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Direito Canônico Texto do Padre André Luis Buchman de Andrade Encontrado no site: http://www.presbiteros.com.br/Direito%20Can %F4nico/Direito%20Can%F4nico.htm O que é Direito Canônico e sua importância dentro da Igreja? Em palavras simples digamos que Direito, em geral, é a forma de organização de qualquer tipo de sociedade. Sim, pois, se não houvesse o Direito não poderíamos falar em ordem, em organização, em respeito às pessoas, em respeito à propriedade, em honestidade nas relações. Direito é o que salvaguarda a justiça nas relações inter-subjetivas, ou seja, entre as pessoas. Isto se aplica tambem às instituições que não deixam de ser pessoas para o Direito. A palavra canônico é usada para designar algo da Igreja. Canon, que originariamente era como uma régua, um medidor, passou a ser um termo usado pela Igreja para definir os seus próprios assuntos, usos e costumes; portanto, tudo o que é canônico é da Igreja. Uma casa canônica é uma casa paroquial, por exemplo. E Direito Canônico é o Direito da Igreja Católica. Basicamente o Direito Canônico atual é composto por três documentos: Codex Iuris Canonici (C.I.C.) que, em português, traduz-se por Código de Direito Canônico; o Codex canonum Ecclesiarum Orientalium (C.C.E.O) ou Código dos cânones das Igrejas Orientais (referente às Igrejas em comunhão com o Papa, mas de outro rito como, por exemplo, a Igreja Católica Maronita) e ainda a Constituição Apostólica Pastor Bonus. Como curiosidade o Código de Direito Canônico atual foi promulgado em 1983 e o anterior era de 1917. Para termos uma idéia mais exata do que seja o Direito Canônico podemos nos basear no que diz o Novo Dicionário de Direito Canônico, da editora italiana San Paolo: 1) Essencial e globalmente direito canônico é o conjunto das relações entre os fiéis que possuem certas obrigações determinadas pelos vários carismas, sacramentos e ministérios e que criam regras de conduta; 2) positivamente falando (e este é um aspecto derivado do ponto número 1) o Direito Canônico é considerado um conjunto de

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Direito Cannico

Direito Cannico

Texto do Padre Andr Luis Buchman de Andrade

Encontrado no site: http://www.presbiteros.com.br/Direito%20Can%F4nico/Direito%20Can%F4nico.htm

O que Direito Cannico e sua importncia dentro da Igreja?

Em palavras simples digamos que Direito, em geral, a forma de organizao de qualquer tipo de sociedade. Sim, pois, se no houvesse o Direito no poderamos falar em ordem, em organizao, em respeito s pessoas, em respeito propriedade, em honestidade nas relaes. Direito o que salvaguarda a justia nas relaes inter-subjetivas, ou seja, entre as pessoas. Isto se aplica tambem s instituies que no deixam de ser pessoas para o Direito. A palavra cannico usada para designar algo da Igreja. Canon, que originariamente era como uma rgua, um medidor, passou a ser um termo usado pela Igreja para definir os seus prprios assuntos, usos e costumes; portanto, tudo o que cannico da Igreja. Uma casa cannica uma casa paroquial, por exemplo. E Direito Cannico o Direito da Igreja Catlica. Basicamente o Direito Cannico atual composto por trs documentos: Codex Iuris Canonici (C.I.C.) que, em portugus, traduz-se por Cdigo de Direito Cannico; o Codex canonum Ecclesiarum Orientalium (C.C.E.O) ou Cdigo dos cnones das Igrejas Orientais (referente s Igrejas em comunho com o Papa, mas de outro rito como, por exemplo, a Igreja Catlica Maronita) e ainda a Constituio Apostlica Pastor Bonus. Como curiosidade o Cdigo de Direito Cannico atual foi promulgado em 1983 e o anterior era de 1917. Para termos uma idia mais exata do que seja o Direito Cannico podemos nos basear no que diz o Novo Dicionrio de Direito Cannico, da editora italiana San Paolo: 1) Essencial e globalmente direito cannico o conjunto das relaes entre os fiis que possuem certas obrigaes determinadas pelos vrios carismas, sacramentos e ministrios e que criam regras de conduta; 2) positivamente falando (e este um aspecto derivado do ponto nmero 1) o Direito Cannico considerado um conjunto de leis e de normas positivas dadas pela autoridade legtima que regulam as relaes intersubjetivas na vida da comunidade eclesial. Muito ainda poderamos falar sobre o Direito, mas creio que seria conveniente que comessemos a entend-lo como importantssimo, essencial e insubstituvel para a organizao de uma sociedade. As leis podem mudar, os Cdigos podem ser refeitos e melhorados, mas o Direito enquanto tal faz parte da vida de uma sociedade que tem a necessidade de viver ordenadamente.

