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• Parecer Consultivo 5/85 - O Registro Prossional Obrigatório de Jornalistas • Parecer Consultivo 7/86 - Exigibilidade do Direito de Reticação ou Resposta • A “Última Tentação de Cristo” (Olmedo Bustos e outros) Vs. Chile • Ivcher Bronstein Vs. Peru • Ricardo Canese Vs. Paraguai • Claude Reyes e outros Vs. Chile • Kimel Vs. Argentina • Tristán Donoso Vs. Panamá • Ríos e outros Vs. Venezuela • Fontevecchia e D’Amico Vs. Argentina DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

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Parecer Consultivo 5/85 - O Registro Profi ssional Obrigatrio de Jornalistas

Parecer Consultivo 7/86 - Exigibilidade do Direito de Retifi cao ou Resposta

A ltima Tentao de Cristo (Olmedo Bustos e outros) Vs. Chile

Ivcher Bronstein Vs. Peru Ricardo Canese Vs. Paraguai Claude Reyes e outros Vs. Chile Kimel Vs. Argentina Tristn Donoso Vs. Panam Ros e outros Vs. Venezuela Fontevecchia e DAmico Vs. Argentina

DIREITO LIBERDADE DE EXPRESSO

JURISPRUDNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

JURISPRUDNCIA DA COR TE INTERAMERICAN A DE DIREITOS HUMANOS

DIREITO LIBERDADE DE EXPRESSO

EXPEDIENTE

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOSHumberto Antonio Sierra Porto, PresidenteRoberto F. Caldas, Vice-PresidenteManuel E. Ventura Robles, JuizDiego Garca Sayn, JuizAlberto Prez Prez, JuizEduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, Juiz

Pablo Saavedra Alessandri, SecretrioEmilia Segares Rodrguez, Secretria Adjunta

PRESIDENTA DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASILDilma Rousseff

MINISTRO DA JUSTIAJos Eduardo Cardozo

SECRETRIO EXECUTIVO DO MINISTRIO DA JUSTIAMarivaldo de Castro Pereira

SECRETRIO NACIONAL DE JUSTIA E PRESIDENTE DA COMISSO DE ANISTIAPaulo Abro

DIRETORA DA COMISSO DE ANISTIAAmarilis Busch Tavares

DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE ESTRANGEIROSJoo Guilherme Granja

DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE RECUPERAO DE ATIVOS E COOPERAO JURDICA INTERNACIONALRicardo Andrade Saadi

DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE JUSTIA, CLASSIFICAO, TTULOS E QUALIFICAOFernanda Alves dos Anjos

GABINETE DA COMISSO DE ANISTIALarissa Nacif Fonseca, Chefe de GabineteMarleide Ferreira Rocha, Assessora

GABINETE DA SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIAFrederico de Morais Andrade Coutinho, Chefe de GabineteCristina Timponi Cambiaghi, Assessora

Capa e Projeto Grfi co: Alex FuriniTraduo: Secretaria da Corte Interamericana de Direitos HumanosReviso: Ncleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)Tiragem: 2.000 exemplaresImpresso por: Prol Editora Grfi ca Ltda

Ficha elaborada pela Biblioteca do Ministrio da Justia

1. Direitos humanos. 2. Direitos indgenas. 3. Direitos e garantias individuais. 5. Liberdade de expresso 6. Migrao. I. Brasil Ministrio da Justia. II. Corte Interamericana de Direitos Humanos.

CDD

ISBN : 978-85-85820-81-7

341.27J95c Jurisprudncia da Corte Interamericana de Direitos Humanos / Secretaria

Nacional de Justia, Comisso de Anistia, Corte Interamericana deDireitos Humanos. Traduo da Corte Interamericana de DireitosHumanos. Braslia : Ministrio da Justia, 2014.

7 v.

APRESENTAO 5

PARECER CONSULTIVO 5/85 - O REGISTRO PROFISSIONAL OBRIGATRIO DE JORNALISTAS 7

PARECER CONSULTIVO 7/86 - EXIGIBILIDADE DO DIREITO DE RETIFICAO OU RESPOSTA 35

CASO A LTIMA TENTAO DE CRISTO (OLMEDO BUSTOS E OUTROS) VS. CHILE 59

CASO IVCHER BRONSTEIN VS. PERU 97

CASO RICARDO CANESE VS. PARAGUAI 143

CASO CLAUDE REYES E OUTROS VS. CHILE 215

CASO KIMEL VS. ARGENTINA 265

CASO TRISTN DONOSO VS. PANAM 299

CASO ROS E OUTROS VS. VENEZUELA 341

CASO FONTEVECCHIA E DAMICO VS. ARGENTINA 431

SUMRIO

A publicao desta Coleo indita em lngua portuguesa contendo decises da Corte Interamericana de Direitos Humanos supre uma lacuna histrica para a formao do pensamento jurdico e da jurisprudncia brasileira.

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), composto pela Comisso Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) surgiu no contexto da evoluo ps-guerra do direito internacional e em complementaridade lgica, temporal e jurdica construo do Sistema Universal de proteo que comeou a ser erguido com a Declarao da ONU de 1948. Tanto em escala mundial quanto continental esse novo sistema representou uma reao normativa, jurdica, poltica, tica e moral aos confl itos e extermnios produzidos na Segunda Guerra.

O SIDH constituiu-se como sistema regional de proteo e defesa dos direitos humanos, contribuindo para a difuso regional da ideia de que o Estado no o nico sujeito de direito internacional, passando-se a aceitar o indivduo como pleiteador de seus direitos em escala internacional. Tal movimento deu incio reviso do conceito de soberania estatal ps-Westphalia, admitindo-se um certo grau de interveno internacional no contexto interno, em nome da garantia e do respeito aos direitos humanos.

A Comisso j completava dez anos de existncia quando veio luz o instrumento normativo que lhe garantiu estrutura institucional abrangente, a Conveno Americana sobre Direitos Humanos, em vigncia desde 1978. Desde essa data, passou a contar com seu ramo jurisdicional, a Corte Interamericana dos Direitos Humanos, sediada em So Jos da Costa Rica.

Apesar de o Brasil ter ratifi cado a Conveno Americana sobre Direitos Humanos (Pato de San Jos da Costa Rica) em 25 de setembro de 1992, apenas seis anos depois, em 10 de dezembro de 1998, reconheceu a jurisdio contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Antes disso, a Constituio Federal de 1988, a Constituio Cidad, j previa no art.7 dos Atos das Disposies Constitucionais Transitrias que O Brasil propugnar pela formao de um tribunal internacional dos direitos humanos.

preciso reconhecer que, seja por desconhecimento ou difi culdades de acesso, os operadores do direito e administradores pblicos nos trs poderes do Estado brasileiro ainda fundamentam muito pouco as suas aes, demandas ou decises judiciais na jurisprudncia internacional, a despeito do longo acervo de Tratados e Acordos fi rmados pelo Brasil.

Mas este cenrio est em mudana. Quase duas dcadas depois de reconhecida a competncia da Corte, pode-se afi rmar que os Tribunais brasileiros, em especial o Supremo Tribunal Federal, vm ampliando as citaes Conveno Americana sobre Direitos Humanos em suas decises, a exemplo do caso sobre priso do depositrio infi el, do duplo grau de jurisdio, do uso de algemas, da individualizao da pena, da presuno de inocncia, do direito de recorrer em liberdade e da razovel durao do processo. Afi nal, so mais de 160 sentenas j emitidas pela CorteIDH em distintos casos e cuja aplicabilidade vincula a todos os pases aderentes da Conveno.

Assim, impulsionada pela sua misso institucional de promover e construir direitos e polticas de justia voltadas garantia e ao desenvolvimento dos Direitos Humanos e da Cidadania, por meio de aes conjuntas do poder pblico e da sociedade, a Secretaria Nacional de Justia (SNJ/MJ) e a Comisso de Anistia do Ministrio da Justia vem estreitando laos institucionais com a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

APRESENTAO

As primeiras iniciativas ocorreram por ocasio da realizao no Brasil do Curso sobre Controle de Convencionalidade e Jurisprudncia da Corte Interamericana de Direitos Humanos, quando durante uma semana membros da Corte e operadores judiciais de diversos pases e estados brasileiros se reuniram para discutir sobre a jurisprudncia do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Posteriormente foi fi rmado convnio com a Corte para o fortalecimento da difuso de sua jurisprudncia em lngua portuguesa para os operadores jurdicos brasileiros e cujo resultado mais concreto est na presente obra.

Como produto foram selecionadas, editadas, sistematizadas e traduzidas as sentenas paradigmticas e mais relevantes da Corte de maneira a tornar acessvel seus critrios jurisprudenciais a todos os brasileiros, sejam agentes do Estado, sejam vtimas de violaes, e disponibilizando, assim, mais uma ferramenta de ampliao da efetividade da justia que poder ser aplicada de maneira que infl uencie nas normas, decises, prticas e polticas pblicas internas.

A presente obra distribuda em 7 volumes que correspondem a diferentes temas de direitos protegidos pela Conveno Americana de Direitos Humanos, a saber: Volume 1: Direito vida (execues extrajudiciais e desaparecimentos forados), Anistias e Direito Verdade; Volume 2: Direitos dos Povos Indgenas; Volume 3: Direitos Econmicos Sociais e Culturais (DESC) e Discriminao; Volume 4: Direito Integridade Pessoal; Volume 5: Direito Liberdade Pessoal; Volume 6: Liberdade de Expresso; e Volume 7: Migrao, Refgio e Aptridas.

com muita satisfao que esta obra trazida aos operadores de direito de todo o Brasil, sociedade civil, aos estudantes, professores e acadmicos, e aos advogados e defensores dos direitos humanos, esperando que essa iniciativa possa contribuir para a difuso e a ampliao do acesso a mais um instrumento da tutela efetiva dos direitos humanos, para o fortalecimento do interesse em sua aplicabilidade cotidiana e para a aproximao de sistemas jurdicos com mais profundo dilogo tcnico e humano entre as naes e povos do continente.

