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1. O contexto histórico

A época em que viveu Fernando Pessoa – e queserviu de pano de fundo para a confecção de Mensagem– é marcada por mudanças relevantes e nada positivas nasociedade portuguesa. Em 1890, quando o poeta estavacom dois anos, Portugal havia sofrido o humilhanteUltimato Inglês. De maneira vergonhosa morria o sonholusitano de reerguer a nação inserindo-a no contexto doneocolonialismo. O resultado é o espírito de desencantoda intelectualidade da época, já visto, por exemplo, nogrupo Os Vencidos da Vida, do qual fazia parte Eça deQueirós (1845-1900). A identidade nacional, que vinhacambaleando desde a derrocada do império portuguêscom o desaparecimento de D. Sebastião em 1578, apesardas tentativas de resgate tanto no período românticoquanto no realista, sofre um tropeço sério na virada doséculo XIX para o XX. Trata-se de um período dominadopor conturbações político-sociais que culminarão com oassassinato dos membros da família real portuguesa(1908) e a implantação da república (1910). Natural,portanto, que em uma conjuntura de crise surgissemideais nacionalistas ligados à tradição lusitana, outroragrandiosa. É nesse caldo que se encaixa Fernando Pessoae o seu Mensagem.

2. O autor

Fernando Antônio Nogueira Pessoa (1888-1935) éum dos maiores poetas da língua portuguesa,ombreando-se e, em alguns momentos, talvez superandoo maior de todos eles, Luís de Camões (1524?-1580).Tornou-se célebre por ter criado várias personalidadespoéticas, os famosos heterônimos, entre os quais AlbertoCaeiro (mestre de todos os outros, defensor dasimplicidade do não pensar em nome da apreensão da

realidade por meio apenas das sensações), Álvaro deCampos (futurista que oscila entre a euforia diante damodernidade da técnica e a depressão diante do vazio daexistência) e Ricardo Reis (personalidade tão apegada àtradição que não se imagina no século XX, mas naAntiguidade Clássica). O mais interessante é que, nesseprocesso de invenção de identidades poéticas, oOrtônimo, ou seja, o Fernando Pessoa que assina por seupróprio nome, não deixa de ser também um eu fictício,marcado pelo saudosismo. Este é que é o autor deMensagem, o único livro que o autor chegou a editar.

3. As obras

a) Poesia

Mensagem (1934). Único livro, em língua portu guesa,editado em vida. Poemas de sentido místico-nacio nalista.Esse tema se encontra também nas obras:

– À Memória do Presidente-Rei Sidônio Pais;– O Quinto Império;– Cancioneiro.

Poemas Dramáticos, incluindo o drama estático O Marinheiro.

Quadras ao Gosto Popular.Poemas Ingleses – Poemas Franceses – Poemas

Traduzidos.Poemas de Alberto Caeiro.Odes de Ricardo Reis.Poesias de Álvaro de Campos.Poesias de Fernando Pessoa.

MENSAGEM

AULAS ESPECIAISAS OBRAS DA FUVEST

PORTUGUÊS

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b) Prosa

Livro do Desassossego, por Bernardo Soares.Páginas Íntimas e de Autointerpretação.Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literária.Textos Filosóficos.Sobre Portugal – Introdução ao Problema Nacional.Da República.Ultimatum e Páginas de Sociologia Política.Cartas de Amor.Textos de Crítica e de Intervenção.

4. Mensagem: breves considerações

Única obra poética que Fernando Pessoa editou,Mensagem fez parte de um concurso nacionalista. Consa -grou-se a versão de que o livro ficou em segundo lugar,quando na verdade recebeu um prêmio em uma segundacategoria (e não de segunda categoria, outra versão quetambém se espalhou). O motivo é que os julgadoresreconheciam o valor inquestionável da obra, mas nãopode riam dar-lhe a primeira colocação porque ela nãoatingia o número mínimo de páginas exigido pelo regula -mento. Fato é que o ganhador do prêmio principal mer -gu lhou na obscuridade, por causa de suas medíocreslimitações estéticas, e o segundo ganhador até hoje élido, estudado e amado.

Mensagem nasceu em um contexto conturbado nasociedade portuguesa, o que provocou uma crise naautoestima lusitana, que já vinha se arrastando desde1580. Basta lembrar que o glorioso império português,cantado em Os Lusíadas (1572), de Camões, sofreu, como desaparecimento de D. Sebastião em 1578, umaderrocada da qual não mais se recuperou. Veio o domínioespanhol em 1580, encerrado com a Restauração em1640, mas desde então a pujança conquistada pelasgrandes navegações não foi mais resgatada, havendo, aocontrário – apesar das luzes do governo de Marquês dePombal (1750-1777) –, um definhamento que encontrouvários pontos críticos: a invasão napoleônica e a fuga dafamília real para o Brasil (1808), a guerra civil portu -guesa (1832-1834), o Ultimato Inglês (1890), o assas -sinato do rei e do possível herdeiro (1908), a implan taçãoproblemática da república (1910).