Quais os pontos que o sr. considera polmicos e por qu?

Eu trataria aqui de pontos polmicos que so opinies desde fora do ponto de vista do Direito ou do ponto de vista de algum que se dedica ao estudo do mesmo. No raro ouvimos dizer: "por que a Igreja precisa de Direito ou de um Cdigo de Direito?" Penso que a resposta j est implcita na questo anterior. Ningum vive sem o mnimo de organizao. Se prevalecesse nas sociedades, em geral, e tambm na Igreja somente a lei do mais forte teramos uma vida selvagem. O Direito, em qualquer parte do planeta, expressa nossos direitos e deveres. E claro que na Igreja todos agimos com boa vontade, mas todos podemos errar. Podemos at por desconhecimento cometer uma injustia. Para isso, temos o Direito Cannico, para evitar injustias. Outra idia que, infelizmente, se divulga que o Direito Cannico no pastoral, ou seja, no se preocupa tanto com a pastoral, com a evangelizao. Terrvel engano. H quem diga que o Direito da Igreja muito fechado. Felizmente o Direito Cannico extremamente pastoral, leva em conta a evangelizaao, a doutrina catlica, e no seu final (como que para usar uma chave de ouro) diz que a suprema lei da Igreja deve ser a salvao das almas.

Quando se fala em Direito Cannico se fala em Leis. Existe alguma lei que no conhecida do povo e que tem que ser respeitada dentro da Igreja? Qual (is)?

Direito no s lei, mas tambm lei. Digamos que no Cdigo de Direito Cannico esto as leis. O Direito vai alm. Trata-se de todo o trabalho em favor da administrao da justia. Colocar as leis por escrito num Cdigo s uma parte, ou s o final do trabalho. Antes existe muito estudo, muita reflexo, muitos anos de experincia. Depois de uma lei no papel tambm necessrio muito trabalho para entend-la, para fazer um processo, para aplic-la, para fazer um julgamento. Infelizmente muitos no conhecem os seus deveres, mas tambm podemos dizer nem os seus direitos. Ou porque no se estuda ou porque no se ensina. Nossas parquias deveriam ter cursos freqentes de Direito Cannico para os leigos. O Cdigo esta repleto de temas interessantes para cursos, palestras e demais modalidades de estudo como o batismo, o casamento, a confisso, a administrao de uma parquia, os conselhos paroquiais e diocesanos e uma longa lista de assuntos.

Casamento, milagres entram nas leis do Direito Cannico? Quais as diretrizes que so tomadas principalmente em relao ao casamento? E quais as diretrizes em relao aos milagres?

O Direito Matrimonial o mbito adequado do Direito que se dedica ao casamento. Trata desde a preparao celebrao do matrimnio, passando at pelos impedimentos matrimoniais e as dispensas que devem ser dadas. Trata ainda dos tribunais eclesisticos e dos processos de declarao de nulidade. De milagres o Direito no fala muito, mas entende-se, por exemplo, que tem competncia para isso a Congregao para a Causa dos Santos, no caso de um processo de canonizao (declarar uma pessoa santa), s para fazer um exemplo. Se a pessoa em vida, ou depois de morta, opera um milagre por sua intercesso competncia desta Congregao Vaticana, com seus peritos julgar. Cabe ao Direito remeter aos que verdadeiramente so competentes em determinados assuntos. Para dar um outro exemplo: o Cdigo de Direito Cannico no trata de normas litrgicas a respeito da celebrao da Missa. Remete tudo s instrues do Missal Romano. ali, e no no Cdigo, que esto as normas para serem seguidas na correta celebrao da Missa. Falando do Cdigo digamos que ele quando no fala de um assunto d uma pista para que saibamos onde procurar a soluo para nossa questo. Por Adriana Borges

