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EVANGELHO DE JOÃO COMENTÁRIO ESPERANÇA autor Werner de Boor Editora Evangélica Esperança Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Boor, Werner de Evangelho de João I: comentário esperança/ Werner de Boor; tradução Werner Fuchs. -- Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2002. Título do original: Das Evagelium des Johannes 1. Teil. Bibliografia. ISBN 85-86249-57-2 Brochura ISBN 85-86249-58-0 Capa dura 1. Bíblia. N.T. Evangelho de João I - Comentários I.Título. 02-1666 CDD-226.507 Boor, Werner de Evangelho de João II: comentário esperança/ Werner de Boor; tradução Werner Fuchs. -- Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2002. Título do original: Das Evagelium des Johannes 2. Teil. Bibliografia. ISBN 85-86249-56-4 Brochura ISBN 85-86249-55-6 Capa dura 1. Bíblia. N.T. Evangelho de João II - Comentários I.Título. 02-0658 CDD-226.507 Índice para catálogo sistemático: Título dos Originais em Alemão: Das Evagelium des Johannes Teil 1 - Das Evagelium des Johannes Teil 2 Copyright © 1968 R. Brockhaus Verlag Wuppertal, Alemanha Capa Marianne Bettina Richter

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  1. 1. EVANGELHO DE JOO COMENTRIO ESPERANA autor Werner de Boor Editora Evanglica Esperana Dados Internacionais da Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Boor, Werner de Evangelho de Joo I: comentrio esperana/ Werner de Boor; traduo Werner Fuchs. -- Curitiba: Editora Evanglica Esperana, 2002. Ttulo do original: Das Evagelium des Johannes 1. Teil. Bibliografia. ISBN 85-86249-57-2 Brochura ISBN 85-86249-58-0 Capa dura 1. Bblia. N.T. Evangelho de Joo I - Comentrios I.Ttulo. 02-1666 CDD-226.507 Boor, Werner de Evangelho de Joo II: comentrio esperana/ Werner de Boor; traduo Werner Fuchs. -- Curitiba: Editora Evanglica Esperana, 2002. Ttulo do original: Das Evagelium des Johannes 2. Teil. Bibliografia. ISBN 85-86249-56-4 Brochura ISBN 85-86249-55-6 Capa dura 1. Bblia. N.T. Evangelho de Joo II - Comentrios I.Ttulo. 02-0658 CDD-226.507 ndice para catlogo sistemtico: Ttulo dos Originais em Alemo: Das Evagelium des Johannes Teil 1 - Das Evagelium des Johannes Teil 2 Copyright 1968 R. Brockhaus Verlag Wuppertal, Alemanha Capa Marianne Bettina Richter
  2. 2. Reviso Doris Krber Superviso editorial e de produo Walter Feckinghaus 1 edio brasileira Maro de 2002 Abril de 2002 Editorao eletrnica Marianne Bettina Richter Impresso e acabamento Imprensa da F Publicado no Brasil com a devida autorizao e com todos os direitos reservados pela Editora Evanglica Esperana Rua Aviador Vicente Wolski, 353 82510-420 - Curitiba - PR Fone: (41) 256-0390 / Fax: (41) 257-6144 E-mail: [email protected] www.esperanca-editora.com.br proibida a reproduo total ou parcial sem permisso escrita dos editores. O texto bblico utilizado, com a devida autorizao, a verso Almeida Revista e Atualizada (RA) 2 edio, da Sociedade Bblica do Brasil, So Paulo, 1997. Sumrio ORIENTAES PARA O USURIO DA SRIE DE COMENTRIOS NDICE DE ABREVIATURAS PREFCIO DO EDITOR QUESTES INTRODUTRIAS INTRODUO PRIMEIRA PARTE I Quem escreveu esse livro sobre Jesus? II Joo e os evangelhos sinticos III A terminologia dos discursos de Jesus IV O objetivo do evangelho de Joo V A integralidade do evangelho de Joo VI A poca do surgimento do evangelho segundo Joo VII As variaes textuais nos manuscritos VIII Bibliografia sobre o evangelho de Joo COMENTRIO O MISTRIO DA PESSOA DE JESUS Joo 1.1-5 INTERCALAO SOBRE JOO BATISTA Joo 1.6-8 A ATUAO DA VERDADEIRA LUZ - Joo 1.9-13 A DDIVA DO REVELADOR Joo 1.14-18
  3. 3. O TESTEMUNHO DE JOO Joo 1.19-28 UM SEGUNDO TESTEMUNHO DE JOO Joo 1.29-34 DISCPULOS DE JOO TORNAM-SE SEGUIDORES DE JESUS Joo 1.35-42 FILIPE E NATANAEL TORNAM-SE DISCPULOS DE JESUS Joo 1.43-51 AS BODAS DE CAN Joo 2.1-11 A PURIFICAO DO TEMPLO Joo 2.12-22 JESUS E O POVO DE JERUSALM Joo 2.23-25 O DILOGO COM NICODEMOS Joo 3.1-21 O LTIMO TESTEMUNHO DO BATISTA Joo 3.22-36 A ATUAO DE JESUS NA SAMARIA Joo 4.1-42 UM SEGUNDO SINAL DE JESUS NA GALILIA Joo 4.43-54 A CURA NO TANQUE DE BETESDA Joo 5.1-18 JESUS TESTEMUNHA QUE FILHO DE DEUS Joo 5.19-30 AS TRS TESTEMUNHAS EM FAVOR DE JESUS Joo 5.31-40 A INCREDULIDADE DOS JUDEUS Joo 5.41-47 JESUS ALIMENTA CINCO MIL Joo 6.1-15 JESUS ANDA SOBRE O MAR Joo 6.16-24 JESUS, O PO DA VIDA Joo 6.25-35 A INCREDULIDADE DOS GALILEUS Joo 6. 36-51 A CARNE DE JESUS COMO PO DA VIDA Joo 6.52-59 A SEPARAO DOS DISCPULOS Joo 6.60-71 JESUS RETORNA A JERUSALM PARA A FESTA DOS TABERNCULOS Joo 7.1-13 A CONTROVRSIA DE JESUS COM OS PEREGRINOS DA FESTA Joo 7.14-30 UMA TENTATIVA DE DETENO POR PARTE DO SINDRIO Joo 7.31-36 JESUS CHAMA F NO LTIMO DIA DA FESTA Joo 7.37-44 A TENTATIVA FRACASSADA DO SINDRIO PARA PRENDER JESUS Joo 7.45-52 UMA INTERCALAO: JESUS E A ADLTERA Joo 7.538.11 JESUS, A LUZ DO MUNDO Joo 8.12-20 A IMPORTNCIA DECISIVA DA PESSOA DE JESUS Joo 8.21-30 JESUS PROMETE LIBERDADE AOS JUDEUS QUE CREM NELE Joo 8.31-36 FILHOS DO DIABO ENTRE A SEMENTE DE ABRAO Joo 8.37-47 A ETERNIDADE DE JESUS Joo 8.48-59 A CURA DO CEGO DE NASCENA Joo 9.1-7 O INTERROGATRIO DO CURADO PERANTE OS FARISEUS Joo 9.8-34
  4. 4. POR MEIO DE JESUS QUEM CEGO PASSA A VER E QUEM V TORNA-SE CEGO Joo 9.35-41 JESUS TESTEMUNHA SEU ENVIO COM ILUSTRAES DA VIDA PASTORIL Joo 10.1-21 O CHAMADO DECISO POR OCASIO DA FESTA DA INAUGURAO DO TEMPLO Joo 10.22-42 QUESTES INTRODUTRIAS INTRODUO SEGUNDA PARTE COMENTRIO I O FIM DA LUTA V DE JESUS POR SEU POVO Joo 1112 O REAVIVAMENTO DE LZARO Joo 11.1-44 A REPERCUSSO DESSE GRANDE MILAGRE Joo 11.45-54 A SITUAO EM JERUSALM Joo 11.55-57 A UNO DE JESUS EM BETNIA Joo 12.1-8 A ENTRADA EM JERUSALM Joo 12.9-19 JESUS ANUNCIA QUE MORRERIA Joo 12.20-36a UM RETROSPECTO FINAL SOBRE A ATUAO DE JESUS EM ISRAEL Joo 12.36b-50 II O LTIMO DILOGO DE JESUS COM SEUS DISCPULOS E SEU PAI Joo 1317 1 A preparao dos discpulos para o servio de Jesus (Discursos de despedida) Joo 13-16 O LAVA-PS Joo 13.1-11 AS PALAVRAS DE JESUS SOBRE O LAVA-PS Joo 13.12-20 A EXPULSO DO TRAIDOR DO CRCULO DE DISCPULOS Joo 13.21-30 A INCUMBNCIA FUNDAMENTAL DOS DISCPULOS Joo 13.31-35 O PRENNCIO DA NEGAO DE PEDRO Joo 13.36-38 O PATRIMNIO DE F DOS DISCPULOS Joo 14.1-11 A PROMESSA DE JESUS PARA A ATUAO DE SEUS DISCPULOS Joo 14.12-26 A PALAVRA DE DESPEDIDA AO PARTIREM DO RECINTO Joo 14.27-31 A PARBOLA DA VIDEIRA Joo 15.1-8 A COMUNHO DE JESUS COM OS SEUS Joo 15.9-17 O DIO DO MUNDO Joo 15.1816.4a A ATUAO DO ESPRITO Joo 16.4b-15 LUTO E ALEGRIA NA VIDA DOS DISCPULOS Joo 16.16-33 2 O ltimo Dilogo de Jesus com o Pai Joo 17 A ORAO DE JESUS POR SI MESMO Joo 17.1-5 A INTERCESSO DE JESUS POR SEUS DISCPULOS Joo 17.6-19 A ORAO DE JESUS POR SEUS DISCPULOS FUTUROS Joo 17.20-23 A ORAO DE JESUS POR TODOS OS SEUS Joo 17.24-26 III A PAIXO E A RESSURREIO DO SENHOR Joo 1821 1 O Processo contra Jesus Joo 18.119.16 A DETENO DE JESUS Joo 18.1-11 JESUS INTERROGADO DIANTE DE ANS E CAIFS A NEGAO DE PEDRO Joo 18.12-27 A NEGOCIAO PERANTE PILATOS Joo 18.28-32 O PRIMEIRO DILOGO ENTRE JESUS E PILATOS Joo 18.33-38a A TENTATIVA DE OBTER UM INDULTO DE PSCOA PARA JESUS Joo 18.38b-40 A APRESENTAO DO AOITADO Joo 19.1-7 O SEGUNDO DILOGO ENTRE JESUS E PILATOS Joo 19.8-11 A CONDENAO DE JESUS MORTE NA CRUZ Joo 19.12-16 2 Morte e sepultamento do Senhor Joo 19.17-42 A CRUCIFICAO DE JESUS Joo 19.17-22 A DISTRIBUIO DAS VESTES DE JESUS Joo 19.23-24
  5. 5. O CUIDADO DE JESUS COM SUA ME E SEUS DISCPULOS Joo 19.25-27 A MORTE DE JESUS Joo 19.28-30 O CORTE DE LANA NO LADO DE JESUS Joo 19.31-37 O SEPULTAMENTO DE JESUS Joo 19.38-42 3 A manifestao do Ressuscitado Joo 20.1-21.25 O SEPULCRO VAZIO Joo 20.1-9 MARIA MADALENA ENCONTRA O RESSUSCITADO Joo 20.10-18 O RESSUSCITADO VEM AT SEUS DISCPULOS Joo 20.19-23 JESUS E TOM Joo 20.24-29 A PALAVRA FINAL DO LIVRO Joo 20.30-31 4 Adendo ao presente Evangelho Joo 21.1-25 A MANIFESTAO DO RESSUSCITADO NO MAR DE TIBERADES Joo 21.1-14 A RENOVAO DA INCUMBNCIA DADA A PEDRO Joo 21.15-17 A PROMESSA DE JESUS A PEDRO E JOO Joo 21.18-23 A PALAVRA FINAL DOS EDITORES Joo 21.24-25 ORIENTAES PARA O USURIO DA SRIE DE COMENTRIOS Com referncia ao texto bblico: O texto do Evangelho de Joo est impresso em negrito. Repeties do trecho que est sendo tratado tambm esto impressas em negrito. O itlico s foi usado para esclarecer dando nfase. Com referncia aos textos paralelos: A citao abundante de textos bblicos paralelos intencional. Para o seu registro foi reservada uma coluna margem. Com referncia aos manuscritos: Para as variantes mais importantes do texto, geralmente identificadas nas notas,foram usados os sinais abaixo, que carecem de explicao: TM O texto hebraico do Antigo Testamento (o assim-chamado Texto Massortico). A transmisso exata do texto do Antigo Testamento era muito importante para os estudiosos judaicos. A partir do sculo II ela tornou-se uma cincia especfica nas assim-chamadas escolas massorticas (massora = transmisso). Originalmente o texto hebraico consistia s de consoantes; a partir do sculo VI os massoretas acrescentaram sinais voclicos na forma de pontos e traos debaixo da palavra. Manuscritos importantes do texto massortico: Manuscrito: redigido em: pela escola de: Cdice do Cairo (C) 895 Moiss ben Asher Cdice da sinagoga de Aleppo depois de 900 Moiss ben Asher (provavelmente destrudo por um incndio) Cdice de So Petersburgo 1008 Moiss ben Asher Cdice n 3 de Erfurt sculo XI Ben Naftali Cdice de Reuchlin 1105 Ben Naftali Qumran Os textos de Qumran. Os manuscritos encontrados em Qumran, em sua maioria, datam de antes de Cristo, portanto, so mais ou menos 1.000 anos mais antigos que os mencionados acima. No existem entre eles textos completos do AT. Manuscritos importantes so: O texto de Isaas O comentrio de Habacuque Sam O Pentateuco samaritano. Os samaritanos preservaram os cinco livros da lei, em hebraico antigo. Seus manuscritos remontam a um texto muito antigo.
