08. reforço de solos moles

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Reforço de solos moles com geossintéticos José Orlando Avesani Neto Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT, São Paulo, Brasil, [email protected] e Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo – EESC/USP, São Carlos, Brasil Benedito de Souza Bueno Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo – EESC/USP, São Carlos, Brasil, [email protected] RESUMO: A construção de aterros sobre solos moles, como para obras rodoviárias e ferroviárias, demanda cuidados especiais. Várias são as opções passíveis de serem adotadas, contudo em todas, precauções devem ser tomados. Diversas soluções clássicas são empregáveis, como substituição, total ou de parte, por material de maior resistência, adensamento da camada e construção de aterro estaqueado. Todavia, recentemente soluções não tradicionais estão sendo utilizadas com ganho técnico, financeiro e de prazo. Compõem estas soluções os geossintéticos como geogrelhas e geotêxteis em reforços basais e aterros sobre estacas; geodrenos em aceleração de adensamento e geocélulas em aumento da capacidade de carga. O presente trabalho explora as principais características das soluções de reforços de solos moles com diferentes tipos de geossintéticos, apontando suas vantagens e desvantagens uns em relação aos outros. Dentre as soluções citadas neste artigo, destaca-se o aumento da capacidade de carga com uso de geocélulas, o reforço planar com geogrelhas e geotêxteis, a inclusão de fibras aleatórias e a associação de algumas técnicas. PALAVRAS-CHAVE: Reforço de solo, Geossintéticos, Geocélula, Reforço planar, Fibras aleatórias, Solos moles. 1 INTRODUÇÃO Os materiais inconsolidados tidos como “solos moles” constituem um dos maiores desafios na engenharia geotécnica para algumas construções como aterros, estradas rodoviárias e ferroviárias, pátios e silos entre outros. Dificuldades envolvidas como falta de suporte da fundação, trabalhabilidade, excessos de recalques e pressões neutras geradas complicam as execuções e a qualidade das construções durante sua vida útil exigindo dos projetos novas técnicas de abordagem do problema. Muitas soluções “clássicas” são empregadas, algumas em excessivas ocasiões, na tentativa de contornar o problema. Ampliando os leques de possibilidades, e em muitos casos fornecendo situações com desempenho superior, os geossintéticos começaram a ser empregados como alternativas. Dentre estes, a geocélula, que ainda possui uma aplicação pouco praticada nesta área, é um material que possui características com francas vantagens sobre outros materiais geossintéticos e “tradicionais”. Portanto, o presente artigo aborda uma descrição do atual estado da arte dos problemas e soluções técnicas relacionados a solos moles, focando e comparando algumas soluções com geosintéticos utilizadas para transpor este obstáculo da engenharia geotécnica. 2 SOLUÇÕES CONVENCIONAIS O leque de soluções plausíveis de utilização em aterros sobre solos moles é relativamente amplo. Existem diversas alternativas para se vencer uma região de baixa capacidade de suporte, e a escolha da melhor entre elas depende intimamente de diversos fatores como aplicabilidade da técnica no local, oferta de material específico, equipamentos necessários e mão de obra qualificada, afinidade dos envolvidos com as técnicas, prazo e, COBRAMSEG 2010: ENGENHARIA GEOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE. © 2010 ABMS. 1