SUBSDIOS CANNICOS AO DIREITO PROCESSUALTexto publicado por Francisco Caetano Pereira no site: http://www.unicap.br/rid/artigos2004/subsidioscanonicos.docTrata do levantamento do contributo do Direito Cannico ao Direito Processual. Registra a importncia da Igreja Crist desde seus primrdios no que diz respeito ao ordenamento jurdico do Imprio Romano, mormente a partir do sc. IV, quando a igreja de perseguida se torna religio oficial do dito imprio. Consigna o mister da legislao cannica nos ordenamentos jurdicos dos diversos pases, especialmente do perodo medieval. Ressalta o legado da Igreja Catlica no processo de humanizao e dulcificao do Direito.

Legado Cannico Direito Processual Humanizao do Direito

O Direito Cannico tem uma importncia enorme na histria do direito, tanto na esfera das instituies, quanto na da cultura jurdica. Na esfera das instituies, especialmente no processo e no conceito de jurisdio. dele que parte a reorganizao completa da vida jurdica europia, e as cortes, tribunais e jurisdies leigas, civis seculares, principescas, sero mais cedo ou mais tarde influenciadas pelo direito cannico. O processo do ius commune, que dominar a Europa at o sculo XVIII fundamentalmente criao tambm dos canonistas.

Jos Reinaldo de Lima Lopes A Igreja crist uma realidade histrica, por conseguinte, inserida no espao e no tempo, em permanente dilogo com a cultura que a acolhe. Isto significa dizer que tanto ela influencia como igualmente influenciada. Assim, no admira que a formao e a evoluo do direito moderno tenham recebido um pondervel legado das fontes cannicas. Mas ela , tambm, uma realidade transcendental que aponta para a eternidade. Por isso, possvel vislumbrar-lhe uma dupla face: uma visvel que ostenta uma estrutura palpvel com uma sociedade dotada de rgos hierrquicos, onde o Direito Cannico define papis e atitudes compartimentais e outra, a que configura a comunidade de f , centrada na esperana e na caridade e ornada com dons espirituais.

Com efeito, a face visvel da Igreja configurada em sociedade juridicamente organizada, exige hierarquia para que possa fazer valer todas aquelas normas necessrias ao funcionamento da sociedade eclesistica, considerando que a ausncia de normas e sua aplicao ensejam o arbtrio.

2 - Nos albores da Igreja nascente , as principais normas a regerem as comunidades crists so extradas diretamente do Novo Testamento. De fato, a se acham consignados no s as verdades que alimentam a f dos cristos, como tambm, os princpios sobre os quais se assentam o culto, a hierarquia e o seu modus vivendi . Sem embargo, ainda no possvel encontrar um ordenamento jurdico concebido nos moldes em que hoje so admitidos. Somente no sculo XII de nossa era que se pode vislumbrar uma atitude jurdica cientfica e apropriadamente definida.

Pode-se dizer que neste primeiro momento surgem j princpios e instituies jurdicas na Igreja que perduraro e se aperfeioaro em pocas posteriores. Numa anlise detida de sua organizao e atividade se descobre j um Direito, ainda que no puro, j que cientificamente no se encontra elaborado, aparecendo fragmentado e carente de unidade sistemtica e sem nenhuma pretenso de autonomia formal, dado que com freqncia se confunde com as restantes facetas da vida eclesistica: moral, liturgia e teologia. Guirola e Bartolom (2000:21).

3 sabido que at os primrdios do sculo IV da era crist, a Igreja se v forada a viver margem do Direito romano, considerando que alm de no ser reconhecida pelo poder imperial, vtima de intermitentes perseguies como o registra a Histria Universal. Muitos so os cristos que, na coroa do martrio, do testemunho de sua f em Jesus Cristo. Mas alguns (lapsi) sucumbem s exigncias do Imprio Romano e sacrificam aos deuses, para evitar a perseguio e quase sempre o martrio. Outros ainda, sem que tenham oferecido sacrifcio aos deuses, obtm um passe que os livraria dos rigores da legislao vigente (libellatici). Hervada e Lombarda (1996:104). Ante tais desafios cumpre Igreja sancionar e orientar aqueles que incidiram em tais fraquezas. Isto mais do que suficiente para justificar a existncia de normas jurdicas de natureza penal a fim de aplic-las a seus sditos, quando necessrio.