  6. 6. Targum A traduo oral do texto hebraico da Bblia para o aramaico, no culto na sinagoga (dado que muitos judeus j no entendiam mais hebraico), levou no sculo III ao registro escrito no assim-chamado Targum (= traduo). Estas tradues so, muitas vezes, bastante livres e precisam ser usadas com cuidado. LXX A traduo mais antiga do AT para o grego chamada de Septuaginta (LXX = setenta), por causa da histria tradicional da sua origem. Diz a histria que ela foi traduzida por 72 estudiosos judeus por ordem do rei Ptolomeu Filadelfo, em 200 a.C., em Alexandria. A LXX uma coletnea de tradues. Os trechos mais antigos, que incluem o Pentateuco, datam do sculo III a.C., provavelmente do Egito. Como esta traduo remonta a um texto hebraico anterior ao dos massoretas, ela um auxlio importante para todos os trabalhos no texto do AT. Outras Ocasionalmente recorre-se a outras tradues do AT. Estas tm menos valor para a pesquisa de texto, por serem ou tradues do grego (provavelmente da LXX), ou pelo menos fortemente influenciadas por ela (o que o caso da Vulgata): Latina antiga por volta do ano 150 Vulgata (traduo latina de Jernimo) a partir do ano 390 Copta sculos III-IV Etope sculo IV NDICE DE ABREVIATURAS I. Abreviaturas gerais AT Antigo Testamento NT Novo Testamento gr Grego hbr Hebraico km Quilmetros lat Latim opr Observaes preliminares par Texto paralelo qi Questes introdutrias TM Texto massortico LXX Septuaginta II. Abreviaturas de livros GB W. GESENIUS e F. BUHL, Hebrisches und Aramisches Handwrterbuch, 17 ed., 1921. LzB Lexikon zur Bibel, organizado por Fritz Rienecker, Wuppertal, 16 ed., 1983. III. Abreviaturas das verses bblicas usadas O texto adotado neste comentrio a traduo de Joo Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada no Brasil, 2 ed. (RA), SBB, So Paulo, 1997. Quando se fez uso de outras verses, elas so assim identificadas: RC Almeida, Revista e Corrigida, 1998. NVI Nova Verso Internacional, 1994. BJ Bblia de Jerusalm, 1987. BLH Bblia na Linguagem de Hoje, 1998. BV Bblia Viva, 1981. IV. Abreviaturas dos livros da Bblia ANTIGO TESTAMENTO Gn Gnesis x xodo Lv Levtico Nm Nmeros Dt Deuteronmio
  7. 7. Js Josu Jz Juzes Rt Rute 1Sm 1Samuel 2Sm 2Samuel 1Rs 1Reis 2Rs 2Reis 1Cr 1Crnicas 2Cr 2Crnicas Ed Esdras Ne Neemias Et Ester J J Sl Salmos Pv Provrbios Ec Eclesiastes Ct Cntico dos Cnticos Is Isaas Jr Jeremias Lm Lamentaes de Jeremias Ez Ezequiel Dn Daniel Os Osias Jl Joel Am Ams Ob Obadias Jn Jonas Mq Miquias Na Naum Hc Habacuque Sf Sofonias Ag Ageu Zc Zacarias Ml Malaquias NOVO TESTAMENTO Mt Mateus Mc Marcos Lc Lucas Jo Joo At Atos Rm Romanos 1Co 1Corntios 2Co 2Corntios Gl Glatas Ef Efsios Fp Filipenses Cl Colossenses 1Te 1Tessalonicenses 2Te 2Tessalonicenses 1Tm 1Timteo 2Tm 2Timteo Tt Tito Fm Filemom Hb Hebreus Tg Tiago
  8. 8. 1Pe 1Pedro 2Pe 2Pedro 1Jo 1Joo 2Jo 2Joo 3Jo 3Joo Jd Judas Ap Apocalipse PREFCIO DO EDITOR com grande satisfao e alegria que apresentamos aqui a primeira obra, em portugus, do autor Dr. Werner de Boor (1899-1976), nascido na cidade de Breslau (Alemanha) e doutorado em teologia pela universidade de Marburg. O Dr. de Boor trabalhou durante muitos anos como pastor e evangelista na sua igreja. Cedo, em seu ministrio, percebeu a necessidade de oferecer comentrios bem elaborados aos irmos que desejam ampliar o seu conhecimento das Escrituras. Com muita capacidade e conhecimento escreveu a maior parte dos comentrios da srie Comentrios Esperana (Wuppertaler Studienbibel). Juntamente com Adolf Pohl, cujos comentrios j foram publicados em portugus, o Dr. de Boor teve a viso de colocar nas mos de pastores, seminaristas e lderes da igreja comentrios que procurassem ser fiel ao intento das Sagradas Escrituras e com grande nmero de informaes que facilitassem o trabalho e o preparo dos que pregam a Palavra. Walter Feckinghaus Curitiba fevereiro de 2002 QUESTES INTRODUTRIAS INTRODUO I Quem escreveu esse livro sobre Jesus? Ao lermos juntos o evangelho segundo Joo, uma questo crucial aparece: Quem escreveu esse livro sobre Jesus? Ser que foi Joo, filho de Zebedeu, ou seja, um discpulo e testemunha ocular? Durante sculos era convico indubitvel da igreja de Jesus que esse evangelho era obra do apstolo Joo. Depois, porm, manifestaram-se dvidas a respeito dessa certeza, a comear pelo telogo ingls Evanson, em 1792, que atribuiu o evangelho de Joo a um filsofo platnico do sc. II. Desde ento a controvrsia sobre a autenticidade de nosso evangelho no se acalmou mais. No podemos expor aqui essa controvrsia em toda a sua amplitude, porm temos de fornecer ao leitor uma introduo s questes. Afinal, leremos o evangelho de maneira muito diferente se estivermos convictos de que o apstolo Joo que est falando a ns do que se tivermos de supor que um homem desconhecido da 2 ou 3 gerao estaria nos apresentando sua concepo sobre Jesus na forma de um evangelho. Em primeiro lugar cabe-nos ouvir: 1 O que o prprio evangelho afirma sobre seu autor. a Enquanto o estilo epistolar da poca fazia com que os autores das cartas do NT uma significativa exceo justamente 1Joo se apresentassem nominalmente no incio de suas missivas, falta o nome do autor em todos os evangelhos, tambm no de Lucas. Contudo, sendo autor erudito, Lucas pelo menos expressou num prefcio algo a respeito de si mesmo e de seu trabalho. Em Joo (assim como em Mateus e Marcos) falta qualquer afirmao direta sobre a identidade do autor. b Embora nosso evangelho no tenha um prefcio, ele traz um ps-escrito no captulo 21. Esse captulo 21 descreve acontecimentos pascais que no aconteceram em Jerusalm, mas na Galilia. Faz parte deles tambm o dilogo do Ressuscitado com seu discpulo Pedro (vs. 15-19). Em seguida a esse dilogo consta: Ento Pedro, voltando-se, viu que tambm o ia seguindo o discpulo a quem Jesus amava, o qual na ceia se reclinara sobre o peito de Jesus, e perguntara: Senhor, quem o traidor? (v. 20). E agora um grupo de pessoas, que no conhecemos mais detalhadamente, atesta: Este o discpulo que d testemunho a respeito destas coisas e que as escreveu; e sabemos que seu testemunho verdadeiro (v. 24). Essa informao declara um fato decisivo. Nosso evangelho foi escrito pelo discpulo a quem Jesus amava. Esse discpulo tem de ser um dos doze apstolos, uma vez que somente eles estiveram presentes na ltima ceia de Jesus. Em todos os casos, aquilo que leremos em conjunto
  9. 9. proveniente de uma testemunha ocular, de um homem do crculo de discpulos mais prximos, o qual gozava de uma intimidade especial com o Senhor. c Ser que podemos definir com mais preciso quem era esse homem do crculo dos Doze? O discpulo, a quem se refere o atestado do ps-escrito, aparece aqui, como tambm em Jo 20.2ss, diretamente em companhia de Pedro. Em Atos dos Apstolos, porm, Joo aparece ao lado de Pedro (At 3.1; 4.13). Do mesmo modo, Paulo em Gl 2.9, considera Joo, ao lado de Pedro, uma coluna na igreja primitiva. Portanto, se nosso evangelho apresenta um discpulo a quem Jesus amava nessa ligao com Pedro (tambm na cena de Jo 13.23s), todo leitor do evangelho precisa ver nele o apstolo Joo. d Contudo, no seria possvel que esse discpulo a quem Jesus amava fosse uma figura livremente inventada, simblica, do discpulo verdadeiro? Com certeza o seria se ele ocorresse no evangelho apenas de uma forma simblica genrica. Todavia, no evangelho so atribudas aes bem concretas justamente a esse discpulo. Visivelmente o texto refere-se um homem bem concreto do crculo dos apstolos. W. Michaelis aponta para uma realidade singularmente importante: O relato sobre a ltima ceia, no qual foi inserido Jo 13.23ss, faz parte do acervo consolidado da tradio sintica. Isso significa que a totalidade do cristianismo da poca em que surgiu o evangelho de Joo sabia que a ltima ceia de Jesus com seus discpulos representava um fato histrico, e que igualmente sabia quem esteve presente naquela ocasio. Diante desses leitores, que autor poderia ousar inserir uma figura ideal fictcia num relato sobre a ltima ceia? Sim, que autor daquele tempo teria sido capaz de at mesmo imaginar isto? Essa sada parece ser a pior de todas as solues possveis. e Acrescenta-se mais uma constatao. Nosso evangelho no parcimonioso no uso dos nomes de apstolos. Simo Pedro, Andr, Filipe, Natanael e Tom so mencionados vrias vezes. Somente Joo e Tiago jamais aparecem no evangelho citados pelo nome! Isso somente compreensvel se o prprio Joo for o autor, que tem receio de falar de si mesmo citando expressamente o prprio nome. No entanto, quem reconheceu Joo no discpulo a quem Jesus amava e os primeiros leitores do evangelho tinham de chegar a essa concluso de maneira muito mais direta que ns hoje esse tambm compreender a maneira delicada com que Joo fala de si no evangelho e sugere sua prpria converso no cap. 1. f Por fim, no se pode menosprezar tambm a assero logo no incio do evangelho: Vimos a sua glria (Jo 1.14). Nada d a entender que o autor tivesse a inteno de que esse ver deveria ser entendido somente como um ver intelectual, o qual ele partilha com todos os cristos. Essa hiptese at excluda por 1Jo 1.1, onde a mesma testemunha conta que, alm de ouvir e ver a Jesus, at o apalpou com suas mos. Considerando que em Jo 20.29 ele imagina expressamente cristos que no viram, e creram, no cabvel que o destaque do prprio ver do autor em Jo 1.14 seja diminudo e esvaziado. g No h dvida de que o autor desse evangelho expressa de maneira reservada, porm muito clara, que ele Joo, o discpulo e apstolo, o filho de Zebedeu. Por conseqncia, qualquer negao da autoria de Joo levanta necessariamente uma grave acusao contra o autor e os editores deste evangelho. O autor desconhecido, com um mtodo que to somente mereceria o adjetivo de astuto, teria tentado criar em seus leitores a impresso de ser o apstolo Joo. E o grupo de editores do cap. 21 ainda daria cobertura a essa iluso, com a expressa assero da veracidade do evangelista, reforando assim conscientemente a iluso dos leitores de que eles estariam lidando com o discpulo Joo. Uma acusao dessas contra o autor e os editores do evangelho segundo Joo teria de ser alicerada sobre razes incontestveis que demonstrem de modo irrefutvel que o apstolo Joo no pode ser o autor do evangelho. Ser que existem essas razes? O fato de que elas realmente no podem existir j decorre da circunstncia de que pesquisadores como F. Godet, T. Zahn, A. Schlatter e outros esto convictos de que o apstolo Joo o autor desse evangelho. Diante de provas realmente inequvocas a favor da no-autenticidade do evangelho de Joo eles tambm teriam de se curvar. 2 O que acontece com a atestao eclesistica do evangelho de Joo? Abordemos, porm, mais de perto as perguntas e constatemos inicialmente o que acontece com a atestao eclesistica do evangelho de Joo. a A notcia direta mais antiga sobre o surgimento do evangelho de Joo ocorre em Ireneu, o mais importante pai apostlico da igreja antiga. Ireneu oriundo da sia Menor e em 178 d.C. tornou-se bispo de Leo, no Sul da Frana. Em sua obra principal Contra as Heresias ele declara que Joo, o apstolo, teria vivido na sia Menor at a poca de Trajano (98-117 d.C.). Depois (aps os sinticos) tambm Joo, o discpulo do Senhor, que tambm se reclinara sobre o seu peito, por sua vez publicou um evangelho, enquanto vivia em feso na sia Menor. Esse evangelho seria dirigido especialmente contra o gnstico Querinto, contemporneo do apstolo, e contra os nicolatas. De onde Ireneu obteve seu conhecimento? Ele se apia no bispo Policarpo de Esmirna, que aos 86 anos morreu como mrtir, em 155 ou 166. Ireneu conheceu Policarpo em vida. No somente se recorda de que Policarpo mencionou Joo e outros discpulos de Jesus, mas ainda se recorda de detalhes do que Policarpo ouviu de Joo a respeito de Jesus, de seus milagres e seu ensino. Logo a notcia de Ireneu sobre Joo e seus escritos possui um fundamento slido. Ela se alicera sobre as informaes de uma pessoa que ainda manteve contato pessoal com o apstolo Joo.