Paulo AbroSecretrio Nacional de Justia

Presidente da Comisso de Anistia

Humberto Sierra PortoPresidente

Corte Interamericana de Direitos Humanos

***

Jos Eduardo CardozoMinistro da Justia

Roberto F. CaldasVice-Presidente

Corte Interamericana de Direitos Humanos

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CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOSPARECER CONSULTIVO 5/85 DE 13 DE NOVEMBRO DE 1985

O REGISTRO PROFISSIONAL OBRIGATRIO DE JORNALISTAS(ARTIGOS 13 E 29 DA CONVENO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS)

SOLICITADO PELO GOVERNO DA COSTA RICA

Estiveram presentes,

Thomas Buergenthal, PresidenteRafael Nieto Navia, Vice-PresidenteHuntley Eugene Munroe, JuizMximo Cisneros, JuizRodolfo E. Piza E., JuizPedro Nikken, Juiz

Estiveram presentes, ademais:

Charles Moyer, Secretrio, eManuel Ventura, Secretrio Adjunto

A CORTEintegrada na forma antes mencionada, profere o seguinte Parecer Consultivo:

1. O Governo da Costa Rica (doravante denominado o Governo), atravs de comunicao de 8 de julho de 1985, submeteu Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada a Corte), um pedido de Parecer Consultivo sobre a interpretao dos artigos 13 e 29 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada a Conveno ou a Conveno Americana) em relao ao registro profi ssional obrigatrio de jornalistas e sobre a compatibilidade da Lei n 4420, de 22 de setembro de 1969, Lei Orgnica do Conselho de Jornalistas da Costa Rica (doravante denominada a Lei n 4420 e Conselho de Jornalistas, respectivamente) com as disposies dos mencionados artigos. Segundo declarao expressa do Governo, este pedido de parecer foi formulado em cumprimento de um compromisso adquirido com a Sociedade Interamericana de Imprensa (doravante denominada a SIP).

2. Atravs de nota de 12 de julho de 1985, em cumprimento ao disposto no artigo 52 do Regulamento da Corte, a Secretaria solicitou observaes escritas sobre os temas envolvidos na presente consulta a todos os Estados Membros da Organizao dos Estados Americanos (doravante denominada a OEA), bem como, atravs do Secretrio Geral desta organizao, a todos os rgos a que se refere o Captulo X da Carta da OEA.

3. A Corte, atravs de nota de 10 de setembro de 1985, ampliou o prazo at 25 de outubro de 1985 para receber observaes escritas ou outros documentos relevantes.

4. As comunicaes da Secretaria foram respondidas pelo Governo da Costa Rica, pela Comisso Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada a Comisso) e pelo Comit Jurdico Interamericano.

5. Alm disso, as seguintes organizaes no governamentais ofereceram seus pontos de vista sobre a consulta como amici curiae: Sociedade Interamericana de Imprensa; Conselho de Jornalistas da Costa Rica, World Press Freedom Committee, International Press Institute, Newspaper Guild e International Association of Broadcasting; American Newspaper Publishers Association, American Society of Newspaper Editors e Associated Press; Federao Latino-Americana de Jornalistas, International League for Human Rights; e Lawyers Committee for Human Rights, Americas Watch Committee e Committee to Protect Journalists.

6. Em virtude de que a consulta combina questes que devem ser respondidas tanto de acordo com o artigo 64.1 como com o artigo 64.2 da Conveno, a Corte resolveu separar ambos os procedimentos, dado que, enquanto o primeiro interessa a todos os Estados Membros e rgos principais da OEA, o segundo envolve aspectos legais relacionados, em especial, Repblica da Costa Rica.

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JURISPRUDNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

7. Realizou-se uma primeira audincia pblica na quinta-feira, 5 de setembro de 1985, em aplicao das disposies do artigo 64.2 da Conveno, com o fi m de que a Corte, reunida em seu Dcimo Terceiro Perodo Ordinrio de Sesses (2-6 de setembro), recebesse as opinies dos representantes do Governo, do Conselho de Jornalistas e da SIP, que participaram prvia consulta e com o consentimento do Governo, sobre a compatibilidade entre a Lei n 4420 e os artigos 13 e 29 da Conveno.

8. Nesta audincia pblica foram feitas manifestaes orais perante a Corte por parte dos seguintes representantes:

Pelo Governo da Costa Rica:

Licenciado Carlos Jos Gutirrez, Agente e Ministro das Relaes Exteriores e CultoLicenciado Manuel Freer Jimnez, Agente Assistente e Assessor Jurdico do Ministrio das Relaes Exteriores

Pelo Conselho de Jornalistas da Costa Rica:

Licenciado Carlos Mora, PresidenteLicenciada Alfonsina de Chavarra, Assessora Jurdica

Pela Sociedade Interamericana de Imprensa:

Dr. Germn Ornes, Presidente da Comisso JurdicaLicenciado Fernando Guier Esquivel, Assessor JurdicoDr. Leonard Marks, Advogado

9. Na sexta-feira, 8 de novembro de 1985, foi realizada uma segunda audincia pblica, em aplicao das disposies do artigo 64.1 da Conveno. Nesta oportunidade, a Corte, reunida em seu Quarto Perodo Extraordinrio de Sesses (4-14 de novembro), recebeu as opinies dos representantes do Governo e dos delegados da Comisso sobre a pergunta geral da interpretao dos artigos 13 e 29 da Conveno, em relao ao registro profi ssional obrigatrio de jornalistas.

10. Compareceram a esta audincia pblica os seguintes representantes:

Pelo Governo da Costa Rica:

Licenciado Carlos Jos Gutirrez, Agente e Ministro das Relaes Exteriores e CultoLicenciado Manuel Freer Jimnez, Agente Assistente e Assessor Jurdico do Ministrio das Relaes Exteriores

Pela Comisso Interamericana de Direitos Humanos:

Dr. Marco Gerardo Monroy Cabra, DelegadoDr. R. Bruce McColm, Delegado

IApresentao do Problema

11. Em seu pedido, o Governo solicitou Corte, com base no artigo 64 da Conveno, um Parecer Consultivo sobre a interpretao dos artigos 13 e 29 da mesma em relao ao registro profi ssional obrigatrio de jornalistas e tambm sobre a compatibilidade da Lei n 4420, que estabelece o registro profi ssional obrigatrio de seus membros para exercer o jornalismo, com as disposies dos mencionados artigos. Nos termos desta comunicao:

a consulta que se formula CORTE INTERAMERICANA compreende, de forma concreta, requerimento de Parecer Consultivo sobre se existe ou no confl ito ou contradio entre o registro profi ssional obrigatrio como requisito indispensvel para poder exercer a atividade do jornalista em geral e, em especial, do reprter -segundo os artigos j citados da Lei n 4420e as normas internacionais 13 e 29 da CONVENO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS. Nesse aspecto, necessrio conhecer o critrio da CORTE INTERAMERICANA, em relao ao alcance e cobertura do direito de liberdade de expresso do pensamento e de informao e as nicas limitaes permissveis em conformidade com os artigos 13 e 29 da CONVENO AMERICANA, com indicao, se for o caso, se h ou no congruncia entre as normas

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DIREITO LIBERDADE DE EXPRESSO - PARECER CONSULTIVO 5/85 - O REGISTRO PROFISSIONAL OBRIGATRIO DE JORNALISTAS

internas includas na Lei Orgnica do Conselho de Jornalistas j referidas (Lei n 4420) e os artigos 13 e 29 internacionais citados.

permitido ou compreendido o registro profi ssional obrigatrio do jornalista e do reprter entre as restries ou limitaes autorizadas nos artigos 13 e 29 da CONVENO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS? Existe ou no compatibilidade, confl ito ou incongruncia entre aquelas normas internas e os artigos citados da CONVENO AMERICANA?

12. As apresentaes, tanto escritas como orais, do prprio Governo e dos demais participantes no procedimento mostraram claramente que o problema fundamental da consulta no que a Corte defi na, em abstrato, a extenso e as limitaes permissveis liberdade de expresso, mas que as determine, em aplicao do artigo 64.1 da Conveno, sobre o registro profi ssional obrigatrio de jornalistas, considerado em geral e, tambm, que emita o parecer sobre a compatibilidade entre a Lei n 4420, que estabelece este registro profi ssional obrigatrio na Costa Rica, e a Conveno, em aplicao do artigo 64.2 da mesma.

13. Este pedido se originou em uma petio que a SIP apresentou ao Governo para que formulasse a consulta,

uma vez que existem srias dvidas na Costa Rica e em todo o continente sobre o registro profi ssional obrigatrio de jornalistas e reprteres e opinies contrapostas tm sido emitidas em relao legalidadeconforme as normas da CONVENO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOSdessa instituio de licena prvia.

14. O Governo concordou em apresentar a consulta porque, segundo a Conveno, a SIP no est legitimada a faz-lo. De acordo com o que dispe o artigo 64 da Conveno, podem faz-lo unicamente os Estados Membros da OEA e os rgos enumerados no Captulo X da Carta da Organizao, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires de 1967, no que lhes compete. O Governo mencionou o fato de que existem leis similares em outros 10 pases americanos.

15. Entretanto, o Governo claramente manifestou no respectivo pedido seu critrio contrrio ao da SIP e registrou que est plenamente de acordo com a Resoluo n 17/84 da Comisso, que declarou:

que a Lei n 4420, de 18 de setembro de 1969 Orgnica do Conselho de Jornalistas da Costa Rica, bem como as normas que a regulamentam e a sentena proferida pela Terceira Cmara da Corte Suprema de Justia da Repblica da Costa Rica, de 3 de junho de 1983, por meio da qual condenou o senhor STEPHEN SCHMIDT a TRS MESES DE PRISO pelo exerccio ilegal da profi sso de jornalista, bem como os demais fatos estabelecidos na petio, no constituem violao do artigo 13 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos. (Resoluo n 17/84 Caso n 9178 (Costa Rica) OEA/Ser. L/V/II. 63, doc. 15, 2 de outubro de 1984).

IIAdmissibilidade

16. Como j se observou, a competncia consultiva da Corte foi invocada em relao ao artigo 64.1 da Conveno, visto que se refere a uma questo geral, e do artigo 64.2, no tocante compatibilidade entre a Lei n 4420 e a Conveno. Como a Costa Rica membro da OEA, est legitimada a solicitar pareceres consultivos segundo qualquer das duas disposies mencionadas e no h nenhuma razo jurdica que impea que ambas sejam invocadas para fundamentar um mesmo pedido. Em consequncia, sob esse ponto de vista, a petio da Costa Rica admissvel.

17. Cabe ento perguntar se a parte do pedido da Costa Rica que se refere compatibilidade entre a Lei n 4420 e a Conveno inadmissvel dado que essa matria foi considerada em um procedimento perante a Comisso (Caso Schmidt, 15 supra), ao qual o Governo fez expressa referncia em seu pedido.

18. Segundo o sistema de proteo estabelecido pela Conveno, o presente pedido e o Caso Schmidt so dois procedimentos legais inteiramente diferentes, ainda que neste ltimo tenham sido considerados alguns dos aspectos submetidos Corte no presente Parecer Consultivo.

19. O Caso Schmidt se originou em uma petio individual apresentada perante a Comisso, de acordo com o artigo 44 da Conveno. Nela o senhor Schmidt acusou a Costa Rica de violar o artigo 13 da Conveno. Essa infrao teria sido o resultado de uma condenao que foi imposta ao denunciante, na Costa Rica, por ter violado as disposies da Lei n 4420. Depois de considerar a petio admissvel, a Comisso a examinou de acordo com os procedimentos estabelecidos no artigo 48 da Conveno e, em seu devido momento, aprovou uma resoluo

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JURISPRUDNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

na qual concluiu que a Lei n 4420 no violava a Conveno e que a condenao do senhor Schmidt no violava o artigo 13 (Caso Schmidt, 15 supra).