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Reforço de solos moles com geossintéticos José Orlando Avesani Neto Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo – IPT, São Paulo, Brasil, [email protected] e Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo – EESC/USP, São Carlos, Brasil Benedito de Souza Bueno Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo – EESC/USP, São Carlos, Brasil, [email protected] RESUMO: A construção de aterros sobre solos moles, como para obras rodoviárias e ferroviárias, demanda cuidados especiais. Várias são as opções passíveis de serem adotadas, contudo em todas, precauções devem ser tomados. Diversas soluções clássicas são empregáveis, como substituição, total ou de parte, por material de maior resistência, adensamento da camada e construção de aterro estaqueado. Todavia, recentemente soluções não tradicionais estão sendo utilizadas com ganho técnico, financeiro e de prazo. Compõem estas soluções os geossintéticos como geogrelhas e geotêxteis em reforços basais e aterros sobre estacas; geodrenos em aceleração de adensamento e geocélulas em aumento da capacidade de carga. O presente trabalho explora as principais características das soluções de reforços de solos moles com diferentes tipos de geossintéticos, apontando suas vantagens e desvantagens uns em relação aos outros. Dentre as soluções citadas neste artigo, destaca-se o aumento da capacidade de carga com uso de geocélulas, o reforço planar com geogrelhas e geotêxteis, a inclusão de fibras aleatórias e a associação de algumas técnicas. PALAVRAS-CHAVE: Reforço de solo, Geossintéticos, Geocélula, Reforço planar, Fibras aleatórias, Solos moles. 1 INTRODUÇÃO Os materiais inconsolidados tidos como “solos moles” constituem um dos maiores desafios na engenharia geotécnica para algumas construções como aterros, estradas rodoviárias e ferroviárias, pátios e silos entre outros. Dificuldades envolvidas como falta de suporte da fundação, trabalhabilidade, excessos de recalques e pressões neutras geradas complicam as execuções e a qualidade das construções durante sua vida útil exigindo dos projetos novas técnicas de abordagem do problema. Muitas soluções “clássicas” são empregadas, algumas em excessivas ocasiões, na tentativa de contornar o problema. Ampliando os leques de possibilidades, e em muitos casos fornecendo situações com desempenho superior, os geossintéticos começaram a ser empregados como alternativas. Dentre estes, a geocélula, que ainda possui uma aplicação pouco praticada nesta área, é um material que possui

características com francas vantagens sobre outros materiais geossintéticos e “tradicionais”. Portanto, o presente artigo aborda uma descrição do atual estado da arte dos problemas e soluções técnicas relacionados a solos moles, focando e comparando algumas soluções com geosintéticos utilizadas para transpor este obstáculo da engenharia geotécnica. 2 SOLUÇÕES CONVENCIONAIS O leque de soluções plausíveis de utilização em aterros sobre solos moles é relativamente amplo. Existem diversas alternativas para se vencer uma região de baixa capacidade de suporte, e a escolha da melhor entre elas depende intimamente de diversos fatores como aplicabilidade da técnica no local, oferta de material específico, equipamentos necessários e mão de obra qualificada, afinidade dos envolvidos com as técnicas, prazo e,

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principalmente, custo. De um modo geral, os possíveis caminhos a trilhar estão agrupados basicamente dentro de cinco grupos de atuação:

• Desvio; • Convivência com o problema; • Remoção; • Tratamento; • Construção.

A mudança do traçado ou a escolha de outra área para a construção seria um exemplo de evitar o problema, embora em certos casos não possa ser praticada, além de não ser considerada uma solução de engenharia. Um exemplo de convivência com o problema seria a utilização de um aterro de conquista - ou aterro de ponta – muito empregada em fases de construção e operacionais, sem alterar as características da fundação de solo mole, convivendo-se com os problemas de estabilidade e recalque provenientes da baixa capacidade de suporte do terreno natural. O custo inicial desta solução é relativamente reduzido, porém, as necessidades de manutenção periódica são elevadas e cuidados específicos na construção devem ser tomados evitando maiores ondulações no leito e rupturas localizadas (Massad, 2003 e Sandroni, 2006). A técnica de remoção, total ou parcial, da camada de solo mole é a mais antiga e usual forma de atuação em situações de camadas pouco espessas de solo mole (Almeida e Marques, 2004). Sua maior vantagem é evitar completamente os problemas inerentes ao solo de baixa capacidade. Entretanto, é atualmente de difícil viabilidade em grandes cidades por falta de local adequado para a disposição deste material, em função de condicionantes ambientais recentes (Almeida et al. 2008), além de em alguns casos gerar um custo proibitivo à obra. O tratamento do solo mole de fundação é constituído por artifícios construtivos visando a melhora geotécnica do solo de fundação, principalmente pela consolidação. Um exemplo é a técnica do aterro de sobrecarga temporário, em que o solo mole de fundação sofre um