  10. 10. b Acontece que a esse testemunho de Ireneu contrape-se uma declarao de Papias, citada por Eusbio em sua Histria Eclesistica (III,39), em um prefcio obra sobre as palavras do Senhor. O que chama ateno no comentrio de Papias que cita duas vezes um Joo. Uma vez ele aparece numa lista dos apstolos conhecidos. Depois mencionado um velho Joo ao lado de um Aristio, do qual no temos outras informaes. Portanto, ser que houve dois homens com o nome de Joo, que eram conhecidos dos informantes de Papias, dos quais Papias podia obter notcias seguras sobre Jesus? Muitos pesquisadores responderam afirmativamente a essa pergunta. Por isso fazem a distino entre um presbtero Joo e o apstolo e filho de Zebedeu. Conseqentemente, pensam que deve ter sido esse presbtero Joo que viveu em feso, em idade avanada, nos dias de Trajano, redigindo o evangelho. Por razes compreensveis, ele rapidamente teria sido confundido com o conhecido apstolo Joo, ao qual teria sido atribudo tudo o que na verdade apenas poderia ter valido para o presbtero. Contudo, mesmo que essa suposio fosse correta, no ficaria solucionada a verdadeira dificuldade, por causa da qual o presbtero Joo foi saudado com certo alvio como autor desse evangelho. Pois o problema no reside tanto na afirmao de que justamente o filho de Zebedeu teria escrito o evangelho segundo Joo, mas sim no fato de que o autor teria sido discpulo e testemunha ocular. E justamente isso no muda se o segundo Joo for o autor do evangelho, pois esse nem um presbtero. Em Papias, o termo grego presbteros no designa um cargo eclesistico, mas a participao na primeira gerao que ainda conheceu o prprio Senhor. Quando, porm, chegava de viagem algum que tinha seguido aos velhos (aos presbteroi), sempre indaguei pelas palavras dos velhos (presbteroi), o que Andr ou Pedro afirmaram ou o que Filipe ou Tom ou Tiago ou Joo ou Mateus ou qualquer outro dos discpulos do Senhor disseram. exatamente dessa maneira que esse segundo Joo chamado de o velho (presbteros). Logo, tambm ele faz parte da primeira gerao. Por isso ele tambm designado, da mesma maneira que Andr, Pedro, etc., como discpulo do Senhor. Portanto ele andou, como Andr, Pedro e os demais, com Jesus e testemunha ocular e ouvinte direto. Somente por isso que os informantes de Papias podem dar valor ao que ele diz, e equipar-lo com o que Andr, Pedro, etc. disseram. Em outras palavras: Ainda que tenha existido esse segundo Joo e que ele tenha redigido o evangelho, esse livro foi composto por uma pessoa da primeira gerao, por um discpulo e testemunha ocular. A questo joanina de forma alguma recebe, assim, uma soluo simples. No entanto, ser que Papias de fato pensou em dois homens diferentes com o nome de Joo? Isso se torna extremamente improvvel, to logo nos conscientizamos de que a ambos dada exatamente a mesma caracterizao. Ambos so velhos e ambos so discpulos do Senhor. Logo, ambas as frases de Papias devem estar falando da mesma pessoa. Por que, ento, a dupla meno? Pois bem, apesar da igualdade da designao, h em ambas as declaraes de Papias uma diferena, que deve ser considerada, a saber, a diferena no tempo verbal da declarao. Na srie de apstolos citados em primeiro lugar o verbo est no passado: Eles disseram. Em relao a Aristio e Joo, no entanto, aparece a forma do presente: Eles dizem. No podemos perder de vista o objetivo de Papias. Ele visa mostrar-nos seus fiducirios, dos quais ele prprio aprendeu. E entre esses fiducirios ele distingue dois grupos. Aos do primeiro grupo ele podia perguntar o que Andr, Pedro, etc. lhes disseram no passado. Junto aos do segundo grupo ele podia se informar o que dizem agora os discpulos do Senhor, Aristio e Joo. Ou seja, ele conhece pessoas que no passado tiveram contado com todos os apstolos, entre os quais obviamente tambm est Joo. Porm conhece igualmente pessoas que agora ainda tinham a oportunidade de falar com os ltimos sobreviventes da primeira gerao. Alm de Aristio, esses sobreviventes incluem tambm o velho Joo. Justamente por ter se tornado particularmente idoso entre os discpulos do Senhor, ele recebeu o nome honorfico o velho, com o qual ele tambm se apresenta em sua 2 e 3 carta. A tradio eclesistica, que por meio de Ireneu remonta ao discpulo de Joo, Policarpo, atribui inequivocamente o evangelho ao apstolo Joo e no est sendo enfraquecida, mas fortalecida pelas declaraes de Papias de que dispomos. 3 Ser que Marcos (Mc 10.39) refuta a autoria de Joo? Entretanto, ser que a autoria do filho de Zebedeu no refutada de uma maneira muito simples? Na realidade, em Mc 10.39 profetizado o martrio para ambos os filhos de Zebedeu. Para pesquisadores crticos, essa profecia obviamente constitui um vaticinium ex eventu, i. , uma profecia que foi colocada na boca de Jesus somente porque Joo de fato foi executado nos primeiros tempos, assim como seu irmo Tiago. Porm, ser que dispomos de uma prova qualquer que seja convincente acerca desse martrio precoce de Joo? No o caso. Atos 12.2 somente fala da execuo de Tiago. Por ocasio do conclio dos apstolos (At 15), Joo ainda se encontra com o apstolo Paulo, sendo uma das colunas da igreja de Jerusalm (Gl 2.9). E quem quer que tenha escrito o ps-escrito desse evangelho, jamais poderia ter apontado, em Jo 21.22, para uma vida especialmente longa do apstolo, se todos soubessem da morte de Joo nos primeiros tempos. Jesus anunciou a todos os seus discpulos que sofreriam por causa do Seu nome (Mt 10.17-22; Jo 16.1s). Em Mc 10.39 Jesus, portanto, no visa destacar o sofrimento futuro dos filhos de Zebedeu como algo extraordinrio. Est anunciando a ambos a sorte geral dos discpulos, porque haviam-no interrogado sobre o lugar de honra no reino de Deus. Contudo, o caminho concreto do sofrimento de cada um dos discpulos permanece em aberto. O clice e o batismo do sofrimento estavam reservados a todos os discpulos, ainda que para cada um deles o sofrimento tivesse
  11. 11. uma forma distinta. Conseqentemente, Mc 10.39 no comprova necessariamente uma morte precoce de Joo pelo martrio. As dvidas sobre a autenticidade do evangelho de Joo, porm, no brotam dessas observaes esparsas. H outras razes subjacentes ao fato de que tantos telogos repetidamente contestam a redao apostlica desse evangelho. Elas se situam na diferena de Joo para os sinticos, que forosamente chama a ateno de todo leitor atento da Bblia. dessa questo que trataremos agora num item especfico. II Joo e os evangelhos sinticos 1 Esquema da atuao de Jesus H uma diferena flagrante no esquema da atuao de Jesus. Nos sinticos forosamente temos a impresso de que essa atuao durou apenas cerca de um ano e transcorreu completamente na Galilia. Somente uma nica vez durante sua atuao pblica Jesus vem para Jerusalm, para um pass que lhe acarreta a morte. Em contrapartida, de acordo com o exposto por Joo, Jesus vai logo no incio de sua atuao ao pass em Jerusalm (Jo 2.13), atuando ali e na Judia. Obviamente Joo tambm tem conhecimento de uma atuao reiterada de Jesus na Galilia (Jo 1.43-2.12; 4.43ss; 6,1ss). Contudo, repetidamente (Jo 5.1s; 7.10ss; 10.22ss) Jesus se encontra em Jerusalm para as grandes festas, antes de marchar solenemente para dentro da cidade para o ltimo pass (Jo 12.12ss). Os discursos e as controvrsias decisivas com Israel sucedem em Jerusalm. Conforme essa descrio de Joo, a atuao pblica de Jesus deve ter durado cerca de trs anos. Nenhum dos evangelhos tem o objetivo de nos fornecer uma biografia de Jesus no sentido moderno. Tambm Joo seleciona, da plenitude do que haveria para relatar acerca de Jesus (Jo 20.30; 21.25), aquilo que poder conduzir seus leitores de forma singular para a f ou fortalec-los nela. Tambm o seu evangelho proclamao. Contudo, enquanto os sinticos no do valor exatido histrica da moldura, mas esto tomados pela importncia de sua matria, Joo se mostra como o discpulo e testemunha ocular direta, relatando involuntariamente o transcurso cronolgico da atuao de Jesus de tal maneira como de fato aconteceu. 2 Divergncia dos sinticos Em vista dessa diferena, no causa surpresa que Joo divirja dos sinticos tambm no material apresentado pelo seu evangelho. bem verdade que Joo informa sobre a atividade de Jesus na Galilia, descrevendo o milagre da multiplicao do po e como Jesus anda por sobre o mar. Contudo, em Joo procuraremos em vo as palavras e parbolas de Jesus, to conhecidas dos sinticos. Muitas curas, exorcismos e atos de poder, dos quais os evangelhos sinticos esto repletos, no se encontram em Joo. Pelo que parece, Joo pressupe o conhecimento dos outros evangelhos na igreja. No repete o que a igreja j sabia, nem sequer a instituio da santa ceia. Em troca, ele fornece atos e discursos de Jesus que os sinticos no relatam, pela simples razo de que no dirigem seu olhar para Jerusalm. Os trs grandes milagres (cura de um enfermo no tanque de Betesda, cura de um cego de nascena e ressurreio de Lzaro), que se revestem de importncia especial por causa da luta de Jesus com os crculos dirigentes de seu povo, acontecem na rea de Jerusalm. Do mesmo modo, os grandes discursos e controvrsias nos captulos 5, 7, 8 e 10 so integralmente determinados pela conjuntura de Jerusalm. Em conseqncia, no cabem objees a essas partes do evangelho pela mera razo de que apenas Joo as traz. Da plenitude do material, apenas uma frao foi selecionada e anotada pelos evangelistas, do que justamente Joo tem conscincia (Jo 20.20; 21.25). Joo apresenta em seu evangelho aquilo que servia para explicitar a atuao decisiva em Jerusalm. Na diversidade do material, pois, no se configura uma prova da no-autenticidade desse evangelho. 3 Os discursos de Jesus, um contraste entre Joo e os sinticos? No entanto, se entendemos e reconhecemos tudo isso, ser que no existe apesar disso um contraste intransponvel entre Joo e os sinticos nas apresentaes dos discursos de Jesus? Seria possvel que Jesus falou ao mesmo tempo da forma como relatam os sinticos e assim como o constatamos em Joo? Em Joo h longos discursos que tm por tema o prprio Jesus, sua pessoa e sua importncia. L nos sinticos, seguindo o estilo da Palestina, ocorrem ditos concisos e marcantes, parbolas breves e concretas, e tudo gira em torno do reino de Deus e da atitude correta diante de Deus e do semelhante. No poderia ser que unicamente a apresentao sintica mostra o Jesus genuno, histrico, enquanto o Cristo joanino representa flagrantemente uma livre inveno do evangelista justamente em seus discursos? Cabe-nos ser muito cautelosos com o veredicto do que poderia ou no poderia ter sido histrico. bem compreensvel que as palavras e parbolas de Jesus, como trazidas pelos sinticos, eram facilmente memorizadas justamente na Galilia e no povo simples, sendo transmitidas nesse contexto. No entanto, imperioso que por isso Jesus tambm tenha falado da mesma forma em Jerusalm e no confronto com os grupos dirigentes? No seria plausvel que aqui estivesse em jogo, de maneira bem diferente, tambm sua pessoa, sua autoridade, a f nele, a forma como vem ao nosso encontro, logo na primeira ida de Jesus capital, no episdio da purificao do templo e no dilogo com Nicodemos? Afinal, esses discursos de Jesus inclusive na sinagoga de Cafarnaum! justamente no