Quando se tem em mente uma conjuntura tãoconturbada, entende-se, pelo menos, a situação que

inspirou Mensagem. Essa obra, não é absurdo declarar, éde fato uma mensagem de esperança para um Portugalperdedor do status esplendoroso obtido pela expansãomarítima. Daí o tom saudosista que alguns de seuspoemas mais famosos assumem, como “Padrão”:

O esforço é grande e o homem é pequeno.Eu, Diogo Cão, navegador, deixeiEste padrão ao pé do areal morenoE para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.Este padrão sinala ao vento e aos céusQue, da obra ousada, é minha a parte feita:O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceanoEnsinam estas Quinas, que aqui vês,Que o mar com fim será grego ou romano:O mar sem fim é português.

E a Cruz ao alto diz que o que me há na almaE faz a febre em mim de navegarSó encontrará de Deus na eterna calmaO porto sempre por achar.1

Esse poema fala de Diogo Cão, navegador portuguêsque contribuiu com duas viagens (em 1482 e 1486) paraexpandir os limites do mundo conhecido pelos europeus.Já no seu primeiro verso, cria-se a figura clássica doherói como alguém que faz aquilo que ultrapassa o limitehumano, ou seja, como alguém que realiza um “esforço[...] grande” que supera o caráter do “homem” como“pequeno”.

Outros trechos contribuem para esse processo deenaltecimento: na segunda estrofe, trabalha-se a oposiçãoentre a divindade da alma humana e a imperfeição de suaobra, que, ainda assim, é ousada – por, como já se disse,suplantar a pequenez do homem.

Quando se tem em mente que esse marinheiro é umportuguês, entende-se a magnanimidade que é atribuídaao seu povo, como se nota na terceira estrofe: o mar comfim era grego e romano – alusão ao Mar Mediterrâneo,que foi navegado pelo povo de Grécia e Roma; o marsem fim é português – alusão aos oceanos Atlântico,Pacífico e Índico, navegados pelas caravelas de Portugal.

Nesse ponto, é interessante e muito válido notar quehá um diálogo latente com a terceira estrofe de Os Lusíadas:

1 PESSOA, Fernando. Mensagem. Cotia (São Paulo): Ateliê Editorial, 2015, p. 131.

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Cessem do sábio Grego e do TroianoAs navegações grandes que fizeram;Cale-se de Alexandro e de TrajanoA fama das vitórias que tiveram;Que eu canto o peito ilustre Lusitano,A quem Netuno e Marte obedeceram.Cesse tudo o que a Musa antiga canta,Que outro valor mais alto se alevanta.2

Nessa estrofe, Camões pede para que se esqueçam:as grandes navegações feitas pelo sábio grego (Ulisses,personagem de A Odisseia, poema épico grego escritopor Homero no século VIII a.C.) e pelo sábio troiano(Eneias, protagonista da Eneida, epopeia romana escritapor Virgílio no século I a.C.); as grandes vitórias bélicasde Alexandre, imperador grego, e de Trajano, generalromano que depois se tornou imperador; tudo o que amusa (metonímia para literatura) do mundo helêniconarrou. O motivo: um outro valor mais alto, o português,estava surgindo graças à expansão marítima.

Essa coincidência temática, que funciona quasecomo um eco, revela que Mensagem dialoga constan -temente com Os Lusíadas. Por um lado, essa conversaatende ao desejo de Fernando Pessoa de se buscar umsupra-Camões, uma figura poética que libertasse aliteratura lusitana dos limites da supervalorizaçãoatribuída ao maior poeta de Portugal. Por outro, essacoincidência de tema se deve ao fato de se estar lidandocom o mesmo repertório cultural que faz parte efeito danação: as grandes navegações, que deram um caráterépico aos marinheiros portugueses.

Quanto a “Padrão”, há mais aspectos dignos de relevopara a análise de Mensagem. Esse poema possi bilita infe -rir que, para o eu poemático, os feitos lusitanos, dos quaisas navegações de Diogo Cão seriam metoní mias (a parterepresentando o todo), acabam divinizados, pois se in se remnum suposto projeto de Deus: “da obra ousa da, é minha aparte feita: / O por-fazer é só com Deus”. Dentro desseespírito, o mais importante acaba sendo não o fato histó -rico em si, mas o que ele repre senta: a supe ra ção delimites, metaforizada em imagens ligadas ao além – “Epara diante naveguei”, “O porto sempre por achar”.

Nesse ponto, um aspecto muito importante precisaser ressaltado em Mensagem. É inquestionável que essaobra se refira ao contexto português, marcado pelapujança ocasionada pelas grandes navegações e, por isso

mesmo, traumatizado com a perda dessa opulência, o quejustificaria, para alguns, o saudosismo típico desse povo.No entanto, o que torna esse livro mais valoroso é que eleconsegue se conectar com um diferente plano semântico,mais amplo e até universal – daí ele interessar a outrospovos, como o brasileiro. Quando, por exemplo, no pri -meiro verso o eu poemático declara que “o esforço égrande e o homem é pequeno”, ele nos faz entender umaspec to que marca a condição humana – e que nos dife -rencia dos outros animais, engrandecendo-nos. Passa-sea mensagem (e não parece mera coinci dên cia a escolhadessa palavra) de que o que nos torna huma nos – e divi -nos – é a capacidade de superação dos nossos próprioslimi tes. Essa habilidade está ligada à ousadia, que nosagiganta e que por isso é vista como essencial em váriosmomentos de Mensagem. Basta lembrar “D. Sebastião, Rei dePortugal”:

Louco, sim, louco, porque quis grandezaQual a Sorte a não dá.Não coube em mim minha certeza;Por isso onde o areal estáFicou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomemCom o que nela ia.Sem a loucura que é o homemMais que a besta sadia,Cadáver adiado que procria?3

Como é comum em Mensagem, o texto se abre paradois planos. O primeiro deles é histórico, referindo-se aD. Sebastião, que, último rei do glorioso império portu -guês, desapareceu em agosto de 1578 no deserto deAlcácer Quibir, em Marrocos. Sua ação temerária delutar contra os mouros pode ser rotulada como lou cu ra –ou ousadia – por colocar em risco o futuro de Portu gal, oque de fato ocorreu: como D. Sebastião não tinha esposanem herdeiros, seu sumiço em combate pro vo cou umacrise sucessória que teve por conse quên cia o domínioespanhol em 1580. Mas no poema acima, em que seimagina a resposta do monarca às críticas por sua teme -ridade, aparece a justificativa de que ela foi válidaporque seguiu o princípio enobrecedor de superar limi -tes. Daí a ideia de que o ser que houve, carnal, limitado,ficou no deserto, abrindo caminho para um mais amplo,ideal e inspirador: “Por isso onde o areal está / Ficou meuser que houve, não o que há”.

2 CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Porto: Editora do Porto, 2006, p. 71. 3 PESSOA, Fernando. Mensagem. Cotia (São Paulo): Ateliê Editorial, 2015, p. 109.

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Nesse ponto, estabelece-se uma conexão com o outroplano semântico do poema (e do livro): seu tema refere-setambém a uma realidade universal: é a loucura – ouousadia – que dá sentido ao ser humano. O que nos tornadivinos é a já referida superação de limites. Quando issonão acontece, perdemos nosso caráter divino, não somoshomens, apenas “bestas sadias”. Já estamos mortos paraa divindade, o que explica a expressão “cadáver adiadoque procria”. Falecemos espiritualmente e estamos aquino plano terreno procriando, cumprindo nossas limita -ções até o final da vida material e mesquinha.

Essa doutrina é a constante que orientará Mensagem.Podemos vê-la, por exemplo, em um de seus mais famo -sos poemas, “Mar Português”:

Ó mar salgado, quanto do teu salSão lágrimas de Portugal!Por te cruzarmos, quantas mães choraram,Quantos filhos em vão rezaram!Quantas noivas ficaram por casarPara que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma não é pequena.Quem quer passar além do BojadorTem que passar além da dor.Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele é que espelhou o céu.4

Esse poema prova como Mensagem faz parte de umprojeto coerente, pois está ligado a ideais presentes emtoda a obra. Em primeiro lugar, há a referência ao con -texto histórico da expansão marítima portuguesa. E, nocaso específico de “Mar Português”, essa conexão é tão forteque se tornou lugar-comum associá-lo a Os Lusíadas,mais precisamente ao discurso que se encontra noepisódio do Velho do Restelo. No entanto, a perso na gemcamoniana condenava as navegações, chegando aamaldiçoar quem inventou o navio (“seco lenho”):

Oh! Maldito o primeiro que, no mundo, Nas ondas vela pôs em seco lenho! Dino5 da eterna pena do Profundo, Se é justa a justa Lei que sigo e tenho! Nunca juízo algum, alto e profundo, Nem cítara sonora ou vivo engenho, Te dê por isso fama nem memória,6

Mas consigo se acabe o nome e glória!

O eu poemático pessoano assume perspectiva oposta.Não deixa de ter uma visão crítica, convergente com a doVelho do Restelo, pois também reconhece os prejuízosdas navegações para o povo português: “Quantos filhosem vão rezaram! / Quantas noivas fica ram por casar / Paraque fosses nosso, ó mar!”. No en tanto, o enunciador de“Mar Português” afasta-se da perso nagem quinhentista aovalidar a expansão marítima portu guesa: “Valeu a pena?Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena”. E mais umavez é colocado em ação o con junto de valores quenorteiam Mensagem: o livro aplica-se tanto ao contextohistórico de Portugal quanto ao espírito humano em geral:há a defesa de que a alma, quando não é pequena, ou seja,quando é grandiosa, justi fica qualquer ação. Há ainda, nosquatro últimos versos, a expressão do ideal de que todaconquista se dá apenas de forma dolorosa: sofrimento eglória caminham juntos.

E para a confecção desse projeto, que servirá tantopara resgatar a autoestima da nação portuguesa quantopara enobrecer o espírito humano, Fernando Pessoa divi -dirá Mensagem em três partes, todas carregadas de sim -bo lo gia não só no texto de cada poema, mas na distri -buição dos seus componentes.

A primeira dessas três partes recebeu o nome de“Brasão”, refe rindo-se às figuras que compõem o escudode Portugal, reproduzido abaixo:

4 PESSOA, Fernando. Mensagem. Cotia (São Paulo): Ateliê Editorial, 2015, p. 147.5 Dino; digno6 CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Porto: Editora do Porto, 2006, p. 190.