carregamento superior aquele que atuará durante o tempo de vida útil da obra. Desta forma, há uma consolidação da camada de solo mole, cuja resistência sofre um acréscimo e os recalques primários – e até secundários – são antecipados. Este processo pode ser associado com outra técnica de tratamento que é a utilização de drenos verticais que auxilia na aceleração dos recalques encurtando as distâncias de drenagem. Este método, associado ao aterro de sobrecarga temporário, é indicado para camadas muito espessas de solo mole, ou quando o coeficiente de adensamento é muito baixo, reduzindo os tempos necessários para o adensamento (Almeida et al. 2002). Outro método de tratamento do maciço é a construção do aterro por etapas não ultrapassando a altura crítica em cada fase e permitindo o adensamento e, conseqüentemente, o ganho de resistência do solo mole de fundação para a próxima etapa, de forma a permitir, no final da construção, um aterro com altura superior à crítica inicial. Assim como no aterro de sobrecarga temporário, a utilização de drenos verticais auxilia no processo de adensamento reduzem os tempos necessários. Um outro procedimento que pode ser inserido no tratamento é a utilização de bermas de equilíbrio, que consistem em aterros laterais com alturas específicas que trabalham como contrapeso ao aterro principal, fornecendo maior estabilidade contra a ruptura geral. Somado aos métodos de tratamento já expostos, citam-se o pré-carregamento a vácuo e a eletro-osmose, entretanto com menor aplicação no cenário brasileiro principalmente devido ao alto custo (Almeida, 1996). Quando a maioria destas técnicas não é viável é necessário realizar aterros estaqueados que são construções que suportem e transfiram o peso do aterro para uma fundação capaz de resistir às cargas. Para tal, utiliza-se uma plataforma rígida de concreto armado em forma de laje apoiada em estacas cravadas até uma profundidade com resistência suficiente. Outra alternativa que envolve a construção são as colunas de granulares que consistem em furos pré-espaçados – de 1 a 2,5 m - e com diâmetros predeterminados – variando entre 70 e 90 cm - preenchidos com pedras, britas ou

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material granular até uma profundidade com maior resistência e compactados por vibração. A vantagem deste método é que além de trabalhar como estaca transferindo as cargas do aterro a uma fundação mais competente, as colunas igualmente trabalham como drenos verticais reduzindo as distâncias de drenagem e acelerando os recalques. Alternativamente às colunas granulares, podem-se utilizar paredes de pedra em forma de valas. Independente da técnica utilizada é importante a previsão do monitoramento do aterro bem como do solo de fundação. 3 SOLUÇÕES COM GEOSSINTÉTICOS A utilização de geossintéticos na engenharia geotécnica é crescente. Mais especificamente em melhoria de solos e aterros sobre solos moles estes materiais compreendem diversas soluções igualmente viáveis se comparadas àquelas expostas no item anterior, ou até melhor. Os drenos verticais compostos por colunas de areia de 15 a 45 cm de diâmetros e espaçados de 1 a 4,5 m são largamente substituídos por geodrenos com dimensões típicas de 0,5 x 10,0 cm em uma malha mais densa de furos (de 1 a 3 m) e com instalação muito mais veloz - até 2.000 m/dia para cada equipamento (Sandroni, 2006). Um aperfeiçoamento do método das colunas granulares é seu encamisamento com geotêxtil, o qual fornece um confinamento radial para o material granular de preenchimento evitando seu rompimento, aumentando de forma significativa a capacidade de carga das colunas e reduzindo os deslocamentos. Além disto, o geotêxtil não compromete a capacidade drenante das colunas e promove uma filtração do solo mole. Outra técnica que aperfeiçoa os aterros estaqueados rígidos é a utilização de aterros estaqueados com plataformas flexíveis de geossintéticos como geotêxteis e geogrelhas. Utilizando-se do mesmo princípio de transferir as cargas do aterro para um ponto da fundação mais profundo com o auxílio de estacas (ou jet gount, ou até mesmo sobre colunas granulares),