  12. 12. so pregaes, mas sempre dilogos, discusses duras, nas quais as respostas de Jesus deixam perceber as perguntas e objees de seus adversrios, mesmo quando Joo no as insere expressamente. Indiretamente, os prprios sinticos evidenciam que Jesus de fato tambm falou de maneira diferente. Eles tm conhecimento de longas pregaes (Mc 6.34) e de uma proclamao de Jesus que durou vrios dias (Mc 8.2). Nessas ocasies, porm, no possvel que Jesus tenha alinhavado durante horas apenas ditos e parbolas breves. Longas pregaes requerem exposies com nexo, assim como Joo relata no cap. 6 tambm em relao atuao de Jesus na Galilia. necessrio que nos detenhamos ainda mais nesse ponto, uma vez que tambm comentaristas que sustentam a autoria do apstolo Joo nesse evangelho apesar disso consideram os discursos de Jesus como livre elaborao do evangelista. F. Bchsel opina: O quarto evangelho nos traz a realidade histrica de Jesus apenas nos moldes da compreenso, mais precisamente da compreenso adquirida posteriormente pelo evangelista, cuja liberdade bastante marcante se contrapunha compreenso meramente histrica. W. Wilkens fala da incrvel liberdade do quarto evangelista diante da tradio, fundada sobre a autoridade do testemunho autntico. H. Strathmann torna-se ainda mais explcito: Costuma-se dizer que os discursos joaninos de Jesus teriam passado pela pessoa de Joo. Correto! Contudo, o que significa isso? Os discursos de Cristo em Joo so discursos de Joo sobre Cristo. Joo serve-se deles como forma para pregar sobre Cristo, motivo pelo qual tambm ocasionalmente os discursos de Jesus, inclusive na forma, repentinamente transitam para discursos sobre Jesus. Em outras palavras: Em sua exposio, Joo no presta tributo ao historicismo, mas ao princpio da estilizao proclamatria. Por trs dessas declaraes certamente existem observaes corretas. Isso vale sobretudo com vistas linguagem peculiar no evangelho de Joo, que tambm influi no linguajar de Jesus nessa apresentao. freqentemente constatado que em todos os lugares dos escritos joaninos possvel encontrar o mesmo linguajar, independente se o que fala Jesus ou Joo Batista ou Joo, filho de Zebedeu. Entre os discursos de Jesus e as cartas de Joo no existe diferena de estilo. Nesse ponto pode-se perceber nitidamente que em longos anos de trabalho de pregao diversificada Joo assimilou dentro de si tudo o que havia vivenciado com seu Senhor, reproduzindo-o agora com o seu linguajar. Diante disso, porm, cumpre levantar uma pergunta bem decisiva: Onde fica, nesse caso, o limite entre testemunho histrico e elaborao espiritual? Ser que realmente estamos lidando com o prprio Jesus ou com um personagem que o evangelista tambm retrata depois, a partir dessa compreenso adquirida posteriormente? Quando Bchsel pensa que [quem] queria compreender Jesus a partir daquilo que ele podia saber dele no tempo em que viveu, de acordo com Joo necessariamente o tinha de compreender mal e que a impresso da atuao histrica como tal simplesmente no leva nenhuma pessoa a crer em Jesus, ento os judeus estariam plenamente desculpados por no terem compreendido a Jesus naquele tempo, rejeitando-o. Nesse caso, a conhecida palavra de Jo 1.14 teria de ser artificialmente reinterpretada: A palavra se tornou carne, e mais tarde, depois de sua ressurreio e ascenso, ns tambm vimos a sua glria. Se Joo descreve Jesus totalmente de acordo com sua compreenso espiritual posterior, ento nos tornamos, de um modo questionvel, dependentes de Joo e da exatido de sua compreenso, e no temos mais a ver realmente com Jesus, mas de fato apenas com o Cristo joanino. A f no capaz de viver de interpretaes, nem mesmo das mais profundas e belas. A f vive de realidades. Quando Joo no reproduz as palavras decisivas de Jesus porque as ouviu assim, mas opina a partir de sua compreenso posterior de Jesus, (Na verdade Jesus deveria ter falado assim), ento ns, como fiis, estamos numa situao complicada. Como ainda poderamos interpretar seriamente as afirmaes Eu sou de Jesus, se tivssemos de pensar que o prprio Jesus nem sequer as pronunciou? E como podemos acreditar que um israelita pois isso o que o autor do evangelho de Joo teria inventado livremente essas palavras de Jesus que evocam o nome de Jav, e que as teria colocado nos lbios de Jesus? Talvez seja verdade o que recentemente salientado nesse contexto, que anedotas e afirmaes inventadas seriam capazes de caracterizar melhor um personagem histrico que relatos historicamente confiveis. Contudo, a situao se torna muito diferente quando eu prprio quero fazer uso das promessas de uma pessoa poderosa. Ento de nada me servir a mais poderosa e caracterstica palavra, se for inventada. A pessoa tem de ter dado sua promessa de uma forma inequvoca, para que eu possa fundamentar sobre ela uma reivindicao. Se Jesus no pronunciou de fato sua poderosa palavra Eu sou com as promessas subseqentes, de nada nos servir no caso mais srio, p. ex., ao morrermos, que Joo assegure a partir de sua compreenso posterior de Cristo que Jesus poderia ter falado dessa maneira, sim, que na realidade deveria ter falado desse modo. Contudo, toda essa concepo de projetar para trs, para a descrio do Jesus histrico, a compreenso posterior de Cristo refutada pelo prprio evangelho de Joo. O autor anotou pessoalmente em algumas passagens que os discpulos compreenderam essas palavras de modo correto apenas mais tarde, depois da ressurreio de Jesus (p. ex., Jo 2.22; 7.39; 12.16). Com isso, porm, atestou justamente que ele no inventou nem modificou essas palavras de seu Senhor, mas sim que as reproduziu em sua forma original, enquanto naquela poca ele e os demais discpulos ainda careciam do entendimento dessas palavras, ficando claras somente mais tarde, aps a Pscoa. Se ele, porm, tivesse relatado parte por parte de acordo com sua compreenso posterior, ento ele no teria tido mais nenhum motivo para destacar em determinadas passagens especficas que nesse ponto somente uma percepo posterior teria descortinado o sentido mais profundo da questo.
  13. 13. No fundo, deparamo-nos com uma questo de confiana. No temos condies de verificar objetivamente se Joo reproduziu correta e fielmente os discursos de seu Senhor. Contudo, constantemente vemos em seu evangelho o empenho em relatar com exatido, em todos os detalhes, a atuao de Jesus. Ser que de repente, na questo principal de seu livro, nas palavras e discursos de Jesus, ele deixaria de ser confivel, apresentando-nos consideraes pessoais ao invs de palavras de seu Senhor? Ser que um discpulo, sobre o qual os amigos atestam expressamente a veracidade de seus testemunhos (Jo 21.24), e que assegura em sua carta: O que temos visto e ouvido anunciamos tambm a vs (1Jo 1,3), faria isso? Podemos ler os discursos de Jesus em nosso evangelho com a firme confiana de que neles ouvimos o prprio Jesus falando conosco. 4 A concordncia interna com os sinticos Ao olharmos para os sinticos, no pretendemos observar unilateralmente apenas as diferenas, mas tambm a concordncia interna. Ser que a pessoa que teve a ousadia de transmitir a seus discpulos a colossal palavra: Vs sois a luz do mundo, no teria afirmado primeiro sobre si prprio: Eu sou a luz do mundo? Tambm nos sinticos se encontram palavras da incomparvel majestade de Jesus, e tambm elas esto imbricadas com esse extraordinrio senso de envio que se expressa na afirmao: Eu vim (p. ex., Mt 10.34-37 em combinao com Dt 33.9; Mt 5.17; 9.13; 18.11; 20.28; Lc 6.46 em combinao com Lc 12.49). Desde sempre se constatou a conotao joanina no autotestemunho e convite redentor de Mt 11.25-30. Cumpre compreender as diferenas permanentes entre Joo e os sinticos. No h nelas uma razo compulsria para colocar em dvida o autotestemunho do evangelho de Joo e a tradio eclesistica sobre a autoria do apstolo Joo. III A terminologia dos discursos de Jesus Entretanto, que dizer da terminologia dos discursos de Jesus em Joo? Na verdade, tambm nos sinticos a pregao de Jesus mostra os grandes contrastes de luz e trevas, vida e morte, uma vez que tambm neles essa proclamao convoca para uma deciso definitiva. Porm em Joo os discursos de Jesus so dominados e moldados pelos contrastes de luz e trevas, esprito e carne, verdade e mentira, vida e morte, ser do alto e ser de baixo. A pesquisa descobriu correlaes para eles na gnose, motivo pelo qual considerou o evangelho de Joo um escrito tardio que, usando termos e conceitos gnsticos, travou uma luta contra a gnose. bvio que para nossa surpresa os achados dos manuscritos no deserto de Jud e as descobertas do pensamento e da vida da comunidade monstica de Cunr nos mostraram que a terminologia gnstica podia ser encontrada no somente na gnose helenista posterior, porm j em poca pr-crist, numa comunidade rigorosamente judaica. E essa comunidade vivia nas proximidades da regio do Jordo, na qual atuou Joo Batista. Os sacerdotes de Jerusalm e os grupos fariseus influentes certamente tinham conhecimento de Cunr, que estava a apenas 20 km de Jerusalm. Ademais, as concepes de Cunr, com sua spera crtica ao judasmo oficial, de forma alguma eram ignoradas por aqueles grupos que, numa expectativa viva, aguardavam a derradeira ao salvadora de Deus. Conseqentemente, possvel que o prprio Jesus tenha usado uma terminologia que no era incompreensvel a amigos e inimigos em Jerusalm. IV O objetivo do evangelho de Joo Somente entenderemos de forma apropriada o evangelho de Joo se tivermos diante de ns o objetivo que Joo persegue com seu evangelho. a J havia outros evangelhos escritos nas mos da igreja. Por que, pois, tambm ele escreve um livro seu? J na igreja antiga havia a opinio de que a inteno de Joo teria sido apresentar Jesus de forma mais intelectual, interior, mais filosfica, para usar um termo mais moderno. O evangelho segundo Joo, por isso, tambm foi prezado especialmente em crculos intelectuais e filosficos. No obstante, essa opinio equivocada. Joo leva a encarnao e, portanto, a vida bem real do Filho de Deus a srio. Por outro lado, Joo no visa mostrar-nos a atuao de Jesus em toda a sua amplitude. Isso os sinticos j haviam feito. Ele se concentra num nico tema, que lhe parece ser o verdadeiro tema da vida de Jesus. Ele o expe logo na abertura de seu livro: O Verbo eterno, por meio do qual o mundo foi criado, vem com sua glria, envidado pelo amor de Deus, para salvar o mundo; porm os seus no o acolhem! Todo o evangelho de Joo trata da luta de Jesus com seu povo e seus grupos dirigentes, os sacerdotes e fariseus na Judia, os zelotes na Galilia. Tambm os sinticos tm conscincia do contraste entre Jesus e os lderes do povo, descrevendo-o em muitas passagens por meio de narrativas isoladas e palavras concisas. Sabem que disso resultou a cruz de Jesus. De modo bem diferente, porm, Joo faz com que se experimente a profundidade do conflito e a constante escalada da luta at a cruz. Pelo fato de que a controvrsia de Jesus com Israel e o empenho para conquistar seu povo preenche todo o evangelho de Joo, houve quem o quisesse entender como um escrito missionrio em prol de Israel. Essa hiptese, porm, ignoraria um trao muito peculiar que confere a esse evangelho sua caracterstica especial. Logo de incio Jesus mostrado no apenas como o Messias de Israel, mas como Mediador da criao, que desde os primrdios se relaciona com o mundo inteiro. por isso que ele tambm, vindo como Salvador, est no mundo, e o mundo que no o conhece (Jo 1.10). Joo Batista v em Jesus o Cordeiro de Deus que carrega no somente as transgresses