V. O Timbre (3)

IV. A Coroa (1)

III. As Quinas (5)

II. Os Castelos (7 + 1)

I. Os Campos (2)

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Cada um dos cinco integrantes do brasão portuguêscorres ponde a um dos poemas que compõem essaprimeira parte de Mensagem, na seguinte ordem:

I. OS CAMPOS1. “O dos Castelos”;2. “O das Quinas”.

II. OS CASTELOS1. “Ulisses”;2. “Viriato” (?-140 a.C.);3. “D. Henrique” (1057?-1112);4. “D. Tareja” (1091-1130);5. “D. Afonso Henriques” (1109?-1185);6. “D. Dinis” (1261-1325);7. “D. João o Primeiro” (1357-1433);7. “D. Filipa de Lencastre” (1360-1415). 7

III. AS QUINAS1. “D. Duarte, Rei de Portugal” (1391-1348);2. “D. Fernando, Infante de Portugal” (1402-1443);3. “D. Pedro, Regente de Portugal” (1392-1449);4. “D. João, Infante de Portugal” (1400-1442);5. “D. Sebastião, Rei de Portugal” (1554-1578).

IV. A COROA“Nun’Álvares Pereira” (1360?-1431).

V. O TIMBREA Cabeça do Grifo – “O Infante D. Henrique”

(1394-1460).Uma Asa do Grifo – “D. João o Segundo”

(1455-1495)A Outra Asa do Grifo – “Afonso de Albuquerque”

(1462?-1515)

De acordo com o Dicionário Houaiss, brasão é o

conjunto de figuras que compõem escudo de famíliasnobres, cidades, corporações, Estados etc. (e, mais rara -mente, de indivíduos), no qual aparecem ele mentos,como cores, peças, atributos, ornatos etc., consa gradospela heráldica.8

Sua função, pois, é a de representar uma identidade.Fernando Pessoa colocou, portanto, em “Brasão”, asfigu ras históricas que contribuíram para a construção danação portuguesa, começando por Ulisses:

Ulisses

O mito é o nada que é tudo.O mesmo sol que abre os céusÉ um mito brilhante e mudo —O corpo morto de Deus,Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,Foi por não ser existindo.Sem existir nos bastou.Por não ter vindo foi vindoE nos criou.

Assim a lenda se escorreA entrar na realidade,E a fecundá-la decorre.Em baixo, a vida, metadeDe nada, morre. 9

Ulisses é o herói grego da Odisseia, tido miticamentecomo o fundador de Lisboa e, por extensão, da naçãoportu guesa. Segundo a lenda, o nome da capital portu -guesa seria derivado de “Ulissipona”, que quer dizer“cidade de Ulisses”. Inaugura-se assim a história míti cade Portugal com a exaltação paradoxal do caráter pura -mente ideal dos feitos de seu herói, que “sem existir nosbastou” (segunda estrofe), ou seja, sem existir na reali -dade, constituiu o fundamento suficiente da reali dade dosportugueses. Observe-se o recurso às contra dições agu -das, ou oximoros, ou paradoxos (“O corpo morto deDeus, / Vivo e desnudo”; “Por não ter vindo foi vindo”,etc.), presentes nesse poema que proclama o prima do domito (“o nada que é tudo”, o oximoro inau gural) em rela -ção à vida (“metade de nada”), que sem ele pere ce. Emoutras palavras, é o mito que dá vida à própria vida.

Outra figura basilar, mas não mais no plano da ficçãomítica, é Viriato:

Viriato

Se a alma que sente e faz conheceSó porque lembra o que esqueceu,Vivemos, raça, porque houvesseMemória em nós do instinto teu. 7 D. João I e D. Filipa de Lencastre, casados, são colocados, na lógica de Mensagem,

em uma realidade única. Por causa disso, são, juntos, o sétimo momento de “OsCastelos”.

8 Heráldica é a arte ou a ciência que se dedica a estudar brasões. 9 PESSOA, Fernando. Mensagem. Cotia (São Paulo): Ateliê Editorial, 2015, p. 83.

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Nação porque reencarnaste,Povo porque ressuscitouOu tu, ou o de que eras a haste –Assim se Portugal formou.

Teu ser é como aquela friaLuz que precede a madrugada,E é já o ir a haver o diaNa antemanhã, confuso nada.10

Viriato é o pastor que lutou na resistência dos lusita -nos contra a invasão romana. Traído por oficiais que sedeixa ram subornar pelo invasor, foi assassinado em 140a.C. Ele ocupa em Mensagem, ao lado de Ulisses, o lugarreservado aos precursores de Portugal, visualizados pelopoeta na Antiguidade greco-latina. Desde o início dopoema, especialmente nos dois versos iniciais, é possívelnotar a presença do filósofo grego Platão, com sua teoriada remi niscência, segundo a qual o conhecimento huma noresulta do fato de nossa alma recordar-se de uma expe -riência anterior por que passou no mundo transcen dentedas ideias, ou das puras formas. Em “Viriato”, de modosemelhante, a “raça” portuguesa reconhece a pró pria iden -tida de porque essa se fundamenta na enigmática me móriados gestos daquele combatente, cujo ser se encon tra “naantemanhã” de Portugal. Assim, os portu gueses existiriamcomo nação por serem uma reencar nação de Viriato eseriam um povo graças à ressurreição do pró prio Viriatoou daquilo que o animava. Deve ser notada, também, asugestão de que Viriato poderia ter sido o instrumento oua revelação de uma potência trans cen dente que operou aformação de Portugal, como dá a entender a segundaestrofe, particularmente o sétimo verso: “Ou tu, ou o deque eras a haste” (ou seja, o meio, o suporte).