empregam-se principalmente geogrelhas nas bases dos aterros para absorver seus carregamentos e transferi-los para as estacas com maiores diâmetros ou com capitéis em suas extremidades. Uma alternativa a construções pesadas é a utilização de materiais leves de forma a reduzir os carregamentos sobre o solo mole até uma pressão aceitável (Avesani Neto, 2008). Dentre os materiais mais utilizados para tal, o EPS (poliestireno expandido – expanded polystyrene), conhecido popularmente como Isopor® no Brasil, é o que reúne as melhores características para desempenhar esta função geotécnica. Com peso específico para esta função variando entre 10 e 30 kg/m³ e resistências e módulos relativamente elevados, com valores semelhantes a solos compactos, o EPS é utilizado em blocos com dimensões entre 1 e 2 m, denominado geoexpandido ou geofoam, de forma a compor um aterro como um “Lego”. Alguns cuidados como impedir o contato do material com produtos hidrocarbonetos, cuidados com puncionamento, evitar o contato com água (devido a sua absorção e perda dos efeitos de aterro leve) devem ser tomados. Detalhes construtivos e propriedades podem ser encontrados em Sandroni (2006) e Avesani Neto (2008). Outros materiais podem ser aplicados alternativamente como aterros leves, como pneus (picados ou inteiros), tubulações de concreto, plásticos e aço, argila expandida e até engradados de cerveja (Aoki, 1993; Sandroni, 2006; Avesani Neto, 2008). Por fim, a aplicação mais corriqueira de geossintéticos em obras de aterros sobre solos moles é a sua utilização como reforço basal que é a disposição de algum geossintético com elevada resistência à tração (geotêxteis tecido e não tecido e geogrelha, por exemplo) na base do aterro permitindo um aumento da estabilidade, uma construção mais acelerada e a utilização de taludes mais íngremes. O benefício da utilização de algum geossintético na base do aterro surge na mobilização de sua resistência à tração contra os possíveis mecanismos de instabilização do aterro: ruptura generalizada envolvendo aterro, reforço e solo de fundação; ruptura no interior do aterro na

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interface aterro/geossintético/solo de fundação; e expulsão do solo mole de fundação no qual o reforço tende a uniformizar o afundamento da base do aterro no solo mole (Palmeira e Ortigão, 2004). Esta solução permite uma maior velocidade de construção do aterro e resulta em pouca intervenção na construção devido a grande facilidade de execução. Contudo, os recalques e deformações gerados no corpo do aterro podem inviabilizar a aplicação. Um resumo com as possíveis soluções de intervenções em obras de aterros sobre solos moles é exibido na Tabela 1, cujo conteúdo foi elaborado com o auxílio de informações contidas nos seguintes trabalhos: Almeida et al. (2008); Massad (2003); Sandroni (2006); e Almeida (1996). 3.1 Comparação de Soluções com Geossintéticos Uma outra solução que poderia ser inserida no grupo do reforço basal é a utilização de uma camada de geocélula na base do aterro. O sistema de confinamento celular da geocélula melhora o desempenho da distribuição dos carregamentos e da deformação. Quando se compara um reforço planar com o sistema celular, nota-se uma rigidez significativamente maior e a não necessidade de deformação inicial para suportar a carga de projeto quando da utilização da geocélula. Tabela 1. Diferentes métodos e técnicas de soluções para aterros sobre solos moles.