  14. 14. de Israel, mas os pecados do mundo (Jo 1.29). Em Jesus Deus revela como ele no apenas ama o povo eleito, mas ama o mundo (Jo 3.16). Por isso os samaritanos que aceitaram a f o confessam com razo como Salvador do mundo (Jo 4.42). O Rei que tem a incumbncia de dar testemunho da verdade (Jo 18.37) no somente o Rei dos judeus (isso ele obviamente tambm !), mas um Rei de todas as pessoas, porque todas carecem da verdade, assim como todas tambm esto sujeitas morte e precisam daquele que a ressurreio e a vida (Jo 11.25). bem verdade que Jesus permanece fiel a Israel at a morte e no parte em direo dos gregos (Jo 7.35; 12.20ss). Contudo, justamente como aquele que foi exaltado para a cruz ele atrair a todos para si em dimenses universais (Jo 12.32). Inversamente, por isso tambm se torna claro que apesar de sua eleio, que permanece incontestvel (Jo 4.22!), Israel se torna, por causa de sua incredulidade, o representante especial do mundo hostil a Deus. Aqueles que se gloriam de ser filhos de Abrao, so filhos do diabo (Jo 8.44), o qual o prncipe deste mundo. Desse modo, o evangelho de Joo, enquanto descreve a luta de Jesus por Israel, visa incessantemente a importncia universal e o envio mundial do Filho de Deus. b Na luta por Israel no esto em jogo os detalhes, por mais que esses detalhes, como a questo do sbado, se destaquem tambm em Joo (Jo 5.9-16). Contudo, Joo deixa mais explcito do que os sinticos que est em jogo somente uma nica coisa, a atitude frente ao prprio Jesus, a f ou incredulidade diante dele. Isso confere ao evangelho de Joo uma simplicidade e, se quisermos usar essa expresso, sua grandiosa monotonia em comparao com os sinticos. Em sua essncia, os sinticos no defendem outra coisa (cf. Lc 10.42; Mt 7.24-27; 11.20-30; 19.21; 19.28s; etc.). Porm em Joo torna-se explcito na prpria pregao de Jesus o que mais tarde ensina a mensagem dos apstolos, a comear pela do apstolo Paulo, a judeus e gentios: Cr no Senhor Jesus Cristo, e sers salvo, tu e tua casa [At 16.31]. Joo nos mostra que essa mensagem no era a inveno dos apstolos, mas que o prprio Jesus desafiou as pessoas dessa maneira na deciso de f em sua pessoa: Se no crerdes que eu sou morrereis em vossos pecados (Jo 8.24). c Em decorrncia, no de admirar que o prprio Joo visse no crer o alvo de seu testemunho de Jesus. No final de sua obra ele fala da plenitude dos sinais de Jesus, os quais no conseguiu considerar todos. Esses, porm, foram registrados para que creiais que Jesus o Cristo, o filho de Deus, e para que crendo, tenhais vida em seu nome (Jo 20.31). Vale observar que nessa frase Joo no apenas opta pela formulao para que venhais a crer, mas que usa a forma verbal que expressa a continuidade de uma ao. Seu evangelho no visa ser propriamente um escrito missionrio, mas dirige-se comunidade crente, a fim de fortalec-la, depur-la e aprofund-la na f. possvel que Joo tivesse em mente o perigo vindo de uma forma de gnose que tinha o intuito de ela mesma ser crist, sim, que afianava elevar o cristianismo de fato sua verdadeira sublimidade, requestando ativamente as igrejas. J na carta aos Colossenses, precisamente na sia Menor, deparamo-nos com incios dessa gnose crist com suas percepes superiores e seus mtodos especiais de vida espiritual (Cl 2.8,16-23). Como contemporneo de Joo vive e atua em feso o gnstico Querinto. Por isso, pode bem ser que diversos pontos sejam especialmente realados nesse evangelho com vistas gnose. No entanto, deixaramos de compreender toda magnitude do evangelho de Joo se vssemos nele apenas um escrito antignstico. O evangelho segundo Joo, como o chamava a igreja antiga, realmente o evangelho pleno, integral, escrito para mostrar Jesus aos leitores de tal modo que sua f possa agarrar-se em Jesus e encontrar em Jesus o caminho, a verdade e a vida. V A integralidade do evangelho de Joo Que se pode afirmar sobre a integralidade desse evangelho? Ser que pode ser seriamente questionada? No justamente o evangelho de Joo coeso e integral em seu estilo inconfundvel, em sua estrutura clara? No entanto, desde sempre chamou ateno que o cap. 6 de repente mostra Jesus na Galilia, sem que tenha sido dito algo como em Jo 4.1-3 a respeito do fato e das razes de mais um retorno para a Galilia. No seria bem mais fcil que o cap. 6 viesse aps o cap. 4? E, se o cap. 5 fosse subseqente apenas ao cap. 6, no seria muito mais compreensvel a palavra de Jesus em Jo 7.21, com sua referncia ao milagre narrado no cap. 5? Ser possvel que aconteceu uma inverso posterior, equivocada, dos captulos? Uma vez que todos os manuscritos sem exceo trazem o texto assim como o possumos hoje, a troca dos captulos deveria ter acontecido j na primeira edio do livro. Para tornar isso mais compreensvel, imaginou-se uma troca de pginas. Nesse caso o evangelho de Joo no teria sido publicado como rolo, mas como um cdice, escrito sobre folhas. Porm, trocar as folhas por engano somente teria sido possvel se tanto o cap. 5 quanto o cap. 6 preenchessem exatamente uma pgina, sem que restassem linhas para uma nova pgina. H. Strathmann (NTD, vol. IV/1955) sugere uma soluo para essa questo, que ao mesmo tempo poderia tornar compreensveis diversas outras irregularidades nesse evangelho. Se Joo empreendeu a redao de seu livro somente em idade avanada, talvez ele no conseguiu mais terminar pessoalmente a ltima formatao. Justamente por isso um grupo de discpulos e amigos teve de acrescentar o cap. 21 e assumir a responsabilidade pela publicao da obra. Nesse processo certamente poderia ter acontecido que a ordem correta dos cap. 5 e 6 no fosse notada e, por isso, j no manuscrito original o texto fosse escrito da maneira como o encontramos em todos os manuscritos. Essa soluo, porm, no mais do que uma hiptese digna de considerao.
  15. 15. VI A poca do surgimento do evangelho segundo Joo Ser correta a tradio eclesistica acerca do tempo em que surgiu esse evangelho? Ou seja, ser que Joo escreveu o evangelho em idade avanada no final do sc. I, em feso? Durante algum tempo a pesquisa crtica pensou em situar o evangelho como livro de um autor desconhecido numa poca bem posterior. Todas as datas mais tardias foram refutadas, desde que se encontrou no Egito um fragmento de papiro com algumas frases do cap. 18 do evangelho de Joo. Esse pedacinho de papiro comprova que esse evangelho j estava disseminado no Egito por volta do ano 100. Conseqentemente deve ter sido escrito o mais tardar no final do sc. I. Isso coincide com a notcia que obtemos da igreja antiga atravs de Ireneu: Joo teria vivido na sia Menor, ou melhor, em feso at a poca de Trajano (98- 117 d.C.), publicando ali, depois de Mateus, Marcos e Lucas, igualmente um evangelho. VII As variaes textuais nos manuscritos De modo geral as diferenas textuais nos manuscritos no so significativas. Onde ocorrerem variaes de importncia para o contedo e, por conseguinte, para a compreenso do evangelho de Joo, elas sero mencionadas no comentrio. Abriremos mo de uma indicao mais especfica de cada manuscrito. Quem no domina o idioma grego e no tem uma noo exata dos manuscritos gregos e das tradues latinas e srias, teria pouco proveito dessas referncias. Quem capaz de ler o Novo Testamento em grego, encontrar pessoalmente todos os dados no rodap da edio de Nestle. VIII Bibliografia sobre o evangelho de Joo Para que o leitor possa aprofundar pessoalmente a pesquisa, importam sobretudo os compndios. O leitor deve realmente fazer uso das referncias a textos paralelos, explicando com auxlio deles a Bblia atravs da Bblia. Dentre as concordncias bblicas sejam mencionadas: Bremer biblische Handkonkordanz, Anker-Verlag, 1036 p. F. Hau, Biblische Taschenkonkordanz, Furche-Verlag, 248 p. Konstanzer Kleine Konkordanz, CVA, 272 p. Elberfelder Bibelkonkordanz, 1460 p. No comentrio o leitor ser remetido diversas vezes ao Lexikon zur Bibel e ao Theologisches Begriffslexikon, R. Brockhaus-Verlag [= Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento, L. Coenen/C. Brown (eds.), 2 ed. 2000, 2 vol., S. Paulo: Vida Nova]. Uma explicao excelente dos termos mais importantes do NT oferecida por R. Luther, em Neutestamentliches Wrterbuch, Furche-Verlag. Dentre os comentrios sejam citados: A explicao de W. Schtz, na srie Bibelhilfe fr die Gemeinde vol. IV. Quem deseja ter o evangelho de Joo num esquema rpido ter nesse texto um auxlio excelente, que combina a brevidade com a fora e a profundidade espiritual. Na srie Das Neue Testament Deutsch [NTD] o evangelho de Joo foi inicialmente trabalhado por F. Bchsel. A exegese foi feita com esmero e reservada diante de consideraes crticas. O comentrio mais recente do NTD ao evangelho de H. Strathmann. Essa exegese viva e concreta, porm de orientao crtica moderna. A obra de A. Schlatter, Erluterungen zum NT, vol. III, constantemente mostra o seu valor. Nela o leitor confrontado com o prprio texto e poupado de teorias crticas. T. Jnicke, Die Herrlichkeit des Gottessohnes, 1949, Verlag Haus und Schule, Berlim. W. Brandt, Das ewige Wort, Evangelische Verlagsanstalt, Berlim. W. Lthi, Johannes, das vierte Evangelium, Reinhardt Verlag, Basilia, 1963. G. Sprri, Das Johannesevangelium 1. und 2. Teil, Zwingli-Verlag, Zurique, 1963. Na coletnea Der kirchliche Unterricht an hheren Lehranstalten, o vol. III, Lektre des Johannesevangeliums, de autoria de Marianne Timm, Evangelischer Presseverband, Munique, 1960. Um bom comentrio catlico apresentado na srie Herders Theologischer Kommentar zum Neuen Testament, Das Johannesevangelium Teil 1, por R. Schnackenburg, Herder, Freiburg 1965. Quem deseja obter orientao dos pais do passado busque o comentrio Gnomon, de Johann Albrecht Bengel (traduo alem: C.F. Werner, Berlim, 1952). Uma exposio singular do Evangelium St. Johannes trazida por Vilmar em seu Kollegium Biblikum.