Após lidar com as figuras que participaram da cons -trução do reino lusitano em poemas que ora estão em ter -ceira pessoa, ora em primeira (polifonia presente emoutros momentos da obra), o discurso de Mensagem enca -mi nha-se para a segunda parte, “Mar Português”, quepossui os seguintes poemas:

1. “O Infante”;2. “Horizonte”;3. “Padrão”;4. “O Mostrengo”;5. “Epitáfio de Bartolomeu Dias”;6. “Os Colombos”;7. “Ocidente”;

8. “Fernão de Magalhães”;9. “Ascensão de Vasco da Gama”;10. “Mar Português”;11. “A Última Nau”;12. “Prece”.

O assunto agora é a expansão marítima portuguesa,que fez com que Portugal mudasse de nação para impé rio.Começa-se retomando a figura do Infante D. Henri que, jámencionado em “Brasão”. Filho do rei D. João I, foi ogrande impulsionador das grandes navegações. Citá-loaqui é uma espécie de conexão com as origens dePortugal, como se as grandes navegações fizessem partedo destino lusi tano desde a sua origem. Mas é válidodestacar, entre outros momentos grandiosos dessa segun -da parte da obra, além de “Padrão” e “Mar Português”, jácitados e analisados, “O Mostrengo”:

O mostrengo que está no fim do marNa noite de breu ergueu-se a voar;À roda da nau voou três vezes,Voou três vezes a chiar,E disse: “Quem é que ousou entrarNas minhas cavernas que não desvendo,Meus tetos negros do fim do mundo?”E o homem do leme disse, tremendo:“El-Rei D. João Segundo!”

“De quem são as velas onde me roço?De quem as quilhas que vejo e ouço?”Disse o mostrengo, e rodou três vezes,Três vezes rodou imundo e grosso,“Quem vem poder o que só eu posso,Que moro onde nunca ninguém me visseE escorro os medos do mar sem fundo?”E o homem do leme tremeu, e disse,“El-Rei D. João Segundo!”

Três vezes do leme as mãos ergueu,Três vezes ao leme as reprendeu,E disse no fim de tremer três vezes,“Aqui ao leme sou mais do que eu:Sou um Povo que quer o mar que é teu;E mais que o mostrengo, que me a alma temeE roda nas trevas do fim do mundo,Manda a vontade, que me ata ao leme,De El-Rei D. João Segundo!”11

Quarto poema de “Mar Português”, “O Mostrengo” é,dos textos de Mensagem, o que possivelmente mantém

10 PESSOA, Fernando. Mensagem. Cotia (São Paulo): Ateliê Editorial, 2015, p. 85. 11 PESSOA, Fernando. Mensagem. Cotia (São Paulo): Ateliê Editorial, 2015, p. 132-133.

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com Os Lusíadas a relação mais clara. Com ele, Pessoaalude ao conhecido episódio em que Camões narra oencontro dos portugueses, liderados por Vasco da Gama,com o gigante Adamastor, símbolo dos perigos do mar edos obstáculos que se interpunham à aventura lusitana, nocaso, o Cabo das Tormentas, na África. Em “O Mos -trengo”, porém, o comandante que se confronta com odeus das trevas e das fronteiras extremas permanecepropo si ta damente anônimo, o que, no entanto, só confir -ma a sua função de representante dos navegantes portu -gueses como um todo: “Aqui ao leme sou mais do queeu: / Sou um Povo que quer o mar que é teu” (terceiraestrofe). A resposta que dá ao Mostrengo, decla rando-seenviado por “El-Rei D. João Segundo” (refrão dopoema), tampouco implica uma definição particular desua figura, uma vez que sob esse reinado várias con -quistas marítimas de vulto se realizaram, como a entradade Diogo Cão no Zaire e a passagem de Bartolomeu Diaspelo Cabo das Tormentas, no extremo sul da África(depois rebatizado, eufemisticamente, como Cabo daBoa Esperança).

Outro poema digno de nota para a compreensão dacons ciência que Fernando Pessoa desenvolve em Mensa gem é “Ocidente”:

Com duas mãos — o Ato e o Destino —Desvendamos. No mesmo gesto, ao céuUma ergue o facho trêmulo e divinoE a outra afasta o véu.

Fosse a hora que haver ou a que haviaA mão que ao Ocidente o véu rasgou,Foi alma a Ciência e corpo a OusadiaDa mão que desvendou.