Método Técnica Ilustração

Desvio Mudança da área -

Convivência com o

problema

Aterro de conquista

Remoção Remoção total

Remoção parcial

Aterro de sobrecarga

Drenos verticais

Construção por etapas

Bermas de equilíbrio

Tratamento

Pré-carregamento

a vácuo

Aterro estaqueado

Colunas granulares

Aterros leves

Construção

Reforço basal

Dash et al. (2004) realizaram ensaios

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comparativos do desempenho de três sistemas: fibras aleatórias, reforço planar e reforço celular, em uma areia de rio mal graduada com pesos específicos variando de 14,3 a 17,4 kN/m³. Foram utilizadas fibras aleatórias de polipropileno em uma camada de areia de espessura igual a 7B e largura de 12B (largura B da sapata igual a 100 mm) sobre o solo mole. A proporção de fibras misturadas no solo foi de 0,10% de peso. O reforço planar foi composto por camadas geogrelhas biaxiais de polipropileno com abertura de 35 x 35 mm, resistência à tração igual a 20 kN/m, deformação na ruptura de 23% e módulos secante a 5% e 10% respectivamente de 160 e 125 kN/m. Foram utilizadas seis camadas de reforço planar equiespaçadas de 0,3B e com largura de 8B, valores escolhidos de acordo com estudos de outros autores que determinaram valores ótimos para cada parâmetro. A camada de geocélula era composta pela mesma geogrelha do reforço planar e tinha altura de 2,75B, largura do reforço e da célula de 8B e 1,2B e profundidade de 0,1B. Além do ensaio de controle – solo não reforçado – foi realizada uma quarta variação do solo reforçado composta por reforço de geocélula com adição de reforço basal de geogrelha como base de comparação. Apresentam-se na Figura 1 os resultados dos ensaios de capacidade de carga com os solos reforçados e não reforçado. As observações destes ensaios são quantificadas pelo fator de melhora da capacidade de carga If (razão da pressão aplicada no solo com o reforço de geocélula (q) para um determinado valor de deslocamento pela pressão aplicada no solo não reforçado (q0) para o mesmo deslocamento) para cada caso e resumidas na Figura 2. Destas Figuras nota-se que para pequenas deformações todas as formas de reforços possuem o mesmo desempenho, sendo todas sensivelmente superior ao solo não reforçado. Porém, com o aumento da deformação, os reforços que contém a geocélula produzem uma melhor performance ao sistema. Pode-se claramente observar também que, para os reforços de fibras aleatórias e planar, ocorreu

uma ruptura para deformações próximas de 5% e 15% da largura da sapata, respectivamente. Contudo, para os casos de geocélula sozinha e adicionada ao reforço basal nenhuma ruptura fica evidente até o final do ensaio (45% de deformação) e com comportamento praticamente linear após uma deformação acima de 20%.

Figura 1. Capacidade de carga de diferentes formas de reforço de solo para diferentes valores de deformação na sapata (Dash et al. 2004).

Figura 2. Fator de melhora da capacidade de carga de diferentes formas de reforço de solo para diferentes valores de deformação na sapata (Dash et al. 2004). Ainda das Figuras, obtém-se que a capacidade de carga última do solo com fibras aleatórias é quase 2 vezes superior ao do solo não reforçado (If = 2), é 4 vezes maior no caso do reforço planar (If = 4) e superior a 8 em ambos os reforços com geocélula (If ~ 9). Segundo os autores, as sensíveis melhoras de desempenho dos reforços que contém a geocélula se devem a dois fatores ligados a sua estrutura celular que fazem com que a camada