  16. 16. Comentrios cientficos existem em grande abundncia. Continua muito precioso o de F. Godet, Kommentar zu dem Evangelium des Johannes, Hannover, Berlim, 1903. Theodor Zahn, Das Johannesevangelium, Leipzig 1920, destaca-se pelo minucioso trabalho filolgico no texto. Walter Bauer, Das Johannesevangelium na srie Handbuch zum NT, ed. por H. Lietzmann, vol. VI, Tbingen 1933. uma obra rica em referncias bibliogrficas e histricas. R. Bultmann, Das Evangelium des Johannes, Gttingen 1956. Mesmo quem defende um pensamento teolgico completamente diferente de Bultmann h de apreciar o esmero, a riqueza de conhecimentos e a clareza exegtica de muitas explicaes desse comentrio. COMENTRIO O MISTRIO DA PESSOA DE JESUS Joo 1.1-5 No princpio era o Verbo (o Logos), e o Verbo (o Logos) estava com Deus, e o Verbo (o Logos, por espcie) era Deus. 2 Ele estava no princpio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermdio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas no prevaleceram contra ela. O propsito relatar sobre a maior grandeza que existe no mundo, sobre aquilo que a nica magnitude realmente grande e importante, Jesus Cristo, seu viver, falar, atuar, sofrer, morrer e ressurgir. O presente relato dever mostrar igreja crente em Jesus toda a glria de Jesus, para fortalecer, purificar e aprofundar sua f. Como, porm, dever principiar esse relato? 1/2 Joo deixa de lado tudo o que Mateus e Lucas informam sobre o nascimento e a infncia de Jesus. Isso j do conhecimento da igreja. E, por si s, ainda no o essencial e decisivo que precisa ser dito sobre o mistrio da pessoa de Jesus. Logo no incio de seu escrito, Joo visa dirigir o olhar de seus leitores justamente para esse mistrio, para que compreendam de maneira correta tudo o que relatado sobre Jesus. Pois seu objetivo mostrar em todo seu escrito que os dons, os feitos e as atuaes de Jesus no so o mais importante, mas sim o prprio Jesus em sua pessoa, em seu maravilhoso ser. por isso que os pontos culminantes do evangelho, conforme nos assegura Joo, so as grandes palavras eu sou de Jesus. Jesus no apenas concede gua, po, vida, ressurreio. Jesus pessoalmente tudo isso. Ele apenas tem condies de d-lo verdadeiramente a ns porque ele prprio o por essncia. Por isso, Joo no consegue expressar o mistrio da pessoa de Jesus em apenas breves palavras, como Marcos. Precisa dizer mais a respeito. Por essa razo, comea pelo comeo, porm aquele comeo que o princpio em sentido ltimo, aquele princpio com o qual comea, por isso, tambm a Bblia: No princpio, criou Deus os cus e a terra (Gn 1.1). De forma consciente, e rejeitando todas as especulaes gnsticas, Joo no ultrapassa esse princpio. No tenta olhar para dentro da eternidade pr-criacional de Deus. No entanto, constata o seguinte: Naquele princpio j era ele, a quem conhecemos como Jesus Cristo e do qual h de falar todo o escrito de Joo. Ele no foi formado somente naquele tempo, junto com tudo o que foi criado, nem tampouco o pice maior da criao. No, ele j estava l, estava com Deus. por isso que seu lugar ao lado de Deus, no ao lado do que foi criado: Ele era Deus por espcie. E salientado mais uma vez: Este estava no princpio com Deus. Nessa afirmao, o termo demonstrativo este e toda a repetio da primeira declarao podem conter uma conotao de excluso e defesa, mais uma vez precisamente em relao gnose. No foram quaisquer outros entes e poderes que estiveram no princpio com Deus; no, apenas este estava, apenas este nico. Independente do que viermos a ler sobre Jesus, independente de como pronunciarmos o nome Jesus, precisamos saber: Jesus aquele que certamente est diante de ns como pessoa integral e que no obstante totalmente diferente de todos ns, tambm dos maiores e mais nobres entre ns, em sua natureza. Jesus diz isso pessoalmente, em seu modo singelo e, apesar disso, radical: E
  17. 17. prosseguiu: Vs sois c de baixo, eu sou l de cima; vs sois deste mundo, eu deste mundo no sou (Jo 8.23; sobre isso, cf. Jo 8.58; 17.5; 17.24). 1 No entanto, Joo na verdade cita o nome Jesus somente no v. 29, embora j no v. 17 fornea um primeiro indcio dele. Afinal, Jesus ainda est para se tornar pessoa humana, e isso constitui um evento fundamental da histria da salvao. Agora, no princpio, preciso falar de forma diferente de Jesus, a fim de expor diante de ns o mistrio de sua pessoa. No princpio era o Logos, o Verbo. O Logos, o Verbo Jesus no foi chamado assim nenhuma outra parte do NT (com exceo de Ap 19,13). Tampouco no presente evangelho esse ttulo retorna. Entre as grandiosas declaraes de Jesus, nenhuma diz: Eu sou o Verbo. Por que neste comeo do evangelho Joo sintetizou todo o mistrio de Jesus nessa expresso? O que foi que ele compreendeu por Logos, o Verbo? A pesquisa histrica examinou com grande afinco onde essa expresso o Verbo, o Logos, ocorre no mundo contemporneo judaico, grego e oriental do NT e o que significa ali. O que pensava um contemporneo de Joo, o que sentia e o que ele via interiormente diante de si, quando lia essa passagem acerca do Logos, do Verbo? A pesquisa produziu uma plenitude de materiais. Nossa dificuldade, porm, reside justamente na abundncia e variedade desse material. Como, afinal, constataremos hoje com alguma certeza exatamente quais concepes de seu tempo e de seu mundo Joo tinha em mente? Com os leitores de seu livro, porm, deve ter acontecido o que ainda hoje podemos observar em palavras e conceitos polissmicos: De acordo com sua origem e seu modo prprio de pensar, os leitores traziam consigo entendimentos muito diferentes da expresso Logos, Verbo. Joo, porm, no discutiu em pormenores essas acepes distintas do Logos e no se decidiu por uma delas como a mais correta. Seus leitores podem ter imaginado por Logos a sabedoria ou razo universal, respectivamente o sentido do mundo, uma lei que perpassa o universo ou uma fora que atua em todo o mundo, ou podem ter visto o Logos como um ente divino intermedirio entre Deus e o mundo, como ensinavam as teorias da gnose, mas a todos Joo declara: Tudo o que vocs possam ter imaginado ou presumido at agora sobre o Logos aparece com clareza e realidade plena somente em Jesus Cristo. Somente em Jesus vocs encontram o que vocs presumiam, imaginavam e buscavam. No entanto, ainda que Joo fale para dentro da situao filosfica e religiosa de sua poca e tenha em vista sobretudo a gnose, ele apesar disso mestre e dirigente da igreja de Jesus. Essa igreja, porm, vive como evidenciam as cartas de Paulo mesmo em solo helenista, a partir do AT. E seu prprio apstolo Joo judeu. Conseqentemente, cabe-nos examinar acima de tudo qual papel o Verbo desempenha no AT. Desde o comeo da Bblia o criar, governar, julgar, dirigir e presentear de Deus acontece constantemente por meio de seu falar, de sua palavra. Portanto, no AT fala-se muitssimo do Verbo de Deus. Na perspectiva do AT, ele possui em si poder divino, podendo ocorrer como uma grandeza prpria e atuante, com vida autnoma. por isso que tambm lhe atestada eternidade e se demanda profunda reverncia diante dele (Is 41.8s; 55.11; Jr 23.29; Sl 12.6; Sl 119.89). Ao lermos sobre a sabedoria nos Provrbios de Salomo, no cap. 8.22s: O Senhor me possua no incio de sua obra, antes de suas obras mais antigas. Desde a eternidade fui estabelecida, desde o princpio, antes do comeo da terra, encontramo-nos diretamente diante das declaraes de Joo. Ao indagarmos, portanto, pela origem e pelo sentido da primeira afirmao do prlogo de nosso evangelho, poderemos constatar o seguinte: Ela explicao da Bblia, interpretao do AT. Contudo, no uma interpretao que Joo imaginou, e sim uma interpretao que Deus concedeu pessoalmente por meio do envio de Jesus. Incontveis leitores e mestres da Bblia debruaram-se justamente sobre a misteriosa primeira pgina da Escritura Sagrada, refletindo e escrevendo muito sobre ela. Diante de todas essas reflexes, Joo pode dizer, com alegre certeza: O que era no princpio, quando Deus falou, vocs no precisam mais deduzir pessoalmente. Est diante de vocs de forma palpvel em Jesus. Joo captou que esse Verbo, atravs do qual Deus falou de forma criadora e, depois, repetidamente em forma de mandamento e de ddiva, realmente uma pessoa autnoma em Deus (como Pv 8.22ss expressa acerca da sabedoria de Deus). Joo foi capaz de captar isso porque havia reconhecido Jesus como esse Verbo. E agora ele o anuncia a Israel, requestando e convocando para a f: O Verbo, sobre o qual vocs tm conhecimento e falam muito, est presente em Jesus com toda a sua verdade e graa, precisamente para vocs. E declara-o igreja de forma a esclarec-la e
  18. 18. alegr-la: Jesus, no qual vocs crem, ainda maior e mais glorioso do que muitos de vocs pensam. Ele o Verbo de Deus, que j estava no princpio com Deus. Ser que Joo realmente o nico com essa mensagem no primeiro cristianismo, de modo que na verdade temos de ser cautelosos em acompanh-lo? No, Paulo tambm fez a mesma coisa em termos de contedo quando citou afirmaes de Moiss de Dt 30.11-14 em Rm 10.6ss, reconhecendo Jesus Cristo na palavra de que Moiss falava naquele texto. E tambm Hb 1.1-3 mostra que outros mestres do cristianismo compreenderam Jesus como a palavra, pela qual Deus se expressa integralmente diante de ns. justamente a partir desse dado que se descortina a compreenso para as afirmaes de Joo. Sabemos o que significa a palavra em nosso relacionamento mtuo. Somente por intermdio da palavra existe a ligao de pessoa para pessoa. Sim, ao fazer uso da palavra, eu mesmo de fato me torno pessoa em sentido pleno. Em todas as falas, mesmo que no solilquio escondido, tento me expressar. Por meio da palavra estou presente pessoalmente e capto a mim mesmo em meu pensar, sentir e querer. No obstante, nossa palavra permanece dolorosamente imperfeita. Por isso, quantas palavras desfiamos, e apesar disso no encontramos a palavra certa. Com numerosas palavras no somos capazes de nos tornar compreensveis nem para ns mesmos nem para outros. A humanidade se expressa incansavelmente atravs de poetas e pensadores, e apesar disso tem de comear sempre do princpio, porque tudo o que foi dito at ento ainda no expressa o essencial. Com Deus o caso bem diferente. Deus se expressa, quando o quer, de modo perfeito. Para isso ele no precisa de palavras numerosas e sempre renovadas. Uma vez por todas, como a carta aos Hebreus gosta tanto de afirmar (Hb 7.27; 9.12; 10.10), ele atesta todo o seu corao e toda a sua natureza por meio de uma nica palavra. E essa palavra no um som, uma srie de letras, mas uma pessoa, assim como o prprio Deus pessoa. Esse Verbo pronunciado por Deus antes de todos os tempos agora aparece autonomamente ao lado de Deus, mas ao mesmo tempo no nada diferente de Deus em sua essncia. Joo destaca isso especialmente pelo fato de que em sua afirmao O Verbo estava com Deus o com no apenas designa uma circunstncia meramente espacial, mas faz soar a conotao de um ntimo em direo de. Aquele que o Verbo, Deus por espcie, mas no est simplesmente ao lado de Deus, mas permanece constantemente voltado em direo de Deus em todo o seu ser, integralmente relacionado com Deus e Pai, de cujo eterno falar se originou. Nos v. 14 e 18 (e numerosas vezes mais tarde) esse Verbo enquanto imagem de Deus (Cf. Cl 1.15; 2Co 4.4; Hb 1.3) tambm chamado de Filho, o nico filho do Pai, que est no seio do Pai. Contudo, significativo que neste comeo Joo no empregue o termo Filho, e sim a expresso o Verbo. Ele escreve numa poca em que o contexto gentlico costumava relatar muitas coisas sobre filhos de Deus, que haviam sido gerados por deuses. Desde j Joo pretende afastar essas concepes gentlicas e sensuais do olhar sobre Jesus. Com a ilustrao do Verbo proferido pelo Pai, o mistrio de Jesus foi revelado com clareza e pureza e seu relacionamento com o Pai foi descrito em contraste com todos os mitos gentlicos. Com essa formulao, que cristologia poderosa, profundamente misteriosa e apesar disso tambm simples e compreensvel temos diante de ns! O mistrio, em torno do qual a igreja mais tarde debate a doutrina da Trindade, persiste como tal e pode ser expresso de forma apenas paradoxal: Jesus, o Filho, o Verbo, totalmente unido com o Pai e ao mesmo tempo distinto dele, tendo vida independente. Apesar disso, no se trata de dois deuses lado a lado. Existe somente o nico Deus verdadeiro e vivo. Esse Deus, no entanto, como Deus vivo, no uma unidade rgida e oca. Ele vive em trs pessoas, uma das quais o Filho. Justamente no testemunho de Joo a respeito do Filho, que o Verbo no qual Deus se expressou cabalmente e que por isso totalmente um com Deus e que ao mesmo tempo, como palavra proferida possui uma vida prpria, o mistrio pode tornar-se concreto e compreensvel para ns, na proporo em que isso for de fato possvel. As frases de Joo comeam a brilhar e falar: No princpio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Este estava no princpio com Deus. Sendo Jesus, o Filho, o Verbo segundo sua verdadeira natureza, tambm define-se de antemo o relacionamento correto das pessoas em relao a ele. O Verbo requer ser ouvido, e procura pela f que se abre para ele e confia nele, obedecendo-lhe. em torno disso, ento, que girar a grande luta no evangelho, que testemunhamos captulo aps captulo. E a partir dessa sua primeira frase Joo tem condies de declarar corretamente no final de sua obra que a f em Jesus foi o alvo de todo o seu escrito (Jo 20.31).
