Neste ponto no permite

    concesses. Como primeira palavra da carta ele anota o autor principal: Paulo. Com este seucognome latino ele se apresenta regularmente. Soubemos o seu nome judaico apenas por At, a saber,nove vezes na forma do ATSaul e 15 vezes na forma grega Saulos. A mudana do nome judaicopara o cognome latino no se deu, p. ex., na ocasio em que se tornou cristo diante das portas deDamasco, mas, conforme At 13.9, somente quando se deram as primeiras converses de gentios coma sua participao, sobre as quais At informou. Desse momento em diante, Lucas o designaunicamente por Paulo. Sob esse nome ele se tornou e continua conhecido no mundo todo comoapstolo dos gentios.

    Com a segunda palavra, Paulo j amplia a indicao usual de autor: apstolo. Ele no se apresentaaos seus leitores nem como Paulo devoto nem como inteligente. Na verdade, ao escrever, no se vpor nenhum momento como pessoa particular que elabora seus pensamentos em livre associao, esim como apstolo de Jesus Cristo, tomado integralmente pelo que o envia: sobre mim pesa essaobrigao; porque ai de mim se no pregar o evangelho! (1Co 9.16).

    Como em nenhum outro prefcio de carta, ele vai desenvolvendo a natureza singular de suaautoridade, seguramente porque foi desafiado pela atitude autoritria dos mestres estranhos na

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    Galcia (cf. o exposto sobre Gl 6.12). Com esse objetivo, coloca duas vezes o ser humano de lado:Paulo apstolo no da parte de homens. No cristianismo primitivo tambm havia apstolos dasigrejas (2Co 8.23 cf. BJ), que como tais realmente eram pessoas respeitadas (cf. Gl 2.12). ContudoPaulo no se insere nessa fileira. Ele no o expoente de um grupo de cristos, p. ex., da igreja deJerusalm. A partir do v. 16 ele o comprovar. Ele tampouco foi incumbido da sua mensagem porintermdio de homem algum, p. ex. por Pedro. No v. 18 ele especificar o seu relacionamento comPedro.

    Nos v. 10ss Paulo ainda acrescenta nada mais nada menos que quatro negaes do ser humano:No para a aprovao das pessoas (v. 10a), no para agradar a pessoas (v. 10b), no segundo amaneira humana (v. 11) e no recebido nem aprendido de seres humanos (v. 12). Por que nesseassunto o ser humano to nitidamente excludo? Por causa do ser humano, para que lhe sejapreservado o evangelho deDeus. A pregao de Paulo no constitui nenhum acontecimentointerativo entre pessoas. Nela o ser humano no tem a ver consigo prprio, no telefona consigomesmo, no se ergue pessoalmente do pntano pelos cabelos.

    Depois da dupla excluso do ser humano seguem-se duas informaes positivas. Primeiro: maspor Jesus Cristo. Paulo est debaixo de um envio emitido diretamente por Cristo. Atrs de sua bocaest imediatamente a boca do Senhor, mais precisamente, do Senhor exaltado. Por isso, em segundolugar: epor Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos. No texto bsico a forma gramatical de

    ressuscitar aparece como um predicado do Pai, literalmente: pelo Pai que o ressuscita dosmortos. A natureza paterna de Deus est sendo preenchida cristologicamente: Quando Jesus ressuscitado reluz, como em nenhuma outra ocasio, a glria do Pai (Rm 6.4). isso, portanto, quese afirma em relao ao fundamento do apostolado. Quem diz apstolo, diz Pscoa. Do mesmo modoPaulo estabelece o nexo causal dos dois aspectos em 1Co 9.1: No sou eu, porventura, livre? N osou apstolo? No vi Jesus, nosso Senhor? Tambm Lucas insiste em datar a origem do apostoladonas aparies do Ressurreto.

    Portanto, o evangelho, que Paulo tenciona testemunhar de novo aos glatas na presente carta, temcomo fonte esse glorioso poder de ressurreio de Deus o Pai.