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de geocélula atue como uma laje: o encapsulamento e confinamento fornecido ao solo de forma mais eficiente que o reforço planar, conferindo ao sistema um corpo mais rígido capaz de redistribuir melhor os carregamentos provenientes da sapata; e devido aos elementos verticais da geocélula (transversal a direção de aplicação de carga da sapata) que ativam a resistência ao atrito na interface com o solo. Além disto, há uma parcela da resistência passiva deste e a interconexão entre os elementos que promove uma ancoragem eficiente contra os carregamentos e deformações impostas. Em contraste, no reforço planar foi observado grandes deformações de recalque resultantes do arrancamento das ancoragens laterais da geogrelha quando o solo subjacente rompeu, iniciando todo um sistema de rupturas. Por fim, no caso das fibras aleatórias foi observado pelas Figuras que este tipo de reforço é o que possui um melhor desempenho a baixíssimas deformações devido a não necessidade de grandes deslocamentos para sua mobilização. Entretanto, as fibras aleatórias são proeminente apenas na cunha ativada pela sapata. As inclusões localizadas fora desta zona provavelmente ficaram sem ou com pouca ativação de sua resistência, não contribuindo para a melhora da capacidade de suporte. Não obstante, as pequenas dimensões das fibras conduzem, ainda, a deficiências de ancoragem, impedindo uma maior mobilização de sua resistência devido a pequenas rupturas de arrancamentos localizados (Dash et al. 2004). Complementando a análise, a Figura 3 exibe as deformações na superfície para diferentes valores de deformação na sapata em cada caso de reforço ensaiado. Ressalta-se no gráfico que as linhas contínuas representam as deformações no lado direito da placa atuadora, enquanto as linhas pontilhadas exibem as deformações do lado esquerdo, ambas a uma distância igual a 2,5B (250 mm) do centro da sapata. Desta observa-se que, nos casos do solo não reforçado, das fibras aleatórias e do reforço planar, ocorreu levantamento da superfície e rotação da sapata de forma significante – denunciado pela grande diferença entre as linhas contínuas e pontilhadas. Por outro lado,

com a utilização da geocélula impediu-se completamente o levantamento do solo e a rotação da sapata. De fato, após uma deformação próxima de 15% na sapata, pouco recalque/levantamento na superfície foi observado. De acordo com os autores, esta observação pode ser fundamentada na melhor capacidade de distribuição dos carregamentos oferecida pela camada de geocélula e em sua maior rigidez. No caso da adição do reforço basal em relação à geocélula sozinha, a melhora determinada pode ser considerada apenas marginal.

Figura 3. Comparação das deformações na superfície em diferentes formas de reforço de solo para diferentes valores de deformação na sapata (Dash et al. 2004). Em ensaios de laboratório com modelo reduzido, Zhou e Wen (2008) estudaram e compararam a eficiência na melhora da capacidade de carga de reforços planares e celulares. O solo de fundação utilizado foi uma argila mole e o no reforço uma areia. Para a aplicação das cargas foi usado um saco de ar. O reforço celular consistiu de uma camada de geocélula com altura e largura da célula, respectivamente, de 200 mm e 40 mm e com resistência à tração das tiras 21,4 kN/m. O reforço planar tinha duas variações, a primeira com apenas uma camada e a segunda com duas camadas de geogrelha. A abertura da malha a geogrelha era de 50 mm e sua resistência à tração era igual a 29,2 kN/m. Na Figura 4 visualizar-se a comparação entre as máximas pressões aplicadas e os referentes deslocamentos medidos para cada situação de reforço e solo não reforçado. Nota-se desta que ambas as formas de reforço exibiram uma

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grande melhora tanto das capacidades de suporte como na redução dos deslocamentos, sendo que a geocélula obteve o melhor desempenho com uma diminuição deste de 45% para uma pressão aplicada de 80 kPa).

Figura 4. Relação entre as máximas pressões aplicadas e correspondentes deslocamentos medidos nos ensaios (Zhou e Wen, 2008). Os autores, valendo-se de células de pressão abaixo dos reforços e das medidas das pressões aplicadas na superfície, obtiveram a eficiência de absorção das tensões de cada sistema ensaiado e compararam os resultados, de acordo com o exibido na Figura 5. Desta conclui-se que as tensões medidas no solo de fundação, no caso não reforçado, são sensivelmente superiores àquelas medidas quando havia uma camada de reforço, especialmente no caso da geocélula que desempenhou uma redução das pressões da ordem de 60%. Além disto, de acordo com os autores, diferente dos outros sistemas, o celular exibiu uma tendência linear de redução das pressões na fundação com o aumento destas na superfície devido ao efeito laje proveniente da camada de geocélula que fornece um espraiamento das tensões na camada subjacente de solo.