20. A Costa Rica aceitou a competncia contenciosa da Corte (artigo 62 da Conveno), mas nem o Governo nem a Comisso exerceram seu direito de submeter o caso perante a Corte, o qual chegou a seu fi m sem que o peticionrio tivesse a possibilidade de que sua queixa fosse considerada pela Corte. Este resultado, entretanto, no despojou o Governo do direito de solicitar Corte um Parecer Consultivo, em conformidade com o estipulado pelo artigo 64 da Conveno, sobre certas questes legais, ainda que algumas delas coincidam com o Caso Schmidt.

21. A Corte anteriormente afi rmou que

a Conveno, ao permitir aos Estados Membros e aos rgos da OEA solicitar pareceres consultivos, cria um sistema paralelo ao do artigo 62 e oferece um mtodo judicial alternativo de carter consultivo, destinado a ajudar os Estados e rgos a cumprir e a aplicar tratados em matria de direitos humanos, sem submet-los ao formalismo e ao sistema de sanes que caracteriza o processo contencioso. (Restries pena de morte (artigos 4.2 e 4.4 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos), Parecer Consultivo OC-3/83 de 8 de setembro de 1983. Srie A N 3, par. n 43).

Entretanto, a Corte tambm reconheceu que sua competncia consultiva facultativa e que consideraria inadmissvel

todo pedido de consulta que conduza a desvirtuar a jurisdio contenciosa da Corte, ou em geral, a debilitar ou alterar o sistema previsto pela Conveno, de maneira que possam ser prejudicados os direitos das vtimas de eventuais violaes dos direitos humanos. (Outros tratados objeto da funo consultiva da Corte (Artigo 64 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos), Parecer Consultivo OC-1/82 de 24 de setembro de 1982. Srie A N 1, par. n 31).

22. No escapa ateno da Corte que um Estado contra o qual se estabeleceu um processo perante a Comisso poderia preferir que a denncia no fosse resolvida pela Corte em uso de sua competncia contenciosa para evadir assim o efeito de suas sentenas, que so obrigatrias, defi nitivas e executveis segundo os artigos 63, 67 e 68 da Conveno. Diante de uma resoluo da Comisso em que se conclua que houve violao da Conveno, o Estado afetado poderia tentar o recurso a um Parecer Consultivo como meio para objetar a legalidade dessas concluses da Comisso sem se arriscar s consequncias de uma sentena. Dado que o Parecer Consultivo da Corte careceria dos efeitos de uma sentena, poderia ser considerada que uma estratgia como essa prejudicaria os direitos das vtimas de eventuais violaes dos direitos humanos e desvirtuar(ia) a jurisdio contenciosa da Corte.

23. O fato de que um pedido de Parecer Consultivo tenha ou no estas consequncias depender das circunstncias do caso particular (Outros tratados, 21 supra, par. n 31). No presente assunto, claro que o Governo ganhou o Caso Schmidt perante a Comisso. Em consequncia, ao solicitar um Parecer Consultivo sobre a lei que, segundo a Comisso, no viola a Conveno, a Costa Rica no obteve nenhuma vantagem jurdica. Na realidade, a iniciativa da Costa Rica de solicitar este Parecer Consultivo depois de ter ganho o caso perante a Comisso enaltece sua posio moral e no h, em tais condies, razo que justifi que rejeitar o pedido.

24. A Corte considera, por outro lado, que o fato de que a Costa Rica no lhe tenha submetido o Caso Schmidt como caso contencioso no torna inadmissvel o pedido de Parecer Consultivo. A Costa Rica foi o primeiro Estado Parte na Conveno a aceitar a competncia contenciosa da Corte. Por isso, a Comisso poderia ter submetido o Caso Schmidt Corte. Apesar do expressado por um dos delegados da Comisso na audincia de 8 de novembro de 1985, nem o artigo 50 nem o artigo 51 da Conveno requerem que a Comisso tenha concludo que houve violao da Conveno, para que se possa encaminhar um caso Corte. Em consequncia, difi cilmente se poderia negar Costa Rica o direito de solicitar um Parecer Consultivo pelo simples fato de no ter exercido uma faculdade que corresponde Comisso como rgo da Conveno responsvel, inter alia, por velar pela integridade institucional e pelo funcionamento do sistema da Conveno. (Assunto Viviana Gallardo e outras. Resoluo de 13 de novembro de 1981, pars. nmeros 21 e 22).

25. Ainda que a Conveno no especifi que sob que circunstncias a Comisso deve encaminhar um caso Corte, das funes que designa a ambos os rgos decorre que, mesmo quando no esteja legalmente obrigada a faz-lo, h certos casos em que, ao no poderem ser resolvidos amistosamente perante a Comisso, deveriam ser submetidos por esta Corte. O Caso Schmidt cai certamente dentro desta categoria. Trata-se de um caso que apresenta problemas jurdicos controversos no considerados pela Corte; seu trmite na jurisdio interna da Costa Rica foi objeto de decises judiciais contraditrias; a prpria Comisso no pde alcanar uma deciso

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DIREITO LIBERDADE DE EXPRESSO - PARECER CONSULTIVO 5/85 - O REGISTRO PROFISSIONAL OBRIGATRIO DE JORNALISTAS

unnime sobre estes problemas jurdicos; e uma matria que reveste especial importncia no continente, onde vrios Estados adotaram leis parecidas s da Costa Rica.

26. Dado que os indivduos no esto legitimados a introduzir uma demanda perante a Corte e que um governo que tenha ganho um caso perante a Comisso no possui incentivo para faz-lo, a determinao desta ltima de submeter um caso semelhante Corte representa a nica via para que operem plenamente todos os meios de proteo que a Conveno estabelece. Por isso, em tais hipteses, a Comisso chamada a considerar, especialmente, a possibilidade de recorrer Corte. Em uma situao na qual a Comisso no tenha submetido o caso Corte e, por essa razo, o delicado equilbrio do sistema de proteo estabelecido na Conveno se v impactado, a Corte no pode se abster de considerar o assunto se este lhe for submetido pela via consultiva.

27. Alm disso, a questo de se as resolues proferidas pela Comisso de acordo com os artigos 50 ou 51 podem ou no, em determinadas circunstncias, pr fi m ao procedimento, no possui relevncia no assunto submetido Corte.

28. No existindo, em consequncia, nenhuma causa de inadmissibilidade do pedido de Parecer Consultivo apresentado pelo Governo, a Corte o declara admitido.

IIIA Liberdade de Pensamento e de Expresso

29. O artigo 13 da Conveno diz o seguinte:

Artigo 13.- Liberdade de Pensamento e de Expresso

1. Toda pessoa tem direito liberdade de pensamento e de expresso. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informaes e ideias de toda natureza, sem considerao de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artstica, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exerccio do direito previsto no inciso precedente no pode estar sujeito a censura prvia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fi xadas pela lei e ser necessrias para assegurar:

a) o respeito aos direitos ou reputao das demais pessoas; ou

b) a proteo da segurana nacional, da ordem pblica, ou da sade ou da moral pblicas.

3. No se pode restringir o direito de expresso por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles ofi ciais ou particulares de papel de imprensa, de frequncias radioeltricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difuso de informao, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicao e a circulao de ideias e opinies.

4. A lei pode submeter os espetculos pblicos a censura prvia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteo moral da infncia e da adolescncia, sem prejuzo do disposto no inciso 2.

5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao dio nacional, racial ou religioso que constitua incitao discriminao, hostilidade, ao crime ou violncia.

O artigo 29 estabelece as seguintes normas para a interpretao da Conveno:

Artigo 29. Normas de Interpretao

Nenhuma disposio desta Conveno pode ser interpretada no sentido de:

a) permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e exerccio dos direitos e liberdades reconhecidos na Conveno ou limit-los em maior medida do que a nela prevista;

b) limitar o gozo e exerccio de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra conveno em que seja parte um dos referidos Estados;

c) excluir outros direitos e garantias que so inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrtica representativa de governo; e

d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.

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JURISPRUDNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

30. O artigo 13 afi rma que a liberdade de pensamento e de expresso compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informaes e ideias de toda natureza... Estes termos estabelecem literalmente que quem est sob a proteo da Conveno tem no apenas o direito e a liberdade de expressar seu prprio pensamento, mas tambm o direito e a liberdade de buscar, receber e difundir informaes e ideias de toda natureza. Portanto, quando se restringe ilegalmente a liberdade de expresso de um indivduo, no apenas o direito desse indivduo que est sendo violado, mas tambm o direito de todos a receber informaes e ideias, do que resulta que o direito protegido pelo artigo 13 tem um alcance e um carter especiais. Pem-se assim de manifesto as duas dimenses da liberdade de expresso. De fato, esta requer, por um lado, que ningum seja arbitrariamente prejudicado ou impedido de manifestar seu prprio pensamento e representa, portanto, um direito de cada indivduo; mas implica tambm, por outro lado, um direito coletivo a receber qualquer informao e a conhecer a expresso do pensamento alheio.

31. Em sua dimenso individual, a liberdade de expresso no se esgota no reconhecimento terico do direito a falar ou escrever, mas compreende tambm, inseparavelmente, o direito a utilizar qualquer meio apropriado para difundir o pensamento e faz-lo chegar ao maior nmero de destinatrios. Quando a Conveno proclama que a liberdade de pensamento e de expresso compreende o direito a difundir informaes e ideias por qualquer... processo, est destacando que a expresso e a difuso do pensamento e da informao so indivisveis, de modo que uma restrio das possibilidades de divulgao representa diretamente, e na mesma medida, um limite ao direito de se expressar livremente. Da a importncia do regime jurdico aplicvel imprensa e ao status de quem se dedique profi ssionalmente a ela.

32. Em sua dimenso social, a liberdade de expresso um meio para o intercmbio de ideias e informaes e para a comunicao massiva entre os seres humanos. Compreende tambm o direito de cada um a comunicar aos outros seus prprios pontos de vista, implica tambm o direito de todos a conhecer opinies e notcias. Para o cidado comum, o conhecimento da opinio alheia ou da informao de que dispem os outros tem tanta importncia como o direito a difundir a prpria.

33. As duas dimenses mencionadas (30 supra) da liberdade de expresso devem ser garantidas simultaneamente. No seria lcito invocar o direito da sociedade a estar informada claramente para fundamentar um regime de censura prvia supostamente destinado a eliminar as informaes que seriam falsas a critrio do censor. Tampouco seria admissvel que, com base no direito a difundir informaes e ideias, fossem formados monoplios pblicos ou privados sobre os meios de comunicao para tentar moldar a opinio pblica de acordo com um nico ponto de vista.