    J com o primeiro versculo Paulo insta poderosamente com seus leitores. Tampouco ns temosdiante de ns a interessante contribuio de um telogo do sculo I, mas recebemos uma palavra de

    revelao de um apstolo de Jesus Cristo, nosso Senhor.2 Paulo expande mais uma vez sua indicao do remetente: e todos os irmos meus companheiros(unidos no servio missionrio). Como em outras oito cartas, e diferenciando-se dos costumes de seutempo, ele cita co-remetentes, ainda que no o faa pelo nome. Obviamente ser co-remetente nosignifica ser co-autor, pois no persistem dvidas de que Gl integralmente obra pessoal de Paulo.Nem por isso ele encontrou a posio diante do problema galtico num processo solitrio. Foiantecedida de reflexo e aconselhamento conjuntos, e os irmos exercem responsabilidade com ele.Por mais cnscio que Paulo fosse de seu apostolado (v. 1), de forma alguma essa conscincia o levaem direo de um cargo monrquico de bispo. Um apstolo pede em lugar de Cristo (2Co 5.20),

    porm no governa no lugar de Cristo. Certa vez Paulo registra com amarga ironia o reinado dedeterminados irmos (1Co 4.8). Para ele prprio a autoridade no exclua um procedimento

    colegiado. Opinies dos irmos tinham peso para ele. Quanto ao contedo de Gl havia, pois,concordncia: Todos os colaboradores esto me apoiando! Isso transformou a carta no escritoconfessional de uma comunho de f (J. A. Bengel) e ao mesmo tempo fazia os glatas perceber emque isolamento estavam prestes a cair.

    No final do segundo versculo aparece finalmente a indicao dos destinatrios: s igrejas da(regio territorial da) Galcia. No assim que cada uma das igrejas de l recebe uma carta prpria,mas que esta uma carta deve circular entre elas. Ao mesmo tempo o cabealho da carta permiteconstatar: Elas ainda so para Paulo igrejas crists. Os v. 3-5 evidenciaro o quanto ele sinceronessa afirmao, e alm dessa passagem a carta toda o demonstrar. Em Gl 3.26 ditoexpressamente: Vs sois filhos de Deus, pertenceis a Cristo. Nove vezes Paulo interpela osglatas como irmos, e diz: tenho confiana em vocs (Gl 5.10 [ BLH]). por isso que Schlatter

    percebe corretamente (pg 9): Uma calorosa corrente de sentimentos percorre a carta. Sem dvidatrata-se em alguns pontos de uma carta irada, mas tambm uma carta amorosa. Apesar dissocumpre elucidar por que Paulo, ao contrrio das demais cartas, no se anima a um adendo como, p.ex., em Rm 1.7: A todos os amados de Deus, que estais em Roma, chamados para serdes santos.

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    Por que falta toda gratido em adorao, que em outras ocasies to transbordante em Paulo? Paraessa pergunta h explicaes psicolgicas, como: Um estado de irritao o teria levado a comear deforma to glida. No entanto, combina melhor com o padro intelectual da carta uma informaodiferente: Ele, que em geral estava to disposto a louvar e agradecer, na verdade no abandonava aimplacabilidade. O amor espiritual no esconde aquilo para o que diz no. O amor no sealegra com a injustia, mas regozija-se com a verdade (1Co 13.4,6). Ademais, Paulo pode ter sidodeterminado pela premente responsabilidade de entrar rapidamente no assunto. O prefcio diz tudo oque necessrio, mas somente o necessrio.

    3-5 Esta saudao inicial merece uma abordagem ampla. Todo leitor percebe nela o tom litrgico.Ouvimos formulaes solenes que j ressoaram antes da redao da carta, ecoando depois dela e athoje se repetem nas reunies do povo de Deus. Portanto, o fato de Paulo as antecipar nesse momentosignifica comunho espiritual na prtica. Ao serem lidos esses termos familiares, os glatas podemter movido os lbios e involuntariamente aderido ao Amm final, assim como no encerramento dacarta em Gl 6.18. Fundamentemos brevemente que se trata nesses versculos de um acervo defrmulas crists comuns:

    Primeiro cabe observar a grande freqncia e a larga disseminao dessas formulaes no NT. Apalavra de bno do v. 3 nossa conhecida de quase todas as aberturas de cartas do NT,independente de qual seja o autor. Tambm nos muito familiar o som da doxologia (adorao) no v.