Por outro lado, ainda que ocioso, cumpre registrar que a Igreja no poderia prescindir totalmente do Direito romano. Tanto que a ele recorria quando necessitava legalizar certas reunies, ou resolver problemas pertinentes titularidade de bens destinados a comunidade crist para a consecuo de seus objetivos. Sem embargo, desde os primrdios, a recomendao da Igreja era de que se evitasse recorrer aos tribunais civis para a soluo de litgios, devendo-se, pois, em primeiro lugar, resolver as lides dentro da prpria comunidade. Obviamente, a justia eclesistica no configurava um verdadeiro poder judicirio e, portanto, no tinha nenhum significado fora das fronteiras da comunidade. Poder-se-ia, claro, falar-se de arbitragem.

Em linhas gerais, sem embargo, pode-se afirmar que a grande revoluo crist no que diz respeito aos princpios bsicos da convivncia se leva a cabo sem nenhum respaldo do Direito romano. Assim por exemplo, a idia de desprendimento com respeito aos bens deste mundo, o sentido da igualdade entre os homens ou a concepo crist do matrimnio comeam a informar a vida dos fiis sem que se modifique para nada o Direito romano (...) Esta marginalidade com respeito ao Direito romano se acentua se se tem em conta que este tinha um carter preferentemente jurisprudencial e, no entanto, os cristos movidos pelo conselho de S. Paulo (1 Cor 6, 1-6) evitavam levar suas causas aos magistrados pagos e as submetiam com freqncia arbitragem do Bispo ou de fiis prudentes. Hervada e Lombarda (1996:104)

4- Os primeiros textos cristos que denotam um carter jurdico cientfico, os cnones, de estilo legislativo e expressos em tom imperativo, so oriundos dos Conclios. A bem da verdade, eles ainda no podem ser considerados exclusivamente jurdicos, pois, no raro, esto mesclados com assuntos de natureza meramente dogmtica, o que no entanto, no os desqualificam como textos legislativos mais antigos da Igreja. Resumidamente, poder-se-ia dizer que o Direito cannico bebe da fonte do Direito Divino configurada principalmente na Sagrada Escritura e, em segundo lugar, da Patrstica , onde os Padres da Igreja fazem a exegese das Escrituras Sagradas e orientam a conduta dos fiis. Bebe tambm das fontes do Direito humano que tm como textos fundamentais as Colees Cannicas. E ainda recolhem o contributo das epstolas decretais (dos papas) e dos cnones dos Conclios.

Os primrdios do sculo IV da era crist, precisamente na segunda dcada, a Igreja experimenta uma profunda transformao, por conta do que se costuma chamar de Reviravolta Constantiniana. Com efeito, neste perodo, a Igreja j ostenta um pondervel desenvolvimento, marcando significativa presena no contexto do Imprio Romano. a, quando uma srie de Editos, como os de Galeno, Constantino e Licnio favorecem enormemente Igreja, pois, ao estabelecer o princpio da liberdade religiosa (Edito de Milo, 313) enseja a que as Comunidades crists possam expressar ostensivamente o seu culto, sem temor de perseguio e, mais tarde, por volta do ano de 380, com Teodsio I, Graciano e Valentiniano II, o cristianismo se torna religio oficial do Imprio.

A Igreja, agora, neste novo patamar, participando intimamente do poder civil no poderia deixar de influenciar e ser influenciada nas diversas formas de expresso da cultura romana, in casu, no Direito. Efetivamente, a influncia que o Direito da Igreja exerce sobre o Direito Romano muito mais de natureza moral, fomentando a sua humanizao e dulcificao, o que denota um vasto processo de cristianizao da cultura e, por conseguinte da cincia jurdica. Mas, as instituies jurdicas romanas, dotadas da melhor tcnica jurdica no teriam como serem modificadas, a no ser por outra melhor, ou pelo menos de igual perfeio, o que no correspondia ao Direito da Igreja.