34. Assim, se em princpio a liberdade de expresso requer que os meios de comunicao social estejam virtualmente abertos a todos sem discriminao, ou, mais exatamente, que no haja indivduos ou grupos que, a priori, estejam excludos do acesso a tais meios, exige igualmente certas condies a respeito destes, de maneira que, na prtica, sejam verdadeiros instrumentos dessa liberdade e no veculos para restringi-la. So os meios de comunicao social os que servem para materializar o exerccio da liberdade de expresso, de tal modo que suas condies de funcionamento devem se adequar aos requerimentos dessa liberdade. Para isso indispensvel, inter alia, a pluralidade de meios de comunicao, a proibio de todo monoplio a respeito deles, qualquer que seja a forma que pretenda adotar, e a garantia de proteo liberdade e independncia dos jornalistas.

35. O anterior no signifi ca que toda restrio aos meios de comunicao ou, em geral, liberdade de se expressar, seja necessariamente contrria Conveno, cujo artigo 13.2 dispe:

Artigo 13.2.O exerccio do direito previsto no inciso precedente no pode estar sujeito a censura prvia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fi xadas pela lei e ser necessrias para assegurar:

a) o respeito aos direitos ou reputao dos demais; ou

b) a proteo da segurana nacional, da ordem pblica, ou da sade ou da moral pblicas.

De fato, a defi nio jurdica das condutas que constituem causa de responsabilidade segundo o citado artigo, envolve uma restrio liberdade de expresso. A expresso restrio ser usada doravante no sentido da conduta defi nida legalmente como geradora de responsabilidade pelo abuso da liberdade de expresso em relao ao artigo 13.

36. Assim, pois, como a Conveno reconhece, a liberdade de pensamento e de expresso admite certas restries prprias, que sero legtimas na medida em que se enquadram aos requerimentos do artigo 13.2. Portanto,

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como a expresso e a difuso do pensamento so indivisveis, deve ser destacado que as restries aos meios de difuso tambm so. De tal modo que, em cada caso, preciso considerar se foram respeitados ou no os termos do artigo 13.2 para determinar sua legitimidade e estabelecer, em consequncia, se houve ou no uma violao Conveno.

37. A disposio citada indica dentro de que condies as restries liberdade de expresso so compatveis com a Conveno. Essas restries devem ser estabelecidas em conformidade com certos requisitos de forma que se referem aos meios atravs dos quais se manifestam e com condies de mrito, representadas pela legitimidade dos fi ns que se pretendem alcanar com tais restries.

38. O artigo 13.2 da Conveno defi ne atravs de que meios podem ser estabelecidas legitimamente restries liberdade de expresso. Estipula, em primeiro lugar, a proibio da censura prvia, a qual sempre incompatvel com a plena vigncia dos direitos enumerados no artigo 13, salvo as excees contempladas no inciso 4 referentes a espetculos pblicos, inclusive se se trata, supostamente, de prevenir por esse meio um eventual abuso da liberdade de expresso. Nesta matria toda medida preventiva signifi ca, inevitavelmente, o prejuzo da liberdade garantida pela Conveno.

39. O abuso da liberdade de expresso no pode ser objeto de medidas de controle preventivo, mas fundamento de responsabilidade para quem o tenha cometido. Ainda neste caso, para que tal responsabilidade possa ser estabelecida validamente, segundo a Conveno, preciso que se renam vrios requisitos, a saber:a) A existncia de fundamentos de responsabilidade previamente estabelecidos,b) A defi nio expressa e taxativa desses fundamentos pela lei,c) A legitimidade dos fi ns perseguidos ao estabelec-los, ed) Que esses fundamentos de responsabilidade sejam necessrios para assegurar os mencionados

fi ns.

Todos estes requisitos devem ser cumpridos para que se d cumprimento total ao artigo 13.2.

40. Esta norma defi ne que a lei deve estabelecer as restries liberdade de informao e apenas para alcanar fi ns que a prpria Conveno indica. Por se tratar de restries no sentido estabelecido (35 supra) a defi nio jurdica deve ser necessariamente expressa e taxativa.

41. Antes de estudar os incisos a) e b) do artigo 13.2 da Conveno, luz do que interessa na presente consulta, a Corte analisar o signifi cado da expresso necessrias para assegurar, empregada no mesmo artigo. Para isso se deve considerar o objeto e o fi m do tratado, tendo presentes os critrios de interpretao previstos nos artigos 29 c) e d) e 32.2, segundo os quais

Artigo 29. Normas de Interpretao

Nenhuma disposio desta Conveno pode ser interpretada no sentido de:

...

b) excluir outros direitos e garantias que so inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrtica representativa de governo; e

d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza.

Artigo 32. Correlao entre Deveres e Direitos

...

2. Os direitos de cada pessoa so limitados pelos direitos dos demais, pela segurana de todos e pelas justas exigncias do bem comum, numa sociedade democrtica.

Igualmente, deve-se ter presente o indicado no Prembulo da Conveno, onde os Estados signatrios reafi rmam seu propsito de consolidar, neste Continente, dentro do quadro das instituies democrticas, um regime de liberdade pessoal e de justia social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem.

42. Essas disposies representam o contexto dentro do qual se deve interpretar as restries permitidas pelo artigo 13.2. Observa-se da reiterada meno s instituies democrticas, democracia representativa e sociedades democrticas que o juzo sobre se uma restrio liberdade de expresso imposta por um Estado necessria para assegurar um dos objetivos mencionados nos incisos a) ou b) do mesmo artigo, tem que se vincular s necessidades legtimas das sociedades e instituies democrticas.

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JURISPRUDNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

43. Em relao a este ponto, a Corte considera til comparar o artigo 13 da Conveno com o artigo 10 da Conveno (Europeia) para a Proteo dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (doravante denominada a Conveno Europeia) e com o artigo 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos (doravante denominado o Pacto), os quais dispem:

CONVENO EUROPEIAARTIGO 10

1. Qualquer pessoa tem direito liberdade de expresso. Este direito compreende a liberdade de opinio e a liberdade de receber ou de transmitir informaes ou ideias sem que possa haver ingerncia de quaisquer autoridades pblicas e sem consideraes de fronteiras. O presente artigo no impede que os Estados submetam as empresas de radiodifuso, de cinematografi a ou de televiso a um regime de autorizao prvia.

2. O exerccio desta liberdade, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condies, restries ou sanes, previstas pela lei, que constituam providncias necessrias, numa sociedade democrtica, para a segurana nacional, a integridade territorial ou a segurana pblica, a defesa da ordem e a preveno do crime, a proteo da sade ou da moral, a proteo da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgao de informaes confi denciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicirio.

PACTOArtigo 19

1. Ningum poder ser molestado por suas opinies.

2. Toda pessoa ter direito liberdade de expresso; esse direito incluir a liberdade de procurar, receber e difundir informaes e idias de qualquer natureza, independentemente de consideraes de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artstica, ou por qualquer outro meio de sua escolha.

3. O exerccio do direito previsto no pargrafo 2 do presente artigo implicar deveres e responsabilidades especiais. Conseqentemente, poder estar sujeito a certas restries, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se faam necessrias para:

a) assegurar o respeito dos direitos e da reputao das demais pessoas;

b) proteger a segurana nacional, a ordem, a sade ou a moral pblicas.

44. verdade que a Conveno Europeia utiliza a expresso necessrias numa sociedade democrtica, enquanto o artigo 13 da Conveno Americana omite estes termos especfi cos. No entanto, esta diferena na terminologia perde signifi cado posto que a Conveno Europeia no contm nenhuma proviso comparvel com o artigo 29 da Americana, que dispe regras para interpretar suas disposies e probe que a interpretao possa excluir outros direitos e garantias... que decorrem da forma democrtica representativa de governo. Deve-se enfatizar, tambm, que o artigo 29.d da Conveno Americana probe toda interpretao que conduza a excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declarao Americana de Direitos e Deveres do Homem..., reconhecida como parte do sistema normativo pelos Estados Membros da OEA no artigo 1.2 do Estatuto da Comisso. O artigo XXVIII da Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem, por sua vez, diz o seguinte:

Os direitos do homem esto limitados pelos direitos do prximo, pela segurana de todos e pelas justas exigncias do bem-estar geral e do desenvolvimento democrtico.

As justas exigncias da democracia devem, por conseguinte, orientar a interpretao da Conveno e, em particular, daquelas disposies que esto criticamente relacionadas preservao e ao funcionamento das instituies democrticas.

45. A forma como est redigido o artigo 13 da Conveno Americana difere muito signifi cativamente do artigo 10 da Conveno Europeia, que est formulado em termos muito gerais. Neste ltimo, sem uma meno especfi ca ao necessri(o) numa sociedade democrtica, teria sido muito difcil delimitar a longa lista de restries autorizadas. Na realidade, o artigo 13 da Conveno Americana, que serviu de modelo em parte para o artigo 19 do Pacto, contm uma lista mais reduzida de restries que a Conveno Europeia e o prprio Pacto, apenas porque este no probe expressamente a censura prvia.

46. importante destacar que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, ao interpretar o artigo 10 da Conveno Europeia, concluiu que necessrias, sem ser sinnimo de indispensveis, implica a existncia de uma necessidade social imperiosa e que para que uma restrio seja necessria no sufi ciente demonstrar que seja til, razovel ou oportuna. (Eur. Court H. R., The Sunday Times case, judgment of 26 April 1979, Srie A N 30, par. 59, pgs. 35-36). Essa concluso, que igualmente aplicvel Conveno Americana, sugere que a necessidade e, deste modo, a legalidade das restries liberdade de expresso fundamentadas no artigo 13.2, depender de que estejam orientadas a satisfazer um interesse pblico imperativo. Entre vrias opes para

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alcanar esse objetivo deve-se escolher aquela que restrinja em menor medida o direito protegido. Dado este padro, no sufi ciente que se demonstre, por exemplo, que a lei cumpre um propsito til ou oportuno; para que as restries sejam compatveis com a Conveno devem ser justifi cadas de acordo com objetivos coletivos que, por sua importncia, preponderem claramente sobre a necessidade social do pleno gozo do direito que o artigo 13 garante e no limitem mais que o estritamente necessrio o direito protegido no artigo 13. Isto , a restrio deve ser proporcional ao interesse que a justifi ca e ajustar-se estritamente ao alcance desse objetivo legtimo. (The Sunday Times case, supra, par. n 62, pg. 38; ver tambm Eur. Court H. R., Barthold judgment of 25 March 1985, Srie A N 90, par. 59, pg. 26).