    5. Para a palavra de salvao no v. 4 existe uma multido de paralelos ou semelhanas. Enfim, soformulaes de termos que em geral estavam disposio para a pregao, o canto e a orao.Em segundo lugar tambm depe em favor desse uso litrgico a circunstncia de que as frases so

    construdas com ritmo, e que tm membros uniformes e formas equilibradas, como, p. ex., o ttulopleno Senhor Jesus Cristo aqui no v. 3, que retornar apenas no igualmente solene encerramento deGl 6.14,18.

    Finalmente, o v. 4 contm alguns vocbulos que no se encontram em outros textos de Paulo, fatoesse que to somente confirma que ele no formulou individual e especificamente para os glatas,mas que ele cita uma frmula existente. Unicamente aqui que lemos desarraigar ( exhairo),enquanto em lugar desse termo aparece 29 vezes salvar (szo) e 11 vezes redimir (rhomai).Alm disso, via de regra, Paulo fala de pecado no singular, como poder do pecado, mas nesse

    ponto de pecados como uma pluralidade de atos pecaminosos. Um terceiro exemplo: Em outraspassagens Paulo usa sete vezes este on em lugar de o presente on como aqui (cf. RC, NVI e BJ).Naturalmente no estamos avaliando negativamente o fato de que Paulo faz uso de frmulas

    existentes. Este fato no significa que ele recite essas palavras sem plena convico, mas elascontinuam vlidas como interpretao plena do testemunho daquilo que o preenche.

    3 Comea o voto detalhado de bno (salutatio), que se encontra de forma similar em cerca de dezcartas de Paulo. Acima, na opr 1, expusemos como os escritores de cartas daquele tempo secontentavam nesse ponto com palavras concisas. Contudo Paulo no desfia o costumeiro, masaproveita a oportunidade para, logo ao saudar, inserir e transmitir algo significativo. Dessa maneiraobtemos uma das mais belas frases que podem ser ditas a pessoas. De onde, porm, ele retirou essabeleza e maravilha?

    Paulo responde: de Deus, nosso Pai, para continuar em alta voz: e do [nosso] Senhor JesusCristo. Deus vem a ser Pai e fonte de todas as boas ddivas pelo fato de que Jesus o Senhor.Portanto, o fato de que Jesus Senhor deve-se circunstncia de que ele fez uma carreira brilhante.Porm foi uma carreira para baixo. Como servo obediente ocupou o lugar mais inferior nahumanidade, o lugar do pecador e o lugar do condenado. Contudo dessa condio de servo que

    jorra seu senhorio, e desse, a gloriosa condio de Deus enquanto Pai. De acordo com o v. 1 dessaglria que tambm j derivava o servio apostlico de Paulo. Agora somos informados sobre o queele traz consigo desse mandato, em que consiste a soma de seu servio: graa a vs. Graacertamente tem uma ressonncia, no grego, com a palavra usual de saudao daquele tempo, que setornou gasta e sem contedo (charein, do qual se deriva aqui chris, graa). Graa inclinar-see tambm ocorre de pessoa para pessoa. Porm graa da parte de Deus, nosso Pai extrapola nossa

    capacidade de imaginao. como se a ponta da torre de uma catedral se inclinasse profundamenteat um capim que vegeta l em baixo nas frestas do calamento. Desta forma, e de modo ainda maisincrvel, Deus nos alegra com ele prprio: Aqui estou, estou com vocs, sou de vocs, vocs someus! (Outros pormenores sobre o conceito de graa, que ocorre sete vezes na carta, cf. o exposto

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    sobre Gl 1.6.) Em Hb 10.29 fala-se do Esprito da graa. Portanto, ela uma experincia espiritual.Com o voto da graa Deus no somente est bombeando idias para dentro das dobras de nossocrebro, mas o Esprito de Deus sobrevm beneficamente ao nosso esprito, corpo e alma.

    De forma lgica segue-se: e paz. O termo grego eirne, que temos diante de ns, constitui na LXXa palavra que traduz o termo hebraico shalom, conhecido ainda hoje como saudao judaica. AssimPaulo conjuga a saudao grega com a semita. De tanta graa, portanto, vem a paz, i. , somosrestaurados. O ser humano torna-se novamente ser humano. Desmancham-se lembranas que fazemadoecer, mas tambm bloqueios atuais e, por fim, o fechamento para o futuro. A elevada e forte pazvinda de Deus e Cristo inunda as resistncias, por mais resistentes que possam ser.