Fosse Acaso, ou Vontade, ou TemporalA mão que ergueu o facho que luziu,Foi Deus a alma e o corpo PortugalDa mão que o conduziu.12

“Ocidente”, sétimo poema da segunda parte, “MarPortuguês”, versa de forma detida uma ideia presente emdiversos poemas de Mensagem. Uma vez sugerida anoção de que os heróis da história portuguesa poderiamser personagens de um enredo tramado por uma potênciaque os transcendia, resta então compreender que espéciede participação propriamente humana há na definiçãodessa mesma história. “Ocidente” oferece uma resposta a

essa questão, formulada nos termos de uma dualidade: nomes mo gesto de “desvendar” (isto é, de “tirar o véu”),estão presentes duas coisas, “o Ato e o Destino”, simbo -lizados, no texto, pelas duas mãos. Uma delas é o “Ato”responsável pela própria ruptura do véu (a ultrapassagemdas fronteiras do Ocidente, tema da segunda estrofe) e aoutra é o “Destino”, que fornece a luminosidade neces -sária à visão e consciência dessa mesma ruptura (tema dater ceira estrofe). Curiosamente, Pessoa confere a ambasas mãos assim divididas as marcas de uma segunda duali -dade, a do corpo e da alma, tornando desse modo indis -solúveis os laços do saber e da prática (“Foi alma a Ciên -cia e corpo a Ousadia”, segunda estrofe) e também oselos entre o plano divino e humano (“Foi Deus a alma eo corpo Portugal”, terceira estrofe). Esse poema reforçaa ideia de que, em Mensagem, os heróis cumprem umdestino que os ultrapassa, e a his tó ria pátria obedece aum plano oculto: Portugal é um instrumento de Deus.

No entanto, esse projeto grandioso sofre um des mo -ro namento, expresso nos dois últimos poemas de “MarPortuguês”. O primeiro deles é “A Última Nau”:

Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,E erguendo, como um nome, alto o pendãoDo Império,Foi-se a última nau, ao sol aziagoErma, e entre choros de ânsia e de pressagoMistério.

Não voltou mais. A que ilha indescobertaAportou? Voltará da sorte incertaQue teve?Deus guarda o corpo e a forma do futuro,Mas Sua luz projeta-o, sonho escuroE breve.

Ah, quanto mais ao povo a alma falta,Mais a minha alma atlântica se exaltaE entorna,E em mim, num mar que não tem tempo ou ‘spaço.Vejo entre a cerração teu vulto baçoQue torna.

Não sei a hora, mas sei que há a hora,Demore-a Deus, chame-lhe a alma emboraMistério.Surges ao sol em mim, e a névoa finda:A mesma, e trazes o pendão aindaDo Império.13

12 PESSOA, Fernando. Mensagem. Cotia (São Paulo): Ateliê Editorial, 2015, p. 141. 13 PESSOA, Fernando. Mensagem. Cotia (São Paulo): Ateliê Editorial, 2015, p. 149.

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O tema desse poema é a conhecida partida de D. Sebastião para, em nome do cristianismo, lutar contraos mouros em Alcácer Quibir. Pessoa insere nesse episó -dio o tom místico que está em todo o Mensagem, como senota nos três últimos versos da primeira estrofe: “Foi-se aúltima nau, ao sol aziago / Erma, e entre choros de ânsiae de pressago / Mistério”. O desaparecimento desse mo -narca alimentará o mito messiânico do sebastianismo, ouseja, do retorno do rei que reerguerá o império e cumpriráa vontade de Deus. Mas, enquanto essa promessa não secumpre, Portugal passa a mergulhar em um contextosombrio, como anuncia o poema seguinte, “Prece”:

Senhor, a noite veio e a alma é vil.Tanta foi a tormenta e a vontade!Restam-nos hoje, no silêncio hostil,O mar universal e a saudade.

Mas a chama, que a vida em nós criou,Se ainda há vida ainda não é finda.O frio morto em cinzas a ocultou:A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem — ou desgraça ou ânsia —,Com que a chama do esforço se remoça,E outra vez conquistemos a Distância —Do mar ou outra, mas que seja nossa!14

Décimo segundo poema de “Mar Português”, “Prece”encerra a segunda parte de Mensagem e antecipa o tomgrave e melancólico dominante na terceira parte do livro,“O Encoberto”, que tematiza o eclipse do impérioportuguês e reclama o retorno de D. Sebastião, ou “ODesejado”. Sobrevém aqui a obscuridade (“a noite”), e oespírito, de arrebatado e elevado, agora se rebaixa (“aalma é vil”). Privado do império, resta a Portugal “O maruniversal”, isto é, o recomeçar a grande aventura do espí -rito: “E outra vez conquistemos a Distância — / Do marou outra, mas que seja nossa!”. Esse é o objetivo da preceque, interessada em renovar “a chama do esforço”português, roga uma vez mais pelo “sopro, a aragem – oudesgraça ou ânsia”.