Figura 5. Comparação entre pressão aplicada e medida no

solo abaixo do reforço (Zhou e Wen, 2008). Com ensaios triaxiais de laboratório, Khedkar e Mandal (2009) verificaram a eficiência de reforços planares e celulares e a influência de variações no número de camadas e na altura das células, este no caso das geocélulas. As amostras consistiram de cilindros com proporção 2:1 (altura de 150 mm e diâmetro de 75 mm) de solo arenoso mal graduado. Os reforços planares consistiram em duas variações: uma e duas camadas, ambas equiespaçadas. O material utilizado nas inclusões foi chapas de alumínio com 1 mm de espessura. Os reforços celulares consistiram do mesmo material e nas mesmas variações de camada do planar, contudo, com alterações nas alturas das células com valores de 3, 10, 20, 30, 40 e 50 mm. Ensaios com amostras não reforçadas foram feitos para referência. A Figura 6 exibe, de forma esquemática, as variações de ensaios realizadas.

Figura 6. Configurações ensaiadas: a) amostra não reforçada; b) reforços com uma camada; c) reforços com duas camadas (Khedkar e Mandal, 2009). Resumindo os resultados obtidos pelos autores, as envoltórias e os parâmetros de resistência para cada tipo de reforço e variação do ensaio, exibidos na Figura 7 e na Tabela 2.

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Figura 7. Envoltórias de resistência para os ensaios de solo reforçados e não reforçado: a) camada única de reforço; b) duas camadas de reforço (adaptado de Khedkar e Mandal, 2009). Tabela 2. Parâmetros de resistência para os tipos de reforços ensaiados (Khedkar e Mandal, 2009).

Uma camada Duas camadas Altura do reforço (mm) c (kPa) φ (°)

% aumento

φ c (kPa) φ (°)

% aumento

φ

Não reforçado 0,5 31,4 0 – – –

Reforço planar 3 34,2 8,7 4,2 34,8 10,8

3 1,2 32,3 2,7 1,2 33,6 6,8 10 3 33,9 7,9 9,7 36,9 17,5 20 5 34,7 10,4 16,3 37,4 18,8 30 7,3 35,4 12,6 27,9 38 20,7 40 8,8 36,7 16,5 37,8 39,8 26,5 50 9,9 37,2 18,2 52 41,7 32,5

Nota-se dos resultados que o reforço em forma de célula supera o no plano após uma altura daquela igual ou superior a 10 mm. Como pode ser visto ambos os parâmetros (coesão aparente e ângulo de atrito) exibem um aumento com a elevação da altura das células.Verifica-se também um maior desempenho quando são utilizadas duas camadas, principalmente para o parâmetro da coesão aparente que experimenta elevações de até 400% em relação a camada única, no caso da célula de 50 mm de altura. 4 CONCLUSÕES A engenharia geotécnica tem se desenvolvido de forma a possibilitar diversas técnicas plausíveis de construção sobre solos moles.

Cada forma de atuação tem suas particularidades e vantagens que dependem de cada situação de aplicação. Os geossintéticos fornecem, na atualidade, uma faixa do leque de soluções com algumas das melhores alternativas no quesito viabilidade técnica, construtiva e econômica. Dentre as possibilidades do reforço basal, inserido na faixa de leque de geossintéticos, a utilização de geocélulas se mostra a técnica mais promissora com vantagens de desempenho tanto da capacidade de suporte como da redução de deslocamentos se comparada com reforços planares e inclusões aleatórias. Contudo, entendimento do mecanismo deste tipo de reforço com este material especificamente se mostram carentes ainda, exigindo maiores estudos e melhores caracterizações de seu comportamento. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao IPT pelo apoio institucional e à EESC pela oportunidade acadêmica. REFERÊNCIAS Almeida, M.S.S. (1996). Aterros sobre solos moles: da

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COBRAMSEG 2010: ENGENHARIA GEOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE. © 2010 ABMS.

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