  19. 19. 3 A seriedade com que tudo isso proferido evidencia-se no v. 3. Se ele, que o Verbo, j estava com Deus no princpio de todo o tempo e espao e de todas as coisas, ento esse mesmo Verbo tem de ser participante da criao. Assim como a formulao no princpio aponta para o relato bblico da criao, assim Joo pensa agora em como toda a criao de Deus aconteceu atravs de seu falar, de seu Verbo. E disse Deus, soa repetidamente ao longo do relato da criao. A criao, portanto, aconteceu atravs dele, que em sua natureza totalmente a palavra de Deus. por isso que Joo testifica: Todas as coisas foram feitas por intermdio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. A expresso todas as coisas tem um sentido abrangente e est associada palavra universo. O universo foi criado por Jesus e, com isso, tambm para ele. Precisamente nisso residem sua unidade e seu alvo, evoluindo por imensos espaos de tempo. Essa no uma frase de mera especulao terica. Essa declarao possui grande importncia prtica. No existe uma nica esfera em toda a criao que seja desconhecida de Jesus, que no esteja relacionada com Jesus! Isso extremamente importante para ns, para quem o universo se estende numa magnitude inconcebvel e assustadora. Tambm aquelas galxias, aqueles sistemas de vias lcteas, que abrangem milhes de sis a uma distncia de milhes de anos-luz, foram criados por meio de Jesus e esto em correlao com ele e sua obra, mesmo que agora ns ainda no reconheamos isso. Com isso nos so reveladas toda a magnitude e importncia de Jesus, e ao mesmo tempo isso nos conforta, ns que lhe pertencemos, onde quer que estejamos no mbito da criao. As asseres do Salmo 139, que inicialmente so assustadoras, adquirem um novo e bendito sentido para discpulos de Jesus sob esse enfoque: Em lugar e momento algum sairemos da esfera do poder de Jesus. O mais importante na criao, porm, o ser humano. No fundo est em jogo o ser humano, o pequeno ser humano num cosmos gigantesco. Nosso versculo nos diz agora: Cada ser humano tem um relacionamento originrio e indissolvel com Jesus, uma vez que nada do que foi feito se fez sem Jesus Cristo. A proclamao sobre Jesus no impe a ningum um personagem estranho, mas evoca aquele Um por meio do qual e para o qual a pessoa foi criada desde o incio. A mediao de Jesus no desencadeada apenas por ocasio do pecado. O Filho no est inativo junto de Deus at que a misria de nossa perdio o chame ao. Ele Mediador da criao, assim como Mediador da redeno. E ele uma coisa justamente por ser tambm a outra. 4 Apesar de toda a magnitude dos incontveis exrcitos de estrelas no universo, a criao seria terrivelmente rgida e fria se no existisse nela o milagre da vida. A vida natural j um enigma para a cincia. Que profundezas misteriosas, porm, se abrem no momento em que ns, como seres humanos, perguntamos pela vida verdadeira, pela vida em sentido ltimo e supremo! O pensamento e a reflexo humana sempre giram em torno da pergunta: Como encontrarei a vida genuna, verdadeira, inesgotvel, a vida que realmente merece o nome vida? Assim, a mensagem de Joo vem ao encontro de ns humanos em nosso mais profundo anseio, quando nos declara: A vida estava nele. Pois por isso que Joo tambm exulta no comeo de sua primeira carta: A vida se manifestou, e ns a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi manifestada (1Jo 1.2). E isso ns certamente cremos, quando ele acrescenta aqui: e a vida era a luz dos homens. Tambm ns associamos a palavra morte idia da noite mortal, ou seja da escurido e das trevas. E tambm para ns a vida, ao contrrio da morte, est cheia de luz e calor. Se tivssemos a vida verdadeira, inesgotvel, tudo ficaria cheio de luz. O prprio Jesus falar conosco repetidamente a respeito de luz e vida. Pelo fato de que somente Jesus possui a vida verdadeira, ele , por isso, ao mesmo tempo a luz do mundo (Jo 8.12). Em relao a ele, tudo o que conhecemos por luz nada mais seno comparao ou reflexo. Novamente nos foi dada, assim, ao mesmo tempo uma interpretao da Escritura. Justamente a primeira palavra da criao de Deus em Gn 1.3 d testemunho de Jesus (Jo 5.39). No extraordinrio acontecimento, quando houve luz e a luz penetrou nas trevas, Jesus estava atuando e trazia sua essncia ao mundo. Nem aqui nem mais tarde Joo descreve o que , afinal, a vida. Pode-se descrever, explicar somente o que rgido, mecnico, morto. Somente quando anseia por vida, quando realmente vive, o ser humano capaz de pressentir o que vida. No entanto, ser benfico lanarmos desde j um olhar para as afirmaes que o mesmo apstolo Joo faz em sua primeira carta, em 1Jo 3.14: Aquele que no ama permanece na morte. Deus o Vivo, justamente ao ser amor (1Jo 4.16), ao amar o Filho (Jo 5.20) e ao lhe conferir participao em sua prpria atuao, amando ento o mundo de
  20. 20. maneira verdadeiramente divina (Jo 3.16). Sem esse amor a vitalidade humana e divina seriam algo terrvel. Porm precisamente como amor a vida a luz dos seres humanos. No entanto, por que Joo formula: A vida era a luz das pessoas? Esse era refere-se ao tempo no paraso, quando as primeiras pessoas verdadeiramente viviam atravs do Filho, por meio e em direo do qual elas foram criadas? Ou ser que com a forma verbal do passado Joo apenas visa lembrar de fato que as pessoas agora no tm mais essa vida, que luz para elas, e que Jesus primeiro tem de traz-la novamente para elas? 5 Sendo assim, porm, que em Jesus vem a ns a vida ardentemente esperada, que imerge tudo na luz, no devem todos correr em direo daquele Um em que desde o incio estava a vida? Ser que o relato de Joo no precisa necessariamente transformar-se na narrativa de uma nica grande marcha de vitria dessa maravilhosa luz? Agora, logo no incio de sua exposio, Joo aponta para o segundo mistrio na histria de Jesus, que ele caracterizar de forma mais assustadora ainda nos v. 9-11. A vida de Jesus no se torna uma marcha vitoriosa, mas a trajetria para a cruz. Aquele que traz a vida e a luz rejeitado, odiado e morto. Como isso possvel? Com afirmaes de estilo conciso e radical Joo expe, sem maiores justificativas, e com todo o realismo, que esse mundo das pessoas, ao qual Jesus chega, trevas. Com nenhuma palavra Joo nos informa como um mundo criado pelo Verbo pde tornar-se uma escurido dessas. Ele no fala da queda do pecado, assim como constantemente evita falar do que seus leitores j podem e precisam saber. A queda no pecado, porm, paira poderosamente por trs da breve afirmao de Joo. Mais importante do que todas as explicaes, que no fundo no so capazes de explicar nada, para Joo o inegvel fato representado pelas trevas, que cada pessoa veraz ter de reconhecer como grave realidade. Jesus Cristo, a palavra eterna, est nesse mundo, e agora isso significa: A luz resplandece nas trevas. O que acontece agora? Inicialmente Joo pode responder apenas com uma constatao negativa, que alm disso curiosamente ambgua. A luz resplandece nas trevas, e as trevas no a agarraram. Afinal, as trevas por natureza no podem querer a luz, agarr-la cheias de gratido e alegrar-se com ela. Apenas so capazes de temer e odi-la. Em conseqncia, a igreja de Jesus no deve admirar-se de antemo quando o evangelho claro no aceito e agarrado, mas rejeitado e combatido. Contudo, deve-se questionar bastante se agarrar possui de fato um significado positivo de aceitar, compreender. O prefixo grego kata, que est associado aqui ao verbo agarrar, tomar, corresponde ao nosso prefixo subou para baixo de. Portanto, o agarrar algo que submete debaixo de si aquilo que foi agarrado e se apodera dele. Importante o paralelo em Jo 12.35, onde se afirma com toda a clareza que as trevas apanham as pessoas. Nessa hiptese, a afirmao do versculo contm sobretudo um triunfo consolador. As trevas no conseguiram agarrar a luz, a fim de dominar e apag-la. A luz ilumina as trevas sem que possa ser vencida. Os v. 12 e 13 nos mostraro que maravilhoso resultado constantemente provm desse fato. A igreja presencia ambas as coisas em experincias sempre novas: as trevas no agarram a luz para sua salvao, mas tambm jamais so capazes de agarr-la para destru-la. INTERCALAO SOBRE JOO BATISTA Joo 1.6-8 Houve um homem enviado por Deus cujo nome era Joo. Este veio como testemunha para que testificasse a respeito da luz, a fim de todos virem a crer por intermdio dele. Ele no era a luz, mas veio para que testificasse da luz. 6-8 Acontece uma clara interrupo da seqncia do pensamento, que continuada no v. 9. Por assim dizer, temos de colocar os versculos 6-8 entre parnteses. Ao escrever sobre a luz que brilha nas trevas, Joo forosamente se lembra de crculos que viram essa luz em Joo Batista. As narrativas em Mt 3 e Lc 3 nos permitem depreender algo da profundidade com que este impressionou as pessoas e de como era intenso o movimento de avivamento desencadeado por ele. No foram poucos naquele tempo os que foram atingidos no centro de suas vidas e que levaram adiante a notcia desse poderoso homem de Deus. No era ele uma luz brilhante nas trevas deste mundo? Jesus confirma isso em sua palavra de Jo 5.35: Ele era a lmpada que ardia e alumiava. Portanto, no de admirar que havia comunidades do Batista na poca dos apstolos, as quais no devem ter sido insignificantes. Seus vestgios so encontrados em At 18.24s em personagens como Apolo e em At
  21. 21. 19.1-7 nos discpulos em feso que no tinham o Esprito Santo e apenas conheciam o batismo de Joo Batista. 6 Joo, que ainda falar diversas vezes de Joo Batista (Jo 1.29ss; 3.22ss), considera importante lanar desde j um olhar sobre esse personagem. Esse olhar reto e lmpido. Joo no tem necessidade de rebaixar o Batista de alguma maneira ou falar negativamente dele. Concede-lhe toda a sua grandeza e importncia. Houve um homem enviado por Deus cujo nome era Joo. No pairam dvidas sobre o envio e a autorizao divinos de Joo Batista. Ela designada com as mesmas expresses que o prprio Jesus emprega constantemente para o seu envio por parte do Pai. Joo e sua obra so de fato inequivocamente de Deus. Por parte de Deus, porm, foi determinado tambm o modo especial de sua atuao: Este veio como testemunha para que testificasse a respeito da luz. Na realidade h vrias maneiras de falar. Quem, porm, tem a incumbncia de ser testemunha e testificar, no precisa desenvolver seus prprios pensamentos ou anunciar coisas e acontecimentos futuros. Tampouco lhe cabe relatar as opinies ou experincias de outros. Cabe-lhe constatar fatos, sobre os quais ele possui certeza pessoal. Ainda haveremos de ouvir acerca do testemunho de Joo Batista em Jo 1.26s e Jo 1.29-34. 7 O alvo colocado por Deus para o testemunho grandioso: A fim de todos virem a crer por intermdio dele! Imediata e expressamente cita-se aqui o crer como o comportamento decisivo da pessoa. Testemunhar e crer esto essencialmente interligados. Aquele a quem uma testemunha falou est capacitado e comprometido a crer (Schlatter). No basta apenas tomar conhecimento do testemunho de Joo Batista acerca da luz. Somente quando a pessoa aceita a luz com f e se entrega luz com confiana concretiza-se aquilo que a salva das trevas e que Deus, por isso, visa alcanar com o testemunho de seus mensageiros. Esse crer, no entanto, tambm tudo o que necessrio, sim, o que possvel diante de Jesus. Se Joo estava escrevendo com vistas gnose de seu tempo, j expressa aqui uma rejeio radical com essa afirmao. Todos devem vir a crer. Joo Batista no devia selecionar, limitando sua atuao a determinados crculos. O objetivo era Israel como um todo, sendo interpelado por Deus atravs de Joo Batista. Que incumbncia! Com que grandeza Joo nos apresenta o Batista! Contudo, quem segue a este e pretende honr-lo corretamente, deve praticar o verdadeiro alvo de sua atuao e vir f em Jesus. Comunidades do Batista precisam tornar-se comunidades de Jesus. Ento o envio divino de Joo Batista ter sido compreendido realmente. 