Na esfera do direito processual - preocupao deste trabalho - , a legislao constantiniana mostra-se bastante avanada, ao introduzir verdadeiras garantias individuais aos litigantes. Tambm, sob influncia claramente crist estabelece a manumissio in ecclesia e, ainda, maior dignificao da pessoa humana nos institutos da tutela, da curatela, emancipao de filhos, dentre outros exemplos que poder-se-ia citar. De no menor significado, h sido o reconhecimento do tribunal do bispo (episcopalis audientia), pelo direito romano, como instituio pblica. A partir da, o tribunal do bispo passa a ter competncia para conhecer das causas cveis quando os litigantes forem cristos e qualquer um deles quisesse que a questo fosse apreciada pela episcopalis audientia. Poderia, tambm, um processo j em andamento num tribunal civil, passar a ser apreciado pelo tribunal do bispo. E um detalhe: deciso do tribunal episcopal no cabia recurso. Tucci e Azevedo (2001:21-22).

5 - Sabe-se que o processo levado a efeito na episcopalis audientia se desenvolve nos mesmos moldes da justia comum, se bem que mais simplificado. No entanto, aps a queda do Imprio Romano do Ocidente vem a sofrer pondervel influncia do processo germnico, como tambm do procedimento local. Aponta-se como prova dessa transformao a admisso pelo processo cannico dos chamados Juzos de Deus ou ordlias, como to bem os ilustram os duelos com toda a sua solenidade.

Apenas no sculo XI, o processo cannico vem a conhecer normas mais tcnicas as ordines judiciarii, que conferem sem qualquer laivo de dvida um carter de natureza cientfico-jurdica ao processo cannico. Graas a este fato e, tambm, crescente amplitude da atividade judicante dos tribunais eclesisticos, o direito processual, nestes adotado, resulta em aprecivel contribuio aos tribunais civis.

Santo Ivo de Chartres(1040-1116), patrono dos advogados, uma figura exponencial nesse momento histrico do direito cannico, por demonstrar, atravs de sua vasta obra, a ruptura com o processo barbrico de antes e o encaminhamento a um processo verdadeiramente eqo. Os j acima referidos, Tucci e Azevedo, enumeram, da lavra e da compilao de Ivo de Chartres a seguinte contribuio ao direito processual:

A bipartio do processo, ante litis contestationem e post litis contestationem, encontradia tanto no Decretum como na Panormia, segundo os autores, oriunda do mtodo tomado por emprstimo da arte retrica e se fundamenta na contraposio entre a lgica da controvrsia e a lgica da prova:

O entrelaamento entre o princpio da oralidade e a escritura que vai da tentativa de conciliao reduo a termo da sentena proferida:

O ordo de Ivo de Chartres pugna por maior amplitude de conhecimento das questes civis e criminais por parte da jurisdio da Igreja.

No que tange competncia, Ivo de Chartres emprega os critrios de territorialidade e o de valor (relevncia da causa).

Os litgios na esfera do direito cannico, tm no Papa o poder supremo que pode avocar a si qualquer causa em qualquer instncia.

No que diz respeito competncia recursal, o critrio a ser adotado o hierrquico, admitindo-se recurso diretamente Santa S.

A estrutura do processo, na concepo de Ivo de Chartres pressupe a presena de quatro pessoas: o juiz, o autor, o ru e a testemunha, como o preconiza o ordo. Os atos processuais ho de obedecer a uma dinmica que leve em conta a dimenso temporal, onde cada ato deve acontecer a seu momento.

O nus da prova cumpre ao autor: ei incumbit probatio, qui dicit, non qui negat. Com isso, Ivo de Chartres, reintroduz o sistema romano em substituio ao sistema probatrio germnico, atravs das ordlias, agora s admitidas como meio subsidirio de convencimento do juiz.

A sentena judicial deve ser prolatada segundo a conscincia do julgador.

A appellatio era concebida como oriunda do direito natural e deveria ser apresentada ao Juiz hierarquicamente superior, devendo ser interposta no lapso temporal de cinco dias .

6 - Nos meados do sculo XII, o Direito Cannico j assume uma configurao sistemtica, metdica e ordenada, graas meritria obra de um monge camaldulense, Graciano, considerado como o pater scientiae canonicae, e que se deu ao difcil labor de separar teologia do que representasse direito cannico. Com justa razo, o Decretum Gratiani, antes conhecido como Concordia discordantium canonum, representa um ponto da maior relevncia no processo de formao do direito cannico. Ele , na verdade, o marco de estabilizao do direito cannico.