47. O artigo 13.2 tambm deve ser interpretado de acordo com as disposies do artigo 13.3, que o mais explcito em proibir as restries liberdade de expresso atravs de vias ou meios indiretos... destinados a obstar a comunicao e a circulao de ideias e opinies. Nem a Conveno Europeia nem o Pacto contm uma disposio comparvel. tambm signifi cativo que a norma do artigo 13.3 esteja localizada imediatamente depois de uma disposio -o artigo 13.2- que se refere s restries permissveis ao exerccio da liberdade de expresso. Essa circunstncia sugere o desejo de assegurar que os termos do artigo 13.2 no fossem mal interpretados no sentido de limitar, alm do estritamente necessrio, o alcance pleno da liberdade de expresso.

48. O artigo 13.3 no apenas trata das restries governamentais indiretas, mas tambm probe expressamente controles... particulares que produzam o mesmo resultado. Esta disposio deve ser lida em conjunto com o artigo 1.1 da Conveno, no qual os Estados Partes se comprometem a respeitar os direitos e liberdades reconhecidos (na Conveno)... e a garantir seu livre e pleno exerccio a toda pessoa que esteja sujeita sua jurisdio... Por isso, a violao da Conveno neste mbito pode ser produto no apenas de que o Estado imponha por si mesmo restries dirigidas a impedir indiretamente a comunicao e a circulao de ideias e opinies, mas tambm de que no se tenha assegurado que a violao no resulte dos controles... particulares mencionados no pargrafo 3 do artigo 13.

49. As disposies dos incisos 4 e 5 do artigo 13 no possuem uma relao direta com as perguntas feitas Corte no presente pedido e, em consequncia, no precisam ser examinadas nesta oportunidade.

50. A anlise anterior do artigo 13 evidencia o altssimo valor que a Conveno atribui liberdade de expresso. A comparao feita entre o artigo 13 e as disposies relevantes da Conveno Europeia (artigo 10) e do Pacto (artigo 19) demonstra claramente que as garantias da liberdade de expresso includas na Conveno Americana foram elaboradas para serem as mais generosas e para reduzir ao mnimo as restries livre circulao das ideias.

51. A propsito da comparao entre a Conveno Americana e os outros tratados mencionados, a Corte no pode evitar um comentrio sobre um critrio de interpretao sugerido pela Costa Rica na audincia de 8 de novembro de 1985. Segundo essa abordagem, na hiptese de que um direito reconhecido na Conveno Americana fosse regulado de modo mais restritivo em outro instrumento internacional de direitos humanos, a interpretao da Conveno Americana deveria ser feita levando em considerao essas maiores limitaes porque:

Do contrrio, teramos que aceitar que o que lcito e permissvel no mbito universal, constituiria uma violao no continente americano, o que parece evidentemente uma afi rmao errnea. Ao contrrio, pensamos que quanto interpretao de tratados, pode se estabelecer o critrio de que as regras de um tratado ou conveno devem ser interpretadas em relao s disposies que apaream em outros tratados que versem sobre a mesma matria. Tambm se pode defi nir o critrio de que as normas de um tratado regional devem ser interpretadas luz da doutrina e disposies dos instrumentos de carter universal. (Grifo no texto original).

Na verdade, frequentemente til, como acaba de fazer a Corte, comparar a Conveno Americana com o disposto em outros instrumentos internacionais como meio para destacar aspectos particulares da regulamentao de um determinado direito, mas tal mtodo no poderia ser usado nunca para incorporar Conveno critrios restritivos que no se desprendam diretamente de seu texto, por mais que estejam presentes em qualquer outro tratado internacional.

52. A concluso anterior se deduz claramente do artigo 29 da Conveno, que contm as normas de interpretao, cujo inciso b) afi rma que nenhuma disposio da Conveno, pode ser interpretada no sentido de:

limitar o gozo e exerccio de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra conveno em que seja parte um dos referidos Estados.

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JURISPRUDNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Em consequncia, se a uma mesma situao so aplicveis a Conveno Americana e outro tratado internacional, deve prevalecer a norma mais favorvel pessoa humana. Se a prpria Conveno estabelece que suas regulamentaes no possuem efeito restritivo sobre outros instrumentos internacionais, menos ainda podero ser aceitas restries presentes nestes outros instrumentos, mas no na Conveno, para limitar o exerccio dos direitos e liberdades que esta reconhece.

IVPossveis Infraes Conveno Americana

53. As infraes ao artigo 13 podem se apresentar sob diferentes hipteses, segundo conduzam supresso da liberdade de expresso ou apenas impliquem restringi-la alm do legitimamente permitido.

54. Na verdade, nem toda transgresso ao artigo 13 da Conveno implica a supresso radical da liberdade de expresso, que ocorre quando o poder pblico estabelece meios para impedir a livre circulao de informao, ideias, opinies ou notcias. Exemplos disso so a censura prvia, o confi sco ou a proibio de publicaes e, em geral, todos os procedimentos que condicionam a expresso ou a difuso de informao ao controle governamental. Nesta hiptese, h uma violao radical tanto do direito de cada pessoa a se expressar como do direito de todos a estarem bem informados, de modo que afeta uma das condies bsicas de uma sociedade democrtica. A Corte considera que o registro profi ssional obrigatrio de jornalistas, nos termos em que foi proposto para esta consulta, no confi gura uma hiptese desta espcie.

55. A supresso da liberdade de expresso como foi descrita no pargrafo anterior, embora constitua o exemplo mais grave de violao do artigo 13, no a nica hiptese em que este artigo possa ser desrespeitado. De fato, tambm contrrio Conveno todo ato do poder pblico que implique uma restrio ao direito de buscar, receber e difundir informaes e ideias, em maior medida ou por meios distintos dos autorizados pela mesma Conveno; e tudo isso com independncia de se essas restries benefi ciam ou no ao governo.

56. Em especial, nos termos amplos da Conveno, a liberdade de expresso tambm pode ser impactada sem a interveno direta da ao estatal. Tal hiptese poderia chegar a se confi gurar, por exemplo, quando por efeito da existncia de monoplios ou oligoplios na propriedade dos meios de comunicao, so estabelecidas, na prtica, meios dirigidos a impedir a comunicao e a circulao de ideias e opinies.

57. Como foi afi rmado nos pargrafos precedentes, uma restrio liberdade de expresso pode ser ou no violatria Conveno, conforme se ajuste ou no aos termos em que estas restries esto autorizadas pelo artigo 13.2. Cabe ento analisar a situao do registro profi ssional obrigatrio de jornalistas diante da mencionada disposio.

58. Por efeito do registro profi ssional obrigatrio de jornalistas, a responsabilidade, inclusive penal, dos no colegiados pode ver-se comprometida se, ao difundir informaes e ideias de qualquer natureza... Por qualquer... meio de sua escolha invadem o que, segundo a lei, constitui o exerccio profi ssional do jornalismo. Em consequncia, esse registro profi ssional envolve uma restrio ao direito de se expressar por parte dos no colegiados, o que obriga a examinar se seus fundamentos cabem dentro dos considerados legtimos pela Conveno para determinar se tal restrio compatvel com ela.

59. A questo que se apresenta ento se os fi ns perseguidos com o registro profi ssional esto autorizados pela Conveno, isto , se so necessri(os) para assegurar: a) o respeito aos direitos ou reputao das demais pessoas, ou b) a proteo da segurana nacional, da ordem pblica ou da sade ou da moral pblicas (art. 13.2).

60. A Corte observa que os argumentos alegados para defender a legitimidade do registro profi ssional obrigatrio de jornalistas no se vinculam a todos os conceitos mencionados no pargrafo precedente, mas apenas a alguns deles. Afi rmou-se, em primeiro lugar, que o registro profi ssional obrigatrio o modo normal de organizar o exerccio das profi sses nos distintos pases que submeteram o jornalismo ao mesmo regime. Assim, o Governo destacou que, na Costa Rica,

existe uma norma de direito no escrita, de condio estrutural e constitutiva, sobre as profi sses, e essa norma pode ser enunciada nos seguintes termos: toda profi sso dever se organizar atravs de uma lei em uma corporao pblica denominada conselho.

No mesmo sentido, a Comisso afi rmou que

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Nada se ope a que a vigilncia e o controle do exerccio das profi sses, seja cumprida tanto diretamente, atravs de organismos ofi ciais, ou, indiretamente, atravs de uma autorizao ou delegao, para tanto, no estatuto correspondente, em uma organizao ou associao profi ssional, sob a vigilncia ou controle do Estado, visto que esta, ao cumprir sua misso, deve sempre se submeter Lei. O pertencimento a um Conselho ou a exigncia de carteira para o exerccio da profi sso de jornalista no implica para ningum uma restrio s liberdades de pensamento e de expresso, mas uma regulamentao que compete ao Poder Executivo sobre as condies de idoneidade dos ttulos, bem como a inspeo sobre seu exerccio como um imperativo da segurana social e uma garantia de uma melhor proteo dos direitos humanos (Caso Schmidt, 15 supra).

O Conselho de Jornalistas da Costa Rica destacou igualmente que este mesmo requisito (o registro profi ssional) existe nas leis orgnicas de todos os conselhos profi ssionais. Por sua vez, a Federao Latino-Americana de Jornalistas, nas observaes que enviou Corte como amicus curiae, afi rmou que algumas constituies latino-americanas dispem o registro profi ssional obrigatrio para as profi sses indicadas na lei, em uma regra da mesma categoria formal que a liberdade de expresso.

61. Em segundo lugar, argumentou-se que o registro profi ssional obrigatrio persegue fi ns de utilidade coletiva vinculados tica e responsabilidade profi ssionais. O Governo mencionou uma deciso da Corte Suprema de Justia da Costa Rica, em cujos termos

verdade que estes conselhos tambm atuam em interesse comum e em defesa de seus membros, mas se deve notar que alm desse interesse h outro de maior hierarquia que justifi ca estabelecer o registro profi ssional obrigatrio em algumas profi sses, as que geralmente se denominam liberais, j que alm do ttulo que assegura uma preparao adequada, tambm se exige a estrita observncia de normas de tica profi ssional, tanto pela ndole da atividade que realizam estes profi ssionais, como pela confi ana que neles depositam as pessoas que requerem de seus servios. Tudo isso de interesse pblico e o Estado delega aos conselhos a possibilidade de vigiar o correto exerccio da profi sso.

Em outra ocasio, o Governo afi rmou:

Outra coisa do que poderamos chamar de exerccio do jornalismo como profi sso liberal. Isso explica que a mesma Lei do Conselho de Jornalistas da Costa Rica permita a uma pessoa tornar-se comentarista e ainda colunista permanente e respaldado por um meio de comunicao, sem obrigao de pertencer ao Conselho de Jornalistas.

O mesmo Governo destacou que

o exerccio de certas profi sses implica no apenas direitos, mas deveres frente comunidade e ordem social. Esta a razo que justifi ca a exigncia de uma habilitao especial, regulamentada por Lei, para o desempenho de algumas profi sses, como a do jornalismo.