A terceira parte, “O Encoberto”, trabalha, como jádito, a ideia da esperança do retorno de D. Sebastião parareerguer Portugal e torná-lo o Quinto Império, que, cum -prindo a profecia bíblica de Daniel, assumiria o papel derepresentação da cristandade. É a manifestação do mitodo sebastianismo. E, para se alcançar essa meta, seria

necessário trilhar um árduo caminho de sofrimento eexpurgo, o que seria condizente com a situação em quese encontrava Portugal à época de Fernando Pessoa. Háde se lembrar que é possível inferir que esse império, oreino de Deus, não estaria necessariamente no planoterreno, mas no além – proposta coerente com os ideaisexpressos em vários poemas de Mensagem. No entanto,enquanto esse evento não se concretiza, resta ao eu poe -mático entregar-se a uma mistura de desencanto, melan -colia (sentimentos baseados no momento deca dente emque se encontra Portugal) e expectativa quanto à reden -ção com o retorno do rei prometido (sentimento focado nofuturo). Exemplar é “Nevoeiro”, o último poema da obra:

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,Define com perfil e serEste fulgor baço da terra Que é Portugal a entristecer —Brilho sem luz e sem arderComo o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.Ninguém conhece que alma tem,Nem o que é mal nem o que é bem.(Que ânsia distante perto chora?)Tudo é incerto e derradeiro.Tudo é disperso, nada é inteiro.Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!

Valete, Fratres.15

“Nevoeiro” é o título significativo do poema que en -cer ra o livro visionário que é Mensagem. O contornoimpreciso ou contraditório do Portugal contemporâneo(“fulgor baço”, “brilho sem luz”) associa-se ao dramauni ver sal da identidade (“Ninguém conhece que almatem”), questão primeira de Pessoa, poeta dos heterô -nimos. Os paradoxos (“Que ânsia distante perto chora?”)surgem, nesse poema, como sinal de queda em um planoinferior de compreensão e definição do ser: “Tudo édisperso, nada é inteiro”. Eis a razão para a exortaçãofinal a Portugal (“É a hora!”), a fim de que se abandoneo triste torpor que domina a nação. A frase latina “Valete,Fratres” (que pode ser traduzida como “Adeus, irmãos”ou “Saúde, irmãos” ou mesmo “Passai bem, irmãos”) soaao mesmo tempo como despedida e convite à reflexãotanto de cunho espiritual quanto de cunho nacionalista.

14 PESSOA, Fernando. Mensagem. Cotia (São Paulo): Ateliê Editorial, 2015, p. 151. 15 PESSOA, Fernando. Mensagem. Cotia (São Paulo): Ateliê Editorial, 2015, p. 187.

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1. (UFRGS) – Assinale a alternativa CORRETA sobreMensagem, de Fernando Pessoa. a) Mensagem traz as marcas da vanguarda sensacio -

nista, na medida em que busca articular a história dePortugal ao mito, em um mesmo poema.

b) A imagem do mar expressa simbolicamente a buscado infinito, que poderia apaziguar as almas ator -mentadas de Fernando Pessoa e de seus heterônimos.

c) Fernando Pessoa, nessa obra publicada em vida, deuvoz a seus heterônimos para expor uma visão poéticae múltipla sobre a história portu guesa.

d) Dom Sebastião é uma figura central para com -preender Mensagem e a expectativa de uma possívelredenção de Portugal.

e) Os heróis da navegação portuguesa, símbolos doprocesso civilizacional, cristão, levado aos povoscolonizados, são euforicamente celebra dos emMensagem.

2. (UNICAMP) – Leia o poema “Mar Português”, deFernando Pessoa.

MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. (Disponível em http://www.jornaldepoesia.jor.br/fpesso03.html.)

No poema, a apóstrofe, uma figura de linguagem, indicaque o enunciador a) convoca o mar a refletir sobre a história das nave -

gações portuguesas. b) apresenta o mar como responsável pelo sofri mento

do povo português. c) revela ao mar sua crítica às ações portuguesas no

período das navegações.

d) projeta no mar sua tristeza com as conse quên cias dasconquistas de Portugal.

3. (UFRGS – modificado) – Leia o poema abaixo,presente em Mensagem, de Fernando Pessoa.

NOITE

A nau de um deles tinha-se perdidoNo mar indefinido.O segundo pediu licença ao ReiDe, na fé e na leiDa descoberta, ir em procuraDo irmão no mar sem fim e a névoa escura.

Tempo foi. Nem primeiro nem segundoVolveu do fim profundoDo mar ignoto à pátria por quem deraO enigma que fizera.Então o terceiro a El-Rei rogouLicença de os buscar, e El-Rei negou.

Como a um cativo, o ouvem a passarOs servos do solar.E, quando o veem, veem a figuraDa febre e da amargura,Com fixos olhos rasos de ânsiaFitando a proibida azul distância.

Senhor, os dois irmãos do nosso Nome— O Poder e o Renome —Ambos se foram pelo mar da idadeÀ tua eternidade;E com eles de nós se foiO que faz a alma poder ser de herói.

Queremos ir buscá-los, desta vilNossa prisão servil:É a busca de quem somos, na distânciaDe nós; e, em febre de ânsia,A Deus as mãos alçamos.

Mas Deus não dá licença que partamos.

Considere as seguintes afirmações sobre o poema e suasrelações com o livro Mensagem.

Exercícios

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I. As três primeiras estrofes estão relacionadas a umcontexto histórico referente à expansão marítimaportuguesa, o que inclui as consequências dolorosasque acabaram por marcar a nação lusitana.