No que tange ao processo cannico no perodo em tela, pode-se, dentre outras, apontar, consoante lecionam os j citados Tucci e Azevedo (2001: 51-52), as seguintes conquistas:

o desenrolar do processo se d sob os critrios do princpio do contraditrio;

O Decretum Gratiani consigna que o exerccio da jurisdio se expressa sob a gide da potestas iudicandi. (o poder de julgar);

A petio inicial (libelo introdutrio) d incio ao, seguindo-se a citao ( por ato escrito) e a contestao;

caracterizao da contumcia como crime de desobedincia;

a importncia do juramento e da prova testemunhal que se lhes reconhece importante valor de natureza moral;

o reconhecimento da restitutio in integrum como soluo para as sentenas inquas;

admite a apelao que, por sua vez, deve obedecer a alguns princpios, como: reexame da causa por um juiz superior; prazo de 10 dias para a apelao; o exame do recurso no admite inovao; admisso de desistncia do recurso; em litisconsrcio, a apelao extensiva aos demais;

7 No lapso temporal compreendido entre os sculos XIII-XV, costuma-se falar na consolidao do direito cannico. Esta tambm considerada a poca urea do direito processual cannico. Com efeito, aqui se consolida definitivamente o processo formal e escrito o qual dividido em termini ou stadia. Desse perodo o conhecido quoniam contra do IV Conclio de Latro que estabelece procedimentos que devem ser observados nas diversas fases do processo. Depois, pelas Bulas do Papa Clemente V, Saepe contigit e Dispendiosam introduzido o procedimento sumrio, via de regra, oral, como forma de dar celeridade soluo da lide.

Outra conquista que se deve registrar pertine reconveno. Duas Decretais contemplam o tema: a primeira, do Papa Alexandre III e a outra, do Papa Celestino III.

Mais uma conquista que merece registro a de que as sentenas, quer definitivas, quer interlocutrias, so passveis de recursos e constituem meios eficazes de reparao de erros ou equvocos cometidos no julgamento.

8 - Um grande momento na histria da Igreja , sem dvida, o Conclio de Trento (1547-1563). Nele, o direito cannico devidamente contemplado, pois, como se sabe, muitos institutos cannicos so, durante o Conclio em questo, esquadrinhados. E uma das decises da maior relevncia do direito cannico, especificamente, no campo processual, se configura na proibio de interposio de recursos contra as decises interlocutrias, excetuadas aquelas com fora de sentena definitiva. Este perodo , com razo, conhecido como de estabilizao do direito cannico, onde referncia prestigiada o Corpus Juris Canonici.

No obstante, todo o esforo do Conclio de Trento no escopo de fazer o direito cannico responder positivamente os reclamos da poca, somente, com os Papas Pio X e Bento XV que a Igreja vem a apresentar ao mundo o Codex iuris canonici, em maio de 1917, passando a vigir a partir de 1928. A questo processual tratada no livro quarto (De processibus) e vai dos cnones 1552 a 1998.

O vigente Cdigo de Direito Cannico, promulgado aos 25 de janeiro de 1983, passando a vigorar a partir de novembro do mesmo ano, teve seu processo de reviso gestado ainda no pontificado do Papa Joo XXIII, quando aos 26 de maro de 1963 cria a Comisso Pontifcia de Reviso do Cdigo de Direito Cannico. A questo processual definida no ltimo livro (stimo) do Cdigo e vai dos cnones 1.400 ao 1.752.

9 - Depois de respigar os diversos elementos de natureza cannica encontradios ao longo da histria da Igreja, no ser ocioso enumerar, pontuadamente, aqueles contributos mais significativos ao direito processual, propiciados pelo direito cannico desde os seus albores at o vigente cdigo. Dentre entre eles, e seguindo a trilha j delineada por Tucci e Azevedo, em sua obra Lies de Processo Cannico, poder-se- citar:

O instituto da conciliao e arbitragem cujas razes remontam igreja nascente, com suas comunidades de f e de amor assentadas sobre os ensinamentos bblicos, especialmente do Evangelho.

A notria influncia do processo cannico na sequncia dos atos processuais: priores iudices ad decisionem causas possunt procedere...(Decretais 1.3.3) e (Clementinas 5.11.2).

A importncia e a relevncia do processo: quod autem nullus sine indicatio ordine damnaria valeat. (Decretais 2.2.1).