Dentro da mesma orientao, um delegado da Comisso, na audincia pblica de 8 de novembro de 1985, concluiu que

o registro profi ssional obrigatrio para jornalistas ou a exigncia de carteira profi ssional no implica negar o direito liberdade de pensamento e de expresso, nem restringi-la ou limit-la, mas unicamente regulamentar seu exerccio para que cumpra sua funo social, sejam respeitados os direitos dos demais e se proteja a ordem pblica, a sade, a moral e a segurana nacionais. O registro profi ssional obrigatrio busca o controle, a inspeo e vigilncia sobre a profi sso de jornalistas para garantir a tica, a idoneidade e o melhoramento social dos jornalistas.

No mesmo sentido, o Conselho de Jornalistas afi rmou que a sociedade tem direito, em aras da proteo do bem comum, de regulamentar o exerccio profi ssional do jornalismo; e, igualmente, que o manejo deste pensamento alheio, em sua apresentao ao pblico requer do trabalho profi ssional no apenas capacitado, mas obrigado em sua responsabilidade e tica profi ssionais com a sociedade, o que tutela o Conselho de Jornalistas da Costa Rica.

62. Tambm se argumentou que o registro profi ssional um meio para garantir a independncia dos jornalistas em relao aos seus empregadores. O Conselho de Jornalistas expressou que o rechao ao registro profi ssional obrigatrio

equivaleria a facilitar os objetivos de quem abre meios de comunicao na Amrica Latina, no para o servio da sociedade, mas para defender interesses pessoais e de pequenos grupos de poder. Eles prefeririam continuar com um controle absoluto de todo o processo de comunicao social, incluindo o trabalho de pessoas na funo de jornalistas, que mostrem ser incondicionais a estes mesmos interesses.

No mesmo sentido, a Federao Latino-Americana de Jornalistas expressou que esse registro profi ssional procura, inter alia,

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JURISPRUDNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

garantir a suas respectivas sociedades o direito liberdade de expresso do pensamento em cuja fi rme defesa centraram suas lutas... e, com relao ao direito informao, nossas associaes vm enfatizando a necessidade de democratizar o fl uxo informativo na relao emissor-receptor para que a populao tenha acesso e receba uma informao veraz e oportuna, luta esta que encontrou seu principal obstculo no egosmo e ganncia empresarial dos meios de comunicao social.

63. A Corte, ao relacionar os argumentos assim expostos com as restries a que se refere o artigo 13.2 da Conveno, observa que os mesmos no envolvem diretamente a ideia de justifi car o registro profi ssional obrigatrio de jornalistas como um meio para garantir o respeito aos direitos ou reputao dos demais ou a proteo da segurana nacional, ou da sade ou moral pblicas (art. 13.2); ao contrrio, apontariam a justifi car o registro profi ssional obrigatrio como um meio para assegurar a ordem pblica (art. 13.2.b)) como uma justa exigncia do bem comum em uma sociedade democrtica (art. 32.2).

64. Efetivamente, uma concepo possvel da ordem pblica dentro do contexto da Conveno faz referncia s condies que asseguram o funcionamento harmnico e normal das instituies sobre a base de um sistema coerente de valores e princpios. Neste sentido se poderiam justifi car restries ao exerccio de certos direitos e liberdades para assegurar a ordem pblica. A Corte interpreta que a alegao segundo a qual o registro profi ssional obrigatrio , estruturalmente, o modo de organizar o exerccio das profi sses em geral e que isso justifi ca que se submetam a este regime tambm os jornalistas, representa a ideia de que tal registro profi ssional se baseia na ordem pblica.

65. O bem comum foi diretamente invocado como uma das justifi cativas do registro profi ssional obrigatrio de jornalistas, com base no artigo 32.2 da Conveno. A Corte analisar o argumento, pois considera que, com prescindncia deste artigo, vlido sustentar, em geral, que o exerccio dos direitos garantidos pela Conveno deve se harmonizar ao bem comum. Isso no indica, entretanto, que, a critrio da Corte, o artigo 32.2 seja aplicvel de forma automtica e idntica a todos os direitos protegidos pela Conveno, sobretudo nos casos em que se especifi cam taxativamente as causas legtimas que podem fundamentar as restries ou limitaes para um direito determinado. O artigo 32.2 contm um enunciado geral que opera, em especial, naqueles casos em que a Conveno, ao proclamar um direito, no dispe nada em concreto sobre suas possveis restries legtimas.

66. possvel entender o bem comum, dentro do contexto da Conveno, como um conceito referente s condies da vida social que permite aos integrantes da sociedade alcanar o maior grau de desenvolvimento pessoal e a maior vigncia dos valores democrticos. Nesse sentido, possvel considerar como um imperativo do bem comum, a organizao da vida social de forma que se fortalea o funcionamento das instituies democrticas e se preserve e promova a plena realizao dos direitos da pessoa humana. Da que as alegaes que situam o registro profi ssional obrigatrio como um meio para assegurar a responsabilidade e a tica profi ssionais e, ademais, como uma garantia da liberdade e independncia dos jornalistas diante de seus patres, devem ser considerados fundamentados na ideia de que este registro profi ssional representa uma exigncia do bem comum.

67. No escapa ateno da Corte, entretanto, a difi culdade de defi nir de modo unvoco os conceitos de ordem pblica e bem comum, nem que ambos os conceitos podem ser usados tanto para afi rmar os direitos da pessoa frente ao poder pblico, como para justifi car limitaes a estes direitos em nome dos interesses coletivos. A este respeito deve-se destacar que de nenhuma maneira se poderia invocar a ordem pblica ou o bem comum como meios para suprimir um direito garantido pela Conveno ou para desnatur-lo ou priv-lo de contedo real (ver o artigo 29.a) da Conveno). Estes conceitos, na medida em que sejam invocados como fundamento de limitaes aos direitos humanos, devem ser objeto de uma interpretao estritamente limitada s justas exigncias de uma sociedade democrtica que tenha em considerao o equilbrio entre os distintos interesses em jogo e a necessidade de preservar o objeto e fi m da Conveno.

68. A Corte observa que a organizao das profi sses em geral em conselhos profi ssionais, no , per se, contrria Conveno, mas constitui um meio de regulamentao e de controle da f pblica e da tica atravs da atuao dos colegas. Por isso, se se considera a noo da ordem pblica no sentido anteriormente referido, isto , como as condies que asseguram o funcionamento harmnico e normal das instituies sobre a base de um sistema coerente de valores e princpios, possvel concluir que a organizao do exerccio das profi sses est includa nessa ordem.

69. A Corte considera, entretanto, que o mesmo conceito da ordem pblica reclama que, dentro de uma sociedade democrtica, sejam garantidas as maiores possibilidades de circulao de notcias, ideias e opinies, bem

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como o mais amplo acesso informao por parte da sociedade em seu conjunto. A liberdade de expresso se insere na ordem pblica primria e radical da democracia, que no concebvel sem o debate livre e sem que a dissidncia tenha pleno direito de se manifestar. Nesse sentido, a Corte se adere s ideias expostas pela Comisso Europeia de Direitos Humanos quando, baseando-se no Prembulo da Conveno Europeia, afi rmou:

que o propsito das Altas Partes Contratantes ao aprovar a Conveno no foi conceder direitos e obrigaes recprocos com o fi m de satisfazer seus interesses nacionais, mas... estabelecer uma ordem pblica comum das democracias livres da Europa com o objetivo de proteger sua herana comum de tradies polticas, ideais, liberdade e regime de direito. (Austria vs. Italy, Application n. 788/60, European Yearbook of Human Rights, vol. 4, (1961), pg. 138).

Tambm interessa ordem pblica democrtica, tal como est concebida na Conveno Americana, que se respeite escrupulosamente o direito de cada ser humano de se expressar livremente e o da sociedade em seu conjunto de receber informao.

70. A liberdade de expresso uma pedra angular na prpria existncia de uma sociedade democrtica. indispensvel para a formao da opinio pblica. tambm conditio sine qua non para que os partidos polticos, os sindicatos, as sociedades cientfi cas e culturais e, em geral, quem deseje infl uir sobre a coletividade, possa se desenvolver plenamente. , enfi m, condio para que a comunidade, na hora de exercer suas opes, esteja sufi cientemente informada. Deste modo, possvel afi rmar que uma sociedade que no est bem informada no plenamente livre.

71. Dentro deste contexto, o jornalismo a manifestao primria e principal da liberdade de expresso do pensamento e, por essa razo, no pode ser concebido meramente como a prestao de um servio ao pblico atravs da aplicao de alguns conhecimentos ou capacitao adquiridos em uma universidade ou por quem est inscrito em um determinado conselho profi ssional, como poderia acontecer com outras profi sses, pois est vinculado liberdade de expresso que inerente a todo ser humano.

72. O argumento segundo o qual uma lei de registro profi ssional obrigatrio de jornalistas no difere da legislao similar, aplicvel a outras profi sses, no tem em considerao o problema fundamental que se apresenta a propsito da compatibilidade entre esta lei e a Conveno. O problema surge do fato de que o artigo 13 expressamente protege a liberdade de buscar, receber e difundir informaes e ideias de toda natureza... seja verbalmente, por escrito ou em forma impressa... A profi sso de jornalista -o que fazem os jornalistas- implica precisamente buscar, receber e difundir informao. O exerccio do jornalismo, portanto, requer que uma pessoa se envolva em atividades que esto defi nidas ou compreendidas na liberdade de expresso garantida na Conveno.

73. Isso no se aplica, por exemplo, ao exerccio do direito ou da medicina; diferena do jornalismo, o exerccio do direito ou da medicina ou seja, o que fazem os advogados ou os mdicos- no uma atividade especifi camente garantida pela Conveno. verdade que a imposio de certas restries ao exerccio da advocacia poderia ser incompatvel com o gozo de vrios direitos garantidos pela Conveno. Por exemplo, uma lei que proibisse aos advogados atuar como defensores em casos que envolvam atividades contra o Estado, poderia ser considerada violatria do direito de defesa do acusado segundo o artigo 8 da Conveno e, portanto, seria incompatvel com esta. Mas no existe um nico direito garantido pela Conveno que abarque exaustivamente ou defi na por si s o exerccio da advocacia como o faz o artigo 13 quando se refere ao exerccio de uma liberdade que coincide com a atividade jornalstica. O mesmo aplicvel medicina.

74. Argumentou-se que o registro profi ssional obrigatrio de jornalistas busca proteger um ofcio remunerado e que no se ope ao exerccio da liberdade de expresso, sempre que esta no comporte um pagamento remunerativo, e que, neste sentido, refere-se a uma matria distinta contida no artigo 13 da Conveno. Este argumento parte de uma oposio entre o jornalismo profi ssional e o exerccio da liberdade de expresso, o que a Corte no pode aprovar. Segundo essa hiptese, uma coisa seria a liberdade de expresso e outra o exerccio profi ssional do jornalismo, questo esta que no exata e pode, ademais, compreender srios perigos se for levada at suas ltimas consequncias. O exerccio do jornalismo profi ssional no pode ser diferenciado da liberdade de expresso, ao contrrio, ambas as coisas esto evidentemente sobrepostas, pois o jornalista profi ssional no , nem pode ser, outra coisa que uma pessoa que decidiu exercer a liberdade de expresso de modo contnuo, estvel e remunerado. Alm disso, a considerao de ambas as questes como atividades distintas poderia conduzir concluso de que as garantias includas no artigo 13 da Conveno no se aplicam aos jornalistas profi ssionais.