    Apenas votos piedosos? Jesus diz em Mt 10.12,13: Ao entrardes na casa, saudai-a; se, comefeito, a casa for digna, venha sobre ela a vossa paz. To essencial pode ser a saudao de umemissrio de Jesus. Uma casa que se submete ao evangelho merece a paz e a experimenta por meioda proclamao apostlica. Este evangelho delineado no versculo subseqente, momento em quefica muito claro como a frase finalmente aterrissa no alvo que visou.

    4 Na introduo de uma carta no possvel apresentar mais do que uma formulao abreviada doevangelho. Quando, porm, h somente o espao de uma nica frase, o que dever ser o seu contedoimprescindvel? Os diversos ttulos honorficos de Jesus? Sua existncia antes de vir ao mundo? Seunascimento, seu batismo, seus feitos ou ensinamentos, sua orao e sua f? No, o auge de sua vida

    foi sua morte: o qual se entregou a si mesmo ( morte) pelos nossos pecados. Devemos a MartinhoLutero a bela palavra sobre esse texto: Ele deu. O qu? No ouro, nem prata, nem animais desacrifcio, nem cordeiros pascais, nem anjos, mas a si mesmo. Pelo qu? No por uma coroa, nem porum reino, nem por nossa santidade ou justia, mas por nossos pecados.

    O primeiro impulso para essa perspectiva inaudita os apstolos j receberam por parte de seuMestre. Conforme Mc 10.45 sua vinda tinha a finalidade expressa de dar a sua vida em resgate pormuitos. Jesus no pode ser entendido sem a plenitude de sua atuao na morte (e ressurreio).Tudo o que veio antes foi um encaminhamento, do qual no se deve tirar o alvo. Nesse ponto residemo centro e a norma para todo cristo. por isso que 1Co 15.11 diz: Portanto, seja eu ou sej am eles,assim pregamos. De forma coerente, o NT atesta tambm em todas as suas partes comoacontecimento central a morte de Jesus como morte salvadora. Mais de quarenta ocorrncias trazem

    esse por ns, por vocs, pelo irmo, por mim, por todos, por muitos, pelo mundo ou comfreqncia tambm referindo-se a um objeto, como aqui: pelos nossos pecados. Nada afirmadocom tanta freqncia e unanimidade acerca da morte de nosso Senhor como isto, que foi uma morteem favor de. Ele no morreu uma morte particular para si prprio, mas ao morrer assumiu o lugar dahumanidade desesperadamente culpada. Como inocente, deixou-se executar como culpado, para queculpados assumam o lugar do justo. Esta troca maravilhosa (Lutero) merece todas as abordagens.Ela constitui a revelao fundamental sobre Deus. Um Deus que se oferece ao mundo. Um Deus paraquem suas criaturas so mais preciosas que sua maior preciosidade. Um Deus que se empenha pelassuas criaturas, preferindo perder-se pessoalmente a perd-las. Gl 3.13 nos dar a oportunidade derefletir adiante sobre o por ns.

    Neste ponto antecipamos a locuo final do presente versculo, que poder evitar um equvoco. A

    auto-entrega de Jesus e nossa redeno aconteceram segundo a vontade de nosso Deus e Pai. Notemos um Deus espectador, que observa, taciturno, horrveis sacrifcios humanos e que no final acabasendo apaziguado contra a sua vontade. Sacrifcios humanos so um costume abominvel dosgentios j condenado expressamente no AT (2Rs 16.3). Pelo contrrio, temos de considerar a auto-entrega do Filho e a entrega ativa do Pai como atos conjuntos ambos realizados na dor do amorpelo mundo. O amor divino por ns no poupou o Filho, mas tampouco o Pai, de modo que Deussofreu pessoalmente, Deus se sacrificou pessoalmente e realizou um empenho total: Deus estava emCristo (2Co 5.19). Com razo Oepke opina a respeito do presente versculo: Paulo, portanto,torna a idia da expiao o fundamento de sua carta. a partir dessa verdade que ele desalojou aposio dos mestres estranhos que se haviam intrometido.