8 Diante de todo reconhecimento a Joo Batista e de sua grande incumbncia divina preciso destacar expressamente como um fato: Ele no era a luz, mas veio para que testificasse da luz. Ele era a lmpada que queima e alumia (Jo 5.35; cf. o exposto sobre esse texto); mas no a luz. A luz apenas Aquele nico, o Logos, o Verbo proferido pelo Deus de eternidade, sobre o qual Joo prossegue falando. A ATUAO DA VERDADEIRA LUZ - Joo 1.9-13 A saber, a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem. O Verbo estava no mundo, o mundo foi feito por intermdio dele, mas o mundo no o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus no o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crem no seu nome; os quais no nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus (ou: que creram no nome daquele que no foi nascido do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus). 9 Agora Joo d prosseguimento sua exposio. O v. 9 conecta-se diretamente ao v. 5. Joo j havia falado do Verbo, do Logos. Em contraposio a Joo Batista, que era apenas a lmpada, o Verbo a verdadeira luz. Tambm na nossa percepo lingstica verdadeiro, veraz, tem o sentido de genuno, essencial, real. No estamos sendo enganados quando, com toda a determinao, reconhecemos a luz unicamente em Jesus. Essa luz ilumina a todo homem que vem ao mundo. O que significa isso? No estatstica, mas sim um princpio que deve ser afirmado imperiosamente a respeito daquele que a verdadeira luz. Joo caracteriza apropriadamente a atuao de Jesus no evangelho ao mesmo tempo em que a
  22. 22. distingue fundamentalmente do mtodo de trabalho de outras tendncias religiosas. Enquanto o rabino isola a comunidade judaica da humanidade por meio de sua lei, e o gnstico oferece a seus alunos uma doutrina secreta, transformando seu culto num sistema, a atuao de Jesus atinge toda a carncia humana (Schlatter, op. cit., p. 16). Essa carncia constituda pelo fato de que o ser humano aquele que vem ao mundo. Pois no mundo ele est nas trevas e carece da luz que ilumina. Porm, uma vez que a luz resplandece nas trevas e no pode ser engolida pelas trevas, todo ser humano tem a oportunidade mpar de ser iluminado por essa luz e conquistar a verdadeira vida. Todo homem tem essa possibilidade, no apenas os membros do povo eleito, no apenas a pessoa de inclinaes religiosas ou de elevados padres morais e intelectuais. Todas as pessoas foram criadas pelo Verbo em direo a Ele, todas as pessoas buscam a luz, seu poder iluminador est disponvel para todas as pessoas. Ningum excludo! Como esse fato foi admiravelmente comprovado nos 1900 anos de proclamao em todo o mundo! Outra questo bem diferente se, afinal, todo homem que vem ao mundo realmente se deixa iluminar pela verdadeira luz. Os prximos versculos respondero essa pergunta de forma duramente negativa, e todo o escrito de Joo revela repetidamente esse no. 10 Ele [o Verbo] estava no mundo, o mundo foi feito por intermdio dele, mas o mundo no o conheceu. No uso do termo mundo as testemunhas bblicas no pensam apenas na natureza, em plantas, animais e estrelas, mas no mundo dos humanos, no mundo da histria. Sem expressar desde logo todo o paradoxo da revelao como no v. 14, ainda assim Joo nos deixa alertas: Ele estava no mundo, o Verbo eterno, oriundo de Deus e voltado para Deus. Isso concebvel? Sabemos que esse mundo no divino, e sim um mundo do pecado e da morte. Ser que o Logos pode estar neste mundo, to diferente em sua essncia? Joo atesta o fato: estava no mundo. No devemos esquecer, porm: O mundo foi feito por intermdio dele. Independente da situao do mundo hoje, sua origem est em Deus e em seu Verbo. Ao contrrio de todas as vises de mundo dualistas, o evangelho no v o mundo como mau e contrrio a Deus em si mesmo, nem como formado por um poder hostil a Deus. O mundo e continua sendo criao. Obviamente, tanto mais enigmtico e assustador o fato j apontado pelo v. 5, e que agora nos mostrado com mais clareza ainda. O mundo foi feito por intermdio dele, mas o mundo no o conheceu. Ou seja, o mundo no reconheceu e no reconhece aquele pelo qual na realidade foi feito. Pelo fato de ter sua existncia atravs do Verbo e simultaneamente estarem nesse Verbo o sentido e alvo dessa existncia, o mundo tambm deveria reconhecer o Verbo quando este, agora, est no mundo na pessoa de Jesus. Por isso, o no conhecer no constitui um equvoco desculpvel, uma mera deficincia na fora de percepo, mas uma culpa, por trs da qual est oculto um no querer conhecer. E quando o mundo, ou seja, o ser humano como agora, no reconhece Aquele que sua vida real, sua verdadeira luz, isso significa ao mesmo tempo uma perdio total. O que ser do mundo que no conhece nem quer conhecer Aquele que, afinal, sua origem e seu destino? 11 O v. 11 explicita de forma mais clara a gravidade desse acontecimento. Veio para o que era seu, e os seus no o receberam. O Logos era como um senhor que retorna para casa, e agora seus prprios familiares lhe fecham a porta. necessrio e at correto, levando em conta o conjunto do texto, considerar que o versculo se refere especificamente ao povo judeu. Com vistas ao povo da propriedade, uma afirmao assim seguramente adquire uma expressividade especial. O judeu devia reconhecer, antes de todos os outros e a partir de sua vida sob a palavra de Deus, Aquele que em toda a sua pessoa o Verbo. Mas precisamente ele quem expulsa Jesus e o mata. No entanto, a propriedade, o lar do Logos a criao toda, o mundo, todas as pessoas so os seus, porque todo ser humano foi feito por meio dele (cf. acima, o exposto sobre os v. 1-3), e porque a verdadeira luz ilumina a todo homem. Por isso o terrvel enigma tambm no pesa apenas sobre o povo de Israel, mas sobre o mundo inteiro. A trajetria da mensagem de Jesus pelos sculos e em redor do universo est permanentemente acompanhada da soturna melodia e os seus no o receberam. No h como explicar isso, pois pecado e culpa deixariam de ser o que so se de alguma maneira pudessem ser tornados compreensveis. Faz parte da natureza do maligno que ele seja inexplicvel. Qualquer explicao o privaria de seu carter de culpa imperdovel. 12 Portanto, ser que a verdadeira luz resplandece em vo? Acaso o Logos chega simplesmente em vo sua propriedade? No, h pessoas que o recebem. Joo no diz nada sobre seu nmero. Dependendo do ponto de vista, podem ser poucos ou muitos. Porm, a todos quantos o
  23. 23. receberam dado algo inacreditavelmente grande e glorioso. O Logos deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus. Ser mesmo que isso algo to magnfico? Para ns a expresso filho de Deus no diz mais muito. Parece-nos algo bvio que todos sejam filhos de Deus. Sabemos muito pouco da majestade e santidade de Deus para poder verdadeiramente captar o que significa ser um filho desse Deus e ter um direito ptrio junto dele. Somente quem passou por algo semelhante ao que Isaas experimentou no encontro com Deus (Is 6!), quem sentiu saindo do corao assustado o Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lbios impuros poder aquilatar a autoridade que est contida no fato de sermos filhos desse Deus santo e habitar com chamas eternas e com o fogo devorador (Is 33.14). Jesus, porm, concede essa extraordinria autoridade aos que o recebem. Quem recebe o Filho unignito do Pai por isso elevado pessoalmente posio de filho perante Deus. Por intermdio do Filho torna-se um filho de Deus. O receber explicado. Significa crer no seu nome. Para ns, o nome algo fortuito e sem importncia. Para a Bblia, porm, os nomes so significativos. Apontam para a essncia de uma coisa ou pessoa. Por isso o nome Jesus tambm determinado pelo prprio Deus e comunicado a Jos e Maria por intermdio de um anjo. Ele identifica o portador desse nome como aquele que salvar o seu povo dos seus pecados (Mt 1.21). No entanto, Joo ainda no mencionou o nome Jesus. No contexto de nosso texto somente pode tratar-se do nome pelo qual Joo expressou a verdadeira natureza de Jesus, ao design-lo de Logos, o Verbo. Quem capta o Verbo eterno, no qual o prprio Deus se articula, no homem Jesus, e quem se abre a esse Verbo com confiana e obedincia, esse o recebe verdadeiramente e obtm a autoridade para ser filho de Deus. 13 O v. 13 d prosseguimento explicao mais minuciosa. O que, porm, explicado? O texto apresenta duas variantes, ambas documentadas por bons manuscritos, e ambas gerando um sentido essencial. A frase pode ter sido escrita originalmente no singular: O qual no nasceu do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. Nesse caso o versculo seria uma explicao mais precisa de como se deve entender o nome mpar daquele a quem devotada nossa f. Crer em seu nome significa, ento, compreender que em Jesus est diante de ns aquele que por essncia nascido de Deus, enquanto todas as demais pessoas, tambm as maiores e mais poderosas, realmente so oriundas apenas do sangue e da vontade da carne e da vontade geradora de um homem. A negao, trs vezes sublinhada, da origem natural seria, nesse caso, uma prova de que tambm Joo conhece e reconhece a origem maravilhosa de Jesus e sua importncia fundamental, mesmo que no mais no fale dela na exposio do evangelho. No a vontade do homem Jos, nem a pulso natural do sangue, nem o relacionamento sexual natural gerou Jesus. Ele nascido de Deus. Uma afirmao dessas de Joo seria particularmente importante para a compreenso correta de Jo 6.42; 7.41s. Enquanto Joo informa, em consonncia com a verdade, que, a partir do fato de Jesus descender de Jos de Nazar, as pessoas se escandalizam com ele, Joo estaria recordando aos leitores do presente versculo, no qual os remeteu ao misterioso nascimento de Jesus. No obstante, os manuscritos a que nos atemos tambm no restante do texto trazem o plural no presente versculo: Os quais no nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. Nessa forma, o versculo representa mais uma caracterizao dos que crem. Conseqentemente, seu tornar-se filhos de Deus tem uma conotao de seriedade extrema. Eles no apenas recebem a posio de filhos na casa de Deus e no apenas adquirem a autoridade de recorrer a esse nome sublime. Pelo contrrio, a situao como Joo expe na sua primeira carta, na qual ele acrescenta expressamente ao ser chamados filhos de Deus: e de fato o so (1Jo 3.1). Nesse sentido essencial, torno-me filho apenas por nascimento. Quem cr no nome dele, tem o privilgio de saber que aconteceu um misterioso nascimento com ele, um evento que designamos de renascimento. Acontece aquilo que Jesus descreve para Nicodemos, ser nascido do alto, do Esprito de Deus. O renascido a pessoa espiritual da qual Paulo fala (Rm 8.1-10; Gl 6.1). No Esprito de Deus ele traz em si essencialmente vida divina, motivo pelo qual ele filho de Deus. A caracterstica determinante de sua vida a f em seu nome. Esse crer em seu nome no provm da vontade da carne, nem mesmo da carne devota. A carne, ou seja, o ser humano natural, no capaz de crer. Tampouco a fora mxima de deciso que um homem puder concentrar em sua vontade capaz de gerar a f pela fora. A nossa perdio to sria porque unicamente o milagre de um novo nascimento capaz de nos presentear com a ruptur