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75. Por outro lado, o argumento comentado no pargrafo anterior no tem em considerao que a liberdade de expresso compreende dar e receber informao e tem uma dupla dimenso, individual e coletiva. Esta circunstncia indica que o fenmeno de se esse direito se exerce ou no como profi sso remunerada no pode ser considerado como uma daquelas restries contempladas no artigo 13.2 da Conveno porque, sem desconhecer que uma associao tem direito de buscar as melhores condies de trabalho, isto no tem por que ser feito impedindo sociedade possveis fontes para obter informao.

76. A Corte conclui, em consequncia, que as razes de ordem pblica vlidas para justifi car o registro profi ssional obrigatrio de outras profi sses no podem ser invocadas no caso do jornalismo, pois conduzem a limitar de modo permanente, em prejuzo dos no colegiados, o direito de fazer uso pleno das faculdades reconhecidas a todo ser humano no artigo 13 da Conveno, o que infringe princpios primrios da ordem pblica democrtica sobre os quais ela mesma se fundamenta.

77. Os argumentos sobre o registro profi ssional ser a maneira de garantir sociedade uma informao objetiva e veraz atravs de um regime de tica e responsabilidade profi ssionais foram fundamentados no bem comum. Mas, na realidade, como foi demonstrado, o bem comum reclama a mxima possibilidade de informao e o pleno exerccio do direito expresso o que a favorece. em princpio contraditrio invocar uma restrio liberdade de expresso como um meio para garanti-la, porque signifi ca desconhecer o carter radical e primrio desse direito como inerente a cada ser humano considerado individualmente, ainda que seja um atributo, igualmente, da sociedade em seu conjunto. Um sistema de controle do direito de expresso em nome de uma suposta garantia da correo e veracidade da informao que a sociedade recebe pode ser fonte de grandes abusos e, no fundo, viola o direito informao da mesma sociedade.

78. Afi rmou-se igualmente que o registro profi ssional de jornalistas um meio para o fortalecimento da associao e, deste modo, uma garantia da liberdade e independncia destes profi ssionais e um imperativo do bem comum. No escapa ateno da Corte que a livre circulao de ideias e notcias no concebvel seno dentro de uma pluralidade de fontes de informao e do respeito aos meios de comunicao. Mas no basta para isso que se garanta o direito de estabelecer ou dirigir rgos de opinio pblica; necessrio tambm que os jornalistas e, em geral, todos aqueles que se dedicam profi ssionalmente comunicao social, possam trabalhar com proteo sufi ciente liberdade e independncia que requer este ofcio. Trata-se, pois, de um argumento fundamentado em um interesse legtimo dos jornalistas e da coletividade em geral, especialmente porque so possveis e, inclusive, conhecidas as manipulaes sobre a verdade dos fatos como produto de decises adotadas por alguns meios de comunicao estatais ou privados.

79. Em consequncia, a Corte considera que a liberdade e a independncia dos jornalistas um bem que precisa ser protegido e garantido. No entanto, nos termos da Conveno, as restries autorizadas liberdade de expresso devem ser aquelas necessrias para assegurar a obteno de certos fi ns legtimos, ou seja, no basta que a restrio seja til (46 supra) para a obteno desse fi m, isto , que se possa alcanar atravs dela, mas deve ser necessria, ou seja, que no possa ser alcanada razoavelmente por outro meio menos restritivo a um direito protegido pela Conveno. Nesse sentido, o registro profi ssional obrigatrio de jornalistas no se ajusta ao requerido pelo artigo 13.2 da Conveno, porque perfeitamente concebvel estabelecer um estatuto que proteja a liberdade e independncia de todos aqueles que exeram o jornalismo, sem necessidade de deixar esse exerccio apenas a um grupo restrito da comunidade.

80. A Corte tambm aceita a necessidade de estabelecer um regime que assegure a responsabilidade e a tica profissional dos jornalistas e que sancione as infraes a essa tica. Considera que pode ser apropriado que um Estado delegue, por lei, autoridade para aplicar sanes pelas infraes responsabilidade e tica profissionais. Mas, no que se refere aos jornalistas, deve-se levar em considerao as restries do artigo 13.2 e as caractersticas prprias deste exerccio profissional a que se fez referncia anteriormente (72-75 supra).

81. Em razo das consideraes anteriores, decorre que no compatvel com a Conveno uma lei de registro profi ssional de jornalistas que impea o exerccio do jornalismo a quem no seja membro do conselho e limite o acesso a este aos formados em um determinado curso universitrio. Uma lei semelhante conteria restries liberdade de expresso no autorizadas pelo artigo 13.2 da Conveno e seria, em consequncia, violatria tanto do direito de toda pessoa a buscar e difundir informaes e ideias por qualquer meio de sua escolha, como do direito da coletividade em geral a receber informao sem interferncias.

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VCompatibilidade da Lei N 4420 com a Conveno

82. A segunda parte do pedido de consulta se refere compatibilidade dos aspectos relevantes da Lei n 4420 com a Conveno, os quais, para efeitos desta consulta, so os seguintes:

Artigo 2- Integram o Conselho de Jornalistas da Costa Rica:a) Os Licenciados e Bacharis em Jornalismo, formados na Universidade da Costa Rica ou em

universidades ou instituies equivalentes estrangeiras, incorporados ao Conselho de acordo com as leis e tratados;

b) No caso de o Conselho comprovar que no h jornalistas profi ssionais colegiados interessados para preencher uma vaga determinada, o Conselho poder autorizar, a pedido da empresa jornalstica, a ocup-la de forma temporria, mas em iguais condies, enquanto algum membro se interesse na vaga, um estudante da Escola de Jornalismo que tenha ao menos o primeiro ano aprovado e esteja cursando o segundo. Durante o tempo em que um estudante de jornalismo esteja autorizado a ocupar uma vaga de jornalista, est obrigado a cumprir os deveres profi ssionais, ticos e morais que essa lei estatui para os membros, bem como a continuar seus estudos na Escola de Jornalismo.

Artigo 22 -As funes prprias do jornalista podero ser realizadas apenas por membros inscritos no Conselho.

Artigo 23 -Para os propsitos desta lei, entender-se- que jornalista profi ssional em exerccio, o que tem por ocupao principal, regular ou remunerada o exerccio de sua profi sso em uma publicao diria ou peridica, ou em um meio de notcias de rdio ou televiso, ou em uma agncia de notcias e que obtm dela os principais recursos para sua subsistncia.

Artigo 25 -Os colunistas e comentaristas permanentes ou ocasionais de todo tipo de meios de comunicao, pagos ou no, podero exercer sua funo livremente, sem obrigatoriedade de serem membros do Conselho, mas seu mbito de ao estar limitado a essa esfera, sem poder cobrir o campo do reprter, especializado ou no.

Para resolver sobre a compatibilidade entre a Lei e a Conveno, a Corte dever aplicar os critrios expostos na parte geral deste parecer.

83. A Corte observa que segundo o artigo 25 da Lei n 4420, no se requer o registro profi ssional para atuar como comentarista ou colunista, permanente ou ocasional, remunerado ou no. Tal disposio foi alegada para demonstrar que esta Lei no se ope livre circulao de ideias e opinies. No entanto, sem entrar a considerar em detalhe o valor dessa alegao, isso no afeta as concluses da Corte sobre a questo geral, uma vez que a Conveno no garante apenas o direito de buscar, receber e difundir ideias, mas tambm informao de toda natureza. A busca e difuso de informao no cabe dentro do exerccio autorizado pelo artigo 25 da Lei n 4420.

84. Segundo as disposies citadas, a Lei n 4420 autoriza o exerccio do jornalismo remunerado apenas a quem seja membro do Conselho, com algumas excees que no possuem autoridade sufi ciente para os propsitos da presente anlise. Esta lei tambm restringe o acesso ao Conselho a quem seja egresso de determinada escola universitria. Este regime contradiz a Conveno porquanto impe uma restrio no justifi cada, segundo o artigo 13.2 da mesma, liberdade de pensamento e de expresso como direito que corresponde a todo ser humano; e, ademais, porque tambm restringe indevidamente o direito da coletividade em geral de receber informao de qualquer fonte sem interferncias.

85. Por conseguinte, em resposta s perguntas do Governo da Costa Rica sobre o registro profi ssional obrigatrio de jornalistas, em relao aos artigos 13 e 29 da Conveno, e sobre a compatibilidade da Lei n 4420 com as disposies dos mencionados artigos,

A CORTE EXPRESSA O PARECER,PrimeiroPor unanimidadeque o registro profi ssional obrigatrio de jornalistas, na medida em que impea o acesso de qualquer

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pessoa ao uso pleno dos meios de comunicao social como veculo para se expressar ou para transmitir informao, incompatvel com o artigo 13 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos.

SegundoPor unanimidadeque a Lei n 4420 de 22 de setembro de 1969, Lei Orgnica do Conselho de Jornalistas da Costa

Rica, objeto da presente consulta, na medida em que impede certas pessoas de pertencer ao Conselho de Jornalistas e, por conseguinte, o uso pleno dos meios de comunicao social como veculo para se expressar e transmitir informao, incompatvel com o artigo 13 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos.

Redigida em espanhol e ingls, fazendo f o texto em espanhol, na sede da Corte em San Jos, Costa Rica, no dia 13 de novembro de 1985.

Thomas BuergenthalPresidente

Rafael Nieto Navia Huntley Eugene MunroeMximo Cisneros Rodolfo E. Piza E Pedro Nikken

Charles MoyerSecretrio

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PARECER SEPARADO DO JUIZ RAFAEL NIETO NAVIA

1. O pedido de consulta formulado pela Costa Rica para este Parecer mencionou apenas os artigos 13 e 29 da Conveno. Porm, o Ilustre Governo desse pas manifestou, atravs do senhor Ministro das Relaes Exteriores, na audincia de 5 de setembro de 1985, que o problema aqui no um problema de liberdade de expresso: um problema de direito de associao e um problema de regulamentao de um trabalho.

2. A liberdade de trabalho no est diretamente regulamentada na Conveno. Mas sim est, no artigo 16, a liberdade de associao, a cuja luz h de se analisar o fenmeno do Conselho de Jornalistas da Costa Rica que, criado e no meramente permitido ou tolerado por lei, uma corporao de direito pblico que exerce, por delegao do Estado, poderes normativos, disciplinares e ticos sobre seus membros e monopoliza o exerccio da atividade profi ssional, de maneira que ningum pode exerc-la se no pertencer ao Conselho (artigo 22 da Lei n 4420).