    O versculo desemboca numa frase final, que cita o efeito objetivado pela ao salvadora: paraFrases semelhantes com para tambm se encontram em Gl 3.13,14; 4.4,5 . Agrupadas, elasproduzem um portentoso jbilo de liberdade. Nesta passagem, o mal de que Cristo arranca o serhumano a presente era perversa. Lidos superficialmente, o AT e o NT fornecem muitas vezes umaperspectiva muito obscura do tempo presente do mundo. A opr 2, sobre o presente trecho, visa

  • 8/3/2019 09. Galatas - Comentrio Esperana

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    colocar os fatos na proporo correta. L tambm so avaliadas afirmaes diferentes de Paulo sobreo mal na era presente. Cabe aqui mencionar a estreita relao de nosso trecho com a metadeprecedente do versculo (v. 4a), pois ela aborda o tema dos nossos pecados. neste ponto quetocamos no verdadeiro espinho da maldade da nossa era. Ela no reina sobre ns simplesmente porum poder superiornesse caso pelo menos poderamos ter pena de ns prprios como seres frgeisdependentes das circunstnciasmas sempre domina tambm com um direito intrnseco. Na verdadetransforma inicialmente o pecar em algo fcil, faclimo, mas depois no d a menor folga nasconseqncias. Sem piedade, elas so denunciadas. O deus deste sculo no perdoa nada. Quemcomete pecado, passa a pertencer ao pecado de direito, seu escravo. Assim, nossa misria, apesar detoda a dependncia das circunstncias, sempre est tambm fundamentada em nossa prpria culpa.Nossa desgraa vem a ser, no seu aspecto decisivo, culpa e condenao. Cada um de nossos pecadosd ao poder do maligno condies para exercer legitimamente a obra destrutiva que de qualquermodo j vem fazendo. Nisto reside o fato de no termos sada. Encontramo-nos numa relao dedireito fatal com o mal, da qual no podemos nos desvencilhar pessoalmente. No dispomos de

    justificativa para agir. Pois os nossos pecados tambm esto sempre presentes, e nada faz tanto partede ns quanto exatamente esses nossos pecados. Por isso, quem ainda no levou a srio os seuspecados, ainda no comeou a levar a srio a si prprio.

    O nico que realmente leva a srio a ns e nossos pecados Deus. Por um empenho total ele

    interferiu e nos arrancou: por meio da entrega de Jesus pelos nossos pecados. A Sexta-Feira daPaixo destronou o senhor deste sculo, tirando-lhe seu direito no mago mais profundo. A expressoarrancar na verdade poderia sugerir um ato de pura violncia, mas complementada em Gl 3.13 e4.5 pela meno de um resgate, ou seja, de um ato legal. Dessa maneira existe desde a Sexta -Feirada Paixo uma soluo limpa daquela situao desesperada, uma soluo que tambm est em ordemquando iluminada de todos os lados, tanto diante da nossa conscincia e razo quanto tambm dianteda lei de Deus e dos anjos no cu. Cl 1.13,14 mostra essa virada em foto ampliada. Para os quecrem, a presente era perversa (NVI) no mais a verdadeira realidade. Apesar decronologicamente ainda viverem nela, sendo tambm atribuladas por ela, eles foram legalmenteexpatriados dela e transportados para o reino do Filho do seu amor (v. 13).

    5 Como faz muitas vezes aps mencionar os grandes feitos de Deus, Paulo tambm agora acrescenta

    uma doxologia: a quem sejaa glria pelos sculos dos sculos. Doxologias (de dxa,glria) noconstituem propriamente gratido, mas j do um passo alm. Avanam da contemplao da aopara a venerao de quem a realiza. A pessoa compreende: Deus no apenas agiu assim, mas eletambm assim. Seu agir brotou de seu ser imutvel. Por isso Ele tambm permanece ao lado do seuUngido, apesar de todo o protesto (Sl 2.1-6) e jamais mudar o evangelho. No fundo talvez jtransparea a rejeio do outro evangelho que vir no v. 6.

    Desde tempos imemoriais faz parte do louvor a Deus o Amm da comunidade. Em Ne 8.6 isso jpode ser constatado: Esdras bendisse ao Senhor, o grande Deus; e t