II. O sujeito lírico, na quarta e na quinta estrofes,assume a primeira pessoa do plural, sugerindo que odrama individual dos irmãos pode representar umproblema coletivo: a perda de poder e renome dePortugal, perda esta já associada à difícil situação dopaís no início do século XX, momento da escriturado poema.

III. O diagnóstico das perdas de Portugal está ausente emoutros poemas de Mensagem, por exemplo, “Marportuguês”, “Autopsicografia” e “Nevoeiro”, queapresentam a visão eufórica e confiante do sujeitolírico em relação ao futuro de Portugal.

Quais estão corretas?a) Apenas I. b) Apenas II. c) Apenas I e II. d) Apenas II e III. e) I, II e III.

Texto para a questão 4.

EPITÁFIO DE BARTOLOMEU DIAS

Jaz aqui, na pequena praia extrema,O Capitão do Fim, Dobrado o Assombro,O mar é o mesmo: já ninguém o tema!Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.

4. (FUVEST) – Mensagem, de Fernando Pessoa, é umaobra dividida em três partes: “Brasão”, “Mar Português”e “O Encoberto”.a) A que parte da obra pertence o poema transcrito?b) Que dados do poema permitem enquadrá-lo nessa

parte?

5. Uma outra frase famosa de Fernando Pessoa, “Tudovale a pena se a alma não é pequena”, encontra-se notrecho a seguir, retirado do poema “Mar Português”,pertencente ao livro Mensagem:

Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma não é pequena.Quem quer passar além do BojadorTem que passar além da dor.Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele é que espelhou o céu.

(Fernando Pessoa, Obra poética, p. 82.)

a) De que trata essa obra de Fernando Pessoa?b) Explique o sentido de pequena, no segundo verso.

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1) O sebastianismo é a crença do aparecimento deum rei (em alguns momentos da cultura portu -guesa, esse monarca não necessariamente seria D.Sebastião) que reergueria a dignidade do impérioportu guês. Essa doutrina é basilar para a com -preensão de Mensagem, que defende que arecuperação da gran dio sidade de Portugal estariano surgimento dessa figura mítica, que guiaria, deforma mais mítica do que política, mais espiritualdo que terrena, a nação lusitana.Erros das demais alternativas: a) o sensacionismo, doutrina que privilegia ao

extremo a sensação na apreensão da realidade,está presente em heterônimos pessoanos comoAlberto Caeiro e Álvaro de Campos, mas nãose manifesta na confecção de Mensagem;

b) e c) não há em Mensagem a alusão aos heterô -nimos de Fernando Pessoa;

e) parte de Mensagem, mais especificamente“Mar Português”, tem como tema os heróisque contribuíram para a expansão marítimaportuguesa; no entanto, é questionável que aabordagem feita seja eufórica; além disso, aobra não põe em foco a perspectiva dos coloni -zados, recebedores do cristianismo, mas a doscolonizadores.

Resposta: D

2) A apóstrofe, figura de linguagem, equivale, nasintaxe, ao vocativo. Por meio dela, o enunciadorinterpela o mar, ser personificado, com o propó -sito de refletir sobre as nave gações portuguesas.Resposta: A

3) A única afirmação errada é a III. Deve-selembrar, primeiro, que “Autopsicografia” não fazparte de Mensagem. Além disso, em “MarPortuguês”, o eu poemático mostra consciênciadas perdas que as grandes navegações legaram aPortugal, como comprovam os versos “Por tecruzarmos, quantas mães choraram, / Quantos

filhos em vão rezaram! / Quantas noivas ficarampor casar”. A mesma espécie de constatação podeser encontrada em “Nevoeiro”, como ratificamvários trechos, entre eles “Tudo é incerto ederradeiro / Tudo é disperso, nada é inteiro. / ÓPortugal, hoje és nevoeiro...”.Resposta: C

4) a) O poema “Epitáfio de Bartolomeu Dias”pertence à parte “Mar Português”.

b) “Mar Português” narra os feitos ligados àsgrandes navegações portuguesas, o que incluios de Bartolomeu Dias, que foi o primeiromarinheiro português a ultrapassar o extremosul da África e alcançar o Oceano Índico.Esses eventos estão metaforizados nas expres -sões “Capitão do Fim” (referência ao Cabodas Tormentas, limite de navegação superadopor Bartolomeu Dias) e “Dobrado o Assom -bro” (alusão ao feito surpreendente de dobrar,isto é, conseguir passar pelo Cabo dasTormentas).

5) a) Mensagem é uma reunião de textos poéticosque formam um longo poema no qual se cele -bram mitos e heróis da história portuguesaem torno da grande aventura que marcou opassado do país: o desbra vamento dos mares.Pessoa refere-se não propria mente ao Portu -gal histórico, mas ao Portugal mítico, cujacon quista não seriam os territórios concretosque outrora constituíram o seu império, mas a“Distância” imaterial e metafísica.

b) O adjetivo pequena não tem, no poema,sentido físico, mas moral, equivalendo a “mes -quinha”, “sem arrojo”, “inferior”.

MENSAGEM

GABARITOAS OBRAS DA FUVEST

PORTUGUÊS

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Anotações

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