A importncia do processo escrito: iudex debet habere notarium vel duos viros idoneos qui scribant acta iudicii (Decretais 2.19.11); libelli obligatione: Iudex non debet admittere actorem ad litigandum nisis prius libellus in scriptis offerat (Decretais 2.3.1).

Diviso do processo; termini ou stadia. Processo sumrio: simpliciter et de plano ac sine strepitu et figura iudicii (Clementina 5.11.2).

A questo da prescrio (Decretais 2.25.4)

A oposio de terceiro (Decretais 2.27).

Reconveno (Decretais 3.4).

Estado da pessoas (Decretais 2,27.7)

Advocati Pauperum (Decretais 1.22.1)

guisa de concluso, h-se de recordar que o direito processual como conhecido hodiernamente, detentor de um valioso legado oriundo do direito cannico, consoante se quis demonstrar nesta pequena investigao. Com isso, de um lado pode-se lamentar que o direito cannico j no seja objeto de estudo constante das grades curriculares das faculdades de direito, que no momento eclodem em todos os rinces deste pais, e do outro, faz-se um apelo no sentido de que mais juristas no permitam que caia no olvido as autnticas razes do direito, cuja humanizao e dulcificao so devidas ao cristianismo.

Biliografia:

AGUILAR Ros, Paloma e HERRERA BRAVO, Ramn, Derecho Romano y Derecho Cannico: Elementos Formativos de la sInstituciones Jurdicas Europeas, Editorial Comares, Granada, 1994, pp. 151

ACUA GUIROLA, Sara e DOMNGUEZ BARTOLOM, Roco, Influencia de las Instituciones Cannicas en la Conformacin del Orden Jurdico Civil a Travs de la Historia, vol I, Editora de Publicaciones Cientficas y Profesionales, Cdiz, 2000, pp. 338

MARZOA, A. et alii, Comentario Exegtico al Cdigo de Derecho Cannico, I vol., EUNSA, Pamplona, 1996

NASCIMENTO, Walter Vieira do, Lies de Histria do Direito, Editora Forense, 14 ed., Rio de Janeiro, 2002

TUCCI, Jos Rogrio Cruz e AZEVEDO, Luiz Carlos de, Lies de Processo Civil Cannico, Edit. Revista dos Tribunais, S.Paulo, 2001, pp. 241

Os conclios, que em princpio no foram freqentes ao bastar a autoridade de cada bispo para resolver os problemas que surgiam em sua comunidade, foram-se fazendo cada vez mais habituais na justa proporo das dimenses que a Igreja ia alcanando. No era fcil sua convocatria, pois a disperso dos bispos que regiam as Comunidades a dificultava. Neles se adotavam acordos, chamados tambm cnones para evitar sua confuso com as normas do Direito romano o nomoi que eram vinculantes para todas as Comunidades (Igrejas) representadas no mesmo. Guirola e Bartolom (2000:22-23)

A hostilidade aberta do Imprio para com o cristianismo comea a declinar no ano de 311, quando oficialmente o Imperador Galerio, ao mesmo tempo em que qualifica de obstinada a atitude dos cristos por no quererem voltar religio tradicional, lhes reconhece o direito de existncia legal. Ainda que esta qualificao transparea um juzo negativo do Imperador para com a atitude do cristianismo, contudo mostra tambm sua condescendncia ao ordenar que existam de novo os cristos e celebrem suas assemblias e cultos, contanto que no faam nada que contrarie a ordem pblica. Guirola e Bartolom (2000:45)

Esse gnero de obra jurdica sistemtica, que comea a ocupar um lugar de destaque na literatura da poca, continha a exposio da doutrina e da marcha do procedimento, desde o libelo introdutrio da demanda at os meios de impugnao. Tucci e Azevedo (2201:37)

O processo se iniciava com a tentativa de conciliao, que consistia em um ato informal cuja finalidade era a concrdia entre os litigantes. O fundamento desse instituto processual advm de valores da tica crist. Tucci e Azevedo (2001:38)

Em 1500, Jean Cappuis, licenciado em direito cannico da Universidade de Paris, publicou uma coleo contendo o Decreto de Graciano, as Decretais de Gregrio IX, o Sexto de Bonifcio VIII, as Clementinas e as Extravagantes , e a intitulou de Corpus Iuris Canonici Tucci e Azevedo (2001:58)

Cf Tucci e Azevedo (2001:160-162)