3. O artigo 16 da Conveno diz:

Artigo 16. Liberdade de Associao

1. Todas as pessoas tm o direito de associar-se livremente com fi ns ideolgicos, religiosos, polticos, econmicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza.

2. O exerccio de tal direito s pode estar sujeito s restries previstas pela lei que sejam necessrias, numa sociedade democrtica, no interesse da segurana nacional, da segurana ou da ordem pblicas, ou para proteger a sade ou moral pblicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas.

3. O disposto neste artigo no impede a imposio de restries legais, e mesmo a privao do exerccio do direito de associao, aos membros das foras armadas e da polcia.

4. O contedo do artigo 16.1 lida, por sua vez, com um direito e com uma liberdade, isto , com o direito a formar associaes, que no pode ser restringido, a no ser nos eventos e para os propsitos contemplados nos artigos 16.2 e 16.3 e com uma liberdade, no sentido de que ningum pode ser compelido ou obrigado a se associar. preciso entender que ambos os requisitos esto protegidos pela Conveno, ainda que no mencione expressamente a liberdade negativa -o direito de no se associar, que desapareceu do projeto original da Conveno sem que se conheam os argumentos para isso (Conferncia Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San Jos, Costa Rica, 7-22 de novembro de 1969, Atas e Documentos, OEA/ Ser.K/XVI/1.2, Washington, D.C., 1978, pg. 283), mas que est expressamente contemplado no artigo 20 in fi ne da Declarao Universal dos Direitos do Homem, segundo o qual ningum poder ser obrigado a pertencer a uma associao . Dentro da teoria exposta por esta Corte, os direitos humanos devem ser interpretados da maneira mais favorvel s pessoas (Assunto Viviana Gallardo e outras. Resoluo de 13 de novembro de 1981, par. 16) e ilgico e aberrante interpretar a palavra liberdade como direito unicamente e no como a faculdade natural que tem o homem de agir de uma maneira ou outra, ou de no agir (Real Academia Espanhola, Dicionrio da Lngua Espanhola, Vigsima Edio) segundo seu arbtrio.

5. A tendncia a se associar que, como disse Aristteles, em Poltica (Livro I, cap. I, par. 11), deriva da natureza, somente se converte em direito durante o Sculo XIX e este constitui, juntamente com o sufrgio, um dos pilares sobre os quais se edifi ca o Estado democrtico contemporneo.

6. A liberdade de associao o direito do indivduo de se unir a outros de forma voluntria e duradoura para a realizao comum de um fi m lcito. As associaes se caracterizam por sua permanncia e estabilidade, o carter ideal ou espiritual em oposio ao fsico ou material- da unio, pela estrutura mais ou menos complexa que se desenvolve no tempo e pela tendncia a se expandir e a abrigar o maior nmero de membros interessados nos mesmos fi ns. Quanto a estes, os indivduos voluntariamente associados no podem realizar atividades que correspondam ou estejam reservadas ao poder pblico, nem utilizar meios no permitidos para alcanar seus propsitos, nem realizar atividades que estejam proibidas aos seres humanos individualmente considerados.

7. Cabe perguntar se os entes pblicos com estrutura associativa, chamem-se associaes, corporaes ou conselhos, violam o carter voluntrio -a voluntariedade da ao- contido na liberdade de associao. Haver de se responder que a norma imperativa de direito pblico que obriga os indivduos a se associar em conselhos por profi sses vlida e no se pode considerar, per se, violatria da liberdade de associao, quando tais conselhos cumprem fi ns estritamente pblicos, transcendentes ao interesse privado, isto , quando recebem do Estado uma delegao que este poderia cumprir diretamente, mas que delega porque considera que essa a forma mais idnea para cumprir o fi m proposto. Tais conselhos no podem ser considerados como as associaes a que se refere o artigo 16 da Conveno.

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8. Em outro sentido, pode se considerar que se viola a liberdade de se associar ao obrigar por lei os indivduos a faz-lo, se os fi ns propostos de tal associao so aqueles que se poderiam cumprir por associaes criadas pelos indivduos ao amparo de sua liberdade, isto , se tais associaes correspondem quelas mencionadas no artigo 16.

9. A pergunta que h de se formular se a corporao pblica denominada Conselho de Jornalistas da Costa Rica uma associao do tipo mencionado no artigo 16 da Conveno ou, simplesmente, uma entidade que atua por delegao do Estado em funes que a este correspondem. A resposta deve ser dada depois de estudar os fi ns a que tal corporao se prope e que esto contemplados no artigo primeiro da Lei n 4420:

Artigo 1- Cria-se o Conselho de Jornalistas da Costa Rica, com sede na cidade de San Jos, como uma corporao integrada pelos profi ssionais de jornalismo, autorizados a exercer sua profi sso dentro do pas. Ter os seguintes fi ns:a) Respaldar e promover as cincias da comunicao coletiva;b) Defender os interesses de seus associados, individual e coletivamente;c) Apoiar, promover e estimular a cultura e toda atividade que contribua ao avano do povo da Costa Rica;d) Gerir ou contratar, quando seja possvel, o auxlio ou sistemas de assistncia mdico-social pertinentes

para proteger seus membros quando estes se vejam em situaes difceis por razo de doena, velhice ou morte de parentes prximos; ou quando seus familiares, por alguma dessas eventualidades, se encontrem em difi culdades, entendendo-se por familiares, para efeitos desta lei, a esposa, fi lhos e pais;

e) Cooperar com todas as instituies pblicas de cultura, sempre que seja possvel, quando estas o solicitem ou a lei ordene;

f) Manter e estimular o esprito de unio dos jornalistas profi ssionais;g) Contribuir a aperfeioar o regime republicano e democrtico, defender a soberania nacional e as

instituies da nao; eh) Pronunciar-se sobre problemas pblicos, quando assim o considere conveniente.

claro que os fi ns mencionados nos incisos a), c), e), g) e h) podem ser cumpridos por entidades de diversos tipos, no necessariamente associativas nem pblicas. Os contemplados em b), d) e f) tm a ver diretamente com o interesse ou o bem-estar dos associados ou membros e poderiam ser cumpridos satisfatoriamente por associaes privadas do tipo dos sindicatos de trabalhadores. So, pois, fi ns que no so estritamente pblicos nem transcendentes ao interesse privado e, lidos desprevenidamente, claro que no so necessri(o)s em uma sociedade democrtica, em interesse da segurana nacional, da segurana ou da ordem pblica, ou para proteger a sade ou moral pblicas ou os direitos e liberdades dos demais (artigo 16.2) (o fundamento do Parecer sobre estes conceitos plenamente aplicvel tambm aqui) e tm a ver, ao contrrio, com o interesse da associao dos jornalistas. Neste sentido claro que o Conselho uma das associaes a que se refere o artigo 16 da Conveno, isto , seus fi ns podem ser cumpridos por associaes criadas ao amparo da liberdade de associao, sem necessidade de uma lei que no se limita a tolerar ou permitir sua existncia, mas que cria a corporao, a regula em sua organizao e administrao e faz obrigatrio, para quem quer exercer o jornalismo, pertencer a ela, o que signifi ca que cria restries liberdade de associao.

10. O fato de que o artigo quarto da Lei n 4420 estipule que todo jornalista tem direito a se separar do Conselho, temporria ou defi nitivamente no se pode interpretar, seno em consonncia com o artigo 22, que diz que as funes prprias do jornalista apenas podero ser realizadas por membros inscritos no Conselho. Porque isso signifi ca que quem se separe do Conselho no pode realizar as funes de sua profi sso (Decreto n 14931-C, Regulamento da Lei n 4420, artigo 10).

11. A Lei n 4420, em consequncia, no se limitou a proteger o direito de associao, mas a tornou obrigatria, violando, desta maneira, a respectiva liberdade. Quem exerce a atividade de jornalista sem pertencer ao Conselho exerce ilegalmente uma profi sso e est sujeito s sanes penais respectivas (Comisso Interamericana de Direitos Humanos, Resoluo n 17/84 Caso-9178 (Costa Rica) OEA/Ser.L/V/II.63, doc.15, 2 de outubro de 1984). De outro modo, quem pertence a eles legalmente tem um privilgio que se nega aos demais, como expressou muito bem o Parecer da Corte.

12. Para fundamentar da mesma maneira como faz a Corte em seu Parecer, mas sobre a liberdade de associao, h de se concluir que a Lei n 4420, na medida em que o fato de tornar obrigatrio aos jornalistas o pertencimento ao Conselho de Jornalistas da Costa Rica para poderem exercer sua profi sso, uma corporao pblica cujos fi ns poderiam ser desempenhados por associaes criadas ao amparo da liberdade de associao, cria restries no permitidas pelo artigo 16 da Conveno e, por conseguinte, incompatvel com ele.

RAFAEL NIETO NAVIACHARLES MOYER

Secretrio

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DECLARAO DO JUIZ MXIMO CISNEROS

1. Assinei este Parecer Consultivo porque compartilho o raciocnio extensa e minuciosamente exposto no mesmo, que conduz s concluses alcanadas constituindo uma fi el e iniludvel interpretao da Conveno Americana sobre Direitos Humanos, a que devo ajustar-me na minha condio de Juiz.

2. Mas como homem de Direito no posso evitar uma profunda preocupao sobre os alcances que se possam dar mesma, segundo os critrios de interpretao que se empreguem e, no obstante que naturalmente respeito todos e cada um deles, acredito conveniente consignar meu prprio critrio, j que para mim foi determinante para concorrer com meu Voto a este Parecer, considerar que o texto adotado se concilia com minha interpretao pessoal.

3. Na minha opinio, o expressado no ponto Primeiro deste Parecer Consultivo no signifi ca a adoo de um conceito genrico de que o registro profi ssional obrigatrio de jornalistas deva desaparecer forosamente como condio indispensvel para que possa existir a liberdade de expresso.

4. Pessoalmente, acredito que os Conselhos de Jornalistas, em geral, so teis ao interesse social por que dentro de seus fi ns e atividades perseguem objetivos de evidente bem comum. Entre tais objetivos se pode citar, por exemplo, o importante trabalho que costumam realizar para conseguir a constante melhora na capacitao de seus membros, que os habilite para a adequada utilizao dos avanos tecnolgicos, em rpida evoluo em nossos tempos, que caracterstica das cincias da comunicao e, sobretudo, na indispensvel vigilncia da tica profi ssional.

5. Se h uma profi sso que requer de um Cdigo de tica Profi ssional e de uma zelosa e efetiva aplicao do mesmo, sem dvida a de jornalista, com uma preeminncia sobre qualquer outra profi ss